Para quem pensa, decide e vive o agribusiness
A REVOLUÇÃO DAS MÁQUINAS Inteligência Artificial, Internet das Coisas, robótica e muito mais a bordo dos equipamentos da lavoura do futuro OPERAÇÃO RETENÇÃO OS BASTIDORES DA REAÇÃO BRASILEIRA AOS EFEITOS DA “CARNE FRACA” AO REDOR DO MUNDO
TOP FARMERS As sagas de Walter Horita, no algodão, e Jonas Barcellos, na pecuária
FRONTEIRAS Terra a preço baixo e produtividade em alta no Cerrado de Roraima PERFIL O LADO AGRO DO HOMEM DE AÇO RAUL RANDON
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A ação coordenada de governo, organizações e grupos privados foi o ponto forte na superação – ainda que parcial, por enquanto – de uma das mais graves ameaças enfrentadas pelo agronegócio brasileiro nas últimas décadas. Uma reação imediata e proporcional ao risco provocado pela ruidosa e malfadada Operação Carne Fraca conseguiu mitigar, de forma exemplar, o potencial de
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AÇÃO E REAÇÃO
danos embutidos nas denúncias de fragilidades sanitárias na inspeção dos frigoríficos nacionais. Das lições que se tira do episódio, talvez a mais importante seja a percepção de que nenhuma das partes envolvidas nesse grande universo que forma a maior riqueza brasileira, o agronegócio, pode se omitir, não importa qual o desafio a ser enfrentado. Ministério da Agricultura, associações como Abiec e Abpa, grandes grupos exportadores, todos se mobilizaram em torno de um único objetivo: garantir que os mercados conquistados
Para quem pensa, decide e vive o agribusiness
à base de muito suor e competência não fossem perdidos por conta de casos isolados de irregularidades.
A REVOLUÇÃO DAS MÁQUINAS A REVOLUÇÃO DAS MÁQUINAS
Inteligência Artificial, Internet das Coisas, robótica e muito mais a bordo dos equipamentos da lavoura do futuro
A questão que fica é de que forma utilizaremos, daqui para a frente, esse
OPERAÇÃO RETENÇÃO OS BASTIDORES DA REAÇÃO BRASILEIRA AOS EFEITOS DA “CARNE FRACA” AO REDOR DO MUNDO
aprendizado. E por que não transformar a coordenação reativa relatada nesta
TOP FARMERS As sagas de Walter Horita, no algodão, e Jonas Barcellos, na pecuária
edição (leia reportagem a partir da pág. 22) em uma permanente ação proativa
edição 04 | maio/junho 2017
FRONTEIRAS Terra a preço baixo e produtividade em alta no Cerrado de Roraima
em defesa de outras causas que nos são tão caras. A agropecuária brasileira
PERFIL O LADO AGRO DO HOMEM DE AÇO RAUL RANDON
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está entre as mais eficientes do mundo, mas é frequentemente penalizada
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por entraves tributários, burocráticos e de infraestrutura. Não é difícil encontrar questões em torno das quais nos mobilizarmos. Complicado é construir esse sentido de unidade entre discurso e prática que se viu aplicado no que, entre os principais atores da estratégia de defesa da carne brasileira, ficou conhecido como “Operação Retenção”. Tão relevante quanto a ação rápida foi a consciência generalizada de que o trabalho feito no Brasil tem excelência e reconhecimento internacional. Outros setores, como o de grãos e o sucroenergético, possuem semelhante respaldo e poderiam suscitar movimentos de igual comprometimento, gerando oportunidades de negócios globais. Há décadas, por exemplo, o País tem deixado passar o bonde da energia alternativa, embora possua em torno de seus canaviais o mais abrangente e um dos mais sustentáveis modelos do gênero em todo o mundo. A falta de uma visão de longo prazo coordenada – pública e privada – em favor da bioenergia gerada com tecnologia brasileira foi um dos fatores que impediram sua internacionalização e, consequentemente, que ela fosse vista como uma opção global. Compreender o que precisa ser feito e como fazer é o primeiro passo para os avanços que necessitamos. Não basta ter capacidade e potencial. É hora de ação. Luiz Fernando Sá Diretor Editorial
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Plantação de Cannabis nos Estados Unidos Atividade recém-legalizada já é estrela nas bolsas de valores na América do Norte
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O lado cosmopolita do agro
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O lado cosmopolita do agro
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DEU ONDA NOS MERCADOS
De ‘maldita’, a cannabis aponta como um dos investimentos mais promissores dos próximos anos Não se assuste se, de repente, aquele seu amigo conservador surgir com um discurso ao estilo “legalize já”. A opinião dele em relação à maconha pode não ter nada a ver com o uso pessoal da erva, mas sim com seu bolso. Sim, a erva agora é motivo de investimento financeiro. O movimento de legalização da cannabis nos Estados Unidos e no Canadá tem levado a uma forte valorização de empresas que orbitam nessa indústria. Somente nos dois primeiros meses desse ano, o índice de cannabis da Viridian Capital Advisors, que reúne ações de 50 empresas, subiu 20%, contra 5% do Dow Jones. A alta teria sido ainda mais expressiva não fosse um comentário do porta-voz do governo Donald Trump: no final de fevereiro, Sean Spicer deixou no ar a 10
possibilidade de uma maior interferência do governo federal sobretudo nos estados onde o uso pessoal da maconha é permitido. Especialistas, no entanto, acreditam na tendência de legalização como um caminho sem volta. “As pesquisas mostram que a maioria dos americanos é a favor da legalização, pelo menos para fins medicinais. É impossível imaginar um recuo nesse aspecto”, diz Harrison Phillips, analista e vice-presidente da Viridian. Nos Estados Unidos, já são 28 estados onde o uso de princípios ativos presentes na erva é liberado para uso médico. Destes estados, oito também permitem que a maconha seja consumida para fins recreativos, entre eles a Califórnia. Outro que segue essa tendência é o Canadá, onde a le-
Indústrias químicas, como a GW Pharmaceuticals, cujo valor de mercado chega a US$ 3 bilhões, são as maiores do setor
galização para fins medicinais vale para todo o país. No mês passado, a Bolsa de Valores de Toronto anunciou a criação de seu primeiro fundo setorial voltado à indústria da maconha. As ações da maior empresa que compõe o fundo, a farmacêutica Aphria, subiram 80% nos últimos seis meses. Segundo a editora Arcview, especializada em relatórios e pesquisas sobre a indústria da maconha, no ano passado o faturamento do setor (incluindo EUA e Canadá) cresceu 30% em relação a 2015, chegando a US$ 6,7 bilhões. A expectativa é de uma expansão de aproximadamente 25% ao ano até 2021, quando esse mercado na América do Norte deverá atingir US$ 20,2 bilhões. As maiores companhias do setor são químicas ou farmacêuticas, como a GW Pharmaceuticals, cujo valor de mercado chega a US$ 3 bilhões. Mas há também grandes produtores, como a canadense Canopy Growth, avaliada em US$ 800 milhões. Além de manter uma área plantada de 350 mil metros quadrados, a empresa ainda conta com um laboratório para manipulação e produção de sementes geneticamente idênticas. “O nível de inovação tecnológica no setor é altíssimo”, diz Phillips. Um estudo feito pela New Frontier Data prevê que, até 2020, a indústria em torno da cannabis terá criado mais de 250 mil empregos, mais até do que a indústria de manufaturados. De fato, a turma do “legalize já” só vem ganhando bons argumentos.
Campanha pela liberação do uso tem argumento econômico: novos 250 mil empregos até 2020 nos Estados Unidos
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Vamos lá fora? De acordo com o Mappiness (aplicativo que coleta e organiza dados sobre o que as pessoas fazem durante o dia, e seu respectivo estado de humor em cada situação, o tempo médio que um indivíduo gasta com atividades externas fica em torno de 7%. Isso inclui desde uma viagem à praia até uma simples caminhada até o metrô. Ao se dar conta de que era uma dessas pessoas, a jornalista americana Florence Williams ficou estarrecida. “De fato, eu sentia falta da natureza, de caminhar pelas ruas, mas não tinha ideia do quanto isso estava afetando minha felicidade”,
conta. Foi a partir daí que ela resolveu investigar. Durante dois anos, Florence percorreu diversas cidades, não apenas nos Estados Unidos, entrevistando especialistas e gente comum, para tentar entender por que, afinal, precisamos tanto desse contato com a natureza – e como a falta dele pode nos fazer mal. Ela conta que, na Finlândia, as escolas trabalham com 15 minutos de recreio a cada 45 minutos de aula, pois essa “recarga externa” contribui para o aprendizado das crianças. O resultado da pesquisa está no livro The Nature Fix que a jornalista acaba de lançar.
I N G L AT E R R A
PÉS DE MILHO E ALGODÃO No dizer popular, dinheiro não nasce em árvore. De fato. Mas tênis talvez sim. Pelo menos essa é a ideia por trás do novo projeto da Reebok. A fabricante americana pretende lançar, ainda este ano, uma linha de tênis biodegradável, feito a partir de algodão e milho – daí o nome da iniciativa, Cotton+Corn. Esses dois ingredientes estão na base da fórmula do Susterra propanediol, material livre de petróleo que será usado na sola dos novos calçados. Como o produto é orgânico, os consumidores poderão retornar seus pares de tênis antigos à fabricante, que pretende reciclá-los para uso no solo, como adubo. As concorrentes também estão buscando projetos ecologicamente responsáveis. No ano passado, por exemplo, a Adidas lançou um modelo feito à base de plástico retirado dos oceanos. 12
AUSTRÁLIA
FAZENDA MODERNA Os clientes, um casal com filhos pequenos, queriam uma casa de veraneio que fosse capaz de acomodar 30 hóspedes, mas sem prejuízo ao aconchego. Além disso, o projeto deveria privilegiar um cenário extraordinário, na região de Ilawarra, sudoeste da Austrália. Foi a partir desse briefing que o estúdio de arquitetura Fergus Scott, de Sydney, deu forma à “Fazenda”, como os proprietários passaram a chamar a propriedade. Cercada por área de 200 mil m2, a casa tem oito suítes, além das áreas comuns, que incluem piscina, cozinha, lareira e dois salões. A equipe de arquitetos optou pelo cobre nos detalhes, muita madeira, mas o que de fato encantou os proprietários foram as paredes de vidro, que parecem trazer o visual para dentro de casa. Exatamente o que queriam.
E S PA N H A
VOOS DE DESPERDÍCIO
Cerca de 3,8 bilhões de pessoas viajaram de avião em 2016, um número que, segundo a Associação Internacional de Transportes Aéreos (IATA, em inglês), deve dobrar nos próximos 20 anos. Mais aviões no ar significam
maiores emissões de poluentes, mas este está longe de ser o único impacto ambiental. A IATA vem chamando a atenção para o alto índice de desperdício nos ares. Somente no ano passado foram 5 milhões de toneladas, incluindo sobras de refeições, dejetos dos banheiros, jornais e revistas, e kits higiênicos, como frascos, escovas de dente – muitos deles intactos. O lixo aéreo, porém, já começa a preocupar algumas companhias. A espanhola Iberia, por exemplo, lançou um projeto que pretende reduzir em até 80% o desperdício em seus voos, até 2020. A iniciativa inclui ações simples, como carrinhos preparados para coleta seletiva e treinamento específico para a tripulação. PLANT PROJECT Nº4
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CHINA
De volta ao campo. Dessa vez, para cima
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Praça Cívica Anfiteatro Digital Jardim dos Vinhedos Vitrine Aquapônica Museu de Ciências Estufa Zona de Produção Agrícola Estufa Híbrida Área de Pesquisa e Desenvolvimento Agrícola 10 – Torre de Escritório 11 – Sky Garden 12 – Praça do Metrô 13 – Centro Comercial 14 – Estufa Interativa
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Difícil acreditar, mas há pouco mais de 60 anos apenas 20% da população chinesa vivia em áreas urbanas. Essa parcela, agora, chega a 53% e a meta do governo é atingir 60% até 2020. Mas há quem esteja interessado no processo inverso. O escritório de design Sasaki, com escritórios nos Estados Unidos e na China, divulgou detalhes de um projeto que prevê a construção de um distrito agrícola em meio à cidade de Xangai. Localizado entre a região central e o aeroporto, Sunqiao, como foi batizada essa fazenda urbana, será instalada em um espaço de 100 hectares,
com apartamentos, espaços públicos, salas comerciais, supermercados e comércio em geral. A grande atração, porém, será a produção intensiva de alimentos de forma vertical, em sistemas hidropônicos fechados. Somando toda a área de plantio, Sunqiao deverá ter 750 mil metros quadrados voltados sobretudo à produção de verduras, couve, repolho chinês e espinafre, mas a idéia é ampliar a produção nos próximos anos, inclusive com peixes, também em estruturas verticais. A construção deve começar em 2018, com financiamento do governo federal. PLANT PROJECT Nº4
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ALEMANHA
DRONE TRIPULADO O mundo ainda mal se acostumou à ideia dos carros compartilhados e já se fala no uso de veículos aéreos para esse fim. É aí que entram os VTOLs – acrônimo em inglês para vertical take-off and landing. Em tese, trata-se de um meio de transporte na categoria dos helicópteros (de manobras verticais para pouso e decolagem), mas com um toque futurista. No ano passado, a Uber anunciou um plano, previsto para daqui a dez anos, de expandir seus serviços para os ares
E S TA D O S U N I D O S
FOLHA BIÔNICA O projeto de uma folha biônica, que vem sendo desenvolvido há mais de cinco anos pelo cientista Daniel Nocera, da Universidade Harvard, parece ter atingido o ponto ideal. O método permite recriar o processo de fotossíntese em laboratório, com um resultado ainda mais eficiente do que o processo natural. O professor Nocera e sua equipe conseguiram separar as moléculas de água em hidrogênio e oxigênio, que, junto com a luz solar, foram revertidas em uma espécie de combustível líquido – isso tudo com a ajuda de uma folha biônica, criada por eles. A descoberta pode levar, inclusive, à geração de energia limpa em pequena escala – a chamada “energia personalizada”, o que, segundo os pesquisadores, pode despertar bastante interesse sobretudo em países ainda em desenvolvimento. 16
por meio de VTOLs. Parecia uma realidade distante, mas já há empresas explorando esse mercado. No mês passado, a fabricante alemã e-Volo divulgou detalhes do Volocopter 2x, um VTOL movido a energia elétrica, com capacidade para dois tripulantes e uma autonomia de voo de aproximadamente 15 minutos (a 70 km/h). A empresa já tem autorização para operar como táxi aéreo na Alemanha e agora aguarda o sinal verde para estrear em outros países europeus.
EQUADOR
Os primatas agradecem Cerca de 45% das espécies de macaco do planeta está em extinção, principalmente em função do desmatamento. A situação é especialmente preocupante no Equador, um dos principais hábitats de macacos-aranha-de-cabeça-marrom. Mas uma iniciativa de preservação naquele país, na região de El Chocó, parece estar dando resultados. Depois de anos se dedicando à pesquisa sobre macacos-aranha, o biólogo Mika Peck resolveu mudar seu foco para os pequenos produtores de cacau. “Eles acabam desmatando para manter a produção local”, conta Mika. O pesquisador, então, fez uma proposta à comunidade: “Ofereci a eles um canal com marcas de chocolate premium, que pagam melhor. Em troca, teriam de produzir
de forma sustentável e buscar um produto de melhor qualidade”, conta. No ano passado, foram 5 toneladas de cacau, vendidos a um preço de US$ 3,5, valor três vezes maior do que o normal.
E S TA D O S U N I D O S
A GRAMA DO VIZINHO A economia compartilhada ficou mais evidente nos transportes urbanos (Uber) e no serviço de acomodação (Airbnb), mas a tendência vai se revelando também em pequenas iniciativas. Em algumas cidades americanas, como em Orlando, na Flórida, vizinhos estão se unindo para tornar produtivo aquele quintal ou terreno desocupado. Os moradores cedem esses espaços para a produção de orgânicos, que depois são vendidos para restaurantes e pequenos mercados do bairro, com a ajuda de bicicletas. Em troca, os moradores recebem entre 5% e 10% do total vendido. O objetivo da iniciativa, criada pela ONG Ideas for Us, é o de estimular uma alimentação mais saudável e ainda fomentar a economia local de forma sustentável. PLANT PROJECT Nº4
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G PALAVRA DE AUTORIDADE Caroline Bilkey, embaixadora da Nova Zelândia no Brasil
Há dois anos no País, a embaixadora Caroline Bilkey já adquiriu hábitos e gostos locais. Fã de pão de queijo, de churrasco e dos espumantes gaúchos, ela tem incentivado a cooperação e investimentos de grupos neozelandeses no agronegócio nacional. Ela explica a PLANT o que esses grupos buscam aqui. Quais suas primeiras impressões sobre o Brasil? Adoro trabalhar com os brasileiros, aprender sobre a história e a cultura rica daqui. O Brasil é um país imenso, quase trinta vezes maior do que a Nova Zelândia. Meu país é mais ou menos do tamanho do Estado do Rio Grande do Sul, e somos pouco mais de 4,5 milhões de pessoas. Então, tudo aqui no Brasil para mim é grande e bastante diverso. Fico impressionada com o potencial agrícola do Brasil, que é o maior do mundo. Como a Nova Zelândia pode ajudar o Brasil a desenvolver esse potencial? A Nova Zelândia é a maior exportadora de lácteos do mundo. Então, nossa expertise é naturalmente a pecuária leiteira. Boa parte dos investimentos neozelandeses aqui está relacionada a isso. A maior empresa da Nova Zelândia, a Fonterra, está no Brasil. Aqui, ela tem uma parceria com a Nestlé, chamada de Dairy Partners Americas (DPA), que compra o leite e processa em suas fábricas em Garanhuns (PE) e Araras (SP). Fazem iogurtes e bebidas de leite fermentado. Além disso, um grupo de produtores da Nova Zelândia se mudou para o Brasil no início dos anos 2000 e estabeleceu uma fazenda no sudoeste da Bahia. Lá, eles produzem o leite Leitíssimo. A fazenda tem uma produtividade três vezes maior do que a média de produção de leite na Nova Zelândia. Outra empresa de sucesso é o Grupo Kiwi, que tem duas fazendas de leite em Goiás. Além dos lácteos, a Nova Zelândia é reconhecida mundialmente pelos vinhos, kiwis e carne de cordeiro. Esses produtos estão ganhando espaço no gosto do brasileiro. 18
Que fatores fizeram as empresas neozelandesas se interessarem em investir no agronegócio brasileiro? Os principais fatores são o clima, o sol, o preço das terras e muita água. Sabemos que o produtor brasileiro hoje está buscando tecnologia e melhorias na sua fazenda. Os investidores neozelandeses conseguiram adaptar o sistema de produção da Nova Zelândia, que é baseado em pesquisas e técnicas de alta produtividade, às condições brasileiras, bastante favoráveis. Além disso, o enorme mercado consumidor que o Brasil tem é, obviamente, um grande atrativo para as empresas neozelandesas. Em quais áreas da agricultura a sra. acredita que Brasil e Nova Zelândia poderiam desenvolver uma cooperação técnica? Em diversas áreas. As prioritárias seriam qualidade do leite, manejo de pastagens, bem-estar animal, genética animal e sustentabilidade, tanto na economia quanto nao meio ambiente das fazendas. Que tipo de parcerias a embaixada tem desenvolvido e quais são os planos para este ano? Em julho do ano passado, realizamos um workshop para representantes do Senar de dezenove estados sobre a experiência da Nova Zelândia na produção de leite e como o nosso modelo pode ser aplicado no Brasil. Foi um grande sucesso. No workshop, cinco empresas neozelandesas contaram seu trabalho no Brasil, nas áreas de gestão da qualidade do leite, manejo de pastagens, genética e captação de leite. Depois do workshop, fomos visitar a fazenda Kiwi Pecuária, em Goiás. Ainda para 2017, estamos pensando em realizar esse tipo de workshop em estados brasileiros, como Goiás e Santa Catarina. Além disso, no final de maio o enviado especial para assuntos de Comércio em Agricultura, Mike Petersen, estará no Brasil para conversar com representantes do governo e de entidades de classe a respeito da relação bilateral e a possibilidade de se fazer parcerias.
POLÔNIA
Curvas misteriosas Muito se fala (e com razão) sobre as misteriosas heranças da civilização maia, mas o que dizer da Krzywy Las, a Floresta Torta, na Polônia? Ali, cerca de 400 pinheiros são formados por uma concavidade no tronco, uma espécie de “barriga”. Com mais um detalhe: todas as curvas apontam na mesma direção. Uma explicação poderia ser uma falha genética no grupo, como já constatado em outras plantas, mas, segundo cientistas, as curvas na Floresta Torta teriam de ser mais caóticas, e
não tão desenhadas. Outra hipótese tem a ver com o meio ambiente: plantadas na década de 1930, as árvores podem ter sido deformadas em função de alguma força da natureza (por exemplo, uma forte tempestade de neve). O problema é que os pinheiros tortos estão rodeados por centenas de árvores com troncos normais. Por que essas não foram afetadas? Por fim, a terceira hipótese e a mais aceita delas diz respeito à ação do homem.
Pesquisadores desconfiam de que os pinheiros tenham sido lapidados para a indústria moveleira ainda nos seus primeiros anos de vida e que, com a Segunda Guerra Mundial, tenham deixado o trabalho para trás. Será?
E S TA D O S U N I D O S
MÁQUINA SAUDÁVEL O conceito de fast food tem sido bastante associado ao de junk food, mas não necessariamente uma refeição rápida precisa ser prejudicial à saúde. Pelo menos essa é a ideia que deu origem à Sally, nome de batismo dessa vending machine de saladas. O princípio é o mesmo das máquinas que normalmente vendem guloseimas e bebidas em lata por meio de notas e moedas. No caso da Sally, porém, o interior é abastecido com 21 ingredientes para salada, como verduras, legumes crus, frango desfiado, e acompanhamentos, como milho e azeitona, além de molhos. Segundo a fabricante da Sally, a californiana Chowbotics, a proposta é de que a máquina seja instalada em ambientes corporativos, onde possa ser abastecida diariamente por funcionários da copa ou catering da própria empresa. Ainda em fase de testes, Sally deve custar cerca de US$ 30 mil, mas também poderá ser alugada por US$ 500 mensais. PLANT PROJECT Nº4
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Globetrotter
THE BIG APPLE Nascido em Ipanema, no Rio de Janeiro, Sérgio Trindade, 76 anos, vive em Scarsdale, Nova York, há 31 anos. Viajou por mais de 87 países como consultor global em negócios sustentáveis, função que mantém até hoje. - Por que Nova York? Em 1985 fiz um trabalho de consultoria sobre energias novas e renováveis para o diretor-geral para Desenvolvimento e Cooperação Econômica Internacional das Nações Unidas. Esse trabalho originou o convite que me trouxe a Nova York em 1986, para ser secretário-geral adjunto das Nações Unidas para Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento e diretor executivo do Centro para Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento da ONU. Em seguida à ONU (de 1991 até hoje), permaneci em Nova York, criei a SE2T International e retornei à consultoria global, com ênfase em negócios sustentáveis. - Por que estar na cidade é um facilitador para o mundo dos negócios? A Big Apple é um exemplo de “cidade criativa”, cuja economia agrega valores financeiros e materiais, mas também imateriais, estéticos e espirituais. 20
- A eleição de Donald Trump dificulta a ida de brasileiros que buscam negócios em NY? Já sentiu alguma mudança? Não acredito que a política restritiva de imigração da administração Trump afetará brasileiros qualificados e interessados em desenvolver relações comerciais em Nova York. A Big Apple é a mais internacional das cidades americanas, foi construída por imigrantes e suas lideranças têm todo interesse na manutenção e expansão do intercâmbio internacional. - Um local para uma reunião de negócios? Reuniões de negócios ocorrem em vários ambientes, como os escritórios das empresas visitadas, espaços alugados por hora com apoio secretarial e logístico, espaços em hotéis, restaurantes e bares, além dos clubes de negócios e de universidades (Yale, Harvard) em Nova York. - Quais suas opções de lazer favoritas? A afluência de fração
relevante da população e visitantes permite a oferta permanente de educação e cultura em museus excepcionais, como o Metropolitan, o MoMA, de arte moderna, o Museu Americano de História Natural, o Museu Guggenheim e o Museu Whitney de arte americana, de onde se avista trecho da Highline, um parque ajardinado construído sobre uma antiga ferrovia elevada, com atividades como horticultura, artes e outras. - E restaurantes, quais destacaria? Há desde carrinhos nas ruas, que vendem cachorro quente, bagels e pretzels, até os mais luxuosos restaurantes como o Four Seasons (cozinha americana e europeia), o Golden Unicorn (para quem gosta de dim sum, em Chinatown), o Hatsuhana (sushi), o Mezzaluna (pasta e pizza), o Oyster Bar, meu preferido, melhor restaurante de peixes e ostras de Nova York, e o Union Square Café (new American cuisine).
