Para quem pensa, decide e vive o agribusiness
SEGURANÇA ALIMENTAR O desafio global de acabar com a fome ficou maior... e bem mais complexo ESPECIAL POR QUE NÃO TEMOS LIDERANÇAS NEGRAS NO AGRO BRASILEIRO?
#OAGRONUNCAPARA PANDEMIA ACELERA A DIGITALIZAÇÃO NO CAMPO FRONTEIRA A IRRIGAÇÃO DE LUZ TORNA AS NOITES MAIS PRODUTIVAS
SUCESSÃO OS FILHOS PRÓDIGOS QUE INOVARAM E AUMENTARAM OS NEGÓCIOS DE SEUS PAIS
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A LITERATURA DE SIMÕES LOPES NETO RETRATA A ALMA DO HOMEM DOS PAMPAS PLANT PROJECT Nº21
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O agronegócio é a principal atividade econômica do Brasil. É a âncora da
RAÍZES DO AGRO
economia nacional, nosso grande produto de exportação. Tudo isso é largamente sabido e declamado, nem sempre, talvez, com o devido reconhecimento e orgulho. O agro é também um importante recorte da sociedade
Para quem pensa, decide e vive o agribusiness
brasileira. Tem seus regionalismos, suas identidades e suas desigualdades. SEGURANÇA ALIMENTAR
Tem seus heróis, tem seus vilões. E, como todo o País, pode e precisa avan-
O desafio global de acabar com a fome ficou maior... e bem mais complexo
çar. Deve festejar suas conquistas e discutir seus pontos sensíveis, sem ja-
ESPECIAL POR QUE NÃO TEMOS LIDERANÇAS NEGRAS NO AGRO BRASILEIRO?
#OAGRONUNCAPARA PANDEMIA ACELERA A DIGITALIZAÇÃO NO CAMPO
mais ficar alheio a questões que permeiam todos os demais setores.
FRONTEIRA A IRRIGAÇÃO DE LUZ TORNA AS NOITES MAIS PRODUTIVAS
Se multidões vão às ruas das cidades de todo o mundo para protestar con-
SUCESSÃO OS FILHOS PRÓDIGOS QUE INOVARAM E AUMENTARAM OS NEGÓCIOS DE SEUS PAIS
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venda proibida distribuição dirigida www.plantproject.com.br
tra a desigualdade racial, é fundamental que o agronegócio também reflita
A LITERATURA DE SIMÕES LOPES NETO RETRATA A ALMA DO HOMEM DOS PAMPAS PLANT PROJECT Nº21
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sobre o tema. Não é assunto fácil, muito menos bem resolvido. Nesta edição da PLANT, lançamos um debate em torno da presença de lideranças negras no setor. Ou seria da ausência delas? Desde os engenhos do ciclo da cana-de-açúcar, ainda no primeiro século da nossa história, a mão de obra negra foi determinante para a consolidação de nossa vocação e eficiência agropecuárias. Nessa terra tudo dá, desde que se saiba como cultivar e se trabalhe duro. Boa parte do conhecimento que obtivemos ao longo da história chegou ao Brasil nos navios negreiros. Ajudou a transformar a atividade, mas não foi suficiente para quebrar as barreiras que impediram a chegada dos negros, mesmo após o fim da escravidão, ao papel de protagonistas do agronegócio brasileiro. Historiadores, produtores, empresas e entidades entendem hoje que é preciso trazer essa discussão à tona e proporcionar oportunidades iguais a todos. Diversidade e igualdade são insumos poderosos para se cultivar sociedades mais justas e desenvolvidas.
Luiz Fernando Sá Diretor Editorial
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D i r etor E ditoria l Luiz Fernando Sá luiz.sa@plantproject.com.br D i r etor Comerc ia l Renato Leite Marketing e Publicidade Multiplataforma renato.leite @plantproject.com.br D i r etor Luiz Felipe Nastari A rt e Andrea Vianna Projeto Gráfico e Direção de Arte E d i tor Romualdo Venâncio romualdo.venancio@plantproject.com.br R e p órt er André Sollitto andre.sollitto@startagro.agr.br Col ab o ra dores: Texto: Amauri Segalla, Emerson Alves, Felipe Porciúncula, Irineu Guarnier Filho, Patrícia Lima, Suzana Barelli Fotografia: Tadeu Vilani Produção: Daniele Faria Design: Bruno Tulini Revisão: Rosi Melo Ev e n to s Simone Cernauski A d m i n i st ração e Fina nç as Cláudia Nastari Sérgio Nunes
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Cultivo de hortaliças em fazenda indoor:
GLOBAL
O lado cosmopolita do agro
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Com prédios de escritórios esvaziados pela onda do home office, o agro pode ganhar novos espaços urbanos
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O lado cosmopolita do agro
E S TA D O S U N I D O S
O ESCRITÓRIO VIROU HORTA Adoção do home office deixa prédios comerciais vazios e abre espaço para o avanço das fazendas urbanas De todas as transformações que a pandemia do coronavírus irá desencadear, uma das mais efetivas diz respeito à configuração das cidades. Com a explosão do home office, fenômeno observado em diversos países, o trânsito tende a diminuir (menos pessoas irão se deslocar até o trabalho), edifícios comerciais deixarão de ser construídos e toda a cadeia de serviços que existe em torno dos escritórios (restaurantes e lojas) poderá mudar. Segundo um estudo global realizado em junho pela empresa de pesquisa de mercado Gartner, 82% dos empregadores disseram que permitiriam que os 8
funcionários trabalhassem em casa permanentemente. Se isso de fato ocorrer, as sedes urbanas dessas companhias deixarão de existir ou, ao menos, irão ocupar áreas menores. Nos Estados Unidos, um levantamento do Moody’s Analytics calcula que, em 2020, as vagas de escritório aumentarão 20% nas 82 maiores regiões metropolitanas do país. O processo, tão revolucionário quanto inevitável, sugere um debate: o que fazer com os enormes espaços vazios antes ocupados por grandes empresas? A resposta pode estar na agricultura, mais especificamente nas fazendas
Unidades de produção da InFarm, na Alemanha, e da AeroFarms, nos EUA: investimentos no setor devem aumentar, mesmo com desaceleração econômica
verticais. Um relatório da empresa de inteligência de mercado IDTechEx previa, antes da crise do coronavírus, um crescimento médio anual de 6,85% do setor até 2030. Agora, a previsão quase dobrou: espera-se um avanço de pelo menos 10%. Nos Estados Unidos, existiam 100 fazendas verticais registradas oficialmente no final de 2019. A expectativa é de terminar 2020 com pelo menos 150. No Japão, esses locais poderão saltar de 200 para 400 em até três anos. De acordo com o estudo da IDTechEx, as fazendas verticais deverão movimentar US$ 1,5 bilhão em 2020, o que é irrisório perto do potencial do segmento. Não à toa, os agricultores urbanos têm sido bem-sucedidos na captação de investimentos. No ano passado, a nova-iorquina AeroFarms, uma das referências entre as fazendas verticais, arrecadou US$ 100 milhões. A californiana UP Plenty foi além: recebeu aportes de US$ 200 milhões de gigantes como o banco japonês SoftBank e de bilionários como o fundador da Amazon, Jeff Bezos. As fazendas verticais surgiram há uma década nas grandes cidades dos países industrializados. As primeiras experiências do tipo nasceram em metrópoles como Londres, Nova York e Tóquio para depois se espalharem para municípios menores. Elas ocupam vários andares de prédios nos quais as
lavouras são cultivadas na água em vez do solo, com luzes LED no lugar da luz solar, em ambientes controlados e amplamente automatizados. O setor vem passando por notável evolução. Até pouco tempo atrás, as fazendas verticais cultivavam e vendiam principalmente folhas e ervas, porque são plantas mais fáceis de vingar em ambientes confinados, além de permitirem colheitas o ano inteiro. Com o desenvolvimento tecnológico e a melhoria dos processos de cultivo, elas foram capazes de adicionar novas culturas, incluindo vegetais de raiz (batatas, rabanetes e cenouras) e itens como feijão, tomate, pimentão, amoras e framboesas, entre muitos outros. A expansão das fazendas verticais está diretamente associada à inovação. As melhores são dotadas de sistemas de inteligência artificial que controlam automaticamente a dispersão de água e nutrientes, além de fornecer iluminação na medida certa para cada tipo de planta. As condições estritamente controladas dentro dos espaços fechados permitem evitar as variações imprevisíveis do clima e do solo, o que aumenta a produtividade e a eficiência das lavouras. Segundo um estudo realizado pela Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, o índice de sobrevivência de mudas nas
fazendas verticais é de 95%. Ao ar livre, o percentual varia de 70 a 90%, a depender da região de plantio. Tudo isso, claro, tem um custo, que pode chegar a ser 40% maior para a produção de alimentos no sistema vertical. Muitos investidores do setor enfrentam um difícil dilema: vale a pena pagar caro por instalações automatizadas ou é melhor economizar em tecnologia para contratar mão de obra especializada? Como o segmento é relativamente novo, não existe uma resposta definitiva. A verdade é que as fazendas verticais, diante de tantos prédios vazios no pós-pandemia, têm uma chance única para crescer e prosperar. PLANT PROJECT Nº21
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G AUSTRÁLIA
FORMIGAS POLINIZADORAS
A redução das populações de abelhas pode ter levado algumas espécies de plantas a buscar novas formas de polinização, em um notável processo evolutivo. Um estudo realizado pela Universidade Edith Cowan, na Austrália, mostrou que um tipo de arbusto conhecido como Conospermum está
usando formigas para realizar o trabalho que originalmente deveria ser das abelhas. “Esta é a primeira planta do mundo que comprovadamente se adaptou às novas características ambientais, usando formigas como polinizadores”, disse a autora da pesquisa Nicola Delnevo. “Encontramos evidências irrefutáveis de que as plantas Conospermum mudaram sua bioquímica para não correr o risco de desaparecer.” A especialista destaca, porém, que a eventual extinção das abelhas representaria um desastre ecológico sem precedentes e que é improvável que muitas espécies sejam capazes de se adaptar sem elas.
MÉXICO
ARRIBA, TEQUILA Os produtores de agave-azul, a planta mexicana que dá origem à tequila, vivem uma situação curiosa. Ao mesmo tempo que comemoram o recorde de exportações para os Estados Unidos, eles querem diversificar os parceiros comerciais. Em 2020, a Academia Mexicana de Tequila estima que 80% da produção do país irá para o mercado americano, o índice mais alto em duas décadas. “A dependência excessiva pode se tornar um problema para nós”, disse o presidente da entidade, Andrés Rodríguez, que receia 10
ter que se submeter “ao pesado jogo comercial americano”. Uma das saídas seria buscar outros grandes mercados – entre eles, o Brasil, também um relevante importador da bebida.
A tequila quebrou recordes de vendas na crise do coronavírus. Nos quatro primeiros meses do ano, elas avançaram 60% em relação ao mesmo período do ano passado.
G RÚSSIA
A IMPRESSORA DE CARNES As impressoras 3D estão se tornando capazes de imprimir tudo – tudo mesmo. Um artigo publicado recentemente pela revista científica Science Advances apresentou detalhes de um experimento realizado em 2018 a bordo da Estação Espacial Internacional, mas que permaneceu desconhecido até agora. O cosmonauta russo Oleg Kononenko imprimiu no espaço células de cartilagem humana usando um equipamento criado pela empresa russa de biotecnologia Bioprinting Solutions. O método baseia-se
em imitar o processo natural de regeneração do tecido muscular, mas sob condições controladas e com técnicas de magnetismo em substituição à gravidade. É complexo, mas funciona. Segundo Kononenko, a máquina 3D também foi capaz de produzir no espaço glândulas tireoides de ratos. Trata-se de
algo realmente espetacular. Significa que, no futuro, as tripulações poderão imprimir seus próprios alimentos, incluindo carnes de laboratório. No ano passado, a 3D Bioprinting Solutions assinou um contrato com a americana KFC para desenvolver a impressão de carnes de frango.
ÁRTICO
Castores aceleram mudanças climáticas Os seres humanos não são os únicos responsáveis pelas mudanças climáticas. Um amplo estudo patrocinado pelo periódico científico Environmental Research Letters concluiu que os castores contribuem para o fenômeno. Segundo a pesquisa, o aumento da temperatura no planeta nos últimos 20 anos levou muitos desses animais para o Ártico. Como a região se tornou menos gélida, passou a ser habitável para novas espécies. É o caso dos castores, que têm o inabalável hábito de construir represas. O problema é que a água represada acabou
derretendo o permafrost, um tipo de solo local composto por terra, gelo e rochas congeladas. Ao ser derretido, o tal permafrost libera uma enorme quantidade de gases na atmosfera, processo que, por sua vez, aumenta a temperatura do globo terrestre. Segundo a pesquisa, o número de represas construídas pelos castores aumentou de 94 em 2010 para 409 em 2019 – e isso em apenas uma única área no Ártico analisada pelos cientistas. PLANT PROJECT Nº21
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G CURAÇAO
A estação submarina de Cousteau
O que é A Estação Proteus funcionará como uma base de exploração científica a 20 metros de profundidade. Com 370 metros quadrados de área construída, será capaz de receber 12 pesquisadores ao mesmo tempo. A ideia é que eles passem longas temporadas confinados, exatamente como fazem os astronautas na Estação Espacial Internacional.
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O francês Fabien Cousteau, neto do lendário Jacques Cousteau, lidera um projeto científico inédito: a criação de uma estação submarina de pesquisa, nos mesmos moldes da Estação Espacial Internacional. Chamada de Proteus, ela será construída em Curaçao, no mar do Caribe, e poderá abrir novas frentes para o conhecimento dos oceanos. Confira:
Quem está por trás O aquanauta e documentarista de oceanos francês Fabien Cousteau idealizou a Proteus e convidou o designer e ambientalista suíço Yves Béhar para conceber o projeto arquitetônico. As faculdades americanas Northeastern University e Rutgers University e a ONG Caribbean Research and Management of Biodiversity darão apoio científico.
Para que serve A ideia é usar o local para realizar pesquisas sobre correntes marítimas, poluição dos oceanos, amplitudes térmicas, entre outras. Fabien Cousteau também planeja construir no local a primeira estufa subaquática da história e cultivar alimentos no local. Ele ainda sonha em criar um canal de streaming com transmissão ao vivo de imagens do fundo do oceano.
Quem banca Fabien Cousteau criou um fundo de investimentos para captar recursos para o projeto, estimado em US$ 135 milhões. Elon Musk, fundador da Tesla, já afirmou que tem interesse em colaborar financeiramente com a Proteus.
O futuro Fabien Cousteau pretende inaugurar a Proteus em 2023. Sua ideia é lançar outras estações nos próximos anos, mas em maiores profundidades. Ele acha que, num futuro distante, os oceanos poderão abrigar cidades. PLANT PROJECT Nº21
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G FRANÇA
A EXTINÇÃO DO FOIE GRAS
Ícone da alta gastronomia, o foie gras pode estar com os dias contatos. Em abril, a cidade de Nova York principal centro da culinária mundial, sancionou uma lei que proíbe a venda da iguaria a partir de 2022 e até a França – que o tornou uma das receitas mais refinadas de sua cozinha – e
responsável por 80% da produção de foie gras no mundo – enfrenta a pressão de organizações de defesa dos animais, que lutam pela extinção do prato. O que irrita os ativistas é a maneira como o foie gras (fígado gordo, em francês) é produzido. Patos e gansos são confinados com 3 meses de vida e, duas vezes por dia, uma ração à base de milho e gordura de porco é injetada goela abaixo por meio de um tubo de metal. Chamado de gavagem, o processo faz com que o fígado das aves cresça até 12 vezes acima do tamanho normal. Em um mês, elas estão prontas para ser abatidas. Na França, chefs de cozinha renomados são acusados de “extermínio” por ambientalistas radicais.
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CAÇADA AO VÍRUS Cientistas de diversas partes do mundo vão se dedicar a uma missão hercúlea: descobrir qual será o próximo vírus mortal a ameaçar o homem. Um acordo assinado no início de julho pela Agência de Saúde do Reino Unido e o governo dos Estados Unidos e do Canadá prevê a caçada em conjunto de nanopartículas infecciosas que possam estar ocultas em fazendas produtoras de porcos, cavernas profundas ou até mesmo abismos submarinos. A ideia é identificar vírus que, a exemplo do causador da Covid-19, tenham alto poder de contágio e, eventualmente, antecipar o desenvolvimento de vacinas ou medicamentos capazes de eliminá-los. 14
Estima-se que existam 1,6 milhão de vírus em mamíferos e aves dos quais nada se sabe, sendo que metade deles pode migrar para os seres humanos. Os cientistas começarão a busca pela Ásia, mas a proposta é percorrer todos os continentes.
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G E S TA D O S U N I D O S
PLÁSTICO RESSURGE NA PANDEMIA Considerado um dos grandes vilões da degradação ambiental, especialmente dos oceanos, o plástico recuperou parte de seu prestígio na pandemia do coronavírus. O material ressurgiu em vários formatos, mas agora como estratégia de proteção contra a Covid-19. O filme plástico é usado para embalar as máquinas de cartão de crédito, luvas descartáveis se tornaram essenciais no dia a dia, viseiras passaram a ser usadas por profissionais de diversos
setores e uma série de outras aplicações fizeram dele um escudo contra o contágio. Nos Estados Unidos, a produção de plástico para uso único vai aumentar 300% em 2020, segundo dados da Associação Internacional de Resíduos Sólidos. É o maior avanço da história. O crescimento é tão
expressivo que ambientalistas planejam lançar uma frente global em defesa do descarte correto do material. Todos os anos, 8 milhões de toneladas de plásticos chegam aos oceanos, gerando severos danos ao meio ambiente e bilhões de dólares em prejuízos para a indústria pesqueira.
CHILE
O plantio errado de árvores
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Em 1974, o governo chileno assinou um decreto que concedia subsídios a agricultores para o plantio de árvores – quaisquer árvores. A iniciativa parecia ser ambientalmente correta, mas revelou-se um grande equívoco. A aplicação negligente da lei fez com que os proprietários de terras substituíssem as florestas nativas por plantações mais lucrativas. Quase 50 anos depois, a suposta medida de reflorestamento expandiu, de fato, a área coberta de árvores, mas diminuiu as espécies, o que abalou a biodiversidade do Chile e aumentou os níveis de carbono liberados na atmosfera – o oposto do que o governo pretendia. É isso o que mostra um estudo recémconcluído pela Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. Segundo a pesquisa, o plantio acelerado e mal planejado pode ter um efeito tão negativo para o meio ambiente quanto a devastação pura e simples.
Insegurança Alimentar: O desafio de alimentar o mundo ficou ainda maior
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Empresas e líderes que fazem diferença
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Ag Empresas e líderes que fazem diferença
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R MUDANÇAS Riscos climáticos, pandemia, falhas na distribuição, estoques inadequados e muitos outros obstáculos aumentam o desafio da segurança alimentar no Brasil e no mundo. O que é preciso fazer para transformar esse cenário?
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m agosto do ano passado, um estudante da ciência da computação perguntou para o americano Bill Gates, fundador da Microsoft, o que mais o preocupava em relação ao futuro da humanidade. O jovem certamente esperava uma resposta que tivesse alguma conexão com tecnologia, área que transformou Gates em um dos grandes mitos da história do capitalismo. Em vez disso, o que ele ouviu foi algo bastante inesperado. “Eu quero saber se teremos condições de alimentar tantas bocas no mundo”, disse Gates. “Ninguém é livre para trabalhar e prosperar se tiver fome. Sem comida, não há esperança.” Em março passado, no auge da crise do coronavírus, o presidente francês, Emmanuel Macron, afirmou que a pandemia poderia comprometer a distribuição de alimentos pelo planeta, levando milhões de pessoas a sofrer com a desnutrição. “Isso é bastante perturbador”, afirmou Macron. No início de julho de 2020, o chinês Qu Dongyu, diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), divulgou um relatório que faz um apelo aos governos. “Nossa aspiração é que haja comida para todos”, escreveu Dongyu. “É preciso ir além da mera produção de alimentos e incluir, entre outros aspectos, seu consumo, qualidade e cultura alimentar, levando em consideração as repercussões ambientais e o desenvolvimento sustentável.” Por mais que essas declarações tenham sido feitas em períodos e lugares diferentes, elas expressam uma única preocupação: a segurança alimentar do planeta. O fato de um empresário proeminente, um político que lidera uma das nações mais ricas do mundo e um acadêmico que chefia uma organização global manifestarem a mesma inquietação revela por que o assunto deve ser debatido com seriedade. Poucas questões são tão urgentes quanto a que envolve a necessidade
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Distribuição de ajuda humanitária a refugiados: em cinco anos, mundo somou mais 60 milhões de novos famintos
“Eu quero saber se teremos condições de alimentar tantas bocas no mundo. Ninguém é livre para trabalhar e prosperar se tiver fome. Sem comida, não há esperança.” Bill Gates
mais básica de todo ser humano: alimentar-se dignamente. Ao mesmo tempo, poucas vezes o mundo se viu diante de tantos desafios para produzir, distribuir e fazer a comida chegar aos pratos de cidadãos de qualquer canto do mundo. Para saciar a fome do planeta, será preciso domar as mudanças climáticas, superar guerras comerciais, controlar distúrbios políticos, driblar o protecionismo, diversificar as culturas, incentivar a produção local, acelerar a produtividade, equilibrar os estoques, vencer pragas e doenças, investir em inovação, derrotar vírus assassinos como o que causa a Covid-19 e eventualmente outros que surgirem pelo caminho – e, ufa, tudo isso ocorre ao mesmo tempo que a população cresce num ritmo assombroso e as pessoas comem cada vez mais. O informe O Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Mundo, divulgado em meados de julho pela FAO, trouxe preocupações adicionais para um problema latente. Segundo o documento, a insegurança alimentar vem aumentando no Brasil e no mundo. Entre 2014 e 2016, 37,5 milhões de brasileiros viviam algum tipo de vulnerabilidade no que diz respeito à obtenção do mínimo desejado de alimentos. Entre 2017 e 2019, o número saltou para 43,1 milhões de pessoas. De acordo com dados da entidade, 14,5% da população brasileira não tem acesso a uma dieta saudável,
sendo que alguns grupos estão ainda mais expostos. A anemia entre mulheres, por exemplo, aumentou, passando de 25,3% para 27,2% no período avaliado. Desde 2015, o planeta produziu, sempre conforme o relatório da FAO, 60 milhões de novos famintos. “Cinco anos depois que o mundo se comprometeu a acabar com a fome, a insegurança alimentar e todas as formas de desnutrição, ainda estamos fora do caminho para atingir este objetivo até 2030”, alertou o organismo internacional. Como se vê, não será fácil garantir a segurança alimentar para as futuras gerações. Os especialistas alertam que, cada passo que for dado agora ou cada ação que deixar de ser feita causará impactos nos próximos anos, para o bem ou para o mal. “Se nada for feito, faltará comida”, disse Qu Dongyu, da FAO. “É preciso preparar o mundo hoje para que ele seja saudável amanhã.” A corrida já começou e será uma maratona com obstáculos. Enquanto o mundo produz mais do que o suficiente para alimentar a população do planeta, aumentos de preços no curto prazo associados a estresses climáticos poderão ter impacto significativo no bem-estar de 705 milhões das pessoas mais pobres do mundo, segundo projeções feitas pela FAO. A cadeia alimentar do planeta está sob pressão e é preocupante o fato de que o cenário tende a piorar. Em 2050, a população global deverá se PLANT PROJECT Nº21
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Matéria de capa
“Significa que eventos climáticos extremos nessas regiões podem afetar grande parte da produção global” consultoria McKinsey
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aproximar dos 10 bilhões de pessoas – atualmente são 7 bilhões. De acordo com a FAO, cada uma delas comerá, em média, 12% a mais do que em 2000, incluindo duas vezes mais carne e aves. Isso representará um aumento explosivo de 70% no consumo de alimentos na primeira metade do século 21, crescimento jamais experimentado na história da humanidade. O sistema alimentar global enfrenta um evidente desequilíbrio. Segundo estudo publicado recentemente pela consultoria McKinsey, o mundo é altamente dependente de apenas quatro grãos: arroz, trigo, milho e soja, que representam quase a metade das calorias de uma dieta global típica. A elevada concentração geográfica da produção também é um fator de risco. Cerca de 60% da produção global de alimentos ocorre apenas em cinco países – Argentina, Brasil, China, Estados Unidos e Índia –, sendo que essa participação tem aumentado ao longo dos anos. Mesmo dentro dos países, a concentração é uma tendência marcante. No Brasil, Mato Grosso deverá responder por 28% da produção nacional de grãos na safra 2020. No início do século, a participação estava em torno de 20%. Na Índia, 88% da colheita de trigo vem de apenas cinco regiões diferentes, e nos Estados Unidos cinco estados do Centro-Oeste são responsáveis por 61% da produção de milho.
Quanto maior a concentração, mais vulnerável um sistema se torna, pois fica sujeito a acontecimentos muitas vezes incontroláveis, como secas e inundações. “Significa que eventos climáticos extremos nessas regiões podem afetar grande parte da produção global”, diz o estudo da McKinsey. O levantamento também aponta para outros desafios. Os países que mais dependem da importação de grãos são justamente os que apresentam um crescimento demográfico elevado ou que possuem população numerosa. Se houver um choque severo de produção de soja no Brasil, a China irá sofrer e, numa situação extrema, o fantasma da fome poderá assombrar o país da Muralha. Em abril, dos 16,3 milhões de toneladas de soja exportadas por brasileiros, 75% tiveram a nação asiática como destino, o que de certa forma escancara o desequilíbrio da cadeia global de alimentos. De um lado, está um país que é grande produtor de um grão específico e, de outro, um comprador que depende excessivamente de um único fornecedor. Do ponto de vista dos produtores brasileiros, isso não é um problema: não há, afinal, como evitar que um cliente compre muito. No aspecto mais amplo, porém, o desequilíbrio pode impor dificuldades. Singapura e Emirados Árabes Unidos, por exemplo, importam 90% de seus alimentos. Isso é
Negócios
bastante arriscado. O que seus governantes poderiam fazer se grandes conflitos internacionais ou um evento imprevisível como um novo vírus altamente contagioso afetassem a distribuição de alimentos no planeta? Eles ficariam de mãos atadas. Na pandemia da Covid-19, Singapura viu seus estoques de alimentos perigosamente caírem, mas o fato de o vírus ter sido controlado com certa rapidez na Ásia não agravou a situação. Segundo especialistas, países com uma ampla variedade de fornecedores, tanto nacionais quanto estrangeiros, estão em melhor posição para resistir a interrupções abruptas nos ciclos alimentares – a busca da diversidade de parceiros, portanto, deveria ser uma prioridade principalmente para nações com baixa produção de grãos.
A maneira como o coronavírus afetou as relações comerciais e as transações de mercadorias entre os países mostrou como a segurança alimentar está entrelaçada com todos os grandes vetores da sociedade, em especial as áreas de saúde e economia. O ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, atualmente coordenador da GVAgro, da Fundação Getulio Vargas, diz que a Covid-19 teve impacto relativamente pequeno na produção. “O maior efeito se deu na distribuição”, diz Rodrigues. Ele cita como exemplo países caribenhos, que viram as importações de alimentos cessarem com a falta de recursos provocada pela queda drástica do fluxo de turistas. “Não faltou comida porque havia estoque e porque os países vizinhos
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ajudaram”, afirma o ex-ministro. Rodrigues gosta de colocar a discussão sobre segurança alimentar em uma perspectiva histórica. Segundo ele, a preocupação dos governos em alimentar adequadamente a população se intensificou após o fim da Segunda Guerra Mundial, quando os habitantes de diversos países começaram a passar fome após a interrupção das cadeias de abastecimento. O resultado desse processo foi o incentivo à produção interna de alimentos. “Para estimular a agricultura local, os governos criaram medidas protecionistas e passaram a conceder subsídios. Eles perceberam que a segurança alimentar era um assunto estratégico”, afirma Rodrigues. Aos poucos, o tema se espalhou para outros países “até os subsídios se tornarem um PLANT PROJECT Nº21
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Venda de alimentos a preços subsidiados na Índia: atuação de governos é fundamental na distribuição
problema e contaminarem todo o comércio global”. Organizações internacionais como o antigo Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt, na sigla em inglês) – que mais tarde daria origem à Organização Mundial do Comércio (OMC) – surgiram para arbitrar discussões que ocorriam nesse período. Nas décadas seguintes, a preocupação com a falta de alimentos se tornou secundária em boa parte do planeta. A produção global superava a demanda e os problemas pareciam restritos a questões regionais. No final do século passado, o assunto retornou com força por iniciativa da Organização das Nações Unidas. “A fome em países da África, Ásia e até Europa Oriental provocou migração em massa para nações ricas”, diz Rodrigues. “A ONU descobriu então que fome leva a guerras e que sem comida não há paz.” 24
Pesquisador e professor de agronegócio global do Insper, Marcos Jank acrescenta que movimentos políticos e sociais recentes são fruto de tragédias alimentares. “Em 2010, a falta de comida gerou protestos e desencadeou a Primavera Árabe”, afirma. Para Jank, a crise do coronavírus é de outra natureza. “Nas crises de 2008 e 2010, safras ruins diminuíram a produção, o que subiu os preços das commodities agrícolas e levou ao desabastecimento em alguns países”, diz. “Agora é diferente. Os mercados estão abastecidos e permanecem em níveis elevados.” Apesar de ser uma crise diferente, a Covid-19 inflamou as preocupações sobre o tema. “A pandemia resgatou vigorosamente os debates sobre segurança alimentar e, por consequência, valorizou a importância da agricultura”, diz o ex-ministro Roberto Rodrigues.
