100 Corrida %
DESCANSO O treino invisível...
CORRER NA VÉSPERA Talvez não o deva fazer...
Julho 2017 Mensal
№5 www.corredoresanonimos.pt
MUNDIAL DE TRAIL A FLORESTA SAGRADA DE TIAGO ROMÃO
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SPEEDCROSS SERIES
SUMÁRIO NÃO DEIXE QUE O VERÃO ESTRAGUE O OUTONO/INVERNO CORRER NA VÉSPERA DA PROVA SIM OU NÃO?
MUNDIAL DE TRAIL A FLORESTA SAGRADA DE TIAGO ROMÃO
FICHA TÉCNICA
A MAGIA DA FLORESTA SAGRADA
Diretor Pedro Justino Alves Redação Ana Borges Design e paginação Bárbara Viana & Ian Estevens hola@elrucanonim.com
CORRER OU NÃO CORRER? EIS A QUESTÃO!
Morada Rua Ferreira Lapa, n.º 2 – 1.º andar 1150 – 157 Lisboa Número de contribuinte 199003092
PEDALAR 1000KM NA ISLÂNDIA
Contatos (redação e publicidade) Telemóvel +351 964 245 271 Endereço eletrónico mail@corredoresanonimos.pt Colaboradores fixos Belino Coelho Colaboradores da presente edição Tiago Marto
N. de registo na Entidade Reguladora para a Comunicação Social: -
O ADORADO ZÉ NINGUÉM DE GEORGE E WEEDON GROSSMITH
Estatuto editorial disponível online www.corredoresanonimos.pt www.facebook.com/corredoresanonimos.pt twitter.com/correranonimo
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AQUECIMENTO
NÃO DEIXE QUE O VERÃO ESTRAGUE A SUA PREPARAÇÃO PARA O OUTONO/INVERNO
Chegou a época mais desejada do ano, o Verão, sinónimo de momentos em família, praia e descanso. No entanto, e devido às provas de setembro em diante, muitos são os corredores que continuam os seus treinos, acordando cedo mesmo em férias para não prejudicarem o tempo passado com os familiares e amigos. Apesar dos dias serem mais longos, é necessário ter cuidado com o Sol… Texto: Pedro Justino Alves
AQUECIMENTO
Há alguns anos, o treinador de Caroline Rotish, vencedora da Maratona de Boston em 2015, ressaltou os “perigos” do Verão na preparação de um atleta, seja ele profissional ou amador. Na altura, Ryan Bolton referiu o seguinte: «Há muitas distrações para os atletas durante o Verão e nos meses mais quentes. Por isso é necessário criar “tempo de antecedência” para os treinos.» E o que entende Bolton por “tempo de antecedência”? Simplesmente criar pequenas metas/tarefas que garantam a conclusão dos objetivos propostos pelos corredores para o Outono/Inverno. A verdade é que, se não houver uma cuidada
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preparação para a estação mais quente do ano, todo o trabalho que foi realizado nos meses anteriores provavelmente não servirá para nada, defraudando o atleta, que ficará desiludido com a sua performance nas provas agendadas para depois do Verão. Ou seja, é essencial evitar a estagnação, embora isso não signifique “abdicar” dos principais meses da estação mais desejada por todos, julho e agosto. O essencial é encontrar o equilíbrio, já que Verão não significa deixar de fazer praia ou renunciar a conversa de fim de noite com os amigos devido aos treinos. Há tempo para tudo!
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AQUECIMENTO
Siga, estes quatro conselhos:
PARTICIPE DE UMA CORRIDA
Não é por acaso que as corridas de 5 e 10 km são tão populares durante a temporada de Verão. Na estação mais quente do ano, as pessoas não estão dispostas a correr provas com grandes distâncias, não só devido ao calor, mas por “roubar” tempo a família (que aliás já é roubado durante o ano...). Para essas corridas, o ideal é treinar no mínimo entre 3 e 4 vezes por semana.
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Estas duas distâncias são ideias para aprimorarmos a velocidade. Os iniciantes nos 5 e nos 10 km podem fazer o seguinte exercício nos treinos, uma vez por semana: adicionar uma escala de velocidade entre 5 (velocidade de corrida) e 10 (máxima velocidade alcançada), com duração entre 30 e 60 segundos num intervalo de 2 minutos. Para os mais rápidos, Bolton sugere um exercício de curta duração, uma a duas vezes por semana. O objetivo é fazer repetições fortes de 200m em distâncias de 600m. No intervalo entre as séries, trabalho de recuperação para desenvolver a força física, mental e o descanso. No entanto, os corredores que pretendem alcançar novos recordes pessoais nos 5 e nos 10 km não podem descurar o treino longo semanal tendo em vista a manutenção da capacidade aeróbica. Por exemplo, Bolton coloca os seus atletas a correrem entre 85%-90% da FCmáx durante 5-7 km num treino de 13-16 km.
Devido a redução da carga, os especialistas recomendam o HIIT (Treino Intervalado de Alta Intensidade) como treino perfeito para esta época específica do ano, sendo que a velocidade de execução e o tempo de recuperação dos exercícios não deve exceder um minuto. O ideal é treinar de manhã, já que os benefícios do treino intervalado são prolongados a nível metabólico ao longo do dia. Outra solução é treinar de manhã e ao fim da tarde, embora de forma não tão intensa como se tivéssemos apenas uma sessão.
