Plant Project #44

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Para quem pensa, decide e vive o agribusiness

venda proibida distribuição dirigida www.plantproject.com.br

O PESO DA LOGÍSTICA

Por que melhorar a infraestrutura de transportes é vital para tornar o agro brasileiro mais competitivo

Um time da pesada Nova safra de caminhões leva tecnologia e eficiência para o campo

REVOLUÇÃO VERDE O MERCADO DE CRÉDITO DE CARBONO CRESCE NO BRASIL E TRAZ OPORTUNIDADES DE NEGÓCIOS

FAZENDAS INTELIGENTES A AGRICULTURA DIGITAL TRANSFORMA LAVOURAS E FACILITA A VIDA DO PRODUTOR

TODOS CONTRA O PLÁSTICO PROGRAMAS DE RECICLAGEM E EMBALAGENS FEITAS DE CANA-DEAÇÚCAR GANHAM ESPAÇO

A TAÇA É DELES

A qualidade dos vinhos argentinos passa a ser reconhecida no mundo

A MAIOR CONSULTORIA DE AGRONEGÓCIO DO MUNDO!

Editorial

O AGRO

RESISTE

Não há dúvida de que o agro brasileiro se tornou, na última década, o motor da economia do País. Entre outros feitos, o setor contribuiu para o surgimento de tecnologias, gerou emprego e renda para milhões de pessoas, criou oportunidades de negócios para empresas de diversos portes, enriqueceu a balança comercial do Brasil e, num sentido mais amplo, alimentou o planeta. Tudo isso é verdade, mas os resultados – que já eram extraordinários, ressalte-se –poderiam ser ainda melhores se velhos gargalos nacionais tivessem sido eliminados.

Poucos obstáculos são tão prejudiciais para o setor quanto as deficiências de infraestrutura. Estradas e portos ruins e malha ferroviária escassa dificultam o transporte de mercadorias, encarecem o frete e, na ponta final, reduzem a competitividade brasileira diante de concorrentes cada vez mais impetuosos. A reportagem de capa desta edição de PLANT PROJECT trata do tema com um olhar construtivo: além de diagnosticar o problema, aponta caminhos e projetos logísticos que podem trazer algum alívio para o quadro de desalento da infraestrutura do País.

De um jeito ou de outro, a verdade é que o agro nacional sempre encontra uma forma de prosperar. Para dimensionar a força do setor, basta dar uma espiada na reação dos produtores gaúchos diante da tragédia das enchentes. Em meio à crise, muitos deles quebraram recordes de produtividade, evitaram perdas que pareciam incontornáveis e asseguraram a continuidade do abastecimento no dramático pós-chuva. Histórias fantásticas como essas também estão presentes nesta edição.

Boa leitura!

plantproject.com.br

Diretor Editorial

Amauri Segalla amauri.segalla@datagro.com

Diretor

Luiz Felipe Nastari

Comercial

Carlos Nunes carlos.nunes@plantproject.com.br

Sérgio Siqueira sergio.siqueira@plantproject.com.br

João Carlos Fernandes joao.fernandes@plantproject.com.br

Tida Cunha tida.cunha@plantproject.com.br

Arte

Thaís Rodrigues (Direção de Arte) Andrea Vianna (in memorian – Projeto Gráfico)

Colaboradores

Texto: André Sollitto, Evanildo da Silveira, Gustavo Fonseca, Marco Damiani, Mário Sérgio Venditti, Paula Pacheco, Romualdo Venâncio e Ronaldo Luiz Design: Bruno Tulini

Produção

Lau Borges

Revisão

Rosi Melo

Eventos

Luiz Felipe Nastari

Administração e Finanças

Cláudia Nastari

Sérgio Nunes

publicidade@plantproject.com assinaturas@plantproject.com

Impressão e acabamento: Piffer Print

GLOBAL pág. 7 A AGRIBUSINESS g pág. 15 F FRONTEIRA r pág. 75 W WORLD FAIR pág. 89 S STARTAGRO pág. 97 M MARKETS pág. 114 rA ARTE pág. 83

Conflito nos ares

Governo americano quer limitar uso pelo agro dos drones fabricados na China

GGLOBAL

O lado cosmopolita do agro

GLOBAL

O lado cosmopolita do agro

ESTADOS UNIDOS

A BATALHA DOS DRONES

Legislação americana poderá banir aparelhos chineses das lavouras, mas a drástica medida trará impactos negativos para a produção agrícola do país

Em abril do ano passado, uma legislação apresentada na Câmara dos Representantes dos Estados Unidos propôs colocar os equipamentos da fabricante chinesa DJI, conhecida pelos drones de alta capacidade, em uma lista restrita. Isso poderia fazer com que futuros aparelhos da empresa acabassem rejeitados, e licenças para modelos anteriores fossem revogadas. Embora a proposta não seja nova, ela foi incluída no início de julho na Lei de Autorização de Defesa Nacional (NDAA, na sigla em inglês), uma regulamentação que estabelece, entre outros aspectos, o orçamento de agências militares, os salários dos funcionários dessas instituições e a cobertura dos sistemas de saúde para familiares de militares. É uma lei que deve ser aprovada pelo Senado e pode colocar em risco o uso de drones chineses no país. Mas há uma questão em jogo: a restrição poderá

ter efeitos devastadores para a agricultura americana. Produtores locais têm usado amplamente os equipamentos chineses de marcas como a DJI. Os drones permitem a pulverização de grandes áreas, a custos baixos e com maior precisão. Tanto é assim que, em 2023, cerca de 1,5 milhão de hectares em 41 estados americanos, de 50 culturas diferentes, foram pulverizados com essas

foto: Shutterstock

máquinas. O interesse dos agricultores só aumenta, e empresas que vendem os drones chineses asseguram que os negócios aceleram em ritmo exponencial. Segundo especialistas desse mercado, a DJI tem sido a preferida da turma do campo por razões como confiabilidade, durabilidade e eficiência do maquinário. Os defensores da nova legislação argumentam que os drones poderiam capturar informações sensíveis e transmiti-las ao governo chinês. De acordo com autoridades americanas, se houver uma quantidade razoável de drones chineses pulverizando uma grande

área dos Estados Unidos, eles seriam capazes de fornecer uma estimativa precisa dos resultados de uma determinada colheita, o que levaria a informações privilegiadas – e esses dados acabariam nas mãos de Pequim em uma possível guerra econômica.

A DJI afirma que seus drones não captam fotos ou vídeos, a não ser que o produtor opte por compartilhar esses dados com a fabricante. Segundo a companhia, a legislação “amplifica narrativas xenófobas para apoiar os fabricantes locais de drones e eliminar a concorrência no mercado”. De seu lado, os produtores americanos argumentam que os

drones não dão informações detalhadas e, por terem uma autonomia pequena, entre 8 e 12 minutos, não representam perigo.

A guerra pelos drones está apenas começando. Vozes moderadas dizem que, de fato, é preciso adotar medidas de segurança para garantir que nenhuma informação sensível seja divulgada, mas banir em definitivo os equipamentos é uma atitude drástica que prejudicará os agricultores americanos. Se realmente for aprovada, a lei deverá tornar o acesso a drones mais caro e restrito, o que diminuiria a competitividade dos produtores dos Estados Unidos.

A REVOLUÇÃO DOS INSETOS

No final dos anos 2000, um pequeno grupo de startups dos Estados Unidos trouxe uma proposta ousada: produzir proteína de qualidade a partir de insetos. A ideia, bastante inovadora, começou a atrair uma avalanche de investimentos de fundos de venture capital. Em dez anos, empreendedores do setor captaram US$ 1,65 bilhão, e o movimento agora parece ser irrefreável. Os insetos podem ser usados na produção de alimentos para animais domésticos ou como ração para o gado. Além disso, são capazes de transformar resíduos agrícolas em fertilizantes. As fazendas de grilos são sustentáveis, e há grande consistência nos resultados. No momento, a principal dificuldade é escalar a produção. Grandes complexos produtivos ainda são caros, e os investidores estão impacientes por retornos financeiros. Enquanto se discute como reduzir a quantidade de compostos orgânicos que vão parar nos aterros sanitários e como garantir uma cadeia de produção sustentável, os insetos podem ter papel determinante para a construção de um futuro mais verde. Confira a seguir a evolução:

ANO APORTES RECEBIDOS

2014 US$ 14,5 MILHÕES

2015 US$ 627 MIL

2016 US$ 35 MILHÕES

2017 US$ 58 MILHÕES

2018 US$ 198 MILHÕES

2019 US$ 163 MILHÕES

2020 US$ 438 MILHÕES

2021 US$ 67 MILHÕES

2022 US$ 408 MILHÕES

2023 US$ 270 MILHÕES

Fonte: AgFunder Data

ROMÊNIA

MELANCIAS EM ABUNDÂNCIA

A cidade de Dăbuleni é responsável por 16% da produção de melancia da Romênia. Tradicionalmente, é reconhecida pela qualidade da fruta lá cultivada. Mas, neste ano, toda a produção local amadureceu de uma única vez. De uma hora para a outra, o mercado foi inundado por melancias, e ninguém está conseguindo vender tudo. O quilo, normalmente negociado a 80 centavos de euro, caiu para apenas 10 centavos, e mesmo assim a oferta é muito superior à demanda. Nos supermercados, carrinhos com melancias estão apodrecendo. Sem alternativas, os produtores foram obrigados a desperdiçar boa parte da produção. O problema foi causado pela inconsistência climática da região, relacionada às mudanças globais. Por enquanto, o Ministério da Agricultura local não divulgou medidas para ajudar os agricultores que dependem da venda das melancias para sustentar suas fazendas. Além disso, a Romênia é responsável pela produção de 23% de todas as melancias da Europa – portanto, o evento poderá ter consequências ainda maiores para o bloco.

O

DINAMARCA

IMPOSTO VERDE

O governo da Dinamarca vai aprovar um novo sistema de taxação para pecuaristas baseado na quantidade de gases emitidos por vacas, ovelhas e porcos. Os produtores de animais terão que pagar inicialmente o equivalente a 40 euros por tonelada de dióxido de carbono. Posteriormente, o valor subirá para 100 euros. A medida entrará em vigor em 2030. De acordo com as autoridades, a meta é reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa no país em 70% nos próximos seis anos, e alcançar a neutralidade em 2045. O governo atual chegou a um acordo com representantes dos produtores locais, e a nova legislação está prestes a ser aprovada no Parlamento. Se tudo correr como o planejado, o novo imposto será o primeiro do tipo e representará uma importante mudança nos hábitos dos produtores. Há poucos meses, a Europa foi sacudida por ondas de protestos de agricultores contra a adoção de leis pensadas para reduzir os efeitos das mudanças climáticas. Na Dinamarca, grupos de conservação da natureza elogiaram a negociação e esperam que outros países adotem legislações semelhantes.

REINO UNIDO

EM BUSCA

DAS MAÇÃS

PERDIDAS

O Reino Unido tem enorme diversidade de maçãs, como as espécies Royal Jubilee, Red Splash e Hormead’s Pearmain. Algumas, de tão antigas, estão se perdendo. São variedades que foram bem documentadas no século 19, mas hoje em dia praticamente desapareceram. Para reverter a situação, grupos de entusiastas e pesquisadores têm se unido em um esforço para usar análise de DNA como forma de identificar antigas árvores espalhadas pelo país. Com a ampliação da tecnologia de testes genéticos, os desbravadores recolhem amostras de árvores muito antigas, escondidas em residências ou pomares, e as enviam para um laboratório. Se houver uma análise anterior que diz, sem sombra de dúvida, que aquele DNA pertence a uma variedade ancestral, o achado é identificado e catalogado – e, então, será estimulado a se reproduzir. Assim, os caçadores de maçãs buscam recuperar a antiga tradição de cultivo da fruta no Reino Unido. Embora as variedades locais tenham dado lugar a outras mais comerciais, a expectativa é de que as maçãs do passado voltem a atrair a atenção de produtores e consumidores.

KOPPERT APOIA PESQUISA DE BIOINSUMOS COM A INAUGURAÇÃO DO SPARCBIO

Centro avançado de pesquisa localizado na Esalq/USP, em Piracicaba (SP), vai ajudar a fortalecer o controle biológico e a agricultura sustentável com ciência de alto nível adaptada às peculiaridades nacionais

Adescoberta de agentes biológicos de controle de pragas agrícolas, o desenvolvimento de novas tecnologias e a geração de conhecimento em manejo integrado de pragas e doenças na agricultura são os objetivos do São Paulo Advanced Research Center for Biological Control (SPARCBio), recém-inaugurado em Piracicaba (SP). O centro de pesquisa é fruto de uma parceria entre a Koppert, multinacional holandesa de soluções para controle biológico, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (Esalq/USP) e o Grupo Jacto.

A inédita iniciativa do SPARCBio reúne universidade, empresas e agência de fomento a fim de desenvolver tecnologias de controle biológico específicas para regiões tropicais como o Brasil. Dessa forma, supre uma necessidade cada vez mais urgente e específica, já que não é possível copiar as soluções já aplicadas em outros países. Na essência, o SPARCBi o ajuda a fortalecer o controle biológico com ciência de alto nível, adaptada às peculiaridades nacionais.

Segundo Paul Koppert, líder global da Koppert na Holanda, o desenvolvimento de soluções sustentáveis para a agricultura necessariamente passa pela participação de pessoas que acreditam nesse valor – e esse é um dos grandes méritos da integração observada no SPARCBio. “O Brasil, como todos sabemos, é um país onde a agricultura é gigantesca e eu acho que a ciência brasileira já resolveu inúmeros problemas”, diz. “O controle biológico está aqui como um complemento à agricultura convencional. No entanto, não basta termos boas ideias. Precisamos que boas pessoas também estejam motivadas a trabalhar. Só assim o futuro será brilhante.”

A Koppert cria bioinsumos utilizando um sistema integrado de soluções naturais para promover plantações saudáveis e seguras, ajudando os agricultores a melhorar a qualidade e a produtividade de suas colheitas. A multinacional holandesa apoia produtores em mais de 100 países na aplicação eficaz de métodos de cultivo sustentáveis. Dessa forma, a empresa contribui para a saúde das plantas, tanto acima quanto abaixo do solo, e para o

bem-estar das pessoas, com um objetivo comum: alcançar uma agricultura 100% sustentável.

Os bioinsumos promovem o controle biológico em diferentes tipos de culturas. Além disso, incluem substâncias ativas voltadas para a nutrição, estimuladores de crescimento vegetal, agentes que reduzem estresses bióticos e abióticos, e alternativas aos agroquímicos. Esses produtos podem ser obtidos de diversas fontes, como enzimas, extratos (de plantas ou microrganismos), microrganismos, macrorganismos (invertebrados), metabólitos secundários e feromônios.

Segundo a diretora da Esalq, professora Thais Vieira, a inauguração do centro de pesquisa mostra que é possível impulsionar a inovação a partir da parceria entre setor público e privado. “O SPARCBio conta com o envolvimento de empresas em áreas estratégicas que investiram na Esalq, com um corpo de professores, de funcionários, de uma área muito importante e historicamente muito forte na nossa instituição, que é o controle biológico”, afirma. Na visão da diretora, a nova estrutura tam-

bém permitirá o desenvolvimento de atividades que permeiam o ensino tanto em nível de graduação quanto de pós-graduação, além do fortalecimento da relação com a sociedade nos temas de agricultura sustentável.

O SPARCBio fica no Departamento de Entomologia e Acarologia da Esalq/USP, e tem como diretor o professor doutor José Roberto Postali Parra. Também participam do centro docentes de outras universidades brasileiras, como Unesp, UFSCar, UFES e UFV, e internacionais, como Universidade da Califórnia, em Davis, e Universidade de Minnesota (EUA). O centro também reúne pesquisadores da Embrapa e do exterior, de instituições como INRA, Sophia Antipolis, na França; USDA e ARS, ambas nos EUA; e UCPH, na Dinamarca.

SPARCBio: iniciativa inédita reúne empresas como a Koppert, universidade e agência de fomento

AUSTRÁLIA

A OLIMPÍADA DOS ALIMENTOS

Se não houver surpresas, a cidade de Brisbane, na Austrália, será a sede dos Jogos Olímpicos de 2032, e defensores da sustentabilidade alimentar querem usar o evento como catalisador de uma transformação na maneira como a comida é produzida na região. O objetivo é ampliar em pelo menos 30% a quantidade de alimentos cultivados na cidade e em seus arredores. O potencial é grande. Estudos apontam que as terras são férteis e podem ser usadas para o cultivo em grande escala. O problema inicial é medir com precisão quanto alimento já é cultivado na região. Não há números confiáveis e as estimativas variam, a depender da entidade que faz o levantamento. Outra tarefa difícil será driblar o mercado imobiliário, já que essas terras férteis têm sido compradas por incorporadoras para a construção de condomínios residenciais. A expansão urbana desenfreada, de fato, tem dificultado o trabalho dos agricultores. Agora, com a aproximação da Olimpíada, há uma chance de mudar o jogo. De acordo com especialistas, cadeias de suprimentos mais curtas garantem alimentos mais frescos e gastos menores com transporte, o que reduz consideravelmente as emissões de gases prejudiciais.

QUÊNIA

O DESAFIO DE SER SUSTENTÁVEL

Nos últimos meses, chuvas acima da média provocaram grande devastação no Quênia. Quase 300 pessoas perderam a vida, barragens atingiram níveis históricos e o governo local evacuou regiões afetadas pelas enchentes, derrubando as casas dos habitantes que se recusaram a deixar essas áreas. Após o desastre, os agricultores começam a avaliar os danos causados pela água. O governo diz que as chuvas destruíram 68 mil hectares de lavouras, ou 1% de toda a produção, mas o número poderá ser ainda maior. O que o evento deixou claro é a falta de preparo do país para os eventos climáticos extremos. A insegurança alimentar já é um problema sério no Quênia, e deve ficar ainda maior. Os produtores menos afetados pelas chuvas adotaram práticas agrícolas mais responsáveis, como a plantação em terraços, rotação de culturas e outras medidas para proteger o solo da erosão. Mas esse tipo de conhecimento ainda é pouco difundido na região. O desafio, segundo especialistas, é incentivar os agricultores a ampliar a adoção de práticas que estimulem a absorção de água no solo. A agricultura tem sido estimulada pelo governo como forma de reduzir a insegurança alimentar, mas será preciso cultivar a comida de forma mais eficiente e sustentável.

PALESTINA

O EFEITO DA GUERRA NA PRODUÇÃO

A guerra entre Israel e Gaza, além da óbvia crise humanitária e da morte de civis, devastou a produção agrícola dos palestinos. Imagens de satélite analisadas por jornalistas da TV Al Jazeera apontam que quase 60% dos 230 quilômetros quadrados de terras cultivadas foram bombardeados e destruídos. De acordo com dados das Nações Unidas, 90% da população local sofre de insegurança alimentar e um quinto, o equivalente a 495 mil pessoas, está morrendo de fome. Na região norte, onde eram cultivados morangos, chamados de “ouro vermelho” pela qualidade e por representarem a maior parte (32%) das exportações de alimentos dos palestinos, os campos foram aniquilados. O mesmo ocorreu no sul, em Khan Younis, que produz a maior parte dos cítricos, e em Zeitoun, onde havia campos de oliveiras. Durante o último cessar-fogo, produtores correram para colher as azeitonas que podiam, já que elas são usadas em uma variedade de produtos, de azeite a sabonetes. Os agricultores também têm criado hortas improvisadas em edifícios bombardeados como forma de garantir algum alimento. Antes da guerra, a região era conhecida pela fertilidade. Em 2022, Gaza vendeu o equivalente a US$ 44,6 milhões em produtos agrícolas para países vizinhos.

Longa jornada

Novos projetos de infraestrutura e logística prometem destravar a produção no campo

A

AGRIBUSINESS

Empresas e líderes que fazem diferença

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Empresas e líderes que fazem diferença

O DESAFIO DA LOGÍSTICA

PARA CONTINUAR A SER COMPETITIVO NO CENÁRIO INTERNACIONAL, O AGRONEGÓCIO BRASILEIRO DEPENDE CADA VEZ MAIS DE MELHORES CONDIÇÕES DE INFRAESTRUTURA

Por Amauri Segalla

Reportagem de Capa

O agronegócio brasileiro enfrenta um cenário paradoxal. Enquanto os índices de produtividade das lavouras avançaram de maneira expressiva nos últimos anos graças sobretudo às inovações tecnológicas e científicas, as deficiências de infraestrutura impedem o setor de crescer ainda mais. Estradas ruins, portos deficientes e escassa malha ferroviária são fatores que, safra após safra, aumentam os custos para os produtores e reduzem a sua capacidade de competir no cenário internacional.

Simples comparações demonstram como a logística ineficaz afeta a produção agrícola nacional. Um estudo feito pela Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), com dados de março último, constatou que os agricultores do Mato Grosso gastam, em média, US$ 103 por tonelada para levar grãos por caminhão até Santos (SP), em um trajeto de aproximadamente 2 mil quilômetros, e outros US$ 35 no frete marítimo até a China, o que totaliza um custo de US$ 138 por tonelada. Se a mercadoria for levada, também num percurso de 2 mil quilômetros, de caminhão e barcaças até Barcarena (PA), o custo é de US$ 82, e o frete marítimo, de US$ 40. Nesse caso, a conta final ficaria em US$ 122 por tonelada.

Para se ter ideia, produtores de Illinois, nos Estados Unidos, desembolsam US$ 75 por tonelada para levar seus grãos até o mercado chinês, enquanto para os argentinos de Córdoba o valor é de US$ 79. Ou seja, é muito mais caro escoar a produção no Brasil, mas isso não é resultado apenas das dimensões continentais do País. Trata-se, acima de tudo, de um efeito direto dos gargalos na logística.

Estudos mostram que o custo por tonelada para escoar a produção do brasil é um dos mais altos do mundo

Reportagem

A má notícia é que eles estão longe de serem eliminados. Dados apurados pelo especialista Paulo Resende, coordenador do Núcleo de Infraestrutura, Supply Chain e Logística da Fundação Dom Cabral, mostram que, nas últimas três décadas, o Brasil investiu, em média, 0,8% do PIB em infraestrutura de transportes. O percentual é insignificante. Os principais concorrentes agrícolas do Brasil, afirma Resende, desembolsam o equivalente a 2,5% do PIB por ano para ampliar e modernizar os seus sistemas de transporte.

Como não poderia deixar de ser, a defasagem traz graves consequências. No Brasil, os custos logísticos sobre o faturamento bruto das empresas embarcadoras é de 12%, um dos percentuais mais altos do mundo e só comparável aos de nações pobres. O professor Resende lembra que, na formação desses custos, 65% estão relacionados ao transporte de matérias-primas e produtos, tanto na longa distância quanto na última milha logística. Como resultado, um produtor de grãos no Brasil tem custos logísticos 50% superiores aos de seu equivalente nos Estados Unidos.

O cenário seria muito pior, ressalve-se, se as lavouras do Brasil não estivessem entre as mais produtivas do mundo. Ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues destaca que, nos últimos 25 anos, a área plantada com grãos cresceu 53% no País, enquanto a produção avançou 263%, ou cinco vezes mais. Significa, portanto, que a produtividade por hectare disparou. Ou seja, é a atividade dentro das porteiras que mantém algum nível de competitividade para os brasileiros. Fora delas, o cenário permanece difícil.

Os gastos logísticos sobre o faturamento bruto das empresas embarcadoras é de 12%. reduzir essas despesas é vital para o agro

Existem deficiências onde quer que se olhe. A malha ferroviária brasileira estende-se por 30 mil quilômetros. Não é nada diante da dimensão territorial do País. Na Argentina, nação que tem uma área que equivale a um terço do Brasil, são 37 mil quilômetros. Nos Estados Unidos, 293 mil. Números como esses reforçam a urgência de investimentos no setor – mas eles ainda são insuficientes perto das urgências brasileiras. De acordo com um levantamento feito pela consultoria americana Duff & Phelps, apenas 15% da logística do Brasil é feita por ferrovias, quando o ideal seria que o número fosse pelo menos o dobro.

Há projetos importantes sendo debatidos no Brasil, mas é incerto que seguirão adiante. Entre as principais obras ferroviárias previstas para o País estão a Ferrogrão, que liga Sinop (MT) aos portos fluviais do Rio Tapajós em Miritituba (PA), mas ela envolve longa batalha com ambientalistas. O setor agrícola também defende a conclusão da Ferrovia de Integração Centro-Oeste (Fico), que conecta a Ferrovia Norte-Sul em Maria Rosa (GO) até Vilhena (RO), e a construção dos trechos 1 e 2 da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), de Figueirópolis (TO) a Ilhéus (BA). Essas obras estão previstas na terceira fase do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 3), mas, a julgar pelo desempenho pregresso do PAC, não dá para contar com elas. Um levantamento feito pela consultoria Inter.B descobriu que apenas 10% das obras de infraestrutura do PAC 1 e 32% do PAC 2 foram concluídas. Por que seria diferente agora?

Atenta ao problema, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) reivindi-

AS LAVOURAS DO PAÍS ESTÃO ENTRE AS MAIS

O avanço das debêntures incentivadas favorece o setor de infraestrutura, incluindo transportes e logística Reportagem de Capa

ca, com frequência, aumento dos aportes em infraestrutura logística, mas eles seguem em passo de tartaruga. Entre as propostas na mesa estão a melhoria da navegabilidade das hidrovias dos rios Madeira, Tapajós e Tocantins, mas pouco tem sido feito nesse sentido. Estima-se que o transporte hidroviário reduziria em até 30% o valor do frete, e não é difícil imaginar o impacto positivo que uma diminuição de despesas dessa magnitude provocaria no bolso dos agricultores.

O setor rodoviário vive situação bem melhor. Um novo calendário de licitações e repactuações de concessões previstas para os próximos meses deverá levar a um ciclo robusto de investimentos no País. Cálculos recentes mostram que os novos projetos injetarão R$ 45

bilhões na melhoria de 3,8 mil quilômetros de estradas brasileiras. Se as promessas forem cumpridas, 2024 ficará marcado pela maior quantidade de licitações num mesmo ano desde 2007. No total, até dezembro, o setor rodoviário prevê receber R$ 69 bilhões.

Nesse contexto, os estrangeiros miram oportunidades no Brasil. Um dos maiores concessionários de ativos de infraestrutura do mundo, o grupo francês Vinci obteve em 2022 o controle da Entrevias, responsável pela operação de 570 quilômetros de rodovias que cruzam o estado de São Paulo, e prospecta futuros negócios no Brasil. Empresas nacionais também vivem um momento de fartura. A CCR, principal operadora de concessões rodoviárias do País, anunciou recentemente R$ 15,5 bilhões

na Via Dutra, que conecta São Paulo ao Rio de Janeiro – é um dos maiores aportes da história para uma concessão no Brasil.

Uma parte relevante dos recursos será financiada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por meio de debêntures incentivadas. É um caminho cada vez mais usado no Brasil. De acordo com um relatório recente da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), as emissões de debêntures

atingiram R$ 206,7 bilhões no primeiro semestre de 2024, o maior volume já registrado pela entidade considerando os seis meses do ano. Foram realizadas 289 emissões, das quais 73 superaram a marca de R$ 1 bilhão. Segundo a Anbima, os setores de infraestrutura, incluindo transporte e logística, representam pouco mais de 40% do total, percentual que também significa um recorde.

A retomada dos projetos de infraestrutura rodoviária tem impulsionado um novo segmen-

CADA VEZ MAIS OS ESTRANGEIROS MIRAM OPORTUNIDADES NO BRASIL

Para que o agro continue alimentando a riqueza nacional, é preciso melhorar as estradas, ferrovias e os portos brasileiros

to. Depois das fintechs (startups do mercado financeiro), das agtechs (ligadas ao agronegócio), das edtechs (do setor de educação) e muitas outras, agora é a vez das logitechs, como são chamadas as empresas iniciantes da área de logística. De acordo com um estudo realizado pela consultoria Liga Insights, já existem 317 logitechs no País, e o número não para de crescer. Isso é ótimo. Essas empresas têm forte conexão com a inovação, e trazem soluções que podem ajudar a reduzir o atraso brasileiro em relação aos concorrentes internacionais do agro. Nos portos, também está previsto um ciclo robusto de investimentos. Entre 2024 e 2026, novos terminais e concessões deverão movimentar R$ 14,5 bilhões – apenas em 2024, 16 empreendimentos irão a leilão, com previsão de levantar R$ 8 bilhões em negócios. Em 2025, serão 11 ativos, com transações estimadas em R$ 5 bilhões. Para 2026, a projeção é de promover o arrendamento de oito empreendimentos, que, juntos, deverão atrair R$ 1,6 bilhão em investimentos.

Melhores condições de infraestrutura de transportes terão papel vital no avanço da produtividade geral do Brasil e não apenas do agronegócio. Nesse aspecto, temos muito a evoluir. Um importante estudo sobre o tema foi realizado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas. De acordo com o levantamento, a renda per capita do Brasil cresceu 0,8% ao ano entre 1981 a 2021. No mesmo período, a produtividade avançou, na média anual, apenas 0,6%. Com esse resultado, nas duas últimas décadas, o Brasil foi ultrapassado, em termos de produtividade, por nações como Bulgária, Colômbia e República Dominicana,

Reportagem de Capa Ag

que não são, aponte-se, referência em produção de riqueza.

Segundo especialistas, uma das principais dificuldades brasileiras na área de infraestrutura diz respeito à falta de continuidade dos projetos na área. Os programas governamentais costumam mudar a depender do resultado de eleições, o que leva muitas vezes à interrupção de boas ideias, ou, na direção contrária, à retomada de velhas propostas que não deram certo no passado recente. Os programas, alertam os estudiosos do tema, deveriam ser do estado brasileiro e não dos governos que, afinal, são passageiros. Como se sabe, projetos de infraestrutura são custosos, demandam muito tempo para serem concluídos e, muitas vezes, trazem desafios operacionais inesperados. Superar tais barreiras exige competência e esforço tanto dos entes públicos quanto da iniciativa privada.

Nos últimos anos, o agronegócio tem carregado o PIB brasileiro nas costas, e provavelmente continuará a alimentar a construção da riqueza nacional ainda por um bom tempo. Contudo, enquanto persistirem os gargalos nacionais – a logística ineficiente está entre eles –, nós não poderemos dar um salto maior. Em mercados caracterizados pela competição acirrada, há o risco nada desprezível de o País ficar para trás com o passar dos anos. É preciso melhorar nossas estradas, ferrovias, hidrovias, portos e aeroportos para assegurar que os produtos saídos das lavouras brasileiras cheguem aos destinos no exterior da forma mais rápida possível, e pelo custo mais baixo. Eis aqui um desafio que deveria ser perseguido por governos e todos os protagonistas do setor.

SUPERAR OS GARGALOS DO PAÍS EXIGE

UNIÃO DO GOVERNO E SETOR PRIVADO

APOSTA NA DESCARBONIZAÇÃO

O mercado de crédito de carbono avança no Brasil, mas persistem obstáculos que ainda não foram superados

Desde o fim dos anos 1990, o mundo discute como reduzir as emissões dos gases de efeito estufa (GEE) e, assim, frear o aumento da temperatura do planeta. O primeiro movimento concreto nessa direção veio há 27 anos. No entanto, ainda hoje organismos multilaterais, governos, empresas, instituições financeiras e ONGs debatem formas de avançar na pauta da descarbonização. As iniciativas enfrentam desafios adicionais ao tentar conjugar a necessidade de investir na redução do consumo de fontes fósseis, do uso do solo e do desmatamento, sem perder de vista a necessidade de fazer a rentabilidade crescer.

O embrião do movimento de descarbonização está perto de completar 20 anos. Constituído em 1997 como um tratado complementar à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, o Protocolo de Quioto, em vigor desde 2005, definiu metas de redução de emissões para os países desenvolvidos. Na época, iniciaram-se as conversas sobre os créditos de carbono, apontados como “um mecanismo financeiro para financiar modelos econômicos e desestimular o combustível fóssil”, conforme diz Marcelo Morandi, chefe da Assessoria Internacional da Embrapa. No caso do

Brasil, o compromisso é de redução de 48% de suas emissões até 2025 e em 53% até 2030. Mas, com uma nova meta, o objetivo do País agora é atingir emissões líquidas zero até 2050.

O Brasil vive duas realidades na atualidade. O País conta com o RenovaBio, que avança na redução de emissões, mas sofre com distribuidoras de combustíveis que descumprem compromissos. Por outro lado, carece de regras para a venda dos créditos de carbono. O RenovaBio, um programa governamental lançado em dezembro de 2016, busca a expansão da produção de biocombustíveis – como etanol, biodiesel, biometano e bioquerosene. Por sua vez, o Crédito de Descarbonização, conhecido pela sigla CBio, é um instrumento do RenovaBio emitido por produtores e importadores de biocombustíveis e certificado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) com base em notas fiscais de compra e venda.

Nesse caso, é preciso contratar um banco ou instituição financeira (o escriturador), que vai fazer a emissão do CBio e registrá-lo na B3, a bolsa de valores de São Paulo, onde é feita a negociação.

De seu lado, os distribuidores de combustí-

veis fósseis têm a obrigação de cumprir metas anuais de descarbonização calculadas pela agência por meio da aquisição de CBios. Cada crédito corresponde a uma tonelada de CO₂ evitado. Os distribuidores de combustíveis têm de solicitar, a cada ano, a “aposentadoria” do CBio da sua titularidade – que é retirado de circulação – no volume equivalente às metas de descarbonização estabelecidas.

Apesar do compromisso das distribuidoras de combustíveis fósseis em reduzir as suas emissões ter sido firmado com a ANP na forma de metas compulsórias, nem todas estão de acordo com a agência. Um despacho publicado no Diário Oficial da União mostra que inúmeros CBios previstos em metas individuais em 2023 não foram cumpridos. Segundo nota da ANP, são instaurados processos administrativos para apurar a responsabilidade das distribuidoras pelo descumprimento das metas de CBios. Comprovada a responsabilidade da distribuidora, é aplicada multa, com valor que varia de R$ 100 mil a R$ 50 milhões.

Para o pesquisador da Embrapa Marcelo Morandi, o CBio é, apesar dos problemas, um dos recursos mais avançados no Brasil quando se trata

de ferramenta de descarbonização, pois conta com um incentivo financeiro para o produtor rural. Morandi explica que, no Brasil, as iniciativas de emissão de crédito de carbono ainda são incipientes e estão relacionadas principalmente a projetos florestais, que são mais fáceis de serem certificados. Mas, sem um marco legal abrangente, as iniciativas vão seguir mais como voluntárias do que como um negócio propriamente dito.

Se há quem patine na pauta do CBio, outros já conseguiram transformar a iniciativa em receita, como as empresas CerradinhoBio, Neomille, CerradinhoTerra e CerradinhoLog, que atuam na produção e distribuição de biocombustíveis e energia e fazem parte do Grupo Cerradinho. Entre as safras 2020/21 e 2023/24, houve um crescimento de mais de quatro vezes na receita de CBios. Segundo o CEO da Cerradinho Bioenergia, Renato Pretti, o RenovaBio tem um papel de destaque na geração de caixa e é um componente de receita bastante relevante para a empresa.

O tema, de fato, é levado a sério pela companhia. Segundo Pretti, a CerradinhoBio já usufruiu de outros benefícios importantes, como financiamento com o International Finance Corporation

(IFC), instituição com um rigoroso modelo de acompanhamento das métricas socioambientais, e emissões com Selo Verde no mercado de capitais brasileiro.

Na Zona da Mata Norte de Pernambuco, a Cooperativa do Agronegócio dos Fornecedores de Cana-de-Açúcar (Coaf), formada por 463 fornecedores de cana (pequenos, médios e grandes, inclusive assentamentos), é um dos exemplos de como os créditos podem aumentar a renda no campo. Nas últimas quatro safras, 100% dos fornecedores foram remunerados com CBios. Entre as exigências estão a comprovação de que não houve desmatamento e a apresentação de notas fiscais relativas aos projetos. A certificação fica a cargo do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

Alexandre Andrade Lima, presidente do órgão, afirma que o RenovaBio representa um grande avanço. “Os créditos têm um papel importante na vida de quem produz, porque são um recurso adicional que permite uma gestão melhor da propriedade”, diz.

A São Martinho é uma das empresas que têm

investido de forma consistente na descarbonização, seja por meio do aumento de produção de combustíveis não fósseis, seja por mudanças para reduzir a intensidade de carbono nas operações.

No RenovaBio, a São Martinho conseguiu um aumento de até 8% na geração de CBios em suas unidades agroindustriais na última renovação da certificação. Como pontua Oscar Francisco Tribst Paulino, gerente de Sustentabilidade e Sistema de Gestão Integrada (SGI) da empresa, a geração de caixa dos CBios e sua taxa de crescimento são influenciadas por fatores como o mix de produção entre açúcar e etanol, o volume de etanol vendido e o cumprimento dos mandatos por parte das distribuidoras.

Os exemplos se sucedem. A SLC Agrícola atua em diferentes frentes para reduzir as emissões de CO₂ em seu negócio. A empresa adota a política de desmatamento zero desde 2020 e não arrenda terras com esse histórico desde 2021. A economia circular, com a utilização de resíduos no cuidado com o solo, e o aumento do uso dos insumos sustentáveis são outras iniciativas. Se ainda não há

Produtos da Natura com bioinsumos ( à esq. ) e tanques de etanol da Usina São Martinho: empresas que investem na descarbonização

fotos:

a comercialização de crédito de carbono, a SLC vem colhendo ganhos com suas iniciativas. Ao atualizar sua frota, reduz despesas com insumos, como combustíveis, e avança na agricultura de precisão.

Além dos desafios diários para descarbonizar a operação, o que intriga Álvaro Dilli, diretor de Recursos Humanos e Sustentabilidade da SLC Agrícola, é a falta de ferramentas que permitam medir as emissões da agricultura e quanto as atividades no campo podem reter de carbono no solo. Para o executivo, a ausência de certificações tem a ver com as características distintas entre o clima dos Hemisférios Norte e Sul. O que foi desenvolvido até agora no Norte, com clima temperado, não se aplica ao clima tropical, como no Brasil, onde há até três safras. “Por ora, estamos preocupados em estabelecer metas no planejamento estratégico, como a descarbonização de nossas operações, mas queremos avançar para entender o que emitimos e o que retemos de carbono no solo”, diz o diretor da SLC.

O mercado de crédito de carbono tem iniciativas apenas pontuais no Brasil, já que o país não tem regras claras que abordam a questão. O texto do projeto de lei

Mariana Cavanha, do Boticário: o consumo de eletricidade nas operações vem de fontes renováveis

Divulgação

Oscar Paulino, daSão Martinho: a companhia aumentou em 8% a geração de cbios em suas unidades

para a criação de uma atividade regulada ainda tem de passar por discussão e votação no Senado. Após a aprovação – que poderá colocar em oposição o Senado e a Câmara, que trabalham com textos diferentes –, será necessário um prazo estimado de um a três anos até que as regras comecem a orientar o mercado. Até lá, teme-se que o tema seja judicializado por causa do embate entre as casas.

Em linhas gerais, o projeto cria um sistema de comércio de emissões de gases semelhante ao da União Europeia, baseado no mecanismo conhecido como “cap and trade” (ou limite e comércio). Nele, são estabelecidas cotas de emissões para os chamados entes regulados (como as empresas). Aquele que emitir menos toneladas de CO₂ do que sua cota tem o direito de vender a diferença para quem ultrapassou o seu limite no mercado regulado.

Apesar das incertezas, avalia Breno Aguiar de Paula, coordenador de Sustentabilidade do Grupo Heineken, o Brasil possui “enorme potencial para o mercado de créditos de carbono devido à sua vasta área de florestas e biodiversidade”, o que se reflete em um mercado em trajetória ascendente, com grandes oportunida-

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des ligadas aos recursos naturais do País.

No entanto, aponta o executivo, os créditos de carbono ainda estão evoluindo entre investidores, principalmente por estar em fase de amadurecimento e possuir pouca previsibilidade em termos de infraestrutura de mercado e regulamentação. “Para se tornar totalmente atraente para investidores, é necessário consolidar um ambiente regulatório estável e robusto, além de promover a transparência e a governança eficaz”, afirma.

Apesar dos desafios, Renato Pretti, da Cerradinho Bioenergia, acredita na viabilidade do mercado de créditos de carbono no Brasil.“Ele está em crescimento, impulsionado por fatores como compromissos nacionais e internacionais de redução de emissões, políticas ambientais e engajamento da sociedade e de investidores com o tema”, diz. Entretanto, ressalva, ainda existem muitos pontos que precisam amadurecer, como o processo de certificação e venda de créditos de carbono, considerado pelo CEO como bastante burocrático.

Muitas empresas sabem que será preciso investir por um bom tempo até que a estratégia de descarbonizar seus negócios se transforme em

caixa. De todo modo, há ganhos indiretos que impactam os números das companhias, como as condições oferecidas pelas instituições financeiras para quem apresenta certificações atreladas à sustentabilidade, mais especificamente ao conceito ESG, reconhecidas no Brasil e no exterior.

O Banco do Brasil está entre as instituições financeiras que decidiram desenhar uma estratégica específica para estimular projetos de descarbonização, como uma política de crédito atrelada aos aspectos socioambientais e climáticos, considerados em operações de crédito e investimento. Além disso, o BB apoia iniciativas voltadas à mitigação de riscos, como o Programa de Financiamento a Sistemas de Produção Agropecuária Sustentáveis – RenovAgro (nova denominação do Programa de Agricultura de Baixo Carbono). “Desde o seu lançamento, em 2010, o BB vem liderando a iniciativa, que financia sistemas sustentáveis de produção agropecuária, com capacidade reconhecida de reduzir emissões de GEE e promover a produção de biomassa e de alimentos, bem como a preservação do meio ambiente”,informou a instituição por meio de nota.

Para apoiar as empresas que têm assumido

voluntariamente o compromisso de net zero, o BB identifica oportunidade s de atuação, como a assessoria para a elaboração de inventários de emissões e planos de descarbonização, além de oferecer alternativas para a compra de créditos de carbono de projetos que gerem impactos sociais e ambientais relevantes.

A trilha da descarbonização nem sempre foca, em um primeiro momento, na geração de receita. O Grupo Boticário, uma das empresas brasileiras que mais têm se destacado nas iniciativas socioambientais, optou por essa estratégia, com as reduções diretas e indiretas das emissões em vez da compensação das emissões de gases de efeito estufa. Com isso, por enquanto, não fala em crédito de carbono. “Avaliamos as discussões e evoluções dos mercados no Brasil e no mundo, acompanhando as oportunidades de integração à estratégia de negócio, principalmente para conciliar nossas emissões residuais àquelas que não puderem ser abatidas mesmo com os esforços necessários”, diz Mariana Cavanha, gerente sênior de ESG do Grupo Boticário.

A empresa se voltou à eliminação gradual do uso de energia e combustíveis não renováveis no

processo produtivo e nas frotas de veículos. Hoje em dia, o Grupo Boticário já garante que o consumo de eletricidade nas operações seja de fontes renováveis. A iniciativa permitiu abater 70% das emissões relacionadas ao consumo de energia elétrica em 2023.

O Grupo Heineken segue estratégia semelhante. Em um primeiro momento, tem buscado diferentes possibilidades para reduzir as emissões de CO₂ e chegar a net zero em toda a cadeira de valor até 2040 e, até 2030, chegar a essa meta nos chamados escopos 1 e 2. Breno Aguiar de Paula, coordenador de Sustentabilidade da companhia, detalha que as iniciativas se estendem por diferentes frentes. “Também buscamos reduzir as emissões de escopo 3 relacionadas à floresta, terra e agricultura em 30%”, diz.

As emissões de escopo 1 são aquelas liberadas para a atmosfera como resultado direto das operações da própria empresa. Já no escopo 2 estão as emissões indiretas, provenientes da energia elétrica adquirida para uso da própria empresa (consumo de eletricidade, vapor, calor e refrigeração). No escopo 3, estão as emissões indiretas originadas na cadeia de valor da empresa, como

Neomille, do Grupo Cerradinho ( à esq. ) e usina solar do Boticário ( abaixo ): novas soluções para reduzir a emissão de poluentes

fotos:

matéria-prima adquirida, viagens de negócios e deslocamento dos colaboradores, além de descartes de resíduos, transporte e distribuição.

A Natura é um dos exemplos de empresa brasileira que apresentam ganhos graças à sua estratégia ambiental. Em junho, a companhia obteve a certificação Platina de Integridade de Carbono, considerado o nível mais alto de declaração emitido pela Iniciativa de Integridade dos Mercados de Carbono Voluntários (VCMI, na sigla em inglês), por ter conseguido comprar créditos de carbono de alta qualidade.

A VCMI é uma organização internacional sem fins lucrativos reconhecida globalmente como a maior referência no zelo pela integridade do crédito de carbono. Com o reconhecimento, a Natura passou a ser a primeira empresa da América Latina a integrar essa categoria. Na ocasião da divulgação, Angela Pinhati, diretora de Sustentabilidade da Natura &Co, destacou que a certificação serve como incentivo às emissões da empresa e da cadeia de valor, assim como estimula o investimento em créditos de carbono de alta qualidade que colaborem com o net zero global, ou seja, a meta global de zerar as emissões líquidas.

Álvaro Dilli, da SLC agrícola: "queremos entender o que emitimos e o que retemos de carbono no solo"

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OS PESADOS ENTRAM EM CAMPO

Seja para transportar a safra, seja para ajudar nas colheitas, os caminhões são cada vez mais fundamentais para o desenvolvimento do agronegócio

Os caminhões são responsáveis por transportar 65% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, que chegou a R$ 11 trilhões em 2023. Um volume expressivo dessa frota atende o agronegócio, que representou, por sua vez, 23,8% da atividade econômica, segundo dados da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). A julgar pelo desempenho dos pesos-pesados, a participação no setor poderá crescer ainda mais. No primeiro semestre do ano, as vendas de caminhões no País somaram 55.457 unidades, uma elevação de 10,2% em comparação com o mesmo período de 2023 (50.325).

Boa parte da aceleração nos emplacamentos vem do agronegócio. Atentas a esse movimento, as fabricantes tratam de lançar produtos apropriados para as lavouras, evoluem os já existentes e criam serviços diferenciados para servir o homem do

campo. Não por acaso, o agronegócio transformou-se em pilar para a estratégia das empresas. “Atualmente, 45% das vendas de nossos caminhões estão conectadas ao setor”, afirma Alex Nucci, diretor de Vendas e Soluções de Transporte da Scania. “E não estamos falando apenas do transporte de grãos, mas tudo o que gravita em torno dessa atividade. A relação é direta: se o agro cresce no Brasil, as montadoras também crescem.”

Ele conta que, nos últimos dez anos, a Scania vem aprimorando seus veículos para torná-los mais sustentáveis. A nova geração de caminhões da marca, desenvolvida de 2018 a 2022, inclui recursos como aceleração inteligente, que otimiza o desempenho e gera economia de combustível de até 28%. Além disso, os motores P8 (equivalente ao Euro 6) cumprem as rigorosas exigências de redução de emissão de poluentes.

Os caminhões da família Arocs, da Mercedes-Benz, suportam até 150 toneladas de peso

A linha de extrapesados da Volkswagen Constellation é uma das mais procuradas

Em seu portfólio, a maior atração dedicada ao agronegócio é o 560 R Super 6x4, que faz parte da série Super. A capacidade de carga líquida é de 74 toneladas e o motor 13 litros entrega 560 cv de potência. Com cabine que mais parece uma sala de estar, o modelo é indicado para transportar grãos em rodotrens e tem capacidade máxima de tração de 90 toneladas. A série Plus também é presença marcante nas plantações. Ela está disponível nas opções 6x2 de 450 cv e 6x4 de 540 cv.

Nucci acredita que a eletrificação dos caminhões utilizados no setor ainda é uma realidade distante no Brasil. “Em menos de uma década, essa tecnologia dificilmente ganhará escala para atender todas as demandas”, diz. Para o executivo, os motores B100 (biodiesel feito a partir de fontes renováveis) são capazes de reduzir as emissões de dióxido de carbono (CO2) e

cumprir o papel da descarbonização. “Além disso, temos o caminhão movido a gás natural veicular (GNV), o Scania GH 460 6x2, que apresenta autonomia de até 650 quilômetros”, diz.

A fatia do agronegócio nas vendas dos caminhões da Mercedes-Benz é menor em relação à da Scania – aproximadamente 25%. No entanto, segundo Marcos Andrade, gerente sênior de Marketing Caminhões da Mercedes-Benz do Brasil, a companhia marca presença no ciclo completo da produção, como o transporte de combustível para abastecer os veículos das fazendas e de equipamentos. “Temos uma solução para cada etapa”, afirma.

Um dos destaques é o extrapesado Arocs 3351 6x4, com motor de 495 cv, ideal para operações severas em trajetos off-road e o transporte de eucalipto de São Paulo para o

O Volvo FH 540 serve áreas mais complexas, como madeira e cana. é impulsionado pelo motor 13 litros

O principal caminhão da Scania dedicado ao agronegócio é o 560 R Super 6x4, com 560 cv de potência

O Volkswagen Agronomous tem sistema de geoposicionamento em tempo real

Mato Grosso do Sul. O Arocs é tão importante para a estratégia da empresa que representa 45% de sua frota total. A família se estende com a versão 3353 S 6x4, de 530 cv e que supera até 150 toneladas para o segmento canavieiro.

Engana-se quem pensa que os caminhões que pegam no pesado no agronegócio são desprovidos de tecnologia. O Arocs, por exemplo, possui recursos como freio a tambor com acionamento pneumático, controle de aderência em aceleração, assistência de partida em rampa e controle eletrônico de estabilidade. Tudo para garantir mais conforto e segurança ao motorista.

Outra solução da Mercedes é o Atego 2730 6x4, preparado para serviços de apoio no campo. Reconhecido pela eficiência e pelo baixo custo operacional, ele costuma receber adaptações para se tornar caminhão-tanque, borracharia e oficina. “O agro não para e, a cada dia, desvenda novas fronteiras no Brasil”, diz Andrade. Dessa forma, para dar conta da produção de cerca de 300 milhões de toneladas de grãos previstas na safra 2024/2025, as fabricantes não abrem mão de participar das feiras do setor para apresentar suas novidades.

O Delivery é uma opção mais leve da Volkswagen para operações em pequenas propriedades

Além da Agrishow, o principal evento realizado anualmente em Ribeirão Preto (SP), as empresas expõem os veículos especialmente no circuito Norte-Nordeste e Centro-Oeste. A despeito de tantas novidades, ainda levará tempo para a Mercedes mostrar um caminhão elétrico. “Não enxergo a propulsão elétrica no agronegócio, por causa do peso dos veículos e das distâncias”, afirma Andrade. “A solução está mais para o hidrogênio, que podemos ver a partir de 2035.”

Se o caminhão movido a bateria ainda está distante do agronegócio, o mesmo não acontece com os modelos autônomos. A Volkswagen Caminhões e Ônibus (VWCO) tem o Agronomous Constellation 31.280 8x4, equipado com um avançado sistema de geoposicionamento em tempo real, que identifica a posição e segue a rota pré-programada, com precisão de 2,5 cm e variações mínimas, condições que um motorista não consegue atingir. “O modelo foi desenvolvido no Brasil com tecnologia de ponta a partir do Constellation e proporciona um salto significativo em produtividade e redução de custos operacionais para o produtor”, afirma Giulianno Nasi, supervisor de Marketing e Produto da VWCO.

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O Mercedes-Benz Atego é reconhecido pela eficiência e baixo custo operacional

Caracterizado pela robustez, o Agronomous totaliza Peso Bruto Total (PBT) de 42 toneladas. Os chamados pneus de alta flutuação amortizam a compactação do solo, favorecendo a operação nas plantações. De acordo com a fabricante, a tração 8x4 e o motor D08 de 280 cv de potência asseguram mais durabilidade dos componentes do sistema de trem de força. O kit canavieiro instalado no caminhão agrega itens para o segmento sucroalcooleiro, como grade de proteção frontal, escapamento vertical, proteções do radiador e do alternador, protetor térmico das tubulações do sistema pneumático, pontos de ar para limpeza da cabine e tomada de força. Agronomous à parte, a Volkswagen ostenta uma linha completa, com veículos de 3,5 a 70 toneladas para responder às demandas do agronegócio. A maioria é de extrapesados – como o Constelattion –, mais comuns nas plantações. Uma das opções de leves da fabricante é o Delivery 4x4, apropriado para as operações em pequenas fazendas. “Ele pode atuar como caminhão-oficina, que se

ATENÇÃO PERMANENTE

PÓS-VENDA É FUNDAMENTAL PARA AUMENTAR A PRODUTIVIDADE

Manter os caminhões disponíveis o maior tempo possível é o mantra das fabricantes. Para isso, elas investem fortemente na estrutura das concessionárias e na oferta de serviços de pós-venda. Há uma série de pacotes de serviços que o produtor pode contratar na aquisição de um peso-pesado. A Volkswagen Caminhões e Ônibus montou a Torre de Controle, um quartel-general totalmente conectado, que monitora as frotas dos clientes em tempo real. Entre outros benefícios, se algum problema for detectado no veículo, a montadora tem condições de acionar o reparo necessário com agilidade.

Por sua vez, os Serviços Scania PRO dão cobertura estendida aos caminhões zero-quilômetro, atendimento prioritário nas oficinas da rede Scania e suporte 24 horas. A modalidade Scania PRO Control oferece planos flexíveis, com intervalos até 30% menores para manutenção, ampliando o tempo de rodagem dos caminhões.

Telemetria e conectividade para a gestão da frota são as soluções que a Mercedes-Benz entrega ao agro. A marca tem como grande aliada a capilaridade de sua rede, composta por 320 pontos de atendimento em todos os estados brasileiros. A Mercedes dispõe, também, de planos de manutenção com opções de revisões preventiva e corretiva e a consultoria gerencial, que reduz custos operacionais e potencializa a rentabilidade no campo.

Com 61 unidades, a DAF é mais modesta em número de pontos de atendimento. Mesmo assim, ela garante que chega aonde o cliente está. Os planos personalizados da DAF Multisuporte são de cobertura nacional, para que a frota esteja com a manutenção em dia.

Um dos pontos fortes do pós-venda da Volvo é o know-how de customizar os caminhões de acordo com as necessidades dos produtores em suas diversas atividades. Além disso, a exemplo das concorrentes, a fabricante tem caminhões-oficinas a postos para reparar os veículos dos clientes dentro das próprias fazendas.

desloca até as propriedades para executar pequenos reparos”, diz Nasi.

A curto prazo, não está nos planos da Volkswagen vender caminhão elétrico aos produtores. “A infraestrutura é um grande desafio”, afirma o executivo. “Em muitos casos, o agronegócio trabalha 24 horas por dia e seria inviável interromper a jornada do veículo para fazer a recarga.” Em contrapartida, uma novidade está a caminho: um modelo acima de 91 toneladas, voltado ao transporte de madeira e cana-de-açúcar, será lançado em 2025.

Entre as fabricantes, a “agrodependência” é mais acentuada na Volvo, com 60% das vendas direcionadas para o setor. “Isso acontece porque nosso olhar é muito amplo”, justifica Clovis Lopes, diretor comercial de Vendas de Caminhões da Volvo. “Vai desde o transporte de carnes, frangos e suínos até a safra de soja, milho e cana-de-açúcar, passando pelo setor madeireiro.”