“Muita gente que não dava o devido valor à agricultura percebeu que a produção não pode parar porque, sem ela, haverá desabastecimento e fome.” Um estudo da consultoria PwC, chamado Impactos da Covid-19 no Agronegócio Brasileiro, mostrou como o coronavírus deverá desequilibrar a oferta e o consumo de comida. “O desemprego e a queda de renda da população podem dificultar o acesso a alimentos”, diz Fábio Pereira, sócio da PwC e um dos autores do estudo. Segundo ele, provavelmente surgirão novas barreiras sanitárias e regulatórias para evitar a propagação de doenças. “Não só os governos, mas as pessoas darão mais importância à origem dos alimentos e à forma como são manejados e produzidos”, diz o executivo. Pereira também destaca que, enquanto nações exportadoras restringiram
embarques para garantir a oferta interna de alimentos, outros países sofreram com a falta de mão de obra para aumentar a produção local – o que só confirma como eventos de alcance global podem afetar a segurança alimentar do planeta. Uma das maneiras de reduzir os riscos de acontecimentos inesperados sobre a distribuição de alimentos no mundo é manter um controle rigoroso dos níveis de estoque. De acordo com dados da consultoria McKinsey, apesar de os estoques atuais de grãos permanecerem altos, eles são insuficientes para suportar eventuais cataclismas. Com o agravamento das mudanças climáticas e outros fatores impactantes para agricultura, a probabilidade de um choque de 15% na produção dobra até 2030. Se isso acontecer, não significa que os alimentos vão acabar do dia para a noite, mas acima de
tudo que deverão aumentar de preço. Valores elevados, nem é preciso dizer, impedem pobres de comprar comida, o que provocará efeitos colaterais desastrosos. Para a McKinsey, choques econômicos na agricultura podem levar a “distúrbios sociais e políticos generalizados, conflitos globais e aumento do terrorismo”. Daí a importância de organismos internacionais, governos e empresas se unirem para criar medidas capazes de evitar que tragédias dessa magnitude ocorram. Uma das ideias defendidas pela McKinsey é manter grandes quantidades de estoques em épocas de preços baixos e liberá-los quando os valores subirem, criando assim uma margem de segurança. Com base na produção anual de 3,5 bilhões de toneladas, estima-se que os custos anuais para aumentar os estoques globais – e garantir compensações no caso de
“A pandemia resgatou vigorosamente os debates sobre segurança alimentar e, por consequência, valorizou a importância da agricultura” ex-ministro Roberto Rodrigues
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Ag Matéria de capa “Segurança alimentar não diz respeito apenas à desnutrição, mas também à má alimentação” Yuval Harari
falhas de colheita – seriam de até US$ 11 bilhões. A inovação tecnológica tem papel fundamental no combate à insegurança alimentar. Um dos 48 cientistas que participaram do estudo A inovação Pode Acelerar a Transição para um Sistema Alimentar Sustentável, publicado na revista científica Nature Food, o brasileiro Maurício Lopes, ex-presidente da Embrapa, diz que a pesquisa investigou 75 tecnologias emergentes que são capazes de transformar os sistemas alimentares. “Já estamos familiarizados com algumas delas, como drones, impressão 3D e agricultura vertical”, diz Lopes. “Outras exigem maior imaginação, como cereais fixadores de nitrogênio que não precisam de fertilizantes sintéticos ou rações para animais produzidas a partir de dejetos humanos.” Otimista por natureza, Lopes enxerga um horizonte promissor. “Apesar de todos esses 26
desafios, o estudo mostra que seremos capazes de produzir o conhecimento que nos ajudará a diversificar, especializar e garantir nutrição e segurança aos alimentos que o mundo necessitará no futuro.” Nesse contexto, diz o especialista, as startups são vitais, justamente porque elas possuem a ousadia necessária para revolucionar o sistema produtivo global. Sem uma readequação da cadeia alimentar global, faltará comida para muitos enquanto outros milhões de cidadãos comerão em excesso, o que levará a doenças que poderão sufocar os sistemas de saúde. “Segurança alimentar não diz respeito apenas à desnutrição, mas também à má alimentação”, afirmou em entrevista recente o historiador israelense Yuval Noah Harari, autor do best-seller Uma Breve História da Humanidade. Ele lembra que, no século 21, pela primeira vez morrem mais pessoas
por obesidade do que por violência provocada pela ação humana. “O açúcar é hoje mais perigoso do que a pólvora”, disse. Os números confirmam sua teoria. Atualmente, 2,1 bilhões de pessoas têm excesso de peso, enquanto 850 milhões sofrem com a desnutrição. Por ano, a fome e a desnutrição combinadas matam cerca de 1 milhão de indivíduos, enquanto a obesidade ceifa 3 milhões de vidas. A obesidade, portanto, é três vezes mais letal do que a falta de comida. Um dos grandes pensadores da atualidade, Harari prossegue: “Ainda há milhões de pessoas pobres no mundo que sofrem de desnutrição, mas as fomes em massa estão se tornando raras”. O especialista destaca que a humanidade produz tanta comida e consegue transportá-la tão rapidamente e de forma tão barata que já não existe o que ele chama de “fome natural no mundo”, provocada por grandes catástrofes como terremotos,
Divisão da produção de grãos por país 2015-17 (% da média da produção anual) Milho
Argentina
EUA
China
Brasil
Arroz
México
Bangladesh
China
Índia
Indonésia
Vietnã
Soja
Resto do mundo
Índia
EUA
Brasil
Argentina
China
Resto do mundo
Noroeste da Europa
Trigo China
Resto do mundo
Índia
Rússia
EUA
Resto do mundo
Gráfico produzido pelo McKinsey Global Institute com dados da Earth Stat, 2000; FAOSTAT
secas ou inundações. “Há apenas fome de origem política”, diz. “Se as pessoas ainda morrem de fome na Síria, no Sudão ou na Coreia do Norte, é apenas porque os governos assim o desejam.” É justo acrescentar que o desperdício também tem sua parcela de culpa na fome do planeta. O mundo cultiva comida suficiente para alimentar 9 bilhões de pessoas, mas um terço dos alimentos é perdido pela ação direta de pragas ou pela colheita, processamento, armazenamento e transporte inadequados ou simplesmente porque jogamos fora jantares não consumidos. Combater esses males é obrigação das empresas, dos governos e de todo o conjunto da sociedade, sob o risco de as gerações atuais deixarem um legado perigoso para o futuro. PLANT PROJECT Nº21
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Três décadas de tranS Como a trajetória do Rabobank no Brasil se relaciona com os desafios e a expansão do agronegócio no País Rabobank começa a operar no Brasil com um escritório de representação
1989
Rabobank tem licença para operar como um banco no Brasil
1995
Rabobank agregou a carteira de investimento
1999
SOJA* MILHO* ALGODÃO*
23.929 26.268 709
30.765 32.393 520
VBP***
197,31
205,14
*Produção em milhares de toneladas – Fonte: Conab
O ano é 1989 e o mundo está em transformação. Símbolo de uma era na geopolítica internacional, o Muro de Berlim vai ao chão. No Brasil, os brasileiros vivem uma campanha eleitoral para presidente depois de mais de duas décadas e meia. São momentos para a história. Mas há também uma revolução silenciosa em curso nos recantos remotos do interior brasileiro. Com ciência e resiliência, produtores rurais arrojados expandem novas fronteiras agrícolas no Cerrado e começam a mudar a geografia da produção global de alimentos. Mais de 30 anos se passaram e é possível dimensionar o impacto desse movimento: em 2020, as lavouras brasileiras produzirão seis vezes mais soja do que em 1989 – e 451% mais milho ou 352% mais algodão, para citar alguns de nossos principais produtos agrícolas. Hoje mais de 200 países consomem alimentos comprados do Brasil. A exportação de carne bovina, por exemplo, saltou de 249 mil toneladas para 2,3 milhões de toneladas nesse período, quase oito vezes mais – isso embora a área destinada a pastagens no País tenha sido reduzida em 15%. 28
2000
Inauguração da divisão de Rural Banking no Brasil, com um modelo de negócio inspirado pelo Rabobank Austrália e Califórnia
2004
** Estimativa – Julho/2020 – Fonte: Rabobank
A análise de números como esses é corriqueira no cotidiano das áreas agrícolas dos bancos. Para uma instituição, porém, tem significado especial. Com uma história de mais de 120 anos dedicados ao incentivo da produção de alimentos, o holandês Rabobank pode relacionar esses números na linha do tempo de sua presença por aqui. De um simples escritório de representação, aberto em São Paulo justamente em 1989, a uma estrutura com mais de 500 funcionários, 17 agências, mais de US$ 10 bilhões em ativos e cerca de 1,5 mil clientes, a trajetória do principal banco dos setores agrícola e alimentício do mundo está umbilicalmente ligada ao salto exponencial na produção, que colocou o Brasil como peça-chave no tabuleiro global da segurança alimentar. CONHECIMENTO EM CAMPO O ano é 2020 e o mundo está em transformação. O planeta enfrenta os severos efeitos sociais e econômicos provocados por uma pandemia ainda fora de controle. As cidades ficam silenciosas e o ruído das máqui-
Plant +
formações US$ 10 bilhões em ativos, mais de 1500 clientes, mais de 500 funcionários e 17 agências espalhadas pelo Brasil
Lançamento da política de sustentabilidade para o mercado agro financeiro, pioneira no setor
2006
2009
2019
2020
VARIAÇÃO 1989-2020
57.166 51.004 1.214
115.030 100.043 2.779
122.000** 99.000** 2.873**
410% 277% 305%
454,04
658,80
716,63
263%
*** Valor Bruto de Produção Agropecuária – em R$ bilhões – Fonte: Mapa
nas, agora, vem do interior brasileiro. “Pelos modelos de produção voltados para exportação e polos afastados dos grandes centros urbanos, o agronegócio tem sido menos afetado durante a pandemia”, afirma Fabiana Alves, diretora do Wholesale Banking do Rabobank Brasil. “Com exceção dos setores de flores e etanol, as demais cadeias do agronegócio continuam funcionando bem e esperam bons resultados nesta safra.” Três décadas de conhecimento e relacionamento profundo com os principais atores da saga agropecuária brasileira embasam a análise confiante. O Rabobank trabalha exclusivamente com agronegócio. E, a despeito da incrível curva ascendente dos indicadores de produção, viveu junto aos produtores e à agroindústria outros momentos igualmente desafiadores. As lições aprendidas nos momentos difíceis – como a crise financeira global de 2008/2009 – são valiosas no cenário atual. A primeira é a compreensão de que, em ambientes especialmente difíceis, decisões precisam ser tomadas com agilidade e com senso de parceria com os clientes. A extensão de prazos de vencimentos
nos financiamentos, por exemplo, ajudou a manter vários deles ativos, assim como a ampliação do acesso ao crédito no Rural Banking. Presente em cerca de 40 países, o Rabobank utiliza sua ampla rede em benefício de toda a cadeia de alimentos – da fazenda à mesa do consumidor –, seja desenhando soluções financeiras estratégicas para o agronegócio, seja coletando e compartilhando informações que permitirão aos seus clientes a tomada de decisões mais assertivas, mesmo nos momentos de menor estabilidade. Em sua área de pesquisa, a Raboresearch, mais de 80 analistas espalhados pelo mundo inteiro estão permanentemente atentos ao que acontece nos principais mercados. Isso permite que o banco antecipe tendências, projete cenários e apresente soluções com base no que acontece em outros players. Nos anos 2000, por exemplo, pesquisas do Rabobank indicaram como uma macrotendência para o setor a crescente demanda da China por commodities agrícolas, fruto do ritmo intenso de crescimento econômico e ampliação do poder de consumo da poPLANT PROJECT Nº21
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RABOBANK NO MUNDO
presente em cerca
de 40 países
9 milhões de clientes
+ de 40 mil funcionários
pulação do gigante asiático. Produtores brasileiros foram alguns dos maiores beneficiados por essa ampliação de mercado e o Rabobank esteve entre os principais apoiadores dos produtores que passaram a exportar. No algodão, por exemplo, esse apoio acompanhou uma incrível virada brasileira no mercado internacional. Em 1996 – ano que marcou a organização de todos os processos do banco dentro das exigências do Banco Central –, o País era importador da pluma. Em 2019, segundo dados da Secex, exportou mais de 1,6 milhão de toneladas, gerando uma receita de US$ 2,64 bilhões e consolidando sua posição de segundo maior vendedor de algodão do mundo – cerca de 60% das operações de exportação foram financiadas pelo Rabobank. 30
CONEXÕES GLOBAIS Se abrir mercados é difícil, muito mais complexo é mantê-los. Há cerca de duas décadas, as pesquisas e relatórios publicados pelos especialistas do Rabobank começaram a apontar também que a adoção de critérios de produção sustentável seria uma exigência cada vez mais frequente de clientes internacionais. Em 2006, o banco foi pioneiro ao estabelecer uma política própria de sustentabilidade para o mercado financeiro ligado ao agro. Isso estimulou muitos de seus clientes a reverem seus modelos de produção, se adequando aos parâmetros exigidos, não apenas para a concessão de crédito, mas também para o acesso aos mercados de alguns países. As métricas utilizadas pelo Rabobank para a avaliação de critérios socioambientais são reconhecidas globalmente. O compromisso com o agronegócio sustentável está expresso como um dos principais pilares da missão global do banco, “Cultivando um Mundo Melhor Juntos” (“Growing a Better World Together”). Ela resume uma série de ações incentivadas pelo Rabobank, como programas de fomento a iniciativas que tenham como objetivo resolver problemas relacionados à produção e à distribuição de alimentos no mundo ou integrar produtores de diversas regiões do planeta para compartilharem conhecimento e experiências. Além da atuação de sua área exclusiva de pesquisas, o Rabobank conecta players e clientes ao redor do mundo por meio de eventos com especialistas e programas de network. No Brasil, por exemplo, mantém há mais de uma década o Agrolíderes, que reúne jovens agricultores com o objetivo de formar futuras lideranças rurais. Em nível internacional, os clientes do banco são interligados através da plataforma digital Global Farmers, uma “rede social” exclusiva que permite
o intercâmbio de experiências e conhecimento entre produtores de diferentes países. Criada e desenvolvida a partir de valores cooperativos, a instituição atua com uma visão de longo prazo e parceria com os clientes. Assim, muitas de suas contribuições ao agronegócio brasileiro não podem ser expressas em indicadores financeiros. “O crescimento e a profissionalização do agronegócio proporcionaram o desenvolvimento de muitas regiões, gerando empregos e renda, e elevando substancialmente o IDH de muitas cidades focadas na produção e industrialização de alimentos, melhorando a qualidade de vida da população”, analisa Fabiana Alves. “Tal desenvolvimento aumenta o interesse dos jovens por carreiras ligadas ao agro e reduz o ‘envelhecimento da mão de obra no campo’, que é uma preocupação de muitos países. A tecnificação do agronegócio incentiva a educação, o treinamento e a construção de um pool de mão de obra mais especializada.” A revolução agrícola das últimas três décadas deixa, assim, um importante legado ao País. E permite ao time do Rabobank, que participou ativamente desse período único, vislumbrar cenários de retomada pós-pandemia. “Acreditamos que o Brasil tem condições de continuar contribuindo para a segurança alimentar global, já que nos últimos anos se tornou referência mundial em produtividade, tecnologia e sustentabilidade socioambiental”, diz a diretora. “Mais do que nunca, o consumidor cobrará essa postura do agronegócio, bem como transparência, rastreabilidade e sanidade. Para manter nossa posição de liderança global como um grande produtor, precisamos garantir inteligência de mercado, estratégia clara e coordenada ao longo de toda a cadeia, e forte atuação no estabelecimento de acordos comerciais internacionais adequados.”
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Ag Sustentabilidade
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PENSANDO EM CÍRCULOS Embora ainda seja pouco explorado no Brasil, o conceito de economia circular ganha força ao propor uma maneira mais sustentável de produzir alimentos e repensar métodos que exploram os recursos naturais do planeta
foto: Shutterstock
Por André Sollitto
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P
ouco antes do isolamento que foi adotado por vários países da Europa, o Parlamento Europeu apresentou um documento que representou um importante passo em direção a um método de crescimento regenerativo capaz de dar conta das demandas que vão surgir nas próximas décadas. O Plano de Ação de Economia Circular prevê a adoção de inúmeras medidas em todas as áreas produtivas, inclusive na agricultura: seja por meio de redução de desperdício, seja por meio do uso mais eficaz e consciente da água e de nutrientes no solo. Mas o que é, exatamente, economia circular? Basicamente, é reutilizar, recuperar e reciclar. Envolve o pensamento de novos sistemas capazes de reduzir a necessidade de busca por recursos finitos do nosso planeta e regenerar sistemas naturais. Também envolve estratégias para que a geração desses resíduos seja reduzida ou, melhor ainda, removida dos sistemas econômicos. Em vez de simplesmente
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adaptar métodos já existentes, propõe o desenvolvimento de novos métodos, mais eficazes e sustentáveis. O termo “circular” justamente se refere a reincorporar resíduos, por exemplo, à produção. Trata-se de um círculo fechado. É um conceito ainda pouco popular no Brasil. O agricultor brasileiro já está bastante familiarizado com outros conceitos de sustentabilidade, do manejo agroecológico ao sequestro de carbono. Ele já percebeu as vantagens de pensar a longo prazo nos cuidados com a terra, não apenas pelos óbvios benefícios ecológicos, mas também pelas vantagens financeiras. A economia circular, contudo, ainda é um tanto misteriosa. Mas a situação começa a mudar. Iniciativas do gênero despontam por aqui e, pelo peso de quem está por trás delas, demonstram o potencial do conceito. Uma das maiores empresas de energia do País, a Raízen está entre as que mais se empenham em adotar estratégias de economia circular em sua produção. A atuação é concentrada em
Sustentabilidade
algumas frentes. Na questão do uso da água, por exemplo, desenvolveu o programa Redusa, que atua para reduzir o consumo de água por tonelada de cana moída e diminuir o uso de água fria nas caldeiras por meio do reúso de águas quentes. De acordo com a empresa, já foram economizados 8 milhões de litros desde sua implementação. Há ainda um outro programa destinado à gestão de resíduos. A vinhaça, resultante do processo de destilação do caldo da cana, a torta de filtro, proveniente da filtração desse caldo, e a cinza, resíduo da queima do bagaço, são usados como fertilizantes naturais. A torta e a vinhaça também são usadas na planta de Biogás da Raízen para gerar energia. E o bagaço da cana é utilizado na produção de energia elétrica. A Tetra Pak, conhecida por sua embalagem longa vida, é outro exemplo. A empresa tem um departamento dedicado ao tema e trabalha com um conceito ainda mais avançado, a economia circular de baixa emissão de carbono, que leva em consideração o impacto climático das matérias-primas e da cadeia de valor da manufatura. Além da reciclagem e de operações que dependam de energia de fonte renovável, a Tetra Pak busca matérias-primas de origem vegetal. As caixas longa vida, por exemplo, levam 71% de
papel cartão renovável. O próprio formato da embalagem permite que os caminhões transportem até 20% a mais de carga, reduzindo a necessidade de mais viagens. Se esses exemplos apontam o enorme potencial existente, também é fato que ainda é pouco explorado. O levantamento Radar AgTech, feito em 2019 sobre o ecossistema de inovação no agro brasileiro, identificou 1.125 empresas que trabalham com inovação no setor. Entre as 530 startups com soluções depois da fazenda, uma das divisões estabelecidas no estudo, apenas 14 trabalham dentro da categoria Bioenergia e Biodiversidade. São empresas que desenvolvem novos processos, métodos e tecnologias para a produção de bioenergia e/ou para a proteção da biodiversidade. Destas, apenas sete lidam diretamente com bioenergia. É uma grande oportunidade, pois oferece uma renda adicional ao produtor, além da oportunidade de explorar fontes de energia renováveis.
Ag
Plantação de eucaliptos da Tetra Pak: a empresa trabalha com um conceito de economia circular com baixa emissão de carbono
LEVANTANDO A BANDEIRA Uma das principais referências mundiais em economia circular é a organização britânica Ellen MacArthur Foundation. Criada em 2009 pela velejadora aposentada, a entidade lidera uma série de iniciativas que PLANT PROJECT Nº21
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unem esforços globais em causas específicas. Em 2018, foi uma das responsáveis pela Platform for Accelerating the Circular Economy, uma aceleradora de projetos lançada durante o Fórum Econômico Mundial com o objetivo de envolver empresas e governos na busca por práticas mais sustentáveis. A fundação é responsável pela organização de programas para setores específicos de produção, sempre com a intenção de incorporar processos de economia circular. Ao lado de marcas como Wrangler, Lee e Banana Republic, por exemplo, lançou a Jeans Redesign, uma série de diretrizes para tornar a produção das populares calças mais sustentável e menos danosa ao ambiente. O guia inclui princípios para que o 36
jeans seja facilmente reciclável, rastreável e tenha uma durabilidade grande. O mais interessante é que as empresas assinaram o documento em abril deste ano, em meio à pandemia provocada pela Covid-19. A emergência sanitária só tornou ainda mais clara a necessidade de mudanças na produção, especialmente na indústria da moda. E esse é apenas um dos programas. Existem iniciativas focadas na redução do uso de plástico e outras dedicadas à alimentação. Além das empresas, a fundação busca envolver governos na busca por cadeias produtivas mais sustentáveis e inteligentes. Em junho de 2019, lançou uma iniciativa de sustentabilidade que se propõe a resolver grandes problemas da cadeia produtiva de alimentos, como o desperdício e a falta de
segurança alimentar. A ação aconteceu após a divulgação do relatório “Cidades e a Economia Circular da Comida” no Fórum Econômico Mundial, que mostrou que até 2050 quatro quintos de toda a comida do mundo será consumida em cidades. E São Paulo é uma das signatárias da iniciativa, juntamente com outras metrópoles, como Londres e Nova York. “A cidade de São Paulo acredita que a economia circular é uma alternativa possível ao desperdício e à poluição do sistema produtivo atual”, disse o prefeito da capital, Bruno Covas, na ocasião. Com duração de três anos, o programa tem o apoio de empresas do setor, como a Nestlé e a Danone. REAPROVEITANDO BANANAS O Google também tem
Sustentabilidade
Ag
Fabricio Goulart, da foodtech Feitosa: o chef desenvolveu uma linha de produtos reaproveitando bananas que seriam descartadas
fomentado a inovação e a economia circular na área de produção de alimentos. No ano passado, por meio de seu Food Lab Accelerator at Google (FLAG), sua aceleradora de foodtech, juntou forças com a organização não governamental Thought For Food (TFF) e lançou o Circular Economy of Food Prize, um prêmio dentro do desafio anual do TFF. A vencedora foi a startup brasileira Feitosa, que oferece uma solução simples, mas eficaz: um ketchup de banana feito a partir de frutas que seriam descartadas pelos produtores simplesmente porque não atendem aos padrões do mercado. A empresa foi criada pelo chef Fabricio Goulart. Após trabalhar em restaurantes no Canadá, retornou ao Brasil em 2014, momento em que as hamburguerias estavam em alta. Em vez de trabalhar com os lanches, resolveu apostar nos molhos e desenvolveu um ketchup com a fruta, justamente porque ela tem muito açúcar quando está madura. Ele entrou em contato com uma cooperativa de bananicultores do Rio Grande do Sul e começou a comprar as bananas fora do padrão. "Essas frutas representavam de 40 a 60% da produção deles", afirma o chef. Segundo Fabricio, ainda era pouco. "Aquilo gerou uma ideia de circularidade", afirma. Passou a fazer outros molhos e geleias. Usando as cascas, criou uma caponata à base de banana. A linha de produtos inclui uma cerveja e snacks feitos com a fruta, e as embalagens são todas recicláveis. A decisão de se inscrever no
desafio do TFF e da aceleradora do Google foi tomada depois que o empreendedor não encontrou programas específicos para o que tinha em mente. "Conceitos como upcycling e economia circular são bastante sólidos lá fora, mas desconhecidos por aqui", diz. Antes, participou do programa Shark Tank na tentativa de conseguir um financiamento para produzir seus molhos em escala industrial. Os jurados gostaram da ideia, mas acharam que não haveria mercado para seus produtos. Movido pela vontade de provar o valor de sua ideia, se inscreveu no desafio internacional. Foi escolhido entre mais de 5 mil inscritos. Agora, no entanto, a produção está parada por conta da Covid-19. "Mas acredito que 2021 será o ano em o mercado internacional vai olhar para o Brasil como celeiro de foodtechs. E espero que nós, como Feitosa, consigamos nos envolver em projetos fora do País. Replicar e ganhar escalabilidade", diz Fabricio.
Planta da Raízen: a companhia de energia criou um programa de gestão de resíduos, que são reaproveitados
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Entrevista
Ag
AGRO LU Luiza Helena Trajano tem sido muito requisitada para falar com o agronegócio, principalmente com o público feminino, e tem gostado tanto quanto sua audiência
uiza Helena Trajano se tornou, por várias razões, uma das principais lideranças femininas do País. Presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza, ela transformou o varejo e o e-commerce no Brasil, inclusive com uma aposta arrojada de entrar no comércio eletrônico sem abrir mão das lojas físicas. Quem questionou a decisão na época foi obrigado a dar o braço a torcer, pois a empresa tornou-se um fenômeno de varejo. E, como ela faz questão de dizer, fruto de um trabalho coletivo. Esta é outra razão de Luiza ser tão influente: sua visão comunitária, a preocupação com questões que afligem a sociedade como um todo, a exemplo do combate à violência contra a mulher. Não por acaso, desde 2013 Luiza está à frente do Grupo Mulheres do Brasil, que começou com 40 integrantes e hoje reúne mais de 40 mil, o maior grupo político apartidário do Brasil, como ela define. Natural da cidade de Franca, no interior de São Paulo, Luiza tem se
aproximado do agronegócio. Além da própria história, a forma simples, objetiva e carismática de se comunicar lhe rendeu diversos convites para participar de eventos do agro pelo País. O que só aumentou com a multiplicação de lives durante a pandemia da Covid-19. Agora até produtos agropecuários já são comercializados no marketplace do Magazine Luiza. E os acionistas controladores da empresa lideraram uma rodada de investimento em uma startup de tecnologia voltada para o setor agrícola. Nesta entrevista exclusiva para a PLANT PROJECT, Luiza Helena Trajano fala um pouco mais dessa relação. Acompanhe. A senhora nasceu e cresceu em uma região com forte presença do agronegócio, o interior de São Paulo. Como isso influenciou a visão que a senhora tem do setor atualmente? Toda a região de Franca tem forte presença no agronegócio, mas a indústria, especialmente do calçado, sempre foi mais
foto: Divulgação
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Ag Entrevista
visível. Aprendi a entender a expansão do Magazine Luiza observando sempre regiões onde o agronegócio fosse forte e diversificado, pois isso é um grande incentivo para toda a economia regional. A senhora tem liderado e participado de uma série de movimentos em favor do empreendedorismo feminino. Como avalia esse movimento nas áreas urbanas e rurais? Acredita que as mulheres do campo e da cidade têm o mesmo nível de engajamento? De engajamento e vontade sim, o que muda são as diferentes realidades e necessidades. Já dei muitas palestras exclusivamente para mulheres que trabalham com o agronegócio. Recentemente fui a Minas Gerais em um evento que reuniu centenas de mulheres que trabalham com café e fiquei maravilhada com a energia, o conhecimento e a vontade de empreender dessas mulheres. Da mesma forma ocorre com as mulheres do sertão, que trabalham com artesanato, por exemplo. São mulheres empreendedoras por natureza. Como surgiu essa aproximação com as mulheres do agronegócio e em que pontos a senhora mais se identificou com esse grupo? Além dessas palestras, que sempre que possível viajava para atender, o Grupo Mulheres do 40
Brasil criou um comitê de agronegócio. Então, pude perceber melhor a força que a mulher tem no agronegócio do Brasil e que pode contribuir ainda mais com essa riqueza brasileira, assim que quebrar paradigmas do setor. Considerando as oportunidades que teve de interagir com essas mulheres do agronegócio, que desafios acredita serem similares na comparação do meio rural com o mercado varejista? Os desafios são os mesmos, quebrar paradigmas e vencer os preconceitos machistas enraizados. As formas de reverter isso e as histórias é que são diferentes. Essa proximidade pode aumentar? Há pretensões de se integrar ainda mais ao grupo das mulheres do agronegócio? De que forma isso pode acontecer? Nosso comitê de agronegócio do Grupo Mulheres do Brasil trabalha intensamente e diretamente neste mercado, tratando todas as questões que possam fortalecer o agronegócio como um todo, não apenas para as mulheres, mas para o Brasil. A senhora afirma ser fã da Embrapa. O que mais a encanta no trabalho da Embrapa? Costumo dizer, para exemplificar, que a Embrapa é o Sebrae do agronegócio, pois
possui um leque enorme de informações sobre o setor que auxiliam os produtores e podem fazer a diferença e levar cada vez mais inovação para o agronegócio brasileiro. Os acionistas controladores do Magazine Luiza são os âncoras de uma rodada de investimento, de US$ 40 milhões, na Solinftec, uma empresa de tecnologia na agricultura. O que motivou esse investimento? O que se espera dessa aplicação? Sim, o investimento foi feito por meio da UnBox, que é a empresa de investimento das famílias acionistas. Estamos sempre atentos a oportunidades de investimento em empresas inovadoras em seus segmentos, e esta foi uma das características que enxergamos na Solinftec. Esperamos que a Solinftec cresça e contribua de forma significativa para a melhoria do agronegócio do País. A expertise da Solinftec em tecnologia pode contribuir de alguma forma com a evolução tecnológica do Magazine Luiza? Pode até acontecer. A Solinftec não faz parte do Magazine Luiza, mas sim da empresa de investimento dos acionistas, mas nada impede que encontremos sinergias em que uma possa contribuir com a outra.
