Para quem pensa, decide e vive o agribusiness
TOP FARMERS NOVA GERAÇÃO Os jovens produtores que plantam o futuro REPORTAGEM ESPECIAL Um mergulho na nação dos Esalqueanos, das repúblicas de Piracicaba à mais influente rede de conexões do setor
TECNOLOGIA A visão digital de Arlindo Moura para a Terra Santa
FRONTEIRA Como a safra recorde muda o cenário das hidrovias brasileiras
PERSONAGEM
Evaristo de Miranda usa a metralhadora de dados da Embrapa Territorial na defesa do Brasil
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Esta edição de PLANT PROJECT é dedicada ao futuro do agronegócio
UMA GERAÇÃO PARA O FUTURO
brasileiro. Um futuro que é construído diariamente e que, se não houver contratempo, tem tudo para ser brilhante. O que nos dá essa convicção é a mera observação do passado e do presente. A agropecuária é, de longe, o terreno mais fértil da economia brasileira, aquele que produz mesmo nos anos difíceis e, quando todo o resto esmorece, encontra forças para puxar o País para a frente. O presente do agronegócio é revigorante. Segundo os dados do IBGE, recém-divulgados, o setor apresentou crescimento de assombrosos 13% em 2017, ano em que o PIB brasileiro avançou apenas 1%. Estima-se pelo menos mais 7% em 2018, um ritmo alucinante que vem alavancando como nunca o desenvolvimento das principais regiões produtoras. A máquina do agro impulsiona a indústria e os serviços. E atrai os cérebros da tecnologia, que descobrem um País moderno longe das grandes cidades. O Brasil do agro é jovem. Quase 60% dos produtores brasileiros têm menos de 50 anos e estão ávidos por inovação. Uma nova safra de líderes toma seu lugar nas empresas agropecuárias e nas instituições de representação do setor. PLANT traz nesta edição uma animadora amostra do que nos espera, os TOP FARMERS – NOVA GERAÇÃO. Ao seu estilo, conectados e cientes de que aqui se produz como em nenhum lugar do mundo, eles nos passam a tranquilidade de que estamos prontos para muitas décadas de crescimento movido a agro.
Luiz Fernando Sá Diretor Editorial
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SAC CAIXA – 0800 726 0101 (Informações, reclamações, sugestões e elogios) Para pessoas com deficiência auditiva ou de fala – 0800 726 2492 Ouvidoria – 0800 725 7474 facebook.com/caixa | twitter.com/caixa caixa.gov.br
O R U D O H L A B A R T O SEU
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r vo cê , co lh id os po oi o lta do s sã o su re s lo be ec is ar de ap ca da di a qu e vo cê pr de e pr al m fin se ao as os qu e iç õe s, traba lh o. M N ós sa be m ót im as co nd total do seu so é mérito of er ec en do is ui e aq l, ra os ru m ra l C A IX A . pr od ut or ci o, es ta re e. C ré di to Ru u ag ro ne gó ad se rd do ve a de ap et rc er ia pa ra ca da e , cl ar o, pa te C A IX A . di ve rs ifi ca do u m g e re n lio re fó cu rt ro po P um ci o. u ag ro ne gó rc ei ro do se O m el ho r pa
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Í ndi ce
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D i r etor E ditoria l Luiz Fernando Sá luiz.sa@plantproject.com.br D i r etor Comerc ia l Phelipe Krisztan Pedroso Marketing e Publicidade Multiplataforma phelipe.pedroso@plantproject.com.br D i r etor Luiz Felipe Nastari A rt e Andrea Vianna Projeto Gráfico e Direção de Arte Col ab o ra dores: Texto: Amauri Segalla, Catarina Guedes, Clayton Melo, Costábile Nicoletta, Débora Crivellaro, Fabrícia Peixoto, Irineu Guarnier Filho, Nicholas Vital, Romualdo Venâncio Fotografia: Claudio Gatti, Emiliano Capozoli, Jonathan Santos, Toni Pires Design: Bruna Moraes Sampaio, Bruno Tulini, Caio Borges, Edson Cruz Revisão: Rosi Melo Estagiários: João Rodriguez, Pedro Romanos Com un i cação Eliane Dalpizol Coordenadora de Comunicação eliane.dalpizol@datagro.com Ev e n to s Simone Cernauski A d m i n i st ração e Fina nç as Cláudia Nastari Sérgio Nunes
G pág. 9 Ag pág. 23 Fo pág. 87 Fr pág. 91 W pág. 99 Ar pág. 115 S pág. 121 M pág. 128 GLOBAL
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Frutas e legumes com aparência fora do comum: Olhando com cuidado, empresas de vários países enxergam lucro em produtos que seriam descartados
O lado cosmopolita do agro
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O lado cosmopolita do agro
AUSTRÁLIA
TALOS E RESTOS INTERESSAM. E MUITO O combate ao desperdício de alimentos vem deixando de ser apenas uma causa social para se tornar um novo tipo de negócio Dona de algumas das maiores fazendas de cenoura da Austrália, a Rocky Lamattina & Sons chega a produzir até 65 mil toneladas por ano. Apesar do rigor, nem toda leguminosa sai no padrão estético esperado pelo mercado: cerca de 15% da produção ou é considerada naturalmente feia (caso das cenouras de duas pernas) ou acaba se quebrando. Como a qualidade não é prejudicada, essa parcela é enviada a uma outra unidade do grupo, para fabricação de sucos e polpas. No processo de esmagamento, as cenouras liberam água. “No começo usávamos para lavar o chão. Depois fizemos melhoras na fábrica e passamos a utilizá-la como fertilizante”, conta o diretor da fábrica, Angelo Lamattina. 10
Isso até uma nova ideia, ainda mais inovadora, bater à sua porta. Em 2016 eles lançaram no mercado a AquaBotanical, marca de água premium com presença em restaurantes, hotéis e lojas especializadas. O reaproveitamento de materiais está longe de ser uma novidade. Tanto empresas como organizações não governamentais vêm investindo, há anos, em projetos de reciclagem e de combate ao desperdício de alimentos, principalmente com viés social. O que se vê agora, porém, é uma onda de novos negócios que apostam no reaproveitamento como algo capaz de gerar resultados financeiros. São startups com propostas inovadoras, embaladas por uma estratégia de marketing que atende
Os sucos da Misfit (foto maior) e da WTRLMN, a água da australiana AquaBotanical (à esq.) e a campanha da rede francesa Intermarché: grandes negócios que iam para o lixo
às demandas de um consumidor cada vez consciente. Veja o caso da americana Jody Levy. Formada em artes com foco em processos criativos, há cinco anos ela fundou a WTRMLN, marca de sucos de melancia 100% naturais. A ideia surgiu com base em uma conversa despretensiosa com um amigo do setor imobiliário (Harlam Berger, seu sócio) sobre os bilhões de toneladas de melancia que são descartados anualmente nos Estados Unidos pelo simples fato de estarem machucadas. “Outros empreendedores já haviam tentado antes, mas a melancia é uma fruta difícil de se trabalhar. Foi graças aos avanços da tecnologia alimentar que felizmente conseguimos”, diz a empresária. Segundo estimativas da FAO, cerca de 30% da produção brasileira ou é perdida ou desperdiçada. Já um levantamento
feito pela Associação Brasileira de Supermercados, a Abras, mostrou que as perdas do setor chegaram a R$ 7 bilhões em 2016, considerando apenas os alimentos aptos para o consumo, como os feios e danificados. Os varejistas vêm adotando medidas para atenuar esse quadro: caso do Carrefour no Brasil, que no ano passado começou a vender as hortaliças preteridas em gôndolas especiais, com até 30% de desconto. Na França, a rede Intermarché lançou uma campanha de conscientização para mostrar a “beleza dos alimentos feios”, como forma de chamar a atenção do consumidor. “Existe uma demanda das novas gerações que é real. São consumidores mais conscientes e que fazem questão de comentar e compartilhar quando há iniciativas do tipo”, diz Fernando Beltrame, que além de engenheiro de alimentos
é CEO da Eccaplan, startup que desenvolve projetos de combate ao desperdício, com clientes em diferentes segmentos. Foi para atender esse público que surgiu a americana Misfit (algo como “desajustado” ou “excêntrico”, em português). Fundada em 2015, a empresa produz sucos de frutas e vegetais que seriam descartados por questões estéticas. A bebida, vendida em garrafinhas de 350 ml, é prensada a frio, processo que mantém nutrientes importantes da matéria usada – fato que também atende às exigências desses novos consumidores. “Nossa marca tem um valor que vai além do suco em si. E é genuíno, pois de fato acreditamos em um projeto de combate ao desperdício. E ainda transformamos isso em um produto comercial”, diz Ann Young, uma das fundadores da Misfit.
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G TA I WA N
PARA NÃO LAVAR DEMAIS, NEM DE MENOS Veio de uma entidade sem fins lucrativos o prêmio de destaque em inovação concedido pelos organizadores da CES 2018, maior feira de tecnologia do mundo. O renomado Instituto de Pesquisa de Tecnologia Industrial, com sede em Taiwan, apresentou no evento um aparelho de uso doméstico que ajuda a medir o nível de pesticida nos alimentos. Basta colocá-lo em um recipiente junto aos alimentos e adicionar água que o detector informa se eles estão limpos ou se ainda precisam de uma lavagem adicional. Dos dez pesticidas mais utilizados nos Estados Unidos e na China, oito conseguem ser detectados pelo dispositivo. Por meio de um microchip, é possível ainda atualizar o aparelho com informações sobre novos tipos de pesticidas em uso no mercado. A expectativa é de que a novidade comece a ser vendida este ano.
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MENOS É MAIS Especialistas e apreciadores sabem que as bolhas têm papel fundamental na qualidade de um espumante, mas os motivos nunca foram investigados cientificamente. Pelo menos não da forma como uma equipe da Universidade do Texas decidiu pesquisar. Liderados pelo professor Kyle Spratt, o grupo submeteu a bebida a um teste acústico, com o objetivo de literalmente ouvir suas bolhas. Com a ajuda de um hidrofone (espécie de microfone para ser usado em líquidos, sobretudo em pesquisas sobre eletricidade), os cientistas realizaram testes com duas marcas: um champanhe Moët & Chandon, conhecido por sua qualidade, e um mais acessível, da marca americana Cook’s. Segundo os pesquisadores, as bolhas “tocam como sinos”, mas em um tom mais alto no caso do Chandon. “Isso porque as bolhas, neste caso, são menores”, explica Spratt. 12
ZIMBÁBUE
AQUI NÃO TEM SEXO FRÁGIL Uma das regiões que mais sofrem com a caça ilegal (nos últimos dez anos, cerca de 11 mil elefantes foram mortos, segundo estimativas), o Zimbábue vem investindo em um esquadrão de elite fora dos padrões. São mulheres, em sua maioria mães de família e abandonadas pelo marido, que encontraram no grupo de elite uma forma de renda. Todas são treinadas para proteger determinadas áreas, inclusive com o uso de rifles AR-15. Quem está por trás da iniciativa é a Fundação Internacional Anticaça (IAPF, na sigla em inglês), criada pelo australiano Damien Mander, um ex-atirador de elite responsável pelo treinamento
de centenas de cadetes no Iraque. O projeto ganhou ainda mais destaque na imprensa depois que a fotógrafa Tariro Mnangagwa (32), filha mais nova do presidente Emmerson, Mnangagwa, decidiu ingressar no treinamento.
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Feirante do futuro Mesmo entre os consumidores mais assíduos do e-commerce ainda é grande o número dos que ainda preferem escolher pessoalmente suas frutas e verduras. Ciente disso, um empresário americano desenvolveu o Robosmart, um sistema similar ao das máquinas que vendem refrigerantes e guloseimas. Com uma grande diferença, porém: ao contrário das vending machines tradicionais, que ficam instaladas em locais de grande circulação, o Robosmart é um veículo autônomo que vai até o cliente, bastando apenas chamá-lo pelo aplicativo. Os produtos são escolhidos à vontade e o sistema “entende” o que foi retirado. A invenção, que foi apresentada na CES 2018, maior feira de tecnologia do mundo, está em fase de testes em algumas cidades da Califórnia. PLANT PROJECT Nº8
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SÓ FALTA PLANTAR EM MARTE Em 2015, os astronautas a bordo da Estação Espacial Internacional encantaram o mundo ao degustarem pela primeira vez uma alface cultivada no espaço. O feito, transmitido ao vivo pela Nasa, foi anunciado como um importante avanço nos planos da Nasa rumo a Marte. No ano passado, mais um grande passo foi dado nessa direção. O projeto inicial, conhecido pelo apelido de Veggie, começou a ser substituído por um experimento de proporções
ainda maiores, com o nome de Advanced Plant Habitat. Enquanto o primeiro permitia o cultivo apenas de plantas de pequeno porte, a nova versão acomoda hortaliças de até 40 cm de altura, com uma diversidade maior. “O projeto tem nos ensinado muito sobre como as plantas reagem na microgravidade. Além disso, o cultivo tem um componente psicológico muito importante para a tripulação”, comentou o astronauta americano Joe Acaba.
COMO FUNCIONA? As sementes chegam à estação espacial em pequenos travesseiros, que contêm ainda doses de fertilizantes e uma espécie de argila calcinada, que ajuda na aeração. O material é instalado pelos astronautas em uma câmara totalmente fechada, com ambiente controlado. São mais de 180 sensores que ajudam a monitorar cada detalhe do desenvolvimento da planta. Do lado de fora, é possível mudar o nível de umidade, de oxigênio, de água, pressão... E com um detalhe: o monitoramento é feito à distância (e que distância), do centro espacial Kennedy, na Flórida. Um pouco da colheita é consumida pela tripulação e uma parte é enviada à Terra, para análise.
DESCOBERTAS O cultivo de plantas no espaço impõe desafios científicos complexos, que demandam conhecimento de diversos campos. Questões triviais e até mesmo naturais no plantio na Terra – como o fato de as raízes buscarem a direção do solo e as folhas a direção da luz – deixam de ser tão simples quando se tem pouquíssima gravidade. A convecção térmica de gases (na qual o ar quente sobe e o frio desce), por exemplo, não funciona no espaço, onde o nível de dióxido de carbono (CO2) é dez vezes maior do que na Terra. Como consequência, o oxigênio tem dificuldade em se “soltar” das folhas. O papel dos cientistas envolvidos no projeto é o de encontrar formas de driblar esses obstáculos.
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G O Advanced Plant Habitat está sendo instalado no maior módulo da estação espacial, conhecido como Kibo. Ele é dividido em duas partes: a maior delas é a pressurizada (de formato cilíndrico), com 11 metros de comprimento e 4,3 metros de diâmetro. O cilindro menor tem 4,2 metros de comprimento.
SALADA PRONTA Desde 2013, quando as primeiras sementes foram plantadas no espaço, o cardápio vem sendo gradualmente ampliado. No ano passado, por exemplo, a tripulação pôde saborear um mix de folhas contendo alfaces verde e roxa, e couve Mizuna (com direito até a um molho, de envelope). Para testar o funcionamento do Advanced Plant Habitat, três tipos de sementes foram plantadas: a Arabidopsis thaliana, espécie muito usada em pesquisas científicas; flores de pequeno porte relacionadas ao repolho e à mostarda, e trigo anão. Se tudo ocorrer como esperado, o sistema será totalmente acionado a partir de maio, quando uma missão de reabastecimento da estação espacial será lançada.
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BIBLIOTECA ANIMAL Quem vê os animais expostos na Academia de Ciências da Califórnia, um dos museus mais populares dos Estados Unidos, não imagina que aquela seja apenas uma pequeníssima fração do acervo. A instituição é, na verdade, uma das fontes mais ricas de pesquisa animal do mundo, com mais de 45 milhões de espécimes de todo o canto do planeta. São esqueletos, animais empalhados, peles, cascas, armazenados em centenas de gavetas e prateleiras, instaladas em salas de acesso restrito. A coleção, que começou no século 19, funciona como uma biblioteca animal, em que cientistas podem, por exemplo, comparar o DNA de uma espécie atual com um exemplar coletado em 1850. Para nossa sorte, o museu oferece tours com uma hora de duração, que permite conhecer um pouco dessa história.