Segundo pesquisa da empresa de consultoria McKinsey & Company, 47% dos produtores brasileiros usam tecnologias de alta precisão nas fazendas, com recursos como softwares, Internet das Coisas, GPS e gerenciamento de dados. Para Lopes, os caminhões precisam acompanhar essa tendência: “Por isso, nossos veículos dispõem de Veículos

o semiautônomo da Volvo, o FMX, promete aumentar a produtividade das lavouras

A Volvo está representada, principalmente, pelos modelos FH 6x4 540 e VMX Max 6x4, de 360 cv. “O FH atende áreas mais complexas, como madeira e cana, ao passo que o VMX tem várias aplicações, como espargir fertilizantes e calcário em até 1.200 hectares ao longo de 24 horas, tarefa impossível de ser executada por tratores”, afirma. Ele explica que o agronegócio brasileiro está com demandas cada vez mais diversificadas. “Com tamanho nível de exigência, as fabricantes precisam adequar seus produtos”, diz Lopes. “Nossos caminhões são bastante flexíveis e adaptáveis em todas as operações.”

O Volvo VMX consegue atuar em aplicações variadas, como espalhar fertilizantes e calcário

equipamentos de ponta, que apoiam atividades desde a lavoura até a entrega do produto final”. Outro caminhão tecnológico da Volvo é o semiautônomo FMX 8x4. Ele acompanha o trajeto da colheitadeira de cana-de-açúcar para o transbordo e, só depois da operação, o motorista assume o volante. “O veículo reduz o pisoteio das mudas e aumenta em 20% a produtividade da colheita”, afirma o profissional.

A DAF Caminhões tenta atrair o produtor com a família XF 6x4, nas configurações de 480 cv e 530 cv; e CF 8x2, de 310 cv. “Ambas atendem a cadeia do agronegócio, no transporte de insumos, carga viva e movimentação de colheitas das mais variadas commodities do segmento”, diz Luis Gambim diretor Comercial da DAF Caminhões. O XF, modelo campeão de vendas da empresa, tem a variante fora da estrada XF Off-Road, desenvolvida especialmente para fazer o escoamento das safras de cana-de-açúcar, com

A gama Plus, da Scania, é oferecida nas opcões 6x2, com motor de 450 cv de potência e propulsor de 540 cv

capacidade de transportar 91 toneladas.

Segundo Gambim, o XF se destaca por características como design premium, robustez e máxima disponibilidade operacional para levar insumos agrícolas, produtos frigoríficos e cargas secas e líquidas. A linha CF, por sua vez, é conhecida pela versatilidade de seus modelos semipesados e pesados, atuando com volumes a partir de 15 toneladas. Ele acrescenta que o princípio da DAF é desenvolver caminhões com sistemas operacionais e mecânicos cada vez mais eficientes, que possam aumentar a disponibilidade e produtividade do frotista, além de tecnologias de motorização que reduzem em até 8% o consumo de combustível. “O setor agrícola é um parceiro estratégico para o nosso negócio e tem um impacto significativo não apenas nas vendas, mas também em toda a cadeia de fornecedores e serviços associados ao setor de transporte”, conclui.

Com design premium, o DAF XF é robusto e atua no transporte de insumos agrícolas e produtos frigoríficos

ENTRANDO NUMA FRIA

Estudo da Universidade de Michigan constata que o mundo deixaria de jogar fora 620 milhões de toneladas de alimentos por ano se a cadeia de abastecimento fosse totalmente resfriada

Cada vez que um alimento é desperdiçado no caminho entre a produção e o consumo, há um prejuízo que se estende por todo esse trajeto. E vai além. Perde-se comida, enquanto milhões de pessoas passam fome. Perdem-se recursos financeiros, sendo que há um déficit de investimentos em segurança alimentar e do próprio alimento. E perde-se sustentabilidade, pois tanto o uso de recursos naturais quanto as compensações por emissão de gases de efeito estufa (GEE) acabam sendo em vão. A boa notícia é que há muita gente atenta ao tom alarmista dessa análise e pensando em como modificar tal cenário.

Um exemplo da preocupação vem da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, com o estudo desenvolvido por Aaron Friedman-Heiman, que concluiu MBA em Ciências Ambientais na

Escola de Meio Ambiente e Sustentabilidade da universidade em maio deste ano, e por Shelie Miller, professora de Sistemas Sustentáveis da mesma instituição. A pesquisa, publicada na revista científica Environmental Research Letters, mostrou que uma cadeia mundial de abastecimento totalmente refrigerada evitaria o desperdício de cerca de 620 milhões de toneladas de alimentos.

O número é significativo, ainda mais diante dos números de desperdício global de alimentos em 2022, que chegou a 1,05 bilhão de toneladas, segundo o Relatório do Índice de Desperdício de Alimentos do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Essa estatística ameaça uma meta importante estabelecida pela ONU, que consiste em reduzir pela metade, até 2030, o desperdício de alimentos per capita

mundial, nos níveis de varejo e do consumidor, além de diminuir as perdas de alimentos ao longo das cadeias de produção e abastecimento, incluindo as perdas pós-colheita.

O estudo da Universidade de Michigan foi baseado em uma ferramenta desenvolvida pelos autores para estimar a perda de alimentos e avaliar como o aprimoramento da cadeia de frio impactaria a perda de alimentos e suas emissões de GEE associadas, considerando sete tipos de alimentos em sete regiões do planeta. Foram utilizados dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e de outras fontes. O trabalho mostrou que, ao gerar um desperdício anual de 620 milhões de toneladas de alimentos, a ineficiência da estrutura da cadeia do frio pelo mundo ainda responde por

emissões de 1,8 bilhão de toneladas de dióxido de carbono equivalente, ou 28% das emissões de GEE dos Estados Unidos por ano.

A ampliação e a otimização da cadeia do frio contribuiriam positivamente para os processos de preservação de alimentos. Mas há dúvidas sobre como fazer isso no Brasil, um país tropical e com dimensões continentais. Projetada sobre a fruticultura, essa questão fica ainda mais complexa, por envolver alimentos altamente perecíveis que, de maneira geral, percorrem grandes distâncias pelas rodovias do País.

Considere-se o exemplo de uma manga que sai de Pernambuco e vai para outro estado ou para exportação, como sugere o gerente técnico da Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas), Jorge de

Melhorias na cadeia do frio contribuem para a preservação de frutas e produtos como leite

Luís Rua, Diretor da ABPA : "Nos contêineres, a temperatura é monitorada o tempo todo"
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Até mesmo setores com cadeia de frio completa, como o de proteínas, sofrem com infraestrutura falha

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Jorge de Souza, da Abrafrutas: transporte inadequado pode levar à perda de qualidade dos produtos

Souza. “Após ser colhida, essa fruta vai para uma instalação, onde será lavada, classificada e processada”, diz. “Depois, é embalada em uma caixa de 6 quilos. O ideal seria resfriá-la para reduzir a velocidade do processo fisiológico e evitar a sua deterioração.”

No entanto, com exceção de alguns produtos, como a maçã, a situação é outra. A maioria das frutas é transportada por caminhões sob temperatura ambiente, e vai perdendo qualidade no caminho. Mudar essa realidade exige investimentos. “Tanto da cadeia produtora quanto do poder público”, diz Souza. O gerente da Abrafrutas cita ainda outros pontos críticos de infraestrutura. Segundo ele, 90% da exportação de frutas brasileiras é feita por navio. O ideal seria chegarem resfriadas ao porto e lá ficarem armazenadas em câmaras frias. “Isso pode acontecer em algum momento da história,

mas hoje é improvável”, afirmou.

Até mesmo setores de alimentos com uma cadeia de frio mais completa, como o de proteínas animais, são desafiados pela infraestrutura inadequada em relação à conservação. Inclusive para exportação. “Nos contêineres, a temperatura é monitorada o tempo todo”, diz Luís Rua, diretor de Mercado da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). “Se ocorrer qualquer imprevisto que atrase o processo e não houver no porto a tomada necessária para ligar esse contêiner e manter o controle da temperatura, pode complicar.” Nesse caso, o processo é interrompido. “Não seguimos com um produto sem esse cuidado.”

Parece algo paradoxal um país que tanto se destaca no cenário global de exportação de alimentos enfrentar falta de tomada apropriada em um porto para ligar um contêiner refrigerado. O Brasil é líder nas exportações de carne de frango

– em 2023, foram enviadas ao exterior 14,8 milhões de toneladas – e o quarto maior exportador de carne suína, com o embarque de 5,1 milhões de toneladas também no ano passado.

Antes mesmo da prosaica questão das tomadas nos portos, há a preocupação com o próprio fornecimento de energia elétrica. Em um mundo no qual as discussões sobre fontes de energia, tanto do ponto de vista ambiental quanto socioeconômico, são cada vez mais frequentes, a expansão da cadeia de frio por toda a rede de abastecimento de alimentos demandaria uma análise técnica bastante minuciosa. “Se todo mundo resolvesse instalar aparelhos de ar-condicionado em casa, de onde viria energia elétrica para abastecer tudo isso?”, questiona a pesquisadora da Embrapa Hortaliças, Milza Lana, que é especialista em temas como perdas e conservação pós-colheita, processamento mínimo e avaliação

da qualidade de hortaliças in natura e processadas.

A pesquisadora vai direto ao ponto: “Não há tecnologia melhor do que o frio para essa preservação, principalmente no caso de hortaliças e frutas, produtos mais perecíveis”. Milza, contudo, afirma haver outras etapas a serem cuidadas antes de se chegar à refrigeração. Não que um fator elimine o outro. “É preciso ter uma cadeia do frio, do começo ao fim do abastecimento, mas pensando em Brasil, com distâncias tão grandes, existem vários pontos a serem aprimorados para que se tenha o efeito esperado da refrigeração”, afirma.

Segundo a pesquisadora, a cadeia de hortifrúti é bastante segmentada: “Na produção de quiabo, cada produtor colhe uma certa quantidade, depois tudo é coletado e vai para algum Ceasa antes de seguir para o varejo, que pode ser um mercado, uma quitanda ou algum outro estabelecimento”. Se houver controle de temperatura apenas em par-

te desse trajeto, pode ser pior do que não ter. “Se for colocado em um caminhão a 10 °C e depois ficar em outro ambiente, a 30 °C, vai acelerar todo o processo fisiológico”, diz a especialista.

A depender da distância entre a produção e o consumidor, investir na cadeia de distribuição pode até ser mais interessante do que criar toda uma cadeia do frio, levando-se em conta a relação custo/benefício e a longevidade dos resultados. Milza ressalta que o resfriamento apenas preserva a qualidade dos alimentos, mas não tem o poder de aprimorá-la.

A qualidade, ressalve-se, depende de todo o manuseio, desde o plantio, passando pelo cultivo, até a colheita. De acordo com a pesquisadora, enquanto em alguns lugares do Brasil uma hortaliça é colhida manualmente e amontoada no campo, onde permanece esquentando sob o sol, um pequeno produtor de couve-flor na França tem

um trator conduzido via satélite, faz a colheita pegando a hortaliça por baixo para não colocar a mão na parte superior e já realiza a seleção do produto no processamento. “Ele mexe muito pouco na planta”, diz Milza.

A percepção do consumidor em relação à qualidade dos alimentos que consome está relacionada ao frescor dos produtos. Essa relação ganhou notoriedade durante a pandemia da Covid-19, quando diversos fornecedores de hortifrúti apostaram na venda direta, entregando na casa das pessoas, pois os estabelecimentos que costumavam comprar seus produtos reduziram as aquisições ou simplesmente as interromperam. Sendo assim, o consumo de alimentos produzidos perto de casa ganhou relevância. Esse é um ponto também destacado no estudo da Universidade de Michigan, o desenvolvimento de cadeias de abastecimento de alimentos mais localizadas e

menos industrializadas, o chamado movimento “back to basics”, como cita o vice-presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite), Roberto Jank.

A base dessa relação é o fornecimento de alimentos das fazendas para consumidores mais próximos, sobretudo famílias locais. “É o conceito de produtos frescos adquiridos de fornecedores que estão mais perto”, afirma o dirigente, que também é diretor-presidente da Agrindus, empresa localizada em Descalvado (SP) e que é dona da marca Letti. Jank reforça a opinião da pesquisadora da Embrapa Hortaliças sobre a qualidade do alimento na origem, condição primordial para quem trabalha com leite pasteurizado. “A pasteurização é um processo que reduz as bactérias do leite”, diz. “Se o produto que sai da sala de ordenha já tem uma contagem bacteriana baixa, pode chegar perto de zero, e o alimento vai

durar mais.” No caso da Agrindus, a matéria-prima é envasada sob a marca Letti como leite tipo A ou segue para a industrialização e se transforma em iogurte, coalhada e manteiga.

E aí vem todo o cuidado com a cadeia do frio para que esses produtos entreguem ao consumidor o frescor que se espera. Ou seja, monitoramento. Na logística, os caminhões refrigerados são equipados com termostato, que fica ligado o tempo todo. “Também ficamos de olho nos pontos de venda e, se houver qualquer reclamação a respeito de algum produto, vamos conferir as condições”, afirma Jank. Na câmara fria da empresa, são mantidas em quarentena amostras dos lotes que saem para entrega. “Assim, também temos referência para conferir onde pode estar o problema, quando acontece.” Com medidas como essas, o setor evita que o consumidor entre numa gelada.

A percepção do consumidor em relação à qualidade tem a ver com o frescor dos alimentos

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de cadeias de abastecimento menos industrializadas

Roberto Jank, da Abraleite: valorização
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Divulgação

A VEZ DO PLÁSTICO VERDE

A mesma matéria-prima que mudou a vida das pessoas, e deu origem a uma indústria gigantesca, também preocupa pelo impacto ambiental. Encontrar o equilíbrio nessa relação é missão de toda a sociedade

Osurgimento do plástico sintético, no início do século 20, deu a largada para uma transformação na sociedade tal qual a conhecemos. De lá para cá, muitos hábitos mudaram, diversas atividades ganharam praticidade e segurança, matérias-primas caras foram substituídas e a transmissão de doenças foi controlada com o uso de itens descartáveis na área da saúde, entre inúmeras outras revoluções – enfim, o mundo mudou. No entanto, o amplo espaço conquistado pela indústria plástica na vida da humanidade também trouxe efeitos colaterais: ainda não há respostas suficientes sobre o que fazer com tantos resíduos.

Um levantamento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entidade intergovernamental composta por 38 países-membros, estima que a produção mundial de plásticos poderá triplicar em quatro décadas, saltando das 460 milhões de toneladas

em 2019 para 1,3 bilhão de toneladas em 2060. Qualquer matéria-prima sem um destino sustentável após sua utilização continuará a ocupar espaço no planeta, mas de forma poluente. Aí está o grande desafio que acompanha a expansão do uso do plástico. Segundo o estudo da OCDE, a geração de resíduos plásticos tende a saltar de 353 milhões de toneladas para 1,014 bilhão de toneladas, com destaque negativo para objetos de curta duração, ou de aplicação única, como determinadas embalagens.

Boa parte da justificativa para tais estatísticas vem do crescimento da população. Atualmente, há 8,2 bilhões de pessoas no mundo, número que pode chegar a 10,3 bilhões em 2080, conforme a Organização das Nações Unidas. O relatório da OCDE traz uma perspectiva para o meio do caminho: em 2060, já teremos ultrapassado a marca de 10 bilhões de seres humanos no planeta. Também entra nessa equação o

Yuri Tomina, da Braskem: “Uma das principais aplicações do plástico verde é no setor de embalagens para alimentos e bebidas”

crescimento econômico. A estimativa da OCDE é de que a crescente população tenha um padrão de vida melhor, acompanhando a elevação do Produto Interno Bruto (PIB) de seus países. Sobretudo na maioria dos não membros da organização, como Índia, China e outras nações da Ásia, que contribuirão com quase metade do PIB global em 2060.

Esses números devem servir como estímulo à elaboração de soluções estratégicas para lidar com os resíduos plásticos, principalmente os materiais de uso único. Cabe a cada nação repensar a produção e o uso do plástico, assim como o descarte e manuseio de seus resíduos – afinal, 46% costuma ser despejads em aterro, enquanto 22% é mal gerido e acaba virando lixo. Países-membros da OCDE já caminham nessa direção. A partir de uma resolução conjunta criada em março de 2022, assumiram o compromisso de desenvolver um instrumento interna-

Estudos mostram que 46% do plástico costuma ser despejado em aterro, e 22% é mal gerido e acaba virando lixo

cional com o intuito de acabar com a poluição por plástico. A expectativa é de que o documento esteja pronto até o final de 2024.

No Brasil, as iniciativas vêm para reduzir resíduos plásticos e estimular a economia circular a partir desse material, e passam até por um Projeto de Lei que propõe um marco regulatório para tratar da questão. O PL 2.524/2022 determina que, um ano após entrar em vigor, sejam banidos os produtos de plástico descartáveis, aqueles de uso único, e em sete anos ficarão proibidas todas as embalagens plásticas não retornáveis. O texto do PL indica ainda um período de transição, com duração de dois anos, durante o qual as empresas poderão fabricar e importar os produtos.

A reciclagem é uma das principais vias para reduzir a poluição de resíduos sólidos de quaisquer materiais, inclusive o plástico. Segundo a Associação Nacional de Catadoras e

Catadores de Materiais Recicláveis (ANCAT), a cada 10 quilos de embalagens recicladas no Brasil, 9 quilos chegam à indústria por meio dos catadores. “Com as recentes tragédias ambientais, fala-se um pouco mais sobre nosso trabalho”, afirma a catadora e assistente de Incidência Política do Movimento de Pimpadores, Nanci Darcolete.

O curioso nome da associação vem do primeiro dos quatro pilares que a sustentam, o projeto Pimp My Carroça, iniciativa que surgiu em 2007 a partir da renovação das carroças de catadores com a arte do grafite, dando mais visibilidade e promovendo a autoestima desses profissionais da reciclagem. O verbo em inglês “pimp” significa “renovar”, e ganhou destaque na televisão com o programa “Pimp My Ride”. Transmitido pela MTV americana nos anos 2000, tinha como atração a reforma de carros em péssimas condições, transformando-os em

verdadeiros objetos de desejo.

O grafite nas carroças ganhou força e deu origem ao Cataki, aplicativo para programar a coleta de material reciclável e inserir catadoras e catadores na cadeia logística reversa. Depois vieram o Pimp Lab, um laboratório de criação e experimentação de projetos socioambientais; e a Incidência Política, que busca reconhecimento e valorização para esses trabalhadores.

Nanci chama a atenção para o volume de resíduos e a limitação para reciclagem. “Cada pessoa gera quase 1 quilo de resíduo plástico por dia”, diz a catadora. O problema, diz ela, é que 38% de todo o volume coletado não tem valor comercial. “Não há indústria que trabalhe com esse material, como as embalagens de salgadinho, de biscoito ou de bolo.” A boa notícia, segundo Nanci, é que vem crescendo o número de empresas interessadas no plástico reciclável como matéria-prima. Para a integrante do

Movimento de Pimpadores, é preciso otimizar e valorizar a catação, frear a fabricação e o consumo de plásticos não recicláveis e reorganizar grandes eventos onde ainda se usa muito plástico. “É uma mudança de hábitos”, diz.

O agronegócio tem papel fundamental na reformulação do uso do plástico, até porque o material está presente no setor de ponta a ponta, dos insumos que abastecem as fazendas aos alimentos e demais produtos que chegam ao consumidor final. Iniciativas não faltam. Ressalve-se que vem da agroindústria um dos mais bem-sucedidos exemplos do mundo para promover o manejo sustentável de embalagens plásticas. Trata-se do Sistema Campo Limpo, programa brasileiro de logística reversa de embalagens vazias ou com sobras pós-consumo de defensivos agrícolas, realizado pelo Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (inpEV). Desde o início dessa operação, em

O agronegócio tem papel vital na reformulação do uso do plástico, já que o material está presente no setor de ponta a ponta

Nanci Darcolete, do movimento de Pimpadores: “Com as recentes tragédias ambientais, fala-se um pouco mais sobre nosso trabalho”

2002, o inpEV já recolheu 754 mil toneladas desses recipientes, sendo que 93% são reciclados.

No ano passado, o total de embalagens com destinação correta passou de 53 mil toneladas, o que evitou a emissão de 75,2 mil toneladas de CO2. O Sistema Campo Limpo é também um estímulo à economia circular, pois originou a primeira embalagem de defensivo agrícola fabricada a partir de resina reciclada dos próprios recipientes que recolhe, a Ecoplástica.

A economia circular é um dos caminhos da gigante Basf para cumprir suas metas globais de sustentabilidade, como reduzir em 25% as emissões de CO2 até 2030 (comparado a 2018) e zerá-las até 2050. A companhia aposta em novos modelos de negócio e em matérias-primas que conseguem melhor desempenho com menor quantidade de materiais. Uma contribuição da empresa foi o desenvolvimento do trinamiX, equipamento portátil que utiliza a tecnologia NIR

(espectroscopia de infravermelho próximo) para identificar o tipo de plástico utilizado em um determinado produto. Como o plástico tem várias categorias, e cada grupo demanda um processo específico de reciclagem, o dispositivo ajuda a fazer a leitura de forma rápida e precisa, garantindo melhor desempenho no manejo dos resíduos plásticos – e identificando até mesmo o que não é passível de ser reciclado.

O questionamento do plástico vem do fato de ser produzido a partir de uma fonte fóssil, o petróleo. Grande parte desse material, de fato, tem essa origem, mas as opções de bioplástico abrem espaço para outros caminhos. Desde 2010, a Braskem já produziu 1.785 milhões de toneladas do chamado “plástico verde”, gerado a partir do etanol de cana-de-açúcar. “Uma das principais aplicações é no setor de embalagens para alimentos e bebidas, além de produtos de limpeza e brinquedos”, diz o líder em Soluções Sustentáveis da Braskem, Yuri Tomina. Segundo o executivo, toda a linha comercial desse polietileno, batizada de “I’m green bio-based”, tem a mesma aplicação dos plásticos tradicionais e pode ser reaproveitada dentro dos mesmos fluxos de reciclagem.

“Desde 2022, a Braskem desenvolve ações de educação ambiental em grandes festivais de música do País”, afirma Tomina. Os exemplos são o Popload Festival e o Rock in Rio, em 2022; o Lollapalooza, em 2022 e 2023; e o The Town, em 2023. “Nesses eventos, 46 mil pessoas foram impactadas por nossas ações e 1,3 milhão de resíduos foram destinados à reciclagem”, acrescenta o executivo.

Essas e outras iniciativas, como a ampliação do portfólio, ajudam a empresa a cumprir as metas de, até 2030, alcançar 1 milhão de toneladas de produtos com conteúdo reciclado e evitar a destinação de 1,5 milhão de toneladas de resíduos plásticos para incineração, aterros ou descarte no meio ambiente. Para 2050, o objetivo é chegar à neutralidade de carbono, o que leva a companhia a investir em outros tipos de bioplásticos.

Em 2019, por meio de uma iniciativa público-

-privada de inovação aberta entre a Embrapa Instrumentação, a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e a empresa QGP/Tanquímica, foi desenvolvido um revestimento comestível para proteger frutas. Esse produto é uma nanoemulsão de cera de carnaúba, que ganhou o nome comercial de TanWax C-18, e serve para preservar a qualidade do alimento, manter a sua umidade e diminuir a perda de massa durante o processo de transporte e armazenamento. “Quando você vai ao supermercado e encontra algumas frutas brilhando, como limão e laranja, isso acontece porque foram revestidas com cera de carnaúba”, afirma o pesquisador da Embrapa Instrumentação e um dos responsáveis pela tecnologia da nanoemulsão, Marcos David Ferreira. Segundo o especialista, em muitos casos, a emulsão aplicada nos alimentos é composta apenas de óleo e água. “O que fizemos foi

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O amplo questionamento do uso do plástico vem do fato de ser produzido a partir de uma fonte fóssil e poluente, o petróleo

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transformar o revestimento de carnaúba em nanopartículas. Dessa forma, podemos ampliar as aplicações.”

O uso da nanoemulsão de carnaúba começou em manga e limão, tanto no mercado interno como no externo, depois foi ampliado para pimentão e tomate e, agora, já é aplicado em mamão e tende a ganhar projeção com melão. A difusão comercial da tecnologia coube à empresa Agrofresh. Embora não seja um dado oficial, estima-se que, entre 2020 e 2023, 150 mil toneladas de frutas já foram revestidas com o produto. Por se tratar de um revestimento comestível e biodegradável, a tendência é de que ganhe mais mercado, dentro e fora do Brasil, sobretudo no setor de frutas. “Ainda não sabemos exatamente quando nem em quais produtos, mas a ideia é avançar”, conclui Ferreira.

Marcos Ferreira, da Embrapa: em vez do plástico, revestimento comestível para proteger as frutas

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PEQUENOS, MAS COM RESULTADOS GIGANTES

Nova solução de nanotecnologia tem elevado potencial para reduzir custos no campo e aumentar a produtividade agrícola

Produzir mais em menor área, com menos recursos naturais e usando de modo racional os mais diversos insumos é o objetivo de todo produtor rural que almeja ser competitivo. Diante desse desafio, soluções no âmbito da nanotecnologia vêm despontando ao promoverem a redução de custos e ganhos de produtividade na agricultura. “Com alto potencial de aumentar a produtividade e a sustentabilidade na agricultura, a nanotecnologia oferece novas possibilidades de conservação dos recursos naturais, visando atenuar os impactos ambientais associados à agricultura convencional”, afirma o coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Nanotecnologia para Agricultura Sustentável –INCT NanoAgro, Leonardo Fernandes Fraceto. Sediado no Instituto de Ciência e Tecnologia da Unesp (ICTS), campus de Sorocaba, o INCT NanoAgro tem como proposta impulsionar a produção científica e tecnológica direcionada para a agricultura com o apoio da nanotecnologia.

Uma das novidades em nanotecnologia dirigida à agricultura é o chamado Concentrado Coloidal Orgânico (OCC, na sigla em inglês), distribuído no Brasil pela Nutristrahl. “Trata-se de um produto desenvolvido pela empresa de Hong Kong AgCelle, já comercializado com sucesso na Europa, Ásia e Oceania e que estamos trazendo em

Marco Anton, da Nutristrahl: o nanoproduto acelera o crescimento das plantas

primeira mão e com exclusividade para o Brasil”, diz Marco Anton, sócio da empresa.

O executivo explica que o OCC, homologado no Brasil como um fertilizante de caráter especial, é uma mistura à base de lipídios (moléculas orgânicas) feita a partir de ingredientes de origem vegetal, solúveis e biodegradáveis. Anton ressalta que, na prática, o nanoproduto contribui de maneira decisiva para acelerar o crescimento das plantas, bem como fortalecer a proteção contra pragas e doenças ao ser utilizado em conjunto, por exemplo, com adubos e defensivos.

“O OCC encapsula as moléculas dos princípios ativos dos insumos, criando uma espécie de agregado de lipídios”, diz Anton. “Em seguida, esta espécie de membrana é carreada para dentro da planta e passa a circular de maneira mais fluida,

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Divulgação turbinando os efeitos dos fertilizantes.” Ele lembra que isso ocorre porque o OCC preserva o composto das próprias ações químicas que ocorrem na planta, fazendo com que os princípios ativos do adubo, por exemplo, cheguem ao seu destino intactos, elevando a eficácia e promovendo o amadurecimento mais rápido dos cultivos. De acordo com Anton, essa jornada faz com que a quantidade de insumos necessária fique mais calibrada, já que a proteção dada pelo nanoproduto reduz perdas e desperdícios dos nutrientes dentro das plantas. “Temos observado diminuição em até 50% no volume de insumos com a utilização do OCC”, acrescenta. Além disso, com o menor uso de substâncias químicas, em especial quando se trata de defensivos, a planta se recupera mais rapidamente, podendo direcionar

energia para o seu crescimento. No que diz respeito ao aumento de produtividade, o executivo pontua que clientes da Nutristrahl têm declarado ganhos de rendimento em torno de 30%, com casos chegando a até 50%.

Anton salienta que a nanotecnologia OCC pode ser utilizada em qualquer cultura agrícola e que não requer a chamada “tropicalização”, já que é de natureza física e não química. “Isso faz com que possa ser usada, com a mesma eficácia, tanto na agricultura de clima temperado quanto na brasileira, de característica tropical.” Para impulsionar o OCC na agricultura nacional, o executivo afirma que a Nutristrahl vem costurando parcerias com instituições que atuam com pesquisa agrícola, entre as quais a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).

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A COR DO DINHEIRO

Emissão de R$ 2 bilhões em Certificados de Recebíveis do Agronegócio pela BRF destaca a aceitação crescente no mercado de capitais a produtos financeiros lastreados pela produção agropecuária

Por Marco Damiani

Bom pagador e com uma demanda bilionária de financiamento a cada safra – o total estimado está próximo a R$ 750 bilhões –, o agronegócio tem atuado junto às autoridades do mercado de capitais para o desenvolvimento de produtos financeiros de apoio a todos os níveis da produção no campo. O atual sucesso de títulos como CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio), LCAs (Letras de Crédito do Agronegócio) e Fiagros (Fundos de Investimento em Cadeias Agroindustriais) está diretamente relacionado à estruturação técnica e legal feita pela interação entre legisladores, agentes do mercado e representantes da produção no campo. Nesse momento, por exemplo, os títulos Reorg e Recupera, voltados para produtores em dificuldades, estão em fase final de elaboração.

No final de junho, a emissão de R$ 2 bilhões em CRAs pela BRF, a gigante de produção de proteínas controlada pela Marfrig, ressaltou toda a qualidade e aceitação desse título. Com sua primeira operação registrada em 2012 pela Syngenta, os CRAs financiam a compra de insumos para os produtores agropecuários a juros mais baixos, enquanto oferecem ao investidor pessoa física os rendimentos do título com isenção de imposto de renda. As garantias estão nos recebíveis da companhia emissora. “Cada uma com o seu perfil específico, todas as ferramentas financeiras disponíveis no mercado têm ajudado o desenvolvimento e a sustentação da agropecuária brasileira”, diz o assessor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). “Os CRAs, historicamente, são muito utilizados por grandes

Os CRAs captaram R$ 188 bilhões nos últimos seis anos, em um total de quase 2 mil operações realizadas por companhias rurais de todos os portes

fotos: Shutterstock

grupos do setor, enquanto outros bons papéis estão disponíveis nos balcões de varejo e no mercado secundário”, acrescenta. “Mas ainda temos de percorrer um longo caminho para torná-los aderentes a todos os públicos.”

Os CRAs captaram R$ 188,69 bilhões nos últimos seis anos, em um total de 1.944 operações com empresas rurais de todos os portes, segundo a plataforma de informações financeiras Uqbar. No início de 2024, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) estabeleceu mudanças nas regras desses títulos, o que deixou o mercado em dúvida sobre se, diante das novas exigências, as maiores companhias continuariam a utilizá-lo. A bilionária emissão da BRF respondeu a essa interrogação, mostrando que os CRAs seguem competitivos. “O mercado de CRAs é promissor e vive em crescimento exponencial”, diz David Telio, um dos líderes da fintech TerraMagna, dedicada a crédito para a agricultura na América Latina.

Na qualidade de consultor, Telio participa da estruturação do mercado de CRAs desde a

formulação da oferta pública inaugural, em 2010. Trinta anos depois, contabiliza o assessoramento conclusivo de 17 grandes operações com esses títulos, somando R$ 3,2 bilhões em emissões. “Dez anos atrás, a Faria Lima ainda não conhecia todo o potencial do agronegócio”, afirma Telio, referindo-se ao coração do mercado de capitais do País. “Percorri praticamente todas as gestoras da capital paulista para colocar os primeiros CRAs. Da primeira ideia à conclusão da operação da Syngenta foram dois anos de preparação”, conta ele. “Hoje em dia, uma operação de Fiagro, que considero um CRA de leque mais amplo, pode ser realizada no prazo de dois a três meses”, compara. Ou seja, os produtos de financiamento para o agro estão mais simplificados e, ao mesmo tempo, desfrutam de grande confiança dos investidores.

A importância do financiamento privado para as atividades do agro se reflete no aumento da participação do segmento em relação ao setor público. No ano passado, enquanto a participação dos bancos públicos encolheu 5%, a das institui-

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ções privadas cresceu 4%. O movimento da balança representa uma tendência. “O mercado está entendendo que financiar o agro com base nos recursos gerados pela própria produção agropecuária é um negócio seguro e que pode ser ainda muito bem desenvolvido”, diz o executivo da TerraMagna.

Líder do mercado de financiamento privado ao agronegócio, o Bradesco está otimista quanto ao crescimento de sua participação no atual ciclo de desenvolvimento do agro. O setor vem de um período de euforia, estimulado pela alta das commodities durante a pandemia, mas sucedido pelo susto, na safra passada, dos fortes impactos das mudanças climáticas sobre a atividade agropecuária. “Nossa perspectiva é de crescer no apoio financeiro ao agro neste ano, o que nos faz trabalhar também pelo aprimoramento dos produtos disponíveis”, afirma Flavio Bortoletto,

head de Produtos de Tesouraria, Credit Trading e Investimentos do Bradesco.

Emissor de LCAs, o banco tem dialogado com as autoridades econômicas no sentido de garantir a atratividade desses papéis, que vêm experimentando a concorrência dos títulos de renda fixa, impulsionados pela manutenção das taxas de juros altas. O estoque total de LCAs está, atualmente, em cerca de R$ 500 bilhões, enquanto os financiamentos em CRAs somam perto de R$ 150 bilhões. “Os investidores gostam do desempenho das empresas do agronegócio e devem continuar estimulados a apoiar o seu financiamento”, diz Bortoletto. Na somatória dos produtos de financiamento existentes e nos que estão em desenvolvimento, o agronegócio está em plena fase de aprimoramento das ferramentas existentes para financiar os produtores de todas as culturas e tamanhos.

TUDO EM FAMÍLIA

Novo Plano Safra e aumento do crédito oferecido por instituições financeiras levam a agricultura familiar a avançar no Brasil

No início de julho, o governo federal lançou a edição 2024/25 do Plano Safra, com R$ 76 bilhões destinados ao crédito rural no âmbito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). O valor é o maior da história e corresponde a um acréscimo de 6,2% versus a cifra oferecida na temporada passada. Pelo menos dez linhas de financiamento do Pronaf tiveram redução de taxas – quem produz arroz, por exemplo, tem acesso a juros reduzidos para o custeio, de 3%. O Mais Alimentos, principal linha de investimento, ganhou uma taxa específica para máquinas de pequeno porte (2,5% ao ano), enquanto a construção de infraestrutura, como armazéns, silos e câmaras frias, terá taxas subsidiadas de 3% ao ano, abaixo dos 5% ao ano praticados na safra anterior. De modo geral, o governo reduziu as taxas de juros de 4% para 3% ao ano.

Ao mesmo tempo, o governo apresentou o edital do programa Ecoforte para apoiar projetos de 40 redes de agroecologia, extrativismo e produção agrícola, abrangendo aproximadamente 30 mil agricultores familiares. A meta é destinar pelo menos R$ 100 milhões para o programa, com recursos vindos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Fundação Banco do Brasil. Para agricultores familiares de baixa renda, o governo ampliou o limite de renda familiar anual de R$ 40 mil para R$ 50 mil. O

limite de crédito também aumentou, passando de R$ 10 mil para R$ 12 mil. Por sua vez, o Pronaf Mulher terá taxa de 3% ao ano para produtoras com renda anual de no máximo R$ 100 mil.

Atentas a esse segmento, as instituições financeiras têm ampliado os recursos destinados a apoiar as famílias que plantam. No atual plano safra, os agricultores familiares e médios produtores contarão com R$ 50 bilhões em crédito concedido pelo Banco do Brasil, o que representa um acréscimo expressivo de 44% em comparação com o valor desembolsado no ano passado. O BB, ressalve-se, também ofereceu crédito emergencial para pequenos e médios produtores prejudicados pelas enchentes que devastaram lavouras do Rio Grande do Sul, em maio passado.

Números como esses reforçam a crescente importância da agricultura familiar para o agro em particular e a economia brasileira de maneira geral. Estima-se que 80% da mandioca e 42% do feijão consumidos no Brasil são oriundos da agricultura familiar, sendo que essas participações têm aumentado com o passar dos anos. Não é só. O segmento responde por 50% das aves, 60% da produção nacional de leite e 59% do rebanho suíno do País, com maior adoção do sistema nas regiões Norte e Nordeste. De acordo com especialistas, a agricultura familiar também desempe-

nha papel relevante na busca por métodos de produção mais sustentáveis, podendo contribuir para a preservação ambiental e a redução das emissões de poluentes.

É fácil de entender a importância da agricultura para a preservação do meio ambiente. Os pequenos agricultores geralmente empregam práticas agrícolas mais sustentáveis, como a rotação de culturas, o uso de compostagem e a agrofloresta. Ao cultivar uma variedade maior de culturas e manter práticas agrícolas tradicionais, os agricultores familiares ajudam a conservar espécies vegetais que poderiam ser perdidas em sistemas de monocultura industrial. Essa diversidade, asseguram os especialistas, é crucial para a saúde dos ecossistemas e para a capacida-

Estima-se que 80% da mandioca e 42% do feijão consumidos no Brasil são oriundos da agricultura familiar

de de os agricultores se adaptarem às mudanças ambientais e econômicas dos últimos anos.