O caso da Solinftec será único no portfólio da família ou existe a possibilidade de novos investimentos em empresas de tecnologia para o agronegócio (agtechs)? A UnBox analisa estrategicamente todas as possibilidades, mas sempre procuramos empresas focadas em inovação, ndependentemente do segmento. Já há empresas do agronegócio negociando seus produtos e serviços pelo marketplace do Magazine Luiza. E empresas grandes. O Magazine Luiza pode se tornar uma grande referência do varejo do agro também? Temos investido muito em nossa plataforma de marketplace, inclusive, durante a pandemia, abrimos esta plataforma para micro e pequenas empresas e autônomos que não tinham e-commerce para que não paralisassem suas atividades. A adesão foi muito grande, e milhares de pequenos lojistas passaram a vender no Magazine Luiza, pagando comissões muito baixas. Foi uma grande contribuição da empresa durante a pandemia para os pequenos negócios. Nossa plataforma já tem empresas do agronegócio, mas queremos ampliar significativamente. Temos grande interesse em fortalecê-las com a presença muito maior do setor. PLANT PROJECT Nº21
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foto: Paulina Riquelme
Ag Negรณcios
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EXPANSÃO ORGÂNICA A aposta do Grupo Korin nos conceitos da agricultura natural segue nutrindo sua curva de crescimento e sua plataforma de inovações, tanto em alimentos para o consumidor final quanto em insumos para a transformação da produção agrícola Por Romualdo Venâncio
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foto: Divulgação
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o ano passado, a Korin Agropecuária faturou R$ 168 milhões e o objetivo é dobrar esse número em um prazo de cinco anos. A contagem regressiva começa a partir do final da pandemia causada pela Covid-19, ou a partir do momento em que a empresa retomar completamente suas atividades. Levando-se em conta que em 2007 o faturamento foi de R$ 20 milhões, ou seja, houve crescimento de 740% em 12 anos, a meta poderia até ser considerada menos ousada do que parece. Mas para uma companhia de postura vanguardista e disruptiva, cuja expansão tem relação direta com a inovação, a régua que mede esse avanço também
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muda – para cima – ano a ano, ou com intervalos até mais curtos. Naturalmente, o mercado sempre volta os olhos para quem se torna referência, e a saída para se manter à frente da concorrência é seguir surpreendendo. A Korin Agropecuária é, muito provavelmente, a maior produtora nacional de alimentos orgânicos, com presença em 3 mil pontos de venda distribuídos pelo País e cerca de 300 restaurantes, número que foi reduzido por conta da pandemia. “Temos várias linhas de produtos classificados como sustentáveis, depois outras de orgânicos e uma terceira classificação que tem o selo filosófico da agricultura natural de Mokiti
Okada”, comenta Reginaldo Morikawa, CEO de três das quatro empresas que compõem a holding Korin – a Agropecuária, a Administração de Franquias e a Alimentos – e presidente do conselho curador da Fundação Mokiti Okada. Okada (1882-1955) foi o pensador, filósofo e espiritualista japonês que fundou a Igreja Messiânica e desenvolveu os conceitos da agricultura natural. Preocupado com o uso excessivo de agroquímicos no método agrícola convencional, e com os riscos da perda de vigor do solo, passou a pensar em conceitos que colocassem a produção de alimentos em consonância com a natureza. Entre os benefícios de se promover equilíbrio biológico do solo estão a melhora
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de suas condições físicas e químicas e o aumento da capacidade de retenção de água, o que ainda reduz a ocorrência de erosões e as perdas de nutrientes por lixiviação. A essência da Korin é baseada nesse resgate dos processos orgânicos da natureza, e está nesse conceito o princípio de sua diferenciação em relação ao mercado. O caminho para desenvolver um produto e apresentá-lo ao consumidor vai nessa direção. “Nossa maneira de pensar se difere dos exemplos 4.0. Desde os modelos 1.0 até o momento, todos têm sido evolução do primeiro. A Korin se baseia na necessidade de entrarmos nesse mecanismo que é controlado pela grande natureza”, diz Morikawa. Em termos práticos, o executivo afirma que o consumidor terá de mudar seus costumes, se adequar. “Não será possível consumir qualquer vegetal só porque deseja, pois cada planta tem seu ciclo de produção. Por exemplo, só vai conseguir comer morango o ano todo se congelar”, explica. MAIS NOVIDADES Atualmente, os negócios da Korin Agropecuária estão divididos da seguinte forma: 63% em frangos, 20% em ovos, 10% em bovinos e 7% nos demais produtos (arroz, café, mel, feijão, grão-de-bico, entre outros). Ao todo, são 230 SKUs (Stock Keeping Units), e o setor
de ovos deve ganhar mais representatividade, pois está sendo ampliado. O frango livre de antibióticos é o carro-chefe, pois foi ele que deu grande projeção à empresa junto aos consumidores. O produto virou um sinônimo de alimento saudável e de qualidade. Outros itens inovadores reforçaram essa imagem, como as poedeiras também livres de antibióticos e a carne bovina produzida no Pantanal, a partir de um projeto desenvolvido em parceria com a WWF (World Wide Fund for Nature) e a ABPO (Associação Brasileira de Pecuária Orgânica). “Toda a produção desse gado do Pantanal é realizada por cooperativas e pequenos e médios produtores, incentivando a agricultura familiar e integrando valores ecológicos e sociais para garantir não só a qualidade dos produtos, mas também sua qualidade de origem”, diz Morikawa. A próxima novidade da Korin Agropecuária, que deve chegar ao mercado em 2021, é o frango alimentado com farinha de insetos. “Embora seja permitido por lei, nosso frango não come farinha de carne. Foi o primeiro frango vegetariano, e agora vamos perder esse título”, comenta o CEO da empresa. Morikawa afirma que essa estratégia tem dois objetivos principais, um deles é o ganho em preservação ambiental, o outro é se
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Produção orgânica de carne bovina no Pantanal, em parceria com WWF e ABPO, vem da criação de cooperativas e de pequenos e médios pecuaristas
Para Morikawa, CEO da Korin Agropecuária, um dos destaques da empresa é a forma como pensam, diferente dos demais exemplos de indústria 4.0 no setor
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Luiz Dematté, CEO da Korin Agricultura e Meio Ambiente: empresa já traz equilíbrio no próprio nome. Ao lado o frango orgânico, carro-chefe da produção agropecuária, e na página seguinte, a produção de tilápia
distanciar da concorrência. “Conseguimos uma solução com a retirada da farinha de animal, mas não resgatamos o frango para seu habitat. E como outras três empresas já nos copiaram, vamos para outro passo”, comenta. A matéria-prima dessa farinha é larva de mosca, criada em condições ideais, segundo o executivo, que trata logo de tranquilizar o público: “O gosto do frango que come essa farinha é o mesmo, eu já experimentei”. O fornecimento vem de uma parceria ainda embrionária, que deve seguir um movimento natural de verticalização, com uma possível sociedade. Outros projetos estão sendo desenvolvidos, como a produção de ovos preservando os machos, em fase adiantada de estudo. A Korin também deve entrar na onda dos alimentos plant based, mas planeja algo diferente. “Já nos perguntaram se iríamos lançar alguma carne à base de planta, seguindo o exemplo de muitas empresas com o hambúrguer. Temos a intenção, mas não vamos lançar uma 46
carne que lembre a morte de um animal, pois é um produto para um público que não quer essa referência”, explica Morikawa. PREÇO E VALOR Questão inevitável quando se fala em alimentos orgânicos é o preço final do produto. Para o CEO da Korin Agropecuária, qualquer discussão sobre caro e barato no setor precisa levar em consideração uma série de fatores. De maneira geral, Morikawa afirma que um alimento orgânico custará 30% a mais do que seu similar convencional. Mas a diferenciação de preços é condizente com as características do produto. “Se pegarmos os bovinos como exemplo, você vai ao supermercado e encontra uma carne de gancheira, sem marca e sem padrão, a picanha vai custar R$ 40 o quilo. Se for para as carnes com marca, embaladas a vácuo, esse preço sobe para uns R$ 55, mas ainda é standard. Agora, se for um produto específico, de gado com
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sangue taurino, um animal selecionado, harmonização leve de maturação, a vácuo, chega a uns R$ 80”, comenta. “Em qualquer uma dessas opções, se for orgânico, pode considerar mais 30%.” No caso específico da carne bovina, o preço mais alto ainda passa por outra questão que é o aproveitamento como um todo, inclusive dos subprodutos. Morikawa afirma que poderia até haver um custo menor se pudesse ser mais bem distribuído, como, por exemplo, se os consumidores também encontrassem uma bolsa de couro de boi orgânico, ou uma gelatina, uma geleia, tudo de boi orgânico. Foi por conta dessa análise que a empresa optou por trabalhar com carne moída, pois cortes que não são considerados nobres acabam não tendo a valorização compatível ao processo de produção orgânica. “Qual parte de um animal, que custou sua vida, não é nobre?”, questiona. Luiz Carlos Dematté Filho, CEO da Korin Agricultura e Meio Ambiente, unidade do grupo que produz bioinsumos, acrescenta que a produção orgânica, baseada no conceito da agricultura natural, coloca os custos nos seus devidos lugares. “Se na comparação direta de preços o alimento orgânico é mais caro, por outro lado o modelo convencional de agropecuária traz uma série de custos que não são relacionados
e a sociedade já está pagando”, explica, exemplificando que por ano o custo pela perda de biodiversidade chega a US$ 3 bilhões. Essa conta já vem mudando aqui no Brasil, país que tem uma biodiversidade enorme, pois os bioinsumos vêm ganhando cada vez mais espaço na produção agrícola, tanto orgânica quanto convencional, de forma integrada com insumos químicos. Prova desse avanço é o lançamento do Programa Nacional de Bioinsumos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), no dia 27 de maio deste ano. A VEZ DOS BIOINSUMOS Dematté é, certamente, um dos profissionais que mais celebraram o lançamento do Programa Nacional de Bioinsumos. Ele preside
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a Câmara Temática da Agricultura Orgânica, dentro do próprio Mapa, e teve envolvimento direto no desenvolvimento desse programa. “O Ministério da Agricultura entendeu e acatou nosso pleito sobre a necessidade de regular e normalizar a produção de insumos biológicos. É importante estabelecer um marco regulatório para criar um ambiente de segurança, até jurídica, para empresas que querem participar do negócio”, comenta. Durante a apresentação do programa, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, destacou o impacto que a bioeconomia já tem sobre a agropecuária brasileira, como o controle de pragas por meio de produtos biológicos em pelo menos 10 milhões de hectares e o uso de bactérias PLANT PROJECT Nº21
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Bioinsumos já são usados em 50 milhões de hectares de produtos agropecuários e movimentam algo próximo de R$ 1 bilhão por ano, segundo levantamento da Korin
promotoras de crescimento para as plantas no cultivo de mais de 40 milhões de hectares. Segundo a ministra, o aumento da utilização de bioinsumos traz significativos ganhos financeiros: “Muitos bilhões de reais poderão ser economizados”. A expectativa de Tereza Cristina é confirmada por Celso Moretti, presidente da Embrapa. “Em 2019, o Brasil economizou R$ 22 bilhões apenas com a fixação biológica de nitrogênio”, afirmou. Até a imagem do agronegócio brasileiro é revigorada a partir desse marco. “Uma fruta nacional que vai para o exterior com a informação de que houve controle biológico em sua produção é algo muito significativo. Estrategicamente, temos muito a ganhar com a expansão desse modelo de 48
produção, desses insumos e da produção sustentável”, afirma Dematté, que vê nessa relação positiva uma possibilidade até de amenizar ataques sofridos pelo agronegócio brasileiro em relação a diversos temas. E espera que essa condição seja de fato aproveitada, até pela expressiva biodiversidade do País. “Infelizmente, temos um histórico de perder o bonde, demorar para aproveitar as oportunidades. Nos falta ainda, por exemplo, recursos para melhorar a gestão de pesquisa e desenvolvimento, a relação com as universidades e a estrutura delas.” Embora o objetivo do Programa Nacional de Bioinsumos seja amplo, sua divulgação oficial traz como foco principal o aproveitamento do potencial da biodiversidade brasileira, seja para reduzir a dependência
dos produtores rurais em relação aos insumos importados, seja para ampliar a oferta de matéria-prima para o setor. Dematté concorda com os múltiplos benefícios do projeto e compartilha sua satisfação pessoal e profissional com a concretização do projeto. “Para nós que estamos envolvidos com esse segmento há muito tempo, com princípios e conceitos que estão arraigados em nosso trabalho, trata-se de uma grande vitória”, diz o executivo. Segundo ele, defender a agricultura orgânica tem sido bastante desafiador. “Éramos vistos como os radicais, o povo que bate bumbo na praça. Então, ver o reconhecimento do valor que isso tem é muito positivo”, comenta. “A gente não vê a agricultura apenas como um setor econômico, mas como
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parte da civilização humana, é construtora dessa civilização.” AINDA NA VANGUARDA Criada em 2018, a Korin Agricultura e Meio Ambiente já carrega no nome a responsabilidade com a produção agropecuária sustentável. Pioneira no desenvolvimento e no fornecimento de bioinsumos no Brasil, a empresa segue o alinhamento da holding com os conceitos da agricultura natural de Mokiti Okada. Essa ideologia tem sido disseminada pela Fundação Mokiti Okada e ganhou força com o trabalho científico do Centro de Pesquisa Mokiti Okada (CPMO), cujo conhecimento tecnológico também dá suporte à expansão da Korin. Dematté destaca o quanto esses princípios estão ligados ao DNA da cultura japonesa, levando em conta a produção de alimentos em consonância com a natureza. “A natureza não produz uma única molécula química para matar um inseto, não é inseticida, mas desenvolve funções que o controlam”, diz ele. “É muito importante a gente entender essa relação, e não para nos tornarmos ecochatos ou considerarmos o ser humano como praga, mas para saber conviver com ela”, acrescenta. Foi a partir dessa premissa que surgiram duas das principais linhas de produtos da Korin Agricultura e Meio Ambiente.
Uma delas, a Bokashi, traz um fertilizante natural desenvolvido a partir da fermentação de matérias-primas vegetais, como farelos de produtos orgânicos. O objetivo é otimizar a estruturação e a proteção do solo, garantindo maior potencial de evolução das plantas em harmonia com a natureza. O desencadeamento desse processo também se traduz em ganhos monetários, tanto pela maior produtividade quanto pela economia com a redução de problemas agronômicos. Dematté cita, por exemplo, que o solo bem estruturado favorece a presença de fungos nematógafos, que atacam os nematóides, grandes vilões da produtividade agrícola. Segundo dados da Sociedade Brasileira de Nematologia, o prejuízo anual no País gira em torno de R$ 35 bilhões devido ao ataque desses parasitas de difícil controle, pois são seres subterrâneos praticamente invisíveis a olho nu. A outra, Embiotic, traz um produto biológico que acelera a compostagem de sólidos orgânicos de processos agroindustriais, agrícolas e lixo doméstico. Há um aumento exponencial da atividade microbiana durante a fermentação e a compostagem que agrega velocidade e segurança à conversão da matéria orgânica em nutrientes, como ácidos orgânicos e compostos nitrogenados. Além
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disso, possibilita minimizar o impacto negativo que pode ser causado pelos poluentes que derivam dos resíduos orgânicos líquidos e sólidos. De acordo com um levantamento realizado pela própria Korin Agricultura e Meio Ambiente, o negócio de bioinsumos no Brasil movimenta por ano algo próximo de R$ 1 bilhão, com crescimento de dois dígitos. A justificativa para tal expansão, segundo Dematté, é a crescente busca por soluções em um cenário de valorização de modelos sustentáveis de agricultura e de alimentos naturais e orgânicos. “Esse é um processo global que avança com muita força no Brasil”, afirma. O executivo é convicto, inclusive, de que em algum momento deixaremos de utilizar os insumos químicos, ou passaremos a utilizá-los em quantidades muito pequenas, comparado ao que acontece hoje. “Tanto que grandes agroindústrias estão colocando um pezinho nessa canoa. Claro que isso não vai acontecer da noite para o dia. E não é só uma questão de oferecermos os insumos, pois depende também da natureza para que sejam aproveitados. Nas áreas em intenso processo de degradação ou desertificação será mais difícil”, explica. Mais do que uma troca de ferramentas, será necessária uma revisão de conceitos. PLANT PROJECT Nº21
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TEM BIOLÓGICO NA HORTA Com baixa toxicidade, os bioinsumos são aliados do agricultor na lavoura e atendem à demanda da sociedade por frutas e verduras produzidas com baixo impacto ambiental
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Uma pesquisa realizada em 2019 pela consultoria Euromonitor Internacional indicou o consumo consciente como uma das principais tendências para o mercado de alimentos nas próximas décadas. É um conceito amplo, com várias implicações, da lavoura à mesa. Segundo o estudo, os consumidores buscarão cada vez mais produtos de origem rastreada, cultivados sem agressão ao meio ambiente e dentro de padrões mais rigorosos de saudabilidade. Para a imensa cadeia da horticultura, a tendência traz uma série de desafios que precisam ser enfrentados em curto prazo. O maior deles é demonstrar que o uso de insumos, tão necessário para a obtenção de produtividades maiores, pode ser feito de forma cada vez mais segura e sustentável. .Atenta a essa tendência e aos desafios dos produtores, a indústria de defensivos agrícolas tem oferecido respostas efetivas. Uma das mais relevantes é o investimento em produtos biológicos, cuja utilização está em franca expansão. Só o segmento de defensivos biológicos movimentou R$ 675 milhões em 2019, um salto de 31% em relação ao ano anterior, segundo dados da Croplife, entidade que reúne indústrias e associações de vários setores do agro. Hoje, o Brasil tem 79,2 milhões de hectares plantados de acordo com o IBGE. Deste montante, 20 milhões de hectares são tratados com biodefensivos, segundo a indústria da área. “Até 2015 existiam apenas 107 registros. Em 2019, foram registrados 43 produtos e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) já concedeu 28 registros até junho deste ano”, diz Amália Borsari, diretora executiva de Biológicos da Croplife Brasil. Para Giampaolo Buso, presidente do conselho da PMA Brasil, associação de produtos agrícolas frescos e flores, “é um caminho necessário, extremamente relevante e sem volta”.
Em maio passado, o Mapa lançou o Programa Nacional de Bioinsumos para impulsionar o uso desses recursos na agropecuária brasileira. A expectativa é de que o setor ganhe musculatura com a nova política governamental. De acordo com Mariana Vital, coordenadora do programa de Bioinsumos do Mapa, a iniciativa é uma resposta à demanda da sociedade. “Em especial, a dois públicos: consumidores e produtores rurais que buscam por insumos e produtos de menor impacto econômico e ambiental”, diz. Produtos frescos, como frutas e verduras, estão entre os maiores beneficiados pela nova política. Eles são cada vez mais consumidos – segundo ranking da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), a participação da categoria no faturamento das redes saltou de 8,2% em 2018 para 9,1% no ano passado. Mas são também os hortifrútis os que mais recebem atenção dos consumidores em relação à presença de resíduos químicos. Os produtores, por sua vez, dependem de insumos para protegê-los de pragas na lavoura e até mesmo para ampliar a sua aparência e qualidade após a colheita e nas prateleiras do varejo. Os bioinsumos surgem como soluções que atendem às demandas aparentemente inconciliáveis de horticultores e consumidores. Um bom exemplo é o Eco-Shot, o fungicida biológico voltado à hortifruticultura desenvolvido pela Ihara. O produto tem por diferencial ser o único biológico no mercado com registro para uso em pós-colheita. Isso significa que ele pode ser usado até mesmo no dia da colheita do alimento e também no tratamento pós-colheita no packing house, por não demandar um intervalo de segurança entre a aplicação e o consumo. Além de proteger a planta de fungos, o Eco-Shot prolonga o PLANT PROJECT Nº21
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No Brasil,
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tempo de prateleira das frutas, verduras e hortaliças e não tem impacto algum nos limites máximos de resíduos permitidos, nem restrição para exportações. O potencial de produtos como esse é imenso. Ele pode ser aplicado em diferentes culturas e climas, atendendo a produtores de todo o Brasil. “O Norte é a região que tem menos produtores. Já o Nordeste é importante na produção de frutas para exportação. O Sudeste tem vários cinturões verdes de produção de verduras e o Sul é um grande player de batata e cebola”, diz Marina Marangon, analista de mercado de HF do Cepea. Os dados do segmento são bastante pulverizados, mas só para se ter uma ideia, o tomate de mesa – principal hortaliça produzida no país – é cultivado em cerca de 50 mil estabelecimentos rurais de acordo com o IBGE. O empresário José Nelson Mallmann é um dos grandes produtores. Ele tem 700 hectares de lavouras de tomate de mesa espalhados em propriedades em São Paulo e Minas Gerais. Grande entusiasta dos bioinsumos, o agricultor começou a usá-los há oito anos. “Onde posso, uso biológicos para controlar pragas e doenças. Só uso químicos em situações extremas”, diz o proprietário da Tomates Mallmann e presidente da Comissão Nacional do Tomate de Mesa (CNTM). O próximo passo é tentar agregar valor ao produto. “Estamos 52
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começando a levar a informação de como o tomate foi produzido para o consumidor, o supermercado, até pouco tempo, só via preço”, diz. Por ser um país tropical, o Brasil tem a vantagem de ter duas, em algumas regiões, até três safras por ano. Por outro lado, o mesmo calor que propicia uma colheita farta, quando associado à umidade, favorece a proliferação de fungos que podem causar perdas severas na lavoura. Neste contexto, ter um bom controle desses microrganismos é essencial para o agricultor fechar no azul. Em Farroupilha, no Rio Grande do Sul, o viticultor Valdecir Magnaguagno utiliza o Eco-Shot para combater o mofo cinzento. “Eu usei quando os cachos começaram a aparecer, o produto limpou bem e segurou mais a uva, ficou uma fruta bem melhor”, diz. Já o agricultor Manoel Bastos, que planta hortaliças em América Dourada, na Bahia, constatou melhorias no aspecto do alimento colhido. “A cebola ficou mais firme, mais saudável”, explica.
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FILHOS PRÓDIGOS Com novos negócios e tecnologia, jovens herdeiros revitalizam a tradição familiar no campo Por Felipe Porciúncula
Bento Mineiro e os queijos da Pardinho: lucros com a realização de um antigo sonho do pai 54
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diálogo nem sempre é pacífico. Os conflitos de geração, inevitáveis. Com o equilíbrio certo entre tradição e inovação, entretanto, cada vez mais jovens herdeiros têm conseguido ampliar o horizonte dos negócios rurais de sua família. Quando assumem postos de comando, divergir dos pais não é fato raro. Assim como não é incomum que, com o espírito e ideias renovados, tragam ganhos de rentabilidade. “É importante que o filho agregue novos valores para que o patriarca não o veja apenas como a sua continuidade. Quem está chegando precisa complementar a operação da fazenda antes de ser o sucessor. Ao sentir que o futuro dono conhece de gestão, o antigo dono sente firmeza em passar o bastão”, analisa Denis Arroyo Alves, sócio da consultoria Markestrat Group. Em vários segmentos é possível ver
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avanços quando a tecnologia é aliada à experiência, criando até novos nichos. Esse foi o caso de Mateus Belei, que, juntamente com o irmão Henrique, assumiu, em 2011, a empresa agrícola Agro Cana Caiana. Para aumentar a produtividade, mudaram o sistema agrícola ao perceber que boa parte do ganho ia por terra em função de práticas equivocadas no manejo da produção. “Na hora de plantar acontecia muito pisoteio no solo, o que reduzia o potencial de crescimento. Começamos a estudar as opções tecnológicas disponíveis e chegamos a um modelo de adaptação do caminhão, mais apropriado que o trator, para fazer o plantio”, conta Mateus (leia quadro na pág. 60). Como notícia boa se espalha rápido, outros produtores (inicialmente de cana) começaram a se interessar pela novidade. O resultado é que, logo no primeiro ano, foram solicitados a adaptar veículos de terceiros.
A inovação deu origem a uma empresa de tecnologia para o agronegócio, a Grunner Tec, especializada na produção de caminhões equipados com direção autônoma, georreferenciamento e bitolas ajustadas para eficaz controle de tráfego nas lavouras. O bom desempenho dos veículos adaptados – que substituíram, com vantagens, tratores mais pesados no trabalho de transporte da cana durante a colheita – atraiu a atenção da Mercedes-Benz, que firmou parceria de exclusividade com a Grunner para aportar a tecnologia em caminhões da marca. Em 2019, a associação resultou em 50 caminhões adaptados. Para 2020, a meta é chegar aos 120 – entregues com garantia de assistência técnica da grife alemã, além do financiamento do Banco Mercedes-Benz. “Estamos presentes em quatro estados e com um potencial de crescimento até para fora do Brasil”, diz Mateus. “Queremos ir com calma para conseguir atender com qualidade toda a demanda do mercado, que, além do segmento da cana, já abrange vários
setores agrícolas.” O jovem segue, assim, a trilha aberta pelo pai, José Armando Belei, que ainda jovem transportava trabalhadores para as lavouras da região de Lençóis Paulista, no centro-oeste de São Paulo. Em seguida, Belei começou a carregar cana para as usinas. Iniciou operando com um caminhão, passou a contratar veículos de terceiros e estabeleceu uma pequena frota de prestação de serviços no transporte de cana. Em 2003, novo desafio mudou o rumo de seus negócios: recebeu o convite para se tornar um produtor de cana, em terras arrendadas pelo grupo Zilor, no sistema de parceria agrícola. No princípio dessa nova etapa cultivava cerca de 1,2 mil hectares. Hoje a Agro Cana Caiana planta 5 mil hectares de cana.
Mateus Belei, da Grunner Tec: solução caseira para lavoura gerou negócio e parceria com a Mercedes-Benz; à dir., Bento Mineiro com animais das Fazendas Sant’Anna
DA CARNE AO QUEIJO Bento Mineiro seguiu roteiro semelhante, mas no universo da pecuária. Filho de Jovelino Mineiro, dono da Fazendas Sant’Anna, uma grife na genética das raças Nelore, Brahman e Gir Leiteiro, ele está à frente dos negócios desde 2014, também ao lado do irmão. A PLANT PROJECT Nº21
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empresa tem tradição em investimento em criação de animais a partir de um pacote tecnológico que inclui genética, manejo, pastagem e sanidade animal. O rapaz deu um novo tempero a essa fórmula. “Para atrair a atenção dos fazendeiros para nossa genética Gir, que já era comercializada pelo meu pai, resolvemos realizar um velho sonho: fazer queijos sofisticados com o leite cru”, conta Bento. “Para a nossa surpresa, o que seria uma vitrine virou um grande negócio.” As lições que recebeu de Jovelino foram aplicadas na produção de queijo. Ao pesquisar a fundo as características do leite do Gir, Bento descobriu que tinham um “ouro em pó”. Por sua riqueza, era possível produzir um queijo mais sofisticado, a partir de técnicas desenvolvidas na França. A prova é que a marca da família, a Pardinho, gerou iguarias como os queijos Cuesta, Cuesta Azul e Mandala, que já ganharam prêmios internacionais como o Mondial du Fromage, realizado em Tours, na França – o Cuesta levou 58
Super Ouro e o Mandala, Prata. O negócio cresceu tanto que hoje é distribuído em lojas especializadas e supermercados. “A paixão do meu pai pela pecuária resultou em um foco especial no segmento e trouxe contribuições estruturais, sobretudo em proporcionar uma liberdade na disponibilização de genética bovina, sempre visando propiciar soluções para a produção de carne nos trópicos. O perfil inovador nos negócios, aliado a uma visão de mundo singular e capacidade de executar projetos à frente de seu tempo, é a marca da atuação de meu pai e fruto de muito orgulho e constante aprendizado por mim”, lembra Bento. Pensando em suprir a demanda da pecuária dos trópicos, a meta do grupo agora é expandir para a produção de embriões prontos para serem fecundados, voltados ao mercado internacional, através da empresa Zebuembryo, com sede em Uberaba (MG). “A proposta é que, assim como o Brasil é o líder em carne bovina
no mundo, possamos consolidar uma marca de ponta na tecnologia de reprodução de gado”, diz. UM BRINDE À SUCESSÃO É de Minas também que vem um outro exemplo de excelência que combina perfeitamente com os queijos Pardinho. Trata-se do Vinho Maria Maria, batizado em homenagem a uma canção de Milton Nascimento e produzido perto da Serra da Mantiqueira, no sul do estado. “Tudo começou quando tive um enfarte e precisei mudar de vida. Um dos conselhos do médico foi começar a tomar vinho. E falei, por que não?”, lembra Eduardo Junqueira Jr., da quinta geração de uma família de cafeicultores da Fazenda Capetinga, em Três Pontas – cidade onde nasceu o compositor. A família já produzia café arábica há muitos anos em sua propriedade. A diversificação começou com o pai, Eduardo Junqueira Nogueira, que introduziu a produção de leite na fazenda e chegou a ter uma vaca holandesa recordista
sul-americana de produção leiteira, com mais de 60 litros por dia. Depois, com o objetivo de melhorar a produção do gado, introduziu o milho para a silagem. Foi apenas mais recentemente que Eduardo Jr. passou a aproveitar as suas viagens à Europa, onde participava de feiras internacionais de café, para conhecer vinícolas importantes. “A história clareou quando encontrei o estudioso Murilo de Albuquerque Regina, com pós-doutorado em Bordeaux, na França. Ele tinha pensado um sistema de plantio adequado ao clima do sul de Minas, muito semelhante a algumas regiões produtoras de vinho da Europa”, lembra. Em 2009, depois de muitas conversas, foram plantadas 20 mil mudas de espécies vitivinícolas na Capetinga. “O segredo está na dupla poda, que é feita duas vezes por ano, e na colheita, que acontece no período seco, em julho e agosto, para aproveitar os dias longos ensolarados e as noites frias. Dessa forma, conseguimos extrair uma uva de melhor qualidade”, explica o produtor, amigo de infância do compositor homenageado em seus rótulos. A chegada da sexta geração aos negócios trouxe uma outra novidade para a fazenda: sofisticou o modo sustentável
de produzir. Recém-formado em agronomia na Universidade Federal de Lavras (MG), Eduardo Junqueira Neto, além de ser responsável pela degustação dos vinhos, implantou a adubação biológica, hoje toda produzida na própria fazenda, além de gerenciar a gestão de energia fotovoltaica. “Aqui tudo só melhora e mesmo na pandemia não paramos a produção. Como no campo há pouca circulação de gente, o que sentimos foi na venda de alface americana, mas no resto está tudo normal. E os vinhos ficam até melhores”, lembra Eduardo Junqueira, que agora tem uma saúde de ferro.
