3 minute read

A SABEDORIA DOS PRIMEIROS AGRICULTORES

Next Article
#COLUNASPLANT

#COLUNASPLANT

Novos estudos apontam que os povos indígenas que habitaram a Amazônia há mais de 8 mil anos ajudaram a moldar a floresta por meio do manejo e da domesticação de espécies

Há uma antiga crença de que a Amazônia é uma mata virgem, cuja maior parte de seu vasto território foi intocada pelo homem e é uma representação da natureza em estado bruto. A realidade, no entanto, é bastante diferente. De fato, a floresta amazônica abriga a maior biodiversidade do planeta. São mais de 1.294 espécies de aves, 427 de mamíferos, quase 400 de répteis, 3 mil espécies de peixes e 400 de anfíbios, além de mais de 100 mil invertebrados. Somados, representam 20% de toda a fauna da Terra. Não é só isso. Em seus mais de 6,7 milhões de hectares, estão 40 mil espécies vegetais, sendo cerca de 16 mil espécies de árvores. Tudo isso não é ação exclusiva e autônoma da Natureza. A formação dessa floresta é, em grande parte, resultado direto da ação dos humanos que lá viveram há milhares de anos. Apenas 227 espécies, ou 1,4%, correspondem a quase metade de todas as árvores existentes na região. O manejo agrícola de indígenas ajudou a moldar a Amazônia que conhecemos hoje.

Estudos recentes mostram que a região amazônica é habitada há pelo menos 8 mil anos – talvez mais. Ao contrário do que se pensava, os indígenas se estabeleceram em grandes cidades, sem a arquitetura grandiosa de outros povos pré-colombianos, mas em grandes povoados. De acordo com o arqueólogo Eduardo Góes Neves, diretor do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo e autor do livro Sob os Tempos do Equinócio: Oito Mil Anos de História na Amazônia Central, quando a

Fr Geoglifos

cidade de Santarém, no Pará, foi fundada, em 1661, já moravam nela 6 mil indígenas – o quádruplo da população do Rio de Janeiro na época. E, também de forma diferente do que se acreditava antes, esses indígenas não dependiam apenas da caça e da coleta para sobreviver, mas já conheciam o manejo agrícola e haviam domesticado algumas espécies vegetais.

Na região próxima a Porto Velho, em Rondônia, há indícios do plantio de feijão, abóbora e mandioca, de acordo com pesquisa da arqueóloga britânica Jennifer Watling publicada no periódico científico Plos One. Os indígenas queimavam algumas árvores para abrir espaço para o manejo e a domesticação de árvores. Vestígios escavados no local indicam o cultivo do tubérculo ariá (Calathea allouia). Foram encontrados também vestígios do cultivo de goiaba (Psidium) e castanhas-do-pará (Bertholletia excelsa), e já se sabia que a mandioca foi domesticada há cerca de 8 mil anos, antes de se espalhar pelo resto do País.

O processo de domesticação era primitivo, feito de forma empírica e lenta. Mas os vestígios encontrados pelos pesquisadores mostram que havia um conhecimento na maneira como espécies de fora da floresta, como o feijão e a abóbora, originalmente domesticadas nas partes baixas da Cordilheira dos Andes e na América Central, foram adaptadas para o clima distinto da Amazônia. Ao longo de milhares de anos, os indígenas foram fazendo experiências que resultaram em características genéticas consideradas superiores, como

Fr Geoglifos

frutos maiores e mais doces ou árvores mais baixas, que facilitam a colheita.

Além do cultivo, os indígenas manejavam árvores de maior interesse social, como o açaí, o cacau, a castanha, a seringa e o cupuaçu. Por meio do manejo, obtinham densidades muito maiores do que as naturais. Essas plantas não foram domesticadas porque eram encontradas em abundância na floresta. Não havia necessidade de tirá-las de seu habitat natural. Bastava cuidar. E, aos poucos, a floresta foi se transformando.

Essas descobertas só foram possíveis graças à descoberta de novos indícios e vestígios e à aplicação de novas técnicas. As principais revelações vêm sendo feitas graças à análise da chamada “terra preta”. Trata-se de um solo escuro, de cor muito negra, que pode apresentar textura oleosa. São criadas pela ação humana e costumam conter materiais culturais, como restos de cerâmica. Também têm algumas características que os especialistas ainda não sabem explicar totalmente. Mantém a fertilidade mesmo em condições climáticas das zonas tórridas equatoriais, de acordo com o antropólogo Eduardo Góes Neves em seu livro. Por conta dessa fertilidade, é muito procurada pelas populações locais e é muito comum que roças sejam feitas sobre sítios arqueológicos de grande importância. Nela também se encontram restos de animais e plantas. Ainda não se sabe se eram feitas de forma proposital para enriquecer o solo de baixa fertilidade natural da região amazônica. Mas há certo consenso de que a presença da terra preta indica o processo de sedentarização que aconteceu na Amazônia.

A terra preta é uma formação conhecida pela ciência desde o século 19, mas que ficou sem receber a devida atenção durante décadas. A partir de pesquisas

This article is from: