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O GOOGLE PÕE OS PÉS NA TERRA
from Plant Project #35
Ao lançar a startup Mineral como um novo braço de negócios independente, a Alphabet, dona do Google, aposta em inteligência artificial e machine learning para ampliar o papel da agricultura digital no aumento da produtividade global
Por André Sollitto
Protótipos da Mineral em campo: robôs construídos para colher informações
Há mais de uma década, o Google tem olhado com atenção e feito alguns investimentos certeiros. Em 2011, por exemplo, o Google Ventures, braço de venture capital da gigante da tecnologia, participou de uma rodada de US$ 42 milhões na empresa de agricultura digital WeatherBill, que mais tarde se tornaria a The Climate Corporation e seria comprada pela Monsanto em 2013 por mais de US$ 1 bilhão. Em 2015, investiu US$ 15 milhões na Farmers Business Network, startup americana que reúne uma base com mais de 33 mil produtores dos Estados Unidos, do Canadá e da Austrália e, no ano passado, estudava começar uma operação no Brasil. Mais recentemente, em 2020, o Google anunciou um pacote de US$ 10 bilhões, que seriam usados, em um período de cinco a sete anos, para digitalizar diversos setores da Índia, incluindo a agricultura. É um histórico respeitável que mostra como a companhia tem feito apostas certeiras no ecossistema agtech.
A mais nova iniciativa da Alphabet (o conglomerado que controla o Google) é a startup Mineral, uma plataforma de agricultura digital e robótica que passou cinco anos sendo
Técnico da Mineral em campo: empresa diz já ter analisado 10% das terras agrícolas do planeta incubada no Google X, o laboratório secreto que foi apelidado de “moonshot factory”, uma referência ao “moonshot thinking”, startups que oferecem soluções radicais para grandes problemas. No caso da Mineral, o objetivo é resolver o velho dilema de produzir mais e melhor em um cenário de mudanças climáticas e crescente demanda por alimentos. A maneira como a startup quer fazer isso, no entanto, é ainda pouco comum, e em uma escala inédita. Apresentada pela primeira vez em 2020, quando foi oficialmente batizada de Mineral após passar três anos conhecida apenas como “Projeto de Agricultura Computacional”, a empresa propõe uma análise individual de cada planta na lavoura. E faz isso usando simpáticos robôs que atravessam os talhões coletando quantidades enormes de informações. A solução foi aperfeiçoada ao longo do tempo. Inicialmente, a Mineral coletou informações que já existiam sobre as condições do campo, como os dados sobre o solo, o clima e o histórico de produtividade de diferentes culturas em diferentes regiões. O passo seguinte foi analisar como cada cultura estava crescendo e reagindo ao ambiente e às mudanças climáticas. Foi assim que a empresa desenvolveu os robôs, capazes de atravessar o campo coletando imagens de alta precisão sem danificar os talhões. Foram feitos testes em fazendas de morangos na Califórnia e soja em Illinois, e as análises de cada cultura foram computadas em um grande banco de dados. O robô, no entanto, não é o produto final da Mineral. Embora sua capacidade seja impressionante – imagens divulgadas mostram como o hardware é capaz de separar por cores cada grão de soja analisado –, o foco é em traduzir esse enorme volume de informações em algo que possa, de fato, ser utilizado pelos produtores. “Nossa missão é ajudar a escalar a agricultura sustentável. Estamos fazendo isso ao desenvolver uma plataforma e ferramentas que ajudam a reunir, organizar e traduzir informações nunca antes conhecidas ou compreendidas sobre o mundo das plantas – e tornar tudo isso útil”, escreveu o CEO da Mineral, Elliott Grant, em um post em que anunciou o lançamento da empresa. Usando inteligência artificial e machine learning, eles conseguem identificar padrões e oferecer insights aos produtores. Até agora, a Mineral afirma ter analisado 10% de todas as terras agrícolas do planeta. Para treinar seu algoritmo,
S AgTech
criou reproduções perfeitas de plantas que as máquinas nunca viram na vida real, mas conseguem identificar com precisão.
Com essa vasta base de dados, a Mineral consegue prever o rendimento das colheitas, aumentar a produção, atacar pragas e ervas daninhas, reduzir o desperdício, minimizar o uso de insumos químicos e água e reduzir o impacto da agricultura no planeta, de acordo com a companhia. Segundo Grant, isso só é possível porque as informações são coletadas em grande escala, muito mais do que é feito até agora. Até 2050, a empresa espera aumentar o número de pontos de dados extraídos e analisados de qualquer fazenda em mais de 20 vezes, de uma média de 190 mil pontos de dados por dia coletados em 2014. Ou seja, é um volume inédito de informações que vão alimentar e treinar de forma cada vez mais precisa seus algoritmos.
O segmento de agricultura digital é um dos mais concorridos do ecossistema agtech, e a briga é acirrada. Há inúmeros players importantes, incluindo algumas das principais candidatas a unicórnios do agro. O Brasil, inclusive, tem representantes de peso, como a Solinftec, cuja atuação já avançou para outros países da América Latina e da América do Norte, e a Agrosmart. Outras agtechs, como a Indigo Ag, que em 2020 valia US$ 3,5 bilhões, e a Granular, também oferecem plataformas de agricultura digital. Apesar da expansão em ritmo acelerado de todas elas, ainda existem barreiras. O principal dilema enfrentado por todas é convencer os produtores de que realmente vale a pena investir nesses sistemas. Mas não é o único. Algumas dessas empresas estão associadas a gigantes do setor agrícola, como a Granular, controlada pela Corteva, ou a Climate FieldView, da Bayer. Ou seja, é preciso escolher uma e se ater a ela.
A Mineral tenta contornar esses problemas. Para começar, as empresas “graduadas” do Google X precisam ter comprovado sua viabilidade econômica. A decisão de lançar a startup como um novo braço de negócios mostra um interesse de longo prazo com a plataforma. Embora não tenha dado definições precisas de seu modelo de negócios, as declarações de Grant até agora sugerem que a empresa deve adotar um sistema de machine learning como um serviço, provavelmente em um modelo de pagamento recorrente. Para construir sua vasta base de dados, vem trabalhando há anos com três grandes parceiros: a Driscoll’s, tradicional produtor de morango, framboesa e outras frutas vermelhas; a Syngenta, gigante produtora de insumos agrícolas; e a CGIAR, grupo de pesquisa global com um vasto conhecimento de culturas menos cobiçadas, mas que são importantes para assegurar a segurança alimentar. Segundo o analista canadense Shane Thomas, em sua newsletter Ag Insights, essa atitude mostra que a empresa está disposta a trabalhar em conjunto com o agribusiness, e não competir com esses grandes players ou tentar chegar diretamente no produtor, cortando os intermediários. Ainda é cedo para afirmar com precisão se a Mineral terá sucesso em sua ambiciosa missão. Afinal, o anúncio oficial de seu lançamento foi feito em meados de janeiro, e ainda faltam informações sobre quais os mercados que serão explorados inicialmente, além dos Estados Unidos. Mas a proposta é promissora. Em entrevista ao AgFunder News, Grant afirmou que seu objetivo é “organizar dados agrícolas de fontes diferentes”. Esse pode ser um caminho interessante: trabalhando junto com empresas tradicionais, que possuem grande conhecimento agrícola, mas não possuem capacidade de análise de dados tão avançada, a Mineral poderá encontrar solo fértil para se consolidar como referência.