Os queijos da marca Pardinho e Henry Sako, da DataFarm: tecnologia de olho na raiz
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Os Prêmios dos Vinhos Maria Maria • Bel Sauvignon Blanc 2015 - Bronze Decanter 2017 • Bia Syrah 2015 - Melhor Vinho Tinto Vini Bra Expo 2017 • Diva Sauvignon Blanc 2016 - Recomendação Interntional Wine Challenge 2018 e Ouro Brazil Wine Challenge 2018 • Diana Syrah 2017 - Prata Decanter 2019; Ouro Wine of Brazil Awards 2019; Vinho Revelação Guia Adega Vinhos do Brasil 2019/2020 90 pontos; 89 pontos GPVB 2019
• Elis Sauvignon Blanc 2018 - Bronze Decanter 2019; Ouro Wine of Brazil Awards 2019; 89 pontos Guia Adega 2019/2020; 89 pontos GPVB 2019 • Cristina Syrah 2016 - Recomendação Decanter 2019; Ouro Wine of Brazil Awards 2019 91 pontos; Ouro Grande Prova Vinhos do Brasil 2019 • Sous Les Scaliers - Prata Decanter 2019; Gran Ouro Wine of Brazil Awards 2019; Ouro XI Concurso do Espumante Brasileiro; 88 pontos Guia Adega 2019/2020; 89 pontos GPVB 2019
Transporte com economia Os caminhões georreferenciados, com direção autônoma e adequação de bitolas, substituem com vantagem os tratores na colheita e aplicação de insumos. Mais leves e ágeis, têm menor custo de operação e maior produtividade. Segundo a Grunner, os veículos são adequados para os setores canavieiro, de grãos, florestal e também para a mineração. A empresa, cuja montadora em Lençóis Paulista foi implantada há um ano, produz três modelos de equipamentos: a série ATR, para transbordo de cana na operação de colheita, e as séries ASP e ADS, para
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aplicação de insumos líquidos e sólidos, respectivamente. As bitolas mais largas do Grunner|MB são adaptadas ao espaçamento da lavoura, preservando a área do canteiro de plantio. Na operação de transbordo de cana, o consumo de combustível do Grunner|MB em litros por tonelada de cana colhida é, em média, 37% menor em comparação ao trator operando nas mesmas condições de transbordo. Com o tráfego controlado, que evita o pisoteio da linha de cana, o ganho de produtividade é de 21%, em média, segundo a Grunner. Com a maior produtividade,
aumenta-se a longevidade do canavial em pelo menos um ano por ciclo, ou seja, de cinco para seis cortes. O custo de manutenção de um trator utilizado na operação de transbordo é, em média, de R$ 25mil/ano. O custo do Grunner|MB, na mesma operação, é de R$ 15mil/ano, ou seja, 40% menor. Uma usina de tamanho médio, com moagem de 3,5 milhões de toneladas de cana por safra, que utilize equipamentos Grunner|MB em sua frota de transbordo, obtém ao longo do ciclo de seis anos do canavial uma economia de R$ 21 milhões.
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Os Eduardos, duas gerações da família Junqueira: das viagens à Europa trouxeram o sonho de produzir vinhos premiados em Minas
RAÍZES QUE LEVAM LONGE Foi também com o pai, Roberto Shiniti Sako, que o jovem agrônomo Henry Sako aprendeu a observar as plantas. “Nos anos 2000, meu pai manejou campos de batata com raízes de até 1,2 metro de profundidade, o que melhorou bastante a produção”, conta Henry. “A maior lição que ele deixou foi observar o plantio com inteligência e precisão”, lembra Henry. As lições continuaram na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq/USP), onde o jovem aprofundou seus conhecimentos sobre como o correto enraizamento pode aumentar a produtividade das culturas. “A raiz é o seguro do produtor”, afirma Henry. “Muitas vezes temos lavouras com tratamento semelhante na parte aérea, mas com grande diferença de produtividade,
apesar de estarem na mesma região. A origem dessa diferença está no solo e nas raízes.” A combinação de enraizamento com outros fatores com o objetivo de buscar altas produtividades estão no DNA do negócio que o engenheiro agrônomo criou há três anos. Desde 2014, quando recebeu um convite do Comitê Estratégico Soja Brasil (Cesb), ele passou a aplicar suas técnicas de manejo de solos em lavouras do grão. O objetivo inicial era fazer as produtividades médias saltarem de 60 para 90 sacas por hectare. “É importante entender que a raiz da soja pode chegar a até 3 metros de profundidade e nossos solos precisam ter sua fertilidade corrigida para as raízes poderem explorar esse perfil de solo”, explica Henry. “Calcário de boa qualidade, dose
certa, uma adubação adequada e equilibrada, associação de plantas de cobertura propiciam a construção da matéria orgânica, o que permite melhorar a infiltração e retenção de cada gota de água que o solo recebe, e isso vai possibilitar que, para cada gota de água, gere ao final maiores produções de grãos.” Em 2017, Henry levou seu conhecimento para o campo digital, fundando a DataFarm, uma plataforma de inteligência agronômica que auxilia no planejamento e na tomada das melhores decisões para levar alta performance às lavouras. Hoje ele e os sócios atendem mais de 700 mil hectares – a maioria de soja e milho – em vários estados brasileiros, no Paraguai e em alguns países da África. Prova de que ouvir os ensinamentos do pai pode levar bem longe. PLANT PROJECT Nº21
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Engenho de açúcar, de Johann Moritz Rugendas: a obra do pintor viajante alemão mostra a divisão do trabalho no engenho, com o capataz dando as ordens
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RAÍZES VIGOROSAS Por mais de três séculos, a expansão agrícola no Brasil se apoiou em gerações de negros escravizados vindos da África, que continuaram à deriva após a Lei Áurea. Gigantes do agro têm se comprometido a reduzir o desequilíbrio social deixado por essa histórica Por Romualdo Venâncio e Luiz Fernando Sá
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agro que nunca para entrou com força na safra dos encontros virtuais. Durante a pandemia, o que não falta são lives e webinars sobre temas de produção agropecuária. Sem contar as inúmeras reuniões pela internet, ou meetings, que se tornaram tão corriqueiras. Chamou a atenção, porém, o fato de que nesses mais diversos eventos cibernéticos, quando surge o mosaico com a imagem dos participantes quase não se vê pessoas negras. Em um momento no qual tanto se discute a diversidade, em toda a sociedade, e no mundo, é de se questionar essa ausência, ou no mínimo se pensar a respeito. Nas últimas semanas, a reportagem da PLANT consultou fontes ligadas ao agro, e a reação era sempre semelhante – e até curiosa. Perguntadas se lembravam de alguma liderança negra no setor, levavam alguns segundos garimpando a memória e logo se surpreendiam com a dificuldade para citar um nome. Na maioria dos casos, frustravam-se com a busca em vão.
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Como referência histórica, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), por exemplo, que recémcompletou 110 anos, foi criado por um negro. O Mapa nasceu no dia 28 de julho de 1910, durante o governo de Nilo Peçanha, o primeiro presidente negro do Brasil – embora, por razões diversas, ele mesmo não se reconhecesse assim, como analisa o jornalista Eduardo Bueno, em seu canal do YouTube Buenas Ideias. Vice de Afonso Pena, Nilo Peçanha assumiu a presidência do País após a morte do titular, em 1909, ficando no cargo até novembro de 1910. A difícil ascensão de gente preta a posições de liderança persiste nos mais diversos segmentos econômicos. No entanto, há uma relação direta entre essa questão histórica e a produção agrícola. “A história do agro é baseada em divisão de classes, muito mais do que no meio urbano”, diz Antonio Carlos Moreira, jornalista com uma longa carreira no agronegócio e diretor do Instituto de
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Engenho manual que faz caldo de cana, de Jean-Baptiste Debret: o pintor francês retratou o trabalho dos escravos em 1822
Pesquisas e Educação em Saúde e Sustentabilidade (Inpes). “O campo sempre foi mais conservador.” No cenário social brasileiro, a representatividade dos afrodescendentes – pretos e pardos – não é compatível com o fato de serem mais da metade da população (55,8%, segundo o IBGE). Para entender como essa trilha adversa se estende até os dias de hoje, é preciso rever a trajetória dos negros no Brasil, que iniciou com milhões de africanos escravizados. “A chegada dos primeiros escravos cativos ao País se deve à necessidade de mão de obra para a cultura da cana, a primeira grande atividade econômica do Brasil, principalmente no Nordeste”, diz o jornalista e escritor Laurentino Gomes. “Onde houve cana, houve escravidão, que acompanhou o cultivo desde o Ceilão, na Ásia; depois na África; e finalmente nas Américas, sobretudo no Brasil”, acrescenta o autor de Escravidão – Do primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos Palmares, obra lançada no ano passado, primeiro volume de uma trilogia. O livro conta que o Brasil foi o maior território escravista do hemisfério ocidental, por quase três séculos e meio, e o destino de 40% dos africanos escravizados que desembarcaram na América – dos 12,5 milhões de cativos forçados a cruzar os oceanos
Atlântico e Índico, quase 5 milhões vieram para cá. Cerca de 1,8 milhão morreram no percurso. Esse tráfico de seres humanos teve início apenas 35 anos após a chegada de Pedro Álvares Cabral ao litoral brasileiro, em 1500, e segundo Laurentino era baseado em especialização de mão de obra. “Foram os negros que trouxeram da África a tecnologia agrícola colonial que ajudou a fazer do Brasil um grande produtor já nos séculos passados”, diz. O escritor aponta, inclusive, uma relação entre a origem dos escravizados e as atividades agrícolas em que iriam trabalhar ao chegar ao Brasil. Nos canaviais eram utilizados escravos de São Tomé e Príncipe e Cabo Verde, onde já havia conhecimento na produção. Maranhão e Pará, grandes produtores de arroz, receberam mais escravos vindos de Guiné-Bissau, Senegal, Serra Leoa e Costa do Marfim, regiões em que já se produzia o cereal. Para as lavouras de algodão no Nordeste, vieram negros de Angola e Congo.
Nilo Peçanha, o primeiro presidente negro do Brasil, e a Princesa Isabel, que assinou a Lei do Ventre Livre e a Lei Áurea
ABOLIÇÃO SEM LIBERDADE A Princesa Isabel foi a integrante do Brasil imperial que mais flertou com o abolicionismo. Assinou a Lei do Ventre Livre, em 28 de setembro de 1871, que decretava livres filhas e filhos de escravas que nascessem a partir daquela data, e a Lei Áurea, em 13 de maio PLANT PROJECT Nº21
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O escritor Laurentino Gomes (à esquerda) e o jornalista Antonio Carlos Moreira: concordância sobre o agronegócio e a divisão de classes
de 1888, que colocava um fim à escravidão – ao menos como prática legal. Ambas entraram em vigor em duas das três oportunidades nas quais a filha de Dom Pedro II assumiu as rédeas do império. Ela era apenas a terceira na fila sucessória do trono, mas avançou para a ponta com a morte de seus dois irmãos ainda na infância. Isabel era considerada uma herdeira “presuntiva”, nomeação que se dava à época para o caso de não haver opção melhor, o popular “é o que temos pra hoje”. Na prática, essas leis não eliminaram de fato o sofrimento do povo escravizado. Crianças nascidas libertas pela Lei do Ventre Livre eram entregues ao governo ou ficavam sob a responsabilidade dos senhorios até que completassem 21 anos. Para Marília B. A. Ariza, doutora em História Social pela USP, tanto nas cidades quanto nas fazendas não faltavam tarefas para essa mão de obra infantil, como escreve em seu artigo Crianças / Ventre Livre, no livro Dicionário da Escravidão e Liberdade, uma coletânea de 50 artigos organizada por Lilia M. Schwarcz, professora titular no Departamento de Antropologia da USP, e por Flávio dos Santos 66
Gomes, professor do Departamento de História da UFRJ. Nas lavouras de grandes ou pequenas propriedades, se as crianças não tinham força suficiente para lidar com uma enxada, as mãos pequeninas eram ideais para recolher o café caído no chão e retirar ervas daninhas. O livro mostra ainda que a Lei Áurea passou longe da unanimidade. As elites brasileiras daquele período temiam, por exemplo, que se intensificassem conflitos questionando as hierarquias e os lugares sociais e raciais que alicerçavam a sociedade, como diz Walter Fraga, professor adjunto da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), em seu artigo “Pós-abolição; o dia seguinte”. Passada a ressaca da celebração, os negros se depararam com outro obstáculo: o que fazer com a liberdade que não vinha acompanhada de nenhuma política de inclusão? Uma das poucas opções para um povo até então tratado legalmente como mercadoria, que não sabia ler nem escrever, era ser empregado de seus antigos donos. Bem antes do histórico 13 de maio, a elite latifundiária já vinha tomando medidas para
impedir que negros tomassem posse de terras. A Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, por exemplo, dificultava que negros, até então escravizados, e mesmo imigrantes se tornassem donos de áreas rurais. A chamada “Lei de Terras” foi também uma reação à Lei nº 581, de 4 de setembro daquele mesmo ano, que proibia o tráfico de escravos e ficou conhecida como “Lei Eusébio de Queirós”, nome do então ministro da Justiça. O tráfico continuou internamente, com a maior demanda de escravos no Sudeste, para as lavouras de café, atividade em plena expansão. Laurentino Gomes diz que paralelamente ao esforço abolicionista houve uma política de “branqueamento” da população. “Foi a preocupação com o percentual de negros na população uma das molas propulsoras das políticas de incentivo à imigração de europeus, sobretudo católicos. Não havia necessariamente relação com conhecimento ou aptidão para agricultura”, afirma. Há que se ressaltar que o fim da escravidão não foi consequência somente dos conceitos humanistas da Princesa Isabel. Houve luta,
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Carlito herdou as terras da família, mas não o sistema de produzir leite. Preferiu a tecnologia, ganhou eficiência e qualidade
resistência, protesto e conflito. Um dos exemplos mais notáveis é o Quilombo dos Palmares, “o maior, mais importante e mais duradouro reduto de escravos fugitivos no Brasil colônia”, como descreve Laurentino Gomes em Escravidão. O grupo que vivia na Serra da Barriga – região que integrava Pernambuco e hoje pertence a Alagoas – teve seu fim após quase um século de resistência e a morte de seu líder, Zumbi dos Palmares, por ataques de expedições militares. Relatar com detalhes os capítulos dessa história sempre foi uma tarefa que exige muita dedicação, paciência e persistência, devido às dificuldades de se encontrar anotações preservadas sobre os períodos pré e pós-abolição. Sem contar que boa parte do material existente não foi escrita sob o olhar dos escravizados. O crescente interesse de pesquisadores pelo assunto, com a produção cada vez mais numerosa de estudos e publicações que podem ser mais fácil e rapidamente compartilhados, tem amenizado tal situação. Exemplo dessa disponibilidade de dados é o site www.slavevoyages.org, um memorial digital com informações sobre o comércio de
africanos escravizados, incluindo número de viagens – com origem e destino –, rotas das navegações, número de seres humanos traficados, entre outras. IMPACTO HISTÓRICO Por maior que seja a distância temporal do período da escravidão, a composição atual da posse de terras no Brasil ainda é influenciada pela diferenciação racial. Essa distinção é exposta em um detalhado e inédito levantamento feito pela Agência Pública, com base no Censo Agropecuário do IBGE (2017). As estatísticas mostram um número maior de produtores rurais negros (2,6 milhões) em relação ao de brancos (2,2 milhões), considerando os diferentes tipos de cultivo e extensão de terra. Mas, ao se comparar a posse por tamanho de área, os negros são maioria só até o limite de 5 hectares. E, quanto maior a extensão de terras, menor a chance de o proprietário ser um negro. Acima de 10 mil hectares, por exemplo, brancos representam 50,3% do todo, enquanto negros, apenas 12%. Em cinco estados – Ceará, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa
Catarina – nenhuma propriedade com tal dimensão pertence a fazendeiros negros. Carlito de Souza Filho faz parte do grupo de negros donos de terras até 5 hectares. Sua propriedade, o Sítio Boa Vista, tem 4,8 hectares, é dedicada à criação de gado de leite e fica em Quissamã (RJ). A região tem muitas famílias negras e já foi um núcleo de produção de açúcar, a princípio com engenhos dentro das fazendas e depois com usinas. “Minha família é nascida e criada aqui na cidade, vem de origem de gente que trabalhava nas fazendas. As terras vêm passando de geração para geração e, em muitos casos, como forma de pagamento”, conta o pecuarista. “Essa área, por exemplo, foi herdada do meu pai.” Carlito tem 42 anos, é casado, tem dois filhos e cinco netos, e mudou os rumos da produção de leite na família. A forma rústica de tirar leite com o bezerro ao pé da vaca, sem assistência, foi substituída por uma rotina com ordenha mecanizada, tanque resfriador próprio e monitoramento técnico do Programa Balde Cheio, da Embrapa Gado de Leite. A aplicação de tecnologia, assistida por Christie Garcia PLANT PROJECT Nº21
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Wellington (John Deere), Claudia (Corteva) e Mauricio (Bayer): gigantes do agro engajadas com a o movimento de inclusão
Barreto, técnico do Balde Cheio, ampliou as possibilidades. O trabalho iniciado em 2015, com a introdução do pasto irrigado, trouxe um impulso de produtividade e qualidade. Atualmente, com sete vacas Jersolando (cruza das raças Jersey e Holandesa) em lactação, o pecuarista consegue uma média anual acima de 6,6 mil litros por hectare. A produção vai toda para a Cooperativa de Conceição de Macabu. Esse cenário do campo está mais distante do olhar da sociedade como um todo, até porque não faz muito tempo que a população urbana passou a se interessar mais por outros temas da agropecuária que não fossem preservação ambiental, transgênicos e defensivos agrícolas. Por outro lado, gigantes multinacionais do setor vêm mostrando que a questão racial é uma prioridade. Melhor, o tema “respeito à diversidade” entrou na pauta de todos os dias. TALENTO E OPORTUNIDADE Maurício Rodrigues, diretor de Finanças da Crop Science Latam Bayer, teve igualdade de condições para competir no mercado de trabalho e alcançar um cargo executivo nesse patamar. “Tive a sorte de ter pais que quebraram o ciclo comum às famílias negras. Meu pai, formado em engenharia mecânica, e minha mãe, em direito, deram uma condição melhor para os filhos”, conta.
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“Isso não me impediu de sofrer com o racismo, como quando alguém não acredita que posso ser o gestor de uma área ou quando me sinto deslocado por ser o único negro em um grande grupo de executivos.” Engajado no combate ao preconceito, Maurício se dedica a fortalecer a inclusão social dentro da companhia. É o caso da iniciativa BayAfro, da qual é patrocinador. Como facilitador do grupo junto a outras lideranças, promove a atração e a manutenção de pessoas negras no quadro de colaboradores, e acredita ser importante aumentar o pool de candidatos negros, assim como de outras minorias (em termos de representatividade). “Temos uma parceria com a consultoria EmpregueAfro que nos assessora bastante nessa atração e na retenção de profissionais”, diz. De maneira geral, companhias globais lidam com uma diversidade maior de etnias. Por isso a John Deere conta com grupos de funcionários que debatem temas multiculturais e de etnia para promover o valor que todas as culturas oferecem à organização. Em relação a pessoas negras, foi criado o Black Employee Resource Group, com o intuito de realizar discussões e alavancar a cultura de inclusão. “A John Deere possui métricas e objetivos na área de atração de talentos e, para 2025, pretende alcançar 25% de pessoas negras na organização na América
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Jeffrey, da Fesa Group, destaca o valor dos jovens talentos das periferias, como Richard, que hoje cursa engenharia florestal
Latina. Atualmente, são 19%. Em cargos de liderança, hoje são 8% e a meta é chegar a 10%”, afirma Wellington Silverio, diretor de Recursos Humanos da empresa para a América Latina. A Corteva Agriscience também tem a diversidade como fator relevante na seleção de profissionais. “Desde o início deste ano, 47% das novas contratações da Corteva no Brasil foram de negros, pardos, mulheres e pessoas com deficiência”, afirma Claudia Pohlmann, diretora de Recursos Humanos para a Corteva Agriscience América Latina. “Estamos comprometidos em contratar e incluir negros em todos os níveis da organização, tanto que assinamos a Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial, da Sociedade Afrobrasileira de Desenvolvimento Sociocultural (Afrobras), que estabelece metas e cronogramas específicos para aumentar a participação de negros na companhia”, acrescenta. A empresa tem uma parceria com a Faculdade Zumbi dos Palmares para oferecer a oportunidade de início de carreira a jovens negros. Essa construção de pontes entre jovens talentos e
oportunidades profissionais nas grandes companhias, com destaque para o agronegócio, é algo que há muito tempo está na rotina de Jeffrey Abrahams, sócio da Fesa Group. A empresa conta com um braço social (C.R.O.M.A) sem fins lucrativos, que apoia projetos de transformação social e de formação profissional com foco em jovens a partir de 16 anos, estudantes de escolas públicas e de baixa renda em risco social. “Nosso papel, como líderes, é trazer pessoas que tenham vontade e talento, e não só das grandes universidades. Tem muita gente pelas periferias com perfil profissional excelente que precisa de apoio, de uma oportunidade”, diz Jeffrey, que costuma fazer pessoalmente essa busca de talentos nas comunidades para o projeto de mentoria dentro do C.R.O.M.A. Foi assim que Jeffrey conheceu Richard Alexandre Cintra Gallo, jovem nascido no Itaim Paulista, bairro periférico da Zona Leste da capital paulista, e que hoje, aos 20 anos, cursa engenharia florestal na Universidade Tecnológica Federal do Paraná, na cidade de Dois Vizinhos. “Vou poder
trabalhar na área urbana, com legislação, ou no meio rural, com projetos de silvicultura”, comenta Richard sobre suas possibilidades, que na verdade já estão em prática. “Sou o diretor de projetos na empresa júnior da faculdade, a UT Florestal, onde desenvolvemos vários projetos de arborização e silvicultura que podem ser aplicados na cidade e nos arredores.” Richard reconhece que dificilmente viveria essa experiência acadêmica, ainda mais ligada ao agro, sem o apoio da família, do próprio Jeffrey e de outras pessoas e instituições. Mesmo com seu perfil empreendedor nato. Jovem afrodescendente e de origem humilde, nasceu e cresceu distante das oportunidades e com pouco contato com a natureza, o que o estimulou a criar um projeto de horta urbana na laje da própria casa e, depois, replicá-lo na escola. “Passei minha adolescência querendo ir para a área de agronomia ou engenharia florestal”, conta. Essa visão e a postura diferenciada foram sendo lapidadas pelas vivências que teve na Uneafro, ONG que ajuda jovens periféricos a estudar, e na PLANT PROJECT Nº21
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Estudo desenvolvido pela Agência Pública com base nos dados do Censo Agro 2017 / IBGE Proporção de negros e brancos por área do estabelecimento agropecuário no Brasil
organização social Gerando Falcões, que atua em periferias e favelas. “Uma coisa muito importante no Gerando Falcões é que a gente entende o impacto das diferenças sociais, mas também aprende que não pode ficar parado, precisa ser proativo e correr atrás.” MULHERES NEGRAS “Quando entrei no agro e só via gente branca, me perguntava por que não tinha negro dono de terra. Aí fui estudar sobre a história da África, do Brasil e da escravidão.” A afirmação é de Julianne Caju, jornalista da Fundação de Apoio à Pesquisa Agropecuária de Mato Grosso 70
(Fundação MT), que mora e trabalha em Rondonópolis há quase 16 anos. Caju também é professora do ensino técnico em comunicação. “Não faço parte de nenhum movimento negro, mas tenho lido muito sobre suas ações, e o que buscam é que a gente converse, discuta e abrace essa questão. O racismo precisa ser discutido e tratado como problema de fato.” Bisneta de escrava, Caju conta que sua mãe não costuma se sentar à mesa para comer com a família, consequência dos tempos de serviçal. “Minha avó teve 12 filhos e as mulheres, ainda crianças, já iam trabalhar na ‘casa grande’”, diz, explicando o
comportamento de sua mãe, reflexo do racismo estrutural fortemente arraigado em nossa sociedade. “Por isso insisto tanto que a gente estude, leia mais, para entender o racismo estrutural, como certos discursos e brincadeiras que acabam fomentando tudo isso.” Foi esse gosto pelo estudo e pela pesquisa que levou Caju a fazer mestrado em Educação, o que só intensificou seu entendimento sobre as diferenças raciais, ao mesmo tempo que reduziu sua crença na meritocracia. “Olhando pela minha família, entre pais e tios, tudo, somos umas 300 pessoas. E por que só eu tenho mestrado?
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Os outros não querem, não conseguem, são preguiçosos? Claro que não! É porque existe mesmo uma diferença de possibilidades”, lamenta. O esforço dos pais para que ela e os irmãos estudassem em escolas particulares, com educação de melhor qualidade, foi decisivo para que alcançassem as melhores oportunidades. Valdeane Dias Cerqueira, supervisora do Núcleo Industrial do Instituto de Laticínio Cândido Tostes, tem cuidado semelhante com seu filho de 6 anos, que já está em uma escolinha particular. “Quando ele entrou, era a única criança negra”, conta a médica veterinária formada pela Universidade Federal da Bahia, que durante o primeiro semestre de faculdade também era a única pessoa negra no curso. “A grande maioria que passava na UFBA era gente de renda maior, com acesso às melhores escolas”, diz Valdeane, baiana nascida em Feira de Santana. A veterinária afirma que enfrenta preconceito pela questão racial e por gênero. Há cinco anos morando em Juiz de Fora (MG), conta que chegou ao Cândido Tostes para supervisionar uma fábrica onde 90% da equipe era de homens com faixa etária em torno dos 50 anos, um baita desafio para uma mulher com menos de 40 anos. “Sou muito determinada, se me passam um trabalho eu
realizo. E assim conquisto reconhecimento. Mas até hoje ainda ouço comentários de que a mulher não sabe fazer as coisas, não é inteligente. Isso dentro do setor de pecuária mesmo, e mais marcante no pessoal que tem um nível socioeconômico mais elevado”, diz Valdeane, que também tem especialização em Gestão de Qualidade pela Unijorge (Centro Universitário Jorge Amado) e mestrado em Biotecnologia pela Universidade Estadual de Feira de Santana. O incentivo para os estudos já vinha de casa. “Meus pais focaram muito na educação. Por já sermos de família humilde, queriam que superássemos isso por meio do ensino.” E foi o que aconteceu. Valdeane afirma ser a única negra na equipe de pesquisadores. “Fui privilegiada? Não, a educação fez a diferença, a minha base, ou não chegaria às posições que posso alcançar hoje.”
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Julianne Caju (à esquerda) e Valdeane Cerqueira: desafio duplo pelas questões raciais e de gênero
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ALK Com Fernando Degobbi
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Assista aos vídeos desta e outras as entrevistas na página da série Plant Talks. Use o QR Code para acessar.
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odos os anos, na virada de julho para agosto, a cidade de Bebedouro, no interior de São Paulo, ganha movimento incomum. É nesse período que acontece a Coopercitrus Expo, uma das principais feiras agropecuárias do País, organizada pela cooperativa sediada na cidade. Este ano, apesar das limitações impostas pela pandemia de Covid-19, a afluência foi ainda maior – mas totalmente direcionada aos computadores da Coopercitrus. Totalmente digital, a feira atingiu recordes de audiência e de volume de negócios, segundo o presidente da Coopercitrus, Fernando Degobbi. Desenvolvido em tempo recorde, o evento virtual foi apoiado em uma poderosa infra-
estrutura tecnológica construída pela cooperativa na última década, que a colocou na dianteira em vários processos de gestão e agricultura digitais – foi uma das pioneiras, por exemplo, na criação de um departamento de tecnologia agrícola e no uso de drones para pulverização de precisão. Entusiasta da inovação, Degobbi está há 15 anos na cooperativa, onde ocupou várias posições até chegar ao comando executivo. Nesta entrevista à série PLANT TALKS, ele conta como a cooperativa – uma das maiores do Brasil em número de associados – ajuda a difundir a digitalização na agricultura e, assim, trazer mais resultado aos produtores.