Planta de processamento de frangos em Santa Catarina Campanha internacional para resgatar imagem da indústria brasileira de carnes
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Empresas e líderes que fazem diferença
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Empresas e líderes que fazem diferença
A IMAGEM NA GRELHA Com missões aos países compradores e reforço na comunicação, a Operação Retenção tenta consertar os estragos feitos pela malfadada Carne Fraca à reputação do produto nacional Por Nicholas Vital
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dia 19 de abril passado foi especial para Antonio Jorge Camardelli, presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec). Depois de três dias intensos de reuniões em Bruxelas, na Bélgica, onde participou ativamente das negociações para a retomada das exportações dos frigoríficos brasileiros para a Europa após o escândalo da Operação Carne Fraca, o executivo desembarcou em Teerã, capital do Irã, logo cedo, já pronto para iniciar uma nova rodada de encontros com autoridades locais e importadores de carne. O fim da tarde, no entanto, estava reservado a um compromisso bem mais importante: um jantar reunindo representantes do governo brasileiro, funcionários da embaixada e alguns dos grandes compradores de carne iranianos, evento que tinha como objetivo reforçar as boas relações entre os países e celebrar a reabertura de um mercadochave para o Brasil. Anfitrião da festa, Camardelli recepcionou cada um dos 128 convidados e os conduziu até o belo jardim arborizado onde estavam montadas as cerca de 25 mesas e a cozinha improvisada, que àquela altura já funcionava a todo vapor. O cardápio não poderia ser diferente: churrasco com carnes brasileiras da melhor qualidade, servidas por uma equipe do restaurante Barbacoa, enviada diretamente de São Paulo para o Irã dias antes. Liderados pelo chef-estrela Jeferson Finger, que comandou uma parrilheira com mais de cinco metros de extensão,
os garçons do Barbacoa serviram nada menos do que 160 quilos de picanha e bife ancho naquela noite. O rega-bofe, financiado pela iniciativa privada, foi mais uma etapa da “Operação Retenção”, uma espécie de road show promovido pelas indústrias exportadoras com a intenção de dar explicações e resgatar a credibilidade da carne brasileira junto aos grandes compradores após a repercussão negativa da operação deflagrada pela Polícia Federal semanas antes. No caso do Irã, um mercado que compra mensalmente mais de US$ 30 milhões dos frigoríficos brasileiros, este “carinho” era especialmente necessário. “Durante o churrasco, pouco se falou sobre problemas sanitários. As conversas giraram em torno do mercado como um todo e das melhorias nos processos técnicos”, disse Camardelli a PLANT, por telefone, diretamente de Teerã, logo após o evento. Na prática, a única decisão tomada pelas autoridades iranianas durante a reunião informal foi a de fazer uma nova rodada de inspeções nos frigoríficos brasileiros, medida que agradou os organizadores do evento. “Eles decidiram fazer uma auditoria, o que a gente achou muito bom. É melhor que venham mesmo, até para ratificar as condições das nossas indústrias”, disse o executivo, já de malas prontas para o Egito, onde ofereceria outro churrasco de relacionamento semelhante dois dias depois. Camardelli lembra que, após a divulgação da Operação Carne Fraca, 41
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países levantaram algum tipo de restrição à carne brasileira, entre eles alguns de nossos principais mercados, como Hong Kong, Egito e União Europeia, que suspenderam imediatamente as importações. Passados 30 dias desde o estouro do escândalo, apenas sete países ainda mantinham algum tipo de restrição à carne bovina brasileira — Argélia, Trinidad e Tobago, San Vicente e Granadinas, Suriname, Moçambique e Granada — mercados que, segundo a Abiec, foram responsáveis por apenas 1,45% das exportações de carne bovina em 2016. Superada a fase de reabertura de mercados, a partir de agora será preciso seguir gastando muita sola de sapato para retomar a confiança dos importadores e restabelecer completamente as vendas externas. “O trabalho para reverter a situação está sendo um esforço conjunto entre o governo, através do Ministério da Agricultura, Ministério das Relações Exteriores e Itamaraty, entidades setoriais e empresas exportadoras”, afirma o representante dos frigoríficos, admitindo que o maior prejuízo foi mesmo à reputação da carne brasileira no exterior. “Por ser um grande competidor nesse mercado
internacional de carnes, e, mais do que isso, ser um dos poucos países que podem atender demandas pontuais de outros mercados, com volume e qualidade, o Brasil se tornou uma vitrine. E, como vitrine, teve um grande abalo de imagem por conta da Operação Carne Fraca, que é o que a gente está tentando desfazer agora”, diz o executivo, que contou com o apoio irrestrito de autoridades do primeiro escalão do governo brasileiro durante todo o período de crise. Enquanto Camardelli e sua equipe rodavam a Europa e o Oriente Médio dando explicações, no Brasil, uma equipe do Ministério da Agricultura liderada pelo secretário executivo Eumar Novacki, braço direito do ministro Blairo Maggi, passou a atender delegações de países importadores e organizar visitas aos frigoríficos. Somente nos primeiros dias foram recebidos representantes da Jamaica, Chile, Rússia, Arábia Saudita e União Europeia, que se mostraram satisfeitos com as explicações e autorizaram rapidamente a retomada das exportações. Em entrevista coletiva concedida no início de abril, o ministro Blairo Maggi afirmou que “boa parte da batalha foi vencida”, referindo-se à retomada dos embarques para
parceiros comerciais importantes, como China, Hong Kong, Chile e Egito. Ainda assim, confirmou presença em uma missão de 20 dias por Emirados Árabes, Arábia Saudita e China. “Temos bom comércio e é importante termos, com eles, essa transparência”, destacou Maggi, que também deve passar pela Europa em seu caminho de volta. Para o ministro, no entanto, toda essa confusão poderia ter sido evitada. “O problema foi a forma de divulgação, que colocou em dúvida a qualidade do produto e nosso sistema de inspeção, que é forte, robusto”, afirmou. As críticas se dão pela forma generalista como a Polícia Federal anunciou a operação nos frigoríficos, dando a impressão de que todas as unidades investigadas tinham problemas sanitários — o que não é verdade. No caso da fábrica da BRF em Mineiros (GO), por exemplo, o fechamento se deu por conta da suspeita de conduta irregular no relacionamento entre funcionários da empresa e fiscais agropecuários. O fato é lamentável, mas, neste caso específico, não houve nada relacionado à qualidade ou segurança dos alimentos, tanto que a unidade foi reaberta poucos dias depois. Ainda
foto: Noaldo Santos/Mapa
O ministro Blairo Maggi inspeciona frigorífico no Paraná, enquanto Camardelli, da Abiec, viaja em missões pela Europa e Oriente Médio: ação coordenada
assim, a imagem que ficou para o consumidor final é a de que parte da produção da BRF estaria irregular ou até contaminada — problema que de fato ocorreu em outras frigoríficos. O que também não ficou claro para o consumidor médio é que o Ministério da Agricultura não é o único órgão fiscalizador desses estabelecimentos. Para que um frigorífico receba a autorização para exportar, ele é submetido a inspeções minuciosas por parte dos compradores estrangeiros e estão sujeitos a visitas técnicas a qualquer momento, sem a necessidade de aviso prévio. A planta da BRF em Mineiros, inaugurada em 2007, é considerada uma das mais modernas do País e estava habilitada para exportar para Japão, Canadá e Europa, alguns dos mercados mais exigentes do mundo. De acordo com um profissional ligado à BRF que aceitou falar sob condição de anonimato, a divulgação “desastrada” por parte da Polícia Federal serviu para que alguns países usassem o episódio para desvalorizar a carne brasileira e barganhar preços melhores, uma espécie de guerra comercial travestida de barreira sanitária. “A Coreia do Sul compra 80%
do seu frango do Brasil, não apenas da BRF. Ela suspendeu imediatamente as importações e, logo depois, voltou atrás. Por quê? Simples: porque ela não é produtora e não tinha como se abastecer de frango se não fosse comprando do Brasil. O frango é uma parte importante da dieta do coreano, então eles rapidamente voltaram”, conta o executivo. “É claro que existe a preocupação com a segurança alimentar, mas nós não podemos ignorar que também existe uma disputa comercial.” A teoria é confirmada por Antonio Camardelli, da Abiec, embora ele não cite nenhum caso específico. “Comercialmente falando, tivemos algumas tentativas de desvalorização do produto nacional por parte dos importadores. No entanto, garantimos a qualidade do nosso produto e não aceitaremos que ele seja desvalorizado por uma má conduta de uma parcela minúscula do setor, que não representa de maneira nenhuma o comportamento geral da cadeia”, diz o representante dos exportadores de carne bovina, admitindo, porém, que o acesso a novos mercados pode ser dificultado. “Nesses casos, o caminho para a abertura se tornou ainda mais longo e PLANT PROJECT Nº4
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foto: Antonio Araujo/Mapa
Servindo carne em Churrascaria no Mato Grosso e recebendo uma comitiva russa em Brasília: informação foi arma de Maggi e das associações contra a Carne Fraca
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complexo. Sem dúvida, a imagem da carne brasileira foi arranhada.” No mercado interno, o prejuízo à reputação do setor de carnes também parece ter sido maior do que as perdas comerciais. Uma pesquisa realizada pelo Datafolha e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo no dia 11 de abril aponta que “três de cada dez paulistanos dizem comer menos carne após a operação da PF.” Na prática, não foi bem isso que aconteceu. Na mesma reportagem, a Associação Paulista de Supermercados (Apas) afirma que não houve redução nem da demanda nem dos preços no mês de março, no auge do escândalo. Os profissionais ouvidos pela reportagem são unânimes em dizer que a crise é passageira e que a confiança do consumidor deve retornar gradualmente — movimento que deve ser agilizado graças à imagem de solidez construída pelas empresas do setor ao longo dos anos. “Se por um lado você tem uma marca forte que se torna alvo com maior facilidade, por outro essa marca forte também lhe ajuda a reverter o problema. O consumidor pensa: ‘Essa marca existe há 80 anos e nunca me causou nenhum problema’. Estamos usando a tradição e o histórico de nossas marcas para demonstrar que o problema não é bem assim”, diz a fonte da BRF. Opinião parecida tem o consultor em gestão de imagem Jaime Troiano, CEO da Troiano
Branding. “Empresas tradicionais como a BRF e a JBS têm um diferencial que é conhecido como saldo médio. Elas não começaram a vender carnes ontem. Essas companhias fazem isso há muito tempo e são respeitadas pelos consumidores, que acabam tendo uma tolerância muito maior com essas marcas. As empresas vão precisar usar o histórico de credibilidade para se recuperar”, afirma o especialista, ressaltando que os frigoríficos menores podem sofrer mais nesse período de crise. “Quanto menor o saldo médio, mais difícil será a missão de recuperar a credibilidade junto ao mercado”. Troiano considera que o caso ganhou uma repercussão ainda maior por envolver um alimento fundamental para a “saúde e felicidade” da população brasileira, mas aponta erros básicos de comunicação cometidos pelo setor após a divulgação da operação pela imprensa. “Há uma década, você podia esperar um dia ou até dois para dar uma resposta. Hoje você precisa dar uma resposta em uma hora, no máximo, ou a especulação vai correr solta e as fantasias podem se tornar realidade. Foi isso o que aconteceu”, diz o especialista. “Também não vi nenhuma das empresas admitir qualquer tipo de problema e nem se desculpar com os consumidores.” Entre erros e acertos, o fato é que o pior já passou. As investigações da Polícia Federal têm apontado falhas pontuais e
Operação Retenção
As missões aos países compradores de carne brasileira Rússia Bélgica (União Europeia)
Europa
China Irã Egito Jamaica
Arábia Saudita
Emirados Árabes
Hong Kong
Brasil
Chile
Blairo Maggi (Ministério da Agricultura) Antonio Camardelli (Abiec) Missões estrangeiras que vieram ao Brasil
o tempo está mostrando que o sistema brasileiro de produção de carnes, hoje uma referência mundial, funciona — ainda que não seja à prova de falhas. As notícias relacionadas ao setor também melhoraram e a tranquilidade, aos poucos, vai sendo restabelecida. A partir de agora, só nos resta aguardar a conclusão das investigações pela Polícia Federal e torcer pela punição dos envolvidos nesses esquemas ilegais. Que o escândalo da Carne Fraca sirva de lição e estimule o aperfeiçoamento dos sistemas de fiscalização no Brasil. “Existe um ditado em Minas Gerais que diz que ‘tropicão também leva para a frente’. Esta crise é uma oportunidade para o setor de carnes avançar ainda mais”, completa Jaime Troiano..
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Chef Jeferson Finger, do Barbacoa, assa cortes brasileiros em grelha armada no jardim da Embaixada do Brasil em Teerã, no Irã: amarrando o cliente pelo sabor
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fotos: Agência IstoÉ
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O DIA EM QUE A CARNE TREMEU Um dos personagens centrais no contra-ataque da indústria à operação Carne Fraca, o ex-ministro Francisco Turra relata os momentos críticos em que o “fogo amigo” colocou todo um setor em perigo
A
carne brasileira tem vários concorrentes de peso no mercado internacional, onde as disputas, muitas vezes, ultrapassam os limites da ética comercial e diplomática. É um jogo difícil de conquista de territórios, travado durante décadas de trabalho árduo, sujeito a ataques e reveses frente a rivais poderosos. O que ninguém esperava, porém, é que um dos piores atentados à indústria verde-e-amarela de alimentos viesse de dentro das fronteiras nacionais. Na manhã de 17 de março deste ano, o inusitado "fogo amigo" despencou sobre o setor na forma de uma grande operação policial ironicamente batizada com o nome de "Carne Fraca". A divulgação da operação de certo modo generalizou problemas encontrados em menos de 0,5% dos frigoríficos nacionais e transmitiu ao País - e ao mundo - a impressão de que a indústria brasileira fornecia aos consumidores internos e estrangeiros "carne podre". Pelo menos foi isso que uma parte da imprensa menos
familiarizada com o agronegócio e as quase sempre agressivas redes sociais espalharam aos quatro ventos nos dias que se seguiram ao anúncio da Operação Carne Fraca. A reação do setor, no entanto, foi imediata e exitosa - um "case" bemsucedido de "gestão de crise" que merece ser estudado nas universidades de agora em diante. Na linha de frente do contra-ataque, uma voz conhecida do agronegócio brasileiro fez-se ouvir na batalha em defesa do produto nacional. O ex-ministro da Agricultura Francisco Turra, atual presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) foi para diante dos holofotes - juntamente com outras entidades do setor, como a Abiec, e o Ministério da Agricultura - explicar aos brasileiros e ao mundo o que de fato estava acontecendo. Com transparência, sem negar os problemas efetivamente encontrados, mas ao mesmo tempo mostrando, com números e dados concretos, que 99,5% do sistema operava PLANT PROJECT Nº4
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corretamente, o gaúcho parecia remoçado ao alistar-se nessa batalha. Colocou-se em tempo integral à disposição dos veículos de comunicação, das autoridades e dos compradores da carne brasileira no exterior para demonstrar que a indústria nacional conquistou cerca de 160 mercados internacionais e transformou o Brasil no maior exportador mundial de carnes em pouco mais de duas décadas graças à sanidade e à excelência de seus produtos. O resultado desse embate foi que a reversão da crise começou já nos dias seguintes. No depoimento a seguir, feito ao jornalista Irineu Guarnier Filho, Turra narra, em detalhes, o que viu, sentiu e como reagiu aos acontecimentos do inesquecível "dia em que a carne tremeu".
foto: Marcos Corrêa/PR
Com o presidente Michel Temer e o ministro Eliseu Padilha no Palácio do Planalto: portavoz dos produtores de proteína animal
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UMA DOENÇA CHAMADA DESINFORMAÇÃO "Na sexta-feira, dia 17 de março, eu estava em Montevidéu, no Uruguai. Participava de
um encontro que tinha como objetivo prevenir a ocorrência de outra crise, a sanitária. Era um evento sobre Influenza Aviária, em que nós, pela ABPA, lideramos uma articulação com os países do Cone Sul com o objetivo de tratar da intensificação da vigilância sanitária. O Brasil é o único grande produtor mundial que nunca registrou casos da doença -- e isto nos coloca em vantagem no mercado internacional. À luz de nosso modelo de prevenção e articulação anticrise sanitária, representantes da Argentina, do Uruguai, do Paraguai e de outros países estiveram conosco, tratando de um debate amplo e conjunto entre as cadeias produtivas para evitar aquele que, à época, imaginávamos ser o mais grave problema que poderia nos acontecer. Não imaginava que o que estava por vir geraria uma crise muito maior. Naquela manhã, a 'doença' que atacaria nosso setor seria muito maior, mais grave e com efeitos mais avassaladores do que jamais pensamos. A doença se chama desinformação. Quando soube o que estava havendo na Operação Carne Fraca, repentinamente me veio à cabeça que os dez anos de luta para aumentar consumo, abrir mercados, fortalecer o setor, estavam ameaçados. Falo dez anos apenas pela ABPA, já que praticamente toda a minha vida pública foi dedicada ao desenvolvimento do agronegócio."
UM DOS MAIORES ATENTADOS À INDÚSTRIA DE ALIMENTOS "A desastrosa coletiva de imprensa realizada às 10h, em Curitiba, traria prejuízos inimagináveis para a cadeia de proteína animal do Brasil. Feita com as intenções iniciais corretas – o combate à corrupção –, a deflagração da Operação Carne Fraca e a sequência de informações equivocadas divulgadas se transformaram em um dos maiores atentados à indústria brasileira de alimentos. Esse ataque causaria prejuízos bilionários em um curtíssimo espaço de tempo. E ainda não temos como prever quando cessarão seus efeitos. Naquela, recebi a informação sobre a operação por minha equipe já logo após a divulgação, por volta das 7h. Ainda estávamos no escuro, não se sabia ao certo o que estava em jogo. Ainda pela manhã, quando tivemos acesso ao despacho que determinou a operação, ficou claro, para nós, que se tratava de casos isolados, com poucos personagens e uma parcela ínfima da produção. Dessa forma, pouco depois das 8h, emitimos nosso comunicado à imprensa – o primeiro do setor. Nele, expusemos nossas convicções, que se confirmaram depois. Em primeiro lugar, que eram fatos isolados. Em segundo, que somos auditados não apenas pelo Ministério da Agricultura, mas pelos 160 países para os
Quando soube da Operação Carne Fraca, repentinamente me veio à cabeça que os dez anos de luta para aumentar consumo, abrir mercados, fortalecer o setor, estavam ameaçados" quais exportamos. Por fim, que nossas instituições são sólidas, e que temos absoluta confiança no trabalho do poder público e da iniciativa privada. Foram cinco décadas de trabalho até chegarmos à liderança mundial das exportações de carne de frango e o quarto lugar nos embarques de carne suína. Imediatamente, articulamos com todos os nossos associados e entidades estaduais os pontos de esclarecimento, e alinhamos a canalização das demandas de imprensa, clientes e tudo mais para a ABPA. Naquele momento, cumpríamos a missão de escudos do setor." GRUPO DE CRISE NO WHATSAPP "É fato que, após a divulgação da Operação Carne Fraca, minha participação no evento uruguaio ficou absolutamente comprometida. Retornei imediatamente ao Brasil. A equipe de mercados, técnica e de comunicação da ABPA se debruçou sobre a investigação e sobre as informações divulgadas pela operação. Enxergamos a gravidade dos equívocos pontuados, como o uso de ácido
ascórbico – a famosa vitamina C, sugerida como cancerígena. Mais tarde, a exposição dos detalhes da operação deixou claro o baixo uso de conhecimento técnico, com apenas um laudo utilizado. Os próprios peritos federais manifestaram sua indignação com os procedimentos adotados pela operação no que diz respeito às análises. Meu telefone não parou ao longo do dia, exceto enquanto estive em voo. O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, o grande líder desta virada em prol da proteína animal do Brasil, não estava em Brasília no momento, então contatei o secretário executivo do Mapa, Eumar Novacki. Debatemos a importância de uma coletiva de esclarecimento sobre os fatos por parte do ministério. A coletiva aconteceu no mesmo dia, às 16h. Junto com o Mapa, a Abiec e outros envolvidos na questão, criamos um grupo de crise no WhatsApp. A ferramenta digital deu fundamental agilidade à nossa comunicação e alinhamento nesse processo. Lá, esclarecimentos ficaram mais sólidos e alinhados entre setor público e iniciativa privada." PLANT PROJECT Nº4
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O MASSACRE NAS REDES SOCIAIS "Nas redes sociais, era um massacre. A primeira onda de informação era o sensacionalismo. Nosso posicionamento na imprensa foi fundamental para agilizarmos o início do processo de esclarecimento. Naquela sexta-feira, entretanto, havia muito ódio causado pela desinformação. De ofensas pesadas até ameaças de morte, as mais absurdas manifestações ganharam corpo ao longo do dia. O lado sensacionalista da imprensa estava a todo vapor, com especialistas dos mais variados perfis convidados a se manifestar – todos, menos aqueles com perfil técnico. Diversos veículos adotaram o tom do sensacionalismo, taxando a produção brasileira como 'carne podre'. A partir dessas publicações, a imprensa internacional reproduziu o mesmo discurso. Não era ainda o momento de um rosto vir a público. Era preciso esperar baixar a histeria e a agressividade para que as manifestações públicas de esclarecimento ganhassem efetividade. Isto só foi possível no sábado.” O MOMENTO DE DEFENDER O SETOR “No sábado, demos início às aparições na imprensa nacional. Meu discurso foi convicto: 32
Minhas noites de sono foram rasas nas semanas posteriores ao 17 de março. Deverão continuar assim nos próximos meses" não se tratava mais, apenas, de esclarecer os absurdos divulgados e trazer segurança ao consumidor. Era o momento de defender o setor de proteína animal, que gera 4,1 milhões de empregos diretos e indiretos, que contribui de forma determinante para a segurança alimentar do Brasil e do mundo, que gera riquezas e divisas para o País, que faz girar a economia dos pequenos municípios, que mantém o sustento de famílias em meio à maior crise econômica de nossa história. Esse foi o meu discurso, essa é a ideia que defendi e que levei para Brasília, no domingo, em nosso encontro com o ministro Maggi, que, imediatamente, na sexta-feira, saiu de seu afastamento para liderar a virada, com o presidente da República, Michel Temer, e com os outros elos envolvidos, como a própria Polícia Federal. Foi um momento forte, fundamental, de engajamento e apoio total do Governo Federal ao setor. Ainda no domingo à noite, demos início àquele que consideramos o grande momento de virada para o setor produtivo: a coletiva de imprensa que realizaríamos na segundafeira de manhã."
A VIRADA DO JOGO “Após uma reunião de equipe, demos início, às 10h30, à nossa coletiva. Mais de 70 veículos da imprensa nacional e internacional estavam conosco. Realizamos o evento em conjunto com o Antônio Camardelli, presidente da Abiec. Durante quase duas horas de entrevista – transmitida ao vivo por diversos canais de televisão –, esclarecemos ponto a ponto. Destacamos nossa posição a favor do combate à corrupção, mas fomos incisivos quanto à importância do pleno esclarecimento de que não poderia jamais ter entrado em julgamento a qualidade de nossa proteína animal. Não somos líderes por acaso. Além das auditorias públicas, recebemos milhares de missões privadas em nossas agroindústrias. Nossa qualidade sempre foi um diferencial que permitiu não apenas sermos líderes mundiais nas exportações, como gerar impactos econômicos e sociais primordiais para a nação. A ideia principal: que se separe o joio do trigo. O jogo, naquele momento, virava de forma expressiva. Ao longo das duas semanas
seguintes, o trabalho prosseguiu com a imprensa nacional e internacional. Ao mesmo tempo, nossas equipes técnica e de mercados faziam uma varredura junto aos clientes internacionais, prestando os esclarecimentos necessários. Da mesma forma, levantavam todo o subsídio necessário para dar suporte ao trabalho realizado pelo Ministério da Agricultura, que fez cessar quase todos os embargos totais que nos foram impostos. Já no início da semana, a Coreia do Sul retomou os embarques. Novas boas notícias chegaram no sábado seguinte, vindas da China, do Egito e do Chile. No início da outra semana, foi a vez de Hong Kong." A CONFIANÇA DOS CONSUMIDORES "Naquele momento se encerrava a primeira onda de impactos da Operação Carne Fraca. A própria Polícia Federal, juntamente com o Mapa, emitiu uma nota de esclarecimentos. O Governo Federal foi impecável nesse processo. O jogo virou, mas os estragos estão feitos. E não foram poucos. Apenas duas empresas, conforme informações de mercado que circularam na semana em que se completou um mês desde a divulgação da operação, perderam mais de R$ 5 bilhões em valor de mercado. Exportações foram impactadas e os custos para exportar se tornaram mais elevados com a
intensificação e o “pente-fino” das fiscalizações internacionais. Nossos principais clientes se mobilizaram imediatamente em missões para vistoriar nossa estrutura. Já recebemos a Arábia Saudita, nosso maior cliente. A União Europeia, o mais influente mercado, está a caminho. O trabalho de curto prazo se encerrou. Enquanto executávamos os esclarecimentos e acalmávamos os mercados, um novo planejamento se construiu – desta vez, com visão de longo prazo. Uma série de ações em diversos mercados-alvo estão em vista, feitos pela parceria ABPA, Aiec e Governo Federal. Enquanto escrevo este relato, nosso vice-presidente de Mercados, Ricardo Santin, participa de uma missão no Egito. Antes, estive reunido com autoridades do México e dos Estados Unidos. Temos planejado para os próximos dias outra missão, com foco no
Oriente Médio, Ásia e Europa. Realizaremos um dos maiores Projeto Imagem (iniciativa em parceria com a Apex-Brasil) da história do agronegócio, cuja meta é a vinda de 50 jornalistas estrangeiros para encontros com o setor, com o Mapa e a participação em nosso Salão Internacional de Avicultura e Suinocultura (Siavs), em agosto. Nossas ações em feiras internacionais ganharão ainda mais corpo. Com tanto trabalho, minhas noites de sono foram rasas nas semanas posteriores ao 17 de março. Deverão continuar assim nos próximos meses. A credibilidade da proteína animal brasileira foi, injustamente, impactada. Temos, agora, uma grande luta para a recuperação daquele que era um de nossos maiores patrimônios: a confiança de nossos consumidores do Brasil e do mundo. Nisto se concentrarão nossos esforços.".
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Bilionário mercado de distribuição de insumos agrícolas se profissionaliza e entra na mira de investidores estrangeiros Por Nicholas Vital
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Ag
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m um país com DNA agrícola como o Brasil, as revendas agropecuárias podem ser consideradas verdadeiros shopping centers dos produtores rurais. Nessas lojas, é possível encontrar de tudo: sementes, fertilizantes, defensivos, produtos veterinários, entre outros insumos fundamentais para o bom andamento de uma fazenda. De acordo com a Associação Nacional dos Distribuidores de Insumos Agrícolas e Veterinários (Andav), são quase 6 mil estabelecimentos do tipo espalhados por todo o País e um faturamento anual na casa dos R$ 93 bilhões – com expectativa de crescimento de 10% para 2017. Tamanha pujança tem despertado o interesse de grandes grupos estrangeiros, que nos últimos anos têm adquirido participações relevantes em algumas das principais empresas do ramo e seguem em busca de oportunidades no setor. A estratégia dessas multinacionais é bem parecida. Os investidores assumem uma fatia de pouco mais de 50% das empresas e atuam somente como tal, deixando a gestão do dia a dia nas mãos dos executivos locais. Além do lucro com as vendas de insumos, essas companhias têm interesse nos grãos utilizados como forma de pagamento por parte dos produtores, operação conhecida como barter, muito comum no Brasil, especialmente em tempos de crédito escasso. Trata-se de um negócio bom para todas as partes. “O interesse de tradings e fundos de investimento estrangeiros nas revendas permanece firme e a consolidação do setor continuará ocorrendo", afirma Henrique Mazotini, presidente executivo da Andav. "Todos os PLANT PROJECT Nº4
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Ag Insumos Na mira dos orientais: A Agro Amazônia recebeu aporte dos japoneses da Sumitomo. A Fiagril, de Mato Grosso, dos chineses do grupo Pengxin, que também estariam negociando com a paranense Belagrícola
meses ouvimos relatos de dois ou três fundos que procuraram revendas de insumos brasileiras.” As investidas externas são a ponta mais aparente de uma grande transformação que vem ocorrendo nesse mercado nos últimos anos. De negócio eminentemente familiar e regional, construído geralmente a partir de crescimento orgânico, a distribuição de insumos agropecuários ganha a cada dia contornos mais profissionais, atraindo executivos vindos de outros segmentos e com a missão de liderar uma era de consolidação das redes em grupos ainda maiores e com atuação mais abrangente. Há movimentos ocorrendo em companhias de todas as regiões brasileiras. Um dos principais negócios realizados até o momento foi a compra de 65% da Agro Amazônia, uma das maiores redes do Mato Grosso, pela japonesa Sumitomo Corporation. A parceria entre o grupo com quase 35 anos de experiência na distribuição de insumos e o colosso japonês tem se mostrado um sucesso absoluto.“Houve uma sinergia 36
grande”, diz Roberto Motta, um dos sócios-fundadores e atualmente vice-presidente da Agro Amazônia. “Nesse mercado de fertilizantes e sementes é necessário ter muito capital para comprar os insumos à vista e vender para o cliente via barter (troca) ou prazo safra, seja em reais ou dólares. A Sumitomo veio agregar esse capital”, conta o executivo, destacando também as melhorias no planejamento, gestão de riscos e controles desde a entrada do sócio na operação. O choque de gestão impactou positivamente – e bem antes do previsto – os resultados da empresa. Ao final do primeiro ano da parceria, o faturamento da Agro Amazônia já havia crescido 30%, alcançando pela primeira vez a marca de R$ 1 bilhão. Com dinheiro em caixa e uma administração mais eficiente, a empresa espera seguir se expandindo nos próximos anos. Desde a entrada da multinacional no negócio, em 2015, já foram inauguradas quatro filiais. A partir de 2017, a meta é abrir ao menos três novas lojas por ano e aumentar
gradativamente a presença da rede em outros estados importantes, como Mato Grosso do Sul, Rondônia, Pará, Tocantins e Goiás. Para Motta, a presença de grupos estrangeiros no mercado brasileiro de insumos só tende a crescer nos próximos anos. Segundo ele, existem hoje diversas negociações em andamento entre companhias japonesas, chinesas, indianas, europeias e americanas e distribuidores brasileiros. “É uma tendência. Já aconteceu com a Agro Amazônia e está ocorrendo com outros”, diz. “Este é um segmento que tem muita venda direta da indústria para o agricultor, principalmente o grande, por isso os distribuidores precisam fazer algo diferente. Uma saída é vender o pacote completo, com sementes, fertilizantes e defensivos, com pagamento a prazo. Mas para isso é preciso ter caixa. Sozinhas, as revendas não dão conta.” Uma das negociações em curso envolve um grupo chinês e a Belagrícola, uma potência na distribuição de insumos
com sede em Londrina, no norte do Paraná. De acordo com fontes do mercado, o grupo chinês Pengxin, através de seu braço agropecuário Hunan Dakang Pasture Farming, deve anunciar em breve a compra de uma fatia relevante da empresa paranaense, que conta atualmente com 55 lojas, 38 centrais de recebimento de grãos e um faturamento anual próximo dos R$ 3 bilhões. O negócio, inclusive, já estaria selado, dependendo apenas da aprovação de órgãos reguladores, como o Cade. “O valor e o tamanho da participação ainda não estão definidos. Mas é uma operação que pode chegar a R$ 1 bilhão”, afirma um executivo a par do negócio. Ainda de acordo com a fonte, o objetivo da Dakang é se consolidar no Brasil e chegar, em pouco tempo, à liderança do segmento de revendas agropecuárias no País. No ano passado, a companhia chinesa já havia investido US$ 286 milhões na aquisição de 57% do controle da Fiagril, empresa com sede em Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso, que, mais do que vender insumos, movimenta cerca de 2,5 milhões de toneladas de grãos por ano e tem uma capacidade de armazenamento de 700 mil toneladas. Com a Belagrícola, o grupo chinês atingiria uma capacidade estática de
estocagem de quase 2 milhões de toneladas – só um pouco menos do que a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que pode estocar até 2,4 milhões de toneladas nos silos da rede pública. Um estudo recente realizado pela consultoria PwC a pedido da Andav revela que 4,5% de toda a capacidade estática de armazenagem do Brasil, algo em torno de 6,7 milhões de toneladas, está nas mãos dos distribuidores de insumos, o
que tem reforçado o interesse dos estrangeiros nas revendas. Para os analistas do setor, tratase de um caminho sem volta. “A chegada desses grupos é saudável, vai melhorar o serviço, vai estimular a concorrência. Certamente daqui em diante o mercado de distribuição de insumos vai se tornar muito mais profissional”, sentencia Roberto Motta, da Agro Amazônia, com a experiência de quem já tem um sócio gringo para chamar de seu.
