100% corrida outubro

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CÃIBRA A importância da nutrição

RECUPERAÇÃO Pré e pós-MARATONA

Outubro 2017 Mensal www.corredoresanonimos.pt

QUANDO O CANSAÇO SIGNIFICA MAIS DO QUE UM MERO… CANSAÇO


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SUMÁRIO A IMPORTÂNCIA DA NUTRIÇÃO NA PREVENÇÃO DAS CÃIBRAS MUSCULARES

QUANDO O CANSAÇO SIGNIFICA MAIS DO QUE UM MERO… CANSAÇO

RECUPERAÇÃO: PRÉ E PÓS-MARATONA

FICHA TÉCNICA

O TREINO DA FORÇA NA ECONOMIA DA CORRIDA

DA ESCRAVIDÃO DO SÉCULO XIX PARA A GLÓRIA DO SÉCULO XXI

MAIS UM BRILHANTE COCKTAIL DE KEN FOLLET

Diretor Pedro Justino Alves Design e paginação Bárbara Viana & Ian Estevens hola@elrucanonim.com Morada Rua Ferreira Lapa, n.º 2 – 1.º andar 1150 – 157 Lisboa Número de contribuinte 199003092 Contatos (redação e publicidade) Telemóvel +351 964 245 271 Endereço eletrónico mail@corredoresanonimos.pt Colaboradores fixos Belino Coelho Tiago Marto N. de registo na Entidade Reguladora para a Comunicação Social: 127011 Estatuto editorial disponível online www.corredoresanonimos.pt www.facebook.com/corredoresanonimos.pt twitter.com/correranonimo


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AQUECIMENTO

A IMPORTÂNCIA DA NUTRIÇÃO NA PREVENÇÃO DAS CÃIBRAS MUSCULARES As cãibras são definidas como contrações musculares involuntárias que provocam desconforto e dor. Estas contrações devem-se principalmente à acumulação de ácido lático no tecido muscular e à ocorrência de desequilíbrios hidroeletrolíticos, refere a especialista Mariana Pinto. Foto: Lotte Löhr (Unsplash)

Primeiramente, é importante clarificar que este fenómeno pode não estar relacionado com a prática de exercício físico, uma vez que também ocorre em repouso, principalmente durante a noite. Alguns diuréticos e fármacos broncodilatadores podem, de igual modo, provocar o seu aparecimento. No entanto, e como este artigo se refere às cãibras associadas ao exercício físico, começo por dizer que estas são muito comuns durante ou imediatamente após certos eventos desportivos, requerendo, por vezes, uma intervenção por parte da equipa médica. Apesar da elevada prevalência de cãibras em atletas, a sua etiologia não está ainda completamente definida, sendo alvo de vários mitos.

O estado de hidratação dos atletas parece ser um fator decisivo no aparecimento, pelo que é fundamental que este seja devidamente salvaguardado, de acordo com a modalidade praticada e as necessidades específicas de cada atleta. A cor da urina tem sido referida como um bom indicador do estado de hidratação, sendo importante mantê-la o mais clara possível. Em atletas cuja modalidade exija uma atividade física intensa, prolongada e, principalmente, se for realizada sob temperaturas elevadas, uma correta hidratação (recorrendo, se necessário, a bebidas desportivas) pode atrasar o aparecimento de cãibras. Se o atleta apresentar história prévia de cãibras, será ainda mais importante salvaguardar este ponto.


AQUECIMENTO

Outra potencial causa de cãibras poderá ser uma elevada perda de sódio através da transpiração. Desta forma, atletas que expelem maiores quantidades de sódio pelo suor poderão ter uma maior propensão a estes sintomas. Alguns sinais indicadores de perdas elevadas de sódio pela transpiração incluem: sensação de ardência ocular, manchas

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brancas no equipamento e/ou suor salgado. Neste quadro, uma boa estratégia será reforçar ligeiramente a dieta do atleta com sódio, assim como assegurar uma correta reposição eletrolítica durante o momento competitivo (por exemplo, ingerir uma bebida desportiva antes e durante o treino/prova).