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FERNANDO DEGOBBI 52 ANOS, CASADO, DUAS FILHAS
DIRETOR PRESIDENTE DA COOPERCITRUS
ENGENHEIRO AGRÔNOMO FORMADO PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS (MG) MBA EM MARKETING PELA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS
Fazemos esta entrevista em uma semana especial para a Coopercitrus. O maior evento da cooperativa está acontecendo e, pela primeira vez, de forma digital. É uma transformação muito grande. Como avalia a experiência? É mais trabalhoso do que uma feira física, por incrível que pareça. Estamos fazendo exatamente no período em que ela tradicionalmente acontece. Seria a 21ª edição da feira física e queríamos fazer algo que permitisse o acesso dos cooperados, o acesso dos visitantes, que a gente sempre recebe de todo o Brasil, e também que as empresas pudessem expor. A gente se envolve muito em agricultura de precisão, em tecnologias digitais, as quais demonstramos na feira. Conseguimos um parceiro especializado em processos digitais que aceitou fazer
esse trabalho, e tomamos a decisão de fazer algo que fosse com cara de feira, e não um site de compras, algo plano que não desse nenhuma emoção, que não proporcionasse nenhuma experiência. Conseguimos entregar. Estamos no meio da feira e já são mais de 38 mil acessos, 9.380 pedidos que conseguimos efetivar on-line, mais de 100 conteúdos. Estamos recebendo mais visitantes do que na feira física, realizando mais negócios e conseguindo apresentar mais conteúdo também. É uma tendência que veio para ficar? Essa é uma cultura que você vai desenvolvendo. Faz dez anos que a gente investe em CRM, que temos processos de interagir com o cooperado à distância. Nós já temos um aplicativo, uma marca registrada nossa inclusive que se chama Cam-
po Digital. Ele permite ao produtor acessar demandas de serviços, como registros de análise de solo, baixar mapas de taxa variável de aplicação, baixar mapas de plano de voo de drone... Nós já temos mais de 50 mil propriedades georreferenciadas no sistema. Há mais de três anos que não tem catálogo de papel aqui e nem pedido de papel, é tudo através de dispositivos móveis. São mais de 450 profissionais da Coopercitrus ligados na plataforma de CRM. O que nós fizemos agora foi juntar toda essa inteligência, esse trabalho que foi feito durante todos esses anos, com a plataforma da feira. A experiência é 360, ela é 3D para todo mundo, e tem gente que está gastando horas lá. Tenho relatos de pessoas que não estão conseguindo ver tudo. Mas na hora de atender a demanda, o sistema é muito específico, tem que ter uma estrutura de suporte. Não dá ainda para fazer tudo 100% digital na plataforma. No sistema integrado, vocês têm informações sobre cada cooperado, o que ele costuma comprar? O sistema da feira já o reconhece, conversa também com esse sistema de gestão da cooperativa? Perfeitamente. Essa foi a grande sacada que possibilitou fazer todas as operações e que é legal, pois é um investimento de mais de R$ 2 milhões para deixar esta feira do jeito que ela ficou. Numa feira física, a gente investe em torno de R$ 1,8 milhão. Então, os investimentos foram até maiores. A gente acabou de fazer, em janeiro passaPLANT PROJECT Nº21
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Com Fernando Degobbi
do, o go live da mudança de ERP, com todo o apoio da SAP. Temos muitas atividades aqui. São mais de 150 CNPJs, revendas de insumos, concessões de várias máquinas, irrigação, parte de fábricas de rações, armazéns, citrus, café, são muitas unidades de negócio. Nós mapeamos mais de 1,2 mil processos quando nós fizemos essa mudança do ERP. Todo esse processo você não constrói do dia para a noite. Não é chegar, acordar e falar: “Eu vou fazer uma feira digital que vai funcionar, vou conseguir atender quem entra, eu vou ter um atendimento customizado”. Para chegar aí tem uma longa estrada, e a gente sempre apostou em tecnologia e investiu muito nas inovações que impactam nos resultados. Tivemos também sempre grandes parceiros, porque eu acho que ninguém consegue fazer nada sozinho. Se você não tiver uma estrutura que te apoie, que te dê suporte para realizar os projetos, eles não vão ter sucesso. Diante de tamanho investimento, como tem sido a adesão dos cooperados à tecnologia? É bastante interessante acompanhar a evolução do agronegócio. Para sair da agricultura 1.0 e chegar até a 3.0 – estamos falando da idade do cobre, que foi quando o homem começou a mexer com solo –, ao começo do século 20, quando o pesticida foi inventado, as primeiras máquinas e tratores começaram a ser inventados. Então, como aconteceu com tudo de tecnologia, houve uma lacuna enorme. E aí, viemos 74
A gente precisa desembarcar a inovação e a tecnologia nas propriedades.
muito rapidamente nos últimos tempos. A agricultura 4.0 trouxe a tecnologia de agricultura de precisão, plantas geneticamente modificadas... Agora eu vejo na agricultura 5.0, cada vez mais, uma aprendizagem profunda, algoritmos cada vez com mais complexidade e dando soluções cada vez mais precisas, uma robótica de ponta que vai entrar na agricultura. E eu coloco outro ingrediente aí, que eu acho muito importante, que é a sustentabilidade. A tecnologia vai fazer você usar os recursos de forma mais inteligente. Mas eu costumo dizer que a gente precisa desembarcar a inovação e a tecnologia nas propriedades. De que forma? Através de serviços. Você precisa oferecer quando o produtor precisa, principalmente para produtor de média e pequena escala. Normalmente, o primeiro a adotar a tecnologia de ponta é o grande produtor. Cabe à cooperativa o papel de ponte com o pequeno no processo de digitalização da agricultura? A gente tem vivido várias experiências interessantes aqui, e tem quebrado paradigmas, inclusive aquele que fala que o grande não precisa da cooperativa. Ele também precisa. Temos grandes cooperados que têm abandonado
projetos próprios, que exigiam muito tempo e recursos próprios, para usar serviços de tecnologia agrícola da cooperativa. Se você faz um projeto de plantio hoje, você consegue colocar, através dos algoritmos, 15% a mais de planta em uma mesma área. Consegue uma eficiência operacional para as máquinas 30% maior, mas precisa ter o piloto automático, as antenas receptoras do sinal de satélite. Tem que ser um especialista em algoritmo para colocar esse plano em prática e isso dá muito trabalho. Quando ele vê que a cooperativa montou toda essa estrutura, ele abandona e fala: “Não vou ter aqui gente dedicada para isso, porque eu não planto o ano inteiro, eu planto em um período, e é para isso que eu preciso”. O produtor está percebendo que vale a pena pagar para o serviço na hora que ele precisa. Antes o produtor não pagava pelo serviço. Pagava por aqueles ativos que ele punha a mão, tudo aquilo que realmente era imobilizado. E agora ele começa a perceber que, com a tecnologia, o serviço ganha muito valor. Um serviço de qualidade que entregue as coisas na hora que ele precisa e que impactem no resultado. É esse conceito que a gente precisa desembarcar com a tecnologia na propriedade. Como
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nós temos uma área muito diversificada, temos demanda o ano inteiro, o que viabiliza manter uma estrutura, o investimento que a gente tem para prestar serviços de tecnologia. Qual é o índice de adesão de tecnologia entre os 38 mil cooperados da Coopercitrus? No ano passado, nós atendemos 4.850 cooperados. Este ano, até julho, a gente já ultrapassou essa marca. Pretendemos chegar a 12 mil cooperados e estamos estruturando a cooperativa para atender todas as demandas que surgirem. A equipe já é bastante grande. Só de drone de pulverização a gente tem 18, todos eles com caminhão-baú, com calda, com jogo de bateria, com o técnico que vai aplicar. Investimos em caminhões para distribuir corretivos de taxa variável, então, o caminhão já vai com a carga. Às vezes é uma caçamba que já atende a demanda da propriedade. É uma logística rápida, você aplica à medida que o solo está precisando também. Trouxemos um cientista especializado que hoje trabalha exclusivamente no desenvolvimento de algoritmos. Depois a gente transforma em informação prática para poder ir lá solucionar problemas que o
produtor não está enxergando. Em número de atendimentos, nós passamos de 40 mil. Tem vários atendimentos que são feitos para o mesmo cooperado e isso realmente ocupa muito a nossa equipe. No ano passado, tínhamos 60 e hoje a gente já está com 110 especialistas na área de tecnologia. E em termos de área coberta por tecnologia agrícola, qual a porcentagem da área total? É mais do que o percentual de cooperados, porque a gente tem grandes produtores e usinas que estão usando nosso serviço também. Diria que hoje a gente tem praticamente 60% da área coberta. Para você ter uma ideia de como as coisas se conectam, tem uma grande empresa que tem uma plataforma que trabalha com telemetria, com sensores de campo, e que trouxe para a gente uma oportunidade de expandir esse trabalho deles. Nós somos já o primeiro do mundo. Nós fizemos o maior número de licenças e já cobrimos 2 milhões de hectares com esse programa, com esses sensores que são instalados nas máquinas para fazer a telemetria e fazer as informações do que está acontecendo no campo. Então, quando você começa a mostrar os benefícios que a tecnologia
e a inovação de impacto trazem para o produtor, vai abrindo para mais tecnologia, para mais soluções. A gente tem um lema aqui, que é “soluções integradas, resultados sustentáveis”. Ou seja, quanto mais integração de soluções, quanto mais parcerias com líderes dos segmentos no mundo e melhor organização, os resultados vão ser cada vez mais sustentáveis para o cooperado. Outras cooperativas vão buscar esse conhecimento tecnológico na Coopercitrus? Sim. A gente não guarda segredo aqui. Gostamos de divulgar, é o propósito cooperativista. Chegamos a receber aqui uma cooperativa do Sul que veio com 12 integrantes, toda a alta liderança passou o dia aqui com a gente querendo entender essas práticas, como avançar nesses processos. Teve inclusive grupos que pedem para a gente fazer uma espécie de franquia, porque é um aprendizado longo. A gente ajuda, mas obviamente o nosso foco é no nosso cooperado. Que tipo de benefício já é possível sentir nos primeiros meses de operação com o novo sistema de gestão da cooperativa? O primeiro ponto é que a gente precisa ter profissionais realmente competentes liderando determinadas áreas, com grande capacidade para poder promover e dar suporte a mudanças em toda a estrutura. As cooperativas são muito antigas em termos de idade PLANT PROJECT Nº21
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e de existência, o que é um sinal excelente. Mas não garante o futuro. Você precisa se transformar a todo instante. A dinâmica do mercado está cada vez mais acelerada e para isso precisamos de ferramentas muito boas de gestão. Este ano a gente deve faturar quase R$ 5,4 bilhões. Então imagine se eu não conseguir ter ferramentas aí que organizem tudo isso. Ficaria tudo muito difícil. A cooperativa é como uma empresa que tem milhares de sócios. Isso exige um nível de informação e transparência muito alto com este público? Este é o ponto. Nós temos aqui um canal de ética externo, nós temos uma regra de compliance muito rígida. Quando eu assumi, eu tirei a auditoria da parte executiva e levei para o conselho. Ali é o ambiente em que o cooperado vai entender as cobranças, vai entender a estratégia. O primeiro passo é não misturar as atribuições. Se eu tiver aqui os 38 mil cooperados vindo opinar, eu não consigo fazer a gestão da cooperativa. Agora, eu também tenho uma experiência que demonstra se você pode ter uma estratégia perfeita, mas se não tiver uma boa execução, ela 76
não vai te levar a lugar algum. Mas você ainda pode ter uma estratégia com alguns gaps que, se tiver uma boa execução, pode te levar muito longe. Então, ter equipe capacitada, desenvolver uma cultura organizacional que realmente reflita aquilo que a gente está buscando como visão da cooperativa é o ponto fundamental para ter o sucesso. E depois que você consegue toda essa estrutura, precisa ter as ferramentas para te dar possibilidade de avançar. Então, essa mudança de ERP, esse mapeamento melhor nos processos, essa transparência e esse compliance dão segurança para que se consiga avançar de forma sustentável e com resultados para o cooperado, que é o que a gente quer realmente no final do dia. No dia a dia do cooperado, como é que ele percebe esta evolução dos sistemas internos de gestão? Ele percebe principalmente quando consegue, através da cooperativa, melhorar o processo dele. A gente tem vários relatos. Outro dia recebi um vídeo, feito no meio do café, do produtor com a mulher e duas filhas, no Sul de Minas, bastante emocionante. Ele
dizia que quando entrou na Coopercitrus tinha 8 hectares de café, trabalhava com a família. Aí ele conseguiu acessar o barter, conseguiu fazer melhor os negócios com custos menores nos insumos e nos fertilizantes, taxas menores de financiamento também, orientação técnica e alguns projetos de tecnologia. Então, ele fala que no espaço de três anos conseguiu comprar mais 2 hectares de café. Estava muito feliz. E foi espontaneamente que gravou esse vídeo, mexeu muito com a gente aqui, no sentido de que o caminho é esse, a gente precisa fazer algo que traga melhores resultados. A gente já tem em média 2 mil produtores por ano nos últimos cinco anos que entraram na Coopercitrus. Isso é o maior termômetro que a gente tem aqui, porque você não vai achar nenhuma campanha na mídia buscando cooperados. Com tantas áreas distintas de negócio, os cooperados interagem com a Coopercitrus em várias frentes, que há alguns anos não estavam totalmente integradas. Hoje vocês conseguem fazer um retrato integral deste cooperado?
Patrocínio
Nós adquirimos inteligência, trouxemos cientistas para trabalhar na Coopercitrus. Tem um funil com uma boca enorme aqui para entender as coisas que podem agregar para o produtor.
Toda atividade cooperada é registrada aqui. Pelo aplicativo ele pode inclusive fazer consultas de coisas que ele tem a receber, serviços que vão ser executados, entregas de produtos, arquivos de projetos que ele já fez, isso tudo graças à tecnologia. Acabamos de assinar um contrato com uma grande empresa de inteligência de dados e agora queremos realmente passar para ter novas abordagens, entendendo os momentos para que isso seja feito via plataforma de uma forma digital, cada vez mais deixando a relação mais automática, mas sempre com foco naquilo que o produtor precisa. A gente não quer aborrecer ninguém com abordagens desnecessárias. Sabemos que, para ser assertivos, não podemos ficar dando tiro para todo lado. Tem muita gente falando de abrir plataforma de
venda digital para o Agro aqui no Brasil. Acho que isso é precipitadíssimo. A gente primeiro quer fazer uma plataforma de serviço, mostrar valor nos serviços que a gente pode prestar, e, então, entender realmente as demandas. Esse novo sistema usa inteligência artificial? Nós fomos procurados pelo vice-presidente desta empresa na América Latina, que percebeu na Coopercitrus um ambiente para avançar pensando na construção de valor. Fiz um curso em Tel Aviv em novembro passado. Naquele momento Israel tinha 7,8 mil startups. Destas, 480 voltadas para o agro. Há três anos, o índice de sucesso dessas empresas era entre 7,5 e 8%. No ano passado, estava em menos de 3%. Perguntei ao vice-reitor da faculdade as razões que acabam levando a ter menos sucesso. Um dos pontos que ele citou, que eu achei muito interessante, foi o fato de que muitas inovações estão vindo no momento errado e aí o mercado não embarca. Então, eu acho que o ponto, voltando àquele negócio de fazer as coisas por vaidade ou para você mesmo, para atender um desejo seu, algumas ações dessas, como, por exemplo, uma ampla plataforma de comercializar os insumos 100% digitais no Brasil, sinceramente, a Coopercitrus não vai fazer isso. A gente quer primeiro focar no nosso cooperado, dar atenção, dar um atendimento (customizado?), poder realmente oferecer valor, fazer com que os
nossos parceiros consigam ter também o que eles merecem em termos de resultado, senão, eles não conseguem investir. Então, é uma equação para você conseguir fechar, primeiro o cooperado precisa receber valor. O primeiro a receber valor de toda essa história é quem está lá produzindo. Então, todo mundo tem que desenvolver tecnologia, abordagens corretas, inteligência para entregar esse valor. A partir daí, você começa a entender como pode capturar algum valor, se não entregar, não vai capturar. Vocês têm um departamento específico para se relacionar com essas startups? Como é que vocês avaliam esse trabalho, ou as tecnologias promissoras, as que estão em tempo certo para usar a expressão que você mesmo usou? Nós temos um departamento de tecnologia agrícola com superintendentes especializados nisso. A gente tem alguns NDAs (acordos de confidencialidade) assinados com empresas importantes e empresas que estão começando. Nós adquirimos inteligência, trouxemos cientistas para trabalhar dentro da Coopercitrus. Então tem uma porta muito grande, tem um funil com uma boca enorme aqui para entender as coisas que podem agregar para o produtor. Nós já somos reconhecidos no mercado como um local que consegue lá na ponta ver se as coisas fazem sentido ou se elas causam algum impacto positivo. PLANT PROJECT Nº21
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“O confinamento tem ensinado que romper barreiras e desconfianças com o mundo digital é mais do que necessário. “
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Ideias e debates com credibilidade
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OS IMPACTOS DA TRANSFORMAÇÃO DIGITAL E A ACELERAÇÃO DOS PROCESSOS TECNOLÓGICOS NO AGRO POR PEDRO LEAL NOCE* Ninguém sabe ao certo o que acontecerá depois que a pandemia de Covid-19 terminar. No entanto, já percebemos alguns apontamentos e não há dúvida de que teremos uma sociedade mais digital, tornando-se, na prática, uma sociedade muito mais conectada. Muito além das reuniões por videochamada que já se tornaram hábito durante a quarentena, este período tem servido como uma potente mola propulsora na aceleração dos processos de transformação digital nas empresas, mercados e principalmente na comunicação entre as pessoas. Soluções digitais têm sido impulsionadas à medida que se revelam eficazes para endereçar os mais variados desafios que a crise impõe a todos. O confinamento tem ensinado que romper barreiras e desconfianças com o mundo digital é mais do que necessário. Na prática, a digitalização tornou-se aliada e nos mostrou como custos de transação podem ser significativamente reduzidos e ganhos de produtividade aumentados a partir do uso mais intensivo e inteligente de mecanismos digitais. Nas empresas, o isolamento imposto pela pandemia acabou por acelerar a implementação das atividades em home office, garantindo segurança e afetando de maneira positiva a produtividade e interação entre colaboradores. O teletrabalho já era algo previsto na agenda das empresas há pelo menos uma década, porém, com o cenário de pandemia, todos os setores que podem manter seus colaboradores em casa estruturaram rapidamente ferramentas por meios digitais para que as atividades continuassem funcionando. O cenário atual é sem dúvida muito desafiador, mas representa uma opor-
tunidade sem precedentes, principalmente para um dos maiores setores da economia do Brasil, como é o caso do agronegócio. Em 2019, o agronegócio representou 21,4% do PIB nacional, segundo o Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da Esalq/USP. Os dados mostram que o mercado tem grandes perspectivas de crescimento e o grande impulso para esse avanço é a tecnologia e a transformação digital aplicada dentro e fora do campo: a chamada agricultura 4.0. Dentre as principais vantagens, podemos destacar a automatização de processos, controle maior sobre as demandas, aprimoramento dos métodos de trabalho, redução das falhas operacionais, entre outros. Esses pontos são fundamentais em tempos de instabilidade, pois ajudam a aumentar a produtividade e a potencializar os ganhos em eficiência. A tendência é que, pós-pandemia, o agronegócio sofra transformações profundas que devem acelerar a digitalização dentro dessa cadeia e a construção de marketplaces do setor. No campo, o papel das agtechs já tem facilitado o trabalho dos produtores, por exemplo, seja pelo uso de drones para mapear a fazenda, seja por meio de aplicativos que auxiliam no melhor uso de insumos. Como consequência, através desses implementos tecnológicos, é possível gerar um aumento de produtividade e observar redução de custos nos processos realizados no campo. No caso do uso de drones, a tecnologia permite grandes avanços nesse cenário, podendo auxiliar no mapeamento mais assertivo de falhas de plantio, por exemplo. Além disso, sua utilização torna os processos mais econômicos e ecoPLANT PROJECT Nº21
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Fo logicamente mais sustentáveis, uma vez que tudo pode ser operado remotamente, via sinais de satélite e com um alto emprego da inteligência artificial. Com isso, o uso desse tipo de inovação permite não só ganhos operacionais, mas também o desenvolvimento de novas iniciativas que auxiliam o desenvolvimento dos processos produtivos no campo. Outras vertentes da tecnologia desenvolvidas por startups que estão sendo impulsionadas dentro desse novo cenário em que passamos a conviver são o aumento no volume de soluções de planejamento e gestão, assim como oportunidades que surgiram através das agfintechs. Startups do setor agro, voltadas para o desenvolvimento de soluções de crédito, estão ganhando relevância. Passaram a criar ferramentas para mitigar impactos no setor, com soluções úteis para a tomada de crédito, permitindo a emissão de ativos agrícolas por meios eletrônicos, assim como registros e assinatura digital por parte dos credo-
res. Dessa forma, garantem a diminuição de riscos e asseguram aos produtores a compra de insumos na época certa para a próxima safra. Neste cenário apresentado pela pandemia de Covid-19, onde a segurança entra em cheque, os novos modelos de negócios digitais podem contribuir para gerar cadeias produtivas mais curtas e mais eficientes. Quem está atento a essas oportunidades tem mais chances de aproveitá-las corretamente. Neste momento de muitas perguntas e poucas respostas, sabemos que muitos desafios e adaptações ainda estão por vir, e, no que tange às questões relacionadas ao campo, ainda teremos de conviver com aspectos inerentes ao setor, como a falta de conexão e sinal e a demanda por atender uma das maiores extensões agrícolas do mundo. Contudo, sem dúvida, o cenário trará inovações disruptivas e a aceleração de processos, redesenhando toda a complexa cadeia do agro e da sociedade como um todo.
*Pedro Leal Noce é gerente de Inovação Digital da Raízen
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A MAIOR DEGUSTAÇÃO DO MUNDO POR IRINEU GUARNIER FILHO* A Avaliação Nacional de Vinhos, que ocorre todos os anos na Serra Gaúcha, é provavelmente a maior degustação coletiva do mundo. Mais de 800 pessoas participam do evento, organizado pela Associação Brasileira de Enologia (ABE), que avalia os vinhos-base para espumantes, brancos e tintos da última safra. Das mais de 300 amostras, selecionadas por uma comissão de alto gabarito da enologia brasileira, apenas 16 chegam à final e são analisadas por um grupo de 16 comentaristas (enólogos, sommeliers, jornalistas e celebridades) nacionais e estrangeiros.
O maior evento do vinho brasileiro acontece sempre no último sábado de setembro. Neste ano, já em sua 28a edição, foi transferido para o dia 7 de novembro, em razão da pandemia do coronavírus. Os vinhos terão, assim, mais algumas semanas para evoluírem. A safra 2020 é considerada a melhor de todos os tempos no Rio Grande do Sul. Apesar da crise sanitária, não poderia deixar de ser avaliada – mesmo que a participação do público tenha de ser reduzida. O enólogo Daniel Salvador, presidente da ABE, está otimista: “Saberemos estudar o melhor formato e
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adotar todas as medidas de segurança necessárias para garantir o sucesso do evento e, principalmente, a prevenção da saúde de todos os participantes”. O PANORAMA VISTO DO PALCO Participei de seis avaliações. Na primeira, em 2011, sentei à mesa principal, juntamente com 15 outros degustadores-comentaristas – um “blend” bem equilibrado de experts e leigos. O panorama visto do palco me impressionou: quase 900 pessoas em silêncio, concentradas, degustando no mesmo timmig dos comentaristas amostras iguais, graças a uma logística impecável de serviço, executada em uma coreografia precisa por quase 100 voluntários. Em 2013, a ABE me distinguiu com o Troféu Vitis, concedido aos Amigos do Vinho, pelo meu trabalho na mídia brasileira. A surpresa foi enorme. Foi meu momento mais emocionante desde que me dedico à crônica do vinho. Um ano depois, fui chamado às pressas pela ABE para substituir um dos comentaristas que ficara retido em Paris por causa de uma greve de pilotos da Air France. Foi muito bom estar outra vez entre os
16 comentaristas felizardos da mesa principal (algo que nem em sonho eu poderia almejar). MISSÃO DIFÍCIL É sempre uma missão difícil avaliar vinhos recém-elaborados, que, em alguns casos, ainda estão nos tanques das vinícolas. Sobretudo porque esses vinhos não estão prontos. Podem melhorar ou não com o tempo. Os brancos joviais já estão quase aptos para o consumo. Mas os tintos – que ainda repousarão por mais um ou dois anos em barricas e garrafas – geralmente estão bastante imaturos. Já os vinhos-base, que vão virar espumantes após uma segunda fermentação, ainda são mais difíceis de analisar – por isso, a sua avaliação é reservada aos enólogos do júri. A verdade é que, a cada Avaliação Nacional de Vinhos, temos surpresas. O clima, principalmente, pode nos dar uma ótima safra de vinhos ou uma vindima medíocre. É assim na Serra Gaúcha ou em Bordeaux. A tecnologia moderna ajuda a compensar, em parte, as trapaças da meteorologia. Mas é nesta imprevisibilidade que reside a beleza do vinho.
*Irineu Guarnier Filho é jornalista especializado em agronegócio, cobrindo este setor há três décadas. Metade deste período foi repórter especial, apresentador e colunista dos veículos do Grupo RBS, no Rio Grande do Sul. É Sommelier Internacional pela Fisar italiana, recebeu o Troféu Vitis, da Associação Brasileira de Enologia (ABE), atua como jurado em concursos internacionais de vinhos e edita o blog Cave Guarnier. Ocupa o cargo de Chefe de Gabinete na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, prestando consultoria sobre agronegócio
A DISRUPÇÃO DIGITAL NO AGRO POR MARCO RIPOLI* A agricultura percorreu uma série de revoluções que levou o rendimento, a eficiência e a rentabilidade a patamares antes inatingíveis. Isso incluiu a implementação da mecanização entre 1900 e 1930, a revolução verde da década de 1960, que foi responsável por novas e mais resistentes variedades agrícolas, o uso de agroquímicos (e não agrotóxi-
cos) e o aumento da modificação genética de 1990 a 2005. A ascensão da agricultura digital pode ser a mais transformadora e disruptiva de todas as anteriores. A agricultura digital vem mudando a forma como cultivamos, transformando fundamentalmente todas as partes da cadeia de valor do agronegócio. PLANT PROJECT Nº21
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Entre outras coisas, ferramentas digitais devidamente implantadas podem melhorar e fortalecer a resiliência, a rastreabilidade, a qualidade das informações e aumentar a transferência, levando a uma melhor segurança alimentar e produtividade. Em muitos países de baixa renda, o uso de tecnologias digitais na agricultura permanece ainda limitado devido a acessibilidade, infraestrutura, questões regulatórias e conscientização. Existem grupos trabalhando para identificar produtos e serviços digitais promissores que possam ser aplicados para melhorar as práticas agrícolas, a vida dos pequenos agricultores e melhorar as economias destes países. A distância entre a agricultura avançada e a de subsistência está crescendo a uma taxa muito elevada. O custo de implementação da tecnologia de precisão no mundo desenvolvido vem caindo, a fraca infraestrutura de rede e o capital limitado demonstram que ainda estão muito longe de se beneficiarem desta revolução da agricultura digital. Por outro lado, existem espaços para ganhar. A agricultura digital e “big data” já influenciam o comportamento de compra dos produtores e a forma como as empresas de sementes e agroquímicas comercializam, precificam e vendem produtos. A melhor quantidade e qua-
lidade de dados permitem um planejamento e entendimento mais precisos das principais necessidades dos clientes, promovendo uma melhor experiência com o produto. Com a crescente demanda por alimentos e os desafios que afetam os agricultores mais pobres do mundo aumentando com a ameaça das mudanças climáticas, espalhar os benefícios da agricultura digital é uma necessidade urgente e questão de bom senso. A inovação digital vem impactando a cadeia de suprimentos agrícolas. Feiras, congressos e outros eventos digitais (on-line) é a melhor e mais rápida maneira de ter acesso e receber conhecimento do que está acontecendo de novo no Brasil e no mundo, especialmente durante tempos de pandemia e cancelamento generalizado de feiras ao redor do mundo. É por meio dessas plataformas, que expositores e visitantes se comunicarão para melhorar a visão em relação à oferta e demanda de novas tecnologias. É claro que não substituem o contato presencial e a experiência do visitante é outra quando “ligando um trator”, por exemplo. Essas novas experiências agregam novas relações, novos horizontes e contribuem para que o produtor rural e as empresas alcancem um caminho de sucesso. O Agro não para!
* Marco Lorenzzo Cunali Ripoli é Ph.D., engenheiro agrônomo, mestre em Máquinas Agrícolas pela Esalq-USP e doutor em Energia na Agricultura pela Unesp. Executivo, disruptor, empreendedor, inovador e mentor, é proprietário da Bioenergy Consultoria, da Energia da Terra, empresa de alimentos saudáveis e investidor da Drinquis.