O SETOR EM NÚMEROS Total de revendas 5.970 Faturamento R$ 93 bilhões Empregos 100 mil 21 mil diretos , 7 mil técnicos com formação superior
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A NEM TÃO DOCE FACE DA UNIÃO EUROPEIA A história da última refinaria de açúcar de cana do Reino Unido revela como os conflitos causados pela política de agricultura do bloco europeu tornaram-se matéria-prima para o Brexit Por Rachel Costa, de Londres (Inglaterra)
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Internacional
À
margem esquerda do rio Tâmisa, na outrora região portuária de Londres conhecida como Docklands, destacamse os tonéis prateados da companhia açucareira Tate & Lyle. Erguida no ano de 1878, a empresa é um resquício dos tempos em que o açúcar de cana era uma das principais riquezas do pungente império britânico. Séculos atrás, nessa mesma região, o dia raiava em meio ao intenso movimento de trabalhadores entrando e saindo dos navios, descarregando sacas e mais sacas de açúcar, um bem tão valioso que era conhecido como “white gold” (ouro branco). O próprio nome da companhia, Tate & Lyle, revela a importância do açúcar nos tempos imperiais: o Tate estampado em branco no letreiro azul da marca faz referência ao mesmo Tate de uma das galerias de arte mais famosas do mundo, a Tate Modern. Henry Tate, o homem que empresta seu sobrenome a ambas, foi um importante magnata do açúcar e filantropo inglês. Dentre os seus feitos, está a criação da companhia açucareira, a popularização do açúcar em cubos e a doação ao governo inglês de sua coleção de arte, 65 quadros que deram origem à Tate Gallery – iniciativa que cresceu e hoje engloba quatro museus, entre eles o especializado em arte moderna. Da opulência do período colonial, porém, quase nada resistiu. Embora ainda seja uma das marcas mais tradicionais da Europa, que se orgulha por ter o produto que há mais tempo usa o mesmo design na embalagem (o Golden Syrup, desde 1885), os tempos têm sido amargos para a Tate & Lyle. Desde julho de 2010, o braço açucareiro da multinacional Tate & Lyle PLC foi
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vendido à americana American Sugar Refining, junto com uma concessão para o uso da marca. Sob nova direção, a refinaria teve uma redução significativa no número de trabalhadores. Seus hoje 850 funcionários representam 50% do quadro pré-venda. Gerald Mason, vice-presidente do grupo Tate & Lyle, atribui os cortes ao tratamento desigual oferecido pela União Europeia (UE) ao açúcar de cana e ao açúcar de beterraba. “Antes do bloco europeu, nós tínhamos seis refinarias e atendíamos a cerca de dois terços do mercado de açúcar europeu”, diz Mason. Hoje apenas a refinaria de Londres segue ativa. Por isso, Mason, que participou ativamente da campanha pelo “Leave” (saída da UE), sentiu-se esperançoso quando, no dia 29 de março, a primeiraministra britânica, Theresa May, ativou o artigo 50, a cláusula que permite aos países membros da União Europeia deixarem o grupo. “Nós tentamos com todas as forças negociar com a Comissão Europeia antes, mas não conseguimos garantir a
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Campanha da Tate & Lyle, de Mason (abaixo), a favor do Brexit: reação à política de subsídios da União Europeia ao açúcar de beterraba
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reforma que queríamos”, conta. Apesar de muitos especialistas acreditarem que a saída do bloco pode ser um processo desastroso para o Reino Unido, que corre o risco de se isolar de seus parceiros comerciais europeus e perder os benefícios de ser parte da segunda maior economia do mundo, Mason é otimista. “Esperamos que, após o Brexit, o governo britânico possa finalmente determinar sua própria política em relação ao açúcar, tratando de maneira igualitária o açúcar de cana e o de beterraba”, diz. O fantasma que assombra os negócios de Mason tem nome: Política Comum de Agricultura (CAP, na sigla em inglês). Criada em 1968, com o surgimento da Comunidade Econômica Europeia, ela tem os subsídios aos produtores de açúcar de beterraba locais e a taxação às importações do açúcar de cana como uma de suas bases (ver quadro). O Brexit, a saída do Reino Unido do bloco europeu, acontece em um momento emblemático. Em setembro de 2017, pela primeira vez desde a criação da política, a União Europeia vai abolir o limite anual de venda de açúcar de beterraba pelos países membros, enquanto mantém a
sobretaxação do açúcar de cana. Com isso, prevê-se açúcar de beterraba em maior quantidade e mais barato no mercado, tornando ainda mais difícil a vida de quem vive da venda de açúcar de cana. As previsões são de que as importações de açúcar de cana caiam para entre 25% e 28% da capacidade das refinarias. Um futuro azedo para quem tem o lucro dependente da cana. A BATALHA DOS AÇÚCARES A batalha entre os dois açúcares é antiga no continente europeu. Se atualmente 80% do açúcar consumido no globo vem da cana, essa não é a realidade quando se fala em Europa. Por lá, 97% da produção vem da beterraba, presente em 19 países membros. No continente, mais que açúcar, a beterraba é uma questão de soberania. Foi durante as guerras napoleônicas, quando houve o bloqueio aos portos ingleses e o consequente desabastecimento de açúcar no mercado Europeu, que Napoleão percebeu uma oportunidade de desenvolvimento regional. Não fazia muito tempo que o químico alemão Andreas Marggraf havia descoberto que raízes de beterraba eram capazes de oferecer cristais com as mesmas propriedades daqueles produzidos a partir
Internacional
da cana-de-açúcar. Durante o período de guerra, aperfeiçoar a técnica tornou-se prioridade, com a construção de refinarias dedicadas a esse fim e com o incentivo aos produtores para se aventurarem no plantio da beterraba. Com a Batalha de Waterloo e a decadência do império napoleônico, o embargo foi retirado e o açúcar de cana voltou à mesa dos europeus, mas a possibilidade de usar um produto local, a beterraba, para produzir açúcar estava comprovada. Um novo ciclo de investimento na beterraba veio em meados do século 19, quando a abolição da escravatura produziu uma quebra no modelo de produção da cana, até então completamente dependente da exploração do trabalho escravo. Desde então, a batalha entre cana e beterraba pelo mercado europeu nunca arrefeceu. Pelo contrário, ganhou novo fôlego em 1968, com a CAP. A crítica à CAP não é exclusividade de Mason, tampouco dos apoiadores do Brexit. Em 2006, por exemplo,
uma ação na Organização Mundial do Comércio, movida por Austrália, Brasil e Tailândia, forçou a União Europeia a fazer a primeira revisão da medida desde o seu lançamento. “A Europa não precisa de uma política de agricultura, ela precisa de uma política para alimentos. Em vez de se limitar a definir que subsídios vão para qual produtores, o bloco precisa pensar grande”, escreveu em fevereiro deste ano Olivier De Schutter, relator das Nações Unidas para o Direito à Comida e especialista em direito europeu. UM MUNDO DE POSSIBILIDADES PÓS-BREXIT? De volta às margens do Tâmisa, cabe perguntar: quão realistas são os sonhos de Mason com a saída do país do bloco Europeu? Nos bastidores, muito se tem falado sobre como David Davis, ministro nomeado para comandar as negociações para o Brexit e exexecutivo da Tate & Lyle, pode pender o pêndulo da balança a favor do açúcar de cana. Davis
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trabalhou na companhia de 1973 até o início dos anos 1990 e é reconhecido como o responsável por conseguir fazer a empresa navegar as políticas do bloco sem afundar no vermelho. Também conta a favor o fato de que o açúcar de cana é muito mais popular entre os britânicos que entre os outros países europeus. Quase metade do açúcar consumido no Reino Unido é de cana e não há produção de açúcar de beterraba em quantidade suficiente para atender ao mercado interno. Além disso, a maior efetividade do lobby da Tate & Lyle no congresso britânico que no Parlamento Europeu também pode ajudar, avalia Peter Collecott, exembaixador do Reino Unido para o Brasil e presidente da consultoria Ambassador Partnership. Collecott avalia que essa pode ser uma oportunidade para os produtores latinoamericanos, em especial os brasileiros, ganharem espaço no mercado europeu. Todavia, o ex-embaixador lembra que ainda é cedo para se saber o que exatamente irá acontecer. “Pode ser que o Reino Unido tenha de manter o acesso preferencial de açúcar da União Europeia para poder continuar comprando outros produtos agrícolas europeus”, diz Collecot. Ao que tudo indica, ainda serão muitas as batalhas entre os açúcares até se descobrir o vencedor. PLANT PROJECT Nº4
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Ag Internacional
Imagens histÓricas da refinaria na margem do Tâmisa, em Londres: símbolo de uma era que tenta ressurgir
O SISTEMA POR DENTRO O que é o sistema de cotas? Implementado em 1968 e revisto em 2006, o sistema de cotas garante o pagamento de um valor acima do preço de mercado aos produtores de açúcar de beterraba. Como ele impacta o mercado europeu de açúcar? O sistema baseia-se em três pilares: 1. A produção de açúcar de beterraba deve obedecer à cota máxima anual de 13,5 milhões de toneladas dividida entre os 19 Estados membros produtores de açúcar de beterraba; 2. Caso o país produza acima da cota, o produto não pode ser vendido para a indústria alimentícia dos países membros (mas pode ser usado para a produção de etanol e outros produtos não alimentícios ou ser transferido para a cota do ano seguinte); 3. A produção de isoglicose também está sujeita a cotas. Além disso, devido ao subsídio aos produtores, a Organização Mundial do Comércio estabelece uma cota máxima de 1,4 milhão de toneladas por ano para a exportação de açúcar de beterraba produzido por países da União Europeia para o resto do mundo.
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E onde entra a importação de açúcar de cana nessa história? O acordo impõe uma quantidade máxima de açúcar que pode ser importado usando-se a taxação especial. Quando esse limite é atingido, outra tarifa é cobrada. O problema é a diferença gritante entre as duas tarifas: passa-se de € 98 por tonelada para € 339 por tonelada do açúcar bruto (não refinado). Quando o sistema de cotas deixa de valer? A previsão é de que o sistema chegue ao fim em 30 de setembro de 2017. O fim desse sistema não beneficiará a importação de açúcar de cana para a União Europeia? Não. Com o fim das cotas, espera-se uma maior oferta de açúcar de beterraba no mercado europeu, tendo como consequência a queda do preço. Como não são esperadas mudanças em relação às taxações para a importação de açúcar de cana, calcula-se que as importações caiam cerca de 44% até 2024.
DESBRAVADORES Estrada em meio à lavoura de algodão na Fazenda Centúria, na Bahia: cenário da saga de Walter Horita. Também nesta edição, a aventura de Jonas Barcellos na Índia
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As histórias dos melhores produtores do Brasil
foto: Emiliano Capozoli
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UM NEGÓCIO DE FIBRA E SUPERAÇÃO Walter Horita chegou ao oeste da Bahia, nos anos 1980, com algumas dúvidas e muita esperança em relação aos 1,2 mil hectares que comprou com seus irmãos. Hoje, à frente de uma empresa com 98 mil hectares cultivados com algodão e soja, tem a certeza de que 2017 será o melhor ano dessa trajetória em produtividade Por Romualdo Venâncio | Fotos Emiliano Capozoli
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alter Horita não esconde a satisfação ao correr os campos de algodão da Fazenda Centúria, uma das seis unidades do Grupo Horita, e ver a lavoura uniforme, saudável e vigorosa. Em meados do mês de abril, o tapete verde de algodoeiros que se perde na linha do horizonte, ainda salpicado por flores brancas e rosadas, apresenta uma quantidade considerável de maçãs – os frutos ainda fechados que vão se transformar nos capulhos, o algodão propriamente dito. Agora é esperar que entre junho e agosto, quando tudo isso virar um mar branco e as colheitadeiras estiverem a todo vapor, seja confirmada a previsão das 300 arrobas por hectare. O valor de tal resultado vai além dos índices agronômicos. “Em 2016, por causa da estiagem, tivemos nosso pior ano em produtividade. No entanto, este será o melhor”, afirma o empresário, que acrescenta: “Por isso não se pode tomar decisões em relação ao futuro com base em apenas uma safra”. Com uma área total que passa de 140 mil hectares no oeste da Bahia, o Grupo Horita se tornou uma das principais empresas do agronegócio brasileiro. Na temporada 2016/17, as terras cultivadas somaram 98 mil hectares, sendo 35 mil com algodão e 63 mil com soja. Para a próxima safra, a ideia é aumentar para cerca de 39 mil hectares a área de algodão, reduzir para próximo de 57 mil o espaço com soja e incluir 2,4 mil de milho. Em um futuro nada distante, a área total plantada deve chegar a 110 mil hectares com o acréscimo de mais 12 mil, que já estão preparados. “Só não aconteceu ainda porque decidimos esperar os resultados melhorarem”, explica Walter, que divide a sociedade do Grupo com os irmãos, Ricardo e Wilson. Para se ter ideia de como o ano passado
foi desafiador para a família Horita, a produtividade nas lavouras de algodão não passou de 177 arrobas por hectare, desempenho 40% inferior ao que se espera agora. Considerando que a cultura representa 60% do faturamento do Grupo, o impacto é ainda maior. “Diante de um quadro preocupante como esse, é preciso acreditar no seu negócio e buscar condições para reverter a situação”, diz Walter. Em outras palavras, estar seguro quanto ao potencial produtivo das fazendas. Tal segurança está diretamente relacionada à confiança mútua entre os irmãos Horita. Enquanto Ricardo e Wilson cuidam de todas as operações agrícolas, Walter responde pela direção-geral do Grupo, envolvendo as áreas administrativa, comercial, jurídica, entre outras. “Essa relação torna a gestão mais ágil e menos burocrática. Quando chega uma solicitação vinda dos meus irmãos, eu não questiono, pois tenho certeza de que estão buscando o melhor para a empresa”, afirma.
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Não se pode tomar decisões em relação ao futuro com base em apenas uma safra”
VALORES DE FAMÍLIA A integração de Walter com seus irmãos já está arraigada em sua essência, é uma herança familiar que ganhou novas proporções no Cerrado da Bahia. Os três chegaram à região em 1984, com o aval e a supervisão do pai, Satoshi Horita. A família vivia em Floresta, no Paraná, onde tinha uma área de 73 hectares e plantava soja, milho e trigo. A exemplo do que havia PLANT PROJECT Nº4
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Nunca repetimos uma cultura por mais de dois anos. Isso é uma coisa nossa, para ganharmos em sustentabilidade de produção” acontecido no final da década de 1970, com produtores da Região Sul indo para Goiás e Mato Grosso, naquele período surgiu um fluxo migratório de agricultores paranaenses para o oeste baiano em busca de terras mais extensas e mais baratas. “O valor de um hectare onde morávamos comprava cinco aqui”, compara o empresário. Aproveitaram a oportunidade e adquiriram 1,2 mil hectares, dos quais 535 foram cultivados com soja, porque era o que mais se plantava na região naquela época. Walter conta que esse início foi
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bem complicado, pois não havia o mínimo de infraestrutura para morarem nas terras recém-adquiridas. Para garantir o abastecimento de água – que serviria para todo e qualquer uso –, era necessário buscar com um caminhão pipa a uma distância de 30 quilômetros. “Moramos durante um período em barracas de camping até construírmos casas de madeira”, recorda. “Minha mãe, preocupada, chegou a sugerir que vendêssemos tudo e retornássemos ao Paraná.” Mas as perspectivas em relação àquela nova fronteira eram maiores que as dificuldades. Sem contar que os jovens agricultores levaram na bagagem a persistência e a perseverança que faziam parte da história da família. Os avós de Walter vieram do Japão para o Brasil em 1938, trazendo também seu pai ainda criança, e foram trabalhar em lavouras de café e algodão no interior de São Paulo. O objetivo era retornar à
terra natal assim que tivessem dinheiro suficiente. Mas a nova mudança de continente acabou dando lugar à troca do solo paulista pelo paranaense. O diretor do Grupo Horita conta que sua mãe, Ayaco, brasileira com ascendência japonesa, também teve jornadas árduas trabalhando na agricultura durante sua juventude. “Hoje, ela anda com a gente pelas fazendas e fica admirada com a mecanização de tudo, a agilidade das máquinas e toda a tecnologia que utilizamos”, comenta. PRODUÇÃO DIFERENCIADA A entrada do algodão nos negócios do Grupo Horita, em 1999, mudou os rumos da empresa. Por ser uma cultura bem mais exigente do que a soja, foi necessário evoluir em conhecimento técnico nas fazendas, o que promoveu um avanço tecnológico de maneira geral. A aplicação, de forma correta, do que há de mais moderno em termos de
maquinário, genética e insumos, como fertilizantes e defensivos, é o que permitiu avançar ano a ano e almejar nesta safra, por exemplo, uma produtividade 17% maior do que a média do oeste da Bahia. O começo desse desempenho vem pelos cuidados com a preparação de solo. “É preciso plantar cinco anos de soja para entrar com o algodão”, explica Walter. O manejo é feito de maneira que as plantas tenham raízes longas, capazes de buscar no solo a água que pode faltar quando não chove. Enquanto a altura ideal do algodoeiro é de aproximadamente 1,30 metro, sua raiz pode atingir até 4 metros. A medida é tão impressionante que Walter fez questão de colocar em um quadro a raiz de uma das plantas da safra passada. O troféu que ele exibe com orgulho está em seu escritório, em Barreiras (BA). Essa extensão das raízes do algodoeiro é essencial, sobretudo, para o
UNIDADES AGRÍCOLAS DO GRUPO HORITA Centúria (Formosa do Rio Preto - BA) ..............51.800 hectares Timbaúba (Luís Eduardo Magalhães - BA) ............ 9.902 hectares Querubim (São Desidério - BA) ............................12.851 hectares Acalanto (São Desidério - BA) ............................... 6.165 hectares Ventura (São Desidério - BA) .............................. 10.434 hectares Sagarana (Correntina - BA) ................................... 6.965 hectares período em que a lavoura já está bem estabelecida e as chuvas não são mais necessárias. Nessa fase, as plantas preferem o clima mais seco e se abastecem da água que vem do solo. Outro cuidado importante é a rotação entre as culturas de algodão, soja e milho. “Nunca repetimos uma cultura por mais de dois anos”, diz Walter. O rigor com esse intervalo é uma decisão bem específica do Grupo. “Isso é uma coisa nossa, para ganharmos em sustentabilidade de produção.” Por se tratar de plantas tão diferentes, esse rodízio ajuda
até mesmo no controle de pragas, também uma prioridade nas fazendas da empresa. A tolerância é zero com inimigos como a lagarta Helicoverpa armigera e o besouro bicudo-do-algodoeiro. O empresário afirma que, se não for dessa maneira, os riscos são grandes de não haver colheita, pois esses insetos se multiplicam rapidamente pelos campos e causam estragos gigantescos. Boa parte da proteção das plantas começa pela escolha das sementes. Cerca de 80% das lavouras de algodão do Grupo Horita são transgênicas. O restante é PLANT PROJECT Nº4
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de áreas de refúgio. As aplicações de agroquímicos nas fases de desenvolvimento e produção ajudam a assegurar a produtividade de 1,3 milhão de maçãs por hectare, o que Walter julga ser ideal para alcançar boa produtividade e o rendimento econômico que é de R$ 11 mil por hectare. Com tamanha exigência dos algodoeiros, o custo de produção também é elevado: aproximadamente R$ 8 mil por hectare. Como comparativo, a soja rende R$ 3,6 mil por hectare com custo de R$ 2,2 mil. A diferença é semelhante em relação ao maquinário, pois uma colheitadeira de algodão custa cerca de US$ 700 mil, enquanto a de soja custa em torno de US$ 400 mil. A maior parte (70%) da fibra produzida pelos Horita vai para o mercado externo, principalmente para a Ásia. No ano passado, exportaram até para a Turquia, que comprou 30% de todo o algodão que foi para fora. Por ser uma
commodity, o produto já tem um padrão de qualidade preestabelecido. “Mas o fato de termos uma colheita totalmente mecanizada é um diferencial”, destaca Walter, que roda o mundo em busca de novos e lucrativos negócios. APOSTA NAS PESSOAS O Grupo Horita emprega cerca de 800 pessoas. As fazendas têm moradias para os funcionários e estão estruturadas de acordo com as legislações trabalhista e ambiental. Em cada propriedade há líderes que cuidam das moradias, dos refeitórios e do bem-estar dos colaboradores, e ainda equipes responsáveis por treinamento e capacitação de operadores de máquinas, técnicos agrícolas, gerentes de produção e agrônomos. Esses são alguns dos cuidados que a empresa procura ter para preservar e valorizar seus profissionais, criando oportunidades de evolução para todos. Afinal de contas, são parte fundamental no sucesso dos negócios. Os irmãos Horita procuram participar ativamente da rotina de trabalho das várias divisões
LINHA DO TEMPO 1938
Família Horita chega ao Brasil para trabalhar em fazendas de café e algodão.
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1946
Conseguem adquirir as primeiras terras, uma área de 3 hectares, no município de Olímpia, no interior de São Paulo, onde iniciam a produção de hortaliças.
1953
A família se muda para a cidade de Floresta, no Paraná, e compra 73 hectares para o cultivo de café.
1975
Após uma geada muito severa, as lavouras de café foram erradicadas e deram lugar ao cultivo de soja, milho e trigo.
1984
Com o apoio do pai, Satoshi Horita, os irmãos Walter, Wilson e Ricardo decidem investir no cerrado do oeste da Bahia, com aquisição de 1.210 hectares e o plantio inicial de 135 hectares de soja.
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Fizemos parte do desenvolvimento de um local que há 30 anos não tinha expressão agrícola e hoje é uma referência em produtividade e utilização de tecnologia conciliada à preservação ambiental”
da empresa, acompanhando as atividades, levando orientação e dando suporte para a busca de soluções. Por não estar o tempo todo no campo, Walter aproveita cada oportunidade de visitar as fazendas para conversar com o pessoal que lida com a produção, se atualizar e conferir de perto as lavouras. O empresário sempre cita esse envolvimento e a atuação dos colaboradores como imprescindíveis para os resultados do Grupo. Segundo ele, o compartilhamento de informações em todos os níveis hierárquicos e a aceitação das sugestões de melhorias estão entre os fatores primordiais que levaram a empresa daqueles 1,2 mil hectares iniciais para a condição de uma das maiores produtoras de algodão do mundo. A relação de meritocracia também se aplica à nova geração. Tanto os filhos quanto os sobrinhos de Walter já participam, direta ou indiretamente, dos negócios. “Antes de assumirem de fato alguma posição na empresa, devem conhecer a produção agrícola, pois é nosso negócio”, comenta o diretor, que vê a sucessão familiar como algo po-
1999
Entrada do algodão nos negócios do Grupo Horita.
2010
Com a aquisição da Fazenda Tambaúba, o Grupo Horita ultrapassa os 42 mil hectares cultivados.
sitivo, que passa por planejamento e preparação. Na sua posição, por exemplo, é preciso ter firmeza e segurança em equilíbrio com o bom relacionamento e a flexibilidade. “As negociações são pesadas. Às vezes, em uma só conversa você fecha uma transação de R$ 50 milhões. É uma grande responsabilidade”, avalia. Em mais de três décadas no oeste da Bahia e com um crescimento tão expressivo, o Grupo Horita acabou promovendo uma transformação na região em que se instalou. “É muito gratificante saber que fizemos parte do desenvolvimento de um local que há 30 anos não tinha expressão agrícola e hoje é uma referência em produtividade e utilização de tecnologia conciliada à preservação ambiental”, comenta Walter. Uma presença dessa grandeza mexe com a comunidade no entorno das áreas de suas atividades, sejam as agrícolas, sejam as corporativas. Mesmo sem entrar em detalhes, o empresário confirma o direcionamento de parte do faturamento da companhia para instituições locais que realizam ações sociais.
2016
A intensa estiagem derruba a produtividade e desafia a gestão dos Horita.
2017
O Grupo Horita consegue elevar sua produtividade bem acima dos índices da região (17% no algodão, 20% na soja e 31% no milho).
WALTER YUKIO HORITA 53 anos, casado
(com Maria de Fátima Dourado Horita, tem três filhos – Vanessa, Vitor e Leticia – e uma neta, Mariah)
Diretor do Grupo Horita (Barreiras, BA) Formação: Engenharia de Produção Mecânica pela USP (1988) Faturamento: Divisão do faturamento: 60% algodão e 40% soja Área total da empresa na Bahia: 140 mil hectares Área plantada: 98 mil hectares – 35 mil com algodão e 63 mil com soja Produção: 10,5 milhões de arrobas de algodão e 3,8 milhões de sacas de soja Hobbies: no tempo livre, gosta de ficar com a família Outras atividades: membro da Academia Nacional de Agricultura da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA)
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partners GRUPO HORITA
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VEÍCULOS
ARMAZENAGEM
Entre os carros e caminhonetes, a frota do Grupo Horita conta com as opções das marcas Toyota, Ford e Mitsubishi. Em relação aos caminhões, entram as montadoras Ford, Scania, Volvo e Volkswagen.
Os principais silos para armazenar a produção das seis unidades são da Kepler Weber. Em períodos mais intensos da colheita, também são utilizados silos bag, que dão um suporte importante e ainda reduzem o custo com o transporte da carga dentro da fazenda.