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E se todos fossem veganos? Segundo um levantamento realizado pela Research and Markets, o número de pessoas que se declaram veganas nos Estados Unidos chegou a 6% no ano passado, enquanto em 2014 essa parcela era de 1%. O movimento tem crescido, mas como seria se todo o país decidisse abolir a carne animal e derivados? Pesquisadores do Dairy Forage Research, entidade ligada ao USDA, e da Faculdade de Tecnologia da Virgínia, simularam o que aconteceria se toda a terra da pecuária fosse revertida para a produção vegetal. De acordo com os pesquisadores, o resultado seria um aumento de 23% na produção de alimentos. Mas as boas notícias terminam aí: a maior parte desse incremento seria de grãos de baixo valor agregado 16
e de alta caloria, como milho e soja, já que nem toda terra comporta o cultivo de grãos de maior valor. “Considerando as necessidades de nutrientes de uma dieta balanceada, não seria possível atender toda a população”, diz a pesquisadora Mary Beth Hall, especialista em ciência animal e uma das responsáveis pelo estudo.
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CACHOEIRA ENGARRAFADA Nem do filtro, da torneira e tampouco da garrafinha. A mais nova onda entre americanos é o consumo de água sem nenhum tipo de tratamento, a chamada “raw water”. Os adeptos – consumidores preocupados com fontes de alimentos saudáveis – questionam a presença de flúor na água de torneira e até mesmo a filtragem, que segundo eles acaba retirando minerais importantes da água. Algumas empresas, como a novata Live Water, já perceberam o potencial desse mercado e chegam a cobrar US$ 3,5 por litro de água,
retirada de cachoeiras e do rio Crooked, no estado do Oregon. Uma outra companhia, a Zero Mass Water, comercializa um tipo de painel solar que permite ao consumidor coletar sua própria água da atmosfera.
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PROTEÇÃO INVISÍVEL Não importa o ponto da cadeia: do produtor ao consumidor, passando pela indústria e o varejo, todos têm o desafio de lidar com alimentos perecíveis. No Brasil, estima-se que 30% das frutas e hortaliças sejam perdidas após a colheita. Pois uma startup americana, a Apeel, parece ter encontrado uma forma de prolongar a vida desses produtos. Depois de três anos de pesquisa, eles desenvolveram o Edipeel, um pó feito de lipídios encontrados nas cascas dos próprios alimentos. Basta dissolver a fórmula em água e aplicar nas frutas e legumes, o que pode ser feito também por imersão, em larga escala. Depois de aplicado, o Edipeel cria uma espécie de película invisível, que ajuda a manter a água no alimento, ao mesmo tempo que o protege do oxigênio. A novidade já foi aprovada pelas autoridades americanas e começará a ser vendida ainda este ano.
Braço direito do ministro Blairo Maggi e secretário executivo do Ministério da Agricultura, Eumar Novacki tem trabalhado para modernizar a pasta e reverter a imagem negativa do setor perante a sociedade. Em entrevista exclusiva à PLANT PROJECT, Novacki fala sobre o novo programa de compliance do MAPA, as metas de crescimento nas exportações, as polêmicas em torno da Embrapa e os seus planos para o futuro.
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Para sentar nesta cadeira é preciso ter apoio
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O Ministério da Agricultura teve a sua atuação questionada após a operação Carne Fraca, no ano passado. De que forma o escândalo afetou a imagem do agronegócio brasileiro? Nós fizemos questão de atuar com muita transparência, mostrando para todos os que nos procuraram o que de fato era a operação Carne Fraca, pois o principal problema foi a forma como a ação foi divulgada. A operação tinha como objetivo apurar desvios de conduta de servidores, mas acabou colocando em xeque a qualidade dos alimentos produzidos no Brasil. Realizamos várias missões internacionais, visitamos os nossos principais parceiros comerciais, abrimos todas as informações e deixamos claro que em nenhum momento aqueles produtos colocaram em risco a saúde pública. Também olhamos para dentro e percebemos que havia, sim, algumas falhas no processo. E o que tem sido feito para corrigir essas falhas? O ministério lançou no ano passado o seu programa de compliance, que está sendo implementado agora em parceria com as empresas e o setor produtivo. O Agro+ Integridade tem o objetivo de reconhecer, através de um selo, as empresas que têm um plano de compliance alinhado com os objetivos do MAPA, ou seja, um plano anticorrupção, 18
e que demonstrem ainda um comprometimento com a sustentabilidade e a responsabilidade social. O setor entendeu que deveria participar desse processo e o mercado viu isso com bons olhos, como algo muito positivo. Além disso, também reestruturamos alguns procedimentos internos, como a linha de comando dos fiscais que atuam na ponta, que a partir de agora estarão vinculados diretamente a uma diretoria em Brasília, e a modernização do Sistema de Inspeção Federal. Queremos trazer veterinários da iniciativa privada para ajudar no sistema. Nós estamos trabalhando para que não haja mais falhas. Mas esse é um processo bastante complexo, que precisa ser muito bem estudado. O objetivo é que seja colocado em prática até o final de março. Uma das metas do Ministério da Agricultura é aumentar a participação do Brasil no mercado global de alimentos. Quais são os setores com maior potencial de crescimento nas exportações? Temos como objetivo fomentar alguns setores que têm um grande potencial. Um exemplo é a fruticultura. Somos o terceiro maior produtor mundial de frutas, mas ocupamos apenas a 24ª posição entre os exportadores. Existe um mercado muito grande para ser explorado. E como fazer isso? O ministério, junto com o setor produtivo, representado pela Abrafrutas, está discutindo os detalhes junto com a Câmara Setorial, de forma estratégica, para ampliar a nossa participação no mercado internacional e também aumentar o consumo interno. O objetivo, no fim, é fortalecer a fruticultura no País. Quando faltam recursos, quando falta dinheiro público, o Estado precisa se empenhar de outras formas. Já deixamos claro para o setor que o ministério vai dar todo o apoio político necessário para avançar, mas o setor também precisa fazer a sua parte. E ele já entendeu isso, se empenhou junto com a nossa equipe e nós traçamos um planejamento para que nos próximos 20 anos o Brasil possa se tornar uma grande potência na fruticultura. Isso inclui um plano de fomento para a cadeia, qualificação, uso de tecnologia. É preciso planejamento, pensar no longo prazo. Sem isso, dificilmente a gente sai do lugar.
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PALAVRA DE AUTORIDADE Eumar Novacki secretário executivo do Ministério da Agricultura Por Nicholas Vital
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G A época do improviso já passou. A nossa meta é aumentar a participação do agronegócio brasileiro de 7% para 10% do mercado internacional. Para isso não basta investir nas cadeias já consolidadas. É preciso estimular setores com potencial, mas que ainda são incipientes. Nas últimas semanas temos acompanhado, via imprensa, uma discussão acalorada em torno da atuação da Embrapa. A instituição realmente parou no tempo? O ministro Blairo Maggi, quando ainda estava no exercício do cargo de senador, convocou uma audiência com a diretoria da Embrapa e deixou claro que a instituição não poderia mais sobreviver apenas dos louros do passado. Ela foi muito importante para o desenvolvimento da agricultura do Brasil, ajudou o País a sair da condição de importador para se tornar um dos maiores exportadores de alimentos. Mas quais são as perspectivas para o futuro? Ele cobrou algumas ações neste sentido. Ao assumir o ministério, ele me colocou na posição de presidente do Conselho de
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É preciso planejamento, pensar no longo prazo. A época do improviso já acabou
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Administração da Embrapa, chamou o presidente (Maurício Lopes) e pediu que a gente pensasse a Embrapa do futuro. É preciso desburocratizar os processos e centralizar naquilo que realmente traz resultados, que são as pesquisas. A grande reclamação é que durante muito tempo se concentrou muitos esforços na burocracia e quase nada em pesquisas. Isso levou ao processo de reestruturação que está sendo colocado em prática agora, de modo gradativo. O que está sendo feito? Como os recursos públicos são escassos, estamos trabalhando para fazer uma reorganização interna, buscando otimizar o serviço, com redução de diretorias. O estudo já foi concluído e está sendo colocado em prática. Existem também outros planos, como a criação da Embrapa20
Tec, que está sendo discutida no Congresso. A ideia é que nós tenhamos condições de captar, junto à iniciativa privada, recursos específicos para alguns tipos de pesquisa. Essa parceria do público com o privado é muito importante para que a gente possa avançar. Todos ganham com isso. O Brasil ganha com isso. Mas muitas vezes a nossa legislação impede que isso aconteça. Quando você fala em reestruturação, em mudanças, você tira as pessoas da zona de conforto. É natural que haja ruídos. Nós estamos apenas reestruturando a parte administrativa da Embrapa para que a gente possa concentrar recursos em pesquisa, que é a essência da instituição. Outro tema polêmico foi a aprovação do Funrural com inúmeros vetos pelo presidente Michel Temer. A decisão foi mais política do que técnica? O Ministério da Agricultura participou das discussões. Nós defendemos a posição do setor agropecuário brasileiro, colocamos as nossas preocupações, mas, de fato, não foi algo decidido pelo MAPA. Nós fomos ouvidos, mas essa decisão, obviamente, passa por outros ministérios. É um processo bastante complexo, em que deve haver responsabilidade fiscal – e nós não podemos abrir mão disso. Chegamos até onde era possível. Longe de onde o Ministério da Agricultura queria? Sim. Mas foi o possível naquele momento. De forma geral foi satisfatório, houve avanços, mas aquém do que o MAPA queria. O ministro Blairo Maggi já anunciou que deixará o MAPA em março para concorrer à reeleição no Senado. Qual é o seu futuro? Pretende seguir no ministério ou também tem a intenção de concorrer a algum cargo eletivo? Essa questão passa por uma série de fatores. O primeiro é a decisão política do partido (PP) de quem vai estar à frente do ministério. Depois, também depende do apoio do setor. Para sentar nesta cadeira é preciso ter o apoio do setor, isso é fundamental para que os avanços continuem. E, óbvio, que depende de uma decisão final do presidente da República. Até o momento não existe nenhuma movimentação nesse sentido. Se houver uma convergência desses três fatores, é claro que a intenção é dar continuidade aos trabalhos. No meu caso, concorrer a algum cargo político está descartado.
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O EXPRESSIONISMO ABSTRATO DE CLAUDIA GAMA No imaginário comum, o processo de criação de um artista pressupõe o uso de um cavalete, mas nem sempre assim acontece. Os adeptos do action paiting – que tem entre seus principais representantes o expressionista americano Jackson Pollock, vão no chão, ou ainda com a tela na altura dos pés. No lugar do trabalho preconcebido, a intuição, o grafismo e a espontaneidade do artista falam mais alto. Foi nesse estilo que a brasileira Claudia Gama se encontrou. Mineira de Montes Claros, a artista de 58 anos expressa em suas obras movimentos que se manifestam em tons, intensidades, energia, harmonia e também, desarmonia. “É a leitura da minha reação diante das diferentes interações que mantenho no meu dia a dia. Usando de analogia, costumo dizer que minha pintura é a criptografia de minhas percepções”, resume a artista, que atualmente vive em Estocolmo, na Suécia. Como esposa de diplomata, Claudia acabou por embarcar em uma trajetória internacional e, por que não, itinerante. “A vida tornou-se uma eterna reinvenção”, diz. Além de exposições em diferentes países, a artista também já participou de feiras e bienais internacionais. Sua próxima mostra está prevista para maio, em Estocolmo.
Plant + HSM
A ERA DO AGRONEGÓCIO EXPONENCIAL O debate em torno das inovações do setor ganha força ao redor do mundo
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nde quer que especialistas se reúnam para discutir inovação, um tema passou a ser obrigatório: a utilização da tecnologia para elevar em nível exponencial a produção de alimentos. A revolução AgTech está presente em dezenas de fóruns de negócios ao redor do mundo, permitindo um intercâmbio de conhecimentos entre os especialistas em agronegócio e os desenvolvedores de tecnologias como inteligência artificial, blockchain e veículos autônomos. Experiências que simulam como serão as propriedades rurais ao redor do mundo são realizadas em vários países e mostram um futuro cada vez mais próximo. Referência em estudos sobre agricultura no Reino Unido, a Harper Adams University, por exemplo, reservou um espaço em seu campus para um projeto de automação total, chamado Hands Free Hectare. Como o próprio nome diz, trata-se de um hectare em que o cultivo é feito sem nenhuma interação humana. Na lavoura futurística a universidade plantou – e colheu – uma safra de 4,5
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toneladas de cevada sem que uma única pessoa tenha colocado seus pés ali. O time de Blackmore adaptou e automatizou equipamentos com até 25 anos de uso para que fossem monitorados e guiados através de imagens conectadas por satélites. Um drone autônomo atuou como coletor de amostras de solo e, posteriormente, da produção, indicando a evolução das plantas e o momento certo da colheita. “A agricultura de precisão está se transformando em agricultura robótica”, afirmou o professor Simon Blackmore, líder do National Centre for Precision Farming no Reino Unido. Iniciativas como essa reforçam a percepção de que o agronegócio ingressa em uma nova fase e se alinha a movimentos que estão transformando outras indústrias. Projetos disruptivos e pressão da sociedade – que necessita de maiores volumes de alimentos, mas ao mesmo tempo está cada vez mais seletiva e preocupada com a rastreabilidade da produção, colocam o setor na iminência de ingressar na era do Agronegócio Exponencial.
O agro é pop, o agro é jovem: Novas faces e novas ideias embalam a geração que assume a liderança do setor
Ag AGRIBUSINESS
Empresas e líderes que fazem diferença
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Ag AGRIBUSINESS
Empresas e líderes que fazem diferença
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UMA NOVA SAFRA DE LÍDERES
Jovens rostos plantam ideias modernas e comandam um saudável processo de renovação na representatividade política e empresarial do agronegócio
POR AMAURI SEGALLA
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Ag Reportagem de Capa
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Frente Parlamentar da Agropecuária, bancada com mais de 200 deputados que se encontram semanalmente para debater pautas como a tributação de produtos agrícolas, é composta principalmente por homens e mulheres acima de 50 anos. Ou bem mais do que isso. Presidente da FPA, a deputada Tereza Cristina (DEM-MS) tem 63 anos. É a mesma idade do vice-presidente da associação, o também deputado Alceu Moreira (PMDB-RS). Nas reuniões dessa turma, predominam os cabelos grisalhos e velhos conhecidos da política brasileira, como Reinhold Stephanes (PSD-PR), 78 anos, e Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), 67 anos, para citar dois frequentadores assíduos do Congresso Nacional. Nos últimos meses, porém, um jovem de fala pausada, obcecado por números sobre o agronegócio, e que costuma compensar a natural discrição com gravatas chamativas, quase sempre vermelhas ou roxas, tem atraído a atenção de seus colegas. Coordenador jurídico da FPA, o parlamentar Evandro Gussi (PV-SP) tem apenas 37 anos, mas já é um dos nomes mais notados do universo agro brasileiro. Não é à toa. No final do ano passado, Gussi conseguiu aprovar o novo marco regulatório de biocombustíveis no Brasil, o RenovaBio. De sua autoria, o projeto de lei tem por objetivo aumentar o uso de biocombustíveis no País, reduzir o lançamento de gases poluentes na atmosfera e criar metas nacionais de redução das emissões. “O projeto era bastante técnico e se sustentava. Por isso, foi aprovado com tanta agilidade”, diz Gussi.