Agro 24 horas: Técnica de irrigação de luz pode ampliar a produtividade agrícola durante a noite
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As regiões produtoras do mundo
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O SOL DA MEIA-NOITE Como uma tecnologia que usa pivôs iluminados depois que o sol se põe pode estabelecer uma nova perspectiva de produção de alimentos Por André Sollitto
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Os pivôs iluminados da Irriluce: tecnologia vem sendo desenvolvida há cinco anos PLANT PROJECT Nº21
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as fazendas verticais, montadas em ambientes fechados, a iluminação artificial dá o tom futurista. De cor rosada, toma conta das prateleiras de alta tecnologia em que cada detalhe é controlado para garantir o crescimento de legumes, verduras e hortaliças. Bem diferente do que acontece no campo, onde o sol tem papel indispensável. Ou, talvez, nem tanto. A mesma tecnologia que permitiu o avanço das startups de agricultura indoor promete, agora, iluminar as noites em lavouras a céu aberto, estabelecendo uma nova perspectiva de produção para algumas regiões do planeta. A ideia germinou em uma empresa brasileira, que criou o primeiro pivô de irrigação iluminado do mundo. Para o produtor mineiro Gustavo Grossi, a próxima fronteira a ser conquistada pela agricultura é a noite. E os resultados apresentados até agora oferecem uma perspectiva bastante promissora. A tecnologia, batizada de
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Irriluce, foi desenvolvida por ele a partir de um estudo da produção em outros países. “Observando a latitude de outras regiões, percebi uma produtividade maior por causa da incidência de luz. É o caso dos Estados Unidos e do Egito, com seu algodão”, afirma ele, em entrevista à PLANT. Outros fatores que afetam a produção, como a nutrição das plantas, a genética e os cuidados com o solo, já haviam sido explorados. Mas a luminosidade nunca havia sido tema de estudos fora de ambientes controlados. “Fizemos diversas pesquisas na internet e não encontramos nada sobre o assunto. Foi muito difícil chegar ao pouco de conhecimento que obtivemos”, conta o produtor. Hoje, após quase cinco anos trabalhando sem fazer alarde, Grossi já conta com o apoio de 28 profissionais de sete universidades do País. Os resultados obtidos mostram o tamanho da descoberta da equipe. Em uma propriedade no município de Monte
Produtividade
PERGUNTAS E RESPOSTAS Embora empolgado, o produtor mantém os pés no chão. Segundo ele, a descoberta dessa tecnologia é tão nova que cada detalhe precisa ser pesquisado com cuidado. “É muito ‘não sei’ para muita pergunta. Mas vamos descobrir”, afirma ele. Por
enquanto, o produtor e sua equipe de pesquisadores ainda não têm certeza se a luminosidade usada no alho, por exemplo, terá o mesmo efeito no milho. Também não sabem se o que funciona em uma cultura no Centro-Oeste terá o mesmo impacto na região Sul, por exemplo. “Para onde a gente for, temos que ter um projeto para aquela região.” Grossi diz ainda que não pode afirmar com certeza que a suplementação luminosa aumenta a capacidade da planta em realizar fotossíntese. Ou se estimula a concentração de hormônios. Nem se a fisiologia e morfologia da planta acabam mudando com a incidência da luz. Por conta dessas dificuldades, não garante que a tecnologia estará pronta para a próxima safra. As pesquisas, no entanto, têm apontado outros caminhos bastante interessantes. Além da suplementação luminosa, ele tem trabalhado a fertilidade da planta e a reestruturação do solo por meio do uso de adubos organominerais. “Assim, temos toda a sanidade da planta pronta para que a luz possa ser assimilada”, diz. A questão do uso de adubos organominerais, em especial, é de grande interesse tendo em vista a demanda do mercado por alimentos com menos agroquímicos. “A alimentação orgânica está crescendo. E não é uma empresa que diz, é o próprio consumidor que está pedindo, que quer comer
Solução inovadora: sem muitas pesquisas na área, o produtor Gustavo Grossi diz que tem mais perguntas do que respostas
foto: Natura
Carmelo, em Minas Gerais, a tecnologia foi aplicada em culturas de milho e soja. Na soja, a produtividade aumentou até 65% em sacas por hectare com apenas 20 dias de aplicação. A suplementação luminosa foi feita durante o período noturno, ampliando o fotoperíodo das plantas, e em dias de baixa luminosidade, e apenas por determinados períodos, à medida que o pivô se move em cada talhão. O objetivo é criar um ambiente em que a planta possa trabalhar um pouco mais, mas também descansar, como acontece com um ciclo tradicional. Com o milho, a resposta foi ainda melhor: o aumento registrado foi de até 105% por hectare. Além disso, houve uma redução de até 35% na necessidade de uso de fungicidas e defensivos químicos. Os testes continuam. "Temos hoje aqui alho, batata, cebola, trigo, girassol, sorgo semente, milho semente, pimenta, tomate, milho doce, ervilha, feijão, cana e algodão”, diz Gustavo. Sem entrar em detalhes, afirma que o resultado foi positivo em todas as culturas.
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algo bom com menos defensivos. É claro que alguns continuam sendo necessários, por causa de mutações, por exemplo. E o consumidor às vezes cai no buraco da falta de informação. Mas queremos canalizar o que é bom”, diz. O que ele espera é que cada etapa do caminho fique clara para o consumidor final. Gustavo está trabalhando com uma empresa que oferece tecnologias de rastreabilidade dos alimentos. “Quero que as pessoas entendam o que está acontecendo. Sou agricultor. Somos milhões de produtores. É muita gente sofrendo no campo, ao mesmo tempo. Quando vão ao supermercado, as pessoas não sabem como aquele alimento chegou ali”, afirma. AMBIÇÕES A busca por todos os detalhes acerca da tecnologia continua, mas a ambição de Grossi já é grande. O produtor afirma já ter feito testes com grandes empresas do agro, que manifestaram interesse. E conta que muitos produtores, de todo o Brasil, estão ansiosos para ver os resultados de perto. “Mas eu quero ter muito cuidado. Trabalhei durante cinco anos sem falar nada”, diz ele, referindose aos cuidados que tem tomado por conta da pandemia. Afinal, além do isolamento social, a Covid-19 prejudicou os trabalhos de outras maneiras. Cerca de 80% da matéria-prima que utiliza 88
Ganhos em produtividade: pesquisadores registraram aumento de 65% da soja e 105% no milho
na elaboração dos pivôs iluminados é importada, e o fornecimento foi afetado. Seu objetivo, em breve, é chegar aos pequenos produtores, oferecendo uma solução eficaz e acessível em um modelo elaborado especificamente para propriedades de até cinco hectares. Uma maneira de baratear os custos, de acordo com Grossi, é oferecer um pivô que irrigue apenas luz para áreas de sequeiro. A internacionalização também está no horizonte da Irriluce. “Eu criei esse projeto para uma certa independência”, afirma. “Porque estamos presos ao agribusiness internacional. O preço do adubo sobe 150%. Depende do câmbio, de elementos internacionais. Eu queria agregar resultado e gerar emprego. Nunca pensei em expandir. Mas, quando vi os primeiros resultados, soube que era algo muito grande e que não ia ficar apenas por aqui.” Os Estados Unidos são um dos destinos, e Grossi deve
começar pelo estado de Nebraska, onde tem uma conexão importante, já que é no estado americano que fica a sede de uma das empresas que fornece os pivôs. Ele já entrou com pedido de patente da tecnologia nos EUA, já que acredita que o interesse por lá será grande, uma vez que os níveis de insolação são menores que no Brasil, por exemplo. Ele conta que um fornecedor americano não acreditou que uma tecnologia do tipo, inédita por lá, estava sendo desenvolvida no Brasil. “O americano, com sua pompa e circunstância, ficou impressionado.” “Também pedi patente na Argentina”, afirma o produtor. Na América Latina, também quer entrar na Bolívia. E ele tem interesse em oferecer a irrigação de luz para produtores da África. “A China está muito mais próxima deles do que nós”, diz. “Minha intenção é essa: quanto mais rápido eu conseguir desenvolver essa tecnologia, mais rápido consigo levar para fora.”
Restaurante fechado na França durante a pandemia: Novo normal da gastronomia exige novos modelos de gestão e produção para chefs e fornecedores
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A grande feira mundial do estilo e do consumo
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QUE GOSTO TERÁ O FUTURO? Não há bola de cristal, mas é possível adiantar algumas tendências sobre a experiência gastronômica no “novo normal” Por Suzana Barelli
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o reabrir depois da quarentena, o restaurante Noma, em Copenhague, eleito por quatro vezes o melhor do mundo, surpreendeu. Em vez do seu sofisticado menu focado em ingredientes da culinária nórdica, passou a vender apenas duas opções de hambúrguer, um cheesebúrguer e uma versão vegetariana, além de vinhos em seu winebar. Os clientes tinham a opção de comer no local – uma área externa, especialmente preparada para isso, respeitando as distâncias pós-Covid –ou levar o hambúrguer e o vinho para casa. Apenas no primeiro dia, foram vendidos 1.300 sanduíches! E as filas, com o distanciamento entre cada cliente, davam voltas no quarteirão. Ainda não há previsão de quando o chef René Redzepi abrirá oficialmente o Noma com o menu gastronômico que lhe trouxe fama. No site, a informação é de que a equipe foi surpreendida com o
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coronavírus, está se adaptando a esta nova realidade e entrará em contato com os clientes que já tinham sua reserva confirmada para remarcar novas datas. Até a chegada da Covid-19, o Noma, atualmente o segundo melhor restaurante de vinho pela publicação The World's 50 Best, tinha uma lista de espera de mais de três meses e só funcionava com o sistema de reservas. Mesmo antes de abrir, uma questão preocupa: haverá clientes? Focado na sustentabilidade – são conhecidas as imagens de Redzepi andando pelas pradarias, colhendo vegetais da época e por seu cardápio sazonal –, o Noma é um exemplo de casa que valoriza os ingredientes locais. Mas a maioria dos seus clientes não são locais, moradores da Dinamarca, muito pelo contrário. O “novo normal” pode trazer a consciência de quanto o deslocamento é realmente necessário. “É quase uma incoerência: os
Gastronomia
O hambúrguer do Noma, de Copenhague, e o chef catalão Ferran Adrià: os melhores do mundo também precisam se reinventar
ingredientes vêm da horta ou da fazenda do chef, mas o cliente vem do outro lado do mundo”, questiona Gabriela Mascioli, sócia da vinícola Herdade dos Coelheiros, no Alentejo, em Portugal, e assídua frequentadora de restaurantes. Ainda é cedo para saber se esse ponto será uma questão. Mas o fato é que o público que paga mais de uma centena de dólares por uma refeição vem de longe, em geral de avião (hoje meio de transporte temido pela Covid-19), para ter o prazer de se deliciar com as criações de Redzepi. E esse é o dilema da grande maioria dos restaurantes estrelados, que vive do turismo, seja o gastronômico, seja o de negócios. O próprio Ferran Adrià, chef catalão que revolucionou a cozinha espanhola com o seu elBulli, estima que 40% dos restaurantes gastronômicos do mundo deixarão de existir em cinco anos. É muita coisa. Atualmente, existem 104 restaurantes com três estrelas, 29 deles na França, e 378 com duas estrelas, conferidas pelo guia Michelin. Esta, que é a mais tradicional avaliação de restaurantes, pontua mais de 30 mil estabelecimentos, em 30 países, por ano. “Nesta nova realidade, a cada ano, devem fechar 10% dessas casas”, estima Adrià, em apresentação para os alunos da Universidade Anhembi Morumbi. Seu
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conselho é que os restaurantes foquem na gestão de maneira profissional. O tema preocupa os cozinheiros. Em Portugal, o chef José Avillez, do Belcanto, com duas estrelas Michelin em Lisboa, já fechou seis de suas 20 casas, consequência direta desta pandemia. A reorganização de sua rede de restaurantes visou reduzir custos e rentabilizar os recursos disponíveis em uma época em que o turista desapareceu, principalmente das grandes cidades. Aqueles que sobreviverem vão, muito provavelmente, praticar preços mais baixos. O chef popstar Erick Jacquin, que faz sucesso com o reality MasterChef, por exemplo, prevê uma queda nos valores cobrados pela alta-gastronomia. “Na França, os franceses não conseguem mais comer nos grandes restaurantes”, reclama o chef. E acrescenta: “Só se escuta inglês no salão”. A inflação dos cardápios é um dos pontos – preços de pratos e de vinhos ganharam uma nova dimensão, que agora está sendo posta em xeque. Valores mais baixos (espera-se) chegarão em menus digitalizados ou em folhas descartáveis. Garçons com máscaras explicam as opções do dia e fazem o serviço. “Talvez, a gente deixe um saca-rolhas para o cliente abrir o vinho que escolher”, imagina Jacquin, sobre o seu restaurante PLANT PROJECT Nº21
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Gastronomia
paulistano Président. Menor quantidade de mesas no salão, máscaras e álcool em gel são a parte mais visível deste novo normal. Mas há outras mensagens possíveis. No início de junho, por exemplo, os irmãos Roca, do célebre El Celler de Can Roca, em Girona, na Catalunha (Espanha), divulgaram um vídeo em suas redes sociais contando de seu novo projeto. O filme começa com Joan Roca, o irmão que dá as linhas mestras na cozinha. “Nunca tínhamos parado tanto tempo (...), percebemos que tínhamos tempo para renovar”, conta ele. O irmão Josep, que cuida dos vinhos, acrescenta: “Fomos olhar o nosso passado, as nossas memórias”. E o caçula, Jordi, finaliza: “Precisamos de instantes de felicidades. Somos cavalheiros da felicidade”. A narrativa termina com a nova roupagem do Mas Marroch, casa da família que funcionava como espaço de eventos em Girona e que agora abre como um novo restaurante, com muito espaço entre as mesas e servindo os pratos clássicos, que já foram preparados no Celler, mas saíram do cardápio. “Ele renasce como um lugar de memória, para compartir com nossos clientes a história do Celler de Can Roca”, explica Joan. No cardápio, receitas que foram preparadas entre 1986 e 2009. Reaproveitar espaços que 94
perdem funções – quem vai reservar um lugar de eventos atualmente? – e saber contar histórias, como estes irmãos espanhóis, é um caminho. Além das novas narrativas, há o trabalho com os fornecedores. Nos últimos anos, foram muitos os cozinheiros que apostaram em agricultores que cultivavam ingredientes sob medida para os restaurantes. Mais: muitos entraram na tendência dos ingredientes sazonais. O chef Alex Atala, do premiado D.O.M., de São Paulo, tem uma parceria com um criador de pirarucu, o famoso peixe amazônico. Jefferson Rueda, do também paulistano A Casa do Porco, o único restaurante brasileiro entre os 50 melhores do mundo, tem uma parceria com criadores de suínos, em sua cidade natal, São José do Rio Pardo, entre diversos exemplos. David Ralitera, da Fazenda Santa Adelaide, referência em produtos orgânicos, é um desses fornecedores sob medida. Até fevereiro deste ano, ele atendia mais de 80 restaurantes em São Paulo, com produtos como cenouras coloridas, beterrabas, mangarito e demais itens da Mata Atlântica. “Nosso plantio está programado com dois anos de antecedência”, conta ele. Mas com a quarentena, ele viu desaparecer os compradores para as suas 70 toneladas, entre verduras,
legumes e tubérculos, cultivados em seus 15 hectares de terreno. A saída foi voltar às origens e trabalhar com cestas de verduras e legumes para clientes pessoas físicas. E logo apareceu um novo mercado: os atacadistas, de olho na procura por produtos orgânicos para aqueles consumidores que estão de quarentena, em casa. Para Ralitera, a solução foi oportuna, por mais que ele vibre quando um chef cria uma receita a partir de um ingrediente novo, que ele apresentou. “Fomos os primeiros a trabalhar com plantas esquecidas, legumes. É uma matéria-prima para inspirar os cozinheiros”, conta ele. Francês que chegou ao Brasil em 2006, ele conta que na Europa, França principalmente, a segurança alimentar é uma premissa básica da população, que
ganhou destaque nesta quarentena. “A proposta dos produtos com denominação de origem é muito forte e os pequenos produtores cresceram com a crise”, afirma ele. Ajudar os seus fornecedores a conseguir mercado é uma proposta dos cozinheiros. A quarentena aproximou produtores dos clientes finais. Um bom exemplo vem de Portugal. Gabriela cita o caso do Peixeaporta.pt, um projeto criado pela empresa Nutrifresco, que vende peixes para muitos dos restaurantes portugueses e, de um dia para o outro, ficou sem mercado. “Eles criaram uma rede de entrega e conquistaram clientes. Não esperaram uma ajuda do governo. Foram e fizeram”, conta ela. E, assim, vai se moldando a aventura gastronômica neste novo normal.
O Mas Marroch e o El Celler de Can Roca, dos irmãos Roca (na pág. à esq.): mais espaço para o público, sem perder o laço com a tradição
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AGRO POR ASSINATURA Com uma curadoria e uma busca por novidades, os clubes de assinatura de produtos tão diversos como carne para churrasco e queijos artesanais ganham adeptos e criam uma relação de proximidade entre os consumidores das grandes cidades e os produtores Por André Sollitto
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Seleção de queijos: o serviço de assinatura permite uma conexão com pequenos produtores pouco acessíveis de outra maneira
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o princípio, eram os livros. Depois, os filmes, os CDs (eram outros tempos), e, mais recentemente, vinhos, cachaças e cervejas. Receber produtos escolhidos a dedo na porta de casa, a cada mês ou a cada semana, é uma comodidade enorme – e não é uma invasão dos tempos de pandemia. Clubes de assinatura têm feito sucesso há algumas décadas, mas o avanço da tecnologia (e, é claro, a necessidade de permanecer em casa) espalharam o conceito por novos nichos e setores do agronegócio. O consumidor encontra hoje uma variedade de assinaturas que oferecem uma experiência com curadoria capaz de
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proporcionar uma conexão mais direta tanto com os produtores quanto com os alimentos enviados periodicamente. Um dos formatos que ganharam popularidade recentemente é o de legumes e verduras. A proposta é simples: o cliente recebe uma quantidade de alimentos, vinda diretamente de pequenos produtores, em uma periodicidade predefinida. Muitas vezes, esses produtos são orgânicos. É o tipo de serviço oferecido por empresas como a Raízs. À medida que as regras de isolamento social se intensificaram e menos gente saiu às ruas até para fazer compras, a demanda cresceu muito. Além de facilitar a vida de quem pode ficar em casa para escapar do vírus, as assinaturas ajudam os produtores a garantir um escoamento de sua produção em um momento em que suas opções são reduzidas. O trabalho da Raízs ainda serviu de estímulo para outras iniciativas do setor. É o caso da Fungo de Quintal. A empresa surgiu em 2017 de uma iniciativa do CEO, Alexander Piotti Hlebanja, de incentivar amigos próximos a adotar um estilo de vida mais saudável a partir do consumo de cogumelos. A operação começou com um único produtor e as vendas eram apenas avulsas. Hoje, a empresa cresceu: já são 13 famílias de produtores, e os clientes podem assinar o Clube CoguLovers, iniciativa inspirada pela Raízs, e receber pacotes de cogumelos em casa. “Temos toda uma operação logística para o transporte dos cogumelos”, afirma Santiago Barzi, responsável pelo marketing da empresa. Segundo ele, a vantagem de assinar o clube é receber um produto mais fresco, transportado em uma cadeia 100% refrigerada. “São no máximo dois dias entre a colheita e a entrega para o consumidor. Em um supermercado tradicional, esse período
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pode ultrapassar oito dias.” A mercadoria vem diretamente de pequenos produtores que cultivam os cogumelos em suas propriedades, a poucos quilômetros de São Paulo. “Não há nenhum grande produtor entre os nossos fornecedores. Vamos aumentando a rede a partir das indicações dos próprios produtores”, afirma Barzi. Para entrar para essa rede, no entanto, existem algumas exigências. A equipe prova o cogumelo, para ter certeza de que ele tem qualidade e sabor. E ele deve ser orgânico, mesmo que o produtor não possua o selo, já que a burocracia e os custos acabam sendo proibitivos para alguns deles. Mas eles também fazem questão de conhecer cada família. Essa relação mais próxima com os responsáveis por cultivar o alimento que chega à mesa tem cativado os assinantes do clube. “Eu vim da Argentina. Lá, a conexão entre o campo e a cidade é grande faz tempo. Aqui, nem tanto. Acho que reduzir a cadeia e aproximar os dois é o futuro. Porque você oferece mais qualidade e fomenta o trabalho dos pequenos produtores”, diz Barzi. “O clube tem que oferecer mais do que o produto. Tem que oferecer essa aproximação com o produtor. Os consumidores estão mais exigentes nesse quesito. Se optaram por um clube, querem saber a história do produto que estão recebendo”, afirma Tiago Dardeau, sóciofundador do
Clube do Queijo, plataforma que oferece mensalmente uma seleção de queijos brasileiros. A empresa surgiu de maneira despretensiosa depois que Tiago conheceu o universo dos queijos artesanais e se apaixonou. Começou correndo atrás dos produtores e fazendo compras coletivas para amigos interessados, até que a ideia amadureceu e se transformou em um clube de assinaturas. Ele faz a curadoria das caixas que são enviadas e procura sempre fugir de queijos que podem ser encontrados nos supermercados. “Eu trabalho com produtores pequenos, alguns bem humildes, com produção bem pequena, até produtores médios. Cada entrega do clube é uma oportunidade de apresentar sua produção, de mostrar como ele trabalha e as características do seu produto”, afirma ele. CONSUMO MAIS CONSCIENTE Os clubes de assinatura também oferecem uma porta de entrada para consumidores que desejam conhecer mais profundamente produtos mais complexos. Esse é um dos motivos da popularização dos clubes de vinho: mergulhar em um universo tão diversificado é difícil – e contar com a ajuda de profissionais ajuda a educar o paladar e conhecer um pouco mais sobre as opções disponíveis. O princípio é o mesmo com os clubes de queijos, cafés e até de
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churrasco. Eles oferecem o prazer da descoberta a partir de uma curadoria com muito embasamento. E, com um conhecimento maior por parte dos consumidores, o mercado como um todo acaba ganhando. É o caso dos cafés especiais. Quando o designer Rafael Bassetto criou o Moka Clube, em 2012, o mercado de cafés gourmet era praticamente inexistente. “O Hugo, meu sócio, morou em Londres e lá o café brasileiro tinha uma imagem excelente. Mas aqui, não. Quando esboçamos a ideia, quisemos trazer um pouco dessa experiência de fora. Tanto que falávamos de café de exportação”, afirma o empreendedor. Hoje, oito anos depois, a situação é muito diferente. Rafael conta que esse discurso de exportação caiu em desuso. “O amadurecimento do mercado como um todo é muito benéfico. Em 2012, você não entrava no Instagram e via cafés especiais. Agora, após toda essa caminhada, temos acesso a cafés que não existem lá fora”, diz ele. A situação é semelhante com o WorldSteak, clube de assinatura focado apenas em carnes. Danielle Naville Ferraro, responsável pelo setor comercial da empresa, conta que ela e o marido têm uma empresa de distribuição de alimentos há 15 anos. Apaixonados por churrasco, eles ofereciam aos amigos caixas fechadas de carnes da empresa com preços especiais, até que decidiram lançar o serviço na PLANT PROJECT Nº21
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forma de um clube de assinatura, que hoje já tem três anos. O mundo do churrasco também oferece um universo de opções bastante complexas, especialmente por conta das seleções que os assinantes recebem. “Temos curadores que são experts em carne, que selecionam cortes especiais de animais como Angus, Black Angus e Wagyu. A relação com os frigoríficos é bem próxima. Fazemos visitas e degustamos os produtos para ter certeza de que eles atendem nosso padrão de qualidade”, afirma Danielle. Ela conta também que os curadores buscam manejos diferentes para mostrar de que maneira eles influenciam na carne que é servida à mesa. Nem sempre essas sutilezas ficam tão claras para um cliente menos familiarizado com seu preparo. Por isso, o WorldSteak 100
planeja lançar em breve uma linha de aulas para que os assinantes do clube aprendam a preparar os tipos de carne enviados nos boxes. “Além dos pacotes mensais, oferecemos aos clientes a possibilidade de compra de peças avulsas. Enviamos a lista por WhatsApp para eles e percebemos que muitos evitam comprar alguns tipos porque não sabem como preparar. Os cursos vão ajudar nessa questão”, afirma Danielle. Em alguns casos, quando o cliente atinge um certo grau de conhecimento, ele deixa de fazer parte do clube. “Existem alguns estágios. Quando a pessoa não está familiarizada com a variedade, o linguajar, ela assina o clube e começa a receber as informações. No nosso caso, depois que o assinante se torna um geek do café, ele percebe que não precisa mais assinar”, afirma Rafael, do Moka
Clube. É aqui que entra a necessidade de surpreender sempre. A busca constante por novos produtos é um fator determinante para garantir o sucesso de um clube. Afinal, o assinante precisa sempre sentir que a cada mês é surpreendido por produtos que ele não conheceria de outra forma. “Começamos a partir de contatos. Descobríamos uma fazenda e íamos visitar o produtor e provar o café”, conta Rafael. “Hoje, os produtores nos procuram para colocar seu produto no clube. É uma outra relação que acaba sendo benéfica para nós, porque temos acesso a cafés raros, por exemplo.” MERCADO EM EXPANSÃO Ninguém sabe ao certo como será o mercado pós-pandemia. Mas os responsáveis pelos clubes de assinatura acreditam que receber produtos em casa é uma
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Os cortes escolhidos pela WorldSteak: o clube começou apenas para amigos, mas logo expandiu sua operação
tendência que deve se manter. “Estamos vivendo uma situação atípica. Algumas pessoas deixaram o clube por uma questão financeira, mas no balanço geral tivemos um aumento considerável. As pessoas estão mais abertas a receber a comida por correio”, afirma Danielle. Tiago, do Clube do Queijo, concorda. “É um cenário que veio para ficar. Mesmo antes da pandemia víamos como um segmento forte. Como em todo negócio, são necessários uma estrutura e um entendimento do mercado”, afirma o empreendedor. Não à toa, até gigantes do setor estão se voltando para o formato. O Grupo Mantiqueira, maior produtor de ovos da América Latina, lançou um clube em que o consumidor pode escolher se quer receber ovos orgânicos, ovos de galinhas caipiras, um kit voltado para os praticantes de esporte ou
outro com o N.Ovo, seu substituto vegetal que pode ser usado em receitas no lugar da proteína animal. A LivUp, startup de marmitas congeladas que em setembro do ano passado levantou R$ 90 milhões em uma rodada de investimentos, também oferece uma cesta de legumes, verduras e frutas orgânicas que vai direto do produtor ao consumidor. Em meio à pandemia, lançou também um sistema de doação de cestas para pessoas em situação de vulnerabilidade. Os clubes mais específicos também estão de olho na expansão. O Fungo de Quintal planeja consolidar uma presença nas redes sociais capaz de transmitir seus valores aos clientes e, em um segundo momento, oferecer seus serviços em outras cidades. Eles já fazem entregas em Osasco, Barueri e
até Cotia. Agora, esperam chegar em outras cidades grandes, como Campinas. “Precisa ser grande, senão a conta não fecha”, diz Santiago. O Clube do Queijo lançou a venda avulsa, por enquanto exclusivamente para a cidade do Rio de Janeiro. “Tive que tomar todos os cuidados para garantir a operação, mas agora envio um menu aos clientes e entrego direto para eles. Esse tipo de venda aumentou muito e abriu a possibilidade de comercializar queijos moles, por exemplo, algo que eu não conseguia antes”, diz Tiago. O segredo é um só: ter uma proposta de valor e garantir que o cliente receba sempre algo diferente. Ele precisa poder responder com clareza, porque vai se comprometer com aquele produto todos os meses. Se a resposta for clara, o negócio será um sucesso.
