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Ag Infraestrutura

Oagronegócio brasileiro quebrará uma série de recordes na safra 2023. De acordo com a mais recente estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a produção de cereais, leguminosas e oleaginosas chegará a 302 milhões de toneladas, número jamais alcançado no País. Para efeito de comparação, a previsão supera em 14,7% – o que dá uma diferença expressiva de 38,8 milhões de toneladas – o desempenho de 2022. O IBGE diz também que as lavouras de algodão, arroz, milho, soja e trigo apresentarão crescimento sem precedentes na próxima temporada, o que se deve sobretudo às bases comparativas fracas do ano passado, quando houve a quebra de safras em razão de problemas climáticos. Não é só. Ainda segundo o levantamento agrícola, a área a ser colhida totalizará recordistas 75,8 milhões de hectares, o que equivale a um acréscimo de 3,5% em relação a 2022.

A supersafra é indiscutivelmente um marco a ser comemorado. Ela traduz o aumento notável da produtividade das lavouras nos últimos anos, fenômeno que se intensificou graças ao uso eficaz da tecnologia, abre caminho para que os agricultores colham lucros expressivos e revigora o PIB brasileiro à medida que mais negócios serão gerados no ambiente interno e mais divisas serão trazidas com o aumento das exportações. Isso tudo é óbvio, mas há um aspecto ainda pouco debatido no País: a supersafra tem também suas dores – e não são poucas. De modo geral, ela escancara os gargalos da infraestrutura brasileira e mostra que, apesar de o agronegócio ser o principal responsável por alimentar a economia do Brasil, ele ainda sofre com os percalços típicos de uma nação que tem muito por avançar nesse campo. A principal dor da supersafra diz respeito ao armazenamento dos grãos. Estimativas realizadas pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) apontam para um déficit – também recorde, registre-se – de 100 milhões de toneladas em 2023, que não serão estocadas de maneira adequada. Para ficar mais claro: simplesmente não há onde guardar tanto alimento. O fenômeno é resultado do desequilíbrio entre o aumento da produção e os baixos investimentos em capacidade de estocagem. “Enquanto nos últimos anos houve um crescimento explosivo dos investimentos em tecnologias de produção, o que fez a produtividade disparar no campo, muitos agricultores deixaram de lado algo aparentemente simples, mas ainda assim fundamental: a capacidade de armazenamento”, afirma o consultor especializado em tecnologia agrícola Eduardo Tancinsky. “Essa questão é essencial para tornar o agronegócio brasileiro ainda mais relevante.”

O fenômeno pode ser comprovado por números. Um estudo feito com dados de 2021 por Joana Colussi, pesquisadora acadêmica da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, constatou que a capacidade de armazenamento no Brasil equivalia naquele ano a apenas 67% de sua produção total de grãos. Em 2010, o índice estava por volta de 90%. A conclusão é cristalina: os produtores e as empresas do setor deixaram de lado investimentos na construção de armazéns para se concentrar apenas na lavoura em si. A produtividade disparou, mas não foi acompanhada por melhorias nos espaços para estoque.

O agro brasileiro, um dos mais poderosos do mundo, está inegavelmente atrás nesse quesito. Nos Estados Unidos, tradicional rival do Brasil no campo agrícola, 54% das fazendas possuem armazéns ou silos. No Canadá, o índice é de 85% – era 50% há cerca de uma década, mas um programa nacional estimulou os fazendeiros a aumentar os investimentos na área como forma de evitar danos no futuro. Na Argentina, nação que enfrenta tormentas econômicas, estima-se que o indicador seja 40%. O Brasil faz feio diante de qualquer concorrente no agronegócio: a marca está em torno de 15% e não cresce há um bom tempo, o que prova que o tema precisa ganhar os holofotes do setor.

A boa notícia é que o Brasil possui ao menos algumas vantagens competitivas. Ao contrário do que ocorre com a maioria dos grandes produtores agrícolas, especialmente os Estados Unidos, o mercado brasileiro não precisa ter o que os especialistas chamam de “armazenagem estática” para 100% da produção anual. Isso acontece porque os brasileiros produzem até três safras por ano – ou seja, há grande movimentação de produção ao longo de toda a temporada e não apenas em períodos específicos.

De todo modo, as deficiências de armazenagem representam um gargalo perigoso que poderá afetar a competitividade do agronegócio brasileiro nos próximos anos. Outra dificuldade é que a distribuição de silos pelo País se dá de maneira desigual. De acordo com dados apurados da Conab, o problema está concentrado nos estados de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, que respondem por quase metade da produção nacional de grãos. Apenas o Mato Grosso, que é o maior produtor de soja e milho do Brasil, representa praticamente um terço dos déficits de armazenagem do território brasileiro. A situação, de fato, é crítica no estado. O Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea) apontou recentemente que, nos últimos anos, a taxa de crescimento da capacidade estática de armaze- nagem foi de 3,7% por ano na região. O mesmo levantamento constatou que o estado precisa ampliar a sua capacidade estática para 125 milhões de toneladas até 2030. Para alcançar a meta, deveria ter uma taxa de crescimento anual da capacidade de armazenagem da ordem de 22,9%, algo ainda muito distante de sua realidade.

O problema poderá ganhar contornos mais dramáticos no futuro. Com a conversão de pastagens degradadas e de desmatamento em áreas agrícolas, além da irrefreável expansão da produtividade, a produção de itens como soja e

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