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REDUZIR A CARGA
O Verão é provavelmente o melhor momento para perder peso, muito devido ao consumo de muitas frutas e vegetais, as atividades ao ar livre são inúmeras e o calor reduz muitas vezes o apetite. Além disso, um estudo publicado na revista Medicine & Science revelou que treinar a temperaturas relativamente altas ajuda a queimar mais gordura corporal.
MANTER O FOCO
É complicado e difícil manter o foco quando estamos em viagem com os amigos e a família. Mas a verdade é que podemos assegurar dignamente a nossa forma com um número mínimo de quilómetros. Bolton defende que continuamos onde estávamos se corrermos 40% do nosso volume habitual semanal em 15 dias. O treinador de Caroline Rotish defende também que não podemos cair na armadilha de que não há tempo para treinar. Mesmo que sejam 20 minutos, temos de ir treinar, embora aumentando a intensidade do mesmo. Pranchas, burpees, agachamentos, etc. Há inúmeras soluções para ativarmos os nossos músculos, obrigando o coração a trabalhar. O importante é não estarmos parados durante 15 dias, algo fatal na preparação dos nossos treinos tendo em vista as provas futuras.
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RESISTÊNCIA AO CALOR
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Há corredores que reagem bem a “quentura”. A verdade é que estes serão recompensados no Outono, já que, ao estarmos climatizados ao calor, o corpo produz mais sangue tendo em vista a redução da temperatura corporal durante o exercício, melhorando deste modo o fornecimento de nutrientes aos grupos musculares, mesmo quando a temperatura desce. No entanto, devemos salientar que há um limite corporal para treinar devido ao excesso de calor, que varia de pessoa para pessoa. Bolton salienta que os seus atletas trabalham numa passadeira quando sente que os treinos serão sacrificados pelo calor. Evidentemente que os exercícios exteriores, na maioria das vezes, não correspondem em termos de rendimento aos mesmos dos realizados durante o Outono/Primavera. Por isso, é essencial “baixar as expetativas”, é primordial muitas vezes reduzir o volume se o “osciloscópio” e o nosso esforço não estiverem em harmonia.
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No Verão também é essencial procurar correr no início da manhã ou ao fim da tarde ou noite, sempre com roupas leves e de cores claras. Evidentemente que a hidratação também é essencial durante os treinos. Bolton sugere inclusive que os mesmos devem decorrer num raio relativamente médio da nossa casa para podermos assim hidratar do melhor modo.
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PREPARAÇÃO
CORRER UM DIA ANTES DA PROVA AJUDA OU ATRAPALHA?
COR Um dos rituais obrigatórios do Mundo Running é a famosa “corridinha” na véspera da prova. É raro encontrar um atleta que não “estique as pernas”, uma forma de descontração e ativação dos músculos. Mas será realmente necessário esse ritual implementado no ADN do corredor? Com a palavra, Belino Coelho, diretor técnico da Elite Assessoria Esportiva, do Brasil, e responsável pelo treino e orientação de mais de 150 atletas. Texto: Belino Coelho
Ponto número um e fulcral do tema que estamos a abordar na edição de julho da revista 100% Corrida: para saber se é valido treinar na véspera de uma competição é preciso antes de tudo analisar o histórico do corredor, conhecer o seu ciclo de treino, saber quantas sessões costuma realizar durante a semana, contabilizar o seu volume de treino e descobrir como foi o seu comportamento em provas anteriores após treinar na véspera. Só assim poderemos chegar a uma conclusão “científica”, ou seja, se a “corridinha” no dia anterior é ou não é benéfica para o caso específico.
tipo leva em torno de seis a oito horas para recuperar) ou um treino mais leve, regenerativo, caso o corredor tipo tenha realizado um treino forte no dia precedente ou esteja com sintomas de cansaço. Neste último caso, treinar na véspera será bastante benéfico, visto que, com o treino mais leve, haverá um aumento da oferta de oxigénio e nutrientes aos músculos, permitindo a recuperação de alguma fibra “lesada” além da recomposição do glicogénio muscular e a retirada e diminuição das toxinas provenientes do metabolismo.
Se o corredor já treina há muito tempo e está acostumado a fazer entre quatro e seis sessões de treinos por semana, provavelmente não haverá problema algum em treinar na véspera, já que a sua recuperação pós-treino é muito rápida. Neste caso em concreto, no dia anterior ao grande dia, esse atleta vai realizar uma “rodagem” normal (respeitando sempre o volume de treino programado, já que, habitualmente, o organismo desse atleta
No entanto, se é um corredor que habitualmente treina menos de quatro sessões semanais, independentemente de quanto tempo já corre, o treino na véspera provavelmente poderá atrapalhar o seu rendimento na prova. Isso acontece devido ao organismo desse atleta em particular se recuperar de forma mais lenta por não estar acostumado às quatros sessões de treino ou a correr dois dias seguidos, acarretando um maior tempo para a recuperação. No
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dia da prova, em função do treino da véspera, mesmo que tenha sido curto e leve, houve uma depleção de glicogénio e outros nutrientes, uma contração muscular que gerou fadiga nas fibras musculares, acarretou uma libertação de toxinas e diminuição da água corporal, deixando o corpo mais pesado (diminuição da força muscular), fazendo com que o seu rendimento seja abaixo do esperado.