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MAGNÉSIO PARA EVITAR AS CÃIBRAS Assegurar uma correta hidratação e um adequado aporte de sódio serão suficientes para evitar as cãibras? Parece que não! Um estudo recente (Schwellnus et al., 2011) revelou que, mesmo com todos estes fatores assegurados, alguns atletas de endurance desenvolveram episódios de cãibras. Face aos resultados obtidos, os autores concluíram que o exercício físico de elevada intensidade é, por si só, um factor de risco para o aparecimento de cãibras. De facto, este estudo corrobora a origem neuromuscular das cãibras e reforça a importância de uma atuação multidisciplinar (medicina, exercício, nutrição), por forma a controlar e evitar a sua ocorrência. O treino neuromuscular tem sido referido como uma boa medida a ter em conta para a prevenção e/ou melhoria das cãibras. E porque ainda não falei do magnésio? A falta de magnésio não é a principal causa de cãibras? Não! Exatamente porque não existe evidência científica que comprove uma associação entre a ingestão de magnésio e a origem de cãibras. Apesar disso, a ingestão de alimentos ricos em magnésio (frutos gordos, cereais integrais, farelo de trigo, produtos hortícolas e leguminosas) é extremamente importante e essencial, não só em atletas, mas também em indivíduos sedentários. Em atletas, parece mesmo existir uma relação entre a ingestão de magnésio e a performance desportiva. Mas então todos os atletas deveriam recorrer à suplementação em magnésio? Na minha opinião, não. Em atletas saudáveis, uma alimentação equilibrada e variada, que responda às necessidades energéticas de cada atleta, é capaz de assegurar o aporte deste micronutriente.

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PARA PREVENIR O APARECIMENTO DE CÃIBRAS, TENHA EM CONTA: • Uma hidratação adequada antes, durante e após o treino/competição, com recurso a bebidas desportivas, se necessário; • Um aporte de sódio apropriado; • Uma alimentação saudável – equilibrada, variada e completa!


AQUECIMENTO

Referências bibliográficas: Schwellnus MP. Cause of exercise associated muscle cramps (EAMC)--altered neuromuscular control, dehydration or electrolyte depletion? British journal of sports medicine. 2009; 43(6):401-8. Braulick KW, Miller KC, Albrecht JM, Tucker JM, Deal JE. Significant and serious dehydration does not affect skeletal muscle cramp threshold frequency. British journal of sports medicine. 2013; 47(11):710-4. Garrison SR, Dormuth CR, Morrow RL, Carney GA, Khan KM. Nocturnal leg cramps and prescription use that precedes them: a sequence symmetry analysis. Archives of internal medicine. 2012; 172(2):120-6. Garrison SR, Allan GM, Sekhon RK, Musini VM, Khan KM. Magnesium for skeletal muscle cramps. The Cochrane database of systematic reviews. 2012; 9:CD009402.

Schwellnus MP, Drew N, Collins M. Increased running speed and previous cramps rather than dehydration or serum sodium changes predict exercise-associated muscle cramping: a prospective cohort study in 210 Ironman triathletes. British journal of sports medicine. 2011; 45(8):650-6. Miller KC, Stone MS, Huxel KC, Edwards JE. Exercise-associated muscle cramps: causes, treatment, and prevention. Sports health. 2010; 2(4):279-83. Setaro L, Santos-Silva PR, Nakano EY, Sales CH, Nunes N, Greve JM, et al. Magnesium status and the physical performance of volleyball players: effects of magnesium supplementation. Journal of sports sciences. 2014; 32(5):438-45. Lukaski HC. Magnesium, zinc, and chromium nutriture and physical activity. Am J Clin Nutr. 2000 Aug;72(2 Suppl).

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Santos DA, Matias CN, Monteiro CP, Silva AM, Rocha PM, Minderico CS, et al. Magnesium intake is associated with strength performance in elite basketball, handball and volleyball players. Magnesium research : official organ of the International Society for the Development of Research on Magnesium. 2011; 24(4):215-9. American Dietetic Association; Dietitians of Canada; American College of Sports Medicine, Rodriguez NR, Di Marco NM, Langley S. American College of Sports Medicine position stand. Nutrition and athletic performance. Med Sci Sports Exerc. 2009 Mar;41(3):709-31. Newhouse IJ, Finstad EW. The effects of magnesium supplementation on exercise performance. Clin J Sport Med. 2000 Jul ;10(3):195-200.