Há outro aspecto que precisa ser valorizado: a agricultura familiar é um motor essencial para o desenvolvimento rural. Em muitos países, especialmente nas regiões mais pobres, ela se estabelece como a principal fonte de emprego, oferecendo oportunidades econômicas para milhões de pessoas. Além disso, fortalece as identidades locais, contribuindo para o bem-estar das comunidades. Os benefícios elencados acima mostram que, num aspecto mais amplo, a agricultura familiar reduz a pobreza, promove a segurança alimentar, gera renda e estimula a produção sustentável. É uma vocação que não pode ser ignorada.

Resistência

Mesmo com as enchentes que devastaram plantações, o Rio Grande do Sul colhe resultados melhores do que o esperado inicialmente

FFRONTEIRA

As regiões produtoras do mundo

As regiões produtoras do mundo

A VIDA DEPOIS DA TRAGÉDIA

APÓS O CAOS CLIMÁTICO NO RIO GRANDE DO SUL, O ARROZ

VENCE DESAFIO DO ABASTECIMENTO, O TRIGO BATE RECORDE DE PRODUTIVIDADE E REDE DE APOIO À PRODUÇÃO BARRA

PERDAS MAIORES EM SOJA E MILHO

Por Marco Damiani

Em meio à maior tragédia climática já ocorrida no Brasil, com tempestades e enchentes retirando 1 milhão de hectares de suas áreas agricultáveis, a resiliência da agricultura do Rio Grande do Sul acaba de ultrapassar seu maior teste. Colhida a safra de inverno, os resultados se mostraram melhores do que os esperados inicialmente, formando um cenário de recuperação para a safra que inaugura a fase de plantio. Antes das inundações, a agropecuária gaúcha havia registrado alta de 4,1% na comparação com o quarto trimestre de 2023.

A cultura do arroz, em que os produtores gaúchos respondem por 70% do total nacional, foi a primeira a mostrar bons resultados no pós-chuva, e enfrentou com êxito o desafio logístico de escoar para o País uma safra de 7,14 milhões de toneladas. Na aferição de maio, as inundações haviam comprometido apenas 1,6% da colheita, ou 114 mil toneladas do grão, volume considerado pequeno diante dos estragos causados em todo o estado pela força do El Niño. “Superamos a maior tragédia imposta à agricultura gaúcha, garantindo o abastecimento do mercado sem nenhuma descontinuidade”, afirma o presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul, Gedeão Pereira. “Prometemos que não ia faltar arroz, e não faltou.”

Mesmo com uma perda acumulada para as chuvas de nada menos que 64,2% dos terrenos utilizados na safra 2022/23, segundo o MapBiomas, altas espetaculares em produtividade salvaram do fracasso outra cultura típica do sul. Ao contrário, realizou-se um prodígio. No trigo, a colheita deste

Altas espetaculares em produtividade salvaram diversas lavouras e impediram que a tragédia gerasse ainda mais perdas

Para a Embrapa, a sólida cultura agrícola gaúcha e o uso da tecnologia foram vitais para reduzir os estragos das enchentes

ano difícil, de 4 milhões de toneladas, representa uma alta de 55,27% sobre o ciclo anterior. A produtividade cresceu impressionantes 77,04%, compensando com folgas a redução a 12,84% na área plantada.

Os especialistas, de fato, se surpreenderam com o resultado. “A sólida cultura agrícola gaúcha associada ao uso das ferramentas da tecnologia e o apoio de uma grande rede de assistência evitaram perdas que, inicialmente, foram previstas em dimensões ainda maiores”, afirma o presidente da Embrapa Territorial, Gustavo Spadotti. Ele integrou o comitê de crise criado para reunir órgãos governamentais,

entidades associativas e produtores rurais em torno de ações de emergência sobre a agropecuária gaúcha durante o período mais crítico das enchentes. “O comitê gerenciou um sistema de informações estratégicas que vinham tanto de satélites, para mapearmos, num primeiro momento, as manchas de inundação, como da rede de apoio que levou alimentos, água, suprimentos, roupas e remédios para localidades e produtores que ficaram isolados”, afirma. Também foram feitas vaquinhas de captação para socorrer financeiramente famílias atingidas. No total, 4,1 milhões de gaúchos foram impactados pela subida das águas.

Os satélites utilizados pela Embrapa apontaram que pelo menos 40 mil hectares de vegetação permanente foram atingidos pelas cheias no Rio Grande do Sul, e outros 90 mil hectares de vegetação nativa. As safras de soja e milho foram as que mais sofreram perdas em razão de uma dupla adversidade: estiagem no período do plantio, no ano passado, e as cheias de maio deste ano, na fase final da colheita. Muitas lavouras nas regiões sul e oeste foram abandonadas, com perdas em totalidade. Estima-se um recuo de até 30% sobre as colheitas do ano passado. A produtividade caiu em até 62% em grandes áreas produtivas, de acordo com o

Informativo Conjuntural da Emater-RS, publicado no final de junho.

Os pequenos agricultores foram os mais afetados, com centenas de situações de isolamento. O milho gaúcho teve a colheita tardia praticamente toda perdida e apresentou “produtividade e qualidade reduzidas devido às chuvas excessivas”, de acordo com o órgão governamental de pesquisa e apoio. O agricultor Guilherme Norberto, da região de Cachoeira do Sul, vivenciou uma situação de 30 pontes próximas destruídas, com estradas intransitáveis e a necessidade de escoar, junto a dezenas de outros agricultores, cerca de 170 mil sacos de arroz. “Tivemos de sair com

Rio Grande do Sul Fr

Na adversidade, a canola prosperou: resistente, a oleaginosa protagonizou um aumento de 74% na área plantada

nossos caminhões carregados e algum dinheiro no bolso para comprar pedras, diz ele. “Não havia outra saída, e no final deu certo.”

Na adversidade, uma cultura que já vinha crescendo no Rio Grande do Sul ganhou mais espaço: a canola. Resistente ao frio intenso e a geadas, a oleaginosa protagonizou um aumento de 74% na área plantada, chegando a 231 municípios gaúchos. Em contrapartida, as condições climáticas que chegaram a registrar dezenas de horas de frio abaixo de 7 °C na Serra Gaúcha prejudicaram diretamente a uva, cujas perdas ainda estão sendo contabilizadas.

Graças a articulações políticas, o Congresso

aprovou, em maio, o perdão de dívidas de financiamento de safra aos produtores gaúchos que comprovarem suas perdas com as chuvas. Ao mesmo tempo, linhas especiais de crédito têm colaborado para o financiamento da nova safra, que se inicia em um cenário de volatilidade de preços e alta nos fertilizantes. Lidar com essas questões de custeio será, porém, mais simples para os produtores gaúchos do que o enfrentamento dos problemas verificados em maio. É certo que, apesar da dimensão da tragédia, eles mostraram toda a sua fibra para extrair resultados que pareciam impossíveis.

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Segura, peão

Além de mostrar a força da música sertaneja, os rodeios consolidam a relação do público com a vida no campo

rAARTE

Um campo para o melhor da cultura

A ROÇA É HYPE

Festas de Peão atraem multidões de turistas, movimentam bilhões de reais e fortalecem a cultura sertaneja

Nos últimos dias, a cidade de Barretos, no interior de São Paulo, foi tomada por turistas. Com suas melhores botas e chapéus, eles visitaram a 69ª edição da principal Festa do Peão da cidade, o maior evento do tipo no País. Não é o único, claro. O calendário está repleto de eventos importantes, como a Festa do Peão de Cassilândia, em Mato Grosso do Sul, e o rodeio de Jaguariúna (SP), entre vários outros. Estimativas apontam que há pelo menos 900 festas anuais de peão em solo brasileiro, o que nos coloca como um dos principais destinos do mundo para esse tipo de acontecimento. Além de mostrar a força da música sertaneja, os rodeios movimentam a economia local e consolidam ainda mais a relação do público com o agronegócio e a vida no campo.

A história dos rodeios é antiga e está relacionada ao estilo de vida nos ranchos do México e, depois, dos Estados Unidos. Nos anos 1820 e 1830, eventos informais no México e na região Oeste dos Estados Unidos começaram a ser realizados, nos quais vaqueiros disputavam entre si para ver quem era mais habilidoso. As primeiras competições oficiais surgiram na sequência da Guerra Civil Americana, no Colorado e no Arizona. Mais tarde, foram se espalhando para outros países, como Colômbia e Chile, onde é considerado o esporte mais popular depois do futebol.

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Tradicional Festa do Peão em Barretos

( acima e à esq. ) e a cantora Lauana

Prado: competições esportivas e diversão

No Brasil, os rodeios começaram justamente na cidade de Barretos, conhecida rota de transporte do gado. O primeiro evento, feito de forma improvisada, ocorreu em 1947, na praça central da cidade. Cercada por grades, sem arquibancada, a disputa chamou a atenção dos visitantes que passavam por lá. Tanto que, alguns anos depois, alguns jovens solteiros, ligados à agropecuária da cidade, fundaram o grupo Os Independentes, que realizou a primeira edição oficial do rodeio, em 1955. O modelo, que mesclava música e esporte, acabou inspirando encontros semelhantes, principalmente no interior do estado de São Paulo. O rodeio de Americana surgiu em 1987, com narração de Zé do Prato (1948-1992), considerado o maior de todos os tempos e autor do bordão “Segura, peão!”. Dois anos depois, foi a vez do rodeio de Jaguariúna. Hoje em dia, há festas de diversos portes não apenas no Sudeste, mas em todas as regiões do País.

Parte do interesse pelos eventos é explicada pela seleção musical. Como é praxe, o line-up é formado tanto por artistas sertanejos com uma longa carreira quanto novas vozes que têm se destacado. Nomes como Chitãozinho e Xororó, Zezé Di Camargo & Luciano, Bruno & Marrone e Jorge & Mateus representam gerações anteriores do gênero, enquanto Ana Castela, Luan Pereira e Lauana Prado são os artistas que dominam as playlists e rankings nas plataformas de streaming. Há espaço para shows inusitados, como a recente união entre Daniel e o grupo Roupa Nova. Ou, ainda, para ícones americanos do country e do rock. Em 2023, o grupo Lynyrd Skynyrd, responsável por sucessos como Free Bird, tocou em Jaguariúna. Em 2024, o cantor americano Cody Johnson se apresentou em Barretos.

Há também um importante elemento esportivo nas festas de peão. Em um evento como Barretos, praticam-se diversas modali-

Barretos organizou a primeira Festa do Peão do Brasil, em 1947. Desde então, eventos desse tipo espalharam-se por diversas regiões

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dades distintas. A mais tradicional é a Sela Americana, em que o competidor monta um cavalo equipado com uma sela diferente daquela usada em trabalhos na fazenda. O tempo regulamentar é de oito segundos e cada performance recebe uma nota de 0 a 100. No Bareback, o atleta monta diretamente no dorso do cavalo. O Cutiano é um estilo de montaria praticado apenas no Brasil e criado em Barretos, em que o cavalo usa um arreio em “V”. No Team Penning, ou Prova da Família, três competidores trabalham juntos para separar do rebanho três animais que são sorteados na hora. Há uma prova exclusivamente feminina, Três Tambores, em que as atletas devem contornar três tambores no menor tempo possível. E a modalidade mais radical é o Touro. O competidor segura uma corda que envolve o corpo do animal com apenas uma mão, enquanto a outra não pode tocar em nada. Em até oito segundos, ele

precisa se manter sobre o touro, e os juízes dão uma nota que leva em conta a dificuldade que o animal impõe ao peão.

A disputa já atraiu reclamações de representantes de organizações de defesa dos animais, que afirmam que os touros e os cavalos sofrem maus-tratos. A pressão desses grupos fez com que os organizadores adotassem medidas específicas. As esporas dos peões, por exemplo, têm pontas arredondadas, que impedem que o animal seja machucado. As empresas responsáveis pelos eventos também têm equipes de veterinários para acompanhar a saúde dos bichos. Segundo Os Independentes, responsáveis pela festa de Barretos, eles são tratados como “atletas” e aposentados após alguns anos de dedicação às arenas. No final do ano passado, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais lançou uma frente parlamentar para discutir a realização de rodeios e a segurança jurídica aos realizadores que

O peão brasileiro Cássio Dias ergue seu troféu: atual campeão mundial na categoria de Montaria de Touros

seguem regras para garantir o bem-estar dos animais. Alguns organizadores têm convidado ONGs para acompanhar o trabalho dentro dos eventos e comprovar se os touros e os cavalos são, de fato, bem tratados.

Apesar da polêmica, os eventos têm força. E o Brasil é referência mundial no esporte. Há mais de três décadas, brasileiros e americanos ocupam o topo do ranking internacional da Professional Bull Riders (PBR), principal entidade do setor. Apenas em 1998 o mundial ficou com um australiano, Troy Dunn. Nos demais, os americanos levaram 16 títulos contra 14 dos brasileiros. O peão Adriano Moraes foi fundamental para abrir as portas dos eventos nos Estados Unidos para outros brasileiros e venceu em três ocasiões, 1994, 2001 e 2006. Também tricampeão, Silvano Alves ficou em primeiro lugar em 2011, 2012 e 2014. Em 2024, anunciou a aposentadoria dos eventos individuais. No momento, o principal nome do esporte é Cássio Dias, peão natural

da cidade de São Francisco de Sales, em Minas Gerais, que superou lesões nas costas para sagrar-se campeão mundial na categoria de Montaria de Touros em março deste ano. As Festas de Peão dão fôlego à economia das cidades. Em Barretos, os 11 dias de festividade movimentaram R$ 10 bilhões, com ingressos comprados até um ano antes e toda a rede hoteleira da região operando com capacidade máxima. Para efeito de comparação, o festival Lollapalooza, em São Paulo, movimentou “apenas” R$ 412 milhões na edição de 2022. Os turistas gastam dentro da arena, mas também no comércio local, em restaurantes e bares. As festas promovem as cidades como destinos turísticos interessantes mesmo em outras épocas do ano. E há um importante fator cultural. Além da música e do esporte, as Festas de Peão fortalecem tradições folclóricas e fomentam um sentimento de orgulho pela cultura popular. Como diz a música da dupla Us Agroboy, “a roça é hype”.

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Um brinde ao sabor

Nova safra de vinhos argentinos ganha qualidade e reconhecimento internacional

WORLD FAIR

A grande feira mundial do estilo e do consumo

As regiões produtoras do mundo

TEMPO DE COLHEITA

Admirados no Brasil, os vinhos argentinos se tornam mais maduros, ganham qualidade e passam a ser reconhecidos mundo afora

Por André Sollitto

Com uma produção de vinhos centenária, a Argentina é celebrada há bastante tempo pelos brasileiros como referência em rótulos de ótima qualidade e custo/benefício imbatível. No cenário internacional, porém, a bebida de origem argentina costuma receber pouco reconhecimento. A boa notícia é que isso começa a mudar. A prova maior do bom momento que vivem os vinhos argentinos está na edição deste ano do tradicional Guia Descorchados, principal guia dedicado à produção vitivinícola da América do Sul. Criado pelo jornalista chileno Patricio Tapia e publicado há 26 anos, o guia nunca havia dado nota máxima a nenhum rótulo. Agora, Tapia concedeu 100 pontos para dois vinhos argentinos: o Adrianna Vineyard Mundus Bacillus Terrae 2021, produzido pela Catena Zapata; e o Finca Piedra Infinita Supercal 2021, da Zuccardi. Ambos são monovarietais, ou seja, foram feitos com uma única uva, a emblemática Malbec, natural da França, mas que encontrou na Argentina condições ideais. Os dois são da safra 2021, considerada muito acima da média. “Foi um ano fresco, que provou ser o melhor motor para esses vinhos expressarem a sua origem”, escreve Tapia no volume do guia dedicado ao país. A natureza não foi a única responsável pelo extraordinário desempenho. Os enólogos Sebastian Zuccardi e Alejandro Vigil, da Catena Zapata, há anos vêm se debruçando sobre as possibilidades

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Alejandro Vigil, da Catena Zapata: "No alto, temos frio e, mais embaixo, calor e solos de argila. A natureza é a chave de Mendoza"

Rótulos da Argentina ganham nota máxima em renomado guia internacional e colocam o país no mapa dos grandes produtores globais

do terroir, especialmente da região de Mendoza, e trabalhando com afinco para extrair o melhor que ele tem a oferecer. No caso dos dois vinhos, é uma expressão extremamente mineral, um reflexo do solo repleto de carbonato de cálcio, encontrado em alguns dos mais celebrados terroirs do planeta.

Há alguns anos, as vinícolas argentinas vêm mapeando as diferentes parcelas – ou “climats”, como são chamadas as subdivisões de territórios – e seu potencial individual. A Catena Zapata tem tomado a frente desse processo, analisando de forma minuciosa as suas propriedades, como o vinhedo Adrianna. Mas não são os únicos. Esse interesse, a exemplo do que é feito na Borgonha, na França, mostra que a região de Mendoza oferece uma grande

variedade de climas e solos. “No alto, temos frio, com solos de pedra, e, mais embaixo, calor e solos de argila, que retém a água”, afirma o enólogo Alejandro Vigil. “A natureza é a chave de Mendoza.” Dessa forma, em uma faixa de 16 quilômetros, é possível encontrar perfis climáticos semelhantes aos de Napa, na Califórnia; Toscana, na Itália; e Champagne, na França. Essa diversidade é causada pela proximidade com a Cordilheira dos Andes, que cria diferentes zonas climáticas.

Não basta dizer, portanto, que um vinho é mendocino. Mesmo em uma única zona da região, como Gualtallary, há grande variedade. “Temos alturas distintas, solos distintos, com exposições ao sol e climas completamente diferentes”, diz Vigil. Isso faz com que a uva

Malbec, famosa pela forma como é “transparente ao terroir”, como dizem os enólogos, se expresse de maneiras distintas. Mas há ainda outras variedades que vêm ganhando espaço. É o caso da Cabernet Franc, hoje em dia usada em alguns dos melhores rótulos. A Cabernet Sauvignon, muito popular no Chile, também dá origem a grandes vinhos na Argentina. E a Bonarda, casta que fez sucesso no país algumas décadas atrás pelo perfil frutado e pelo ótimo rendimento, tem sido redescoberta por alguns profissionais. Entre as brancas, além da aromática Torrontés, a francesa Chardonnay também tem aparecido em rótulos expressivos. Há ainda uma produção de qualidade sendo feita em outras regiões, como Salta, ao norte, e Patagônia, ao sul. Mais frias, dão origem a vinhos elegantes, com maior acidez e um perfil de fruta mais delicado, menos maduro. Embora no Brasil os potentes Malbec que passam

longos estágios em barricas de carvalho ainda sejam os preferidos dos consumidores, em outras regiões do mundo há uma demanda crescente por vinhos delicados. E isso abre grandes oportunidades de negócios.