Café em casa: o Moka Clube se propõe a ensinar alguns conceitos para que o consumidor conheça melhor sua xícara
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O BRASIL NO MAPA-MÚNDI DA OLIVICULTURA Azeites nacionais conquistam prêmios internacionais e ganham um guia de degustação Por Emerson Alves
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omo e quando surgiu o azeite não se sabe ao certo. O mais provável é que a primeira extração de óleo do fruto do zambujeiro (oliveira selvagem) tenha sido acidental, como a maioria das invenções. Seu valor como combustível e alimento facilitou sua disseminação junto com a expansão das civilizações mediterrâneas. A oliveira selvagem é originária da Ásia Menor (Turquia e Síria), onde é extremamente abundante. Por ali, desde o século 16 a.C. já eram explorados os benefícios extraídos através da alquimia das azeitonas. No Brasil, só há cerca de uma década que alguns agricultores decidiram desafiar o senso comum e, pouco a pouco, começaram a implantar olivais em regiões mais frias do País. Uma vez que as oliveiras são provenientes de regiões mais áridas e solos mais pobres, perceberam que a cultura poderia encontrar boas condições para se desenvolver por aqui. E foi assim que, a partir de 2006, começou a ser extraído azeite extravirgem em terras brasileiras. Desde então, os azeites brasileiros têm, aos poucos, cravado sua bandeira no mapa-múndi da olivicultura. Hoje, temos mais de 70 marcas de extravirgens produzidas no Brasil e muitos prêmios em competições internacionais. A cultura
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cresceu expressivamente, sobretudo nos campos do Rio Grande do Sul e na região da Serra da Mantiqueira, embora hoje já se tenha registro de cultivos de azeitonas em Santa Catarina, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Mas como identificar as principais variedades cultivadas no Brasil, e qual é a qualidade dos azeites produzidos em território nacional? Para responder a essas e outras perguntas sobre o universo do azeite brasileiro, o escritor e especialista na iguaria dourada Sandro Marques criou o Guia de Azeites do Brasil. Agora, em sua terceira edição, o livro ganha novo rótulo e passa a ser intitulado Extrafresco: O Guia de Azeites do Brasil. “É uma alusão ao azeite que cruza o Brasil em um dia e é servido extrafresco: mais aromático, mais saboroso e melhor para a saúde, por isso incluímos essa expressão”, afirma Marques. Com 160 páginas, a publicação mergulha no universo da olivicultura brasileira e revela todas as nuances dessa cultura milenar praticada no País. Com a experiência de quem também é requisitado para ser jurado de prestigiados concursos internacionais de azeite, Marques foi além da teoria e degustou mais de 70 rótulos de azeite de oliva
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produzidos no Brasil antes de escrever o Guia, lançado em todo o País no mês de julho. “O Guia se propôs a explicar, de forma clara e criativa, desde o cultivo até as técnicas culinárias que fazem uso do azeite. Além disso, conta com muitos infográficos para ajudar o leitor a conhecer melhor o azeite produzido em solo brasileiro”, afirma. “Para atingir esse grau de detalhamento, fiz uma avaliação sensorial com mais de 80 variedades de azeites produzidos no Brasil, de diferentes estados”, conta. Os brasileiros consomem cerca de 15 vezes menos azeites em relação aos nativos de alguns países produtores como Grécia, Espanha, Itália e Portugal. Mesmo assim, o cultivo de azeitonas vem crescendo no País. Em 2019, a produção atingiu o volume recorde de 1,4 milhão de toneladas, que deram origem a cerca de 240 toneladas de azeite, conforme dados do Instituto Brasileiro de Olivicultura (Ibraoliva). Já em 2020, a safra de azeitonas no País sofreu com as intempéries do clima e a produção do fruto ficou quase 60% menor em relação à safra passada. Marques revela, no entanto, que a qualidade não foi prejudicada. “Percebo que temos avanços em relação aos anos anteriores e aprendizados a serem processados. Há muitos produtores que dominaram a extração ou souberam se valer
de profissionais que sabem fazer isso e mantiveram um padrão internacional do seu azeite, que deve se refletir nas premiações”, afirma. O especialista pondera, porém, que também existem alguns produtores que enfrentam obstáculos para superar na extração do seu azeite. “Há azeites que não expressam o máximo potencial da azeitona e há também alguns com defeitos evidentes, que podem ser corrigidos com maior cuidado no processo. ”A qualidade de um bom azeite não é determinada somente pela azeitona. Um detalhe importante é o cuidado na hora da colheita e o processo de fabricação do azeite. “A olivicultura no Brasil é uma corrida de obstáculos. Tem que conhecer bem a sua terra, tem que escolher as variedades corretas. Aprender ano a ano como fazer o controle fitossanitário e como aumentar a produtividade e conviver com a instabilidade do clima, além de encontrar canais para escoar a produção”, diz Marques. Com a expertise de quem é membro da Organizzazione Nazionale Assaggiatori Olio D’Oliva, na Itália, Marques afirma que, como a safra varia e às vezes o volume de produção é baixo, em alguns anos há produtores que só extraem azeite para consumo próprio. No entanto, ele mantém todos no Guia. “Isso porque, por trás de todo olival, tem sempre uma história de
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Sandro Marques, o autor do Guia: avaliação sensorial de mais de 80 variedades brasileiras
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O GUIA DO OLIVOTURISMO Assim como a produção de azeites, o olivoturismo vem ganhando cada vez mais espaço no País, estando presente em vários empreendimentos de olivais em diversos estados. Por isso, o assunto recebeu uma atenção especial do autor no Guia do Azeite Brasileiro. Seguindo os passos da vinicultura e o turismo fomentado pelas rotas dos vinhos, o olivoturismo ainda é tímido no Brasil, mas começa a ganhar fôlego e se expandir pelas regiões produtoras, integrando rotas turísticas nas regiões produtoras do Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais, principais estados produtores de azeite no Brasil. No Rio Grande do Sul, por exemplo, foi instituída por lei, em 2019, a Rota das Oliveiras, que compreende 24 municípios responsáveis por 32 marcas de azeite. Na seção de olivoturismo, estão listados os principais empreendimentos que começam a investir e unir o azeite, o turismo e a gastronomia, como detalha Sandro Marques. “Azeite é mais que um
sonho e o desejo de deixar um legado. São essas histórias que eu busco contar. É bastante trabalhoso fazer a lista completa, já que não há cadastro consolidado dos produtores. É um trabalho feito o ano todo, de contatar o produtor, quando possível visitar a propriedade, conhecer a sua história.” Após analisar cuidadosamente cada azeite da safra 2020 produzido no País, Marques destaca que há uma oferta menor de monovarietais (feitos com apenas uma variedade de azeitonas), mas ótimos blends. Também se percebe uma crescente preocupação do olivicultor em melhorar a extração e cuidar também de etapas do 106
condimento. É uma cultura, um jeito de ser e contemplar a natureza. Isso é valor para o turista e é importante do ponto de vista econômico para o turismo interno.” Aproveitando o clima de turismo e gastronomia, o Guia tem até uma playlist de músicas brasileiras, selecionadas especialmente pelo maestro Gil Jardim, da Orquestra de Câmera da USP, disponível no Spotify. Outra atração do Guia elaborado pelo especialista é uma seção dedicada a técnicas culinárias e receitas, divididas em saladas e sopas, pratos principais, sobremesas e pratos brasileiros. “Fomos além das receitas e pesquisamos também as técnicas culinárias que fazem uso do azeite. As receitas foram testadas por uma equipe de cozinheiros profissionais. Todas têm dicas de harmonização com azeite, onde comprar e a história de cada produtor”, conta.
ponto de vista de criação de mercado consumidor. São importantes, por exemplo, a elaboração de rótulos atraentes, baseados em pesquisa de mercado, e a disponibilização de processos mais eficientes de comercialização, como lojas on-line. “Em 2019 estive na Itália, em Portugal e na Grécia para participar de congressos, encontrar com outros especialistas e conhecer produtores locais. Fico orgulhoso de ver que, com muito esforço e empreendedorismo, os produtores brasileiros conseguiram colocar o Brasil no mapa do azeite mundial. Por onde passei, todos queriam saber mais sobre nossos azeites”, conta.
Sobre o guia Extrafresco: O Guia de Azeites do Brasil Editora Livrobits Disponível em todas as livrarias on-line e no site extrafresco.com.br Versão em inglês, para público internacional, disponível na Amazon a partir de setembro.
Gaúchos sob o céu do Pampa: Literatura regionalista de Simões Lopes Neto dá voz aos personagens do interior do Rio Grande
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Um campo para o melhor da cultura
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Ar ARTE
Um campo para o melhor da cultura
CONTOS DO PAMPA ANTIGO Expoente máximo da literatura conhecida como regionalista, o escritor João Simões Lopes Neto deu voz aos personagens do interior gaúcho Por Patrícia Lima | Fotos Tadeu Vilani
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– Eu tropeava, nesse tempo. Duma feita que viajava de escoteiro, com a guaiaca empanzinada de onças de ouro, vim varar aqui neste mesmo passo, por me ficar mais perto da estância da Coronilha, onde devia pousar. Parece que foi ontem!... Era por fevereiro; eu vinha abombado da troteada. Olhe, ali, na restinga, à sombra daquela mesma reboleira de mato, que está nos vendo, na beira do passo, desencilhei."
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ocê pode não saber que “viajar de escoteiro” significa andar sozinho, sem conduzir outros animais além da própria montaria. Também não deve saber que uma “guaiaca empanzinada de onças de ouro” é o mesmo que uma cinta com muitos bolsinhos, presa ao corpo, neste caso cheia das mais valiosas moedas de ouro, circulantes em meados do século 19. Sabe que uma “reboleira de mato” é uma espécie de moita, composta por pequenos arbustos, típica das paisagens do Pampa? É provável que o significado literal de cada uma dessas expressões regionais lhe escape. É impossível, porém, que você não se sinta convidado a esta prosa para a qual o narrador chama. É assim que João Simões Lopes Neto, escritor gaúcho que viveu entre 1865 e 1916, descortina em sua fala uma mistura de paisagem e gente, cristalizando na cadência da fala popular o universo rural do interior de um Rio Grande do Sul antigo, que hoje só existe nos contos e na memória. O trecho que abre esta reportagem também é o início de Trezentas Onças, o primeiro dos 19 textos de Contos Gauchescos, livro publicado em 1912. O narrador é Blau Nunes, o vaqueano, apresentado ao leitor na nota introdutória da edição. Sabe-se dele que foi tropeiro, teve família e também percorreu os diversos cantos do Rio Grande do Sul servindo nas forças militares que sustentaram as muitas guerras que tiveram a região platina como
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palco. Homem simples, mas com alguma instrução, Blau encontra um interlocutor de quem nada se sabe, que o acompanha em certo recorrido e ouve dele os causos que conta de memória. Algumas das histórias são anedotas. Outras, as mais marcantes, são as lembranças que Blau remexe, conforme o trajeto que percorre com o “patrãozinho”. O mesmo narradorpersonagem conduz o livro publicado em 1913, Lendas do Sul, no qual estão estilizadas literariamente três lendas populares no Rio Grande do Sul. Um velho experimentado que conta em primeira pessoa suas memórias de amores, guerras e crenças a um interlocutor silencioso, com a musicalidade do idioma popular. Sim, você já leu isso antes. Quando Guimarães Rosa passa a palavra a Riobaldo, em Grande Sertão: Veredas, faz a mesma operação narrativa – guardadas, obviamente, as enormes diferenças entre um e outro: para se ficar em apenas uma, o gaúcho escreveu contos breves, enquanto o mineiro produziu um caudaloso romance. Já que se falou em Rosa, vale destacar que a verve de Simões Lopes Neto não lhe passou despercebida. Guardado no acervo do Instituto de Estudos Brasileiros, na USP, o exemplar de Contos Gauchescos e Lendas do Sul que pertenceu a Guimarães Rosa revela a leitura minuciosa que o autor de Sagarana fez da obra. Simões Lopes Neto não foi, porém, o primeiro escritor a enfrentar o desafio de transformar a vida e a fala dos personagens do campo em literatura. Por que, então, ele é tão emblemático? A explicação está na operação narrativa que construiu. Contemporâneos seus, nos primeiros anos do século 20, também usaram a matéria
rural como tema ficcional. Coelho Neto, famoso na época, foi um deles. Em sua prosa, porém, não conseguiu resolver a distância que havia entre o narrador culto e os personagens populares. Quando tratou desse problema, o crítico e professor Antonio Candido comparou justamente os dois escritores, apontando uma certa falsificação linguística praticada por Coelho Neto. Enquanto a fala do homem do campo vinha marcada com erros de ortografia para salientar seu modo de expressão, o narrador usa a norma culta no curso do relato. Segundo Candido, essa técnica delimita a distância entre o autor letrado e o pitoresco personagem, de falar rebaixado. É essa equação que Simões Lopes Neto primeiro resolve, entregando a condução do relato ao próprio personagem, sem rebaixar sua fala com erros gramaticais, mas marcando a
cadência do seu sotaque e a característica dialetal de suas expressões. O professor de literatura brasileira da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Luís Augusto Fischer, que coordenou uma edição anotada dos Contos e Lendas em 2012, comenta que Simões Lopes Neto desatou um dos nós mais apertados da ficção brasileira da época, que era incorporar à literatura os elementos do povo, de gente iletrada ou semiletrada. “E talvez uma solução que fosse ao mesmo tempo literária e historicamente adequada, que conferisse protagonismo respeitoso com uma visão emancipadora do homem do povo, ainda demorasse quem sabe uma geração para surgir (até Guimarães Rosa, ao menos), não fosse o aparecimento de Simões Lopes Neto, com estes dois livros”, assinala Fischer, no ensaio que abre a edição.
Simões Lopes Neto: obra usa narrativa comparável à de Guimarães Rosa em Grandes Sertão: Veredas
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PAISAGENS E DRAMAS UNIVERSAIS NO CENÁRIO WDO CAMPO
– Está vendo aquele umbu, lá embaixo, à direita do coxilhão? Diziam os antigos que aí encostado havia um lagoão mui fundo onde até jacaré se criava. Eu, desde guri, conheci o lagoão já tapado pelos capins, mas o lugar sempre era respeitado como um tremedal perigoso; até contavam de um mascate que aí atolou-se e sumiu-se com duas mulas cargueiras e canastras e tudo..." A abertura do conto No Manantial, um dos mais poderosos de todo o conjunto dos Contos Gauchescos, convida o leitor a observar a singeleza da paisagem dos campos abertos do Rio Grande do Sul. Blau Nunes não situa muito bem o relato no tempo, mas dá para saber que tudo ocorreu em meados do século 19, já que o próprio
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narrador participou dos funestos acontecimentos que relembra. O umbu, o coxilhão, o próprio manantial, que é um pântano, são elementos encontráveis ainda hoje em meio às extensas pastagens e aos plantios de soja, que cobrem o bioma Pampa em território gaúcho. A natureza, não por acaso, é determinante na literatura de Simões Lopes Neto, por desafiar e moldar o caráter dos homens que viviam na região. As grandes estâncias de gado, divididas entre poucos proprietários pelas Leis das Sesmarias, são os pontos de referência de onde partem os personagens e suas histórias de guerra, de amor, de vida e de morte. Ainda no ensaio introdutório à edição de 2012, o professor Luís Augusto Fischer destaca que as narrativas percorrem esse universo campeiro desde os tempos mais primitivos, anteriores às cercas de
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delimitação das propriedades, até a realidade pastoril. Os Contos e Lendas nada têm a dizer sobre a cidade, a modernidade ou a lógica da mercadoria. “Escrevendo nos marcos da literatura naturalista, Simões Lopes Neto pegou da experiência direta que tinha do mundo campeiro gaúcho, da fazenda de criação de gado, assim como da tradição guerreira do mundo da fronteira do Brasil com os países do Prata, e com esse barro forjou personagens impressionantes, homens desassombrados e mulheres determinadas, vivendo cenas de intensa força, que só ocorrem quando somos confrontados com os limites do que temos de mais humano, o amor, o desejo, a sobrevivência física, a luta pela domesticação da natureza, a guerra.” UM ESCRITOR FORJADO ENTRE O CAMPO E A CIDADE
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de spoiler, pode-se dizer que Blau Nunes galopa apressado pelas estradas entre as estâncias enquanto observa a beleza melancólica do crepúsculo, sempre mais lenta e dramática nessas latitudes. Como o seu personagem, o autor também observou incontáveis vezes o pôr do sol nos campos. Essa é, porém, uma das únicas semelhanças entre eles. João Simões Lopes Neto nasceu em Pelotas, no sul do Rio Grande, em junho de 1865. Sua mãe, Thereza, foi assistida por parteiras no casarão da imensa Estância da Graça, uma das mais bem-sucedidas charqueadas do estado. Seu avô, João Simões Lopes, era um dos homens mais ricos da província. O resgate mais completo da vida do escritor está no livro João Simões Lopes Neto – Uma Biografia, publicado em 2003 por Carlos Francisco Sica Diniz. A obra aponta que, por ter
“A estrada estendia-se deserta; à esquerda os campos desdobravam-se a perder de vista, serenos, verdes, clareados pela luz macia do sol morrente, manchados de pontas de gado que iam se arrolhando nos paradouros da noite; à direita, o sol, muito baixo, vermelho-dourado, entrando em massa de nuvens de beiradas luminosas. Foi caindo uma aragem fresca; e um silêncio grande, em tudo.”
Quem já viu um entardecer de verão nas imensidões do Pampa reconhece de pronto a paisagem desta cena, mais uma do conto Trezentas Onças. Sem correr risco
emprestado dinheiro ao Império para obras de infraestrutura e também para o financiamento de guerras, este avô ganhou um título de nobreza, passando a ser
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chamado de Visconde da Graça. O menino cresceu no ambiente rural da estância, cercado de natureza, de animais e das gentes que habitavam aquele entorno – peões, capatazes, escravos, velhos contadores de histórias. Quando tem por volta de 10 anos, divide-se entre a vida na estância e o colégio francês, onde estuda, no centro de Pelotas, que era então a metrópole mais desenvolvida e de vida cultural mais intensa do estado – quando adulto, ele escreve um livro para leitura escolar, nunca publicado em vida, no qual o narrador é um menino que se divide entre as férias, na estância, e a vida urbana, na escola. Ao completar 11 anos, a primeira e talvez a mais devastadora tragédia chega com a morte da mãe, vítima de doença pulmonar. Como era costume nas famílias aristocráticas, João Simões foi mandado ao Rio de Janeiro para estudar. Permaneceu na então capital do país até os 18 anos: estava lá, por exemplo, quando Machado de Assis publicou Memórias Póstumas de Brás Cubas. Quem retorna a Pelotas, no final de 1884, é um jovem herdeiro, disposto a empreender e a atuar na vida cultural de sua cidade. Imediatamente começa a publicar poemas e triolés satíricos na imprensa pelotense. Em parceria com amigos, escreve para teatro por um longo tempo, com grande sucesso. Consolida sua reputação como intelectual PLANT PROJECT Nº21
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Literatura
proferindo conferências cívicas, uma moda da época. Apesar da abastança que reinava na família, o escritor nunca quis viver de renda. Foram muitos os projetos empresariais em que se envolveu: foi despachante, comerciante, teve uma fábrica de cigarros, uma de café, uma destilaria, uma vidraria e chegou a investir pesado na extração de prata em Santa Catarina. O talento para as letras, porém, não o ajudou nos negócios. Falhou em tudo o que tentou e, assim, dilapidou a herança que recebeu do avô. Quando rompe a primeira década do século 20, João Simões está financeiramente aniquilado, trabalhando como professor e jornalista assalariado, morando de favor. Seu movimento intelectual, por outro lado, está mais avançado do que nunca. Surge, assim, em 1910, o Cancioneiro Guasca, primeira
recolha de folclore popular gaúcho. Pouco tempo depois, começam a aparecer na imprensa pelotense alguns contos. Até que em 1912 é publicada a primeira edição dos Contos Gauchescos. No ano seguinte, a mesma editora lança as Lendas do Sul – desde 1949, os dois livros são publicados em conjunto. O que teria feito a chave de um intelectual urbano virar para que todo o esforço da sua maturidade se voltasse para a matéria rural? Sua correspondência e sua biblioteca se perderam depois da morte prematura, aos 51 anos. Portanto, fica difícil especular essa resposta. O que se sabe é que o mundo rural sempre foi presente na rotina de João Simões. O pai, Catão Bonifácio, tomava conta de uma das fazendas do Visconde, em Uruguaiana, para onde o escritor viajou algumas vezes. Diz-se que foi nesse trajeto que
COMO LER SIMÕES LOPES NETO Depois de sua morte, em 1916, pouco se falou da obra do escritor pelotense. Foi em 1949 que a coisa começou a virar. Em um esforço notável, a Editora Globo publicou uma edição conjunta dos Contos Gauchescos e Lendas do Sul, como título de estreia de sua Coleção Província, que depois viria a publicar nomes como Érico Veríssimo. O ensaio de abertura dessa edição é do crítico Augusto Meyer, que revela a importância da obra no cenário da literatura brasileira considerada regionalista. Também nesta edição, um glossário feito por Aurélio Buarque de Holanda abre as portas para o texto. Depois dessa, muitas outras reedições ocorreram. Novas obras, inclusive, foram descobertas e publicadas, como o livro de leitura infantil cujo narrador é um menino. As obras maiores de Simões, porém,
ele ouviu, na companhia de Catão, o relato da lenda da Salamanca do Jarau. É ao pai, aliás, que ele dedica os Contos Gauchescos, além de homenageá-lo com o personagem Tandão Lopes, no conto Juca Guerra. O fato é que Simões Lopes Neto recorreu ao universo campeiro de sua infância, mas não só a este. Voltou muito no tempo para fazer uma espécie de luto pelo mundo que, já àquela altura, morria. A lei da honra sobre a lei do estado, a imensidão do campo sem cerca, as disputas primitivas entre os homens por guerras ou por amores, o embate com a natureza, tudo está na obra de Simões. Obra essa que é narrada a partir de dentro, em linguagem que, é verdade, parece difícil, mas que uma vez enfrentada, oferece ao leitor uma experiência artística completa, que ultrapassa os muros do regionalismo.
seguem sendo os Contos e Lendas. Para mergulhar no universo construído pelo escritor, porém, é preciso compreender a sua linguagem – motivo pelo qual uma edição anotada é tão importante. A mais completa e acessível é a edição publicada em 2012 pela L&PM, com introdução, fixação de texto e notas feitas pelo professor Luís Augusto Fischer.
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Vancê está vendo bem, agora? Vancê quer, paramos um nadinha. Com isto damos um alcezito aos mancarrões, e eu... desaperto o coração! Ah! Saudade!... Parece que ainda vejo minha morena, quando no rancho do Chico Triste botei-lhe os versos...” Trecho final do conto No Manantial
Imagem hiperespectral da agtech Gamaya mostra variedades de cana no interior de SP: Lançamento de produtos em plena quarentena
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As inovações para o futuro da produção
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As inovações para o futuro da produção
Sensoriamento remoto com imagem hiperespectral: setor de tecnologia ganhou espaço na pandemia 116
DIGITALIZAÇÃO ACELERADA Para obedecer ao isolamento social, medida crucial na contenção da Covid-19, sem deixar de produzir, o agronegócio teve de apertar o passo da digitalização. Processos que poderiam levar anos aconteceram em meses Por André Sollitto e Romualdo Venâncio
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iferentemente de uma significativa parte da população brasileira, o produtor rural não teve a opção de trabalhar em home office para se proteger e evitar a propagação da Covid-19. Seu escritório é junto às lavouras e às criações, então a solução foi adotar todas as medidas preventivas necessárias e ir a campo. Quem está direta ou indiretamente envolvido com sua rotina também entrou nesse batidão – fornecedores de produtos e serviços, assessorias técnicas, consultorias, instituições de ensino, organizadores de eventos e tantos outros. Como consequência desse esforço coletivo, houve forte aceleração no processo de digitalização do agronegócio. A tecnologia se tornou a melhor saída para encurtar as distâncias, otimizar o tempo, reduzir custos, aproximar gerações e reafirmar a capacidade de resiliência do meio rural. Essa progressão já vinha sendo intensificada, de acordo com a sétima edição da Pesquisa Hábitos do Produtor Rural, realizada pela ABMRA (Associação Brasileira de Marketing Rural e Agronegócio), em parceria com o Informa Economic Group (IEG/FNP), e divulgada em 2017. Entre os mais de 2,8 mil entrevistados, 96% tinham celular, dos quais 61% eram smartphones. Sobre a exposição aos meios de comunicação, 42% confirmaram ter acesso à internet. E desses, quase que a totalidade (96%) usava o aplicativo de mensagens WhatsApp, 67% a rede social Facebook e 24% o YouTube. Outro dado significativo mostrou um lado mais conservador que já deve ter sido alterado durante a pandemia: 53% dos entrevistados com acesso à internet afirmaram não ter feito cotação pelos meios digitais.
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Três anos depois, novo estudo pela consultoria McKinsey aponta que 85% dos entrevistados usam o WhatsApp diariamente para resolver assuntos ligados à agricultura, mesmo nos grupos de menor alfabetização. E 71% usam canais digitais para questões ligadas à fazenda (leia reportagem sobre o trabalho a seguir). A mesma pesquisa indica que um nível de digitalização maior entre produtores rurais brasileiros do que entre os americanos. “O setor já vinha se digitalizando, com o objetivo de ter mais produtividade e sustentabilidade”, diz Daniela Ferreroni, diretora da ABMRA e gerente de Serviços de Marketing e Sustentabilidade da Basf Crop Protection. “Esse momento traz a chance de acelerar tudo isso. As oportunidades surgem em diversas frentes, como produção, comunicação, comportamento de compra, e já estavam sendo desenhadas.” “A Covid não mudou tendências, o que aconteceu foi uma acentuação brutal da velocidade de transformação do que já vinha acontecendo”, afirma Paulo do Carmo Martins, chefegeral da Embrapa Gado de Leite. Martins é um entusiasta da tecnologia e está à frente de um dos projetos da Embrapa Gado de Leite para exatamente estimular o surgimento de inovações para o setor lácteo, o Ideas for Milk. O evento se tornou uma plataforma de lançamento de startups e uma oportunidade para jovens empreendedores, que ganham ainda mais relevância nesse período de pandemia por apresentarem ideias que otimizam a rotina de trabalho dos pecuaristas e da cadeia como um todo. O projeto está bastante voltado para dois fatores essenciais na pecuária atual,
a inteligência e a precisão. “São necessários dados para as tomadas de decisão e o pecuarista deve ser cirúrgico em suas escolhas. Essa junção exige da gente o mundo digital, e precisamos ter nas fazendas de leite o órgão mais sensível que é o smartphone”, afirma Paulo. Ele acrescenta ainda que a fazenda precisa estar no celular porque resolve três problemas primordiais: reduz as chances de erros nas muitas decisões que o produtor deve tomar durante o dia, permite a previsão de cada situação com mais inteligência e decisão e reduz a incerteza nas fazendas. “Sem contar que contribui para a permanência dos jovens nas fazendas.” A digitalização da gestão das fazendas tem uma relação direta com o aumento de lideranças mais jovens no meio rural. No entanto, a maior parte dos entrevistados na última edição da pesquisa da ABMRA estava na faixa entre 41 e 60 anos. “O Brasil é um país continental, então o avanço da tecnologia e a adesão às inovações têm forte ligação
com o rejuvenescimento da população no campo. E a simplificação da tecnologia vai diminuir essa distância, como o uso de smartphones e de aplicativos como o WhatsApp”, comenta Daniela. Para o coordenador do Núcleo de Agronegócio da ESPM (Porto Alegre, RS), Ernani Carvalho da Costa Neto, a Covid-19 acabou abrindo espaço para a voz dessas novas gerações, por estarem mais familiarizadas com a digitalização. “No Brasil, o principal tomador de decisão está numa faixa acima dos 55 anos, e não é uma geração digital. Mas é o mundo do pessoal na faixa dos 35 anos. Eles têm o conhecimento, mas seu desafio maior ainda é convencer os pais de que é interessante implantar uma nova tecnologia”, afirma. E estavam preparados quando a pandemia chegou e foi necessário substituir as negociações presenciais pelos contatos virtuais. “Algo que iria acontecer em três ou quatro anos está sendo antecipado, até porque as gerações mais velhas também vão começar a buscar isso”, acrescenta Ernani.