SANIDADE
GESTÃO DE DADOS
Para proteger as lavouras de problemas como pragas, doenças e ervas daninhas, são utilizadas soluções de algumas das principais empresas do setor, como BASF, Bayer, DuPont, FMC, Ihara e Syngenta. No caso do algodão, a combinação de soluções é ainda mais importante, pois as plantas são mais exigentes. O ataque de um inseto como o bicudo-doalgodoeiro, por exemplo, pode dizimar rapidamente toda a produção. É preciso mitigar todos os riscos.
A informação é um dos insumos imprescindíveis para que se tenha o melhor planejamento e o manejo eficiente das lavouras. No caso do georreferenciamento, que além de dados exatos para questões de documentação também fornece subsídios para a definição de áreas a serem cultivadas, o Grupo Horita utiliza os serviços da Rural Geo. O suporte em relação à infraestrutura de TI para o processamento dessas informações é fornecido pela empresa Unysistem.
SEMENTES Trabalhar com uma cultura tão sensível em termos de sanidade exige do agricultor atenção extrema com a prevenção. Walter Horita aposta na biotecnologia para proteger suas lavouras e assegurar o melhor desenvolvimento de cada planta. Uma das opções do agricultor é a semente de algodão Monsanto, que além de fortalecer o controle de plantas daninhas, evita o ataque de pragas importantes, como a lagarta Helicoverpa armigera, que tanto já prejudicou os cotonicultores do oeste da Bahia. Cerca de 80% dos campos de algodão do Grupo Horita são cultivados com plantas transgênicas, respeitando as áreas de refúgio. São práticas de manejo como essa que garantem, por exemplo, a produtividade de 1,3 milhão de maçãs por hectare.
NUTRIÇÃO
MÁQUINAS
A preparação dos solos é uma das etapas fundamentais para garantir a produtividade das lavouras, em especial porque as raízes do algodoeiro precisam se aprofundar muito na terra. Elas podem chegar a medir 4 metros, enquanto a altura média das plantas fica em torno de 1,3 metro. Nessa parte do processo produtivo, o Grupo Horita conta com as soluções tecnológicas da Yara, fabricante de fertilizantes. A adubação ganha ainda mais importância porque os nutrientes vão se acumulando, fortalecendo o terreno para as próximas safras.
A frota de tratores, máquinas e implementos é predominantemente da John Deere, que oferece diversas opções de maquinário de alta potência e grande alcance. Para a colheita completa das lavouras de algodão do Grupo Horita, que dura três meses, é preciso uma frota com grande capacidade de trabalho. Os equipamentos são distribuídos pela concessionária Aprosul, de Luís Eduardo Magalhães (BA).
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e hoje somos os maiores exportadores globais de carne bovina, com negociações anuais que passam de 1,4 milhão de toneladas e arrecadam cerca de US$ 5,5 milhões, como informa a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), muito se deve ao avanço do gado zebuíno, sobretudo o Nelore, em terras brasileiras. Cerca de 80% dos mais de 215 milhões de bovinos espalhados pelo País têm algum grau de parentesco com as raças de origem indiana. Esse processo vem sendo trabalhado há décadas, desde a histórica importação de reprodutores como Karvadi, Taj Mahal e Godhavari, que vieram da Índia no início dos anos 1960 e formaram a base de praticamente todo o rebanho nacional de Nelore. Na década de 1990, esse melhoramento genético foi renovado pela iniciativa de pecuaristas como Jonas Barcellos. Agora, esse grupo lidera um novo salto, depois de décadas de uma nova saga em busca de animais que trouxessem uma nova carga genética ao rebanho brasileiro. Na Chácara Mata Velha, a propriedade de Barcellos em Uberaba (MG) que se transformou em referência da raça Nelore no Brasil, essa aventura começa a dar resultados. Por mais relevantes que as linhagens históricas tenham sido para a pecuária nacional, o grupo de Barcellos percebeu, há mais de 20 anos, que era chegado o momento de ampliar a árvore genealógica e diversificar os alicerces do melhoramento dos rebanhos. Até porque a consanguinidade já se tornava um limitante para a evolução do potencial produtivo dos animais. Era o caso do rebanho de Barcellos, que começou a ser formado em 1971 e ganhou sua vitrine em Uberaba, a meca da seleção das raças zebuínas. Não 52
por acaso, também fica na cidade a sede da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ). Mas o criatório de Barcellos começou mesmo a mais de 300 quilômetros dali, na cidade mineira de Capitólio. O interesse pelo Nelore surgiu por causa da criação de seu vizinho e amigo, Alberto Mendes, o Betinho, na Fazenda do Sabiá. Veio também a influência do Nelore VR, de Torres Homem Rodrigues da Cunha, um dos responsáveis pela importação da Índia nos anos 1960. Com o apoio do consultor técnico Mário Borges, que era conhecido como “lapidador de rebanhos”, Barcellos foi até Dourados (MS), na fazenda de Joaquim Vicente Prata Cunha, o Tetente, filho de Torres Homem, em busca de seus primeiros animais. “Olhamos um lote de novilhas, mas o Mário não quis, pois viu que a cabeceira daquele grupo já havia saído. Ele era muito exigente”, lembra o criador. “Combinamos então que o Tetente nos apresentaria as bezerras, ainda mamando, sem separar nada. Escolhemos então 66 fêmeas de ponta.” A linhagem era Karvadi.
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Tudo o que estamos fazendo agora poderia ter acontecido há 20 anos”
Barcellos continuou pinçando animais na cabeceira de outros rebanhos consagrados para formar uma boa base e construir sua própria seleção. Entre essas fontes estava o criatório de João Humberto, irmão de Rubico Carvalho, que tinha linhagens de Taj Mahal e Godhavari.
TO P FA R M ER P ECUÁ R I A / G ENÉ TICA
A SAGA DO NELORE Por mais de vinte anos o pecuarista Jonas Barcellos garimpou na Índia o que ainda faltava para seu rebanho, enfrentou dificuldades culturais e burocráticas, mas encontrou várias surpresas que podem dar, literalmente, um novo sangue ao rebanho brasileiro. A melhor delas: o salto em produtividade Por Romualdo Venâncio | Fotos Emiliano Capozoli
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A expansão desse aprimoramento incentivou a compra de novas propriedades, já na região de Uberaba. Foi quando vieram as fazendas Calçada e Córrego do Macaco, e a Chácara Mata Velha. A evolução em ganho de peso e conformação de carcaça deixou claro qual era a direção daquele trabalho. “Em 1981, um de nossos animais, o Alumã, foi Campeão Frigorífico durante a ExpoZebu, pesando 610 quilos com 18 meses de idade. Um pouco depois, em 1985, outro exemplar de nosso rebanho pesou 605 quilos com apenas 15 meses”, comenta o pecuarista. “Hoje, com 1 ano de idade os animais já pesam entre 550 e 600 quilos.” Barcellos tem também uma propriedade em Santo
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Antônio do Aracanguá (SP), a Fazenda Santa Marina, onde realiza um programa de avaliação de produção de carne com o gado de desempenho. DE VOLTA À ÍNDIA Foi pensando em reduzir os riscos de consanguinidade e ampliar os ganhos de produtividade que Barcellos decidiu buscar na origem novas opções de genética. Em meados dos anos 1990 iniciou uma verdadeira saga para trazer da Índia produtos que seriam utilizados para intensificar o desenvolvimento do seu rebanho e contribuir com o avanço de outros criatórios. “Essa nova importação foi programada com outro olhar, bem dirigida para produti-
Resolvi parar de falar em trabalhar menos, pois essas tantas atividade é que me dão mais entusiasmo”
vidade”, comenta o criador. Mas desta vez a compra seria de embriões, pois já não era mais permitido trazer animais. Para isso, era necessário contar com apoio técnico e infraestrutura. Uma figura-chave nessa história foi o indiano Pradip Singh Bahadur Raol, que também é pecuarista, fala português e mantinha uma relação próxima com produtores do Brasil e com a ABCZ. “O melhor gado Gir da Índia é do Pradip”, afirma Barcellos. A propriedade do indiano acabou servindo como base da Mata Velha do outro lado do planeta. O médico veterinário Carlos Alberto Zanenga, diretor administrativo da Embriza, foi o responsável por desenvolver a estrutura por lá. “Montamos um laboratório muito bom, mas a logística era complicada”, lembra Zanenga. “Não havia nem tronco de contenção para o manejo dos animais. Tivemos de levar praticamente tudo do Brasil ou importar dos
Estados Unidos.” Os desafios estavam apenas começando. As principais características que se buscava nos animais eram relacionadas a produtividade e funcionalidade, como fertilidade e precocidade de acabamento de carne. “A procura era por um gado que complementasse a seleção já existente”, explica Fernando Barros, médico veterinário que assessora Barcellos na definição dos animais que vão a leilão e é o responsável por cuidar dos produtos importados na Mata Velha. Barros comenta ainda que a renovação da genética visa fortalecer o equilíbrio da seleção, pois quando há ganhos expressivos em um aspecto, pode-se perder em outro. Bastava encontrar as matrizes que atendessem a tal demanda. O problema é que, diferentemente do que acontece no Brasil, onde um criador pode visitar a fazenda de outro para propor alguma negociação, na Índia
nem se sabia quem era o dono do gado. Zanenga conta que o primeiro passo era identificar os animais que poderiam interessar e, para isso, observavam o gado que andava solto pelas ruas ou em quaisquer outros lugares. Ao encontrarem a fêmea ideal, ou próximo disso, esperavam até o final do dia, quando a matriz voltaria para sua aldeia, tal qual um bicho de estimação. “Quando descobríamos quem era o dono da vaca, ainda era preciso conseguir a autorização do líder daquela aldeia para fechar negócio”, diz o veterinário. “E se esse líder não aprovasse, não tinha conversa. Em alguns casos podia ser até perigoso.” Também havia o risco de a fêmea não corresponder às expectativas, e neste caso nem se cogitava uma devolução. CAMINHO DO BRASIL Superadas as questões culturais e religiosas daquele país, compreensíveis e respeitáveis,
vinham os obstáculos diplomáticos. “Ainda temos botijões lá na Índia, prontos para embarcar, com cerca de 5 mil embriões de uma genética diferente de tudo o que já trouxemos”, observa Barcellos. “Esse material está preso há seis anos em algum departamento do Ministério da Agricultura deles.” Quando iniciou o trabalho de garimpo genético por lá, ainda na década de 1990, o criador não conseguia embarcar os produtos para o Brasil, e a proibição partia daqui também. “Demoramos uns oito anos até que o Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) liberasse as importações”, acrescenta, salientando o empenho de José Olavo Borges Mendes, então presidente da ABCZ, nessa questão. Jonas Barcellos esperou 15 anos até que conseguisse de fato trazer para sua fazenda o material genético que produziu na Índia. Ou seja, o trabalho que teve início em 1995 só começou a PLANT PROJECT Nº4
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“ JONAS BARCELLOS 80 anos, casado
Proprietário da Chácara Mata Velha (Uberaba, MG) Formação: Engenharia Civil pela Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (1963) Faturamento: Não revelado Propriedades: • Chácara Mata Velha (Uberaba, MG) – animais para exposição e leilão Fazenda Córrego dos Macacos (Uberaba, MG) – cria e recria de bezerros e novilhas • Fazenda Calçada (Uberaba, MG) – vacas e novilhas de 1ª cria. • Fazenda Santa Marina (Santo Antônio do Aconcágua, SP) – seleção do gado a campo Representatividade: Integrou a diretoria das duas maiores entidades que envolvem os selecionadores de Nelore, a Associação dos Criadores de Nelore do Brasil (ACNB) e a Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ) Referência em genética: Por seis anos consecutivos, liderou o ranking da ACNB nas categorias Criador e Expositor Hobbies: pescaria Outras atividades: Diretor do Grupo Brasif (Rio de Janeiro, RJ)
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Os indianos ficaram impressionados ao verem o gado gerado a partir do material genético que veio do país deles”
chegar ao Brasil em 2010. “Tudo o que estamos fazendo agora poderia ter acontecido há 20 anos”, diz o criador. Ao chegar por aqui, havia a exigência de que esses produtos passassem por um quarentenário, que era feito, primeiramente, na Ilha de Cananeia, em São Paulo, o que encareceu o processo. Segundo Barcellos, o custo para um embrião se tornar bezerro chegou a R$ 17 mil. Mais tarde conseguiu-se a transferência para uma fazenda. O ponto alto da história é que, de uma forma ou de outra, os embriões chegaram à Mata Velha e os resultados já aparecem. Em outubro de 2011, por exemplo, nasceram 97 bezerros oriundos da Índia, das raças Nelore, Gir e Guzerá. Os animais que resultaram dessa importação corresponderam ao esperado em termos de desenvolvimento, ganho de peso e fertilidade. No ano passado, Barcellos recebeu uma comitiva da Índia formada por alguns governadores, senadores, produtores e até um membro do Ministério da Agricultura. “Eles ficaram impressionados ao ver o gado gerado a partir do material genético que veio do país deles”, diz Fernando Barros. PONTO DE ENCONTRO Mais do que um grande centro de desenvolvimento de genética do Nelore, a Chácara
Mata Velha ganhou notoriedade como um ponto de encontro dos principais selecionadores da raça, que depois passou a receber também nomes importantes entre empresários, políticos e lideranças de diversos segmentos. Um exemplo era a famosa feijoada realizada no período do leilão Elo de Raça, em maio, durante a Expozebu, que se transformou em uma grande oportunidade para conversas mais reservadas. Principalmente porque o encontro não era aberto à imprensa. “Não permitíamos repórteres na feijoada, para que os convidados tivessem privacidade e mais tranquilidade”, comenta Jonas Barcellos. “Em uma das edições, recebemos a Dilma Roussef e o José Serra.” Outro grande evento era o jantar do Leilão da Mata Velha, que integrava a programação da Expoinel, em outubro. Barcellos comenta que recebia entre 600 e 700 pessoas na fazenda. Os dois encontros, que já não acontecem mais – e certamente deixaram saudade –, reforçam outro papel importante do criador, que é o de aproximar e integrar as pessoas envolvidas com a seleção do Nelore, praticamente um embaixador da pecuária brasileira. A facilidade de se aproximar e se comunicar ajuda. “Isso é do meu temperamento, sempre gostei desse relacionamento.”
foto: Rubens Ferreira
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Registro de boiada selecionada pela equipe de Barcellos na Índia: 15 anos de espera para trazer genética ao Brasil
OUTROS NEGÓCIOS A produção pecuária é apenas parte dos empreendimentos de Barcellos, que é dono do Grupo Brasif e tem operações em vários segmentos: venda e aluguel de máquinas de construção; empreendimentos imobiliários, com operações nos Estados Unidos; investimentos com aplicações; 55% de uma fazenda de gado e soja no Mato Grosso; a Usina Da Mata em sociedade com Alexandre Grendene, em Valparaíso (SP), que produz açúcar e energia; e a Loungerie, rede de lojas de lingerie que já está em diversas partes do País e tem plano de expansão. Há ainda outros dois negócios que são administrados pelo
filho de Barcellos, Renato Diniz Barcellos Correa. Um deles é a Cachaça Mata Velha, que é vendida apenas em free shops. E o outro é a Geneal, que tem relação direta com o melhoramento genético das fazendas. Também instalada em Uberaba, a empresa realiza toda a parte de fecundação in vitro e clonagem da fazenda, acelerando o processo de multiplicação do rebanho. Aos 80 anos de idade, Barcellos ainda tem uma agenda bastante concorrida, e não tem previsão de mudar o cenário tão cedo. “Até resolvi parar de falar em trabalhar menos, pois essas tantas atividade é que me dão mais entusiasmo.”
Ainda temos botijões lá na Índia, prontos para embarcar, com cerca de cinco mil embriões de uma genética diferente de tudo o que já trouxemos”
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foto: Emiliano Capozoli
Ideias e debates com credibilidade
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A legislação previdenciária é outra discussão relevante no cenário brasileiro"
Desafios atuais do agronegócio brasileiro MARCELO VIEIRA
Presidente da Sociedade Rural Brasileira
Há grandes desafios para o desenvolvimento do agronegócio brasileiro no atual complexo momento político do País. Governo Federal e Congresso discutem intensamente a regulamentação da economia, na direção de reformas que reduzam o “Custo Brasil” para voltarmos a ter um crescimento sustentável. Nossa produção agropecuária teve um grande desenvolvimento a partir dos anos 1970, com a criação de novas tecnologias agrícolas para o ambiente tropical, que levou a uma expansão para as fronteiras do Oeste. Com a reforma tributária que retirou o imposto sobre produtos exportados, houve um grande incentivo à expansão para abastecer o mercado mundial. O Brasil saiu então de um modelo histórico de importação de alimentos para se tornar hoje o maior exportador líquido do planeta, tendo ainda um grande potencial de crescimento. A intensificação da pecuária, a expansão da produção de grãos e outros produtos em áreas de pastagens subutilizadas e a introdução de novas tecnologias levam a um contínuo crescimento de sua produtividade. Contudo, para acelerar esse processo e atrair novos investimentos, faltam avanços nas legislações trabalhista, previdenciária e ambiental, a fim de desburocratizar e viabilizar novos projetos. Precisamos impulsionar o desenvolvimento e a disseminação de novos modelos de financiamento, de seguros, de gestão de riscos que não agreguem mais custos à produção. Discutir mercado de terras, questões fundiárias e restrições à compra por investidores internacionais é imprescindível. Estamos em um momento desafiador, saindo de uma crise causada por uma operação de fis-
calização da defesa sanitária, a operação Carne Fraca, que foi divulgada de maneira inapropriada, gerando o risco de restrições a nossos produtos nos principais mercados mundiais. O presidente Michel Temer, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, e nossa representação diplomática prontamente minimizaram os danos. A legislação previdenciária também é outra discussão relevante no atual cenário brasileiro. O assunto se tornou ainda mais exacerbado por conta da recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que julgou constitucional a cobrança da contribuição do Funrural. O julgamento do STF foi na direção oposta prevista por experts e surpreendeu os produtores rurais. Setores como soja, milho e pecuária de corte saem muito prejudicados. Por outro lado, são beneficiados setores com uso mais intensivo de mão de obra, como a cafeicultura, fruticultura, produção de legumes e hortaliças, borracha, entre outros – com redução de custos se comparados à contribuição previdenciária do trabalhador rural sobre a folha de pagamentos. Uma das grandes oportunidades para o crescimento de nossa competitividade é o desenvolvimento de iniciativas que mostrem ao mercado mundial a sustentabilidade de nossa produção, com a implantação do Código Florestal e com nossa abrangente legislação trabalhista no campo, que garante a responsabilidade social de nossos produtos, assegurando sua valorização adequada e o acesso aos principais mercados. Precisamos envolver nossas lideranças e os produtores para discutirmos essas questões e reformas de políticas públicas que impactam o potencial do agronegócio. PLANT PROJECT Nº4
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Reconstruindo a imagem da carne brasileira através da produção Kosher. FELIPE KLEIMAN
Consultor especialista em abate e certificação Kosher
Investir na produção Kosher pode representar uma excelente estratégia para a indústria de carne brasileira no gerenciamento da crise de confiança pela qual estamos passando. Os alimentos Kosher detêm uma sólida reputação em todo o mundo por serem alimentos confiáveis, produzidos sob fortes critérios e controles de ordem religiosa. O cumprimento desse conjunto de normas transmite segurança ao consumidor em quesitos de qualidade, idoneidade e segurança alimentar. O mercado mundial de alimentos produzidos de acordo com as leis alimentares judaicas mostra números importantes. Nos Estados Unidos, esse segmento tem merecido a atenção de grandes corporações, devido ao seu crescimento consistente nas últimas décadas. A princípio, porque que tem a maior população judaica do mundo, depois de Israel. Mas basta examinar os dados estatísticos para perceber que o consumo Kosher transcende numericamente os membros da religião judaica nos Estados Unidos. Estima-se que o número de consumidores Kosher americanos que são observantes da Lei Judaica não ultrapasse 8% dos 14,5 milhões de consumidores Kosher habituais. Qualidade é a motivação de 62% do total de consumidores. O valor dessa demanda é de quase US$ 15 bilhões anuais, só nos Estados Unidos. Pesquisas apontam que 21% dos americanos consomem algum alimento Kosher por causa desse selo. Os 200 mil alimentos disponíveis nos pontos de venda têm valor de mercado de US$ 150 bilhões anuais, e a cada ano são lançados 9 mil novos produtos – três vezes mais que o número de alimentos orgânicos. Esses dados se referem a todos os alimentos certificados Kosher, industrializados em geral, incluindo carnes e derivados. 60
Esses produtos Kosher têm grande apelo de público fora dos limites das comunidades judaicas americanas. Sanduíche de pastrami quente (tipicamente judeu) e hot dog Kosher são ícones da cultura gastronômica nova-iorquina, assim como de boa parte do país. Uma das grandes fábricas de salsichas Kosher dos Estados Unidos foi fundada em Nova Iorque por imigrantes judeus há mais de cem anos e hoje pertence a um grupo americano de indústrias de alimentos, de capital aberto, que fatura US$ 11,6 bilhões ao ano. Essa marca cobre todo o país, e 80% do público que consome anualmente mais de 100 milhões de salsichas produzidas por essa marca não é composto por judeus. Como diz o professor José Luiz Tejon, “isso explode alguns mitos”. Primeiro, mostra que alimentos Kosher não são necessariamente destinados a consumidores judeus. Segundo, prova que não é necessário ser judeu para ter um negócio de alimentos Kosher. Terceiro, mostra que uma certificação como essa pode entregar benefícios adicionais à conformidade religiosa. A garantia de conformidade Kosher cabe às entidades certificadoras judaicas, e não ao dono da fábrica. Essas agências de certificação têm suas equipes de rabinos para atuar onde for necessário no processo produtivo, em qualquer parte do mundo. O controle religioso de um órgão independente contempla diretamente a demanda do consumidor – não religioso – por confiança e garantia da idoneidade do produto. Na minha recente missão aos Estados Unidos, me reuni com os principais executivos do ramo da carne e embutidos Kosher, além de pesquisadores, rabinos e diretores de algumas das maiores certificadoras de alimentos Kosher. Alguns ainda não sabiam que estamos habilitados a exportar carne in natura. Outros olhavam incrédulos para os dados que eu lhes mostrava no relatório estratégico que produzi para essa missão, com mais de 130 páginas, em inglês. O capítulo intitulado “The Brazilian Beef Miracle” mostra dados como o volume e os destinos das exportações, e a evolução da pecuária brasileira e da indústria da carne nos últimos 50 anos. A missão resultou em alguns clientes potenciais dispostos a fazer negócios conosco e outros que podem se tornar mais receptivos diante de certas variáveis, como um eventual desarranjo da relação EUA-México a ponto de gerar uma suspensão da importação de carne Kosher do México.
Redesenhar o modelo das operações Kosher no Brasil gera resultados mais abrangentes para os frigoríficos do que apenas viabilizar o acesso a novos mercados, como o americano. Esse novo modelo consiste em assumir o protagonismo nas operações Kosher – no volume que seja – e, assim, incorporar à cultura e governança da empresa a respeitada compliance que a carne Kosher possui. Estar alinhado a isso representa um importante ganho de reputação. A credibilidade do alimento Kosher pode gerar grande valor para a indústria de carne brasileira, ao dotá-la com o atributo mais desejável de todos os tempos: confiança. Há um inconteste potencial de fortalecimento de marcas que construam vínculo institucional com a certificação Kosher. No contexto atual, esse desafio comercial pode virar uma valiosa estratégia das indústrias de carne brasileiras para ajudar a gerenciar a crise de credibilidade gerada recentemente. A indústria que adotar um posicionamento ativo no segmento Kosher vai demonstrar ao mercado global a sua disposição à mudança, por explorar caminhos próprios nesse que é um dos sistemas de acreditação mais respeitados do mundo.
foto: Emiliano Capozoli
O gado brasileiro tem um diferencial competitivo no abate Kosher: a porcentagem de aproveitamento de animais abatidos é muito maior do que nos Estados Unidos e no Uruguai. Estima-se que o volume daquele mercado é de 60 mil toneladas anuais. É crescente a dificuldade de abastecimento interno em função do perfil predominante de abatedouros cada vez maiores. A demanda por carne Kosher importada tende a seguir crescendo. Há pouco mais de uma década não havia importação Kosher do Uruguai e do México. Hoje há vários frigoríficos desses dois países exportando para os americanos. O desafio de viabilizar a exportação de carne Kosher para os Estados Unidos demanda do frigorífico uma mobilização vertical da produção, independentemente do cliente, que ofereça um produto de valor agregado e conveniência, nas especificações comerciais, com a certificação Kosher, tudo incluso. O potencial cliente americano quer comprar apenas os cortes que lhe interessam, entregues na porta. E paga por isso. O importador israelense, ao contrário, normalmente se encarrega da equipe de rabinos e da certificação, e leva o mix completo do dianteiro casado, filé-mignon, contrafilé e alguns miúdos.
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A revolução da informação: O campo definitivamente não é mais o mesmo! MARCIO A. FRANCESQUINE
Comissário Comercial do Consulado-Geral do Canadá em São Paulo, Brasil
Ainda antes de tomar o café da manhã com a família, o casal de empresários que administra um negócio familiar checa o e-mail no smartphone e responde às mensagens que chegaram durante a noite, de clientes em diversos mercados da Ásia. Depois, já no escritório, ela dá uma rápida conferida no preço das commodities nas principais bolsas de negócios do mundo, enquanto ele se reúne, via Skype, com a empresa de marketing para discutir o projeto de atualização do website da empresa. Na sequência, fazem uma reunião de planejamento estratégico com a equipe da consultoria contratada para a revisão do fluxo de logística de distribuição, seguida de uma reunião com a equipe de campo para a atualização dos relatórios de produção. A agenda do dia ainda inclui reuniões com fornecedores e acompanhamento da visita de inspeção da equipe de controle de qualidade de um cliente. Pode não parecer, mas essa já é uma rotina cada vez mais comum de um produtor agrícola, e o casal descrito acima pode ser encontrado em milhares de propriedades rurais em diversos países, inclusive no Brasil. E isto não deveria ser nenhuma surpresa, já que, apesar do conservadorismo natural de quem trabalha com variáveis da natureza, o campo sempre foi um consumidor ávido por novas tecnologias. O que mudou é a velocidade com que estas tecnologias são incorporadas ao sistema produtivo, o impacto quase imediato que trazem para o dia a dia do negócio e a possibilidade de trabalharem interconectadas: de máquinas de ordenha robótica, passando por sistemas de energia inteligentes, ferramentas de gestão, software de 62
gerenciamento de estoque e sensores utilizados nas mais diversas atividades – de controle da humidade do solo ao volume de combustível de um trator, o uso crescente de radiofrequência (RFID, NFC, Bluetooth). Essas novas ferramentas, aliadas à computação em nuvem e à conectividade permitida pela “Internet das Coisas” está tornando a agricultura muito mais precisa e eficiente, permitindo que produtores rurais aumentem ganhos com a eficiência e rentabilidade do negócio, reduzindo custos de insumos como fertilizantes, sementes e água. As fazendas modernas estão cada dia mais parecidas com as fábricas: as operações são rigorosamente controladas para produzir produtos confiáveis e imunes, tanto quanto possível, dos caprichos da natureza. E mesmo pequenos agricultores em países pobres podem se beneficiar dos avanços da tecnologia. A irrigação por gotejamento e sementes geneticamente modificadas para resistir melhor à seca permitem um incrível ganho de produtividade, que pode mudar drasticamente a qualidade de vida não só do produtor como de toda a comunidade, por custo acessível. Inovação: Uma necessidade Uma fazenda hoje, seja qual for o seu perfil produtivo, é um enorme laboratório de alta tecnologia. E um aviso aos saudosistas: isso tudo é só o começo! Um ponto em que todos os analistas do setor parecem concordar é que os agricultores de sucesso serão os que melhor souberem incorporar novas tecnologias ao seu negócio. Os avanços na produtividade são mais importantes do que nunca, à medida que cresce a pressão nos sistemas alimentares do mundo. Relatório publicado pelas Nações Unidas em 2009 indicava que até 2050 a produção agrícola terá de aumentar 70% para atender à demanda projetada por alimentos. Considerando a crescente pressão para o desenvolvimento sustentável da produção e o fato de que a maior parte das terras aptas para a agricultura no mundo já é cultivada, o crescimento deverá vir, necessariamente, de um aumento na produtividade. Este é um desafio fenomenal! A inovação é fundamental para o futuro da agricultura.