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FADIGA

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Após as férias, muitos atletas regressam aos treinos como se não tivessem parado algumas semanas. É assim normal que, nos primeiros dias, semanas e meses, acabem por trabalhar tendo como único intuito recuperar o tempo perdido. No entanto, uma “Periodização do Treino” mal planeada acarreta sérios problemas futuros a nível de saúde. Fomos falar com Paulo Caldeira, Fisiologista do Exercício, personal trainer e treinador de Força e Condição Física, sobre a Fadiga de Treino, algo que poderá acarretar na síndrome de "Overtraining", presente em muitos atletas que desconhecem por completo o seu problema.


FADIGA

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O que é a fadiga? A fadiga é uma conceção muito complexa que envolve fatores psicológicos e fisiológicos. Não é um processo raro e pode ser sentido inclusive na ausência de exercício físico. A fadiga física pode ser definida como o estado de perturbação na homeostasia (tendência dos organismos para o equilíbrio fisiológico) devido ao esforço e/ou ambiente. Podemos distinguir entre fadiga localizada e fadiga central. A fadiga localizada induzida pelo exercício pode ser definida como qualquer redução da capacidade máxima de gerar força ou potência. Se o nível for elevado, ou mais especificamente se for superior ao definido como “o nível habitual de atividade física” para o indivíduo, os problemas começam cedo e rapidamente aumentam. Se a atividade for baixa, os problemas aparecem mais tarde e são mais prolongados. Embora os sintomas de fadiga possam aparecer mais tarde, os processos subjacentes à fadiga, durante a atividade fatigante, começam a desenvolver-se logo que a atividade é iniciada. A fadiga central é definida como qualquer redução da contração voluntária máxima induzida pelo exercício que não seja acompanhada pela redução da força máxima. A síndrome de "overtraining" pode estar associado a recuperação insuficiente e fadiga muscular. Provavelmente está relacionada com insuficiente recuperação metabólica e a incapacidade total de recuperar do stress imposto pelo exercício.

Como saber que estamos a sofrer de fadiga de treino? Podemos apontar alguns sintomas e sinais normalmente relacionados com a síndrome de "overtraining". Os sintomas subjetivos de fadiga podem ir de uma ligeira sensação de cansaço até à exaustão. Os sintomas mais comuns da síndrome de "overtraining" passam por fadiga prematura, baixa performance, mudanças de humor, instabilidade emocional e pouca motivação. A hipoglicemia durante o esforço e cãibras estão entre os sinais mais evidentes de "overtraining".

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E como podemos evitar a fadiga de treino? Devemos ter em conta o controlo de vários fatores para que o processo de treino não resulte em fadiga excessiva. Nomeadamente, a correta aplicação das cargas de treino, a alimentação e a hidratação. A alimentação deve ser variada e incluir proteínas, frutas, legumes e hidratos de carbono, ajudando a manter os níveis de glicogénio durante o exercício. Beber água durante o dia e uma bebida rica em eletrólitos durante a atividade física é importante para prevenir a desidratação, perda de eletrólitos e a fadiga muscular.

FADIGA

O descanso é algo essencial para a recuperar da fadiga? A recuperação é fundamental para um correto processo de desenvolvimento das capacidades físicas. Ter o tempo apropriado de recuperação permite ao corpo adaptar-se ao estímulo de treino. Se o corpo não tiver tempo suficiente para recuperar e adaptar-se, não só não terá o mesmo nível no próximo treino ou competição como poderá iniciar um processo de fadiga acumulada que irá comprometer todo o planeamento.


FADIGA

A recuperação é o período que permite ao corpo assimilar as adaptações desejadas e deve receber o mesmo nível de atenção que o treino. É necessário um plano de recuperação que permita que as adaptações desejadas tomem o seu lugar.

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Existem algumas técnicas de recuperação que podem facilitar o processo de recuperação, como o “myofascial release”, as massagens ou os banhos contraste.

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Fadiga de treino é mais natural nos corredores iniciados ou avançados? Para evitar a fadiga excessiva e prejudicial ao desenvolvimento das capacidades do atleta é fundamental controlar o volume e intensidade dos treinos. A NSCA (National Strength and Conditioning Associattion) sugere uma forma progressiva de aumentar a frequência de treino, como podemos ver na tabela abaixo.