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“Conversei com vários ministros e deputados e houve uma ampla sinergia para a aprovação de um tema que irá modernizar o setor no País.” Gussi é um dos exemplos mais marcantes da renovação das lideranças do agronegócio brasileiro. Em uma área frequentemente acusada de manter velhos ranços, e que carrega uma série de estigmas, não deixa de ser interessante observar que uma geração está chegando com força, cheia de ideias inovadoras e, acima de tudo, sintonizada com as demandas atuais. Entre os novos rostos do agro brasileiro estão políticos, empresários, empreendedores, cientistas, fazendeiros, produtores, profissionais da área digital, especialistas em tecnologia, moradores do campo ou das grandes cidades. Não importa o ramo, o diploma ou a região. Fato é que vieram para deixar profundas marcas em um setor cada vez mais aberto aos novos ventos. Como um jovem de 37 anos, em seu primeiro mandato e sem o traquejo das velhas raposas políticas, emplacou um dos projetos mais importantes para o agronegócio dos últimos anos? Gussi é o tipo de pessoa que tem resposta para tudo. Advogado por formação, ele estudou os biocombustíveis a fundo e abusou dos argumentos técnicos para convencer o Congresso sobre a importância do marco regulatório. Em sua
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O deputado Gussi: aos 37 anos, comandou as negociações do RenovaBio no Congresso
saga para desengavetar o projeto de lei, percorreu quilômetros de corredores e salas do Congresso com uma pasta repleta de dados que comprovavam a eficiência do projeto. Se o interlocutor tinha uma dúvida, ele sacava um documento e explicava a questão. Funcionou e Gussi passou a ser visto como um dos deputados emergentes não só da bancada do agronegócio, mas de todo o Parlamento. Apesar de trazer ainda certa impetuosidade da juventude, indispensável para dar andamento aos trabalhos no Congresso, Gussi rejeita rupturas com outras gerações. “A participação dos mais jovens no desenvolvimento do agronegócio é importante porque eles trazem ideias inovadoras”, diz. “Mas essas ideias serão sempre mais eficientes quando a experiência dos mais velhos for aproveitada.” Na elaboração do RenovaBio, diz ele, o apoio de deputados experientes foi fundamental para vencer eventuais barreiras e encurtar caminhos. “O sucesso do RenovaBio prova que é preciso existir uma solidariedade entre as gerações”, afirma. “Só assim é possível trabalhar para o desenvolvimento do País.” O ideal de integrar gerações motivou mudanças na Sociedade Rural Brasileira (SRB), entidade prestes a completar 100 anos em 2019 e que guarda até hoje ares aristocráticos. PLANT PROJECT Nº8
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Seu símbolo é um brasão inspirado nos velhos reinos europeus e seus integrantes se dedicam a formular políticas públicas e outras iniciativas capazes de desenvolver o agronegócio. Neto e filho de agricultores, João Francisco Adrien Fernandes cresceu em meio a sementes, lavouras e máquinas agrícolas. Quando veio para São Paulo estudar economia na PUC, Fernandes percebeu que havia na grande cidade certo desconhecimento, para não dizer desprezo, a respeito do universo agro. “Foi aí que, em 2011, tive a ideia de criar uma ala jovem dentro da SRB”, diz ele. “O objetivo era trazer os profissionais das melhores empresas para mostrar as inovações na fazenda. Deu tão certo que começamos a rodar o País, conhecendo e envolvendo outros jovens, estimulando pesquisas e incentivando a criação de empresas inovadoras.” Melhor ainda: os debates promovidos pelo recém-criado Comitê de Liderança e Juventude da Sociedade Rural mostraram para jovens de diversas áreas profissionais, como economia, 28
Fernandes, da SRB, e Mariana, da Agrosmart: modernização da agricultura passa pela participação da juventude
direito, administração e tecnologia, para citar os exemplos mais relevantes, que havia possibilidades a serem exploradas no campo. O que tinha começado apenas como um palco para debates sobre o agronegócio acabou resultando em negócios promissores. Boas ideias deram origem a startups, projetos foram levados a Brasília. Hoje em dia, a diretoria de jovens da SRB é formada por 25 profissionais espalhados por todo o Brasil. “Além disso, mais de 500 pessoas participavam ativamente de nossas discussões”, afirma Fernandes. Um escritório foi aberto em Brasília e jovens como ele próprio puderam conhecer melhor os mecanismos de poder no Brasil. “A modernização da agricultura passa pelo envolvimento da juventude”, diz Fernandes. “Eles têm a responsabilidade de pensar na constante inovação do setor.” O diretor da Sociedade Rural Brasileira acredita, porém, que o maior legado do grupo que ele ajudou a criar é outro. “Nós abrimos a cabeça
“A questão é que hoje em dia a juventude tem acesso a informações. E informações mudam o mundo.” João Adrien Fernandes não é o único jovem a ter contribuído para a disseminação do conceito de sustentabilidade nas lavouras brasileiras. A engenheira ambiental Marcela Porto ajudou a propriedade de sua família a se tornar um dos melhores exemplos do País de uma tecnologia que vem ganhando cada vez mais adeptos: a integração lavoura-pecuária-floresta, sistema que passou a ser conhecido pela sigla ILPF. Em 2006, a Fazenda Santa Brígida, em Ipameri, Goiás, se dedicava apenas à pecuária. Por isso, assim como todas as outras fazendas da região, era incapaz de abrigar mais de um animal por hectare. Como estudante de engenharia ambiental, Marcela resolveu levar para o campo ideias que eram debatidas em sala de aula. Primeiro veio o plantio integrado de soja, milho e capim, que ajudou o solo a recuperar os nutrientes perdidos. Depois, árvores de eucalipto foram plantadas na propriedade, e elas acabaram por oferecer sombra e abrigo para o gado. Resultado: todos os índices de produtividade dispararam.
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do produtor para temas críticos, como ambientalismo e sustentabilidade”, afirma. “É dessa maneira que acho que a nossa liderança passou a ser exercida. Muitos veteranos no agronegócio reconhecem que o tema é importante graças ao nosso trabalho. Conseguimos quebrar estereótipos e reunimos na mesma agenda ambientalistas e ruralistas.” Lideranças podem ser exercidas de diversas maneiras. Pelo poder atribuído a um determinado cargo, pelo talento individual do líder, pela capacidade de uma pessoa ou grupo disseminarem um conceito específico. É nesse terceiro aspecto que Fernandes se enquadra. Ele chamou a atenção para um tema vital nestes novos tempos, a conexão indissociável entre campo e sustentabilidade – e, assim, ajudou a mudar o setor onde atua. Quando apresentava a questão para produtores mais velhos, em especial aqueles estabelecidos nos rincões do Brasil, o executivo da SRB muitas vezes era obrigado a encarar a arrogância de quem não estava acostumado a ouvir vozes dissonantes, principalmente se elas fossem jovens demais.
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Zeuch, da Brabov: “Com a nova geração aberta a mudanças, encontramos espaço para crescer”
A pioneira iniciativa desenvolvida pela família de Marcela, e por ela em particular, se tornou referência no País. “Hoje a gente vê que o que pesquisamos e que começou a ser desenvolvido na Fazenda Santa Brígida em 2006 tornou-se estratégia de negócios do Brasil”, diz Marcela. “O nosso projeto está alinhado com as diretrizes do Governo e passou a ser incorporado por diversos países.” Estima-se que pouco mais de 3 milhões de hectares de toda a área produtiva brasileira operem no sistema ILPF, mas a ideia é elevar o patamar para 5 milhões de hectares até 2030. A experiência é tão bem-sucedida que Marcela passou a ser requisitada para participar de congressos fora do Brasil, em países como França e Japão. Com apenas 29 anos, ela se tornou uma liderança intelectual do agronegócio, reconhecida não apenas como produtora, mas como uma cientista que inovou no campo. A tecnologia é a maior responsável pelo surgimento de novos cérebros que estão provocando pequenas revoluções. Em 2014, 30
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quando tinha apenas 23 anos, Mariana Vasconcelos fundou a Agrosmart, empresa que prometia monitorar as fazendas em tempo real. “Mas nosso trabalho não consistia apenas em instalar sensores pelas propriedades”, diz Mariana. “Na verdade, passamos a oferecer aos produtores uma plataforma digital que melhora drasticamente a eficiência da irrigação.” O aplicativo criado por Mariana monitora, por meio de sensores instalados nas fazendas, mais de dez variações ambientais, como chuva e umidade do solo. A partir desses dados, o agricultor recebe um relatório que indica a quantidade de irrigação necessária para a plantação, além de apontar as lavouras que estão mais propensas a pragas e doenças. Resultado: a tecnologia desenvolvida por ela proporciona uma economia de até 60% no uso da água e 30% no uso da energia necessária para a irrigação de espaços rurais. “Nosso sistema aumentou a produtividade das fazendas e provocou uma profunda transformação”, diz a jovem. “As mudanças
Dusso, da Aegro: “É incrível como nós, jovens, somos bem recebidos no campo"
aquelas com vocação para inovar. “É incrível como nós, jovens empreendedores, somos bem recebidos no campo”, diz Pedro Dusso, 29 anos, CEO da Aegro, empresa formada por quatro sócios da área de ciência da computação que desenvolveu um aplicativo de gerenciamento de safras. “O telefone não para de tocar, inclusive para darmos palestras em diversas regiões do Brasil.” Com essa nova turma, o agronegócio brasileiro nunca mais será o mesmo.
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climáticas afetam diretamente a produtividade no campo. Estudos mostram que ela cai 2% a cada grau que a temperatura do planeta sobe. Daí a importância para o agricultor saber exatamente o que precisa fazer para lidar com os fenômenos da natureza.” Aos 26 anos, Mariana se tornou parceira de inúmeros produtores. A Agrosmart está presente em dez estados brasileiros e em nove países. Entre eles, Estados Unidos e Israel, duas das nações mais inovadoras do mundo na área do agronegócio. “Também desenvolvemos ações para diversas instituições públicas, como a Embrapa e a Agência Nacional de Águas”, afirma Mariana. A era digital nas fazendas se deve também à chegada de filhos e netos ao comando das grandes propriedades brasileiras. “Os herdeiros descobriram que no campo cabem muitas inovações e que a tecnologia é uma parceira fundamental”, diz Matheus Zeuch, 32 anos, sócio da Brabov, empresa que desenvolveu um software que permite ao fazendeiro controlar o peso, a reprodução e a vacinação do gado. “Como essa nova geração está aberta a mudanças, nós encontramos um grande espaço para crescer. A verdade é que o agronegócio é um mercado tradicional que está sendo invadido por tecnologia de ponta.” Por isso, jovens empreendedores e altamente conectados como Zeuch estão se tornando figuras ilustres da nova realidade agro brasileira. “Desenvolvemos uma ferramenta para rastrear a carne que trará enorme segurança para os produtores e ajudará o Brasil nas exportações”, diz o jovem empresário. “Fizemos um protótipo que recentemente foi apresentado em uma reunião de governadores e fez sucesso.” Na era digital, as novas lideranças são justamente
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Por Romualdo Venâncio | Ilustrações Caio Borges
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ual será o futuro da agropecuária brasileira? De que forma a tecnologia vai impactar a produção? Como será a relação do setor com as questões ambientais e a preservação da flora e da fauna nativas? Qual será a face desses novos tempos? São perguntas que PLANT PROJECT procura responder desde a seu lançamento, em julho de 2016. E cujas respostas continuará perseguindo, nesta e nas próximas edições. Costumamos olhar para o presente para predizer o que virá. E, a julgar pela qualidade dos jovens empreendedores que começam a ocupar espaço no comando de alguns dos mais relevantes grupos do agronegócio nacional, pode-se dizer que temos boas perspectivas pela frente. Ao longo dos últimos meses, PLANT consultou dezenas de entidades, produtores, consultores e agentes do setor em busca dos talentos que vão liderar o agronegócio nos próximos anos (ou talvez nas próximas décadas). Chegamos a uma lista generosa, com indicações de diversos perfis, regiões e culturas. Uma amostra singular do que vem por aí pode ser conhecida nas próximas páginas, nas quais apresentamos os personagens que protagonizarão a segunda temporada do projeto TOP FARMERS, que visa a homenagear e dar visibilidade aos produtores que são referência em diversas culturas e segmentos, revelando as melhores
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práticas utilizadas na busca de eficiência e produtividade em suas propriedades. Em 2018, o projeto ganha um novo mote: a NOVA GERAÇÃO. Ao longo deste ano, em reportagens e em uma série de vídeos exclusivos, mostraremos um seleto grupo com dez jovens, com idade entre 22 e 44 anos, que já despontam no cenário agro brasileiro. Eles representam dez culturas diferentes, mas, sobretudo, dez olhares únicos sobre o mais importante setor da economia brasileira. Lideram negócios de diferentes portes, mas todos com histórico de excelência na gestão. Há, na lista, sobrenomes tradicionais no agronegócio nacional. Também estão presentes na lista empreendimentos recentes, em setores emergentes como a piscicultura – uma das áreas de maior crescimento atualmente no País. A segunda temporada envolve os TOP FARMERS em temas cada vez mais debatidos no campo: sucessão familiar, governança, formação de lideranças, inovação, sustentabilidade, entre outros. Para alguns, a vocação para o agro despontou ainda na infância, na convivência com os negócios da família. Em outros casos, chegou de forma inesperada. Uma marca que une a todos é a educação sólida, com olhar global, que os distingue de gerações anteriores, forjadas muitas vezes de forma mais empírica e prática. São as faces do futuro no agro. PLANT PROJECT Nº8
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PRODUÇÃO EM QUANTIDADE E QUALIDADE
Pedro Merola Pedro Merola tem 39 anos e representa a quarta geração de produtores rurais na mesma terra, a Agropecuária Santa Fé, em Santa Helena de Goiás (GO), propriedade que foi comprada por sua família em 1933. Nascido em São Paulo (SP), foi criado na fazenda e desde criança acompanha a rotina do confinamento de bois, que teve início em 1984. Aos 11 anos já comemorava o pagamento por suas primeiras cabeças confinadas. “Tive oportunidades muito raras em minha vida”, afirma Pedro, há uma década no comando da empresa. Em 2012, comprou a parte de seu pai no negócio e se tornou o único dono. “Tínhamos ambições diferentes. Ele estava satisfeito e eu queria avançar”, explica. No ano passado, o confinamento da Santa Fé reuniu quase 60 mil cabeças. Apesar do apetite maior para a expansão dos negócios, Pedro reconhece que seu pai, Ricardo Merola, preparou bem o terreno para que pudesse apertar o passo. “Ele sempre buscou inovações tecnológicas. Tivemos, por exemplo, a primeira fazenda do cerrado 36
Pedro Merola já confinou meio milhão de bois em dez anos à frente do confinamento da Agropecuária Santa Fé, em Santa Helena de Goiás (GO). E agora faz sucesso no mercado premium de carnes
goiano a trabalhar totalmente com plantio direto”, diz Pedro, engenheiro agrônomo formado pela Esalq. A inovação tem sido um grande diferencial para garantir a excelência da Santa Fé com a terminação dos bois. O gado é quase todo de pecuaristas parceiros, atraídos pela qualidade no atendimento. Para se ter ideia, desde o ano passado os clientes contam com um aplicativo para acompanhar, em tempo real, tudo o que acontece com seus animais. Pedro é um empreendedor inquieto que, como ele mesmo diz, sempre se interessa pelas coisas mais complicadas. Esse é um dos motivos pelos quais também decidiu investir na outra ponta da cadeia pecuária. Em 2014, Pedro lançou a FEED, uma loja conceitual que oferece carne de primeiríssima qualidade – apenas 40% é de produção própria –, além de tudo o que o consumidor precisa para ter uma experiência gastronômica diferenciada, de iguarias a vinhos e cervejas. Pedro descreve o novo negócio como sua maior aula de vida. “Varejo é muito mais difícil na área de vendas, exige muito de raciocínio e dedicação. Foi um desafio de adequação”, descreve.