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RRER Resumindo: se um atleta costuma realizar três sessões de treinos por semana, o melhor é evitar correr no dia anterior a uma competição para deste modo ter o rendimento esperado no dia da corrida. No entanto, se o desejo é correr na véspera (e muitos corredores fazem questão desse “ritual”, principalmente para descontrair e conhecer um pouco do percurso da prova), o conselho que posso deixar aqui é incluir o quarto dia de treino no ciclo de trabalho programado, embora com certa antecedência, tudo para que o organismo comece a processar de forma mais rápida a recuperação. Um último conselho: depois da competição, e para aqueles corredores que treinaram na véspera, é necessário fazer uma avaliação de como se sentiram e de como foi o rendimento durante a prova, retirando as necessárias conclusões quanto a manter ou excluir o treino à véspera das competições. Em caso de dúvida, a melhor solução é consultar o treinador ou um profissional, que, evidentemnte, terão a resposta mais apropriada para o caso.
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A FLORESTA SAGRADA DE TIAGO CANTANTE ROMÃO Tiago Cantante Romão fez a sua estreia num Mundial de Trail no mês passado, sendo o terceiro português a terminar o Trail Sacred Forests, em Itália, “fechando” a classificação de Portugal na prova (sexto lugar na classificação coletiva masculina). No entanto, o português já tinha representado o nosso país num Mundial de Orientação. O futuro médico aborda nesta entrevista as diferenças entre os campeonatos do mundo das duas modalidades, a sua prova, a dor que foi obrigado a suportar ao longo da corrida, a estratégia utilizada, a diferença que foi ver a família, a namorada e os amigos em determinado momento, o momento em que esteve muito próximo de desistir, a emoção da chegada, o comportamento dos seus companheiros de seleção, o desejo de correr distâncias maiores, etc. Texto: Pedro Justino Alves Fotos: Miro Cerqueira / Prozis
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Ao olhar para trás, o que recorda do Mundial de Trail? Recordo o momento da chegada à meta em Badia Prataglia, depois de todas as dificuldades antes e especialmente durante a prova. O término foi realmente um momento único, especialmente quando prontamente fui abraçado pelo Luís Duarte e Hélio Fumo, mas também recebido com muita alegria e entusiasmo pela equipa técnica, pela minha família e pela minha namorada. Participou pela primeira vez num Mundial de Trail, embora já tenha representado Portugal num Mundial de Orientação. As emoções foram as mesmas? Para mim, representar o país é uma das maiores ambições e, ao mesmo tempo, responsabilidades que um atleta pode ter, independentemente da modalidade. Por esse ponto considero que as sensações são semelhantes, mas por outro lado não. Na Orientação acabamos quase sempre por participar em mais do que uma prova durante o Mundial, o que faz com que a nossa preparação, concentração e motivação acabe por ser um pouco dividida; no Trail
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Running tudo se resume a uma única prova. Nesse aspeto foi uma experiência completamente nova e um despertar de novas emoções. Numa atmosfera diferente, o excelente grupo de atletas e equipa técnica, liderada pelo selecionador José Carlos Santos, fez-me voltar a ter emoções só comparáveis às minhas primeiras participações na seleção nacional de Orientação com o então selecionador Bruno Nazário. Ter uma equipa técnica que nos faz sentir verdadeiros atletas, que está disponível para ajudar e motivar, são pormenores que fazem toda a diferença. É possível fazer uma comparação entre os dois Mundiais? Semelhanças, diferenças, popularidade, organização, etc.? Essa é uma tarefa muito complicada pois são dois eventos completamente distintos. Neste momento, um Mundial de Orientação é constituído por seis provas distribuídas por oito dias, o que faz com que a logística seja incomparável. O primeiro Campeonato do Mundo de Orientação teve lugar em 1966, na Finlândia, e a Federação Internacional de Orientação existe
desde 1961, enquanto o primeiro Mundial de Trail Running enquanto disciplina reconhecida pela IAAF teve lugar no ano passado, em Portugal. Na Orientação, o Mundial é realmente o grande evento do ano e para o qual todos os atletas se preparam, enquanto no Trail Running sinto que o Mundial ainda está a tentar ganhar o seu espaço e notoriedade como evento, ainda existem muitos atletas de grande valia que não consideram o Mundial como uma prova apetecível. O Mundial de Orientação tem atualmente transmissão televisiva em direto, passando em canal aberto nos países escandinavos devido à grande popularidade da modalidade nesses países, enquanto o Mundial de Trail Running teve este ano pela primeira vez a possibilidade de algum acompanhamento com imagens online. Em suma, é impossível fazer uma comparação dada a incomparável experiência entre as duas modalidades, mas sinto que o Trail Running está a caminhar no bom sentido e a passos largos para obter um Mundial cada vez melhor e mais atrativo para atletas e espetadores.