INICIADO DIAS

DIAS

INTERMÉDIO

AVANÇADO

5 dias 4 dias 3 dias 2 dias de repouso de repouso de repouso de repouso 2 dias de treino

3 dias de treino

4 dias de treino

5 dias de treino

1 dia de repouso

6 dias de treino

Tabela 1: Relação Frequência e nível de treino (adaptado de NSCAs Essentials of Personal Training – 2th Edition – NSCA Human Kinetics, 2012)

Para além da frequência, é também fundamental controlar a intensidade do treino, como propõe por exemplo o ACSM (American College of Sport Medicine).

FREQUÊNCIA

INTENSIDADE

DURAÇÃO

5 dias/ semana

Moderada (40-60% FCr)

30 - 60 minutos

3 dias/ semana

Vigorosa (60-90% FCr)

20 - 60 minutos

Tabela 2: Relação entre dias de treino e intensidade - (adaptado de ACSM's Guidelines For Exercise Testing and Prescription – 9th Edition, LWW, 2013) *FCr: Frequência Cardíaca de Reserva

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Evidentemente que a fadiga de treino influencia no planeamento de uma corrida? Uma correta periodização do treino é fundamental para evitar a fadiga excessiva. De modo a promover o treino a longo prazo e melhorias na performance, deve existir sempre um correto planeamento, com variações sistemáticas na especificidade do treino, intensidade e volume. Deve ser organizado em períodos ou ciclos, enquadrados com o programa de treino geral. Este processo dá pelo nome de “Periodização do Treino”.

FADIGA

O “overtraining” aproxima o corredor da lesão, correto? Poderá haver um aumento de risco de lesão e outros sintomas associados ao “overtraining” caso não se respeite os princípios da sobrecarga e da progressão. A sobrecarga refere-se à atribuição de um programa de treino de intensidade superior ao que o atleta está habituado. A aplicação óbvia deste princípio, na elaboração de programas de treino, implica aumentar as cargas dos exercícios na medida adequada. Devemos sempre respeitar o princípio da progressão, ou seja, promovendo aumentos que constituam um estímulo maior do que o atleta está habituado, mas de forma sistemática e gradual. As opções de sobrecarga e progressão do treino devem ser sempre baseadas no nível do atleta.


Mapa


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RECUPERAÇÃO

RECUPERAÇÃO: PRÉ E PÓS-MARATONA No dia 15 de outubro teremos a Maratona de Lisboa, que engloba também a Meia-maratona e a Mini. Neste artigo, o nosso especialista Belino Coelho aborda a recuperação da Maratona, antes e depois da prova. Conselhos para ler com atenção, tanto agora como depois do dia 15 de outubro… Texto: Belino Coelho

Terminar uma Maratona é relativamente fácil... O difícil é treinar para ela! Correr 42,195 km requer disciplina, tempo, dedicação, abdicação, força de vontade e, principalmente, uma atenção especial à alimentação e à recuperação. Ao olhar com atenção para o título deste artigo, o leitor deve estar a perguntar: «Mas como recuperação pré-Maratona se a mesma ainda nem aconteceu?» A recuperação pré-Maratona é menosprezada por muitos atletas, um menosprezo que acaba por deixar mazelas no fim dos 42,195 km: «Treinei bastante e muito bem mas não consegui alcançar o resultado que estava à espera…», pensa habitualmente o corredor, já com a medalha na mão.

Claro que há inúmeros fatores que podem comprometer o resultado final e um deles é justamente a falta de atenção dado à recuperação durante os treinos de preparação para a Maratona. Conheço inúmeros atletas que treinaram, treinaram e treinaram mas jamais olharam com o devido cuidado e importância para tal requisito, que deve ser trabalhado de forma ativa ou passiva. A planificação correta da recuperação permitirá que o atleta corra a Maratona no seu ápice e, principalmente, 100% recuperado, podendo assim usufruir de toda a condição física adquirida ao longo do tempo nos treinos. Ao meso tempo, é mais provável que o sucesso e os objetivos sejam alcançados.