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TALENTO PARA DESCOMPLICAR O jeito prático e direto de lidar com a rotina de trabalho tem ajudado Fábio de Rezende Barbosa a ganhar espaço na gestão da empresa da família, onde começou como trainee para poder conhecer todas as operações “Gosto muito do olho no olho, acho que humaniza as relações.” É assim que Fábio de Rezende Barbosa começa a descrever a forma como procura se comunicar no ambiente de trabalho. “Costumo ir mais à mesa das pessoas do que elas virem até a minha”, acrescenta o economista de 42 anos que coordena toda a produção agrícola do Grupo NovAmérica, com unidades em Tarumã (SP) e Caarapó (MS). São cerca de 6 milhões de toneladas de cana por safra, produzidas em praticamente 80 mil hectares. Dessa área total, apenas 15% são terras próprias, a maior parte pertence a parceiros. Sua trajetória na empresa começou em 2002, no cargo de trainee em todas as áreas da companhia. Em seguida, foi conhecer o mercado internacional da cana, passando por França, Tailândia, Austrália, Coreia do Sul, entre outros países. “A experiência foi muito boa, pois passei a entender várias questões culturais e a conhecer ferramentas que eram muito importantes”, relata. Este ano, a NovAmérica completa 75 anos. Fábio tem como meta prosperar por outro período como esse. “A ampliação do portfólio da empresa, que está totalmente ligada à produção de cana, é chave nessa questão”, comenta. Segundo ele, isso já está acontecendo na área agrícola, com a produção de grãos – soja e milho. É uma maneira de não ficar tão sensível às condições de preço da cana. Outra prioridade que Fábio destaca na gestão da companhia é a preparação do grupo para a era digital. Os passos primordiais para essa mudança passam pela adequação
e sa Fábi o dB o b r a e R ezend das pessoas e pela transformação do modelo hierárquico, que será mais horizontal. “As decisões monocráticas não servem mais, pois hoje as variáveis aumentaram, é preciso olhar para as ideias de todos.” A NovAmérica tem parcerias com universidades, uma aproximação que já rendeu à empresa mais de 20 aplicativos utilizados na rotina da produção. Segundo Fábio, hoje há pessoas mais ligadas ao campo trabalhando no desenvolvimento. “Antes, eram criadas por gente que não entende do negócio. Um profissional na fazenda não pode dar dez cliques no celular para resolver algo, tem de ser no máximo dois ou três”, avalia. PLANT PROJECT Nº8
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UMA LIDERANÇA NA CITRICULTURA Sarita Rodas sonhava em ser promotora de Justiça e seu envolvimento com a agricultura era, no máximo, o fato de ser filha de um grande produtor. Mas, quando a vida lhe mostrou um novo caminho, aceitou a provocação e entrou de cabeça no mundo agro
Sarita R odas Sarita Rodas é presidente do conselho do Grupo Junqueira Rodas, de Monte Azul Paulista (SP), empresa familiar que investe em citricultura, cana-de-açúcar e pecuária de corte (genética). A empresária é também a primeira e única mulher a integrar o Conselho de Administração da Montecitrus, do qual sua família é a maior acionista. Nessa onda de abrir fronteiras para a presença feminina no agronegócio, foi eleita a primeira integrante mulher no Conselho Deliberativo do Fundecitrus. Há dez anos, tudo isso era impensável, pois o que Sarita queria mesmo era se tornar promotora de Justiça. 38
O Grupo Junqueira Rodas foi fundado por seu pai, Fábio Rodas, em 1991. Quando a irmã mais velha de Sarita faleceu, após quase dois anos de tratamento contra o câncer, o pai se apressou em preparar a sucessão e contratou uma empresa de governança. “Ele acreditava que, para ser dona, a pessoa deve conhecer a empresa”, conta Sarita, que passou por um processo de trainee. Em agosto de 2008, Fábio também faleceu. Naquele momento, ela pensou em se afastar de tudo, mas a mãe, Maria Thereza, não permitiu. “Pensa em uma empresa familiar que tinha tudo para dar errado”, comenta Sarita. “Porém, graças à garra de minha mãe e às pessoas que trabalham com a gente, conseguimos mais que dobrar o faturamento, que deve ser de R$ 120 milhões neste ano”, orgulha-se. Sarita fez cursos dentro e fora do País e se dedicou ao aprendizado sobre gestão e produção. Daí veio o investimento em tecnologia, a evolução na área comercial e os ganhos em produtividade e sustentabilidade. “Eu me firmei à frente da empresa que havia perdido um grande líder porque consegui implantar uma versão colaborativa de gestão”, avalia. Hoje, com 2,1 milhões de pés de laranja, a empresa colhe cerca de 4,5 milhões de caixas. Isso porque 45% dos pomares estão em fase de renovação. “Quando chegarmos à capacidade total, em 2021, devemos ter uma capacidade de produção em torno de 7 milhões de caixas”, prevê. Com 34 anos e quatro filhas, Sarita se tornou uma referência de liderança no agronegócio.
A LG ODÃO
A MAIS JOVEM DA TURMA Com apenas 22 anos, Letícia Scheffer é herdeira de um dos principais conglomerados empresariais do agro brasileiro e já se tornou sócia de um novo negócio para produção de algodão, a Fazenda Ouro Branco
Assim que terminou a faculdade de Administração, Letícia Scheffer embarcou para Nova York. O objetivo principal era estudar o idioma local, mas a bagagem cultural que se traz de uma megalópole como essa sempre mexe com as estruturas. “Ficou ainda mais forte para mim a ideia de que educação é a base de tudo. O tempo todo eu via as pessoas buscando algo, querendo garantir algum espaço, passa aquela ideia de competitividade”, descreve a jovem de 22 anos que nasceu em Rondonópolis (MT) e hoje mora em Cuiabá. A experiência no exterior certamente vai influenciar, de forma positiva, sua participação no programa de Desenvolvimento de Herdeiros e Acionistas (DHA) do Grupo Bom Futuro. Letícia está entre os 13 herdeiros do Bom Futuro, que hoje tem quatro sócios – incluindo seu pai, Fernando Maggi Scheffer – e atua nos segmentos de agronegócio (agricultura, pecuária e piscicultura), energético, imobiliário e aeroportuário. Na produção de algodão, são mais de 170 mil toneladas de pluma. “O mínimo que o DHA nos oferece é conhecer a empresa como um todo, pois também faço parte dela e em algum momento tomarei decisões”, conta Letícia. Além disso, essa preparação tem ajudado até a direcionar os herdeiros para as escolhas sobre a área de atuação.
Letícia S cheffer A jovem já tem uma boa pista. É sócia das irmãs e de dois primos na Fazenda Ouro Branco, na Chapada dos Guimarães (MT). Com área total de 5 mil hectares, foi comprada pela família com o intuito de produzir algodão. A produção é de 300 arrobas por hectare. “Quando estava na faculdade, estudava de manhã e à tarde ficava no financeiro da Ouro Branco. Passei dois anos cuidando dos pagamentos”, comenta. O algodão da Ouro Branco é vendido tanto no mercado interno como no exterior. Letícia conta que estão trabalhando para ajustar os fatores que influenciam a qualidade da lavoura, pois nessa propriedade a área ainda é nova, “é literalmente um início da terra para o algodão”. A jovem empresária acrescenta que os sócios têm sido até bastante exigentes, pois a régua de comparação é muito alta. “A gente acaba se comparando ao Bom Futuro”, ressalta. PLANT PROJECT Nº8
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PECUÁRIA
LE ITE I RA
ENTRE OS MAIORES DO BRASIL Eduardo Sekita entrou na empresa da família para cuidar da produção de alho. Hoje, como diretor executivo do grupo, é responsável também pela produção diária de 56 mil litros de leite
Quando se formou engenheiro agrônomo pela Unesp de Jaboticabal (SP), no final de 1999, Eduardo Sekita de Oliveira tinha o mesmo desejo de muitos jovens em início de carreira: ingressar em alguma grande companhia multinacional. Exatamente naquele momento, o Grupo Sekita (São Gotardo, MG), voltado à horticultura, precisava de um profissional para cuidar da produção de alho. “Já havia passado por entrevistas e até sido convidado por algumas empresas, mas acabei optando por ficar perto da minha família”, conta Eduardo. Hoje, aos 32 anos de idade e ocupando o cargo de diretor executivo do grupo, ele se diz muito satisfeito com aquela escolha. Faz menos de seis meses que assumiu o novo posto, mas desde 2015 Eduardo já era responsável por toda a produção agrícola e pecuária da empresa. Isso inclui um rebanho de 1,5 mil vacas da raça Holandesa que produzem mais de 56 mil litros de leite por dia. Esse volume coloca o Grupo Sekita entre os maiores produtores de leite do Brasil, mais precisamente o quarto maior, segundo levantamento Top 100 2017, feito pelo site Milkpoint. Todo o leite coletado no Sekita é entregue à Itambé Alimentos S/A. O produto diferenciado, devido ao padrão genético do rebanho e à qualidade do manejo 40
Eduardo S ekita nutricional dos animais, deu origem a uma parceria entre a empresa e o laticínio, com a criação do Natural Milk. Eduardo acredita que um dos fatores mais importantes para chegar à posição atual dentro do grupo, além do conhecimento sobre a empresa, é a facilidade de se relacionar com as pessoas. O perfil agregador é mesmo um diferencial importante, pois o grupo tem hoje 39 sócios, cada um com características e demandas próprias que precisam ser equilibradas durante as tomadas de decisão, sobretudo em relação às possibilidades de expansão. “Nossos desafios são cada vez maiores, até por conta do cenário econômico do Brasil, que provocou uma desaceleração no consumo dos produtos com os quais trabalhamos”, analisa.
CA F É
UMA TRADIÇÃO APRIMORADA Anderson Minamihara representa a quarta geração de produtores de café de sua família, tanto por parte do pai quanto da mãe, e entrou no negócio para traçar novos rumos
Andersona Minamihar Faz três anos que Anderson Minamihara passou a se dedicar em tempo integral à empresa de sua família, que produz cafés especiais e orgânicos em Franca (SP), cidade onde nasceu. O jovem de 30 anos, formado em Administração de Empresas, já participava da gestão dos negócios, mas era praticamente um consultor. Dessa vez é diferente, chegou para ficar e com a missão de ajudar a reestruturar o negócio. “Faz uns dez anos que a fazenda está em processo de transformação para produção orgânica, mas
meu pai, que é engenheiro agrônomo, não sabia exatamente como funcionam todas as questões de certificação, que é essencial para agregar valor”, explica o gestor. Hoje, já são mais de 40 variedades de café, com Indicação Geográfica da Região da Alta Mogiana, que atendem cafeterias nacionais e são exportadas. Após o retorno de Anderson à fazenda, as negociações internacionais que se resumiam apenas ao Japão, passaram a envolver também Estados Unidos, Europa, Taiwan e Hong Kong. O fato de ainda estarem em um processo de consolidação da marca não os impede de ter planos ousados. Entre as ambições de Anderson e sua família está a abertura de cafeterias pelo mundo – duas delas aqui no Brasil. A produção do café Minamihara envolve 150 hectares certificados, de onde saem, em média, 3 mil sacas. A próxima colheita será feita em 80 hectares, pois estão substituindo os cafezais. Um diferencial importante é que boa parte do plantio é sombreada por abacateiros. “Isso cria um clima diferenciado, como se estivéssemos em regiões com densidade de 500 metros mais alto”, explica Anderson. Além da sombra para os pés de café, as árvores rendem uma boa produção de abacate orgânico, que também é exportado e já representa cerca de 40% do faturamento da empresa. A expansão do negócio não é só da porteira para fora. “Queremos abrir a propriedade para visitação e ainda oferecer a possibilidade de a pessoa plantar seu próprio café em nossas terras”, comenta Anderson. PLANT PROJECT Nº8
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MODERNIZAÇÃO ATÉ DEBAIXO D’ÁGUA Mauro Tadashi Nakata começou a trabalhar com seu pai na Piscicultura Cristalina em um momento decisivo da empresa: era crescer ou crescer. A gestão familiar deu certo e hoje estão entre os principais nomes do segmento que mais cresce no agro
Mauro Tadashi Nakata é um dos três brasileiros convidados a participar do programa de treinamento da Nuffield International Farming Network, instituição sem fins lucrativos que reúne líderes do agronegócio global para troca de experiências. Fazer parte dessa experiência já é um sinal da diferenciação de Mauro, que tem 33 anos, é formado em Economia pela Esalq, como um dos jovens gestores do agronegócio brasileiro. E o que ele espera é mesmo trazer novas ideias para reforçar o desenvolvimento da Piscicultura Cristalina, empresa fundada por seu pai e instalada na sugestiva cidade de Fartura, em São Paulo. Mauro é responsável pelas áreas industrial e comercial da Cristalina, empresa dedicada exclusivamente a engorda e processamento de tilápia. Os alevinos são comprados de dois fornecedores. A produção chega a aproximadamente 14 toneladas diárias, com folga para aumentar, pois a empresa conta com um frigorífico para armazenar 40 toneladas. Todo esse peixe é distribuído apenas no estado de São Paulo, em restaurantes como Outback, General Prime Burger, Pinguim e Braugarten, além de redes de varejo como o mercado Zaffari e o hortifrúti Oba. Três fatores são essenciais para conquistar e até ampliar espaço com esses clientes: qualidade do peixe, padrão nas peças (filés) e a garantia de frequência e volume no fornecimento. “Começamos a trabalhar com 42
Mauro Naka ta essas empresas por volta de 2008 e 2009, e de lá para cá elas cresceram muito, inauguraram novas unidades, e nós avançamos junto”, comenta Mauro. A abertura desse mercado foi o que se chama de trabalho de formiguinha, batendo de porta em porta. “Antes, batíamos muito a cara na porta dos clientes por não conhecerem o produto. Hoje eles já sabem o que é uma tilápia, facilita o contato.”
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SEMENTES DE INOVAÇÃO
Fernanda Falcão Fernanda Falcão tem 36 anos, é engenheira agrônoma formada pela Universidade de Passo Fundo (RS), tem pós-graduação em gestão em agronegócio pela FGV e mestrado pela Universidade de Pelotas (RS). A inspiração para essa trajetória acadêmica vem desde a infância, quando já convivia com o dia a dia nas lavouras da família, negócio que começou com seu avô e foi ampliado por seu pai, também agrônomo. Foi ele que fundou, em 1986, a Sementes Falcão, com o intuito de agregar valor à produção de grãos. Hoje, é Fernanda quem responde pela gestão agrícola da empresa. A sede da Sementes Falcão está em Passo Fundo, mas é em Sarandi, a cerca de 80 quilômetros, que fica o cultivo de grãos, em uma área de 850 hectares – em breve será ampliada para 1,1 mil hectares. A maior parte das terras (600 ha) é destinada à soja, principal cultura. O milho, vendido como grão mesmo, fica com algo em torno de 200 hectares. Essa é a safra de verão. No inverno, planta-se aveia branca e trigo, também para semente, e a divisão da área entre essas culturas depende das condições climáticas
Fernanda Falcão acompanha a lida na fazenda desde pequena e jamais pensou em estudar algo que não fosse Agronomia, determinação que lhe abriu o caminho para coordenar a produção agrícola da família
e mercadológicas. A família tem ainda outra propriedade em Primavera do Leste (MT), com 3,4 mil hectares, dos quais 2,1 mil são cultivados com soja e milho para consumo industrial. Para conquistar a confiança do pai e seu espaço dentro da empresa, Fernanda aliou o conhecimento que trazia da universidade à experiência de quem já estava por ali há muito mais tempo. “Há duas palavras que me acompanham todos os dias: humildade e determinação. Nunca sabemos tudo, então é preciso respeitar e saber ouvir os mais experientes”, diz a agrônoma. “A gente sai da faculdade cheia de novidades, mas sem a vivência dessas pessoas.” Agora, Fernanda tem liberdade para tomar decisões de forma independente. Nesse momento, a atenção de Fernanda está bastante voltada a outra prioridade: a chegada de seu primeiro filho, que nascerá em maio e vai se chamar Pedro. Talvez seja cedo para se falar em futuro profissional da criança, mas não vai lhe faltar incentivo para seguir a Agronomia. PLANT PROJECT Nº8
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SU ST E N TA B I L I DA DE
PRESERVAR É UM GRANDE NEGÓCIO
Cai o Penido Caio Penido Dalla Vechia é comunicador, produtor rural e acionista do Grupo Roncador, complexo empresarial de sua família cujos negócios estão divididos em agricultura, pecuária e mineração, além de participações em outras companhias. A base produtiva fica no Vale do Araguaia, em Mato Grosso, com a retaguarda administrativa instalada na capital paulista. Como fez parte da diretoria operacional do grupo de 2008 até o ano passado, Caio transitou muito por essa ponte aérea entre São Paulo e Cuiabá. Agora está prestes a se mudar para a capital mato-grossense, pois o empreendimento que iniciou há seis anos, na Fazenda Água Viva, propriedade adquirida de sua família no município de Cocalinho, exige que passe mais tempo no Centro-Oeste. Na Água Viva, Caio, que tem 44 anos, investe em um moderno sistema de cruzamento industrial para produção de carne bovina gourmet, ou seja, com elevado padrão de qualidade. O rebanho-base conta com cerca de mil matrizes Nelore, inseminadas com touros da raça britânica Angus. Com a compra de bezerros vindos 44
Há seis anos Caio Penido Dalla Vechia investe em um novo projeto pecuário que reflete bem todo o trabalho que já vinha realizando no Grupo Roncador, do qual é acionista, para aliar agronegócio e preservação ambiental
de fazendas próximas, chega-se ao volume de 2 mil cabeças abatidas por ano. A eficiência desse projeto está diretamente relacionada à correta aplicação da tecnologia, com pastejo rotacionado, manejo adequado do capim, uso de cerca elétrica, disposição estratégica de bebedouros, entre outros fatores. Isso tudo é só o começo para se chegar ao maior diferencial da Fazenda Água Viva: a sustentabilidade. Na Água Viva foi criada, por exemplo, a Liga de Desenvolvimento Regional do Araguaia, ou apenas Liga do Araguaia, um programa dedicado a estimular e replicar práticas de intensificação sustentável na pecuária de corte a partir da difusão e da adoção de tecnologias modernas. A propriedade já abrigou alguns dias de campo com esse intuito. Para Caio, a modernização da agropecuária é essencial para se agregar valor ao ativo florestal e ao alimento produzido corretamente. “O Brasil é um case de sucesso em sustentabilidade, com mais de 60% de suas florestas preservadas e um código florestal que é um dos mais modernos do mundo”, comenta.