Rebanho nelore em Fazenda na região de Boa Vista Colonizado “na pata do boi”, Roraima passa por um ciclo de diversificação no agronegócio
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As regiões produtoras do mundo
foto: Orib Ziedson PLANT PROJECT Nº4
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As regiĂľes produtoras do mundo
Lavoura de soja nos campos de Roraima: ĂĄrea plantada com a cultura cresce exponencialmente desde a safra 2010/2011 64
O CERRADO DO NORTE Com terras baratas e condições únicas de clima e logística, Roraima desponta no mapa do agronegócio brasileiro e, graças a investimentos na integração lavoura-pecuária, será o estado com maior crescimento proporcional de área plantada Por Isaque Santiago, de Boa Vista | Fotos Orib Ziedson
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em em cima do mapa brasileiro, no pedaço ao norte da linha do Equador, os roraimenses costumam dizer que o estado em que vivem foi colonizado pela pata do boi. É uma referência à importância da pecuária nos primeiros dias de ocupação de Roraima. Trazidas pelo coronel Lobo D’Almada, nos idos de 1800, as primeiras cabeças de gado tinham uma função política estratégica. Para a Coroa Portuguesa, implantar fazendas reais foi uma maneira de proteger essas terras de invasões francesas e inglesas. Mais de dois séculos depois, as boiadas mantêm seu papel relevante nos campos setentrionais, agora na economia. Hoje integrada às lavouras, sobretudo de soja, a pecuária ajuda a transformar Roraima na fronteira agrícola com ritmo mais rápido de expansão no Brasil. As áreas de plantio no estado cresceram 30% em um único ano, atraindo produtores de vários pontos do Brasil, que chegam em busca de terras mais baratas e de condições de produção que só se encontram no Hemisfério Norte. Roraima é, de fato, um local diferente de tudo que se vê mais ao sul. A começar pelas condições climáticas, de relevo e vegetação. Conhecido por produzir
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grãos quando o restante do País vive a entressafra, com calendário mais próximo ao dos produtores americanos, Roraima tem pouco mais de 17% dos 22,5 milhões de hectares compostos por cerrado, conhecido regionalmente como “lavrado”, campos abertos, com árvores espaçadas, prontos para o cultivo de grãos como a soja e a implantação da pecuária. O novo ciclo agropecuário do estado é razoavelmente recente. Em meados dos anos 1980, surgiu o cultivo de arroz irrigado. Já o plantio de soja tem pouco mais de uma década e, logo de início, enfrentou algumas dificuldades, como a alta do dólar e a queda do preço internacional. Mas voltou com força total a partir de 2010 e, desde então, registra aumento na área plantada. “Inicialmente éramos pouco mais de quatro produtores de soja. Hoje já somos aproximadamente 100”, afirma Antônio Denarium, um dos pioneiros e até hoje entre os maiores produtores do estado. O empresário chegou a Roraima, vindo de Goiás, ainda na década de 1990 para assumir a gerência de uma agência bancária do extinto Bamerindus, depois HSBC. Ao ver o potencial da região para o agronegócio, resolveu investir na pecuária no ano de 2001 e exerceu a
Novos tempos para a pecuária: certificação de área livre de aftosa abre espaço para exportação da carne produzida no Estado
atividade de forma exclusiva até o ano de 2013, quando passou a fazer a integração lavourapecuária com o plantio de soja. Os bons resultados incentivaram Denarium e outros produtores a, cada vez mais, aumentarem os investimentos. Segundo a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), desde a safra 2010/11, o aumento de área plantada é significativo de um ano para o outro. Naquele ano foram 1.400 hectares. Na safra seguinte, subiu para 3.700. E então 12 mil (2013/14), 18 mil (2014/15) e, continuou aumentando. “Na última safra o grão foi cultivado em 25 mil hectares e tivemos uma produção total de 76 mil toneladas. A expectativa para este ano é de aumento de 20% na área de plantio, ou seja, passaríamos para 30 mil hectares. Seríamos o estado com maior crescimento de forma proporcional”, comemora o empresário. “Na atividade empresarial, quando se tem
lucro, a tendência é investir mais”, afirma. O 1,2 milhão de sacas colhidas no cerrado roraimense movimentaram a quantia de R$ 100 milhões e deram aos produtores locais uma produtividade média de 48 sacas por hectare, muito próxima da dos grandes estados produtores, como Mato Grosso, com lavouras mais tecnificadas e consolidadas. O fato de parte do território estar localizado acima da linha do Equador explica, em parte, os bons resultados. Segundo o pesquisador da Embrapa em Roraima Vicente Gianluppi, a luminosidade das baixas latitudes interfere de forma positiva no plantio. Nelas, a estimativa é de uma produção de 2.500 a 3.600 quilos por hectare, enquanto no Mato Grosso, o maior produtor do País, a média é de 2.959 quilos por hectare. O ciclo entre o plantio e a colheita, que ocorre em setembro, é de cerca de dez dias mais curtos do que no restante do Brasil. “Isso acontece
devido à intensidade do sol na região. Esse clima permite até três safras por ano. A tendência é de que, com o passar dos anos, a tecnologia aplicada na preparação do solo eleve ainda mais esses resultados”, explica. Outra vantagem da soja roraimense é o valor proteico elevado em comparação à produzida no restante do País. Segundo Gianluppi, a média brasileira é de 19%. Em Roraima, pode chegar a 23%. CARNE PARA EXPORTAÇÃO A sojicultora cresce em paralelo à vertente mais tradicional do agronegócio de Roraima, a pecuária. Atualmente, o estado conta com um rebanho de 784 mil cabeças de gado e movimenta cerca de R$ 300 milhões por ano. A atividade acaba de ganhar novo impulso em 2017, com a conquista do status de livre de aftosa com vacinação, concedido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Boa parte dos criadores PLANT PROJECT Nº4
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Roraima
RAIO X Área total: 224,3
mil km2 (22,43 milhões de ha) População: 516 mil (estimativa 2016) Nº de municípios: 15 PIB: R$ 9,02 bilhões (2013, IBGE) Quantidade de propriedades rurais: 15 mil Área de produção (principais culturas) Pecuária .....................1 milhão de hectares Soja ..............................25 mil hectares Arroz ...........................10 mil hectares Algodão .....................1,5 mil hectares Milho ............................5 mil hectares Feijão...........................1 mil hectares Dados da Seapa (Secretaria Estadual de Agricultura, Pecuária e Abastecimento)
atua de forma integrada com o cultivo de grãos. Segundo a Coopercarne (Cooperativa Agropecuária de Roraima), cerca de 100 produtores atuam nos dois ramos. E, além de expandirem o plantio, têm feito investimentos no desenvolvimento da indústria da carne na região. O próprio Denarium, por exemplo, faz parte de um grupo de dez agropecuaristas que resolveu investir na instalação de um moderno frigorífico para abate, o primeiro privado da região. Construído às margens da BR-174, a 18 quilômetros de Boa Vista, o Frigo 10 é um 68
projeto idealizado há cinco anos. O empreendimento possui 15 mil metros quadrados de área construída e recebeu investimento de R$ 40 milhões, divididos entre os dez sócios. Segundo Denarium, presidente do Frigo 10, é o mais moderno do Brasil e pretende abrir o mercado internacional para a carne de Roraima, aproveitando o posicionamento estratégico do estado. “Nosso frigorífico está sendo construído dentro dos padrões do Mapa para exportação. Somando isso com a conquista do status livre de aftosa com vacinação, iremos abrir portas para diversos
mercados. Hoje, Roraima exporta apenas para o Amazonas”, diz. Outro sócio-fundador do Frigo 10, Ronaldo Braga, afirma que, em pleno funcionamento, terá capacidade de abate de 80 cabeças por hora. “Com a inauguração, vamos estimular o crescimento da pecuária no estado e atrair novos investidores, pois teremos capacidade para absorver esse mercado. Hoje a produção não é maior porque o Mafir (Matadouro Frigorífico de Roraima) não absorve a demanda, tem capacidade de abater apenas 400 bois por dia”, afirma Braga.
DEZ HECTARES PELO PREÇO DE UM Além das vantagens climáticas e do período de safra, Roraima é uma região atrativa para o desenvolvimento do agronegócio devido ao preço competitivo da terra. As propriedades com potencial para o agronegócio são baratas se comparadas às registradas em outros estados. “O preço de um hectare nas regiões mais produtivas do Brasil equivale a uns dez por aqui. O retorno sobre o capital investido é maior”, explica Denarium. E há um novo mercado aberto para quem quiser apostar na região. Recentemente, o Governo Federal repassou 4,5 milhões de hectares de terras da União para o estado. A regularização fundiária dessas áreas estimula ainda mais novos investidores. “Toda essa terra está localizada em uma região de lavrado, onde pode se desenvolver a lavoura-pecuária e alavancar ainda mais o setor.” Outro atrativo é a logística. A soja produzida em Roraima é levada para o porto de Itacoatiara, no Amazonas, distante 700 quilômetros da capital, Boa Vista. Somado à produção de outros estados, o grão é levado para diversos países como Holanda, Rússia e China. “Minha produção pode chegar ao porto no mesmo dia em que foi colhida. Não precisa percorrer longas distâncias, evitando gastos excedentes com frete”, declara Denarium. Em outros estados, como no Mato Grosso, a soja vai por rodovia até
Porto Velho, em Rondônia, onde é colocada em balsas com destino a Itacoatiara, e então segue para exportação. Todo esse processo leva cerca de 20 dias. “A nossa soja sai do armazém e no dia seguinte já está embarcando para exportação. Temos uma logística boa de transporte.” Em busca de uma saída opcional, os produtores locais aguardam ansiosos pela pavimentação da rodovia que liga Roraima à capital da Guiana, país vizinho. A integração terrestre poderá sair do papel em breve. O governo do estado participou de uma série de reuniões na capital guianense para tratar sobre a viabilidade da pavimentação, além da construção de um porto de águas profundas. Um estudo de mercado foi feito pela empresa alemã HPC, subsidiária da administradora do Porto de Hamburgo, contratada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), por solicitação do governo da Guiana. O agropecuarista Antônio Denarium destaca ainda que quem deseja investir em Roraima irá encontrar um local com qualidade de vida. “Isso é
O produtor Denarium, com um dos filhos, e a governadora Suely Campos: abundância de terras disponíveis para plantio faz com que investimento seja mais rentável que em outras regiões do Brasil
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Instalações do Frigo 10, pronto para ser inaugurado: com investimento privado de R$ 40 milhões, será um dos mais modernos do País
possível por sermos um estado com uma população ainda pequena. Podemos dizer que a capital, Boa Vista, é uma cidade universitária, com pouco mais de 30 mil estudantes divididos em duas universidades públicas e seis particulares. Quem vem investir aqui tem qualidade de vida e ensino de qualidade para os filhos”, declarou. GOVERNO DESTACA INVESTIMENTOS PARA O DESENVOLVIMENTO DO AGRONEGÓCIO Há uma série de desafios a serem vencidos, no entanto, e superá-los depende do apoio efetivo do Poder Executivo. Com a transferência de terras da União para o Estado, uma questão crítica que impedia o desenvolvimento do agronegócio na região começa a ser resolvida, a regularização fundiária. O governo estadual promete garantir a segurança jurídica dessas terras produtivas que podem alavancar o setor. Cerca de 66% do estado é composto de áreas indígenas e de preservação ambiental. A administração trabalha na elaboração do ZEE (Zoneamento Ecológico-Econômico), que irá permitir o uso de 50% dos imóveis situados em área de floresta para a produção, em conformidade com o novo 70
Código Florestal. Hoje, apenas 20% desses imóveis podem ter exploração comercial direta, sendo que os 80% restantes compõem a área de reserva legal. Segundo a governadora Suely Campos, a conquista atrai novos investidores. “Muitos tinham medo de investir em nosso estado”, afirma a PLANT. “O principal temor era a demarcação de reservas. Agora, com essa transferência, isso será destravado. Essas novas áreas são perfeitas para o cultivo de soja e a implantação da pecuária”, completa. Suely comemora também a mudança de status de médio risco para livre de aftosa com vacinação. O governo do estado investiu cerca de R$ 6 milhões na Aderr (Agência de Defesa Agropecuária de Roraima), órgão responsável pela campanha de vacinação e fiscalização. O recurso foi utilizado para aquisição de tecnologia, equipamentos, estruturação dos escritórios em todos os municípios roraimenses e convocação de servidores aprovados em concurso público. “Há mais de 20 anos o setor produtivo lutava por essa conquista. Para manter esse status, estamos intensificando as campanhas de vacinação e de sanidade animal”, afirma a governadora.
Longe dos grandes mercados do Sudeste, Suely insere o estado no centro de uma área com potenciais 33 milhões de consumidores ávidos por alimentos que poderiam ser abastecidos por Roraima. Toda essa gente está nas vizinhas Venezuela, Guiana e Manaus, a capital do Amazonas. “Também estamos muito próximos dos maiores consumidores de soja do planeta: os Estados Unidos. Estamos trabalhando para viabilizar rotas para que o escoamento ocorra com mais rapidez e a custos menores”, destaca. No campo tributário, a governadora usa incentivos em busca de investimentos. O estado concede isenção de ICMS, que, segundo ela, torna os combustíveis 17% mais baratos, e isenção do IPI, que reduz em 5% o processo de industrialização de grãos. Com essas bandeiras e os diferenciais naturais do estado, Suely tem se esforçado em propagar que Roraima é mesmo a mais nova fronteira agrícola do País, por produzir na entressafra brasileira. “Temos disseminado essa condição privilegiada aos produtores do CentroOeste e do Sul do País para atrair investimentos. Quem vier produzir aqui não vai se arrepender.”
O empresário Raul Randon em sua fazenda no RS O lado rural do industrial que virou uma marca registrada das estradas
W WORLD FAIR
A grande feira mundial do estilo e do consumo
PLANT PROJECT Nº4 Agência 71 foto: Foto de Adriana Franciosi/Pixelpress
W WORLD FAIR
A grande feira mundial do estilo e do consumo
PROJETO RANDON Sinônimo de carretas e equipamentos rodoviários, o industrial catarinense coloca sua marca de qualidade no agronegócio, com queijos, vinhos, azeites e maçãs premium. E vem novidade por aí Por Irineu Guarnier Filho, de Caxias do Sul (RS)
foto: Foto de Adriana Franciosi/Pixelpress Agência
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Raul Randon na propriedade de 5 mil ha no RS: ali, produz maçãs, oliveiras, uvas, milho, soja e trigo, além de queijos e vinhos PLANT PROJECT Nº4
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A linha de beneficiamento de maçãs e o armazém com os discos de queijo tipo Grana: obsessão pela qualidade
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os 87 anos, o industrial Raul Anselmo Randon cumpre, prazerosamente, uma rotina diária de trabalho que começa às 9h - quando chega à sede da holding que controla o conglomerado de empresas do setor metalmecânico com seu sobrenome, no bairro Interlagos, em Caxias do Sul - e se estende até pouco depois das 17h, hora em que retorna ao convívio da esposa, Nilva, dos filhos e netos. Mas é a partir de quinta-feira que o premiado empreendedor da indústria metalúrgica brasileira se sente mais feliz. Nesse dia, Randon percorre mais de 150 quilômetros através da verdejante Serra Gaúcha para chegar a Vacaria, principal município na divisa do Rio Grande do Sul com Santa Catarina, onde está a sede do braço agropecuário do Grupo Randon, a Rasip Agro Pastoril S/A, empresa dedicada à produção de maçãs, uvas viníferas, azeitonas, suínos e lácteos, entre outros produtos. Na tranquilidade luminosa dos Campos de Cima da Serra, a mil metros de altitude, cercado por araucárias e lavouras de soja e trigo, o industrial (que começou sua carreira com 14 anos, trabalhando com o pai, Abramo, numa pequena ferraria familiar, e, depois, com o irmão mais velho, Hercílio, numa oficina mecânica) volta a ser o menino que
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ajudava a mãe, Elisabetha, a ordenhar vacas na colônia italiana do Rio Grande do Sul, nas primeiras décadas do século 20. Em meio aos pomares de macieiras, oliveiras e vinhedos da Rasip, que visita semanalmente, ou conferindo a colheita de soja, milho ou trigo em sua propriedade particular com cerca de 5 mil hectares, o catarinense de Rio Bonito sente-se tão à vontade no ambiente agropastoril quanto entre forjas incandescentes e linhas de montagem de equipamentos rodoviários. Mas que ninguém se engane: a produção de maçãs premium, dos vinhos RAR (elaborados pela vinícola Miolo, de Bento Gonçalves), de azeite ou de queijo do tipo grana padano - menina dos olhos do "produtor rural" Raul Randon - não são hobbies de final de semana do empresário octogenário, com mais tempo livre desde que transferiu a gestão executiva de sua holding para executivos profissionais. São atividades empresariais de grande escala, muito bem planejadas e executadas - e, principalmente, rentáveis. "Até hoje, só não ganhei dinheiro com o vinho", confessa, timidamente, o "Homem de Aço" - um dos mais de cem títulos honoríficos e distinções com os quais foi homenageado ao longo de uma extensa carreira de sucesso (neste caso, pela Associação do Aço do Rio Grande do Sul, em 1977).
Perfil
O reencontro de Randon com a agricultura, que esteve na base da economia colonial da Serra Gaúcha no início da imigração italiana, na segunda metade do século 19, se deu na década de 1970. Foi por essa época que, graças aos incentivos fiscais concedidos a empreendedores privados, implantou, juntamente com o irmão Hercílio e outros sócios, o primeiro projeto de reflorestamento, em Encruzilhada do Sul, com 20 mil pés de noz- pecã e citros. Naquela época, praticamente toda a maçã consumida no Brasil era importada - principalmente da Argentina. Randon viu na pomicultura uma promissora oportunidade de negócio. "Maçã era uma fruta tão rara, e cara, que uma comadre levava de presente para a outra nas
visitas", relembra. Como já conhecia bem a fria e alta região dos Campos de Cima da Serra desde os tempos em que "dava uns tirinhos de espingarda por lá", durante caçadas de perdiz com os amigos, foi em Vacaria que decidiu implantar o primeiro pomar de macieiras da Rasip, em uma área de 240 hectares. O negócio deu tão certo que logo a Rasip viria a se transformar numa das principais empresas exportadoras de maçãs do país - contribuindo para que a maçã brasileira se convertesse em uma fruta de consumo popular. Animado com as possibilidades de rentabilidade também no agronegócio, Randon decidiu investir em outra atividade, carregada de nostalgia familiar: a produção leiteira (sua mãe comercializava "o leite de
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duas vaquinhas" de porta em porta, em Caxias do Sul, e o que não vendia transformava em queijo caseiro). Adquiriu animais de um amigo fazendeiro, que estava desgostoso com o negócio deficitário, e decidiu que iria elaborar queijo, produto "bem mais rentável do que o leite". Mas, em se tratando de Raul Randon, que sempre primou pela excelência em tudo o que faz, o "seu" queijo não poderia ser qualquer queijo. Optou, por isso, em elaborar, com tecnologia europeia, o similar mais perfeito possível do milenar queijo italiano grana padano. Para isso, tratou, primeiramente, de melhorar o seu plantel de vacas leiteiras holandesas, importando 65 exemplares de alta linhagem dos Estados Unidos. "O desembarque das vacas de um
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Com a mulher, Nilva, que inspirou o primeiro vinho, e inspecionando o rebanho holandês: de volta à origem rural
Boeing da Varig, no aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, foi um acontecimento muito noticiado no início dos anos 1980", ri o empresário. Logo, Randon se tornaria conhecido por chefs e gourmets de todo o País mais como produtor de queijos nobres (ele também elabora o do tipo parmesão) do que como fabricante de reboques, suspensões ou freios para caminhões. O MAIOR FONDUE DO MUNDO A história do empresário Raul Randon é marcada por dois grandes incêndios, que o obrigaram a recomeçar praticamente do zero em duas atividades diferentes. Nos anos 1950, a oficina de motores em que trabalhava com o irmão mais velho pegou fogo - justamente durante a procissão de Nossa Senhora de Caravaggio, santa de sua devoção. O abatimento da família deu lugar a trabalhos redobrados para reerguer o negócio. "Nossa Senhora de Caravaggio até nos fez um bem, porque, depois do incêndio, construímos uma oficina ainda maior", comenta, bem-humorado.
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Com a mesma resignação de quem, com o perdão do trocadilho, sabe que não adianta chorar pelo leite derramado, não faz muito tempo viu seu laticínio ser destruído por outro incêndio. O fogo consumiu 10 mil peças (de 34 quilos cada uma) de queijo tipo grana com 18 meses de maturação. "Foi o maior fondue do mundo", brinca Randon, não sem um suspiro melancólico. Funcionários da Rasip e familiares, sabendo de sua paixão pelos queijos pacientemente estocados, demoraram pelo menos três horas para lhe dar a notícia, temerosos por sua saúde. Que nada. Superado o primeiro impacto, imediatamente Randon tratou de recuperar a parte das instalações que não havia sido totalmente destruída no sinistro e reiniciou a elaboração de queijos (parte da produção, estocada em outro local, não chegou a ser atingida). De novo, como no episódio do incêndio da oficina familiar, o empresário vingou-se das chamas construindo uma unidade ainda maior: de 1,6 mil metros quadrados, a queijaria passou para 6,5 mil metros
Perfil
quadrados. "A nova fábrica tem assepsia melhor do que a de muito hospital de alto padrão", orgulha-se Randon. O vinho entrou na vida do empresário quase por acaso. Percebendo que as uvas viníferas eram disputadas a peso de ouro pelas vinícolas da Serra Gaúcha, em 2004 decidiu investir também em viticultura. Dois anos depois, por ocasião da comemoração das bodas de ouro do casal Randon, resolveu homenagear a esposa Nilva com um vinho elaborado especialmente para a família pela vinícola Miolo. O blend de Cabernet Sauvignon e Merlot RAR (iniciais do seu nome completo), assinado pelo competente enólogo Adriano Miolo, foi bastante elogiado. Randon, que, como bom descendente de italianos, aprecia uma tacinha de vinho ("Não todos os dias", esclarece), animou-se ainda mais com a vitivinicultura quando ouviu do festejado flying winemaker francês Michel Rolland que o terroir da região era
extraordinário para o cultivo da casta merlot. Assim, em vez de simplesmente entregar matériaprima para a Miolo, tornou-se sócio da vinícola - com a qual elabora atualmente uma linha de dez vinhos, que inclui tintos, brancos e espumantes. São cem mil garrafas por ano. O seu preferido é o RAR pinot noir reconhecido por especialistas como um dos melhores do País elaborados com esta caprichosa casta. Com isso, desistiu de construir uma "cantina", como é chamada, na Serra Gaúcha, a ala industrial das vinícolas (ultimamente, porém, essa ideia voltou a lhe roubar algumas horas de sono, admite). "Uma atividade puxa a outra", comenta, com simplicidade o "vinhateiro" Randon - que, na safra 2007, não fez vinhos. "As uvas não estavam boas", explica. A excelência, como sempre, em primeiro lugar. Perto dos 90 anos, cuidadoso com a saúde a ponto de se submeter a uma dieta para perder peso (um enorme sacrifício para quem, como ele,
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tem na boa mesa em companhia de familiares e amigos um de seus maiores prazeres), e obediente à filha médica que lhe restringiu o consumo de sal, o empreendedor Raul Randon continua inquieto. Viaja com frequência ao exterior, sempre de olho em novos projetos. "Nunca viajo só a passeio", comenta. Na sede do Grupo Randon, cada vez que o chefe retorna de uma dessas incursões pelo mundo, os executivos sabem que novos negócios estão por vir. A cabeça fervilha de ideias para novos projetos. Em breve, pretende lançar um presunto nobre do tipo Parma. Um sorvete, ao estilo italiano, também está nos seus planos ainda para este ano. Aposentadoria é uma palavra que não existe no dicionário de Raul Anselmo Randon. "Nunca pensei em parar de trabalhar", afirma, enfático. E acrescenta: "Se eu não vier todos os dias à empresa, aonde vou ir? Quer um conselho? Trabalhe sempre, mesmo que de graça. Pijama não faz bem a ninguém". PLANT PROJECT Nº4
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CAVIAR À FRANCESA Na mesma região de onde saem vinhos e foie gras apreciados em todo o mundo, os criadores de esturjão estão produzindo a iguaria com qualidade comparável à de russos e iranianos. E fazendo a festa em elegantes endereços de Paris Por Jennifer Ladonne*
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essoas elegantemente vestidas estão reunidas na Rue de l’Odéon, na sofisticada Saint-Germain-des-Prés, para a inauguração do Caviar de Neuvic, mais recente meca gastronômica de Paris totalmente dedicada ao caviar. Delicadas colheres em forma de concha circundam um extravagante montículo de pequenas pérolas negras e vodca congelada, como é comum com a mais russa das iguarias. Mas, apesar de seu nome de inspiração vagamente russo, Caviar de Neuvic, não provém de algum ponto obscuro do Mar Cáspio, e sim do coração da França. Como o melhor foie gras e os melhores
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vinhos, é produzido não muito longe da capital francesa. Fundado em 2011, o Neuvi é o mais recente dos sete principais produtores de caviar com criadouro próprio que surgiram nos anos 1990 no país em resposta a um esgotamento mundial do esturjão selvagem -- tão grave que iniciou o banimento total do produto em 1998. Atualmente, o Caviar d’Aquitaine, um nome genérico para o caviar produzido na França, é um dos produtos de destaque no mundo. Graças a um meio ambiente totalmente adequado para a criação do esturjão – um peixe abundante na França até que
Gastronomia
a pesca excessiva dizimasse a população natural – e um eficiente aprimoramento das técnicas de criação, os franceses estão produzindo um caviar de alta qualidade para atender uma demanda crescente. “Em 1998 eram produzidos 500 quilos de caviar de criadouro, comparados a 130 toneladas hoje. O selvagem, por outro lado, foi de 300 toneladas para zero”, afirma Armen Petrossian, o mais famoso entre os grandes produtores de caviar. Ele vende uma gama de caviares provenientes de diversos lugares do mundo. A família Petrossian está entre os primeiros a colocarem o caviar no mapa global.