RECUPERAÇÃO

Na recuperação ativa podemos manter os treinos de qualidade da semana ao mesmo tempo que diminuímos as cargas de intensidade e volume. O objetivo é manter a condição adquirida ou adotar uma semana regenerativa com treinos leves (no caso dos atletas profissionais, por exemplo, podem ter metade ou mesmo uma semana inteira com apenas uma sessão diária de treino). Já na recuperação passiva o atleta não faz qualquer tipo de esforço físico. O seu principal cuidado será não ficar vários dias sem treinar, já que não deve ocorrer a perda da condição física adquirida.

A falta ou a recuperação inadequada poderá causar algum cansaço, prejudicial com o acumular do tempo. É o que chamamos tecnicamente de “volume residual”. Caso não seja devidamente eliminado do organismo, o volume residual dificultará a assimilação dos efeitos benéficos das sobrecargas de treino as quais o atleta foi exposto, prejudicando deste modo o seu rendimento durante a Maratona. No pior dos casos o corredor poderá ser vítima da síndroma de “overtraining”, o que o levará a fadiga (não há mais motivação e disposição para treinar e o esforço junto com o sofrimento é maior) ou as lesões.

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Como treinador, compreendo o que vai na mente dos atletas. O pensamento que paira é o seguinte: «Treinar “leve” é perder tempo, perder condição física. Enfim, não estou a evoluir.» A palavra e a ação em si remetem a uma falsa sensação de perda, o que na verdade é um grande mito que existe na cabeça dos corredores, um mito urbano que acaba por levar ao insucesso na Maratona, por exemplo. Volto a ressaltar que DESCANSO também é treino, infelizmente algo que muitos atletas não consideram com algo verdadeiro.


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RECUPERAÇÃO

A recuperação está intimamente ligada com a carga de treino que é aplicada, tanto em relação ao volume quanto a intensidade, mas também do tempo de treino e o nível de condição do atleta no presente. Essas variáveis, se interpretadas corretamente, fornecerão informações importantes sobre o tempo de recuperação necessário para uma determinada carga de treino. Na elaboração da planificação, a recuperação deve ser sempre considerada e trabalhada de forma sistemática e progressiva. Sabemos que, ao aplicarmos uma nova carga de treino ao corredor, esta causará alguns danos fisiológicos, psicológicos e estruturais, o que obriga que o período de recuperação seja maior do que o habitual. No entanto, com o decorrer do tempo e para essa mesma carga, a recuperação tende a ser cada vez menor, permitindo desta forma a aplicação de uma outra nova carga.

Por exemplo: faltando 60 dias para uma Maratona, um atleta faz o seu primeiro treino longo de 30 km tendo como objetivo o desenvolvimento da resistência aeróbia. O período de recuperação nesses casos poderá variar entre 20 e 25 dias. Vamos considerar que, nesse caso em concreto, a recuperação foi de 25 dias. De acordo com a planificação, concluo que o mesmo treino longo, agora com o objetivo de estabilizar a condição adquirida, deverá ocorrer após o 25.ª dia e que a sua recuperação ocorrerá num tempo menor, por exemplo, entre 15 e 20 dias. Dessa forma, o próximo treino longo, com volume igual ou maior, poderá ocorrer entre 15 e 20 dias. A planificação correta da recuperação permitirá que o atleta corra a Maratona no seu ápice e, principalmente, 100% recuperado, podendo assim usufruir de toda a condição física adquirida ao longo do tempo nos treinos. Ao meso tempo, é mais provável que o sucesso e os objetivos sejam alcançados.


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A RECUPERAÇÃO PÓS-MARATONA

RECUPERAÇÃO

Logo após a Maratona, a prioridade volta a ser… a recuperação. Esse período, na planificação do treino, é chamado de “transição” e prioriza o descanso ativo. O atleta deverá assim praticar outro tipo de atividade, como natação ou ciclismo, ou continuar a correr, mas com volume e intensidade reduzidas. A duração desse período de recuperação em concreto, no caso dos atletas amadores, poderá variar entre 4 e 6 semanas. Portanto, é primordial não participar em competições ou realizar treinos de intensidade no período pós-Maratona. Por mais que o corredor esteja bem, ele deve ter em consideração de que o seu organismo foi exposto a um desgaste muito grande em relação à parte fisiológica, estrutural e psicológica. Menosprezar a recuperação nesse período poderá aumentar consideravelmente o aparecimento de lesões a curto, médio ou longo prazo.