H ORTIFRUTI
CUIDANDO BEM DE TODOS OS AMBIENTES A gestão de Edson Trebeschi tem como prioridade a tecnologia de ponta nas estufas para o cultivo dos tomates, o uso sustentável dos recursos naturais e um local de trabalho harmonioso
Edson T rebeschi Edson Trebeschi fundou a Trebeschi Tomates em 1994 como uma aposta para transformar um problema em oportunidade. Ele trabalhava na área de comercialização da Cooperativa Agrícola de Cotia, que encerrou suas atividades naquele ano. Edson decidiu então criar uma prestadora de serviços para venda do fruto e acabou fazendo dela “uma das principais empresas de tomates e legumes in natura do País”, como ele mesmo descreve. Natural de Aguaí (SP), o empresário tem 45 anos de idade, é técnico agropecuário, tem graduação em administração e especialização em gestão. Com sede em Araguari (MG) e lavouras que abrangem mil hectares em mais de 17
cidades dos estados de Minas Gerais, Goiás, São Paulo e Santa Catarina, a Trebeschi produz e comercializa tomates convencionais e especiais, cultivados em estufas de alta tecnologia e distribuídos para as principais redes de supermercados do Brasil. “Por trabalharmos com produtos perecíveis, é fundamental estarmos na vanguarda da tecnologia, buscando sempre novas variedades”, comenta o diretor-presidente da empesa. É por isso que a atuação da Trebeschi abrange toda a cadeia produtiva, com seleção das sementes e semeadura em viveiros automatizados. No processamento, dentro dos packing houses, a seleção dos tomates é feita de forma eletrônica, com classificação por diâmetro, peso e cor. O cuidado também se estende à distribuição, realizada por uma frota totalmente refrigerada para assegurar a qualidade e evitar perdas. O objetivo é garantir um alimento saboroso e saudável na mesa do consumidor, que graças à rastreabilidade pode saber mais sobre todo o processo produtivo apenas fazendo a leitura do QR Code nas embalagens com seu smartphone. Além da preocupação permanente com o uso sustentável dos recursos naturais em todas etapas de produção, o Edson também prioriza as melhores condições de trabalho, para que o ambiente seja o melhor possível para seus colaboradores. “É essencial fazermos aquilo de que gostamos, e na Trebeschi é assim. Temos um time de pessoas apaixonadas pela empresa, o que torna o ambiente de trabalho muito harmonioso”, celebra o empresário. PLANT PROJECT Nº8
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O agronegócio cresce e as famílias prosperam Ana Malvestio* As famílias brasileiras são um dos grandes pilares do agronegócio no País. São as famílias que respondem por grande parte da produção agrícola e pecuária do Brasil. Foram elas que desbravaram o Centro-Oeste, que povoam a fronteira agrícola conhecida como Mapitoba (Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia), que lutam diariamente para superar os desafios de cada ciclo e contribuem para o Brasil ser o grande produtor e exportador de diversas culturas. Apesar da ausência de dados voltados especificamente para a realidade das empresas familiares no agronegócio brasileiro, é possível identificar aspectos importantes sobre os desafios e as prioridades das famílias do setor. Evidências e a nossa experiência sugerem que empresas familiares, independentemente da área de atuação, possuem preocupações e desejos similares. A oitava edição da Pesquisa sobre Empresas Familiares da PwC analisou as respostas de 2.800 empresas familiares em 50 países (o Brasil representa 5% do universo pesquisado) e revelou aspectos importantes que, com certeza, são essenciais para o crescimento dos negócios das famílias do agro brasileiro. Um deles é o processo de sucessão, uma etapa delicada em toda empresa familiar. A pesquisa aponta que apenas 19% das empresas (15% no mundo) têm um plano de sucessão. A boa notícia é que esse percentual quase dobrou em relação a 2014, quando era de 11%. De todo modo, os números ainda são baixos. Talvez esse fato justifique por que apenas 12% das companhias familiares chegam até a quarta geração e somente 3% vão além, segundo a National Bureau of Economic Research Family Business Alliance. É comum que o tema sucessão seja abordado pelos herdeiros após o falecimento do patriarca ou da matriarca; conversar sobre o assunto, em muitas famílias, é um verdadeiro tabu. No agronegócio, a história da família se mistura com a história da fazenda, amor pela terra e pelo negócio. A abordagem em um momento como esse é muito mais complexa do que seria se fosse feita antecipadamente e essa situação seria menos traumática se já houvesse um plano de sucessão. 46
Um plano dessa natureza possui duas grandes dimensões, a propriedade e a gestão, e, pela nossa experiência, precisa ser encarado como “Continuidade dos negócios”. Apenas um terço das empresas familiares brasileiras planeja passar o controle, tanto de gestão quanto da propriedade, para a próxima geração, enquanto duas em cada cinco empresas familiares no Brasil (40%) pretendem passar a propriedade, mas não a gestão, para a próxima geração. Nesse caso, será necessário contratar gestores externos, profissionais de mercado qualificados e sem envolvimento com eventuais desavenças familiares; e, feito isso, estabelecer regras de governança claras.
19%
das empresas familiares brasileiras possuem um plano de sucessão
Existem também, em menor porcentagem, empresas familiares que consideram como uma grande oportunidade a transferência da propriedade da família para terceiros. No agronegócio brasileiro, tem sido muito comum o interesse de multinacionais e fundos de investimentos em adquirir participações acionárias de negócios familiares. Independentemente da pretensão da família no plano de sucessão, é importante contar com os instrumentos de governança, pensar em como lidar com as diferentes gerações, como fazer a distribuição do patrimônio e não se esquecer do planejamento tributário ao longo do processo. Somente dessa forma a história, a identidade e a cultura do negócio familiar serão mantidos ao longo do tempo e passados de geração em geração. *Ana Malvestio é sócia da PwC Brasil e líder de Agribusiness
Ag Economia
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A PRAGA QUE TIRA O SONO DOS PRODUTORES Crimes cometidos em propriedades rurais por quadrilhas especializadas crescem em ritmo alarmante em todo o País Por Costábile Nicoletta
rês Lagoas (MS), 19/1/2018 – Um produtor foi amarrado e atirado em uma vala por membros de uma quadrilha, que invadiu sua propriedade e roubou várias cabeças de gado, além de outros materiais. Botucatu (SP), 29/1/2018 – Dois funcionários de uma fazenda foram rendidos por assaltantes armados e trancados em um banheiro químico na propriedade no final da noite do dia 28. Após arrombar dois galpões, o grupo fugiu levando um caminhão, um carro Gol, uma motocicleta, um revólver calibre 38, 126 litros de óleo diesel, dois aparelhos de ar-condicionado e grande quantidade de defensivos agrícolas. Itapirapuã (GO), 29/1/2018 – Vinte e cinco cabeças de gado foram roubadas durante a madrugada de uma fazenda no município, a 197 quilômetros de
Goiânia. O caseiro estava dormindo em sua casa, que fica afastada do curral onde estavam os animais, e não ouviu a movimentação. Piraí do Sul (PR), 17/1/2018 – A polícia do Paraná investiga o roubo de 52 cabeças de gado em uma chácara na região dos Campos Gerais do Paraná. O crime ocorreu na madrugada entre os dias 10 e 11 de janeiro. Ladrões armados invadiram a propriedade rural e renderam o caseiro, que foi mantido dentro de casa, sob a mira de um revólver. Os criminosos usaram dois caminhões para fugir com 35 bois e 17 bezerros. Macapá (AP), 11/1/2018 – Um levantamento realizado pela Associação de Criadores do Amapá estimou em R$ 50 milhões de reais o prejuízo com roubo e furto no estado entre 2015 e 2016.
Arte sobre reprodução de imagem RBS TV
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Ação policial em fazenda em Rafael Jambeiro (BA) e prisão de ladrões de gado em São Francisco de Assis (RS): ação oficial ainda é tímida nas áreas rurais
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Eis uma colheita que ninguém gostaria de fazer. Tão fértil quanto as lavouras do País tem sido o noticiário policial tratando de furtos, roubos e outros crimes contra o patrimônio dos produtores brasileiros. Na mesma proporção dos exuberantes índices de crescimento e avanço tecnológico registrados pelo agronegócio tem crescido a atenção de ladrões cada vez mais sofisticados, interessados em se apropriar tanto das riquezas produzidas nas fazendas quanto dos insumos e equipamentos empregados nessas propriedades, pelo alto valor agregado em todos esses itens. Nas palavras do deputado estadual Sérgio Turra (PP-RS), que vem dedicando boa parte de seu mandato ao tema: “O abigeato (roubo de gado) se requintou. Hoje, não é praticado apenas por um ladrão solitário com uma faca na mão. Agora, tem o perfil característico do crime organizado. São quadrilhas com comunicação, frotas de veículos e armamento modernos, que aliciam trabalhadores rurais e roubam até mil cabeças de gado por ano. Há, também, furtos de agroquímicos, sementes e máquinas, que elevam ainda mais as perdas dos agricultores”. Embora o problema venha se acentuando em todas as regiões com forte atuação agropecuária, há poucas estatísticas confiáveis a respeito, na mesma proporção das providências esperadas pelos órgãos de segurança pública. A Confederação da Agricultura
e Pecuária do Brasil (CNA) defrontou-se com essa situação ao tentar aprofundar-se nos detalhes desses tipos de crime. Solicitou dados às 27 secretarias estaduais de segurança do País, mas apenas quatro (São Paulo, Distrito Federal, Rio Grande do Norte e Roraima) enviaram algum tipo de informação. A solução para traçar um diagnóstico e, a partir dele, propor soluções foi criar o Observatório da Criminalidade no Campo. “Desenvolvemos um formulário para levantar dados diretamente com os produtores rurais, por meio dos sindicatos que atuam nos municípios, a fim de traçarmos um retrato da situação e sensibilizar o Governo, em todas as suas esferas, de que o problema já atingiu níveis graves”, diz André Sanches, secretário executivo do Instituto CNA (ICNA), órgão responsável pelo estudo. “Pretendemos fazer um grande evento ainda neste primeiro semestre com produtores, autoridades e especialistas em segurança, a fim de desenhar uma política de segurança pública específica para o meio rural.” Os formulários já compilados no Observatório da Criminalidade no Campo contabilizam 184 ocorrências, a maior parte com relato de furtos (50%) e roubos (32%), e até assassinatos (3%). O índice de reincidência do crime na mesma propriedade é de 66%. É muito provável que se trate de pequena amostra de uma quantidade significativamente
fotos: Divulgação
maior de delitos que não chegam a ser notificados à polícia ou não são registrados como crimes agropecuários, seja por descrença dos produtores rurais de que vale a pena ir a uma delegacia comunicar que foram vítimas de assalto, seja porque esses crimes não sejam tipificados como rurais. Grande parte dos poucos dados disponíveis não faz distinção entre crimes urbanos e agropecuários. O prejuízo decorrente dessas delinquências não se restringe a quem ganha a vida no campo. Uma das hipóteses aventadas pela CNA – pela organização e sofisticação das quadrilhas – é que os produtos são roubados sob encomenda, pelo seu alto valor e pela facilidade de reintroduzi-los no mercado em relações comerciais “informais”, sem nota fiscal ou com documentação fria. No caso de gado de corte furtado, por exemplo, além de os ladrões e os receptadores fraudarem suas vítimas e o Fisco, fazem chegar à mesa do consumidor uma carne sem a devida fiscalização sanitária, com todos os riscos que isso oferece. “Essa informalidade é um convite à sonegação e um incentivo
à criminalidade”, qualifica o presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Marcelo Vieira, ele próprio vítima de furto em sua propriedade em Minas Gerais. “Entraram com um caminhão à noite, passaram a madrugada ensacando o café a granel que estava guardado na tulha e levaram embora 150 sacas.” O presidente da SRB aponta outro efeito do aumento da criminalidade no campo. Temerosos de deixar a produção estocada na fazenda à mercê dos gatunos, os produtores recorrem cada vez mais a armazéns de terceiros. “Todas as cooperativas de café, por exemplo, lotaram a ocupação dos armazéns Brasil afora”, diz Vieira. “Antes, os produtores deixavam parte da colheita na fazenda. Hoje, não dá mais. Estão sendo construídos novos armazéns, mas a oferta ainda está aquém da demanda.” Se é difícil imaginar como um caminhão lotado de café roubado consegue circular sem nota fiscal, que dizer de um carregado de boi? A legislação determina a necessidade da Guia de Trânsito Animal (GTA) para esse tipo de carga. “Se os ladrões conseguem,
é porque o crime está mais organizado ainda do que se pensa”, diz André Sanchez, do ICNA. “Não é permitido, por lei, transportar animais vivos sem a GTA, que tem de ser emitida pelo órgão de fiscalização sanitária animal estadual. Há uma série de burocracias necessárias que essas quadrilhas estão conseguindo burlar de alguma maneira.” Na opinião do deputado gaúcho Sérgio Turra, o crime tem aumentado no campo porque o poder público não está devidamente aparelhado para coibir esses delitos e garantir mais segurança a um setor que entrega tanto ao Brasil. Com base nisso, no final do ano passado, Turra levou ao governo de seu estado uma ideia sugerida pelo Sindicato Rural de Dom Pedrito, no interior do Rio Grande do Sul, e foram criadas as Delegacias de Polícia Especializadas na Repressão aos Crimes Rurais e de Abigeato (Decrabs). O Sindicato Rural de Dom Pedrito procurou Turra porque o deputado estadual havia criado a Frente Parlamentar de Combate aos Crimes Agropecuários para auxiliar o governo gaúcho PLANT PROJECT Nº8
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na interlocução com as entidades representativas do agronegócio. Já se constituíram Decrabs em cinco municípios: Bagé, Camaquã, Santiago, Cruz Alta e Rosário do Sul. São cidades com maior incidência de delitos rurais, especialmente o abigeato, e também se localizam em região de fronteira. Segundo Turra, as Decrabs foram precedidas de uma força-tarefa na polícia sul-rio-grandense para combater os crimes agropecuários. Em um ano, desbarataram-se 25 quadrilhas e foram presas 160 pessoas. “A diferença entre a força-tarefa e a Decrab é que a delegacia especializada é permanente e empodera a força-tarefa, com poder de avocar inquéritos em qualquer parte do território gaúcho”, afirma o deputado. “Trata-se de uma medida para todas as entidades do agronegócio reivindicarem aos governos onde atuam”, reforça Marcelo Vieira, da SRB. A polícia de Goiás dispõe de um aparato que fica no meio-termo entre a força-tarefa e a delegacia especializada. Trata-se do Grupo de Repressão a Crimes Rurais e de Divisas (GRCRD). 52
De acordo com dados do site da polícia goiana, durante o primeiro semestre de 2017, o número de furtos de animais caiu mais de 60% nos 246 municípios do estado. O de roubos e furtos de máquinas agrícolas reduziu-se, respectivamente, 63% e 29%. E o furto de agrotóxicos também diminuiu 63%. Em novembro, o GRCRD prendeu quatro homens suspeitos de roubar defensivos agrícolas de fazendas e revender em lojas especializadas. De acordo com a investigação, que durou cerca de um ano, os crimes causaram um prejuízo de pelo menos R$ 30 milhões. “Rio Grande do Sul e Goiás estão dando os primeiros passos mais sérios para combater os crimes rurais”, considera o deputado Sérgio Turra. “O agronegócio é hoje, disparadamente, quem sustenta o Brasil. E o setor precisa receber de volta investimentos em segurança, em inteligência na investigação”, afirma José Fava Neto, vice-presidente da Associação dos Produtores de Soja de Goiás (Aprosoja Goiás), que entrou para as estatísticas em janeiro passado, quando 15 ladrões invadiram sua fazenda em Jaborandi, na divisa
da Bahia com Goiás, e deixaram, segundo ele, prejuízo superior a R$ 1 milhão (leia o depoimento na página ao lado). Embora disponham de destacamentos policiais especializados em coibir crimes rurais, Rio Grande do Sul e Goiás não constam entre os estados que contribuíram com o Observatório da Criminalidade no Campo, da CNA. O Ministério da Justiça e Segurança Pública, que poderia centralizar esses dados, informou que está em processo de integração das bases de dados das secretarias estaduais de segurança pública, para que sejam disponibilizados no Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp). Em nota, o ministério afirma ainda que “promove políticas para reequipamento das instituições de segurança pública, capacitação de profissionais da área e operações (por meio da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e da Secretaria Nacional de Segurança Pública, dentro de suas atribuições) em apoio aos estados, que são responsáveis pela prevenção e repressão qualificada ao crime e à violência, seja em áreas urbanas, seja em áreas rurais”.