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O crescimento do caviar como uma iguaria global tem tanto a ver com a engenhosidade russa como com as boas maneiras francesas. A Aliança FrancoRussa de 1892 inaugurou em Paris uma mania em torno de tudo o que vinha do grande país euroasiático. No começo do século 20, a exótica companhia de Balé Russo de Sergei Diaghilev, localizada em Paris, ajudou a impulsioná-la. À medida que a revolução se ampliava, os gostos e as extravagâncias da aristocracia russa encontraram um terreno fértil na cidade. “Meu pai e meu tio tiveram a ideia de introduzir o caviar na França em 1915, PLANT PROJECT Nº4
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czares. Não apenas visionários em sua abordagem de mercado, os irmãos também apostaram no potencial francês de lançar tendências culinárias.
quando se deram conta de que ele não estaria imediatamente disponível aqui. Eles abriram sua histórica loja Boulevard de La Tour-Maubourg em 1920, onde o caviar era o principal produto entre outras iguarias russas: salmão, o caranguejo Chatka, a vodca etc.”, conta Petrossian. Ignorando o conselho de seus contemporâneos russos para “afrancesar” seu nome e produto, a embalagem, com a imagem de um galeão navegando em um mar turquesa, permanece a mesma até hoje. De forma inteligente, os irmãos Petrossian foram capazes de manter boas relações com o novo regime bolchevique na Rússia. Em outra frente, ao instalar sua loja entre os principais estabelecimentos do 7º arrondissement, apresentaram aos emitentes parisienses uma iguaria apreciada na corte dos 80
O HOTEL RITZ Os Petrossian sugeriram ao Ritz, o hotel mais luxuoso do mundo e um de seus primeiros clientes, que oferecesse caviar no restaurante do hotel, supervisionado pelo lendário chef Auguste Escoffier. Embora cético no começo, o Ritz pagou para ver, e logo o caviar se tornou um sucesso entre uma clientela internacional elitizada, ajudando a ascender a iguaria a símbolo máximo do luxo. A brasserie de frutos do mar Maison Prunier já era uma instituição em Paris em 1925, quando inaugurou seu novo carro-chefe art déco na Avenue Victor Hugo, em uma vizinhança em ascensão não muito longe da Champs-Élysées. As relações de Madame Prunier com a elite russa no momento da Aliança ajudaram-na a se tornar a favorita dos grandes duques russos e da alta sociedade de Paris. Mas a Revolução Bolchevique colocou um fim no fornecimento de caviar da Prunier, até que um cliente regular informou à família da presença de esturjões no
Gastronomia
estuário de Gironde, próximo de Bordeaux, na região de Aquitânia, na França. Naquela época, os pescadores mantinham a apreciada carne e davam as ovas aos gansos. ABUNDÂNCIA NATURAL DA FRANÇA A Prunier, então, abriu nove centros de processamento nos bancos dos rios de Gironde, Garonne e Dordogne. Foi a primeira empresa a usufruir da abundância natural da França, uma inovação que garantiu um fornecimento constante para o restaurante e permitiu que a marca oferecesse o caviar mais fresco de Paris, do peixe para a mesa em apenas 24 horas. Nos anos 1940 e 1950, um novo concorrente movimentou o lucrativo mercado ao se lançar nele: o xá do Irã. “Os iranianos fizeram uma pesquisa e surgiram com um sal mais seco e mineral, que permitiu uma redução na salinidade do produto e a descoberta de sabores mais sutis”, afirma Nicolas Barruyer, diretor
da Prunier, que oferece uma seleção dos melhores caviares do mundo, juntamente com o produto francês. Conhecedores discutiam qual era o favorito entre o beluga russo ou o ossetra e sevruga iraniano. Eles eram certamente os mais caros, ficando entre o equivalente de € 500 a € 5.000 por quilo, com algumas variedades raras atingindo um valor significativamente maior. Porém, nos anos 1980, o aumento de preços e de demanda resultou na ameaça a todas as espécies de esturjão no planeta. O risco de extinção do peixe levou ao banimento, em 1998, de todo o caviar selvagem, incluindo a apreciada beluga. O cenário só foi modificado em 2007, e depois novamente em 2010, quando as Nações Unidas suspenderam parcialmente o banimento, impondo cotas estritas nos países do Mar Cáspio onde a beluga selvagem pode ser encontrada. Mas o comércio criminoso levou também esse peixe, que pode viver até 100 anos e pesar 800 quilos, à beira da extinção.
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UM ESPECIALISTA FRANCÊS Na França, o banimento do esturjão selvagem nativo, Acipenser sturio, estava em vigor desde os anos 1980 e os esforços para fazer a sua população voltar a subir eram lentos. Em contraste, a criação em cativeiro na França ganhava força. Um dos primeiros países a autorizarem a criação do esturjão, a França convenceu os russos a compartilharem experiências, assim como importar o esturjão baerii da Sibéria em troca da truta francesa. As águas claras dos rios franceses forneceram um ambiente ideal para a criação. Segundo o Comité Interprofessionnel de Produits de l’Aquaculture, a organização de produtores de aquicultura franceses, em 2013 a França produziu 21 mil quilos de caviar, o triplo da quantidade produzida em 2003, principalmente do baerii, única espécie aprovada no país até recentemente. A outra, Acipenser gueldenstaedtii, que produz a variedade de caviar mais fina e mais cara, ainda está PLANT PROJECT Nº4
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As antigas sedes da Petrossian, da Kaspia e a fazenda de criação da Neuvic: proXimidade entre produção e mercado
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nos estágios iniciais de produção. Assim, embora os lucros possam ser grandes, não são imediatos. “Leva de sete a nove anos antes que as ovas estejam prontas para serem colhidas”, afirma Hélène Galliez, chefe de relações públicas da Caviar de Neuvic. Fundada há quase nove anos, a empresa não começará a vender caviar de peixes resultantes de sua própria criação até 2018. No momento, as ovas são resultantes de esturjões comprados de outros produtores franceses e criados nos tanques da Neuvic, que são abastecidos seis vezes ao dia com água do Rio Isle. Exatamente como em qualquer país que “cria” caviar, a qualidade difere de produtor para produtor. “Para se escolher um caviar, deve-se considerar o processo usado na criação do peixe. Nossa seleção principal está na França, mas nós também compramos dos Estados Unidos, Bulgária e China. Existem mais de 70 fazendas no mundo e a opção é enorme”, afirma Armen Petrossian. Mas todo o caviar vendido sob o nome Petrossian é processado em solo francês. “Nossas instalações estão na França, nosso pessoal está na França e todas
as etapas que agregam valor ao produto são implementadas na França. Assim, nós consideramos que nossos produtos são franceses, mesmo se importarmos uma parte do produto bruto do exterior.” Como se avalia a variedade francesa? De acordo com Nicolas Barruyer, da Prunier, “é realmente uma questão de gosto”. “Se você gosta de beber vodca com seu caviar, então as variedades russas, bem salgadas, funcionam bem. Mas o caviar francês, mais sutil, combina bem com champanhe ou vinho branco.” Produtor com maior experiência na França, a Prunier serve somente seu próprio caviar francês no restaurante e no Café Prunier na Place de la Madeleine, o coração do caviar em Paris. Mas, para uma verdadeira experiência parisiense, a brasserie Victor Hugo da Prunier, uma obra prima da art déco projetada como um marco histórico em 1988, é um bom lugar para começar. “Meu desejo”, afirma Barruyer, “é que todas as pessoas venham aqui ao menos uma vez”. Reportagem publicada originalmente na revista France Today. www. francetoday.com
Gastronomia
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Onde comer e comprar caviar francês em Paris ONDE COMER
ONDE COMPRAR
• Restaurante Prunier A brasserie, que é um ponto de referência, é um cenário memorável para a descoberta do caviar francês. Menu de degustação de cinco pratos, todos de caviar: € 175. Café Prunier: Situado em um conjunto de mercearias e restaurantes voltados ao caviar, oferecendo caviar e outras iguarias, o café contemporâneo oferece pratos levemente mais baratos, um menu de degustação de cinco pratos, todos de caviar: € 110. Restaurante Prunier, 16 avenue Victor Hugo, 16th, 01 44 17 35 85, www.prunier.com Café Prunier, 15 Place de la Madeleine
Petrossian Esta loja histórica foi a primeira a vender caviar em Paris. Eles oferecem uma gama dos melhores caviares produzidos em todo o mundo. 18 bd de la Tour-Maubourg, 7th, 01 44 11 32 32 www.petrossian.fr
• Le 144 Parte do império dos Petrossian, este elegante e luminoso restaurante serve uma clientela francesa sofisticada dos arredores da Assemblée Nationale. 144 rue de l’Université, 7th, 01 44 11 32 32 www.petrossian.fr
Caviar Kaspia Uma grande seleção de caviar e produtos de caviar, salmão defumado e vodca fina. 17 Place de la Madeleine, 01 42 65 66 21 www.caviarkaspia.com
• Caviar Kaspia Acima da mercearia gourmet, este é o lugar em que os astros, as estrelas de rock e outras pessoas bonitas de Paris frequentam para tomar champanhe e consumir caviar. 17 Place de la Madeleine, 8th, 01 42 65 33 32
Boutique Prunier Oferece o caviar francês e uma gama de alimentos, vinhos e utensílios finos. 15 Place de la Madeleine, 8th, 01 47 42 98 www.prunier.com
Caviar de Neuvic Uma boutique contemporânea com a linha completa da Caviar de Neuvic (incluindo uma “nano” degustação). Degustações mensais fornecerão uma boa introdução. 16 rue de l’Odéon, 6th, 01 42 39 03 73 www.caviar-deneuvic.com • la Grande Épicerie O maior armazém gourmet de Paris e parte da loja de departamentos Bom Marché oferece uma boa seleção de caviares franceses. 38 rue de Sèvres, 7th, 01 44 39 81 00 www.lagrandeepicerie.com
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Illtud Dunford caminha pela propriedade da família no Vale de Gwendraeth, no País de Gales: jornada em busca de um modelo sustentável de produção 84
A REALEZA DO BACON De uma pequena fazenda no País de Gales saem embutidos que compõem a mesa nas refeições da família real britânica. Três séculos de tradição e anos de pesquisa se misturam na trajetória única de seu proprietário, um ex-fotógrafo que corre o mundo atrás da técnica perfeita Por Illtud Llyl Dunford
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W Plant/Nuffield Bacon e salsichas da Charcutier Ltd.: receitas com base na tradição local
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inha família cultiva o verdejante Vale de Gwendraeth desde que se iniciaram os registros paroquiais, há mais de 300 anos. Nossa propriedade é pequena em termos modernos, 167 acres (o equivalente a 67,5 hectares) de planícies pantanosas, ricas em espécies e em pastagens, além de floresta nativa de folhas largas. Até o final dos anos 1990, era uma fazenda usada basicamente para a produção de laticínios, mas também tínhamos um longo histórico de criação de gado para o nosso próprio consumo. Foi quando meu tio, semiaposentado do setor de laticínios, minha companheira Liesel e eu nos mudamos para lá. Eu e Liesel trabalhávamos em setores de criação. Ela, no setor de moda e têxteis. Eu, como um fotógrafo e observador no setor de cinema e televisão. Na época, apesar de estar trabalhando em grandes produções milionárias, como Harry Potter e as Relíquias da Morte, a fazenda era o lugar onde eu ficava mais feliz e, uma vez lá, buscávamos diversificar nosso empreendimento agropecuário. No inverno de 2010, demos o passo definitivo. Fundamos a Charcutier Ltd., uma empresa especializada em carnes. A meta de longo prazo era dar continuidade à tradição familiar de produção de presuntos artesanais, porém inspirados pelos produtos curados mais refinados, secos ao ar, do Sul da Europa. Percebemos logo que a produção de presuntos exigia um investimento muito maior do que a nossa capacidade. Assim, concentramo-nos inicialmente naqueles produtos de fazenda que eram familiares – linguiças frescas, bacons, black puddings (embutidos feitos de sangue) e presuntos cozidos. Preparávamos tudo
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com base na tradição local, elaborando os produtos de uma forma muito diferente daquela da maioria dos estabelecimentos de produção comercial. Nosso nicho específico nem era tanto uma categoria de produtos, mas uma ideia de venda baseada em valor e qualidade. Naquela época, fornecíamos para as principais redes de lojas de alimentação no Reino Unido, a Fortnum and Mason e a Harrods, e detínhamos inúmeras certificações (Royal Warrants) para fornecimento de mantimentos para as residências reais. À medida que a empresa se expandia, nosso repertório de produtos também aumentava e se diversificava. Por meio de viagens, pudemos aprender ao vivo como fabricar produtos com verdadeiros artífices e artesãos em todo o mundo. Nossa base foi sempre a tradição, pesquisa histórica de receitas e métodos, porém combinando esses processos com a ciência de ponta das carnes. As viagens têm sido intrínsecas ao nosso desenvolvimento. Um exemplo foi a bolsa da Meat Promotion Wales, o comitê de tributação sobre carnes vermelhas do País de Gales, que me deu o primeiro incentivo a efetuar viagens de pesquisas sobre pecuária. Através dela, tive contato com toda a cadeia de fornecimento de carnes suínas na região Noroeste Pacífico da América do Norte. Apesar de meu enfoque ser, naquela ocasião, a criação de gado e o processamento de carnes, a principal faceta da viagem era o entendimento do setor de varejo. As lições aprendidas naquela viagem de seis semanas ainda estão sendo aplicadas hoje em dia. Foi com base na experiência adquirida nesse período que eu tomei a
decisão de me candidatar a uma bolsa da Nuffield Farming. O programa da Nuffield é uma jornada, pontuada pelos chamados Nuffield Moments. Como fazendeiro e produtor, sou um tradicionalista, apesar dos investimentos pesados na ciência das carnes. Eu não poderia prever quão diversa seria aquela jornada para mim. O título inicial de meu trabalho era Native Breeds and Value Added Products (Raças Nativas e Produtos de Valor Agregado) e, apesar de ter me mantido fiel ao meu tópico de pesquisa, meu título final foi alterado para On Meat: Niche Production, Value Adding, Ethics and Its Future within Cellular Agriculture (Sobre Carnes: Produção de Nicho, Valor Agregado, Ética e seu Futuro na Agricultura Celular). Trabalhei para a Pedigree
Welsh Pig Society, como gerente de projeto consultor, em um programa patrocinado pela União Europeia que incluiu um teste de alimentos em larga escala, testes organolépticos e um mapeamento de DNA do plantel da raça. Com o esgotamento dos recursos financeiros, quis ampliar a pesquisa para observar como as outras pequenas associações de criadores trabalhavam para manter a diversidade genética de seus plantéis. Queria entender como os produtos tradicionais, algumas vezes produtos de nicho, eram capazes de agregar valor aos animais do plantel, normalmente considerados como não competitivos em comparação aos animais hibridizados. Acompanhando um auditor em uma visita a abatedouro, perguntei qual
uso eles davam ao sangue coletado na sangria no ponto de abate. A resposta: ia para incineração, a um custo de £300 por semana. Com um cálculo rápido, percebi que o volume de sangue coletado produziria £30.000 no varejo de embutidos de sangue (black pudding) na região. Esse abatedouro era um empreendimento familiar. Conversando em uma instalação local de propriedade de uma empresa multinacional sobre a quantidade de sangue que eles produziam semanalmente, concluí que o montante renderia um valor semanal no varejo de aproximadamente £1,9 milhão. Meu estudo começou, então, a enfocar mais as oportunidades nos resíduos. Como uma empresa de processamento de carnes de pequeno porte, utilizando carcaças inteiras, eu PLANT PROJECT Nº4
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afirmo com frequência que somos mais gerentes de resíduos do que processadores de carnes. A descoberta do valor no sangue, na gordura e nos ossos seria a chave para o restante de meu estudo. Meu período de viagem de 18 meses me levou a várias partes do mundo: Reino Unido, Irlanda, França, Alemanha, Itália, Holanda, Bélgica, Hungria, EUA, China e Brasil. O principal conselho que recebi foi a importância de dizer sim a novas experiências e manter a mente aberta. A Nuffield é uma experiência transformadora, tanto para a vida como para a empresa. Eu processei carne de carneiro com um curandeiro 88
Navajo, fui jurado em um concurso de churrasco no MeioOeste americano, comi carne de cachorro na China, pesquei na Amazônia, encontrei pessoas incrivelmente inspiradoras e fiz amizades para toda a vida. No entanto, o mais transformador dos Nuffield Moments ocorreu comigo no Primeiro Simpósio de Carne Cultivada na Universidade de Maastricht, Holanda, no terceiro trimestre de 2015. Uma semana antes do evento, eu já vinha acompanhando os desenvolvimentos no setor de carne cultivada por algum tempo. A ideia de produzir o que era comumente conhecido como ”carne de laboratório” era uma maldição para mim, apesar de ter me intrigado. No espírito de manter uma mentalidade aberta, viajei para a conferência com um acadêmico associado australiano. Nossas experiências eram muito diferentes. Os dois dias de artigos científicos, apresentações e seminários me deixaram exausto. Eu tinha uma visita agendada a um produtor de horticultura orgânica após a conferência. Tive que reagendar. Passei um dia sentado na praça da Cidade Universitária da cidade de Leuven, na Bélgica, apenas pensando. Tive cinco sangramentos nasais por causa dessa pressão de pensar. Nunca passei por esse tipo de experiência antes ou depois. Sentei na praça para ponderar e avaliar o que
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tinha ouvido nos dois dias anteriores. Apesar de estar ingerindo deliciosas frituras feitas em gordura bovina, eu questionava o consumo de carne. Eu levava em conta o vegetarianismo. Nosso etos em negócios vinha sendo por muito tempo comprar menos, comprar melhor e, apesar de considerar que minhas próprias escolhas de comida eram de um carnívoro ético, eu ainda não tinha questionado honestamente o consumo de carne. Vindo de um tradicional ambiente de agropecuária familiar, onde o processamento e o consumo de nosso plantel fazia parte da minha existência, este questionamento era um choque para o sistema. Eu já vinha questionando há um longo tempo o hábito predominante do consumo de carne, com grandes incursões na cultura alimentar no Reino Unido, principalmente através da expansão da cultura popularizada de comida de rua. No entanto, eu nunca tinha sentido o nível de repulsa que agora enfrentava com o conceito de Carne! Carne! Carne! Então, o que é exatamente essa carne cultivada? Em sua forma básica, uma célula primária é derivada de um animal, esta célula é nutrida, se multiplica e produz uma substância quimicamente idêntica à carne. Parece um cenário clínico, mas todos os processos são
assim considerados quando concebidos inicialmente em um laboratório. Com o passar do tempo, o processo será expandido e produzido em indústrias muito similares àquela em uso atual para a produção de alimentos ou cervejas. Os benefícios? A tecnologia ainda está em sua infância, porém precisamos de uma quantidade consideravelmente menor de animais. Ela se traduz em um uso muito menor de terras, água e menores emissões de efeito estufa. Quando estive no Brasil, ao visitar uma enorme fazenda de criação de gado, essa dúvida foi resolvida. Qual é a maior ameaça aos nossos negócios? A resposta, não percebida por mim e pelo proprietário, era a carne cultivada. Ela é realmente uma ameaça à agricultura tradicional? Eu não penso assim. Acredito que ela é uma oportunidade a ser explorada. Ela não se destina a ser uma substituição, mas uma ferramenta adicional para a alimentação de uma população que não para de crescer. Uma única célula pode produzir uma quantidade consideravelmente maior de carne do que na criação de gado tradicional, o que coloca um valor muito maior para um animal. Quando consideramos os valores fenotípicos e genotípicos atribuídos à criação de gado – conversão alimentar,
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tamanho da musculatura etc. --, eles têm pouca relevância no cultivo de carnes. Raças nativas de animais de pequeno porte, desenvolvimento lento e ineficiente podem realizar um valor e garantir a diversidade genética, essencialmente na construção dos blocos de hibridização futura. O cultivo, o bem-estar e a biodiversidade da terra é uma faceta igualmente importante da tecnologia. A necessidade de sistemas intensivos seria diminuída, permitindo sistemas de gestão holística da terra, feita basicamente por meio da utilização do plantel, com a carne sendo um subproduto. Não sou um ambientalista, sou realista. Nosso desafio para 2050 como agricultores é alimentar o número projetado de 10 bilhões de habitantes, que será muito maior por volta de 2100. Para termos um planeta que pode sustentar a produção de alimentos necessários, é preciso mudar nossos métodos. Em toda a cadeia de fornecimento, desperdiçamos cerca de 40% dos alimentos produzidos. É angustiante para qualquer fazendeiro olhar o campo e imaginar que 40% daquela safra nunca serão consumidos. Muito do desperdício se dá na cadeia de fornecimento, e não na agricultura primária. No entanto, no setor agrícola temos a responsabilidade de nos conectar mais diretamente PLANT PROJECT Nº4
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foto: Shutterstock
O príncipe Charles, com a mulher, Camila, e a loja da fazenda real de Highgrove: Dunford atua com gestores da propriedade em projetos de produção orgânica
com o consumidor para que todos nós entendamos como nossos alimentos são produzidos. Como uma empresa, fomos agraciados no ano passado com a premiação BBC Food and Farming Awards como o Melhor Produtor de Alimentos do Reino Unido. Esta é a mais importante premiação para um produtor artesanal e foi conquistada principalmente por causa de nosso trabalho na utilização de resíduos, boa parte dele derivado do meu estudo na Nuffield. Além de sua ração padrão, nossos suínos são alimentados com ccoprodutos de resíduos, como soro de leite, resíduos de produção de cerveja, verduras e pão do setor alimentício mais geral. Nossa colaboração
com os produtores de Cheddar Orgânico Hafod resultou na utilização de todos os bezerros de seu rebanho leiteiro, animais que, de outro modo, não teriam nenhum valor para o setor de carnes. Por sua vez, isso levou a uma recente colaboração com o filósofo e chef americano Dan Barber em seu projeto WastED London. Os resíduos do setor alimentício foram recuperados e servidos como parte de uma fina experiência alimentar. Processamos produtos cárneos de nossos suínos alimentados com resíduos e de bezerros recuperados, servindo aproximadamente 8 mil mesas em seis semanas. O futuro? A Nuffield será sem dúvida um legado duradouro em minha vida e em nossa empresa. Em relação aos resíduos, estamos trabalhando atualmente com a Highgrove Estate, propriedade rural do príncipe Charles, na produção de produtos britânicos tradicionais do gado de corte. Também atuamos mais amplamente com o setor de carnes para utilizar mais os resíduos. E em termos da carne cultivada? Sou realista, ainda existe muita pesquisa a ser realizada. Estabelecemos uma empresa startup de biotecnologia e agora somos parceiros do departamento de engenharia química na Universidade de Bath. Tenho esperanças de que alguns Nuffield Moments mais estão por vir.
Conteúdo produzido em parceria da PLANT PROJECT com a Nuffield International, instituição que congrega uma rede global de produtores rurais, empresários e profissionais da área agroindustrial, visando promover estudos capazes de gerar novos conhecimentos em todos os aspectos de gestão, produção, transformação e distribuição no setor agrícola. Bolsas de estudo são concedidas a produtores rurais e profissionais ligados ao setor, que escolhem um tema relevante de estudo para o setor do agro. Os bolsistas investigam seu tópico internacionalmente e compartilham os resultados de forma aberta, via relatórios e apresentações dirigidas a líderes do setor agrícola mundial.
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O SETOR QUE LEVA O BRASIL MAIS LONGE, ESTÁ MAIS PERTO DE VOCÊ! AGORA NA
O Terraviva tem orgulho de ser o canal de quem planta e cria. E estar presente nas principais operadoras de TV por assinatura do Brasil, incluindo a NET, faz parte da nossa missão. Afinal, nós sabemos que podemos ir cada vez mais longe, e que o potencial do nosso agronegócio vai muito além do que vemos no horizonte. Bem-vindos, assinantes NET!
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W Consumo
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FORA DAS PISTAS Uma seleção de acessórios para quem a paixão pelo automobilismo vai além dos carros
Por FaBricia Peixoto
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A INGLESA BENTLEY UNIU-SE À ITALIANA TIBALDI, UMA DAS MAIS TRADICIONAIS FABRICANTES DE CANETAS DO MUNDO, PARA LANÇAR UMA SOFISTICADA LINHA DE CANETAS-TINTEIRO. O LOGOTIPO DA MONTADORA VEM SUTILMENTE CRAVADO NA PENA, BANHADO A OURO. DISPONÍVEL EM QUATRO CORES, CUSTA EM TORNO DE US$ 1.250 (NO MERCADO AMERICANO).