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« O Trail nacional tem tido um grande desenvolvimento nos últimos anos e isso tem sido fantástico, mas penso que ainda é escassa a cultura desportiva em Portugal e isso é por demais evidente quando, no dia-a-dia, perdem-se imensas energias a identificar coisas erradas, arranjar culpados e competir por objetivos individuais, muitos deles egoístas, em vez de debatermos as coisas de forma saudável e procurarmos soluções para melhorar a modalidade como um todo. Por vezes temos de abdicar do nosso bem-estar pessoal por um bem maior e isso poucas pessoas o fazem »
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contribuir para a classificação coletiva e esse ponto foi inteiramente alcançado.
Foi o terceiro melhor de Portugal, obtendo a 35.ª posição da geral masculina. Ficou satisfeito com o resultado? Ficar em 35.º lugar na geral masculina no primeiro Mundial da modalidade em que participo tem de ser sempre motivo de orgulho, mas, devido à forma como a prova decorreu, com as dificuldades físicas face a uma pequena lesão que me surgiu após o último treino de intensidade na semana anterior ao Mundial, é óbvio que fica um pequeno sabor amargo. Ser o terceiro português em prova não tem um grande significado para mim, pois nunca encarei essa competição interna, nunca considerei qualquer um dos companheiros de seleção como um adversário, mas sim como um aliado. Não poderia ficar assim satisfeito por ficar à frente de um companheiro. Mas concretamente o que esperava do Mundial? Para este Mundial esperava sobretudo aprender e ter uma primeira experiência internacional, pois nunca tinha participado numa prova internacional de Trail Running. Desta forma, o objetivo foi inteiramente conseguido e agora já consigo ter mais noção do valor dos atletas internacionais, assim como aprendi muito em termos de gestão de hidratação e alimentação com a equipa técnica. Relativamente a objetivos competitivos, passava sobretudo por
Como descreveria a sua prova? Poderia fazer um pequeno resumo da sua corrida? Comecei a minha prova a tentar encontrar o meu ritmo na primeira subida longa, procurando abstrair-me ao máximo da pequena dor que ainda sentia na coxa direita. Mas, logo aos três quilómetros, durante uma pequena descida mais rápida, senti uma picada forte na coxa e o movimento a ficar preso. Senti que tudo poderia ficar por ali… No entanto, rapidamente veio o resto da primeira subida e não senti dor. Nesse momento íamos cinco portugueses juntos e as coisas em termos de equipa pareciam estar controladas. A seguir veio uma longa descida e as coisas começaram a ficar um pouco claras na minha cabeça: descer era mesmo um sacrilégio, especialmente descidas rolantes. Não conseguia de todo abstrair-me da dor e fazer um movimento de corrida normal. Perdi contacto com os outros portugueses e tentei seguir no meu ritmo até ao abastecimento dos 23 km, onde estava a equipa técnica. Estava a dizer a mim próprio que a participação teria de ficar por ali mas, quando começo a chegar ao abastecimento, vi a minha família, namorada e alguns amigos. Foi então que pensei: «Eles vieram todos de propósito a Itália para me ver e nem sequer vou terminar a prova?» Entretanto chego ao abastecimento e queixo-me ao Dr. Miguel Reis e Silva, que, enquanto me coloca os géis e os soft flasks cheios na mochila e me passa os bastões para a mão, me diz algo do tipo: «Isso não é nada, vamos lá, segue… O Hélio, o Luís e o André estão bem, a equipa está bem, acaba isto”». Acho que nem pensei no que ele me disse, apenas assimilei e acreditei naquilo como uma verdade absoluta. Desci a escadaria até ao fundo da barragem bastante limitado mas depois, na longa subida, comecei a “bastonar” e lá fui subindo. A meio encontrei o André Rodrigues, que me disse que não aguentava mais. Perguntou-me se precisava de alguma coisa e disse para continuar porque o Ricardo ia um pouco à minha frente e não parecia muito bem. Nessa altura percebi que aquela “teoria” de que o
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Hélio, o Luís e o André estava bem lá na frente estava errada... Mas a verdade é que sentia-me bastante esgotado naquele momento para forçar o ritmo. Lá segui, tentando não perder mais tempo. A faltar cerca de 2 km para o abastecimento dos 35 km passei pelo meu pior momento na prova. Estava muito calor e uma descida bastante íngreme que nunca mais acabava foi um autêntico suplício. Cheguei ao abastecimento completamente esgotado, mas ciente de que só poderia sair de lá quando me sentisse bem. Bebi, comi, refresquei-me com água sobre o corpo. Quando saí do abastecimento senti-me realmente revigorado e comecei a ganhar intensidade a cada passada. Comecei a apanhar atletas que há algum tempo me haviam ultrapassado até que cheguei junto do Ricardo. Senti que ele também não estava bem e a partir daquele momento o resultado da equipa estava
nas minhas mãos, já que seria eu a “fechar” a equipa na classificação coletiva, coisa que até aquele momento da prova não me passava pela cabeça. Foi quando veio o de cima todo o querer e fui passando atletas durante toda a subida final, além de passar por mais um sector de sofrimento na descida final para a meta. Depois foi a chegada, quando a emoção tomou conta de mim…
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E qual foi a estratégia para a prova? Tinha alguma em concreto? A estratégia era um pouco seguir em ritmo moderado sem forçar muito até ao abastecimento dos 23 km e então atacar um pouco na última parte do percurso, que já sabia ser muito dura: No entanto, face à lesão, tudo acabou por ir por água abaixo e fui ao sabor dos acontecimentos.