“VAI DEMORAR PARA SUPERAR O TRAUMA PSICOLÓGICO” Produtor rural conta as agruras vividas pelos empregados de sua fazenda, feitos reféns por 15 bandidos que levaram o estoque de defensivos agrícolas da propriedade O empresário José Fava Neto, diretor-vice-presidente da Associação dos Produtores de Soja de Goiás (Aprosoja Goiás), teve um início de 2018 amargo. Na madrugada de 12 de janeiro, 15 ladrões invadiram a fazenda dele de soja e milho, localizada no município baiano de Jaborandi, na divisa com Goiás, e deixaram um prejuízo superior a R$ 1 milhão, decorrente, sobretudo, do roubo de defensivos agrícolas. Fava Neto não estava na fazenda no momento do crime, mas, nos dias seguintes, ao conversar com seus empregados, diz ter tido a exata noção dos momentos de terror por eles vividos, sob a mira de revólveres e várias ameaças. Os bandidos invadiram a propriedade por volta da meia-noite, renderam funcionários e as famílias e agrediram dois seguranças. Deixaram o local por volta das 3 da madrugada. Os empregados conseguiram se libertar uma hora depois. “Foi desesperador”, conta o empresário. “Já tive vários casos de furtos pequenos, mas é a primeira vez que funcionários são feitos reféns e ficam sob ameaça. Felizmente, não machucaram gravemente ninguém, mesmo os seguranças agredidos, porém o trauma psicológico vai demorar para ser superado.” Segundo Fava Neto, os furtos e roubos cresceram tanto nas
propriedades rurais, a ponto de as companhias de seguros se recusarem a fazer novos contratos com fazendas – restringem-se a renovar as apólices de quem já havia adquirido um plano anteriormente. Além de ter de arcar com o prejuízo de R$ 1 milhão, o empresário explica que as perdas não param por aí. Uma das primeiras providências tomadas após o roubo foi diminuir o estoque de defensivos, mas isso traz consequências logísticas difíceis de contornar, pois a reposição desse material não é feita na agilidade necessária ao plantio. “Em clima tropical, usa-se muito defensivo agrícola. O sucesso da agricultura depende dele”, afirma o vice-presidente da Aprosoja Goiás. “Não usá-lo ou postergar sua aplicação por dois ou três dias significa prejuízo. Para piorar, quando chove naquela região da Bahia, as estradas ficam intransitáveis, o que atrasa a entrega de vários tipos de suprimento.” O roubo à fazenda de Fava Neto também foi marcado por uma irônica coincidência. Ocorreu no primeiro dia da Operação Safra da polícia local, cujo objetivo era garantir a segurança das fazendas daquela região do cerrado da Bahia. “Mandaram um helicóptero sobrevoar a área de minha fazenda, e ele quebrou,
ficou dias à espera de peças para ser consertado”, desaponta-se o empresário. Dois dias depois, assaltantes roubaram agências bancárias em Correntina e Rosário, municípios próximos à fazenda. “A atenção da polícia voltou-se toda para esses crimes”, resigna-se Fava Neto. Em sua avaliação, embora bem-intencionada, a polícia “enxuga gelo” com seus poucos recursos: “Quando ela prende, o Judiciário solta. Nosso sistema é muito leniente. Só existe o roubo porque tem quem compra. No entanto, a investigação não chega ao receptador, que precisa ser punido severamente”. Diante da incapacidade do Estado de prover segurança, Fava Neto sugere que se permita ao produtor rural o uso de armamento em suas propriedades, como alternativa à contratação de empresas privadas de segurança, cujo custo é altíssimo, em sua opinião. “O agronegócio é hoje, disparadamente, quem sustenta o Brasil. E o setor precisa receber de volta investimentos em segurança, em inteligência na investigação”, afirma. “Do contrário, continuaremos a ficar com aquele sentimento de revolta, incapacidade e tristeza, cada vez que somos informados em nossos grupos de WhatsApp de um roubo em fazenda, o que tem se tornado cada dia mais comum.”
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O baile dos chapéus: símbolo dos calouros da escola, eles marcam o início de uma jornada de conhecimento e crescimento pessoal 54
DE REPÚBLICA A NAÇÃO
Como se forma o espírito que congrega novos e antigos alunos da Esalq em uma das mais influentes redes de conexões do agro Por Romualdo Venâncio Fotos Toni Pires
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o concorridíssimo mundo digital, um aplicativo com 7 mil usuários normalmente seria considerado inexpressivo. Existe um, no entanto, que nos últimos anos se transformou em um dos pontos de encontro (virtual, é verdade) mais influentes do agronegócio brasileiro – e, pode-se dizer, até mesmo mundial. É um clube seleto. Você não terá acesso ao “Esalqueanos”, a não ser que seja, efetivamente, egresso ou participante dos corpos de alunos e professores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP). Desenvolvido e gerido há quatro anos pela ativa Adealq, a associação dos ex-alunos da Esalq, o app levou para dentro dos smartphones uma instituição que tem marcado os 117 anos de história da mais tradicional escola de ciências agrárias do Brasil – e também integrante do Top 5 mundial nessa área acadêmica: a eficiente rede de conexão entre esalqueanos, uma relação que supera barreiras profissionais, de idade e de sexo. A força dessa conexão vem, primeiramente, da história centenária que colocou Piracicaba, cidade a 160 quilômetros de São Paulo onde fica a antiga fazenda que hoje hospeda o magnífico campus da escola, em evidência no mapa do desenvolvimento do agronegócio brasileiro. Desde seu início como Esalq-USP, em 1934 – pois a história começa bem antes, lá em meados de
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1901 –, a instituição já formou perto de 11,8 mil engenheiros agrônomos. Entre eles há nomes que participaram efetivamente do cenário político e econômico do agronegócio nacional, como os ex-ministros da Agricultura Fernando Souza Costa, durante o governo de Getúlio Vargas; Hugo de Almeida Leme, com Castelo Branco; e Roberto Rodrigues, no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. Há ainda um batalhão de engenheiras e engenheiros menos expostos aos holofotes, cuja importância é também histórica. São profissionais responsáveis por criar e fomentar técnicas, procedimentos e sistemas de gestão que desde o século passado contribuem para aprimorar as atividades agrícola e pecuária no Brasil, tanto na rotina de campo quanto dentro de um laboratório ou mesmo no comando de grandes corporações, direta ou indiretamente ligadas ao agro. Trata-se de uma significativa contribuição para que possamos ter duas, três ou mais safras por ano, elevando os índices produtivos sem a necessidade de ampliar a área cultivada, algo que surpreende e intriga estrangeiros que conhecem mais de perto nossa agropecuária. DESFILE DE CHAPÉUS As conquistas agronômicas ajudaram a fazer crescer um orgulho que é semeado a cada início de ano letivo e que gera frutos para o resto da vida adulta
de milhares de jovens. Caminhar pelas alamedas e gramados do campus da Esalq nos meses de fevereiro e março é presenciar uma espécie de nascimento. Um movimento incomum gira em torno dos “bixos”, os calouros recém-chegados que são recepcionados pelos “doutores”, veteranos que vão lhes apresentar um universo único no meio acadêmico brasileiro, repleto de rituais e códigos que farão parte de sua rotina nos próximos anos. O primeiro deles é o chapéu de palha, adereço que os bixos incorporam ao visual. Os calouros os tratam como troféus em incontáveis desfiles pelo campus, tirando apenas para assistir às aulas. Quando tirarem o chapéu, meses depois, já estarão definitivamente integrados ao mundo acadêmico. Ao receberem diploma, cinco anos mais tarde, não serão apenas profissionais. Serão integrantes de uma nação repleta de tradições, muitas não escritas. Serão confrades eternos, membros de uma espécie de maçonaria a campo aberto, em que a menção do A Encarnado, símbolo informal da Esalq, abrirá portas e aproximará pessoas de gerações distintas pelo simples fato de ser esalqueano. Piracicaba não é só Esalq, mas deve muito a ela. O conhecimento gerado ali transformou a cidade em um importante polo agroindustrial, epicentro do setor sucroenergético brasileiro e, mais recentemente, do movimento de
O imponente prédio principal, o desfile de bixos pelas alamedas do campus, a indefectível presença das repúblicas e o “A” Encarnado nos chapéus: as turmas se renovam, as tradições se mantêm
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A Cupido, de 1970, foi a primeira república feminina – hoje, metade dos alunos é composta de mulheres. A organização impera na casa, que, como quase todas as demais, tem suas regras impressas e as lembranças de quem já passou por lá
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startups voltadas ao agronegócio. Pode-se dizer que a cidade gravita em torno da escola e respira a juventude de seus alunos. A cada dia circulam pelo campus da Esalq cerca de 2 mil estudantes de graduação. Praticamente a metade está matriculada no curso de Engenharia Agronômica. Os demais estão distribuídos entre outros seis cursos. Há ainda perto de mil alunos inscritos nos programas de pós-graduação. Ali, adquirem conhecimento técnico e currículo acadêmico de reconhecido prestígio. Boa parte das experiências transformadoras e da valiosa rede de contatos e relacionamentos que carregarão em sua bagagem quando deixarem Piracicaba será construída em outras instituições não menos fundamentais na formação dos esalqueanos: as dezenas de repúblicas onde mora boa parte dos alunos, tradição que em muitos casos vai passando de geração para geração dentro das famílias. Em muitas cidades universitárias mundo afora, repúblicas são opções de moradia mais barata para estudantes que vêm de fora da cidade, inclusive de outros estados. Não nos arredores do campus, em Piracicaba. Há na cidade mais de 60 repúblicas, algumas com décadas de existência. A Copacabana, mais antiga delas, data de 1923. Mais que um endereço, elas representam um espírito. “A Esalq, fora das salas de aula , nos deu muito
mais do que o conhecimento de excelência”, define Fernando Sampaio, agrônomo formado em 1997, em artigo que inaugura, nesta edição de PLANT, a coluna “Esalqueanos” (leia na pág. 70). “Esse muito mais traduz-se nesse sentimento de irmandade que acomete os esalqueanos pela vida toda, sentimento forjado nas alegrias e tristezas, nas agruras do primeiro ano, na vida da república, nas ruas de Piracicaba, nas celebrações, nos amores esalqueanos, nas amizades esalqueanas”, escreve Sampaio, diretor executivo da Estratégia Produzir, Conservar e Incluir do estado do Mato Grosso. Como explicar que até mesmo alunos que já eram moradores da cidade trocam o conforto da casa dos pais para coabitar um lugar onde tudo é dividido, todos têm obrigações e devem seguir uma série de regras de convívio? “A convivência nas repúblicas é um período que ajuda a criar vínculos e a respeitar o espaço, as necessidades e as limitações do outro”, responde o consultor Marco Lorenzzo Cunali Ripoli, agrônomo formado pela Esalq em 1999. Apesar de a família morar em Piracicaba, ele viveu cerca de um ano e meio na república K-Zona (preste atenção nesta grafia, pois ainda vamos falar a respeito). “Eu era um agregado. É assim que são chamados os nativos que saem de casa para viver nas repúblicas”, acrescenta Ripoli, que na Esalq também fez mestrado em Máquinas Agrícolas,
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segmento no qual atuou por muito tempo. O interesse em morar numa república também pode ter sido motivado pela tradição. Seu avô, Romeu Ítalo Ripoli, se formou em Engenharia Agronômica pela Esalq em 1940; o pai, Tomaz Caetano Cannavam Ripoli, em 1970. CASA NOVA Os laços e a camaradagem começam a se formar já no processo que define quem vai morar onde e que começa pela interessante disputa entre as repúblicas por possíveis novos moradores. Depois de matriculados, os “bixos” são convidados a conhecer as moradias, onde podem passar até um mês sem desembolsar um tostão. A hospedagem durante essa fase, conhecida como estágio, fica por conta dos veteranos, ou “doutores”. Por duas semanas, durante o período de estágio, repúblicas abrem as portas e oferecem refeições aos candidatos. Como há sempre gente saindo, a renovação é essencial, pois a conquista de novos moradores representa a continuidade da república. “Quando não há bixo as condições vão mudando e, às vezes, é preciso buscar um lugar menor, readequar os serviços da casa, como internet, por exemplo”, analisa Ripoli, ou melhor, o “Hulq” -- todos os estudantes ganham, durante a graduação, um apelido. A definição do novo nome pode vir de uma analogia ao apelido de um parente que esteve ou PLANT PROJECT Nº8
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está na escola, uma brincadeira com o sobrenome, da referência a alguma característica física ou até mesmo a um acontecimento engraçado nessa chegada. Vale ressaltar: fala-se com orgulho dessa nova identidade. Ela será sua marca pessoal, para sempre, entre os irmãos esalqueanos. O vocabulário com grafia própria, citada parágrafos atrás, é outro fator característico da cultura esalqueana, tanto em relação ao nome das repúblicas quanto para os apelidos dos alunos. Em muitos casos, uma letra substitui uma sílaba, pois sua sonoridade já é suficiente, a exemplo da K-Zona. Há também a proposital troca de letras, como o apelido do Ripoli, que não tem o “k” do nome original do super-herói da Marvel Comics. Parece até que os esalqueanos já previam como seria a digitação na era das redes sociais e dos aplicativos de mensagens, como o WhatsApp. Ao término do estágio, o "bixo" opta por seu endereço em Piracicaba e os moradores dão seu veredicto sobre a validação dessa escolha. Cada grupo tem lá seu jeito de fazer esse comunicado, mas de maneira geral é comum haver todo um suspense antes de o calouro receber a camisa da república com seu número, consolidando a aceitação por sua nova “família”. Entre os diversos fatores que envolvem essa Espécies dedos batata no museu decisão, um mais relevantes dedicado à planta é a recíproca afinidade.no OsPeru: estudos mostram que “doutores” também fazem questão povos andinos já cultivavam de avisar os pais "bixo" sobre havia mais de 8do mil anos 60
a admissão. Como não poderia deixar de ser, toda essa cerimônia é também motivo para festejar, uma prática, digamos, frequente na agenda dos esalqueanos. LIBERTAÇÃO Resolvida a questão da moradia, os calouros ganham o chapéu do esalqueano. O “acessório” de palha, que tem anotado o apelido e o curso do aluno, deve ser utilizado permanentemente até o dia 13 de maio, quando é celebrada a “libertação dos bixos” -- então, o chapéu vira artigo de decoração na casa. Tudo isso é tratado com muito bom humor, pois, como dizem os próprios esalqueanos, o objetivo maior é agregar as pessoas, criar e fortalecer esse vínculo que será preservado a vida toda e se divertir. Um bom exemplo da influência transformadora que vem da formação na Esalq é a história de Rodrigo Gutierrez, agrônomo formado em 1993 e presidente da Adama Brasil, indústria de agroquímicos com forte investimento em inovação tecnológica. Nascido em uma família de agricultores, tanto de um lado quanto do outro, tem uma conexão muito forte com a escola. Seus pais, Otávio e Anita, e mais dois irmãos, Lucas e Francisco, também são egressos da Esalq. Sua mãe, inclusive, se formou primeiro em Economia Doméstica (1970) e depois em Engenharia Agronômica (1975). “Na minha família, se não
for agrônomo e formado pela Esalq não dá registro”, brinca Gutierrez, ou “Speto”, como era chamado na escola. O executivo conta que foi durante o período em que residiu na república Lesma Lerda que fez suas maiores amizades, além de ter aprendido muito sobre convivência, tolerância e respeito. “Você passa várias horas do seu dia com pessoas bem diferentes e de diversas origens, então precisa entender as preferências e restrições”, conta o executivo, que acrescenta: “Forma-se uma base pessoal única, com relacionamentos fantásticos, inclusive com repúblicas vizinhas”. É exatamente por esse aprendizado que faz questão de que seus filhos, um casal de adolescentes, também vivam essa experiência. “Quando completarem 18 anos, vão morar em república e aprender a viver no mundo.” Essa conexão entre os esalqueanos é tão forte que extrapola os limites da convivência, não depende de compartilhar a sala de aula ou a moradia. “Quando você entra na Esalq e entende o espírito da escola, dá liberdade a outros esalqueanos de falarem com você como se fossem amigos, tudo por conta desse processo de integração”, comenta Gutierrez. Para o agrônomo, há ainda uma grande contribuição para seu papel como líder que precisa se relacionar com diversas equipes e diferentes indivíduos.