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Retrato
ENTREVERO DE TROPILHA Esta imagem foi capturada numa quente noite de janeiro de 2014. O cenário era o palco de provas campeiras de Jesús Maria, na cidade de mesmo nome na província de Córdoba, Argentina. Ali é realizado o Festival Nacional de Doma e Folclore. Um evento que acontece ininterruptamente desde 1965 com um fim social: a distribuição de 50% da renda da festa, que dura 10 dias sempre no mês de janeiro, é feita para uma cooperativa de escolas do município. Texto e foto de Eduardo Rocha (eduardorocha.fot.br) 94
Hugo França e a escultura “Um Tronco para Exu”, em frente ao MAC-USP Raiz de árvore que viveu 1.200 anos ganha nova vida como obra de arte
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Um campo para o melhor da cultura
Hugo França, designer e escultor: “Nada que faço tem um pedaço de madeira que foi tirada de árvore encontrada viva” 96
A SEGUNDA VIDA DAS ÁRVORES A partir de troncos caídos, o designer gaúcho Hugo França produz móveis esculturais, que conquistaram lugar em grandes coleções de arte em todo o mundo Por Ana Weiss | Foto de Alexandre Pirani/Divulgação
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om pouco mais de dez anos de vida, a SP-Arte passou a ser uma antena de tendências contemporâneas compartilhadas por galerias e amantes de arte. Na edição 2017 da feira, realizada no começo de abril, a expectativa do público crescente do evento comercial não era outra. Caminhar pelo Pavilhão da Bienal de São Paulo, no Parque do Ibirapuera, era uma experiência estética, um passeio por conceitos como imaterialidade, alta tecnologia, economia nas formas e leveza aplicados à arte e ao design. No meio dessa atmosfera quase futurista, porém, peças de madeira pesadas, irregulares na forma e na apresentação, se tornaram menina dos olhos dos visitantes. Grandes bancos, cadeiras e mesas – objetos que dificilmente vão bem nos layouts mínimos das moradas contemporâneas – roubaram a atenção do público e venderam como água. Pelo menos metade das peças expostas, no cálculo de seu autor, o designer gaúcho Hugo França, um dos únicos
artistas do mundo a trabalhar com o pequi-vinagreiro, espécie baiana em extinção que ele aprendeu a lidar nos anos 1980 com os índios Pataxó nas redondezas de Trancoso (BA). “São as árvores mais longevas da floresta tropical”, explica o artista sobre a sua matéria-prima favorita. “Trabalho com árvores que morreram há pelo menos 50 anos. O pequi-vinagreiro vive até 1.200 anos, contra 800, que é a idade máxima de outras espécies tropicais. Então, quando estou esculpindo um exemplar desse, uma planta que deixou de existir, depois de estar por mais de mil anos sobre a floresta, me sinto fazendo uma verdadeira obra de arqueologia”, diz. A operação arqueológica do designer – que tem hoje peças suas em grandes coleções do mundo inteiro – é uma das garantias da exclusividade de tudo o que sai do seu ateliê em Trancoso, no sul da Bahia (onde viveu por 15 anos), e de outras bases que foi criando ao longo do tempo, como a oficina em Louveira, a 70 PLANT PROJECT Nº4
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O artista em ação: As obras começam com a identificação do tronco. O desenho é feito in loco, com giz, observando os veios da madeira. O corte é feito com motosserra e, em seguida, o acabamento, que transforma o entulho em arte mobiliária
quilômetros da capital paulista, onde concentra boa parte de seu trabalho, hoje inclusive em locais públicos. A proposta de Hugo França, cuja obra é reconhecida e valorizada em todos os grandes centros de design e arte, é preservar até onde é possível o desenho natural, os veios, e as marcas do tempo do vegetal, uma iniciativa que por si só já torna cada peça, que pode custar de R$ 500 a R$ 130 mil, inimitável. França apareceu no mercado de design na década de 1980, e o circuito contemporâneo levou um tempo para assimilar sua proposta. A operação de seu ateliê nunca foi simples nem barata e, naquele tempo, os compradores de design procuravam o humor urbano. Valorizava-se a manipulação dos sintéticos e tudo que dialogava com as possibilidades industriais, em detrimento das peças ecológicas ou com citações à natureza, que havia dominado a cultura nas décadas anteriores. Nesse
contexto, emergiram os irmãos Campana, até hoje símbolo do design brasileiro de ponta, e a produção cosmopolita fazia iniciativas de valorização da brasilidade parecerem artesanato. Foi a partir de um texto da crítica de design Ethel Leon, no final daquela década, que o Brasil reconheceu o valor criativo do designer. Foi Ethel quem chamou a primeira vez o trabalho de Hugo França de escultura mobiliária, mudando o olhar do mercado e do público para a sua criação: da pesquisa ao acabamento, passando pelo processo, tudo no trabalho de Hugo França era inovador e único. E isso passou a ser reconhecido. Uma das singularidades dos móveis e esculturas de Hugo França é que o processo criativo começa antes do projeto. As obras têm início em uma preleção investigativa, a busca pelo resto material lenhoso sem vida, pela morte natural ou acidental de uma espécie praticamente extinta, muitas vezes no meio da
O banco Ajuru (à esq.), a escultura Patire, a mesa Apuã e a chaise Jamé (da esq. para a dir.): peças únicas podem custar até R$ 130 mil 98
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floresta, mas também na cidade -- em São Paulo, por exemplo, 10 mil árvores morrem por ano, conta o caçador de corpos vegetais. Só depois de descoberta a matéria é que começa a etapa verdadeiramente escultórica: o desenho in loco e o corte da madeira, que o artista faz com uma serra elétrica, o símbolo máximo do desmatamento que ele se dedica a denunciar. “Desde que não tenha sofrido algum dano irreversível, quase todas as partes das árvores condenadas que encontramos podem ser reaproveitadas”, garante. Não é incomum encontrar Hugo França dedicando horas sob o calor baiano a desenterrar uma raiz escondida de uma árvore monumental caída. A alguns metros da SP Arte, no mesmo parque, uma obra sua – a mais nova – deixa bem explícita essa ideia de ambiguidade entre a restauração de viés ambientalista e a criação de algo novo que se possa chamar de arte contemporânea. Um Tronco para
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Exu, nome da grande escultura exposta na capital paulista, é uma raiz de 5 toneladas de uma árvore que viveu durante 1.200 anos. Sustentada por três pés metálicos sobre o terreno do Museu de Arte Contemporânea (MAC-USP), a grande peça faz uma referência ao orixá da cultura afro-brasileira responsável por fazer a ponte entre o mundo espiritual e o da matéria. “Também me sinto atuando no limite entre dois mundos: entre o design e a arte contemporânea; entre o trabalho na floresta e as grandes coleções internacionais”, compara ele. O processo de restauração de árvores mortas abriu um campo de atuação que tem levado a obra de Hugo França para além da flora nativa do sul da Bahia. Hoje é muito comum que ele e sua equipe sejam chamados em propriedades de quem teve uma árvore perdida, por causa natural ou não. “Vamos até o local, eu e uma média de quatro operadores, conhecer o lugar e a espécie mor-
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Banco Abatiy, mesa anajá, cadeira Cuíca (acima, da esq. para a dir.), banco Tamari e escultura Inrré
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ta. Já no local, começo a pensar nas possibilidades dos vestígios, desenhando sobre a superfície do tronco, com giz, antes mesmo de tirá-lo do lugar. Depois mando a proposta para os proprietários. Muitas vezes, algo que seria um entulho, que o dono do lugar enterraria, já que não se pode mais queimar, se transforma em duas, três peças de mobília. Se pensarmos que metade do material lenhoso é CO2, além de únicos, os novos móveis são baús de crédito de carbono”, relata. Quem tiver uma árvore morta em casa e quiser transformá-la em um banco de 3 a 4 metros criado in loco por
Hugo França, vai desembolsar uma média de R$ 30 mil. Todo esse processo foi repetido várias vezes no Instituto Inhotim, um dos maiores centros expositores de arte contemporânea nacional, em Brumadinho, Minas Gerais, que em suas exposições permanentes possui salas dedicadas a artistas únicos como Tunga, Lygia Pape, Hélio Oiticica. Com dezenas de aquisições ao longo da última década, o Inhotim mudou o eixo da fruição de arte no País. Antes da instituição estar pronta, Hugo França, em pessoa, embrenhou-se na propriedade, detectou as árvores condenadas e
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começou um trabalho silencioso. Hoje, entre as salas dos maiores nomes da arte e da fotografia moderna e contemporânea do País, o público passa por – e se senta em – 170 criações do designer, em sua grande sala a céu aberto, as primeiras a ocuparem a instituição. José Zanine Caldas, considerado o maior mestre do design em madeira no País, sacava uma resposta poética para quando acusavam a sua produção de antiecológica. Ele dizia que o bom móvel dava uma segunda e longa vida para a árvore, que depois da vida na floresta, ganhava uma segunda existência “sendo berço, sendo mesa e sendo caixão.” Hugo França e muitos dos que trabalham com madeira (ainda que de reaproveitamento) costumam ser duramente criticados, pois existe uma linha de ambientalistas que acredita que qualquer uso de madeira estimula, ainda que indiretamente, o desmatamento. Ele não se intimida. “Nada que faço tem um pedaço de madeira que foi tirada
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de madeira encontrada viva.” Para a próxima exposição que vai montar em Paris, o designer quer levar peças construídas a partir de barcos pataxós inutilizados, confeccionados há muito tempo da madeira do pequizeiro. O que os franceses verão em setembro seria então, pela lógica de Zanine, a terceira encarnação da longeva árvore brasileira.
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Máquina em campo: Transformações do mundo digital devem resultar em uma nova geração de equipamentos conectados nos próximos anos
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As inovações para o futuro da produção
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A REVOLUÇÃO DAS MÁQUINAS Robótica, Inteligência Artificial, Internet das Coisas... Embarcadas nos equipamentos utilizados no cotidiano das lavouras, essas tecnologias estão abrindo uma nova era na história da agricultura – e você precisa estar preparado para ela Por clayton melo
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a maior parte da história da agricultura, a produtividade foi, sobretudo, resultado da capacidade humana. Se o número de homens e mulheres no plantio e na colheita dobrasse, a comunidade dobrava sua produção. Com a Revolução Industrial, a produção no mundo deu um salto, pois um único indivíduo passou a operar máquinas que faziam o trabalho de dez cavalos ou centenas de trabalhadores. Ao longo do século 20 isso teve efeito direto nas fazendas, que, graças à tecnologia, exibem atualmente um estágio notável de automação e sofisticação – levantamento da Comissão Brasileira de Agricultura de Precisão indica que 67% das propriedades agrícolas do País usam algum tipo de tecnologia, seja na área de gestão dos negócios, seja nas atividades de cultivo e colheita da produção. A agricultura, tal como a conhecemos hoje, no entanto, está entrando em uma etapa e vai ser transformada radicalmente. Nessa nova fase, algoritmos, Inteligência Artificial e Internet das Coisas (IoT) es-
tão se encontrando com os motores do campo. Ocupando um espaço nas máquinas agrícolas - a cabine - que antes era exclusivo para um operador de carne e osso, essas novas tecnologias vão elevar a produtividade e a eficiência nas lavouras a níveis espetaculares. Que parte desse futuro já se tornou realidade, como será a máquina do futuro e o que elas vão fazer pelos produtores no desafio de alimentar a população mundial, que deve chegar a 9 bilhões de pessoas em 2050? As protagonistas dos próximos capítulos da revolução agrícola são as máquinas autônomas. Segundo reportagem do site americano Agriculture.com, estima-se que cerca de 52% dos agricultores nos EUA já utilizem alguma forma de direção automática, e a previsão para 2018 é de que esse índice chegue a 64%. Se as previsões de um estudo feito em 2013 pelo Eno Center for Transportation se confirmarem, um veículo totalmente autônomo estará disponível no mercado em 2025, diz o site. PLANT PROJECT Nº4
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O fato é que a cada dia a tecnologia avança um talhão na busca por sistemas que permitam a tratores, colhedoras e implementos trabalhar e tomar decisões por sua conta e risco. Risco, aliás, é justamente o que se busca reduzir com o uso dos equipamentos inteligentes. O raciocínio é que, dotados de Inteligência Artificial e com a capacidade de se comunicarem em tempo real com outras máquinas, com sensores espalhados pela lavoura ou com um operador humano à distância, eles minimizem ou eliminem perdas e imprevistos durante o processo de plantio e colheita. A busca por equipamentos autônomos nas fazendas não começou agora. A fabricante americana John Deere, por exemplo, apresentou um pro-
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tótipo do gênero que operava com um pulverizador de arrasto no início da década de 2000, durante a Farm Progress Show, principal feira do setor dos Estados Unidos. De lá para cá, muita coisa aconteceu. Projetos nasceram e morreram, a tecnologia no setor avançou muito, mas as fazendas ainda não podem contar com tratores que prescindam totalmente de um motorista. O que existem são máquinas com alto grau de automação, mas que ainda precisam da interferência humana em alguma etapa do processo. Agora, parece que está se aproximando o dia em que esse cenário vai mudar. A CNH Industrial, um dos principais grupos globais no setor de bens de capital, colocou seus veículos alguns hectares adiante nessa jornada tecnoló-
gica. Por meio de suas marcas Case IH e New Holland Agriculture, o núcleo de inovação da companhia desenvolveu uma tecnologia de trator autônomo que promete abrir a porteira da agricultura do futuro. O conceito trabalhado proporcionaria melhor aproveitamento da mão de obra, integração com as frotas do maquinário atual, operação 24 horas por dia com monitoramento de dados em tempo real e, no futuro, a habilidade de responder automaticamente a ocorrências meteorológicas. O sistema de autodireção e a telemática já estão disponíveis nos tratores atuais, mas as tecnologias autônomas levam esses mecanismos a um patamar muito superior. O conceito do trator
autônomo da CNH Industrial foi projetado para permitir a implantação, o monitoramento e o controle completamente remoto das máquinas. O projeto está baseado nos tratores convencionais de alta potência Magnum, da Case IH, e T8 NH (Drive -TM), da New Holland. Eles usam GPS em conjunto com os sinais de correção enviados por satélites. Isso permitiria uma condução precisa, registro e transmissão em tempo real dos dados do campo. Para desenvolver seu conceito de trator sem motorista, a CNH Industrial contou com a ajuda de seu fornecedor de tecnologia, a ASL (Autonomous Solutions Incorporated), uma empresa sediada no estado de Utah, nos EUA.
VITRINE TECNOLÓGICA A Case IH apresentou o trator-conceito Magnum na Farm Progress Show em agosto de 2016, nos EUA, e o traz agora para a Agrishow 2017, a principal vitrine tecnológica do mercado de máquinas agrícolas do Brasil. O veículo não tem cabine. “Em várias partes do mundo, encontrar mão de obra qualificada durante a temporada de safra é um desafio constante para as empresas e produtores rurais”, afirmou Andreas Klauser, presidente mundial da Case IH. “Enquanto hoje oferecemos piloto automático e telemetria em nossos equipamentos, para o gerenciamento remoto das máquinas e funcionários, esse conceito de trator autônomo possibilitará PLANT PROJECT Nº4
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uma maior eficiência operacional para tarefas como preparo de solo, plantio, pulverização e colheita”, afirmou. O veículo experimental, cuja versão comercial está prevista para 2020, foi criado para validar a tecnologia e colher impressões dos clientes a respeito dos recursos e possíveis ajustes. O trator Magnum utilizado no projeto foi todo redesenhado. Ele foi construído com uma interface interativa, permitindo o monitoramento remoto de operações pré-programadas. Por meio de um radar - com reflexão, geração e telemetria de luz - e câmeras de vídeo a bordo, o veículo percebe os obstáculos parados ou em movimento no caminho e para até que um operador, avisa108
do por alertas sonoros e visuais no smartphone ou tablet, programe um novo percurso. Se começar a chover na lavoura, por exemplo, o trator cessa automaticamente o que estiver fazendo e segue para um campo seco para trabalhar, diz a fabricante. Remotamente, uma pessoa pode supervisionar toda a operação por meio de um iPad ou notebook. “Quem administra a propriedade pode supervisionar as atividades de várias máquinas por meio de uma interface móvel, enquanto cuida de outras tarefas ou até mesmo opera outro veículo”, explicou Rob Zemenchik, gerente de marketing de produto global de Agricultura de Precisão (AFS, na sigla em inglês) da Case IH.
O objetivo é fazer com que, no futuro, vários tratores do gênero funcionem simultaneamente de forma articulada, como uma frota ou pequenos grupos em campos separados, com mapas e trajetos programados previamente. Isso quer dizer que, enquanto uma máquina puxa um implemento, outra operaria uma plantadeira. “As oportunidades para o aumento de eficiência vão ser enormes”, afirma Zemenchik. O trator autônomo conceitual da New Holland, por sua vez, funciona tanto de forma independente, por meio de controle em tempo real dos dados e monitoramento remoto, como liderada por um condutor, pois o modelo mantém a cabine do
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motorista. O espaço foi preservado para dar opções ao produtor, pois em algumas situações a mecanização não é recomendada – é o caso de transporte em estradas, por exemplo. Em ambos os formatos, as máquinas podem ser integradas às frotas convencionais. COISAS CONECTADAS O cenário futurista das máquinas autônomas não surge no vácuo. Ele está intrinsicamente ligado ao contexto da tecnologia global, que vê o avanço rápido
de modalidades como Inteligência Artificial e Internet das Coisas. Os supercomputadores inteligentes, que aprendem sozinhos e podem realizar tarefas humanas de forma independente, estão presentes em um número cada vez maior de setores econômicos, do financeiro ao varejo, passando por sistemas de companhias aéreas e comércio eletrônico. Já as coisas que se conectam à internet, como carros, eletrodomésticos, relógios e roupas, também não são mais peças de ficção científica. Sim,
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essas novas tecnologias ainda estão em estágios iniciais, mas o dado novo é que elas estão mais perceptíveis e presentes na vida das pessoas. Os líderes dessa revolução são os gigantes da tecnologia, como Google, Amazon, Microsoft, Apple e IBM. Os quatro primeiros são responsáveis, respectivamente, pelos assistentes virtuais Assistant, Echo, Cortana e Siri, sistemas que interagem com as pessoas e respondem a perguntas. A IBM, por sua vez, é a criadora daquele que é o maior astro da Inteli-
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gência Artificial da atualidade, o computador Watson. A máquina da companhia é capaz de interpretar dados não estruturados vindos da web (em qualquer formato, seja vídeo, texto ou foto), como faz um ser humano, mas a uma velocidade impressionante. Ao seu modo, o IBM Watson pode pensar, graças a algoritmos complexos de Inteligência Artificial baseados em redes neurais e numa tecnologia de aprendizagem chamada deep learning. O equipamento ficou famoso mundialmente depois de vencer os melhores competidores humanos do programa de perguntas e respostas Jeopardy!, em 2011, nos EUA. Todo esse universo de inovação já está de alguma forma pre110
sente no agronegócio. O que se verá daqui para a frente é a intensificação desse processo, com as grandes empresas de tecnologia reforçando suas apostas no setor. É o caso da própria IBM. Segundo Ulisses Mello, diretor do laboratório de pesquisa da empresa no Brasil, a companhia elegeu o agronegócio como uma área estratégica para sua operação no País em 2017. “Neste ano, a IBM está mais focada no agronegócio. Estamos desenvolvendo soluções específicas para esse mercado”, afirma. Exemplo disso foi o lançamento da IBM Agritech, uma plataforma aberta que, municiada por informações de empresas ligadas à agricultura, vai consolidar dados, tecnologias e soluções para resolver problemas do setor. Uma parceira estratégica no projeto é a Agrotools, empresa brasileira com dez anos de mercado e responsável por um dos maiores bancos de dados territoriais do agronegócio tropical. “A circulação de dados e o raciocínio geoespacial ao longo da cadeia produtiva são fundamentais para a transformação digital do campo”, afirma Fernando Martins, presidente da Agrotools. “Estamos construindo com a IBM uma plataforma aberta para o agronegócio, permitindo a circulação de dados, o que vai estimular insights importantes para os participantes do setor.” Baseada na computação em nuvem, ela une tecnologias
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utilizadas pela IBM, como computação cognitiva, Internet das Coisas e dados meteorológicos da Weather Company, empresa adquirida em 2015 e que agora trabalha associada às divisões do Watson e de Internet das Coisas. “Há muita informação disponível sobre agricultura, mas elas estão dispersas. Essa plataforma busca organizar esse universo todo”, diz Mello. Por meio da IBM Agritech, será possível obter informações sobre o tempo e recomendações de plantio, adubação e irrigação, colheita e transporte. A tendência daqui para a frente é de que os maquinários agrícolas, que se transformaram em veículos conectados e inteligentes, trabalhem integrados a plataformas como a da IBM e outras. “Já se nota no exterior uma forte tendência de uso da robótica em maquinários grandes”, afirma Mello. O próximo passo, diz, serão máquinas interagindo com máquinas e realizando atividades diferentes, mas sempre de modo coordenado. “A intercomunicação entre os equipamentos no campo vai ficar mais evidente, e esse movimento chegará aos veículos menores. Os robôs-aranha, que coletam amostras de solo, por exemplo, já são um sinal disso.” Isso quer dizer que em breve tudo no campo estará conectado à nuvem e com acesso em tempo real pelo produtor – falta resolver a questão de acesso à internet nas lavouras, mas isso
também é questão de tempo. Já existem projetos em andamento, como o da Usina São Martinho, no interior de São Paulo, para conectar as fazendas (veja reportagem à página 116). INTERNET DAS COISAS Um dos projetos pioneiros na aplicação de Internet das Coisas no agronegócio no Brasil está sendo desenvolvido pela Stara em parceria com a companhia alemã de software SAP. Pelo acordo, a fabricante brasileira, que já utiliza sensores em seus tratores, criou um sistema de te-
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lemetria baseado na plataforma SAP. A solução de IoT permite ao agricultor monitorar em tempo real os processos de plantio, como quantidade de sementes, preparo, adubação, correção de solo, pulverização e colheita. Segundo as empresas, o trator utilizado no programa é o primeiro no País capaz de transformar dados do campo em informação para auxiliar o agricultor na tomada de decisão. “Existem fazendas que possuem 400 equipamentos espalhados, entre tratores, pulverizadores e plantadeiras. É impossível ge-
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renciar a quantidade de dados gerada nessas máquinas com base em planilhas e papel”, afirma Cristiano Paim Buss, diretor de pesquisa e desenvolvimento da Stara. “Esse projeto nasceu do desafio de conectar tratores com a base de dados da SAP, em tempo real, para auxiliar os produtores na gestão das propriedades.” O projeto-piloto está sendo executado com um grupo de agricultores. Para a SAP, a parceria com a Stara é parte central no plano
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para avançar no agronegócio, um setor considerado estratégico para a companhia. O projeto de IoT foi criado no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da SAP, localizado em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, com o apoio do SAP Labs Latin America. “Para elevar a produtividade no campo, o primeiro passo é obter dados confiáveis. As máquinas são importantes nesse processo porque elas são fontes seguras”, afirma Roberto Kuplich, gerente de desenvolvimento
e soluções customizadas da SAP Labs América Latina. Tratores e implementos agrícolas podem, por exemplo, captar informações corretas sobre a situação do solo e de sementes, sem a possibilidade de erro na transmissão, como poderia acontecer no caso de um operador registrando os dados. “Antes, esse processo era feito por uma pessoa, que anotava tudo num papel. Hoje, as máquinas coletam esses dados por meio de sensores, o que permite mensurar de forma bem precisa
Reportagem de Capa
uma série de atividades.” A organização da imensa quantidade de dados gerada nos maquinários é um grande desafio para os produtores. E por isso representa uma grande oportunidade para as empresas de software. A Trimble, companhia americana especializada em agricultura de precisão, está de olho justamente no avanço das máquinas agrícolas, que podem abarcar uma série de soluções voltadas a desempenho. A empresa lançou na Agrishow 2017, um software - o Trimble Ag Software - que integra dados do que acontece nos tratores e na fazenda com o escritório da propriedade. Outro produto levado para a feira em Ribeirão Preto foi um sistema automático de pulverização seletiva chamado WeedSeeker. Ele aplica o defensivo agrícola apenas onde se encontram as plantas daninhas, o que pode representar uma economia de até 90% nos gastos com produtos químicos. “A agricultura de precisão automatiza todos os processos, tratando o campo como se fosse uma fábrica”, afirma José Bueno, gerente regional de distribuição para a divisão de agricultura da Trimble. Vislumbrando um cenário de máquinas autônomas, as possiblidades que se abrem são inúmeras, especialmente para o agronegócio brasileiro, explica Bueno. Isso se deve ao grande potencial agrícola do País, mas também ao perfil do produtor
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brasileiro, que teve de aprender na prática a controlar tudo da porteira para dentro e, por isso, se abriu para a tecnologia. Caso contrário, quebraria. “O produtor nacional é, na média, muito qualificado”, diz Bueno, observando que o próximo passo é o agricultor se preparar para dominar os tratores que dirigem sozinhos. E não se trata de um desafio para um futuro muito distante. “Num prazo talvez de até dez anos haverá diversos equipamentos desse tipo rodando nas fazendas. E o Brasil está inserido nessa tendência.”
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USINA DE INTERNET Projeto-piloto do Grupo Sรฃo Martinho testa rede 4G mรณvel capaz de conectar qualquer ponto das fazendas, em tempo real, ao mundo digital Por Clayton Melo
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revolução digital chegou ao campo, mas ainda há uma série de desafios a percorrer até que todos os produtores possam se beneficiar plenamente das vantagens da tecnologia. No Brasil e no exterior, as ferramentas digitais estão presentes de diversas formas nas lavouras, do uso de softwares de gestão à automação de máquinas, passando pela agricultura de precisão, Big Data e aplicativos de rastreamento com apoio de satélites. Ainda falta, no entanto, vencer uma barreira fundamental: conectar as fazendas à internet. No momento em que todos os talhões estiverem plugados na rede, os produtores poderão aumentar ainda mais a eficiência das plantações, enviando e recebendo por smartphones informações em tempo real diretamente de áreas remotas – e, o que é fantástico, se beneficiando de fato de novíssimas tecnologias, como a Internet das Coisas e a Inteligência Artificial. Fazer essa conexão é um trabalho complexo e que demanda um grande volume de investimentos das operadoras de telecomunicações. Para alguns players do agronegócio nacional, no entanto, o tema é tão estratégico que eles tomaram para si a responsabilidade de desenvolver e implantar sistemas de internet de alta velocidade e integrar os pontos mais distantes de sua produção ao mundo digital. Um dos maiores produtores de açúcar e etanol do Brasil, o Grupo São
Martinho abriu a porteira para essa nova etapa da tecnologia no campo. De forma pioneira, a companhia começou a instalar uma rede 4G móvel com o objetivo de conectar os 320 mil hectares de terra sob sua gestão. Baseada na tecnologia LTE (Long Term Evolution) e desenvolvida em parceria com o CPqD, instituição de inovação e pesquisa com sede em Campinas, a iniciativa foi lançada em 2016 e terá dois anos de duração. O plano está ancorado num sistema de conexão pensado especificamente para o setor sucroalcooleiro, levando em conta aspectos como clima, topografia e vegetação. O projeto conta também com infraestrutura de sensoriamento com RFID, um recurso de identificação por radiofrequência. Esses instrumentos todos, integrados, vão permitir a coleta e a transmissão de informações, em tempo real, direto das usinas, algo hoje impensável. “Conseguimos finalmente desenvolver uma tecnologia que possibilita colocar de pé, para nós, uma rede 4G que conecta todos os equipamentos no campo” campo”,, diz Fábio Venturelli, presidente do Grupo São Martinho. “Essa é uma das principais inovações no grupo atualmente.” COMO FUNCIONA A tecnologia do CPqD utiliza estações de rádio-base distribuídas nas usinas e equipamentos chamados de terminais
inteligentes veiculares. Esses terminais são pequenas caixas, facilmente transportadas, que possuem todo o aparato para viabilizar a conexão, como Wi-Fi, GPS, RFID e a tecnologia LTE. Os equipamentos são instalados nas colhedoras, tratores e caminhões que realizam o transporte da cana, fazendo, assim, com que as máquinas fiquem conectadas à internet. “A rede de comunicação LTE vai possibilitar a conexão num raio de cobertura de dezenas de quilômetros, permitindo mobilidade e taxas muito elevadas de qualidade de transmissão de dados, bem superior e sem a instabilidade da rede 4G das operadoras de celular”, afirma Fabrício Lira Figueiredo, gerente de tecnologias de comunicação sem fio do CPqD. “Esse sistema vai viabilizar a coleta de dados no campo e o seu envio, em tempo real, para um banco de dados da São Martinho e, mais tarde, de outras empresas.” A previsão é de que a partir de abril cerca de 20 terminais estejam funcionando 116
em pelo menos uma frente de colheita da São Martinho. O projeto da rede 4G é apoiado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por meio do PAISS Agrícola, um programa destinado ao fomento da inovação na agricultura. A previsão do CPqD, responsável pela parte tecnológica, é de que o serviço seja lançado comercialmente no segundo semestre de 2017. A fabricação da rede e a operação comercial estão a cargo da Trópico Sistemas e Telecomunicações, uma startup ligada ao CPqD. Por enquanto, o que está em andamento é um projetopiloto em uma das usinas do grupo sucroalcooleiro, a São Martinho, em Pradópolis, na região de Ribeirão Preto (SP). Pelo projeto, a companhia de açúcar e álcool terá vantagens comerciais quando a rede 4G do CPqD começar a ser vendida no mercado. Além disso, outro benefício foi o desenvolvimento de um projeto adaptado às
necessidades do grupo. Para entender melhor a importância da rede 4G para as lavouras, é preciso observar como funciona hoje, de maneira geral, o processo de registro e coleta de informações no campo. Grandes companhias, como a São Martinho, trabalham com tratores e colhedoras com alto grau de automação e tecnologia de bordo. Mas sempre é necessário um operador ao lado da máquina para extrair os registros ou até mesmo anotar dados que ele próprio observa durante o uso do equipamento. São coisas como o nível de pressão hidráulica ou de óleo, umidade do solo e qualidade da cana. Atualmente, as informações são extraídas do equipamento por meio de um pen drive ou anotadas diretamente em um iPad. “Sem conectividade, qualquer transmissão de dados tem de ser feita assim – ou num pedaço de papel”, afirma Venturelli, destacando que o processo manual é passível de erros. Com
Empresas
WAZE DO CAMINHÃO DE CANA A utilidade da inovação, no entanto, vai além disso. Combinando a transmissão em tempo real com Big Data e a criação de algoritmos, os gestores da São Martinho poderão evitar prejuízos com as colhedoras. “Teremos condições de saber por antecipação, por exemplo, que tipo de componente está perto da hora de ser trocado, evitando que uma máquina quebre”, afirma Walter Maccheroni, gestor de inovação do Grupo São Martinho. “Ter os canaviais conectados vai nos permitir monitorar toda
POR DENTRO DA OPERAÇÃO Alguns dados e informações sobre a operação do Grupo São Martinho
a operação agrícola ao vivo e em cores. Assim, poderemos utilizar Inteligência Artificial para tomada de ações.” Os supercérebros digitais serão úteis porque, com a lavoura conectada, será possível organizar os trajetos percorridos pelas colhedoras nos canaviais, que são áreas, obviamente, sem placas de trânsito. “Assim, vamos saber qual o melhor percurso a cumprir de acordo com o que já está previsto pelas frentes de colheita”, diz Venturelli. “Com a conectividade, teremos o nosso Waze do caminhão de cana”. O desenvolvimento de uma rede 4G para conectar os canaviais segue a estratégia de investimento constante em inovação por parte do Grupo São Martinho, que possui quatro usinas: além da São
Martinho, conta também com a Iracema, em Iracemápolis, na região de Limeira (SP); a Santa Cruz, localizada em Américo Brasiliense (SP); e a Boa Vista, em Quirinópolis, a 300 quilômetros de Goiânia (GO), esta em joint venture com a Petrobras Biocombustíveis. Responsável pela gestão de aproximadamente 23 milhões de toneladas de cana, a companhia possui um índice médio de mecanização da colheita de 97%, chegando a 100% na Usina Boa Vista. Com capital aberto desde 2007, registrou, no primeiro trimestre da safra 2016/17, um lucro líquido de R$ 39,7 milhões, um aumento de 26,1% em relação ao mesmo período do ano anterior. A busca por inovação faz parte da estratégia e tem relação direta com uma característica da operação do grupo. Enquanto
• O grupo possui quatro usinas: São Martinho, em Pradópolis, na região de Ribeirão Preto; Iracema, em Iracemápolis, perto de Limeira; Santa Cruz, localizada em Américo Brasiliense (todas essas três no Estado de São Paulo); e Boa Vista, em Quirinópolis, a 300 quilômetros de Goiânia (GO), esta uma joint-venture com a Petrobras Biocombustível
Fonte: Grupo São Martinho
o canavial conectado, a história será outra: tudo será enviado diretamente da máquina para a nuvem e acessado pela equipe da São Martinho.