RECUPERAÇÃO

Uma forma de verificar como o organismo se encontra após a conclusão de uma Maratona é fazer um exame de sangue completo e minucioso, já que assim poderemos analisar alguns indicadores, se os mesmos são alvo de alterações significativas. Exemplos? Aumento da enzima CPK, miosina, troponina I, mioglobina, cortisol, diminuição dos sais minerais, cálcio, glicogénio, glóbulos brancos, etc. Nesse período de recuperação é também importante dar atenção especial a alimentação. Se a mesma for deficitária, a recuperação será prejudicada, comprometendo todo o novo ciclo de treino. Se quisermos fazer uma analogia do período pós-Maratona com um telemóvel, é como se estivéssemos a recarregar a bateria do nosso smartphone. Se o tirarmos da tomada antes do mesmo estar 100% recarregado, teremos menos tempo de uso, podendo ainda comprometer o funcionamento correto da bateria.

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Deixo agora algumas dicas que auxiliam na recuperação pós-Maratona, um fator infelizmente ignorado por milhares de atletas: • Procure praticar atividades alternativas como ciclismo e natação, sempre a baixa intensidade e baixo volume, na primeira semana pós-Maratona. • Na segunda semana retorne à corrida para que não haja uma perda acentuada da condição física alcançada. • A crioterapia, a massagem, a suplementação e outras atividades do género também são indicadas e ajudam a reduzir o tempo de recuperação. • Tenham como objetivo competições com um intervalo de tempo suficiente para a recuperação. • Mantenha sempre a motivação, principalmente para que seja possível preparar um novo ciclo de treino.

• A perda de condição física é inevitável no período de recuperação, mas é algo fundamental para atingir um patamar de condição ainda melhor no próximo ciclo de treino. • A dieta deve ser elaborada de acordo com a fase de treino. A ingestão de calorias na recuperação deverá ser menor para que não haja um aumento de peso. O maior erro dos atletas, nesta fase, é manter a mesma alimentação que tinha nas anteriores duas fases. Se isso acontecer, voltará certamente com mais peso • Tenha em mente que a evolução da condição física do atleta acontece por três fatores: treino adequado, alimentação e descanso. Ou seja, o DESCANSO também é treino, jamais o ignore.


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ENQUANTO CORRO

Algumas das razões pelas quais muitas das vezes esse treino é preterido em relação a outros prende-se com o receio no aumento do peso, a falta de tempo, a falta de conhecimento e, também, o facto deste tipo de treino ainda não estar disseminado no seio da corrida de fundo, o que faz com que muitas pessoas acreditem que o treino da corrida é só correr.

Tiago Marto

Fisioterapeuta e ex-atleta de Alta Competição de Atletismo

Gostaria de iniciar uma série de posts em que irei aprofundar, de forma mais específica e direta, as várias componentes que devem fazer parte do treino para as provas de fundo. Uma das componentes que desempenha um papel muito importante neste aspeto é o treino de força na corrida.

Neste texto irei apenas concentrar-me na parte da economia da corrida, algo que preocupa bastante os atletas, principalmente os que correm as distâncias mais longas. Numa revisão sistemática realizada por Denadai et al. Sports Medicine 2017, em que procuraram encontrar relação entre a realização de treino de força sistemático e a economia da corrida, os investigadores concluíram que os atletas que se submeteram a treino de força durante 6 semanas conseguiram atingir os 2% de economia de esforço, enquanto que, com 16 semanas de treino, essa economia chegou a valores de 8%. Valores mais altos


ENQUANTO CORRO

de economia de esforço durante a corrida poderão ser atingidos se os atletas se submeterem ainda mais tempo a um treino estruturado de força. O protocolo de treino era constituído por treino de força com carga e treino explosivo, sendo que o treino de força em isometria não produziu os mesmos efeitos. Sendo assim, devemos concluir que, para potenciarmos todas as nossas características físicas que irão ser responsáveis pela melhoria das nossas prestações em corridas longas, devemos, obrigatoriamente, introduzir o treino de força no nosso planeamento. Até ao próximo artigo! Boas corridas.

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HÁ VIDA ALÉM DA CORRIDA

DA ESCRAVIDÃO DO SÉCULO XIX PARA A GLÓRIA DO SÉCULO XXI Um dos acontecimentos literários nos Estados Unidos, «A Estrada Subterrânea», que venceu o National Book Award 2016 para Ficção e o Pulitzer 2017 para Ficção, colocou de vez o nome de Colson Whitehead nas bocas dos seus compatriotas, mas também do Mundo. No nosso país, a edição é da Alfaguara. Texto: Pedro Justino Alves

O grande mérito de Colson Whitehead com «A Estrada Subterrânea» foi ter oferecido uma renovada visão sobre um tema retratado milhares de vezes nos Estados Unidos: a escravidão. O autor mescla com brilhantismo a realidade com a lenda, ao mesmo tempo que apresenta uma história comovente, concretamente a história de Cora, escrava que foge de uma plantação de algodão na Georgia percorrendo a denominada “Undergroung Railroad”, uma linha de comboio subterrânea utilizada por milhares de negros em busca da liberdade durante o período esclavagista. Perseguida por um caçador de escravos, o leitor acompanha a fuga de Cora, que atravessa vários estados americanos tendo como objetivo chegar aos Estados Livres do Norte ou ao Canadá.

De referir que a “Undergroung Railroad” não é ficção, já que era um grupo abolicionista clandestino criado no século XIX que procurou ajudar os negros a fugir do seu atroz destino no Sul. Coube a imaginação de Whitehead em trazer a “Undergroung Railroad” da superfície para o subterrâneo os trilhos percorridos pelos seus “passageiros”, num trajeto que teve o dom de salvar milhares de escravos da morte, além de ter tido um papel crucial na Abolição da Escravatura (após a Guerra da Sucessão). A mente de Whitehead criou uma verdadeira rede de estações secretas, unidas por túneis. É por elas que percorremos uma história apaixonante, numa clara mensagem de que o destino é feito apenas e só por nós próprios. Com tons épicos e universais, facilmente o leitor se identifica com


HÁ VIDA ALÉM DA CORRIDA

«A Estrada Subterrânea», onde a liberdade, e a sua própria interpretação, é a palavra de ordem. É em busca dela que Cora percorre um país que, devido a sua extensão, é bastante diferente de Estado para Estado. É através da protagonista que o leitor também conhece um país que continua a não conviver do melhor modo com o seu passado, já que a escravidão ainda hoje provoca um enorme desconforto na sociedade norte-americana (e o racismo nada mais é do que o legado cultural deixado por esse mesmo passado). Não é por acaso que o autor faz questão de abordar a própria conceção de escravidão, recorrendo ao sofrimento social que o próprio racismo produz. Através da fuga de Cora, Whitehead aborda o coletivo, num livro absolutamente fundamental nos dias de hoje. Além da liberdade e da escravidão, o norte americano também aborda magistralmente o horror da submissão, numa história poderosa na qual é obrigado a recorrer por vezes a uma narração bastante crua e dura, mas, ao mesmo tempo, comovedora. O que faz Whitehead é converter «A Estrada Subterrânea» num testamento sobre a própria condição humana, algo que muitos desejam, mas poucos alcançam. Não falta nem mesmo a esperança no renascimento da Humanidade, embora sustentada por pilares onde a inocência predomina, o que não deixa de ser algo assustador, já que, se não há esperança, o que há para o Homem? A verdade é que, ao longo do seu livro, Whitehead jamais perde de vista o horror da escravidão, que acompanha a “alma” de cada personagem, escravidão que limita tanto a liberdade como a própria identidade de cada um.

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Por último, refira-se que «A Estrada Subterrânea» é um dos cinco livros de sempre que obteve o Pulitzer e o National Book Award, simplesmente os mais importantes prémios literários dos Estados Unidos. Os seus direitos já foram comprados pela Amazon, que vai produzir uma série, sendo realizada por Barry Jenkins, de «Moonlight», vencedor do Oscar de Melhor Filme no ano passado.