Nas paredes da Copacabana, mais antiga entre as repúblicas, retratos e placas de uma história de 94 anos. Nas caixas, guardadas como troféus, as tampas de cerveja consumidas por várias gerações
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arte: Bruna Moraes Sampaio
O MAPA DAS REPร BLICAS
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SEGUNDA FAMÍLIA “A formação técnica foi fundamental no início, mas acredito que as relações e competências pessoais exercitadas durante o período da graduação possam ter contribuído de forma ainda mais relevante”, afirma Rodrigo Santos, líder da Monsanto para a América do Sul. Esalqueano da turma de 1995, Santos ganhou o apelido de “Hussen” e morou na república UTI. “Foram anos incríveis e de uma relação de grande amizade, o que acrescentou muito para o meu desenvolvimento pessoal, respeitando as diferenças e negociando pontos de vista diversos.” Embora não haja outros agrônomos na família, Santos começou a se envolver com a produção agrícola desde cedo, ajudando o pai e o avô na plantação de laranja, em uma pequena propriedade que tinham em Limeira, no interior de São Paulo. Embora a opção pela agronomia parecesse algo natural, naquela época Santos não estava tão seguro quanto a esse caminho. Hoje, não lhe restam dúvidas de que a escolha foi acertada. “ A Esalq oferece ao estudante uma oportunidade única de formação técnica e crescimento pessoal”, diz ele, mas ressalta: “ A responsabilidade de aproveitá-la é toda do aluno”. Eis um ponto que parece pacífico nas novas gerações que frequentam a escola atualmente. A reportagem de PLANT visitou algumas das mais tradicionais 64
repúblicas no início de março. Cada uma tem uma história e um estilo (confira nas fotos ao longo da reportagem e nos conteúdos extras no site da PLANT). Elas nem sempre foram uma unanimidade em Piracicaba. Houve períodos em que algumas delas eram malvistas pela vida desregrada, pelo barulho ou pelo tratamento a que submetiam os bixos. Vizinhos reclamavam e houve até movimentos na cidade pedindo a proibição das repúblicas. A pressão surtiu efeito, a própria comunidade tratou de se organizar – foi criado até mesmo um conselho municipal de repúblicas – e elas voltaram a ser uma instituição estimada em Piracicaba. Hoje, praticamente todas as casas seguem normas de conduta semelhantes e compartilham valores que priorizam o envolvimento acadêmico, o respeito e, desde cedo, o orgulho de estar na Esalq. Os espaços de estudo, por exemplo, são território sagrado – em algumas delas, é proibido até levar o celular, para não dispersar a atenção. Os “doutores” zelam pelos “bixos” e muitas vezes até ex-moradores contribuem com a formação da garotada. “Tenho 50 anos de idade e a molecada que está lá agora tem a metade disso ou menos, mas quando passo para fazer uma visita essa diferença não nos impede de conversarmos como amigos”, afirma André Malzone dos Santos Dias, o RG, formado
na turma de 1990. Ele conta que já ensinou até mesmo um dos novatos a andar de bicicleta. “Há situações em que falamos até sobre assuntos que os mais jovens têm dificuldade de discutir com seus pais”, diz. REDE SOCIAL Dias, que morou na república Gato Preto, hoje tem um papel relevante na conexão, de forma mais organizada e sistematizada, dessa nação de esalqueanos. Acaba de assumir a presidência da Associação dos Ex-Alunos da Esalq (Adealq), entidade que completa 75 anos agora em 2018. Há vários anos já atuava nos bastidores pela modernização da associação, ajudando a dar continuidade nas transformações realizadas por gestões anteriores. “Nos últimos 15 anos houve grandes avanços, como a formação de uma plataforma de comunicação envolvendo site, revista e, mais recentemente, o aplicativo para smartphones”, comenta Dias. As ferramentas têm como objetivo agregar egressos sem distinção. “Somando todos os cursos, são cerca de 14 mil ex-alunos de graduação e em torno de 4 mil de pós, e queremos reunir todo mundo”, afirma Dias. Lançado em 2015, o aplicativo foi sucesso imediato. “Ele se tornou a ferramenta mais importante para nosso principal objetivo, que é conectar as pessoas. E hoje, entre 60% e 70% do acesso ao mundo virtual é mobile, então
Na Arado, de 1964, o jovem Terrível identifica, na foto, o pai, Terror, que também viveu ali. Cada casa ostenta a sua bandeira e as panelas penduradas são os troféus das conquistas nos torneios de futebol
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Detalhes da Gato Preto, tambĂŠm de 1964: as botas usadas pelos moradores nas aulas de campo, a sala de estudo onde atĂŠ celular ĂŠ proibido e a comida pronta no fogĂŁo, com um recado importante na parede
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temos de estar nesse meio.” Já conta com cerca de 7 mil cadastros atualizados e ainda traz informações como oportunidades profissionais, serviços prestados pela Esalq e dados de mais de 200 empresas de esalqueanos -- o próprio Dias faz parte dessa lista, pois é sócio da Spark Smarter Decisions, companhia de serviços de informação estratégica pesquisas de mercado com foco no agronegócio. A Adealq é mantida com o apoio de mantenedores, organiza eventos e também difunde conhecimento, através da publicação de artigos dos esalqueanos. Com o site e o aplicativo, transformou uma rede informal, que se materializava nos famosos churrascos da instituição e uma linha de produtos (bonés, camisetas etc.), numa espécie de rede social que possibilita interação, à distância, entre os esalqueanos. Através das ferramentas digitais, permite que se encontre um colega, se descubra novos e se contate qualquer pessoa dessa rede de networking, provavelmente a mais influente do agronegócio nacional. “As atividades que antes eram muito concentradas entre professores passaram a ser compartilhadas com ex-alunos e empresários”, conta. TRADIÇÕES RENOVADAS Da mesma forma que a tradição sustenta alguns dos diferenciais da Esalq, a capacidade – até mesmo por
necessidade – de se adequar às mudanças demandadas pela sociedade também agrega valor à instituição. A diversidade entre os integrantes que compõem a diretoria executiva e o conselho consultivo da Adealq, que ganhou uma maior participação feminina, é um reflexo disso. Na Esalq, hoje, cerca de 50% dos novos alunos são mulheres. Na Adealq, uma delas ocupa agora a direção-geral. Daniela Fabiana Coco, a “Kokão”, é gerente sênior em Agribusiness na PricewaterhouseCoopers (PWC). Logo que ingressou no curso de Engenharia Agronômica da Esalq, em 1994, Daniela percebeu que sua vida como estudante seria desafiadora. A começar pela escolha da moradia. Durante seu estágio, gostou muito da república Sempre Livre, mas não pôde ficar por lá, pois não havia espaço e as moradoras não pensavam em se mudar para uma casa maior. A caloura se juntou a mais quatro garotas e fundou O Beko. “Foi um desafio muito grande para todas. Como ainda estávamos no primeiro ano, recebemos ajuda de muita gente sobre como coordenar tudo, gerir a casa, fazer compras”, lembra Daniela. Mas se o início foi desafiador, a convivência trouxe grandes recompensas. “A maior influência que tive naquele período foi aprender a ouvir e entender que não se ganha nada no grito, algo que é ainda mais fundamental nos dias de hoje.” Daniela se formou em 1999, um ano após sua turma. Essa diferença é
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exatamente o período em que trancou a matrícula para morar em Israel, onde trabalhou em fazendas de pecuária leiteira com altíssima produtividade. Depois de formada, ampliou sua experiência fora do País. Fez mestrado na Nova Zelândia e trabalhou na Fonterra, principal companhia produtora de leite daquele país e uma das mais importantes do mundo. “Contou muito o fato de ser esalqueana.” O Beko está a caminho de completar 25 anos e Daniela continua a ter contato com as moradoras, facilitado, claro, pela tecnologia. “Temos um grupo no WhatsApp e sempre trocamos informações”, confirma. As novas moradoras querem ouvir histórias antigas da república, têm curiosidade de saber como eram as meninas donas dos chapéus que ficaram na casa, quais eram os valores e como era o convívio. “Eu chamo a república de minha casa até hoje”, diz Ana Thereza Ferraz de Almeida Rochelle, engenheira agrônoma que deixou a Esalq, com diploma na mão, em 2010. Enquanto esteve lá, era chamada de T-ta pelas colegas da Café com Leite. “Era uma casa bem legal, a uns três quarteirões da escola. Mas o que faz você optar é o perfil das pessoas, acaba se identificando. E vai ficar ali durante toda a graduação”, relata. O encantamento de Ana Thereza veio bem antes de decidir para qual república iria. Já no ato da matrícula ela viu que o PLANT PROJECT Nº8
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ambiente era bem diferente. Muita gente se aproxima, quer mostrar como é tudo, os lugares dentro do campus. “Há muito orgulho dessa tradição. É até curioso que o pessoal não diz que vai para a faculdade, mas sim para a escola”, comenta. “Me surpreendeu, quando entrei na sala de aula, o fato de não ver uma carteira riscada. Há um amor, um respeito muito grande e uma preocupação em não depreciar, em cuidar da escola e das pessoas.” Segundo a agrônoma, conforme vão conhecendo mais e melhor a escola e sua história, as outras repúblicas, os outros estudantes, esse sentimento só aumenta. Ana Thereza vive hoje uma nova fase dentro da nação Esalqueanos: a de entender como as conexões se transformam em networking e possíveis laços profissionais. Assim que se formou, ela recebeu uma proposta de seu pai, Luiz Henrique Rochelle, para formarem a ATR – Rochelle Projetos Agropecuários, empresa que faz o meio de campo entre agricultores e pecuaristas em busca de financiamento e as instituições financeiras. Em muitos casos, é da rede esalqueana de relacionamentos que vem a ajuda para acelerar algum processo de levantamento de informações. E a agrônoma lembra que essa via é de mão dupla, pois sempre que alguém dessa comunidade necessita de apoio, está pronta para socorrer. 68
Para a jovem Laura Monteiro Malzone chamar a república de sua casa não é saudosismo. Ela ainda é moradora da república Maga Donaire. Aluna do curso de Engenharia Agronômica, Laura, que ganhou o apelido de “Lobato”, vai se formar em julho deste ano. Neste momento, está fora do País, acompanhando um experimento na University of Tasmania, no Sul da Austrália, que avalia a viabilidade econômica de um novo sistema de irrigação para grãos. Essa experiência é um exemplo das conexões esalqueanas. O encaminhamento de Laura veio de Durval Dourado Neto, vice-diretor da Esalq, com quem já havia feito um estágio profissional. Laura tem um perfil diferente da maioria dos alunos que buscam a Esalq. Nascida no bairro do Tatuapé, na Zona Leste da cidade de São Paulo (SP), teve uma criação totalmente urbana. Diante das dúvidas naturais de quem começa a escolher o curso superior, chegou a pensar em publicidade. Seu pai insistiu para que tentasse USP, e buscasse algum curso de engenharia. Acabou optando por agronomia porque tinha na base três disciplinas de que ela gostava bastante: química, física e biologia. “Mas não conhecia nada de solo, não sabia o que era um pivô e tinha medo de vaca”, lembra a estudante. O contato direto com esses temas e a nova percepção sobre o agronegócio
logo mudaram sua visão: “Em Piracicaba o produtor rural é muito valorizado”. Mesmo não tendo terminado o curso, Laura já está na lista de empreendedoras do agronegócio, e fazendo jus a sua juventude. Com 23 anos de idade, tornou-se uma youtuber. Em seu canal Agronãomia, apresenta-se como a primeira do gênero especializada em agronegócio e coloca em pauta diversos temas pulsantes sobre a produção agrícola, como o uso de defensivos agrícolas e os alimentos orgânicos: “Até por minha origem urbana, senti que faltava muita informação sobre o assunto. Também havia muita notícia equivocada sobre a produção de agricultura orgânica”. O fato de ser esalqueana acabou ajudando na divulgação do canal. “É muito interessante, pois primeiro o pessoal abraça você e depois abraça a causa”, diz Laura. Esse é o espírito da nação esalqueana. Essa rede de conexões, hoje potencializada pela Adealq, é um reflexo da tradição que vem da própria escola, uma relação muito particular que não se vê em outras instituições. Ao menos não com tal abrangência e tamanha intensidade. A situação é a seguinte: quando esalqueanos se encontram, ainda que não se conheçam, que nunca tenham se visto, basta identificarem a origem acadêmica em comum para se verem como velhos amigos, cidadãos com uma mesma nacionalidade.
FUNDAÇÃO – Criada em 3 de junho de 1901, com o nome de Escola Agrícola Prática São João da Montanha, foi instalada em uma área doada por Luiz Vicente de Souza Queiroz ao governo do estado de São Paulo.
NOVO NOME – Em 1931, passa a ser chamada de Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq), em homenagem a seu idealizador.
INFRAESTRUTURA ÁREA TOTAL 3.825,4 HECTARES (corresponde a 48,85% da área total da USP)
ÁREA DO CAMPUS “Luiz de Queiroz”: 914,5 HECTARES
Dados do Posto Agrometeorológico da Esalq
• Latitude: 22 42’ 30” sul • Longitude: 47 38’ 30” oeste • Altitude: 546 m
ALUNOS Cerca de
PROFISSIONAIS FORMADOS
circulam pelo campus da Esalq, sendo
15,4 mil em graduação
3 mil estudantes
• Mais de
2 mil da graduação • Mais de e mais 1 mil de 9,6 mil em pós-graduação pós-graduação CURSOS DE GRADUAÇÃO (7) • Administração • Ciências Biológicas • Ciências dos Alimentos • Engenharia Agronômica • Engenharia Florestal • Gestão Ambiental • Licenciatura em Ciências Agrárias e Ciências Biológicas DEPARTAMENTOS (12) • Agroindústria, Alimentos e Nutrição • Ciência de Solo • Ciências Biológicas • Ciências Exatas • Ciências Florestais • Economia, Administração e Sociologia • Engenharia de Biossistemas • Entomologia e Acarologia • Fitopatologia e Nematologia • Genética • Produção Vegetal • Zootecnia
ÁREA CONSTRUÍDA no campus “Luiz de Queiroz”: 262.320,23 m2
SERVIDORES • Docentes:
246
• Técnicos e administrativos:
520
LABORATÓRIOS
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PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO (18) • Administração • Bioenergia (interinstitucional) • Bioinformática (interunidades) • Ciência Animal e Pastagens • Ciência e Tecnologia de Alimentos • Ecologia Aplicada (interunidades) • Economia Aplicada • Engenharia de Sistemas Agrícolas • Entomologia • Estatística e Experimentação Agronômica • Fisiologia e Bioquímica de Plantas • Fitopatologia • Fitotecnia • Genética e Melhoramento de Plantas • Internacional – Biologia Celular e Molecular Vegetal • Microbiologia Agrícola • Recursos Florestais • Solos e Nutrição de Plantas
UNIVERSIDADE – No ano de 1934, a Esalq torna-se uma das unidades da recém-fundada Universidade de São Paulo.