S
• Um dos maiores grupos sucroenergéticos do Brasil, tem capacidade aproximada de moagem de 23 milhões de toneladas de cana (21 milhões de capacidade proporcional à participação acionária) • O índice médio de mecanização da colheita do grupo é de 97%, chegando a 100% na Usina Boa Vista • O lucro líquido do primeiro trimestre da safra 16/17 foi de R$ 39,7 milhões, resultado 26,1% superior ao alcançado em igual período da safra anterior
PLANT PROJECT Nº4
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CANAVIAL HIGH TECH Saiba mais sobre o projeto de rede 4G desenvolvido pelo CPqD em parceria com o Grupo São Martinho
COMO FUNCIONA
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O QUE É
Sensores e etiquetas RFID instalados nas máquinas agrícolas envolvidas na colheita (tratores, colhedoras, carretas e caminhões) coletam dados que permitem a gestão e a rastreabilidade da cana em tempo real
• É uma rede móvel privada de banda larga 4G, baseada na tecnologia LTE e adaptada para operar em áreas rurais e remotas • Foi desenvolvida pelo CPqD em parceria com o Grupo São Martinho, que abriga um projeto-piloto, já em funcionamento na usina da companhia que fica em Pradópolis, região de Ribeirão Preto • Ainda em caráter de testes apenas com a São Martinho, o serviço deve começar a ser vendido no mercado a partir do segundo semestre deste ano. Preços e condições ainda não estão totalmente definidos
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Esses dados são capturados automaticamente pelos terminais inteligentes veiculares (TIVs) instalados na frota de máquinas agrícolas da usina
• A frequência utilizada ocupa uma faixa de espectro inferior a 1 GHz, que possibilita uma cobertura maior que as redes convencionais oferecidas pelas operadoras de celular e sem instabilidades de sinal
muitos concorrentes trabalham com diferentes fornecedores externos de cana, na São Martinho a preferência é por lidar com matéria-prima própria, ou seja, que ela mesma produz e controla. Isso resulta num diferencial em termos de preço, porque, ao lidar com insumo de terceiros, o valor oscila em função da cotação do açúcar e do álcool. Com a cana própria, por sua vez, é possível controlar
o custo, pois ela não fica atrelada ao valor do produto final. Como 80% dos custos do Grupo São Martinho são originados da área agrícola, como plantio, corte, colheita e transporte, melhorar a eficiência da produção significa ser mais competitivo. “Esse é um dos grandes motivos da companhia sempre ter investido muito em tecnologia agrícola”, diz Venturelli. A visão de futuro do Grupo
São Martinho, com canaviais conectados e uso de Big Data e Inteligência Artificial, está em sintonia com o que os principais competidores do agronegócio mundial buscam neste momento. A agricultura digital oferece uma nova maneira de conduzir os negócios, permitindo a melhoria da eficiência e da sustentabilidade. O Brasil, como potência nesse mercado, ocupa papel relevante
Cada estação rádio-base transmite os dados recebidos para o Centro de Operações Agrícolas (COA) da Usina São Martinho, desenvolvido para esse projeto, que passará a ter banco de dados com todas as informações recebidas do campo.
3
Os terminais inteligentes veiculares são pequenos equipamentos dotados de interfaces Wi-Fi, GPS, CAN (barramento para transmissão de dados de telemetria), leitor RFID e banda larga sem fio 4G. Eles recebem os dados obtidos dos sensores e etiquetas RFID, realizam o pré-processamento das informações e as enviam, pela rede 4G, para uma estação rádio-base (equipamento instalado em torres de transmissão da Usina São Martinho)
na corrida tecnológica agrária, como demonstram o exemplo da São Martinho e de uma série de novas empresas especializadas em tecnologia para o agronegócio - as chamadas AgTechs -, que começam a proliferar no País. O histórico de inovação da agricultura brasileira, em genética para sementes e mecanização de grandes propriedades, por exemplo, é
bem conhecido. O aspecto novo é que agora a tecnologia digital chegou aos pequenos e médios produtores. Com softwares, hardwares e aplicativos de baixo custo, os agricultores podem obter análises e qualquer tipo de dado na palma da mão. Isso tem um efeito multiplicador em toda a cadeia do agronegócio. E a inovação se espalha não só pela tecnologia agrícola, mas também em novas
5 A partir desses dados e, com o auxílio de softwares específicos, a usina terá condições de apurar com mais agilidade a quantidade de cana produzida em cada área, a quantidade enviada às moendas, o posicionamento e distribuição de sua frota agrícola, além de indicadores como horas trabalhadas e produtividade por operador ou colhedora, entre outros.
formas de manejo do solo e desenvolvimento de variedade de insumos, como a cana. O importante em todo esse processo é usar a inovação de forma coordenada, observa Fábio Venturelli. A partir daí, é se preparar para voos mais altos. “Com o Big Data e a conectividade, podemos levar essa estratégia a uma outra dimensão, com muito mais previsibilidade e eficiência.”
Fonte: CPqD
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GAF Talks
O CAMPO NA ERA DA INFORMAÇÃO Com uma revolução tecnológica em curso, líderes do agronegócio se reúnem no GAF Talks para discutir os desafios e as oportunidades para o futuro da produção global de alimentos
Hugh Grant, CEO da Monsanto, corta a maçã para ilustrar qual a parcela produtiva da terra: “A velocidade do desenvolvimento não está sendo suficiente”
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Patrocínio
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uando subiu ao palco do GAF Talks 2017, no fim de março passado, o CEO mundial da Monsanto, Hugh Grant, chamou a atenção de todos por trazer em suas mãos uma singela maçã. Cercada de expectativa, sua palestra foi um dos destaques do evento que marcou o início das discussões que culminarão com a realização do Global Agribusiness Forum, maior evento do gênero do mundo, em meados de 2018. Na plateia do teatro do World Trade Center (WTC) de São Paulo, cerca de 700 líderes do agronegócio global assistiam aos debates em torno do tema “O Futuro da Agricultura”. Diante de todos, Grant dividiu a fruta em várias partes, ilustrando os solos existentes no planeta e apontando que apenas uma pequena fração dessas áreas são aptas para a produção de alimentos no mundo. A mensagem por trás da cena era simples e direta: encontrar formas de produzir mais com pouca terra é o grande desafio dos próximos anos. “O futuro passa pelo aumento de produtividade impulsionado pelo desenvolvimento de novas tecnologias”, ressaltou o executivo. A necessidade de acelerar a inovação tecnológica é, segundo Grant, uma das principais motivações por trás das
grandes fusões das empresas de tecnologia agrícola como Dow e Dupont e a própria Monsanto, em processo de incorporação pela Bayer. “Precisamos buscar formas de acelerar os processos, pois hoje a velocidade do desenvolvimento não está sendo suficiente”, afirmou o executivo. Segundo ele, a fusão de sua empresa com a gigante alemã deverá fazer os investimentos em pesquisa e desenvolvimento da nova empresa saltarem de US$ 1,5 bilhão para US$ 2,5 bilhões por ano. “A combinação das empresas vai possibilitar o desenvolvimento de moléculas ao mesmo tempo que avançamos em modelos agrícolas, tornando a pesquisa muito mais eficiente.” Essa “pressa” por inovação apontada pelo chefe da Monsanto foi reverberada durante todo o evento. No centro do debate, o que se aponta é que a agricultura global passa por um momento de revolução, impulsionada principalmente pelas novas tecnologias de informação. O uso dos sistemas Big Data, tecnologia que extrai inteligência de uma grande massa de dados, voltados para o campo é uma tendência que deverá ser amplificada nos próximos anos, com efeito direto em ganho de eficiência e produtividade nas lavouras. “Além de subsidiar o PLANT PROJECT Nº4
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produtor rural com recomendações relacionadas a plantio e colheita, as plataformas de Big Data também serão cada vez mais usadas para projeções de comercialização, relacionadas ao vaivém dos mercados”, apontou o representante da Organização das Nações Unidas para Alimentação e a Agricultura (FAO) no Brasil, Alan Bojanic. “Essas tecnologias de informação terão papel fundamental nesse processo.” Um dos exemplos é o sistema Agrovoc, desenvolvido pela FAO, que trabalha com coleta de informação e conversão em linguagem comum entre todos os outros sistemas com cobertura global. “O Big Data é capaz de relacionar as perdas de alimentos na agricultura”, diz. O PAPEL DO BRASIL Em sua apresentação, Bojanic afirmou que os estudos da FAO, recentemente revisados, mostram que até 2050 o mundo terá uma população de 10 bilhões de pessoas para serem alimentadas. Com isso, será necessário aumentar em 70% a produção de alimentos do mundo e 80% desse crescimento deverá ocorrer por meio do ganho de produtividade. O que coloca o Brasil no centro das discussões, com papel fundamental para o futuro da produção de comida. “O Brasil possui totais condições de ser o maior provedor de alimentos do mundo”, afirmou o ex-ministro da agricultura e presidente do conselho da Abramilho, Alysson Paolinelli. Com a visão de quem acompanhou de perto a revolução verde, Paolinelli aponta que vivemos uma nova revolução no campo com as tecnologias de informação, mas ponderou que o Brasil precisa investir na marca de seus produtos como forma de agregar valor à sua produção. “Não podemos mais nos 122
conformar em apenas exportar grãos. Temos que focar na qualidade e valorização da nossa produção.” A opinião é compartilhada pelo presidente da Embrapa, Maurício Lopes. “Temos de alcançar mercados que são cada vez mais dinâmicos, competitivos e exigentes. Precisamos ter produção sofisticada e atingir mercados que pagam mais, o que traz mais riqueza para o setor.” Para Lopes, o Brasil terá que investir em duas frentes nos próximos anos. A primeira delas é a intensificação sustentável da produção, com aumento de produtividade, incorporação de áreas degradadas e uso racional de recursos naturais. A outra ponta está fora das porteiras. “A grande mudança não é apenas no campo da tecnologia, mas sim no consumidor. A agricultura do futuro vai precisar ganhar capacidade de se relacionar com a sociedade urbana, entender as demandas dos consumidores, com alimentos mais sustentáveis, seguros, sem impacto ambiental.” Para o ex-ministro da agricultura Roberto Rodrigues, tudo isso precisa estar aliado com políticas estratégicas e gestão, tanto dos governos quanto da iniciativa privada. “Precisamos ter gestão estratégica para as leis ambientais, para desenvolvimento científico constante, para valorização dos nossos produtos. Também necessitamos ter uma comunicação mais próxima, para que a sociedade entenda o agro e casos como o da carne não voltem a acontecer.” O episódio da operação da Polícia Federal, batizada de Carne Fraca, que colocou sob suspeita a qualidade da carne brasileira e provocou o fechamento de alguns mercados foi lembrado também pelo ex-ministro e presidente da Associação Brasileira de Proteína
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5.
2. 3.
6. 7.
1. Ulisses Melo, diretor do LaboratÓrio de Pesquisas da IBM Brasil; 2. Maurício Lopes, presidente da Embrapa; 3. Sérgio Bortolozo, presidente da Abramilho; 4. e 5. Alan Bojanic, representante da Fao no Brasil; 6. Fernando Martins, CEO da Agrotools, FranKlin Luzes Jr., COO da Microsoft, Igor Chalfoun, CEO da Tbit e Mariana Vasconcelos, CEO da Agrosmart; 7. Luis Rubio, CEO da Vignis, e Guilherme Nastari, diretor da Datagro;
Apoio:
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8.Hugh Grant, da Monsanto, com Plínio Nastari, presidente da Datagro; 9. Platéia lotada no Teatro WTC; 10. EX-ministro Francisco Turra; 11. Painel com Cesário Ramalho, presidente do Conselho do GAF, Arnaldo Prata Filho, diretor da ABCZ, Marcelo Vieira, presidente da Sociedade Rural Brasileira,
Animal (ABPA), Francisco Turra, que chamou a atenção para a necessidade de preservar a imagem da agricultura brasileira. “Nós temos que trabalhar com foco na qualidade, sanidade e sustentabilidade. Já possuímos tudo isso e precisamos vender melhor esses conceitos. Agora, temos que fazer um marketing ainda melhor do que produzimos, para agregar valor aos nossos produtos. Aliás, acho que o futuro nos trará isso, vamos ver a fase da agregação de valor.” 124
ERA DA INFORMAÇÃO O movimento tecnológico em curso nas lavouras em todo o mundo fez com que o agronegócio entrasse de vez no radar de grandes empresas de tecnologia. Empresas como Microsoft, IBM e SAP estão desenvolvendo projetos que envolvem inteligência artificial, uso de informações na nuvem e automação aplicados à produção de alimentos. “As ferramentas de dados vão subsidiar as tomadas de decisão no campo”, declarou o diretor de pesquisa da
IBM, Ulisses Mello. Ele mostrou como o sistema Watson, que utiliza modelos de computação cognitiva, está captando informações relacionadas a agricultura disponíveis em todos os bancos de dados para, a partir delas, oferecer recomendações sobre todas as etapas da produção agrícola. Para o vice-presidente sênior da SAP, Luis César Verdi, o crescimento de serviços de armazenamento de dados em nuvem será importante para democratizar as soluções de
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Sérgio Bortolozo, da Abramilho, Ibiapaba Netto, diretor-eXecutivo da Citrus BR e Plínio Nastari, da Datagro; 12. EX-ministro Alisson Paulinelli; 13. Roberto Schmidt, diretor de MarKeting da TV Globo; 14. EX-minisrto Roberto Rodrigues; 15. Luis Cesar Verdi, vice-presidente sênior da SAP
tecnologia da informação, fazendo-as chegar aos pequenos produtores. “E essa riqueza de dados permite que os gestores tenham uma compreensão mais precisa do que acontece e, com isso, possam tomar decisões mais assertivas e rápidas, melhorando a eficiência”, ressalta. Já Franklin Luzes Junior, COO da Microsoft, destacou o fundo de investimento capitaneado pela empresa em parceria com a Monsanto dedicado a investir em startups do agronegócio. Segundo
Franklin, agricultura de precisão, análises de dados, softwares de gestão, irrigação inteligente, serviços financeiros, captação de informações sobre animais são as áreas mais quentes para a atuação das startups de base tecnológica voltadas para a agropecuária (agtechs). Atuando no segmento da cana-de-açúcar, um dos setores com maior índice de adesão a novas tecnologias, o diretor-presidente da Vignis, Luis Claudio Rubio, analisa que tanto a produção de alimentos
como a de energia tem muito a avançar com o uso dessas novas tecnologias. “Quando a gente pensa em agricultura do futuro, tanto para a produção de alimentos quanto para a produção de energia, o nome do jogo é produtividade, que inclui maior eficiência, transparência e qualidade”, diz. Utilizar as novas tecnologias para conseguir produzir mais alimentos em menos áreas, de forma sustentável e eficiente. Está lançado o desafio da agricultura global para os próximos anos. PLANT PROJECT Nº4
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Plant + Vignis
INOVAÇÃO NO CENTRO DO PALCO Em um momento em que o setor se reúne para discutir o futuro do agronegócio, a Vignis apresenta suas novas variedades de cana que prometem dar um salto na produção de energia renovável no Brasil
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mais de 700 pessoas no teatro do World Trade Center (WTC) em São Paulo. Para justificar a aposta na nova tecnologia, Rubio apresentou, durante o painel “A Ciência da Energia”, os resultados obtidos em campo. De acordo com os dados de plantio divulgados pela Vignis, a produtividade obtida pela Cana Energia chega a 180 toneladas por hectare, um aumento de 125% em relação a produtividade média da cana convencional de 80 toneladas por hectare. Na produção os números também são robustos. As novas variedades produzem,
em média, 10.800 litros de etanol e 54.000 kg de bagaço por hectare na cana-de-açúcar convencional, a média é de uma produção de 6.800 litros de etanol e 4.000 kg de bagaço por hectare. “Nos últimos 30 anos a produtividade da cana cresce a menos de 1% ao ano porque as pesquisas estão focadas apenas na produção de açúcar. Nós partimos de uma lógica diferente”, explicou Rubio à plateia. Esse incremento de produtividade e de produção tem impacto direto no resultado financeiro dos canaviais. A rentabilidade média com uso deste novo
UMA CANA DE VALOR
NOVA TECNOLOGIA POSSUI MAIOR CAPACIDADE DE PRODUÇÃO DE ETANOL E DE BAGAÇO, O QUE PERMITE AUMENTO NA RENTABILIDADE POR HECTARE
CANA-DE-AÇÚCAR
CANA ENERGIA
6.800 L etanol
+ 4.000
1 hectare
KG
bagaço
R$
11.662
rentabilidade
PRODUÇÃO DE 180 TONELADAS
1 hectare PRODUÇÃO DE 80 TONELADAS
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uando se discute o futuro da produção de alimentos no mundo, questões como aumento de produtividade, otimização do uso da terra e redução de custos aparecem no centro das discussões. No caso da produção de energia, isso não é diferente. Afinal, esses são aspectos apontados como cruciais para a ampliação da adoção de fontes renováveis e sustentáveis em substituição aos combustíveis fósseis. Foi com essa visão que a empresa de biotecnologia Vignis participou de dois eventos que recentemente reuniram líderes do agronegócio para discutir o futuro: a Conferência de Abertura da Safra de Cana e o GAF Talks, ambos ocorridos em março. Nas duas oportunidades, a Vignis levou para o centro do palco a sua Cana Energia, um novo tipo de cana que promete aumentar a eficiência, elevar a produtividade e multiplicar os ganhos dos canaviais. “Nossa empresa resolveu dedicar o seu pensamento científico para produzir uma nova planta que pudesse quebrar alguns paradigmas do setor”, ressaltou o presidente da Vignis, Luis Claudio Rubio, na abertura de sua apresentação durante o GAF Talks 2017, evento organizado pelo Global Agribusiness Fórum e que reuniu
10.800 L etanol
+ 54.000 bagaço
R$
KG
23.787
rentabilidade
103%
É O AUMENTO DA RENTABILIDADE POR HECTARE
EMPRESA PARTICIPOU DO GAF TALKS 2017 E APRESENTOU SUA TECNOLOGIA DURANTE O PAINEL “A CIÊNCIA DA ENERGIA”
tipo de cana, considerando os preços de mercado do etanol e da energia, chega a R$ 23.787 por hectare ante um ganho de R$ 11.662 por hectare plantado com a cana convencional. Uma diferença de 103%. “Nós dizemos que geramos mais açúcar e etanol por hectare, mas na verdade nós geramos mais valor por hectare”, afirmou o executivo. A confiança é de quem está acostumado a tocar projetos importantes. Em 2003, Luis Claudio Rubio e o engenheiro agrônomo, Sizuo Matsuoka, um dos maiores especialistas em melhoramento genético
de cana no Brasil, fundaram, junto com a Votorantim, a CanaVialis, vendida em 2008 para a Monsanto. Dois anos após o negócio, Rubio e Matsuoka voltaram a se unir para colocar de pé a Vignis onde na sequência se juntaram a eles André Tomazela e Eder Santos também saídos da CanaVialis. Desde então, eles desenvolvem a Cana Energia, cujo o diferencial está no alto teor de fibra, que chega a 20% contra 13% das variedades convencionais. “Com o uso da biotecnologia nós conseguimos produzir muito mais energia na mesma área”, resumiu o executivo.
…O que explica a rápida evolução do plantio da nova variedade PRODUÇÃO DA CANA ENERGIA (em milhões de toneladas)
1,2
2017/2018
2,5*
2018/2019
Diante dos bons resultados, as projeções são de que o plantio deste novo tipo de cana avance em ritmo acelerado no país. Um dos palestrantes do evento Abertura de Safra, em Ribeirão Preto (SP), Rubio revelou a mais de 400 líderes e executivos do setor sucroenergético projeções mostrando que, com projetos desenvolvidos com grupos como Caramuru, Citrosuco, Odebrecht e a Raízen, a colheita nos canaviais da Vignis na safra 2017/18 deve ser de 1,2 milhão de toneladas. Já para a próxima safra a expectativa é de praticamente dobrar a produção e chegar a 2,5 milhões de toneladas e bater 4 milhões de toneladas na safra 2019/20. “Quando pensamos no futuro da produção de energia, o nome do jogo é produtividade. Por isso trabalhamos no desenvolvimento de uma cana capaz de produzir o dobro de litros por etanol e 10 vezes mais energia elétrica por hectare”, diz.
“DIZEMOS QUE GERAMOS MAIS ENERGIA POR HECTARE, MAS NA VERDADE GERAMOS MAIS VALOR POR HECTARE”, presidente da Vignis, Luis Claudio Rubio
4,0*
2019/2020 *PREVISÃO
PLANT PROJECT Nº4
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M MARKETS
Markets
VARIEDADES TRANSGÊNICAS DE SOJA, MILHO E ALGODÃO REPRESENTAM 93,4% DO CULTIVO NO BRASIL S egundo o ISAAA, S erviço In t er nacion al para a A quisição de A plic ações em A grobiotecn ologia (Inter nation al Service for the A cquisition of A gri-Biotech A pplication s), o Brasil cultivou 44,2 milh ões de he cta res (h a) com culturas t ransgên icas em 2015, um crescimen t o de 5% e m relação a 2014,
equivalentes a 2 milhões de ha. N enhum outro país do mundo apresentou um crescimento tão expressivo. C om essa área, a agricultura brasileira está atrás apenas dos Estados Unidos (70,9 milhões de ha) no ranking mundial de adoção de biotecnologia na agricultura. Em seguida, aparecem Argentina, com
com 11,6 milhões de ha, Canadá com 11,0 milhões de ha, e China com 3,7 milhões de ha. Em todo o mundo, 28 países plantaram 179,7 milhões de hectares com variedades geneticamente modificadas ( GM) em 2015, segundo a ISAAA.
Á REA C U LT I VA DA CO M VA R I E DA DE S TRANSG Ê NICAS NO MUNDO PAÍSES
2015 (MILHÕES DE HECTARES)
CULTURAS GM CULTIVADAS
EUA
70.9
Soja, milho, algodão, canola, beterraba, alfafa, papaya, abóbora, batata
BRASIL
44.2
Soja, milho, algodão
ARGENTINA
24.5
Soja, milho, algodão
INDIA
11.6
Algodão
CANADA
11.0
Canola, soja, milho, beterraba
CHINA
3.7
Algodão, papaya, alamo
PARAGUAY
3.6
Soja, milho, algodão
PAQUISTÃO
2.9
Algodão
ÁFRICA DO SUL URUGUAY
1.4
MUNDO
179.7
Fonte: ISSAAA
128
24,5 milhões de ha, Índia 2.3
Soja, milho, algodão Soja, milho
M MARKETS
A p ós 20 anos de cul ti vos n o mundo, os pr i mei ro s p la n t ios ocor rer am em 1996, o uso da b iot e c nol ogi a na p rod u ç ão de al i mentos e s t á c onsol i dada em a lgu n s dos pr i nci pai s p rod u t os agr í col as: soja, milh o, al godão, beter r aba a ç u c a rei r a, canol a, b a t a t a , papaya, e al faf a.
cultur as G M já dis po nív eis é de 91%. N o cas o da s oja, 9 4 % d a área fo i plantada co m v ar iedades tr ans gênic a s, par a o m ilho ( s afr as d e inv er no e v er ão) a taxa f o i de 84% . O des taque d e 2 0 1 5 , por ém , foi o algodão , cuja adoção s aiu de 6 6 % em 2014 par a 73% em 2 0 1 5 .
S e gundo Adr i ana B ron d a ni , d ire t ora-executi va do Cons e lho de I nfor maçõ es s ob re Bi otecnol ogi a ( CIB ) , bi ól oga gr aduad a n a Univ er si dade Federal d o R io G r ande do Sul , n o B ra si l j á são 17 anos d e u s o dessa tecnol ogia. “A o longo desse per í od o d e u s o de or gani smos ge ne t icamente mod if icados (O G M), n ã o h á um só estudo c ie nt íf ico que tenha c onc luí do que el es c a u s a m danos à saúde h u ma na, ani mal ou a o me io ambi ente”.
N o B r as il, s eg undo d a d o s do C TN B io ( C o m is s ão T écnica N acional de B iotecnolo g ia) atualiz ados até 2016, es tá auto r iz ado o cul t i v o de v ar iedades tr ans gênicas de m ilho , s oja, algodão , feijão e eucalipto.
No B ra si l , segundo o CIB , e m 201 5 a taxa médi a de a d oç ã o par a as tr ês
P ar a a s afr a 2 0 1 6 /17 , a co ns ultor ia C éleres div ulg o u s ua es tim ati v a de que a área cultiv ad a co m v ar iedades tr ans gênicas alcanço u 4 9 , 1 m ilhõ es de hecta re s, um cres cim ento de 7 , 3 % s obre a s ua es tim ativa par a 2015/1 6 , e de 1 1 , 1 % s obre a área cultiv ada cons ider ada pelo IS A A A .
S e g u n d o a C é l e re s, a á re a c u l t i v a d a c o m t r a n sg ê n i c o s re p re se n t a 93,4% do total ocupado pelas três culturas no B r a si l e m 2 0 1 6 / 1 7 . N o c a so d a c a n a - d e - a ç ú c a r, o C T C ( C e n t ro d e Te c n o l o g i a C a n a v i e i r a ) , a p re se n t o u a o C T N B i o pedido de autorização p a r a a c o m e rc i a l i z a ç ã o d e c a n a t r a n sg ê n i c a n o B r a si l . E st a v a r i e d a d e é re si st e n t e a b ro c a d a c a n a - d e - a ç ú c a r, a principal praga que afeta a lavoura canavieira. O C T C e st i m a q u e a b ro c a c a u se p re j u í z o s d a o rd e m d e 3 b i l h õ e s d e re a i s p o r a n o , e q u e o CTNBio autorize a p ro p a g a ç ã o d e st a variedade ainda em 2017. Outras variedades t r a n sg ê n i c a s j á e st a r i a m e m p re p a r a ç ã o , c o m m a i o r re si st ê n c i a a p e r í o d o s m a i s se c o s p o r e xe m p l o .
P l i n i o N a st a r i P re si d e n t e d a D ATA G R O
PLANT PROJECT Nº4
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A SEGUIR EM... ...PLANT PROJECT A edição #05 da revista dos líderes do agronegócio vai discutir os desafios da agricultura sustentável e o potencial de mercado da produção orgânica ao redor do mundo. Um debate contemporâneo e cercado de mitos, que vamos ajudar a derrubar.
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O RGÂN I COS E AG R I CULT URA SU ST E N TÁV E L
...E Mais Novos personagens e novas lições na série TOP FARMERS, que homenageia a excelência da produção nacional. Mais informações: publicidade@plantproject.com.br Edição: #05 (julho/agosto 2017) Autorização: 22/06 Fechamento: 29/06
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