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O que mudaria hoje se pudesse correr novamente a prova? Uma vez que a lesão acabou por condicionar bastante a minha prova, é complicado responder a esta pergunta. De qualquer forma, podendo, era isso que mudava! De resto, penso que a estratégia seria a mais correta para a corrida. Terminou pouco tempo depois da primeira mulher. Como analisa a prestação da vencedora, a gaulesa Adeline Roche (5h00m44)? Considero que fez uma prova bastante sólida e de grande nível. Desconhecia por completo o nível competitivo das mulheres a nível mundial, mas considero que são bastante fortes. Ela passou-me logo depois do abastecimento dos 23 km, numa fase bastante má da minha prova. Foi impossível acompanhá-la. O Mundial de Trail decorreu na Floresta Sagrada? O que há de sagrado na floresta? O Trail Sacred Forest decorreu no Parque Nazionale delle Foreste Casentinesi, um parque nacional entre os dois lados da bacia hidrográfica dos Apeninos, entre a região Romagna e a Toscana. Esta floresta está recheada de monumentos históricos, entre os quais o Sagrado Ermitério e o Mosteiro de Camaldoli, ou seja, um local cheio de história religiosa. Como definiria o percurso? Gostou do mesmo? O percurso era realmente muito bom, não só pela extraordinária floresta onde decorreu, mas principalmente por ser muito variado, com uma primeira parte mais rolante e uma
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segunda parte bastante mais técnica e dura. Resumidamente, um percurso muito bem equilibrado e pensado. O percurso deste ano promoveu a velocidade, já que a prova teve um percurso de 50 km (o Mundial realizado em Portugal, no Gerês, no ano passado, o percurso foi de 86 km). O que prefere e porquê? Se é verdade que este ano a prova de 50 km acabou por levar a ritmos mais elevados em relação à prova de 85 km do ano passado, isso não é necessariamente uma verdade absoluta, pois muitas provas mais curtas conseguem ser bem mais lentas e técnicas do que muitas provas mais longas. Relativamente à minha preferência, é-me impossível saber. Nunca fiz uma prova de distância superior a 50 km e mesmo o Campeonato do Mundo foi apenas a minha terceira prova nesta distância. Sinto, no entanto, vontade de experimentar distâncias maiores porque considero ser uma evolução natural e tenho terminado as provas de 50 km com a sensação de que ainda conseguiria continuar mais um pouco. No entanto, o que acontecerá após os 50 km ainda são sensações completamente desconhecidas para mim. Sentiste mais competitividade no Mundial do que em outras corridas que participaste? A diferença é realmente muito grande? Como já referi, esta foi a minha primeira experiência numa prova internacional em Trail Running, até então apenas tinha participado
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em duas provas dessa distância em Portugal. Nessa relação comparativa, a competitividade é imensuravelmente superior, sendo esse facto ainda agravado pelo facto de, mesmo no Campeonato Nacional de Ultra, serem muito poucas, ou mesmo inexistentes, as provas onde estão presentes todos os melhores atletas nacionais. Como analisas o pelotão do Trail? Há grandes diferenças entre os países ou, de certo modo, há um equilíbrio aceitável para o desenvolvimento da modalidade? Considero que ainda é muito prematuro poder comparar o pelotão do Trail nacional com
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o de outros países com muito maior cultura de floresta como a Espanha, França ou Itália. No entanto, face a um panorama mais global, considero que estamos no excelente caminho. O Trail nacional tem tido um grande desenvolvimento nos últimos anos e isso tem sido fantástico, mas penso que ainda é escassa a cultura desportiva em Portugal e isso é por demais evidente quando, no dia-a-dia, perdem-se imensas energias a identificar coisas erradas, arranjar culpados e competir por objetivos individuais, muitos deles egoístas, em vez de debatermos as coisas de forma saudável e procurarmos soluções para melhorar a modalidade como um todo.
Por vezes temos de abdicar do nosso bem-estar pessoal por um bem maior e isso poucas pessoas o fazem. Como foi correr ao lado dos principais nomes do Trail? Teve algum nome que fez questão de cumprimentar ou pedir um autógrafo? Foi sem dúvida uma extraordinária experiência, da qual retirei muitos dados para o futuro. Devido a minha curta história no Trail, confesso que ainda não tenho presente todos os nomes das maiores estrelas. As minhas principais referências ainda são atletas da Orientação, alguns deles também com algum peso no Trail, como o suíço Marc Lauenstein (recentemente terceiro em Zegama-Aizkorri).