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HÁ VIDA ALÉM DA CORRIDA

MAIS UM BRILHANTE COCKTAIL DE KEN FOLLET Ken Follet está de regresso com «Uma Coluna de Fogo», obra editada mais uma vez pela Presença, casa-mãe do autor. O livro segue a saga de «Os Pilares da Terra» (1989) e «Um Mundo sem Fim» (2007), na já mítica cidade de Kingsbridge. Texto: Pedro Justino Alves

«Uma Coluna de Fogo» relata a história de Ned Willard, espia protestante, e a católica Margery Fitzgerald. Ambos lutam pela sua relação, numa altura em que o ódio religioso do século XVI, durante o reinado de Isabel I, impera (semelhanças com o presente?). Mas Follet introduz também outros fatores de interesse, como a criação do primeiro serviço secreto do reino, criado por Isabel Tudor com o intuito de manter o seu Governo, bastante contestado a nível interno e externo, principalmente por parte de Maria Estuardo, rainha da Escócia e herdeira legítima do trono de Inglaterra, que aguarda pacientemente pela sua oportunidade em Paris. Ou seja, mais uma vez Follet explora a intriga e o conflito, tanto humano como social. Num fresco de um período bastante conturbado na Europa, que abarca mais uma vez meio século, o autor de «Os Pilares da Terra», obra que o catapultou para o fenómeno literário que é hoje, aborda de forma magistral o ódio e a incompreensão, num livro que está muito mais próximo dos nossos dias do que seria suposto imaginar, como comprovam os

ataques terroristas que assolam o Mundo todo, principalmente no continente europeu. Através da improvável relação entre Ned e Margery, Follet aborda o extremismo religioso, a incompreensão dos atos humanos suportados pela religião e os seus supostos ideais. Mais uma vez, o autor escreve uma obra onde o ritmo jamais abranda, o que faz da leitura de «Uma Coluna de Fogo» algo absolutamente viciante. Como nos anteriores livros, grande parte da ação decorre na cidade fictícia de Kingsbridge, embora não esteja limitada às suas fronteiras, muito pelo contrário. Por exemplo, Sevilha é um dos palcos por onde passam os personagens do livro, com Follet a colocar pessoas comuns no meio de vários acontecimentos históricos. Aliás, este é o grande mérito do gaulês, já que, sem perceber como, o leitor “vê” de repente os protagonistas da obra a vivenciarem os grandes momentos que marcaram a História da Europa, momentos que acabaram por definir muito do que somos hoje.


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Como aconteceu em «Os Pilares da Terra» (1989) e «Um Mundo sem Fim», Ken Follet mantém as caraterísticas marcantes dos seus livros históricos, como o seu profundo trabalho de pesquisa, oferecendo ao leitor uma verdadeira aula de História e documentação suficiente para entender todo o período que envolve o eixo narrativo; uma trama que jamais perde a tensão e a surpresa, própria dos melhores bestsellers comerciais; personagens cativantes, dos heróis aos vilões, que geram uma empatia quase imediata; e inúmera ação, que consegue manter o leitor “agarrado” à leitura a todo o momento, mesmo as mais violentas. Ou seja, Follet consegue mais uma vez fazer um delicioso cocktail que dificilmente não vai agradar o “paladar literário” do seu público. Nos dias de hoje, o gaulês talvez seja um dos autores que melhor trabalha todos os imprescindíveis elementos da literatura comercial, algo facilmente verificável em «Uma Coluna de Fogo», um livro que visa principalmente o entretenimento e que, devido aos sobrenomes de alguns personagens, nos ligam a velhos personagens que viveram connosco outras aventuras, concretamente em «Os Pilares da Terra» (1989) e «Um Mundo sem Fim». Recorde-se que, em «Os Pilares da Terra», que vendeu mais de 26 milhões de exemplares, Follet aborda a construção de uma catedral gótica em Kingsbridge na Inglaterra do século XII e as intrigas existentes para colocar a obra arquitetónica em pé. Já em «Um Mundo sem Fim» (12 milhões de exemplares), o autor regressa à Kingsbridge dois séculos depois para acompanhar as vidas de Merthin, Ralph, Caris e Gwenda, que, quando crianças, presenciaram a morte de dois homens por um cavaleiro. As quatro vivenciam

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ainda um dos grandes desastres da Europa do século XIV, a Peste Negra, que vitimou metade da população do Velho Continente. Como curiosidade, refira-se que o galês, no conjunto das suas obras, grande parte editada no nosso país pela Presença, já vendeu cerca de 160 milhões de livros…


PERCURSO DESLUMBRANTE CASCAIS-LISBOA


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