Com tantas novidades, é natural que os produtores agora busquem a chamada “Denominação de Origem”. Trata-se de uma forma clara de informar ao consumidor que aquele vinho foi feito em uma região particular, produzido de acordo com algumas regras. A primeira DOC, ou Denominação de Origem Controlada, do continente surgiu na Argentina, em Lujan de Cuyo. Em 1991, a vinícola Luigi Bosca foi pioneira em lançar um vinho DOC argentino. De acordo com Alberto Arizu, há uma diversidade que merece ser reconhecida. “Uma DOC é uma mescla da natureza e do fator humano”, afirma o empresário.

O país também tem apostado no enoturis -

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Piedra Infinita, da Zuccardi: feito com a emblemática uva Malbec, encontrou na Argentina condições de clima ideais

mo para atrair visitantes e promover ainda mais a indústria local. Nesse cenário, os brasileiros são campeões entre os visitantes estrangeiros. Em 2023, eles já representavam a maioria, e os níveis de visitação estavam superiores aos níveis pré-pandêmicos. Além da proximidade com o Brasil – Mendoza está a quatro horas de viagem de avião de São Paulo –, os visitantes encontram excelente infraestrutura. Há empresas turísticas especializadas em atender os brasileiros e a maioria oferece degustações guiadas, algumas vezes acompanhadas de jantares ou almoços harmonizados. Os preços também são convidativos. Rótulos encontrados no Brasil por R$ 800 são vendidos ao equivalente a R$ 150 nas prateleiras das próprias vinícolas. Quem vai para Mendoza volta com a mala cheia de garrafas. A diferença nos preços, no entanto, também tem incentivado o descaminho, como é chama-

do o desvio de mercadorias para evitar a tributação. Há grupos de brasileiros que atravessam a fronteira em pontos específicos para evitar os postos alfandegários, compram os vinhos a preços mais baixos e revendem no Brasil. Em grupos de WhatsApp, grandes vinhos de produtores famosos, como Catena Zapata e Zuccardi, são oferecidos com descontos atrativos, quando comparados com o preço oficial das importadoras. A prática, obviamente, é criminosa. Além disso, para reduzir as chances de serem pegos pela fiscalização, os contrabandistas transportam as garrafas sem nenhum cuidado. O resultado é uma chance maior de que a bebida estrague. Afinal, as importadoras oficiais garantem o transporte em condições ideais, com temperatura controlada e sem exposição ao sol. Para quem pretende desfrutar do que há de melhor no vinho argentino, é fundamental optar pelos caminhos corretos.

Campo conectado A agricultura digital avança no Brasil, gera novos negócios e aumenta a produtividade das lavouras

SSTARTAGRO

As inovações para o futuro da produção

STARTAGRO

As inovações para o futuro da produção

FAZENDAS CADA VEZ MAIS INTELIGENTES

O avanço da conectividade e a ampla adoção de novos recursos tecnológicos tornam a agricultura digital uma realidade irrefreável no País

No conceito conhecido como smart farming , as operações agrícolas baseadas em dados são usadas para apoiar as decisões do produtor

Houve um tempo em que todas as decisões tomadas pelo produtor em sua propriedade eram baseadas no conhecimento acumulado safra após safra. O que costumava dar certo era repetido, e o que não tinha o sucesso esperado acabava descartado nos anos seguintes. Hoje em dia, o saber empírico de quem passa o dia todo com as botinas na terra continua sendo importante, mas, para potencializar resultados, a tecnologia se tornou um requisito vital. Trata-se do conceito conhecido como smart farming, ou “fazenda inteligente”, em que a adoção de metodologias avançadas e operações agrícolas baseadas em dados são usadas para apoiar as decisões do produtor. O Brasil tem papel de destaque nesse cenário. Um artigo da Universidade de Debrecen, na Hungria, mostra que o país é o terceiro com a maior taxa de adoção de técnicas de agricultura de precisão no planeta, atrás de Austrália e Canadá, e à frente de outras potências agrícolas, como os Estados Unidos. Apesar do bom desempenho, ainda há muito o que fazer.

Para dar o necessário salto rumo à agricultura 4.0, como é chamada a era digital, é preciso ter internet na propriedade. As sedes costumam ter algum tipo de conectividade, mas basta se afastar em direção aos talhões para que o sinal de celular se perca. E esse é o grande problema. Não é possível aproveitar todas as funções de equipamentos conectados sem uma rede eficaz de internet. É por isso que um grupo de empre-

sas, com distintos focos de atuação no setor agropecuário, se reuniu há cinco anos sob a bandeira da iniciativa ConectarAgro.

Na ocasião, faziam parte do projeto as fabricantes de máquinas CNH, Jacto e AGCO, a Nokia, especializada em infraestrutura de telecomunicações, as desenvolvedoras de tecnologia agrícola Climate FieldView, Solinftec e Trimble e a operadora TIM. Em 2019, quando o projeto foi apresentado na Agrishow, uma das principais feiras agrícolas do Brasil e do mundo, a proposta era ampliar a conscientização sobre as vantagens do sinal de celular na propriedade e viabilizar a conexão no campo. Desde então, o papel da associação mudou, assim como a sua composição. Além das fundadoras CNH, Nokia, TIM, Solinftec e AGCO, fazem parte empresas

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como AWS, Valtra, Fendt e Massey Ferguson. E mudou também o cenário da conexão no campo. Em parceria com a Universidade Federal de Viçosa (UFV), a associação criou o Índice de Conectividade Rural (ICR), que mede a disponibilidade de serviços de internet em áreas remotas do Brasil. As descobertas são preocupantes. Atualmente, apenas 37% dos imóveis rurais brasileiros têm cobertura 4G e 5G em toda a área de uso agropecuário. E somente 19% do espaço disponível para a atividade agrícola possui cobertura 4G e 5G, com maior concentração no Sul e Sudeste brasileiros. Ou seja, 80% do campo no País ainda não está conectado. “Quando criamos o projeto, sentíamos a necessidade de democratizar a informação sobre as demandas da internet nas propriedades rurais”, afirma

Paola Campiello, presidente da ConectarAgro e gerente de Soluções de Conectividade na CNH Industrial. “Hoje em dia, participamos das principais conversas em fóruns sobre o tema e nos articulamos para viabilizar a conectividade principalmente para pequenos e médios produtores”, diz Campiello.

A Fazenda Conectada Case IH é um modelo que ilustra as vantagens de ter internet na propriedade. Localizada em Água Boa, região de alta produtividade agrícola em Mato Grosso, ela pertence a um cliente da Case IH que recebeu conexão 4G da TIM. Até então, a cidade não tinha acesso à tecnologia. Para garantir a chegada da internet de alta velocidade, duas antenas foram instaladas, uma dentro da propriedade e outra no centro de Água Boa. A

safra 2022/23, a primeira conectada, foi 18% mais produtiva do que o ciclo anterior e teve uma redução de 25% no consumo de combustível, além de baixar em 5,7% o tempo de motores ociosos do maquinário, o que representa uma diminuição de 10% da emissão de carbono.

Além disso, uma pesquisa feita pela Agricef, empresa especializada em soluções tecnológicas para a agricultura, em parceria com a Unicamp, aponta que a produtividade da Fazenda Conectada foi 7,4% maior do que a observada na região de Água Boa, 7,6% acima do Mato Grosso e 13,4% melhor do que a média do Brasil. Os resultados fortalecem as demandas do ConectarAgro, que começa agora a atuar na Argentina e na Colômbia, outras potências agrícolas da América do Sul, que perceberam que estavam cinco anos atrás do Brasil nas discussões sobre smart farming.

A conectividade tem papel central no debate sobre agricultura inteligente – isso porque, afinal, abre portas para uma série de outras tecnologias. Sensores no solo podem capturar informações em tempo real, o maquinário passa a ser controlado remotamente, com

dados atualizados, drones acompanham a propriedade com maior precisão, a saúde dos animais é verificada de forma automática e constante, e todas essas informações são acessadas pelo produtor em qualquer dispositivo móvel, o tempo todo. Portanto, a cadeia interligada torna o setor mais competitivo e produtivo, além de reduzir o desperdício.

A Fazenda Conectada, obviamente, não é o único exemplo dos impactos causados pela adoção de novos recursos tecnológicos. A própria TIM possui outros projetos importantes na área. Com contratos firmados com 40 grandes grupos do agronegócio, a meta da empresa para o final de 2024 é ampliar em 4 milhões de hectares a região coberta por suas torres, e assim alcançar a marca de 20 milhões de hectares conectados com 4G. Em outubro de 2022, a empresa forneceu conexão de alta velocidade para 11 unidades da BP Bunge, em 5 estados brasileiros, totalizando 3 milhões de hectares conectados – trata-se do maior projeto de cobertura 4G da história da empresa. O objetivo era alavancar projetos de IoT (Internet das Coisas, na sigla em inglês).

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As tecnologias inteligentes não são exatamente uma novidade no campo. Na realidade, estão disponíveis há alguns anos, mas passaram a ser adotadas em maior escala com o avanço da agricultura digital. O que chama a atenção agora é a incorporação de elementos de inteligência artificial nas atividades agropecuárias. No ano passado, o projeto Smart Agro, anunciado durante a feira Coopavel, propôs a criação de plataformas de dados analisados por IA. Na Agrishow deste ano, a TIM anunciou uma parceria com a agtech Trapview para oferecer a primeira armadilha do País conectada com NB-IoT, solução que consiste no monitoramento digital de pragas com o uso de IA. Graças aos algoritmos cada vez mais poderosos, o produtor passou a tomar decisões embasadas pelo grande volume de dados.

As novas tecnologias têm papel importante na sustentabilidade da produção agrícola. Máquinas que ficam menos tempo ociosas poluem menos. As aplicações mais precisas de defensivos reduzem o uso desses insumos. O monitoramento de pragas em tempo real

A inovação é aliada da sustentabilidade: o monitoramento de pragas em tempo real dispensa a pulverização total das lavouras

dispensa a pulverização total da lavoura. A Usina Santa Adélia, uma das principais agroindústrias do setor sucroenergético do interior de São Paulo, detectou uma redução de aproximadamente 30% do tempo em que as máquinas permanecem ociosas e a diminuição de 5% do consumo de diesel, combustível fóssil causador das emissões de CO2 na atmosfera, devido à maior conectividade 4G.

Os exemplos se sucedem. A unidade Iracema, em Iracemápolis, em São Paulo, propriedade da Usina São Martinho, diminuiu em 20% o tempo de resposta a chamados de combate a incêndios nos canaviais da região. Há ainda um fator social relevante. Em alguns casos, a instalação de torres fornece conexão não apenas para a propriedade, mas para as cidades ao redor. A Fazenda Conectada em Água Boa, registre-se, foi responsável por levar internet de alta velocidade às escolas da região. Se o Brasil quiser avançar e se tornar referência ainda maior no agro, é fundamental desenvolver soluções inovadoras para o campo. E isso só será possível com a adoção cada vez mais abrangente dos recursos tecnológicos.

GAFFFF REAFIRMA LAÇO DO AGRO COM AS CIDADES

Maior festival de cultura agro do mundo traz dois dias de conteúdo, diversão, gastronomia e feira de negócios à capital paulista

P or r onaldo l uiz

os números a seguir comprovam. Sim, foi um evento para ficar na história. Repaginada, incorporando ao já consagrado fórum de conteúdo as modalidades de feira de negócios, gastronomia e diversão, a nova versão do Global Agribusiness Forum, intitulada a partir deste ano de Global Agribusiness Festival (GAFFFF), reuniu em dois dias – 27 e 28 de junho – no Allianz Parque, na capital paulista, 247 palestrantes, 40 horas de conteúdo e 18 atrações musicais em 27 horas de shows, além da presença de representantes de 23 países.

Apresentado pela XP, com organização e curadoria da DATAGRO, o GAFFFF, que tem como entidades realizadoras a Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas), Associação Brasileira dos Produtores de Milho e Sorgo (Abramilho), Bioenergia Brasil, Aliança Internacional do Milho (Maizall), Sociedade Rural Brasileira (SRB) e União Nacional do Etanol de Milho (Unem), abriu uma nova era em relação a eventos do agro.

Sobre o gramado do Allianz, a feira de negócios reuniu empresas, startups, institutos de pesquisa, entidades e universidades com foco no agro, além de oficinas e workshops sobre preparo de carnes e apresentações musicais, com destaque para os headliners, as duplas sertanejas Chitãozinho e Xororó, e Jorge e Mateus. Confira a seguir os destaques do evento, com ênfase à cobertura do congresso de palestras, que contou com a participação das principais lideranças do agro brasileiro e nomes de peso do cenário internacional.

RECONHECIMENTO E VALORIZAÇÃO

DO AGRO BRASILEIRO

A realização do GAFFFF na cidade de São Paulo é grande oportunidade de reconhecimento e valorização do agronegócio brasileiro por toda a sociedade, em particular a urbana. Com essas palavras, o presidente da DATAGRO, Plinio Nastari, deu início à cerimônia de abertura do GAF, o fórum de palestras dentro do GAFFFF.

“São Paulo é a verdadeira capital do agronegócio do Brasil, e para esta edição, além do módulo de conteúdo, adicionamos ao evento a parte de gastronomia, cultura agro e exposição de marcas do setor”, ressaltou Nastari, complementando que “o trabalho do homem do campo precisa ser melhor compreendido pela população em geral, sobretudo a das grandes cidades”. Especificamente sobre o fórum, Nastari destacou que o principal objetivo foi o de promover o diálogo sincero sobre políticas públicas para o agro e a busca de soluções e tecnologias, com foco na oferta, qualidade e sustentabilidade de

alimentos e energia renovável.

Presente na solenidade, Janusz Wojciechowski, comissário da Comissão Europeia para a Agricultura, salientou a importância do Brasil para a segurança alimentar e energética mundial. Em relação à lei antidesmatamento da UE, acentuou que, apesar de sua aprovação, o início do projeto ainda não foi definido pelo bloco. “Será uma decisão dos novos parlamentares”, disse. Wojciechowski defendeu, ainda, que os produtores deveriam ter incentivos financeiros para adotar ações verdes, e não serem obrigados a adotá-las.

Roberto Perosa, secretário de comércio e relações internacionais do Ministério da Agricultura e Pecuária, afirmou que a meta da pasta é fechar 2024 com a abertura de 100 novos mercados para o agro brasileiro. Entre as autoridades presentes, Fernando Costa, ministro da Agricultura do Uruguai, assinalou que o agro é, na verdade, parte da solução para reduzir os impactos das mudanças climáticas. “Nesse sentido, é preciso colocar cada vez mais a ciência no debate.” Por sua vez, Guilherme Piai, secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, enfatizou o potencial para a geração de energia renovável no estado, em especial a partir do setor sucroenergético, denominado por ele como o “pré-sal caipira”. A solenidade de abertura foi encerrada pelo prefeito da cidade de São Paulo, Ricardo Nunes, que citou o avanço da agricultura urbana na metrópole.

A cerimônia de abertura do GAFFFF contou ainda com a presença do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite; dos presidentes das entidades realizadoras; de Cesario Ramalho, coordenador do Conselho do Agronegócio da Associação Comercial de São Paulo (ACSP); de Marian Schuegraf, embaixadora da União Europeia no Brasil; de André Aranha Corrêa do Lago, secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores (MRE); do deputado federal Arnaldo Jardim, vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA); e de representantes diplomáticos de diversos países, entre cônsules e embaixadores.

A FORÇA DA SUSTENTABILIDADE

Os episódios de desmatamento ilegal não podem esconder o que o Brasil vem fazendo em relação à proteção ambiental, como o uso cada vez mais intensivo de energias limpas e renováveis. Foi o que destacou o embaixador André Aranha Corrêa do Lago, secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores (MRE). “Na temática da sustentabilidade, o Brasil já fez a lição de casa por termos uma ampla matriz energética limpa e renovável”, disse o diplomata,

acrescentado que “o País pode e deve ser visto como sinônimo de sustentabilidade, necessitando apenas de alguns ajustes pontuais.”

De acordo com Corrêa do Lago, o desmatamento responde por menos de 10% das emissões de gases de efeito estufa. “O que compromete, de fato, é a utilização de combustíveis fósseis. Nossas emissões são de perfil diferente”, disse. Diante dessa constatação, o embaixador ressaltou que é preciso viabilizar métricas tropicais para a medição de sustentabilidade, e evitar que o Brasil fique refém de parâmetros de outras regiões, sobretudo as localizadas em clima temperado.

Ao endossar o raciocínio de Corrêa do Lago, o deputado federal Arnaldo Jardim, membro da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), acentuou que o Brasil, em especial o agro nacional, enfrenta uma narrativa internacional negativa quando se fala da temática ambiental, que não corresponde à realidade. “Quando falamos em práticas cada vez mais sustentáveis, o Brasil vem respondendo com inovação e tecnologia”, declarou. Jardim encerrou sua participação citando o projeto de Lei do Combustível do Futuro, marco

regulatório que dará segurança jurídica para alavancar a utilização de biocombustíveis como o etanol, biodiesel e biogás na matriz de transportes nacional.

EXPANSÃO DA CONECTIVIDADE

A expansão da conectividade no campo exige a combinação de políticas públicas de incentivo e modelos de negócios diferentes dos desenvolvidos nas cidades, disseram especialistas. Segundo Alexandre Dal Forno, diretor da TIM, o que vem viabilizando certo avanço da conectividade nas áreas rurais é um modelo de negócios que dribla a falta de densidade populacional, fator-chave do ponto de vista financeiro para as operadoras de telecomunicações.

Segundo ele, o volume de pessoas nas áreas urbanas paga a conta, mas no campo é diferente. Sendo assim, disse o executivo, o que vem sendo desenvolvido são negócios com grandes grupos do agro, que possibilitam a implantação da infraestrutura de telecom nas áreas rurais, iniciativa que também acaba beneficiando o entorno populacional, devido ao alcance do sinal. De acordo com Dal Forno, levantamentos da TIM mostram

que fazendas conectadas reduziram o consumo de combustível e elevaram a produtividade, por meio de melhorias de processos, na comparação com resultados de safras anteriores, que não contaram com entregas proporcionadas pela internet.

Na esfera governamental, Vinícius Guimarães, diretor da Anatel, acentuou que políticas públicas são mandatórias para ampliar o alcance da internet no campo, sobretudo nas questões relacionadas à segurança jurídica para a garantia dos negócios e financiamento de projetos.