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« Estava a dizer a mim próprio que a participação teria de ficar por ali mas, quando começo a chegar ao abastecimento, vi a minha família, namorada e alguns amigos. Foi então que pensei: “Eles vieram todos de propósito a Itália para me ver e nem sequer vou terminar a prova?” »
Talvez por isso não tenha sentido demasiado o peso da concorrência… E em relação a prestação da seleção masculina e feminina? Como analisa a performance da seleção nacional? Considero que estivemos todos de parabéns e estou muito orgulhoso de pertencer a este grupo. Como é óbvio, quase todos queríamos ter conseguido um pouco melhor. Isso é muito bom, pois demonstra uma grande ambição. Nos masculinos fomos sextos e falhámos o objetivo de pelo menos igualar o quinto lugar do ano passado; no feminino esteve-se ainda um pouco mais longe, mas penso que foi notório o
aumento da competitividade face ao ano anterior, não só por ser o segundo ano do Mundial, mas principalmente por ser uma distância mais curta, o que faz com que apareçam alguns atletas de distâncias menores a tentar a sua sorte. Da comitiva portuguesa, teve algum(a) atleta que o surpreendeu? Para mim ninguém me surpreendeu, pois já esperava uma seleção muito equilibrada e competitiva. Todavia, tenho de realçar a atitude no capitão da equipa, o Armando Teixeira, um atleta consagrado do Trail mundial que, face a um problema que lhe prejudicou a sua preparação para o Mundial,
não teve qualquer problema em abdicar do seu resultado individual em prol da equipa. A ele, o devido reconhecimento e obrigado. E como analisa a preparação da seleção nacional? Foi a ideal, o que faltou? Considero que a foi na preparação da equipa que esteve a chave para o sucesso no Mundial, não só em termos de resultados, mas também de espírito de grupo. A ATRP foi verdadeiramente incansável em proporcionar a melhor preparação a todos, conseguindo inclusive realizar um estágio no mesmo local onde decorreu o Mundial. Este estágio foi verdadeiramente importante para fazermos o reconhecimento do percurso
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e prepararmos toda a estratégia de prova. De realçar que fomos umas das muito poucas seleções a ir fazer este reconhecimento enquanto equipa completa. Existiram muitos mais atletas a fazer o mesmo, mas a maioria título individual. Quais os seus planos futuros para o Trail? Neste momento, e após o Mundial, vou fazer uma pausa competitiva e focar-me inteiramente na vida académica, pois terei a Prova Nacional de Seriação para a especialidade médica a 16 de novembro
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deste ano. No entanto, já penso no próximo ano e quero consolidar-me enquanto atleta de Ultra Trail. Espero também realizar uma ou duas provas internacionais na distância da Maratona, mas para tal terei de reunir apoios que mo permitam. Ao longo do mês de julho, no site corredoresanonimos.pt, publicaremos a opinião de Tiago Cantante Romão sobre o Trail nacional e 10 conselhos para quem sonha correr o Trail Sacred Forests, uma das provas mais emblemáticas da modalidade na Europa
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A MAGIA DA FLORESTA SAGRADA Fotos: Miro Cerqueira / Prozis
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ENQUANTO CORRO
Correr ou não correr? Eis a questão! Tiago Marto
Fisioterapeuta e ex-atleta de Alta Competição de Atletismo
São frequentes as situações em que sou questionado, em âmbito profissional, acerca do repouso que um atleta deve ter. Muitas das vezes as dúvidas prendem-se com questões simples, como se um atleta deve descansar a seguir a uma competição, se deve repousar quando sente o corpo fatigado ou se deve insistir no treino, o que deve fazer após um treino mais intenso, etc. Todas estas dúvidas são válidas e têm uma razão de ser, já que muitas das vezes melhoramos a componente do treino, o equipamento desportivo e a suplementação. No entanto, esquecemos o descanso! O repouso é parte fundamental do treino, sem ele não há espaço para a evolução. Não podemos esquecer que, afinal de contas, o treino existe para nos dar a possibilidade de evoluirmos e nos tornarmos mais resistentes, mais rápidos e resilientes. Muitas das vezes incorremos no erro de não descansarmos o suficiente e também não o fazemos da forma mais correta. Expressões como "No Pain, No Gain" fazem parte do nosso quotidiano e fazem-nos acreditar que o descanso é para os fracos e que precisamos sempre de "carregar" um pouco mais. Eu acredito que os melhores atletas conseguem encontrar o equilíbrio ótimo entre a carga de treino, a competição e a recuperação. E isto, muitas vezes, significa que têm semanas inteiras em que o treino
específico tem muito pouca expressão. Há dias tive a oportunidade de perguntar ao treinador de umas das melhores maratonistas portuguesas da atualidade qual o período de repouso que ele aconselhava à sua atleta após uma Maratona mais importante. Ele revelou que esse era um ponto que considerava sagrado, pois só assim poderia esperar uma melhoria nos resultados da atleta, bem como tinha a certeza de que atuava também na prevenção de lesões. Revelou-me, então, que a sua atleta estava cerca de um mês sem fazer treino específico após a Maratona mais importante, dando lugar a treino livre (andar de bicicleta, nadar, corrida esporádica). Mesmo o treinador de Usain Bolt, Glenn Mills, revelou que um dos segredos do seu
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- antes de pensarmos em meios complementares de recuperação, devemos analisar primeiro o nosso sono e perceber se estamos a dormir em quantidade e qualidade adequadas ao nosso esforço. Muitas das vezes, as queixas físicas derivam de processos de sono ineficazes treino é dar bastante importância a recuperação, o que significa dias dedicados apenas ao descanso no espaço semanal. Dessa forma, e tentado responder às perguntas mais específicas… - o descanso é das componentes mais importantes do processo de treino (desde que se treine corretamente) - mantendo o respeito pelo plano de treino, o mesmo não se deve manter estanque. Se houver necessidade de descanso, por vezes o melhor treino é o repouso - após competição, a recuperação é sempre mais eficaz se tiver uma componente ativa (exercício de intensidade e duração reduzida) - as dores musculares que surgem após um treino (chamadas DOMS) são normais e fazem parte do processo de adaptação do organismo ao esforço. Nestas situações, a recuperação deve ser ainda mais ativa e não deve envolver meios complementares como o gelo ou anti-inflamatórios, pois comprometem o processo adaptativo.