DE OLHO NO CONSUMIDOR Martins, da Embrapa, acredita que a pandemia trouxe também a necessidade de uma aproximação maior da produção rural com o consumidor final, sobretudo porque as exigências mudaram. Nas fazendas de leite, por exemplo, do pensamento quase que exclusivo com a produtividade das vacas, foi preciso avançar para questões como conforto, que envolve uma série de fatores: nutrição, que não é apenas dar comida; saúde, que não é apenas dar remédio; a satisfação do peão trabalhando com a vaca, por se tratar de um animal muito sensível; e a rastreabilidade. “Agora surgiu uma nova palavra na exigência do consumidor de lácteos, a biosseguridade, algo que já estava em outras cadeias, como a de frangos e a de suínos. A pandemia acelerou muito esse processo”, diz. Essa maior interação do produtor rural com o varejo e o consumidor final fortalece a agregação de valor aos itens acabados e que podem ser negociados diretamente. Por PLANT PROJECT Nº21
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O hub Jacto Connect oferece um espaço virtual de interação para produtores
conta disso, muitos agricultores e pecuaristas passaram a frequentar mais as redes sociais, tornando-as suas novas plataformas de marketing, e a aproveitar os grupos de WhatsApp para a negociação direta. E, se a demanda cresce, surge o fornecimento coletivo. “Um ponto interessante é que o consumidor sabe de onde vem o alimento, e o próprio produtor entrega”, diz Ernani Costa Neto, da ESPM. Outra consequência desse período de pandemia é que o público está mais preocupado com a origem dos alimentos. “O coronavírus impacta diretamente no setor de food service, por exemplo, e as pessoas passam a comer mais em casa. Aí surge a oportunidade maior para o produtor, que vende o alimento e pode entregar. A rastreabilidade acontece naturalmente”, afirma. Para aproveitar essa chance de manter, ou até expandir, os negócios, os fazendeiros precisam lidar com o marketing digital, uma parte da gestão a que poucos estavam habituados. Mais que isso, conhecer e saber utilizar de forma estratégica as ferramentas 120
disponíveis é uma questão de sobrevivência nesse território já bastante saturado e concorrido. Essa capacitação é parte da contribuição que o Núcleo de Agronegócio da ESPM tem oferecido ao setor, até por ser uma academia voltada ao mercado. “Temos trabalhado na profissionalização do setor, com a necessidade que o produtor tem de se aprimorar para cuidar de marketing, gestão e sucessão”, diz Costa Neto. E esse aprendizado é de extrema importância, pois a partir do momento em que passa a negociar diretamente com o varejo, seja com os pontos de venda, seja com os consumidores, o produtor precisa ter ainda mais conhecimento sobre finanças, até para saber o quanto vai ter de retorno, se o ganho vai justificar os recursos que está colocando. “Se não for assim, ele será sempre a parte mais fraca da cadeia”, acrescenta. Um exemplo do desenvolvimento citado por Costa Neto vem de Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul, fronteira entre Brasil e Uruguai. Trata-se do Rancho Canela do Mato, onde são cultivados cerca
de 120 produtos orgânicos entre in natura e minimamente processados – tubérculos, frutas, hortaliças, temperos – e o público também encontra itens fabricados por vizinhos, como queijos, iogurtes, vinhos e cervejas. “Pegamos um nicho de mercado e criamos um mix de produtos. Praticamente um market-place”, comenta a proprietária, Keli Oliveira, que também é professora de pós-graduação em agronegócio na ESPM. Keli é adepta do movimento slow food, baseado em alimentos com sabor original, sem uso de produtos químicos e com preço justo, ou seja, com equilíbrio entre o que o consumidor paga e o que o produtor recebe. A ideia inicial era ter um restaurante nesses moldes, mas para isso seria primordial garantir o fornecimento dos alimentos. Adquiriram uma propriedade de 69 hectares, o tamanho adequado para o projeto, segundo Keli, com fácil acesso à cidade e disponibilidade de água. O passo inicial, em 2016, foi animador. Começaram com uma horta, que por conta do bom período climático rendeu muito mais do
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que imaginavam. “Oferecemos os produtos a cerca de dez pessoas que conhecíamos na cidade. Logo se tornaram 20, depois 30 e passamos a vender pelo WhatsApp”, comenta Keli. Em 2018 criaram um aplicativo para agilizar e organizar as vendas. Hoje já são 1.200 downloads. A ideia é continuar aprimorando e diversificando o negócio, sem aumentar muito de tamanho. O turismo rural já é uma opção, com um evento chamado sábado-feira. “Os clientes podem vir direto à propriedade e colher o que vão comprar. Realizamos a primeira edição em março do ano passado. Quando íamos repetir este ano, veio a Covid-19”, diz. Se por um lado a pandemia adiou alguns planos, por outro revelou que o plano de negócio estava no caminho certo. “Uma coisa que a Covid mostrou, ou reforçou, é que a vida é muito mais local. Então é interessante estimular a produção local, os empreendimentos rurais locais e, consequentemente, o mercado local”, afirma Keli. MUDANÇA DE HÁBITOS Grande impacto da pandemia foi alterar a rotina da população na base do “aceita que dói menos”. Ou muda os hábitos ou aumenta os riscos de contaminação pelo coronavírus – e todas as suas consequências. Aí vem um dos maiores desafios dessa situação, o convencimento das pessoas. “Usar novas ferramentas, eliminar hábitos antigos, perceber o mundo
como um sistema interligado, introduzir a vida remota em nosso dia a dia, mudar comportamentos, respeitar novas limitações, entender a importância da biossegurança e tudo de diferente que já faz parte de nossa nova vida em sociedade. Isso tudo traz muito desconforto”, comenta Renne Granato, gerente Corporativo de Negócios da Cotrijal, que tem sede em Não-Me-Toque (RS) e é uma das principais cooperativas agroindustriais do Brasil. No ano passado, a Cotrijal conquistou o Prêmio Ideas for Milk de Inovação exatamente pelo trabalho que vinha realizando com transferência de tecnologia para o campo. “O foco foi dado para que empresas rurais de gestão familiar pudessem ter acesso à ótima experiência de usuário em tecnologias 4.0, como machine learning e IoT. E a área definida para investimento foi o uso de tecnologia de monitoramento de comportamento animal”, diz Granato. Os dados coletados eram correlacionados a diversos indicadores, como reprodutivos, nutricionais e de saúde animal para definir estratégias mais eficientes para lidar com o gado e obter melhores resultados. O fato de já estarem habituados ao mundo digital facilitou a adaptação a este novo momento, em que foi preciso agilizar os processos de digitalização dos negócios, das operações e da relação com associados e clientes. “Entendemos
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Para Paulo Martins (Embrapa), Ernani Neto (ESPM) e Renne Granato (Cotrijal), a pandemia da Covid-19 apertou o passo da digitalização no agronegócio, o que acabou gerando novas oportunidades comerciais
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Rodrigo Iafelice, da Solinftec: “Estamos vendendo mais de forma virtual do que fazíamos pessoalmente”
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que para atingir um alto nível de cultura de inovação teremos de passar por essa fase, e os efeitos da pandemia têm contribuído para isso”, diz Granato. A adequação mostrou ainda outros pontos que já poderiam ter sido otimizados. Para o gerente da Cotrijal, foi significativo o ganho na gestão de tempo com a substituição de viagens pelos encontros virtuais e com reuniões mais objetivas e mais bem aproveitadas, feitas no tempo necessário. “A interação é diferente, mas estar no mesmo local não é mais prerrogativa de bom rendimento. É incrível como o dia rende mais.” Granato aposta que esses novos hábitos permanecerão após o fim da pandemia. “Mais produtividade não se joga fora. Eliminaremos a improdutividade com o uso das tecnologias já absorvidas em nossa rotina”, diz. O executivo não está sozinho nessa. Rodrigo Iafelice dos Santos, CEO da Solinftec, startup que é líder global de SaaS (Software-as-aService) na agricultura, conta que a redução de custos com viagens, por exemplo, ajudou a anteciparem investimentos na evolução da estrutura, das centrais de monitoramento de pós-venda e do atendimento de maneira geral. Isso ampliou o contato com os produtores e as chances de negócios. “Estamos vendendo mais de forma virtual do que fazíamos pessoalmente”, afirma. Segundo Santos, há uma percepção mais clara do valor das soluções tecnológicas e de que não
se trata de um bicho de sete cabeças. “Se o produtor enxerga em uma tecnologia a possibilidade de reduzir custos e ganhar em produtividade, é natural que vá nessa direção. E a Covid acelerou essa questão”, explica. Querendo ou não, os fazendeiros se viram obrigados a se relacionar com as soluções digitais, até para manter o contato com familiares e amigos, como os encontros virtuais por meio de ferramentas de chamadas de vídeo coletivas. Ninguém duvida da seriedade dos problemas causados pela Covid-19, o quadro é no mínimo lamentável. Mas se é que podemos – e devemos – tirar algo de positivo de situações como essa, o potencial de adaptabilidade é um exemplo. No caso da Solinftec, que já mantinha um ritmo forte de expansão – segundo Santos, nos últimos anos, a empresa tem se multiplicado duas ou três vezes –, o cenário ampliou o leque de oportunidades. Além da atuação, aqui no Brasil, nos segmentos de soja, milho, cana, café e laranja, a empresa acaba de fechar seu primeiro contrato na silvicultura, com o segmento de eucalipto. “Já cortamos um custo muito alto para eles”, diz Santos, que tem visto seus dias ficarem mais curtos diante da crescente demanda por sua atenção aos negócios. Em meio a tudo isso, a Solinftec ainda anunciou uma rodada de investimentos de US$ 40 milhões, liderada pela Unbox Capital. Outro sinal de como a evolução tecnológica
aproxima o agronegócio dos demais setores econômicos: os investidores âncoras dessa rodada são acionistas controladores do Magazine Luiza, fenômeno do varejo no Brasil. Rodrigo comenta que a negociação também teve muito a ver com a afinidade. “Essa não era a melhor proposta, mas pela atuação dos investidores no varejo, o perfil arrojado, o empreendedorismo, que é muito próximo do nosso conceito, fizemos essa opção”, diz. O executivo faz questão de deixar claro que o aporte financeiro não veio do Magazine Luiza, mas de seus acionistas. Isso não quer dizer que o grupo não esteja envolvido com o agronegócio (leia nesta edição entrevista com Luiza Helena Trajano, presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza). Como contribuição para ajudar o comércio a superar as dificuldades da pandemia, o Magazine Luiza abriu sua plataforma de marketplace, o MagaLu, a outras empresas, sobretudo micro e pequenas, e comerciantes autônomos. A oportunidade atraiu companhias do agro, como a DSM, a primeira
do setor a utilizar essa enorme prateleira on-line, com os suplementos nutricionais para bovinos e equídeos da marca Tortuga. O AVANÇO DAS NOVAS tecnologias acelerou-se também sem segmentos que, na última década, já vinham investindo pesado na automação de seus processos. A Solinftec surgiu e cresceu oferecendo soluções para o setor sucroenergético. Agora, em plena pandemia, a agtech suíça Gamaya escolheu também os canaviais para fazer sua primeira incursão no mercado brasileiro. Especializada em sistemas avançados de sensoriamento remoto para lavouras, a empresa lançou o Canefit, um pacote de soluções de análise de imagens produzidas por drones e satélites que permite às usinas transformar em dados cada nuance visualizada do alto. “Não se faz gestão daquilo que não se conhece”, afirma Silvio Santos, consultor sênior e líder da operação da Gamaya no Brasil. “Nossas soluções fazem com que os produtores enxerguem coisas que o olho humano é incapaz de
ver. Assim, eles passam a conhecer cada detalhe de suas propriedades e podem tomar decisões mais assertivas.” A Gamaya aposta no diferencial tecnológico das imagens hiperespectrais (capazes de captar até 40 bandas de cores, contra apenas três da fotografia digital convencional), combinadas com inteligência artificial e machine learning para abrir espaço em um mercado cada vez mais disputado. A resposta dos potenciais clientes, mesmo durante a pandemia, tem sido animadora. “Começamos o ano com apenas 15 contatos ativos. Na virada do semestre, entre contratos fechados, demonstrações e conversas avançadas, já contabilizamos 60 usinas”, comemora Santos. São histórias que mostram que, se os agentes do agronegócio aproveitarem, de fato, toda essa transformação digital, o setor pode sair da pandemia ainda mais dono da posição de âncora verde da economia brasileira. E, neste caso, apenas para evitar qualquer falha de interpretação, “âncora” é sinônimo de equilíbrio, de estabilidade. PLANT PROJECT Nº21
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APETITE POR INOVAÇÃO
Com o objetivo de compreender a mente do agricultor digital na era digital, a McKinsey, uma das principais consultorias empresariais do mundo, lançou, no início de maio, uma abrangente pesquisa sobre a digitalização no campo. O estudo é feito a partir de sete critérios: planejamento de safra, gestão de riscos, compra de insumos, aquisição de maquinário, inovação, comercialização e sustentabilidade. O resultado é surpreendente e mostra o apetite do agricultor brasileiro por inovação. “Nós já tínhamos essa hipótese sobre o nível de digitalização”, afirma Nelson Ferreira, sócio sênior da McKinsey e líder da Prática de Agronegócios na América Latina da empresa. “A pesquisa ajudou a dar a validação.” 124
O levantamento foi feito antes da pandemia com base em entrevistas com 750 produtores de cinco cultivos – algodão, grãos, café, cana-de-açúcar e legumes e verduras – espalhados por todas as principais regiões produtoras do País. As respostas mostram que 85% dos entrevistados usam o WhatsApp diariamente para resolver assuntos ligados à agricultura, mesmo nos grupos de menor alfabetização. E 71% usam canais digitais para questões ligadas à fazenda. Esse número chega a 96% entre os produtores das chamadas novas fronteiras, que incluem o cultivo de algodão e grãos no Cerrado e no Matopiba. A penetração digital é maior do que nos Estados Unidos: 36% dos agricultores brasileiros fazem compras on-line, contra apenas 24% dos norte-americanos.
Esse apetite por inovação e por novas tecnologias é puxado principalmente por uma nova geração de agricultores com formação acadêmica mais robusta. “Existe uma sofisticação muito grande. Há uma mudança de geração e o tomador de decisão é mais jovem, responsável por propriedades maiores”, diz Nelson. A pesquisa aponta que 53% dos agricultores usam ou pretendem usar pelo menos um tipo de ferramenta de agricultura de precisão, mas o número chega a 75% entre aqueles que produzem algodão e grãos no Matopiba. Essa diferença no interesse por inovação fica clara em outro dado, que mostra a diferença de mentalidade entre os agricultores mais tradicionais e a nova geração: 26% dos produtores de algodão no
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Cerrado e grãos no Matopiba afirmaram estar dispostos a testar novas tecnologias sem um histórico comprovado, contra apenas 6% dos agrupamentos de café, verduras e legumes, cana-de-açúcar e grãos no Sul do País. Os resultados ainda mostram que não é possível generalizar um tipo de produtor nem por conta da região em que produz nem pelo cultivo a que se dedica. “Não existe um único agricultor brasileiro. Existem agricultores com perfis semelhantes em culturas diferentes”, afirma Nelson. “Os dados ajudam a sofisticar e granularizar a segmentação comportamental dos produtores.” Se esse era o cenário antes da pandemia, quando a situação voltar ao normal o apetite do produtor por tecnologia será ainda maior. "A pandemia acelera a digitalização porque as pessoas estão sendo forçadas a adotar algumas mudanças. E as empresas vão ter que se adaptar a um ambiente de múltiplos canais. As vencedoras serão aquelas que aproveitarem melhor essa mudança", diz Nelson. "O agricultor continuará demandando um relacionamento, mas ele não precisa mais ser físico. Pode ser virtual e remoto, como está acontecendo agora." Em alguns casos, no entanto, o olho no olho e a negociação in loco continuarão sem substitutos. A compra de maquinário é um
deles. A negociação pode ser feita via WhatsApp, e algumas peças até podem ser encomendadas on-line, mas o maquinário propriamente dito ainda é comprado pessoalmente. O futuro é bastante promissor, mas ainda existem vários gargalos que precisam ser resolvidos. O velho dilema da conectividade no campo é um deles. De acordo com os dados coletados, 95% dos produtores têm internet na sede da fazenda, mas apenas 23% têm conexão em toda a propriedade. A experiência do usuário é outra questão a ser debatida. “A user experience de plataformas ligadas ao agro simplesmente não estão no mesmo nível do que existe em um banco ou em serviços do varejo”, afirma Nelson. Tanto que 53% dos entrevistados dizem que o atendimento ao cliente é um ponto importante no momento de aquisição de insumos. Se os sistemas on-line não oferecem um bom atendimento e uma experiência satisfatória, os produtores vão preferir manter velhos hábitos. Outro ponto a ser melhorado é a segurança. A sensação de 40% dos entrevistados é de que o envolvimento em plataformas digitais só não é maior porque há uma percepção de que falta segurança. E essa percepção é vista especialmente nos produtores mais jovens, com formação superior e responsáveis por grandes
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Nelson Ferreira, da McKinsey: levantamento feito pela empresa mostra a digitalização no campo
propriedades. Ou seja, não é apenas uma sensação de um agricultor mais velho com menos intimidade com a tecnologia. A falta de garantia sobre o prazo de entrega, por exemplo, está inserida nesse contexto e representa uma grande barreira para a compra on-line de insumos. Afinal, o produtor não quer perder o momento oportuno porque seu pedido atrasou – uma realidade que é bastante conhecida por todos que compram pela internet, sejam produtos do agro ou não. PLANT PROJECT Nº21
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SOLUÇÕES REUNIDAS Foi em meio à pandemia que uma das maiores empresas de insumos agrícolas do mundo decidiu anunciar sua nova estrutura de agricultura digital. A Syngenta Digital chega com uma plataforma e duas soluções disponíveis aos produtores e representa, de acordo com a empresa, uma nova etapa na estratégia de modernizar as práticas agrícolas. A nova estrutura incorpora as quatro startups que a Syngenta – companhia de origem suíça, hoje controlada pela ChemChina – comprou nos últimos anos: a brasileira Strider, a ucraniana Cropio e as americanas FarmShots e Ag Connections. De acordo com Ronaldo Giorgi, head de agricultura digital da Syngenta para o Brasil e a
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América Latina, a mudança na estratégia se deve a uma percepção de que a capacidade de escalar as soluções seria muito maior se todas as empresas estivessem reunidas. Além disso, ele afirma que ferramentas e serviços desenvolvidos com foco em uma geografia específica poderão ser rapidamente adaptados. "Antes, havia um time de desenvolvedores só para o Brasil. Agora, existe um time que olha para as oportunidades de forma global, tentando adaptar as soluções para que elas sejam usadas no mundo inteiro”, afirma o executivo. O Brasil foi escolhido como o primeiro mercado a receber a Syngenta Digital. A estratégia está organizada a partir da plataforma Cropwise, que chega ao País com dois produtos: o Protector, focado no manejo integrado de pragas, e o Imagery, um sistema de gestão e análises de imagens de diversas fontes, como drones, satélites e aviões. “A função dessa plataforma é conectar o valor agregado de múltiplas soluções até chegar a um resultado diferencial, no qual o valor gerado para os clientes
que são usuários é maior que o valor dos produtos individuais”, diz Henrique Agostinho, líder de Desenvolvimento de Produtos da Syngenta Digital no Brasil. A nova estratégia digital da Syngenta também tem foco nos produtores de pequeno e médio porte, pois os grandes já estão mais acostumados a adotar tecnologias mais avançadas no campo. “Se olharmos para nossa pirâmide de clientes, no topo teremos os grandes players na perspectiva global, como a Amaggi e a SLC, que são bastante estruturadas. Na base, estão os pequenos produtores", afirma Giorgi. "Em agricultura digital, as tecnologias começaram a ser adotadas pelo topo da pirâmide. No mercado brasileiro de três anos atrás, só víamos os grandes produtores." De lá para cá, houve
um movimento de difusão da agricultura digital e produtores de médio porte passaram a se interessar mais pelas inovações. "O que estamos fazendo a partir dessa safra de agora é olhar para os pequenos, que são de fato aqueles que fazem um trabalho bastante forte e representam muito da agricultura brasileira”, diz ele. Por meio de parcerias da Syngenta com cooperativas e revendas, eles esperam oferecer aos pequenos a mesma tecnologia que já foi testada com os grandes players, mas em um formato simples o suficiente para que eles possam adotar. Além da iniciativa digital que começa no Brasil, a Syngenta anunciou o lançamento do The Good Growth Plan. A empresa vai investir US$ 2 bilhões em agricultura sustentável até 2025 e
se compromete a oferecer duas tecnologias disruptivas por ano. Trata-se de uma atualização da versão original do projeto, lançada em 2013, que propunha uma recuperação de 14 milhões de hectares à beira da degradação e a ampliação da biodiversidade em 8 milhões de hectares. De acordo com o comunicado global da empresa, todas as metas de 2013 foram superadas. O novo compromisso foi lançado após a realização de uma pesquisa de larga escala com produtores de Estados Unidos, França, China, Brasil, Índia e países da África. De acordo com os dados levantados, 72% dos entrevistados disseram estar preocupados com o impacto que as mudanças climáticas terão em suas culturas, e como elas poderão afetar seus negócios nos próximos cinco anos.
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AMBIENTES DIGITAIS, FEIRAS VIRTUAIS Logo que os governos estaduais brasileiros começaram a adotar medidas restritivas para tentar reduzir os impactos da pandemia, os eventos do agronegócio foram imediatamente afetados. Feiras tradicionais de grande porte, como a ExpoZebu, em Uberaba (MG), e a Agrishow, em Ribeirão Preto (SP), foram canceladas e as próximas edições acontecerão apenas em 2021. Outras, como a Expointer, em Esteio (RS), ainda tentam empurrar a realização para o final do ano, mas sem garantias. Essa onda de cancelamentos aconteceu também no resto do mundo. O encontro anual do Thought For Food, instituição que promove um desafio de startups com o objetivo de fomentar o ecossistema foodtech, aconteceria em Kuala Lumpur, na Malásia, em março, mas foi adiado para o fim de 2020. O fórum For the Future of Agriculture, que aconteceria em Bruxelas, na Bélgica, foi cancelado. 128
Para tentar driblar a não realização dos eventos físicos, a Agrotins, feira realizada há 20 anos em Tocantins, foi a primeira a adotar um formato cem por cento digital. Foram três dias de programação em um formato que remete à geografia das feiras presenciais. O Espaço dos Pavilhões oferecia vídeos e cartilhas com conteúdo do Governo Federal; o Campo do Conhecimento fornecia cursos e palestras sobre o futuro do agro, o setor de Expositores apresentava o conteúdo dos parceiros da Agrotins, e a programação ao vivo exibia conteúdo em tempo real. Após o término da feira, todo esse material ficou disponível no site do evento por 30 dias. De acordo com o balanço divulgado no final de junho, foram mais de 400 mil acessos e 4 milhões de visualizações das palestras transmitidas. E foram mais de R$ 216 milhões em negócios realizados – para efeito de comparação, na feira física de 2019 foram R$ 2,5 bilhões.
“Quando comparamos com a feira física, parece pouco. Mas é bastante dinheiro”, afirma Thiago Dourado, novo secretário de Agricultura, Pecuária e Aquicultura do Tocantins, na live de apresentação do balanço. “Esse volume de negócios é importante porque foi a primeira vez que fizemos um evento como esse. Começamos a feira virtual, em que todos os desafios foram postos à prova, e alcançamos esse resultado fantástico”, comemora. A startup Agrofy, que surgiu justamente com a proposta de oferecer um marketplace do setor em que o produtor pudesse encontrar tudo o que precisa, deu um passo adiante e lançou uma plataforma virtual para a realização de eventos do agro de forma digital. "Percebemos que era o momento de sermos ainda mais proativos, oferecendo uma solução que atendesse uma necessidade clara de todos. Já tínhamos a ideia de criar um grande evento digital, mas com a pandemia nos reinventamos para garantir novas
possibilidades de fazer negócio", diz Rafael Sant’Anna, business manager da Agrofy no Brasil. Em um primeiro momento, as empresas poderão oferecer seus produtos, em condições especiais, na feira da Agrofy. Mas a startup já prepara uma segunda etapa que será realizada em parceria com grandes feiras do setor, como a Show Rural Coopavel, para a realização de suas edições de forma on-line. "Com isso trazemos o nome e a credibilidade do evento aliado com a qualidade e eficiência da plataforma", afirma Rafael. De acordo com o interesse de cada organizador, será possível montar uma experiência customizada, com conteúdo de realidade virtual, estandes, canais de venda e atendimento, tudo o que acontece em uma feira tradicional. A John Deere também lançou uma plataforma robusta de conteúdo digital. Com um design que remete a um pavilhão de exposições em uma feira, o Conecta oferece um ambiente virtual em que o cliente da companhia pode acessar informações sobre
o maquinário, checar dados técnicos sobre cada máquina, conversar com o seu concessionário, acessar os serviços de pós-venda, além de informações de agricultura digital. O lançamento do Conecta é só o primeiro passo para a criação de um ecossistema John Deere que vai oferecer uma integração total entre o maquinário da companhia e seus serviços. A estratégia é transformar esse ambiente virtual em uma vitrine de serviços, tendências e máquinas da John Deere, além de palestras e outros conteúdos em vídeo. Todas essas tentativas não significam que as feiras do agro simplesmente vão deixar de existir. Nelson Pereira, sócio sênior da consultoria McKinsey, acredita que os eventos físicos vão continuar acontecendo. "Não sabemos muito bem como isso vai acontecer no ano que vem, mas em algum momento as feiras físicas vão retornar. E as coisas vão coexistir de forma híbrida. O que veremos é um acesso a talentos e tecnologias do mundo inteiro remotamente", afirma.
O encerramento da Agrotins e o John Deere Conecta: eventos e feiras migraram para o digital
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ETANOL DEVE SER RECONHECIDOPOR SEU IMPACTO POSITIVO NO MEIO AMBIENTE Po r Pl i n i o N a s t a r i Três importantes programas de governo estão em vigor nas áreas de meio ambiente e energia, mais especificamente energia para transporte. São eles o Proconve (Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores), o RenovaBio (Plano Nacional de Biocombustíveis), e o Rota 2030 (Mobilidade e Logística). Criado em 1986 pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), o Proconve define limites de emissão de poluentes emitidos pelo cano de escape dos veículos, objeto de controle. Esses limites servem de referência para a homologação dos veículos comercializados no País, e para o cumprimento de metas ambientais, principalmente as de abrangência local em grandes cidades. O RenovaBio é o moderno programa de incentivo ao aumento de eficiência energética-ambiental no setor de biocombustíveis, instituído por lei aprovada no Congresso e sancionada em dezembro de 2017 (Lei nº 13.576). Segundo o programa, metas nacionais aprovadas para um horizonte de dez anos, renovadas anualmente, são alocadas às distribuidoras de combustíveis proporcionalmente à sua participação relativa nas emissões de gases do efeito estufa do ano anterior, avaliadas em CO2 equivalente.
Para cumprirem suas metas individuais, essas distribuidoras, como partes obrigadas, ficam comprometidas por lei a adquirir Créditos de Descarbonização gerados pela venda de biocombustíveis por produtores certificados a partir de critérios internacionais de avaliação por sua eficiência energético-ambiental, segundo critérios de avaliação do ciclo de vida, em gramas de CO2e por MJ. O objetivo do RenovaBio é estabelecer metas para o setor de combustíveis líquidos que permitam o cumprimento dos compromissos firmados pelo Brasil no Acordo de Paris, ao mesmo tempo que conferem previsibilidade para o planejamento da expansão do setor de biocombustíveis no país. O Rota 2030 é um programa que define regras para a fabricação de veículos produzidos e comercializados nos próximos 15 anos. Foi instituído através da Lei nº 13.755, sancionada em dezembro de 2018, e tem como pilares a promoção do desenvolvimento tecnológico, competitividade, inovação, segurança veicular, proteção do meio ambiente, eficiência energética e a qualidade de automóveis, caminhões, ônibus, chassis com motor e autopeças. O Rota 2030 define metas de eficiência energética
a serem atingidas pelos fabricantes de veículos automotores com algum incentivo para o desenvolvimento e aplicação de motorizações que utilizem biocombustíveis por possuírem menor pegada de carbono. No entanto, o programa não tem especificamente estabelecida uma meta de redução de emissões simultânea às metas de redução de consumo energético. É fundamental que esses três programas sejam consistentes e coerentes entre si, na direção e nos objetivos preconizados no médio e longo prazo. A sua aplicação precisa se dar de forma harmônica, não gerando desalinhamento entre seus objetivos, evitando incertezas que comprometam o almejado estímulo a investimentos em expansão de capacidade e em pesquisa para o contínuo avanço tecnológico e a promoção de inovação no setor automotivo, e no de produção de energia para transporte. É preciso clareza e coordenação dos objetivos pretendidos com essas regulações, o que só pode ser atingido de forma colegiada, com a interseção e a contemplação simultânea de objetivos das políticas energética, ambiental, industrial e de desenvolvimento econômico e social. Atualmente, o único colegiado
Plinio Nastari, presidente da DATAGRO, representante da sociedade civil no CNPE, Conselho Nacional de Política Energética.
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que reúne no Brasil os requisitos para sediar essa discussão é o CNPE (Conselho Nacional de Política Energética), que congrega dez ministérios, inclusive os de Minas e Energia, Meio Ambiente e Economia, com a participação ativa de representantes da sociedade civil e da academia. De forma isolada, a implementação de cada um desses programas pode levar a soluções parciais ou incoerentes com as demais. Essa coerência deve advir da consolidação de uma visão comum sobre o futuro da mobilidade sustentável, que alie objetivos ambientais aos de desenvolvimento industrial, geração de empregos e de valor agregado a partir dos recursos humanos, naturais e econômicos disponíveis no País. O Brasil tem a felicidade de dispor de uma matriz de combustíveis diversificada e relativamente limpa, comparada a outros países. Em 2019, o etanol combustível (anidro) utilizado em mistura com a gasolina na proporção de 27% em volume, e o etanol hidratado utilizado pela frota flex, que representava ao final desse ano mais de 80% da frota de veículos leves, respondeu por 46% do consumo total de combustível do ciclo Otto, em gasolina equivalente. Desde março de 2020, o biodiesel é misturado na proporção de 12% ao diesel fóssil, e está aprovado cronograma para o atingimento da mistura de 15% até 2023. Existe ainda um enorme potencial a ser
explorado na expansão desses dois biocombustíveis, inclusive do etanol obtido não apenas a partir da cana-de-açúcar, mas também a partir do milho, e do biodiesel a ser produzido com o aumento do esmagamento da soja, em grande parte ainda exportada in natura, sem processamento e sem agregação de valor. A produção de cana é a atividade agrícola que mais renda gera por hectare, graças à sua elevada produtividade agrícola. Um hectare com cana gera em média 82 toneladas por hectare, enquanto um hectare com milho gera em média 5,5 toneladas por hectare, e com soja em média 4 toneladas por hectare. O processamento dessa produção agrícola, inclusive com a produção de biogás e biometano a partir de resíduos da produção agrícola e do processamento agroindustrial, multiplica o seu valor para cerca de três vezes, gerando emprego descentralizado e renda. Os biocombustíveis não são sustentáveis apenas quando usados isoladamente, mas conferem sustentabilidade e longevidade para o uso de combustíveis fósseis, que apresentam emissões de poluentes locais e de impacto global iguais ou inferiores às atingidas com motorizações adaptadas a realidades diferentes da nossa, e que não dispõem de condições para o aproveitamento dessa complementariedade. É preciso que as metas do Programa de Controle da Poluição do Ar sejam equilibradas entre si e levem
em conta o conjunto do controle e da redução de emissões que se pretende atingir. O etanol não só reduz emissões de formaldeídos, hidrocarbonetos reativos causadores de smog fotoquímico e de gases do efeito estufa, mas também é importante elemento redutor do uso de compostos aromáticos cancerígenos contidos no combustível fóssil. O estímulo fiscal ao desenvolvimento de motorizações que aliem eficiência energética e menor impacto ambiental deve ter como pano de fundo o planejamento de qual caminho se pretende seguir, avaliando os impactos ao meio ambiente e o consumo energético de forma completa, senão pelo conceito do berço ao túmulo, pelo menos no do poço à roda, mas nunca no conceito do tanque a roda. O controle da poluição do ar não pode levar ao limite de se restringir emissões dos canos de escape ao ponto de induzir soluções que não atendam os objetivos de controle de emissões de gases do efeito estufa ou dos objetivos de desenvolvimento econômico, social e do atendimento de uma política industrial. A visão de mobilidade sustentável deve levar em conta critérios de sustentabilidade ambiental, economicidade, replicabilidade, escalabilidade, acessibilidade econômica para os consumidores, e uso da infraestrutura existente para a distribuição de combustíveis. Mais do que tudo, a construção desse consenso precisa se dar com transparência, diálogo e ciência.
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