CROPLIFE BRASIL DEFENDE SINERGIA DE DIFERENTES TECNOLOGIAS

Eduardo Leão, CEO da CropLife Brasil, associação que reúne empresas, especialistas e instituições que atuam na pesquisa e desenvolvimento de tecnologias para a produção agrícola sustentável, defendeu a importância da sinergia entre diferentes tecnologias agrícolas como caminho para a busca de soluções para desafios globais.

“Hoje, 30% da população mundial se encontra em condição moderada ou severa de insegurança alimentar. Estima-se ainda que o crescimento

populacional será de 25% nos próximos 25 anos, e o consumo de alimentos aumentará em 50%”, declarou Leão. “Somado a isso, temos o aumento de 50% do consumo de energia no mundo e os desafios do aquecimento global. Para ajudar nessa difícil equação, é necessário ocorrer o aumento da produtividade no campo, ou seja, fazer mais com menos”, enfatizou. “Para isso acontecer, vamos precisar da combinação de diferentes tecnologias, como o melhoramento genético, o uso de bioinsumos e defensivos químicos.”

AGRO LIDERA A ECONOMIA DO BRASIL, DIZ XP

O presidente do Conselho de Administração da XP, Guilherme Benchimol, afirmou que o agronegócio comanda a economia brasileira e que um dos desafios da empresa é exatamente o de aproximar o agro do mercado de capitais.

Parceira da DATAGRO na realização do GAFFFF, a XP é especializada em consultoria de investimentos no mercado financeiro. Em sua exposição, Benchimol discorreu sobre a sua jornada empreendedora e disse que observa o Brasil também nesse caminho. “Em 2010,

tínhamos cerca de 10 milhões de empreendedores, e esse número dobrou nos últimos anos.”

Ainda sobre a temática do empreendedorismo, o executivo ressaltou que o indivíduo sente que está dando certo quando a receita começa a ficar maior que a despesa no negócio. “No primeiro estágio do empreendedor, ele foca no que fazer e como fazer. Ao dar um passo adiante, e é o que estamos agora na XP, eu foco no quem, em gente.”

Ao comentar sobre o processo de abertura de capital da XP na bolsa de Nova York, Benchimol confessou que foi um passo que deu medo, mas que, na jornada de crédito, o IPO – oferta inicial de ações, na sigla em inglês – faz a diferença ao oferecer mais capital para a empresa, travessia que pode servir de exemplo para o agro.

INVESTIMENTO EM INFRAESTRUTURA LOGÍSTICA

TERÁ QUE CONSIDERAR O RISCO CLIMÁTICO

Os investimentos em infraestrutura logística daqui em diante terão que, necessariamente, considerar riscos climáticos para a viabilização dos projetos e o retorno do investimento, alertou Luciana Costa,

diretora do BNDES. “A infraestrutura terá que levar em conta as mudanças climáticas. Uma obra é para 50, 100 anos, é de longo prazo. Se isso não for considerado, aeroportos e rodovias terão que mudar de lugar.”

Estima-se que os investimentos em infraestrutura logística no Brasil girem em torno de R$ 200 bilhões, mas, de acordo com Luciana, a demanda necessária é mais do que o dobro. Com o desafio do orçamento público limitado, Thiago Péra, da Esalq-Log, destacou que um dos caminhos é a busca de parcerias público-privadas, modelo que viabilizou bons projetos nos últimos anos. “O fato é que o agro brasileiro sobe de elevador e a infraestrutura logística de escada.” Segundo Péra, o Brasil precisa também diminuir a dependência do modal rodoviário, investindo mais em hidrovias e ferrovias, devido à dimensão continental do País.

Fabio Marchiori, CEO da VLI, ponderou que estabilidade regulatória e macroeconômica é fundamental para atrair o investimento privado para infraestrutura logística, segmento que, por natureza, é de longo prazo. De seu lado, Marcos Lutz, CEO do Grupo Ultra, salientou a importância do uso cada vez

mais intensivo de biocombustíveis na matriz de transportes, com foco em economia e descarbonização. Por fim, Geyze Diniz, gestora do Pacto Contra a Fome, chamou a atenção para os problemas de perdas e desperdícios nos transportes, que dificultam o acesso de populações mais vulneráveis aos alimentos e consequentemente a melhores condições de vida.

AGENDA DE UM COMÉRCIO AGRÍCOLA

LIVRE SE PERDEU

A agenda de um comércio agrícola livre se perdeu nos últimos anos, lamentou Marcos Jank, professor do Insper e coordenador do think tank Agro Insper Global. Segundo ele, em particular no pós-pandemia, emergiu um cenário em que a Organização Mundial do Comércio (OMC) não funciona mais, ao mesmo tempo que critérios ambientais são cada vez mais usados como argumento para barreiras de caráter não tarifário. “Os países estão elevando subsídios à produção e o multilateralismo mergulhou numa crise de poder deliberativo”, disse. Exemplo desse cenário é, segundo Jank, a lei antidesmatamento da União

Europeia, que desconsidera regras internacionais.

Bernhard Kiep, diretor da Abramilho e até então presidente da Maizall, já que durante o evento passou o cargo para John Linder, ex-presidente da Associação Nacional dos Produtores de Milho dos Estados Unidos, frisou que há um quadro de hipocrisia no comércio internacional, por parte dos países ricos, que prejudica, sobretudo, os países pobres e emergentes.

Aldo Rebelo, ex-ministro da Defesa e atual secretário de Relações Internacionais da cidade de São Paulo, acentuou que falta neutralidade no debate global acerca das agendas ambiental, alimentar e energética, que são contaminadas por interesses geopolíticos das nações de maior poderio econômico, em especial a Europa. “A causa ambiental é muitas vezes usada em favor de interesses comerciais”, afirmou. Por fim, Nilson Leitão, presidente do Instituto Pensar Agro, encerrou com o recado de que a produção de alimentos não pode ser alvo de ideologias.

ATIVISTA GRAÇA MACHEL DESTACA

PAPEL DA MULHER NO COMBATE À INSEGURANÇA ALIMENTAR

Graça Machel, política e ativista pelos direitos humanos de origem moçambicana, enalteceu o papel preponderante da mulher no combate à insegurança alimentar global, bem como para a adaptação dos processos produtivos e dos hábitos de consumo diante das mudanças climáticas. Graça foi casada com o ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela. Hoje em dia, lidera uma fundação dedicada à causa dos direitos humanos.

Em sua exposição, Graça lembrou números mundiais do flagelo da insegurança alimentar – são quase 1 bilhão de pessoas em risco –, e fez um recorte sobre o Brasil. Segundo a ativista, 33 milhões de brasileiros estão nessa condição. “Isso é desconcertante para um grande produtor e exportador de alimentos”, afirmou.

Graça defendeu a tese de que as mulheres são a espinha dorsal da segurança alimentar, tanto por sua natureza de atuação no setor produtivo como pelo protagonismo na tomada de decisão do consumo. Segundo ela, no campo, as mulheres são mais receptivas a novas tecnologias e, no dia a dia, elas se voltam ao bem-estar de suas famílias, o que inclui a

boa alimentação. Graça chamou a atenção ainda para o desafio das perdas e desperdícios na cadeia produtiva alimentícia, citando a dicotomia global existente hoje envolvendo desnutrição e obesidade.

BRASIL PODE SER EXEMPLO

EM AGRO SUSTENTÁVEL, DIZ MARCELO GLEISER

O brasileiro Marcelo Gleiser, físico, professor e pesquisador reconhecido internacionalmente, pontuou que o Brasil pode ser exemplo para o mundo, quando falamos de agronegócio sustentável, e que o setor é o coração da economia nacional. Em sua exposição, Gleiser discorreu sobre a história da humanidade, dos primórdios até hoje, enfatizando que chegamos num ponto que tem as mudanças climáticas como marco negativo.

“Precisamos desenvolver um novo modelo de codependência e não de suposto controle sobre a natureza, de seu uso destrutivo. Os recursos são finitos”, disse. Segundo o especialista, a humanidade está numa encruzilhada existencial. “Tenho convicção de que mesmo todo o avanço tecnológico não é suficiente para nos assegurar um futuro sustentável. Por isso é preciso mudar

o ângulo do que chamamos de desenvolvimento. É a construção de uma nova ética, de compatibilidade, biocêntrica em detrimento do antropocentrismo.”

ETANOL DE MILHO É EXEMPLO DA INTEGRAÇÃO

DAS CADEIAS PRODUTIVAS

O avanço da produção de etanol de milho registrado no Brasil nos últimos anos, em particular no Centro-Oeste, é claro exemplo da virtuosa característica do agro brasileiro de integração positiva entre cadeias produtivas distintas, disseram especialistas.

Sobras do milho que é usado para fabricação do biocombustível se transformam, por meio de processo industrial, em DDG, substrato que tem elevado valor proteico e vem sendo cada vez mais usado para suplementação de bovinos em confinamento. A terminação dos animais em sistemas confinados, por sua vez, acelera o abate e, ao demandar menos espaço para criação, libera áreas para agricultura.

Segundo o presidente da DATAGRO, Plinio Nastari, a industrialização do milho resulta em agregação de valor para o grão, seja como biocombustível, seja como ração,

gerando mais renda para o produtor. De acordo com Nastari, a produção de etanol de milho já responde atualmente por cerca de 20% do total nacional.

O presidente executivo da Unem, Guilherme Nolasco, disse que o setor de etanol de milho demandará neste ano aproximadamente 17 milhões de toneladas do grão. O dirigente ressaltou, ainda, que a sinergia entre o etanol de milho e a cana-de-açúcar oferece flexibilidade à indústria canavieira, permitindo uma produção mais eficiente e sustentável.

MUNDO PRECISA DE US$ 10 TRILHÕES PARA COMBATER MUDANÇAS CLIMÁTICAS

“O mundo precisa de US$ 10 trilhões por ano para mitigar os impactos negativos das mudanças climáticas e não temos esse dinheiro”, alertou o indiano Parag Khanna, PhD e assessor de Estratégia Global da New American Foundation. Considerado pela revista Esquire uma das 75 pessoas mais influentes do século 21, Khanna ressalvou, no entanto, que os recursos não virão da ONU ou de grandes nações. “Vocês, brasileiros, têm que fazer isso, a mudança climática será uma

fonte de resiliência e oportunidade.”

De acordo com Khanna, o Brasil é uma potência mundial e o único autossuficiente no mundo em comida. “Isso não pode ser ignorado por outros países. O Brasil concorre com grandes potências e não precisa escolher um lado para ficar.” Em sua avaliação, está equivocado quem pensa em um mundo dividido entre Estados Unidos e China como uma nova guerra fria: “Não estamos nos séculos 19 ou 20, ninguém mais diz o que os países podem fazer e o Brasil é prova de que é possível fazer negócios com todos.”

Qu Dongyu lembrou ainda a importância de atrair mais jovens para o segmento, com o objetivo de dar continuidade às atividades. “Problemas relacionados à saúde, vide a Covid-19, assim como ligados ao clima, estão cada vez mais proeminentes”, afirmou. “Precisamos tratar dessas questões e demandas, transformando os sistemas agrícolas em modelos mais inclusivos e sustentáveis.”

BRASIL PRECISA ESTAR MAIS PRESENTE NO DEBATE GLOBAL

FAO APONTA CAMINHOS PARA SISTEMAS

AGRÍCOLAS MAIS SUSTENTÁVEIS

O diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), Qu Dongyu, disse que a entidade identifica quatro pontos para uma transformação necessária nos sistemas agrícolas: melhorar governança, aumentar a ciência das pessoas envolvidas, melhorar salários no setor agropecuário e

A diretora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Sueme Mori, reforçou a necessidade de o Brasil estar mais presente nos debates internacionais: “É impossível tratar de temas relevantes do ponto de vista do agro e de mudanças climáticas sem que o Brasil esteja presente. Temos muita relevância do ponto de vista comercial e de contribuição para a segurança alimentar. Por isso, temos de levar a voz do produtor brasileiro para essas discussões”.

De acordo com Sueme, quando se fala em debater a importância do produtor rural no processo de produção sustentável, é necessário pensar no tripé da sustentabilidade, que envolve as questões econômicas, ambientais e sociais. “A agropecuária é uma atividade comercial que precisa gerar renda. Então, é importante ter esse equilíbrio.”

COMUNICAÇÃO PARA ALÉM DO SETOR É UM DESAFIO HISTÓRICO DO AGRO

O agronegócio brasileiro enfrenta um grande e histórico desafio: conseguir se comunicar de maneira clara, objetiva e sem revanchismo com a sociedade urbana. Mesmo sendo o principal setor da economia nacional, o segmento ainda é desconhecido da maior parte da população, o que lhe traz impactos negativos do ponto de vista de imagem, reputação e relevância.

Eduardo Monteiro, diretor Comercial e de Marketing do Canal Rural Produções, disse que o agro brasileiro não está assumindo o protagonismo de

contar sua história. “Temos coisas muito boas para contar, mas isso não ocorre a contento, longe disso.”

Segundo Diego Bonaldo Coelho, professor do mestrado profissional da FIA Business School, se você não consegue contar ou ser o protagonista da narrativa de sua história, alguém irá fazer isso, independentemente de você querer ou não.

Para Rafael Furlanetti, sócio-diretor institucional da XP, além de assumir as rédeas de ser o contador de sua respectiva história, o agro precisa também narrá-la de modo assertivo, destacando seu papel para segurança alimentar global em consonância com a agenda da sustentabilidade.

A despeito do protagonismo brasileiro como fornecedor de alimentos, a narrativa sobre a produção agropecuária sustentável está nas mãos da Europa, que aproveita esse trunfo para impor medidas protecionistas, mas justificadas como “ambientais”, alertou o embaixador do Brasil na Alemanha, Roberto Jaguaribe.

DATAGRO Markets

UM MUNDO MAIS DEPENDENTE DA CARNE BOVINA BRASILEIRA

Até hoje, as maiores revoluções da pecuária brasileira foram no lado da oferta: o Nelore e a braquiária permitiram que o Brasil expandisse sua fronteira agrícola e ampliasse sua produção. Entretanto, nos últimos dez anos, o comércio global de carnes provocou uma transformação notável no mercado pecuário brasileiro. Entre 2019 e 2021, a China perdeu 40% de seu rebanho de suínos devido à Peste Suína Africana, consolidando sua posição de maior importadora de carnes do mundo. Embora o plantel suíno da China tenha se recuperado, a demanda por carne bovina continuou a crescer, refletindo mudanças nos padrões de consumo e sustentando em boa medida as compras de cortes brasileiros, que hoje já representam mais de 40% das importações chinesas totais de carne bovina. Nesse contexto, a participação das exportações de carne

bovina na demanda brasileira subiu de 17%, em 2015, para 28%, em 2022.

Com suporte natural do ciclo pecuário em fase de baixa disponibilidade de animais para abate e das injeções fiscais massivas para combater a pandemia de Covid-19, os preços do boi gordo aumentaram em cerca de 130% em pouco mais de dois anos no Brasil. A imposição de restrições quanto à idade e dentição dos animais para exportação, que levou o mercado a praticar prêmios de até R$ 50 por arroba entre 2021 e 2022, se traduziu em um novo e grande incentivo para a produção de bovinos mais jovens e bem terminados.

Por Guilherme Jank, Lucas Moller, Luc Vian e João Otávio de Assis Figueiredo

As sinergias de integração com as diversas cadeias produtivas agroindustriais e centros de pesquisa e desenvolvimento tecnológico brasileiros foram praticamente instantâneas. Assim, o marco histórico da importação chinesa gerou o incentivo necessário para o Brasil iniciar o processo de intensificação da cadeia produtiva de carne bovina no País, que está só começando. Temos diante de nós a oportunidade de testemunhar este momento histórico, dado que o setor ainda está longe de esgotar todo o seu potencial produtivo, com seus elos iniciais da cadeia produtiva ainda dependendo de uma produção informal e heterogênea em sua maioria.

*Membros da equipe DATAGRO Pecuária.

Ao mesmo tempo, o momento atual é um ponto de inflexão, com o segmento de reposição e genética desempenhando papéis cruciais no futuro da produção bovina. Apesar de desafios como o desequilíbrio vigente no mercado de reposição e altas taxas de abates de fêmeas, há sinais de uma transição positiva a longo prazo. A redução da pressão dos descartes de matrizes prevista para 2024 deve marcar o início de um novo ciclo de oferta, com a reconstrução do rebanho tendendo a ganhar tração entre 2025 e 2026. Esse movimento se traduz em uma perspectiva de menor oferta de animais para abate, impactando positivamente as cotações da arroba bovina e fortalecendo o mercado de reposição. A genética animal, especialmente no gado Nelore, deve seguir sendo fundamental para o avanço sustentável da pecuária, aprimorando produtividade e qualidade, e assegurando a competitividade do Brasil no mercado global. Técnicas avançadas, como inseminação artificial e seleção genômica, permitirão criar animais cada vez mais robustos e adaptáveis às condições climáticas

do país. Esse avanço é essencial para a resiliência do rebanho, impulsionando o mercado de reposição e consolidando o Brasil como um dos principais exportadores de carne bovina de alta qualidade. A evolução recente se destacou nas tecnologias de intensificação principalmente da terminação de bovinos. Portanto, o maior potencial evolutivo que temos à frente reside na reprodução, com o Brasil ainda figurando entre os países que possuem uma produção anual de bezerros pequena se comparada ao tamanho de seu plantel de matrizes reprodutoras.

A transição para uma fase de reconstrução do rebanho e menor oferta de gado não é exclusiva do Brasil, dado que também deve ocorrer simultaneamente nos EUA, na Argentina e na Austrália (maiores exportadores globais de carne bovina junto do Brasil) de forma inédita. Esse movimento já impacta o comércio global, com escassez aguda de oferta na América do Norte, resultando em exportações recordes do Brasil e da Austrália e na redução da participação chinesa nas importações globais de carnes. Embora a disponibilidade atual de gado ainda seja elevada em alguns dos

países líderes, o cenário para os próximos anos é promissor em termos de preços em virtude da perspectiva de uma escassez de oferta simultânea nas principais economias exportadoras de carne bovina. Espera-se um choque positivo de demanda devido à queda na produção dos principais exportadores, o que na prática deve aumentar a dependência global da carne bovina brasileira. Assim, evidencia-se que o processo de intensificação do setor ganha tração, com grande potencial de impulsionar a evolução em etapas do processo produtivo como a reprodução, além de também estimular uma maior adoção ao uso de ferramentas como contratos futuros, instrumentos hoje pouco utilizados no Brasil, que podem aumentar ainda mais a competitividade e a resiliência da pecuária brasileira a longo prazo. Por fim, não restam dúvidas da posição estratégica que o mercado de proteína brasileiro estabelece junto à conjuntura global, e os espaços para ganhos de mercado e melhor produtividade são evidentes.

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