- devemos sempre adaptar os processos de recuperação (massagem, banhos de gelo, contraste, pressoterapia, alongamento) ao treino que realizamos e não fazer de forma aleatória. Há muitas mais questões que frequentemente são colocadas e, da mesma forma que o plano de treino deve ser individualizado, o processo de recuperação também deve ser desenhado à medida do esforço e características de cada atleta.
Dessa forma, com o treino e recuperação adequados, os resultados irão melhorar exponencialmente e, ao mesmo tempo, protegeremos o nosso organismo de possíveis lesões!
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HÁ VIDA ALÉM DA CORRIDA
EU, A MINHA BICICLETA E A ISLÂNDIA EM 1000 KM Falta pouco tempo para Rodrigo Machado começar literalmente um sonho que já tem cinco anos. O projeto «1000 km na Islândia de bicicleta» começa em julho e o site corredoresanonimos.pt vai acompanhar esta incrível aventura. Neste texto, o protagonista da viagem solitária responde a uma questão que todos lhe colocam: «Sozinho? Mas porque vais sozinho?» Texto: Rodrigo Machado
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Sozinho? Mas porque vais sozinho? Esta a questão mais frequente desde que fui tornando público o meu projeto. Na verdade, a ideia de pedalar pela Islândia surge logo após ter desistido de fazer uma travessia, também de bicicleta, de Lassa, capital do Tibete, até Kathmandu, capital do Nepal, devido ao Governo chinês impor um acompanhamento permanente de um guia local acompanhando-me de jeep, o que considerei que desvirtuava a minha aventura. E, ao ir pensando em todos os fatores, no porquê, na viabilidade, etc., sempre me vinha à ideia de ir sozinho. A certa altura não tinha dúvidas
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de que o sentido que eu procurava estava diretamente relacionado com o facto de ir em modo solitário. Estava decidido: quando fosse seria só eu e a minha bicicleta! Já realizei viagens e aventuras sozinho, tanto de bicicleta como de outras formas, e em situação alguma senti solidão. Desta forma, descobri que a minha predisposição para socializar e interagir com a população local e outros viajantes é muito maior. Li algures uma frase mais ou menos assim: «Se viajares sozinho vais conhecer muitas pessoas; se viajares com alguém vais conhecer algumas pessoas; se viajares com vários vão se conhecer bem uns aos outros.»
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Tenho por gosto e creio que sempre fez parte de mim efetuar viagens em que os fatores Desporto, Natureza e Aventura estivessem sempre presentes. Já atravessei cordilheiras a pé, subi montanhas, desci rios em kayak e de bicicleta; conheci locais lindos em Portugal; pedalei pela Europa Central numa viagem que se iniciou em Munique, passou por Viena, por Bratislava e terminou em Budapeste, 800km depois sempre, acompanhando o rio Danúbio; por Espanha também por lá andei, tendo ficado na memória para sempre os 850 km do Caminho Francês de Santiago; em família percorremos de bicicleta o norte da Holanda e ilhas com um atrelado próprio, levando o nosso filho de 17 meses na altura; e, no ano passado, agora já com 4 anos, fizemos também questão de o levar numa viagem de bicicleta em que saímos de Berlim e só parámos de pedalar em Copenhaga, mais de 700 km depois… A Islândia, como destino para uma viagem de mais de 1000 km em solitário e total autonomia, percorrendo zonas remotas e desérticas,
surge precisamente por todo o esplendor que esta Ilha/país nos oferece. As paisagens vulcânicas, glaciares, os cursos de águas e suas cascatas, a fauna, a flora e a baixa densidade populacional com o mar sempre ali faz com que seja considerado por muitos viajantes um dos países mais bonitos do mundo. Com uma meteorologia bastante agreste, com predominância para baixas temperaturas e ventos fortes, faz com que a época anualmente considerada possível para este tipo de aventura seja muito curta. Na teoria, apenas entre meio de Julho e final de Agosto. Assim, decidi partir precisamente nesta altura para apanhar o início do Verão, de forma a aumentar substancialmente as chances de sucesso da rota que desenhei e pretendo efetuar. O plano é partir precisamente da capital, Reykjavik, em direção ao Norte da ilha, até atingir o mar, seguindo depois a orla marítima até Husavic, cidade piscatória onde, no passado, partiram os barcos de caça à baleia e onde hoje em dia é possível
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«Se viajares sozinho vais conhecer muitas pessoas; se viajares com alguém vais conhecer algumas pessoas; se viajares com vários vão se conhecer bem uns aos outros.» observar estes cetáceos. Daqui rumo ao Sul, efetuando uma travessia precisamente pelo centro da ilha, por uma rota praticamente desértica apelidada de Sprengisandur Route e onde o apoio e abastecimentos serão inexistentes, o que me obrigará a iniciar com mantimentos para num mínimo de cinco dias. Nesta rota, a travessia a vau de cursos de água será uma constante e um fator a ter em muita atenção. Atingido o Sul da ilha, rumarei em direção ao ponto de início, onde conto chegar entre três a quatro semanas.
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«Sendo também um corredor de Trail, com participação regular nas provas mais emblemáticas do país e obrigando-me assim a manter uma preparação constante e um nível físico adequado, conto estar apto fisicamente para enfrentar as duras e longas subidas que por vezes serei brindado nas etapas e, principalmente, poder reagir e enfrentar os tão famosos ventos do Atlântico Norte, que poderão mesmo obrigar a alterações ao plano inicial.»
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Sendo também um corredor de Trail, com participação regular nas provas mais emblemáticas do país e obrigando-me assim a manter uma preparação constante e um nível físico adequado, conto estar apto fisicamente para enfrentar as duras e longas subidas que por vezes serei brindado nas etapas e, principalmente, poder reagir e enfrentar os tão famosos ventos do Atlântico Norte, que poderão mesmo obrigar a alterações ao plano inicial. Este sonho já leva mais de 5 anos e de sonho transformei em projeto e de projeto em realidade. Existiu sempre fatores e questões que muitas vezes fizeram-me vacilar, mesmo recuar na decisão, fatores económicos, profissionais, familiares e logísticos. Mas a vida já me mostrou diversas vezes que, se estamos à espera de ter as condições ideias para realizar algo, o mais certo é mesmo nunca fazermos nada na vida. Não tenho todas as condições que idealizei e queria, mas a vontade de partir hoje é imensa, mais forte que tudo e felizmente venceu todos os obstáculos até aqui. A vida é uma intensa busca e muitas vezes nós não sabemos bem aquilo que buscamos. No entanto, nunca deixamos de acreditar e, acreditando, tudo nos é e sempre será possível.
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O ADORADO ZÉ NINGUÉM DE GEORGE E WEEDON GROSSMITH Considerada uma das principais obras do género humorístico em inglês, a Tintada-China editou recentemente «Diário de um Zé Ninguém», de George e Weedon Grossmith, o novo título da coleção de literatura de humor de Ricardo Araújo Pereira. Prepare-se para sorrir neste Verão. Texto: Pedro Justino Alves
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Antes de tudo, é de referir que o livro poderá causar alguma frustração em leitores que procuram encontrar uma obra de “humor brejeiro”, já que uma leitura menos atenta terá como consequência a impossibilidade de captar o fino e quase impercetível humor de G. & W. Grossmith. E é precisamente esse “pormenor” que transforma esta obra numa das referências do género. Na realidade, estamos perante uma espécie de crónica social, com os autores a aproveitarem o personagem Sr. Charles Pooter, o Zé Ninguém do título, para apresentarem uma sátira voraz contra a classe média suburbana inglesa de finais do século XIX. No fundo, o que deseja o protagonista é apenas paz e desfrutar da sua nova casa, nos subúrbios de Londres, ao lado da sua mulher, Carry. Mas a verdade é que acaba por ser importunado por vorazes comerciantes, funcionários administrativos que ficam aquém do esperado e pelos inconvenientes “amigos”, mas também pelo Lupin, que regressa ao lar após ser despedido (e leva consigo as suas amizades mais do que questionáveis…). Ou seja, definitivamente a vida não está fácil para Pooter, como podemos verificar através do seu diário… «Diário de um Zé Ninguém» apresenta assim uma deliciosa comédia de costumes na qual a crítica é colocada de forma elegante e inteligente. As
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maneiras e os hábitos vitorianos são olhados aos milímetros pelos autores, que fazem questão de oferecerem um leque memorável de personagens bastante díspares entre si, o que aumenta a riqueza do livro. A ironia ao longo das páginas é constante, com George e Weedon Grossmith a controlarem com grande segurança a história, preenchida de pequenas histórias, uma mais rica do que a outra, fruto das mais absurdas situações criadas pelos autores. Deste modo, «Diário de um Zé Ninguém» consegue a proeza de manter o frenético ritmo ao longo das cerca de 200 páginas, com a ironia a ser algo constante em todos os momentos. Os autores controlam por completo a intensidade do texto, sendo a escolha do “diário” para relatar a história uma decisão mais do que acertada. A verdade é que dificilmente teríamos a riqueza que temos se a opção escolhida fosse, por exemplo, um texto narrativo. Por último, de referir que George Grossmith (Londres, 1847 – Folkstone, 1912) foi um comediante inglês, escritor, compositor, ator e músico. Já o seu irmão, Weedon (Londres, 1854 – 1919), foi escritor, pintor, ator e dramaturgo. São aliás das suas mãos que saíram as ilustrações que podemos encontrar no interior do livro. No entanto, pelo menos neste caso, as imagens não valem as palavras…
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