EXEMPLOS DE CONTRIBUIÇÕES DA ESALQ AO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO • A introdução de genótipo adaptado para obtenção de verduras e hortaliças reduziu o problema de sazonalidade e a dependência de genótipos importados. • O método científico aplicado à agricultura permitiu alcançar produtividade até quatro vezes maior que a observada até os anos 1950. • A introdução e a adaptação de raças de animais para leite, carne e ovos ajudaram a tornar o Brasil o maior exportador de carne do mundo. • Os ganhos de produtividade agrícola e pecuária decorreram de pesquisas de manejo de solos e nutrição de plantas e animais, trocando o ambiente extrativista por padrões internacionais de produtividade sustentável. • Revolução da área florestal com a introdução de espécies adaptadas, fomentando a indústria de papel, energia, madeira certificada, móveis e recomposição florestal, e priorizando redução do desmatamento e proteção do solo e dos recursos hídricos. • A indústria de açúcar e etanol garantiu sua fundamentação a partir de referências científicas e tecnológicas da Esalq, que permitiram melhor exploração da cultura de cana e ganhos importantes em eficiência do processo de fermentação industrial. • Pesquisas em defesa sanitária para o controle de doenças como carvão da cana-de-açúcar e o cancro cítrico. • Informações para a formação de políticas públicas junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para a concessão de financiamentos e contratação de seguros agrícolas. • O ambiente técnico, acadêmico e profissional da Esalq foi determinante para a formação da Embrapa. PLANT PROJECT Nº8
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ESALQUEANOS Há um certo senso de orgulho em todos os profissionais de Ciências Agrárias do País. Quem poderia não se orgulhar de contribuir para o avanço do setor mais relevante da economia nacional? Absolutamente todo cidadão brasileiro, e muitos fora do Brasil, da hora em que acordam à hora de dormir, comem e bebem agronegócio, vestem agronegócio, abastecem agronegócio, usam agronegócio. Temos orgulho, sim. O brasileiro também tem orgulho, sim. Haverá ofício mais nobre do que o de produzir alimentos? Segurança alimentar é paz, nos lembra nosso esalqueano e ex-ministro Roberto Rodrigues. Somos, portanto, mensageiros da paz. Há um orgulho adicional em ser esalqueano. Esalqueanos ostentam o nome da “Luiz de Queiroz” por onde passam. Esalqueanos procuram-se nos recantos mais longínquos. Esalqueanos, sempre que podem, regressam à alma mater. É claro que existem excelentes profissionais de diferentes faculdades de Agrárias no País. Mas não nos tiram o panache... A Esalq atrai, transforma e liberta os seus a cumprir missão vitoriosa. Seria temerário tentar aqui listar, sob o altíssimo risco de esquecer alguém, esalqueanos que foram e são fundamentais na história do agronegócio no País. Foram muitos. São muitos. Foi emblemático o momento no Global Agribusiness Forum de 2015 em que os esalqueanos foram chamados ao palco, deixando a plateia meio vazia. Mas esse espaço, que honrosamente inauguramos, fará jus a esses esalqueanos e suas obras, que aqui serão citados, lembrados, visitados. Mas o que é ser esalqueano? Dizia o Analista de Bagé, impagável personagem de Verissimo sobre sua infância: O que não aprendi no galpão, aprendi atrás do galpão. A Esalq, dentro das salas de aula, nos deu conhecimento de excelência. Plantar, criar e conservar, a Esalq existe para ensinar. A Esalq, fora das salas de aula, nos deu muito mais do que isso. Esse muito mais traduz-se nesse sentimento de irmandade que acomete os esalqueanos pela vida toda, sentimento forjado nas alegrias e tristezas, nas agruras do primeiro ano, na vida da república, nas ruas de Piracicaba, nas celebrações, nos amores esalqueanos, nas amizades esalqueanas. Amizades da sua turma, das turmas que passaram antes, das turmas que passaram depois,
POR FERNANDO SAMPAIO*
da turma dos parentes esalqueanos, da turma do time, da torcida, da Atlética, da república, dos esalqueanos da mesma cidade, do mesmo estágio, dos amigos dos amigos dos esalqueanos. E esalqueanos são versáteis. Há esalqueanos do Oiapoque ao Chuí. Há Associações de Esalqueanos no Mato Grosso (imbatível Aemat), no Mato Grosso do Sul, em Rondônia, em São Paulo, e na região de Campinas (a Aecamper) quiçá haverá outras. Há esalqueanos nos cinco continentes. E há a Adealq, associação de todos os ex-alunos da gloriosa, mãe de todos nós. Há esalqueanos em multinacionais, em tradings, indústrias de alimentos, bancos, fundos de investimentos, fazendas, ONGs, redes varejistas, ministérios, secretarias, Big4, universidades. Há os empresários, os produtores, os melhoristas, os extensionistas, os consultores e até os cervejeiros. É uma formidável network, diríamos nestes tempos modernos. Um Posto Ipiranga do agronegócio. Dados econômicos? Perguntamos a um esalqueano. Aquela manchinha na folha de soja? Perguntamos a um esalqueano. Oferta de milho para confinamento? Esalqueano. Vagas para agrônomos? Esalqueano. Preço do boi? Esalqueano. Carona para Cuiabá? Esalqueano. Cerveja? Esalqueano. Doação de sangue? Esalqueano. Até rezamos uns pelos outros, sempre que solicitado. Mas enxergar essa rede de relações sólidas apenas como oportunidade de negócios é diminuí-la. Acredite, onde esalqueanos estiverem eles se encontrarão. Mesmo que não precisem de nada um do outro. E, mesmo que não se conheçam, sentarão juntos. E, caso se conheçam, melhor ainda. Perguntarão dos amigos, e se lembrarão de histórias, e de jogos de rúgbi, e de professores, e de festas memoráveis, e de viagens juntos, e de muitas outras coisas. E aprenderão sobre o que o outro anda fazendo. Talvez seja essa a razão desse laço duradouro. A vida nem sempre é fácil depois que deixamos os bancos escolares. Aliás, nunca é fácil. Mas é mais leve quando olhamos para o lado e reconhecemos naquele que ostenta o “A” Encarnado alguém com quem partilhar essa jornada. Alguém que acredita, como você, na vocação deste País. Alguém que viveu algo que você também viveu. Alguém desse bando de irmãos. *Fernando Sampaio é engenheiro agrônomo pela Esalq/USP (Alma F97) e atualmente é diretor executivo da Estratégia Produzir, Conservar e Incluir do Estado do Mato Grosso.
A Coluna Esalqueanos é publicada em parceria com a Adealq, Associação dos Ex-Alunos da “Luiz de Queiroz” – há 75 anos conectando Esalqueanos.
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Um olhar com lupa sobre as operações agrícolas
www.solinftec.com.br
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O INVERNO DAS ABELHAS Cientistas e empresas buscam soluções para combater a mortandade de insetos, que ameaça o equilíbrio ecológico e a produtividade das lavouras
foto: Shutterstock
Por Débora Crivellaro
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natureza tem os seus caminhos. A cada ano, quando o inverno chega ao Hemisfério Norte, as temperaturas baixas promovem um processo de seleção natural de várias espécies animais. As abelhas, por exemplo. Até o início da década, cerca de 5% da população desses insetos – que além de produzir mel são importantes agentes polinizadores, trazendo benefícios importantes para a agricultura – não resistiam aos rigores da estação. Mas, nos últimos anos, os apicultores estão em alerta. Em várias regiões dos Estados Unidos esse fenômeno se intensificou, levando a mortandade nas colmeias a níveis superiores aos 40%. E, desde 2014, eles começaram a reportar perdas inclusive no verão – em 2015, chegaram a perder até 25% de seus insetos. Ano a ano, espécies diferentes passam a integrar listas de animais ameaçados de extinção. Os dados americanos refletem um alarme de alcance global e inquieta a comunidade científica do mundo todo. O desaparecimento maciço das abelhas traz efeitos graves para o equilíbrio ecológico e para a produção de alimentos – elas são as principais responsáveis pela polinização de mais de cerca de 70% das culturas agrícolas. Tanto que o mercado global de polinização está estimado pela ONU em US$ 54 bilhões. Apenas nos Estados Unidos, a conta chega a US$ 15 bilhões. Não há um único vilão para essa matança em série, mas sim vários fatores, mais decisivos ou não, dependendo da região e da cultura local. O fato é que pesquisadores da área – e eles são muitos – estão debruçados sobre projetos, testando soluções para estancar esse extermínio. Alterações climáticas são apenas uma das variáveis sobre a mesa dos estudiosos
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para explicar o desastre, batizado pelos cientistas de Colony Collapse Disorder (CCD). O uso irregular dos defensivos agrícolas é uma das hipóteses mais estudadas e, por isso, tem gerado uma mobilização intensa da indústria em torno do tema. ESPÉCIES EM PERIGO Aqui no Brasil, apesar de o sumiço das abelhas ser uma realidade preocupante, há várias iniciativas muito promissoras, muitas em andamento. Segundo dados do geneticista brasileiro Warwick Estevam Kerr, aproximadamente um terço das espécies do gênero Meliponina, conhecidas como abelhas sem ferrão, estão em risco no País. Utilizadas como indicadores do ambiente e da biodiversidade, a densidade populacional das abelhas sem ferrão, bem como de outros polinizadores, está sendo reduzida a níveis que podem afetar os serviços de polinização nos ecossistemas naturais e agrícolas, comprometendo a capacidade reprodutiva de plantas e animais silvestres. Pragas e doenças, uso indiscriminado de agroquímicos, mudanças climáticas, desmatamento e fragmentação de matas e florestas são as causas do problema. A seca dos últimos anos também prejudicou muito a sobrevivência das colônias. “Cada avanço do conhecimento que temos sobre biologia, locais de nidificação, nutrição e alimentação é um tijolinho que colocamos no processo de preservação das espécies de abelhas”, diz Fábia de Mello Pereira, pesquisadora da área de Apicultura e Meliponicultura da Embrapa Meio-Norte e uma das responsáveis pelo Simpósio sobre Perda de Abelhas, promovido pela entidade em outubro
ABELHAS COM CHIP Outro trabalho revolucionário está sendo tocado pelo Instituto Tecnológico Vale (ITV), em Belém, no Pará, em colaboração com a Organização de Pesquisa da Comunidade Científica e Industrial (CSIRO, na sigla em inglês), na Austrália.
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passado, em Teresina, Piauí. Participaram do evento vários pesquisadores brasileiros que possuem trabalhos reconhecidos na comunidade científica internacional e acadêmicos de importantes instituições do Exterior, como o pesquisador Yves Le Conte, do National Institute for Agricultural Research, na França, e David W. Roubik, do Smithsonian Tropical Research Institute, no Panamá, um escritório do americano Smithsonian Institute. A própria Fábia está à frente de um dos projetos mais promissores. Intitulado “Conservação de Recursos Genéticos de Insetos Polinizadores”, ele mantém bancos de germoplasma em várias regiões do Brasil, conservando algumas espécies de abelhas nativas. O trabalho foi iniciado em 2006 com oito espécies de abelhas sendo conservadas nas regiões Norte e Nordeste e atualmente possui mais de 16 espécies sendo criadas. A meta, segundo Fábia, é ter 21 espécies até 2020.
Os cientistas dessas instituições criaram microssensores – quadrados com 2,5 milímetros de cada lado e peso de 5,4 miligramas –, que são colados no tórax das abelhas da espécie Apis mellifera africanizada. O objetivo é avaliar o comportamento desses insetos sob a influência de pesticidas e de eventos climáticos. Uma parte do experimento está sendo conduzida na Austrália e a outra, no Brasil. Cada sensor tem um código gravado, que funciona como a identidade da abelha. Ele é composto por um chip com memória de 500 mil bytes – suficiente para guardar dados a cada segundo por quase uma semana –, uma antena e uma bateria. As informações sobre o movimento das abelhas captadas pelo chip são retransmitidas para antenas instaladas no entorno da PLANT PROJECT Nº8
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colmeia e em estações de alimentação, e depois transferidas para um centro de controle. Com os dados, a equipe constrói um modelo tridimensional da movimentação dos insetos, que permite saber se eles estão agindo naturalmente ou se estão desorientados. Estima-se que o Brasil tenha mais de 3 mil espécies de abelhas, mas menos de 5% delas são utilizadas em criação racional, o que dificulta ainda mais essa estimativa. A ONG “Sem Abelha Sem Alimento” possui o aplicativo Bee Alert, no qual apicultores e pesquisadores podem documentar voluntariamente as ocorrências de perda de abelhas. Segundo o professor Lionel Segui Gonçalves, um dos idealizadores do projeto, os registros entre março de 2014 e agosto de 2017 foram de 20 mil colônias. Acredita-se que 90% da perda desses insetos tenha relação direta com a ação dos 76
pesticidas nas lavouras, mas essa estimativa se refere somente às espécies criadas e o problema atinge todas as abelhas. Os agentes agressores seriam os componentes químicos presentes nos neonicotinoides, classe de defensivos agrícolas mais utilizada no mundo. O principal objeto de estudo da professora Roberta Nocelli, do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) é justamente o efeito dos agroquímicos na extinção das abelhas, pelo menos no Brasil. “O maior de todos os problemas é a perda de mata nativa”, diz Roberta. “Muitas abelhas não se adaptam ao ecossistema urbano.” Segundo a pesquisadora, o problema não seriam os pesticidas em si, mas a forma como eles são pulverizados nas culturas. Além disso, de acordo com ela, no País há a utilização de muitos produtos falsificados, ilegais. “Todo esse processo deveria ser mais fiscalizado.” A
professora da UFSCar diz que ainda não se pode falar em colapso das colmeias no Brasil. “Esse fenômeno não acontece no Hemisfério Sul, só no Norte”, diz. ATAQUE E DEFESA Além do frio mais intenso e da baixa imunidade das abelhas, os EUA também sofrem com o uso inadequado de pesticidas. Um estudo, publicado na revista Proceedings of the Royal Society B, analisou o papel de 24 fatores na explicação do declínio de quatro espécies de abelhas, rastreadas em 284 colônias em 40 estados dos EUA . Isso incluiu latitude, elevação, tipo de habitat e danos, população humana e uso de pesticidas. Em primeiro lugar vieram os fungicidas, segundo os autores do trabalho, da Universidade de Cornell, nos EUA. Em particular, o clorotalonil, o mais usado nos EUA. A evidência do dano grave às abelhas causado pelos neonicotinoides foi mostrada em outra pesquisa,
da Universidade de Dundee, no Reino Unido. Segundo o estudo, a substância reduz em 50% a sobrevivência das abelhas. Envolvida no cerne da questão, a indústria de defensivos se mobiliza. O estudo da UFSCar é uma das bases do Compromisso 2020, capitaneado pelo Sindiveg (Sindicato da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal) e com a participação de 14 fabricantes de químicos – entre eles grandes grupos como Syngenta, Basf, Bayer, Arysta, Dow, FMC e a brasileira Ourofino. O programa deu novo vigor ao projeto Colmeia Viva, que desde 2014 procura mapear boas práticas no manejo de agentes polinizadores e incentivar a correta aplicação dos defensivos pelos agricultores. A UFSCar, em conjunto com a Unesp, trabalha na produção do Mapeamento de Abelhas Participativo, uma ferramenta que permite receber informações sobre a situação de colmeias em todo o Brasil. As indústrias se propõem a capacitar suas equipes de vendas para difundir junto a distribuidores e agricultores a importância de preservar os insetos aplicando os químicos corretamente. A melhor forma de tratar disso parece ser o bolso. Algumas culturas, como as amêndoas produzidas e exportadas para o mundo inteiro pelos Estados Unidos, dependem quase que exclusivamente desses insetos na polinização e produção de frutos. A maçã, o melão e a castanha-do-pará, por exemplo, também são dependentes deles. Até mesmo nas lavouras de soja
– principal cultura do Brasil, ocupando cerca de 35 milhões de hectares -- o impacto é mais do que relevante. Estudo do pesquisador Décio Gazzoni, da Embrapa Soja, mostra que a presença de abelhas pode elevar a produtividade de forma significativa -- de 5% a 20%, conforme a qualidade do processo de produção. “A contribuição das abelhas fica mais evidente quando o teto de produtividade é alto. Ou seja, quando foi feita adubação correta, o clima é bom e a variedade é a mais adequada, o ganho com a polinização se expressa melhor”, afirma Gazzoni.
como maçã, que dependem das abelhas para a sua produção. Por aqui, paga-se mais de R$ 80 por caixa. Em outro front, universidades e startups buscam alternativas tecnológicas para substituir as abelhas. Pequenos drones programados para agir como polinizadores já são testados por pesquisadores japoneses e até mesmo por estudiosos da Universidade Harvard, nos Estados Unidos. O estudo mais adiantado é o do National Institute of Advanced Industrial Science and Technology, em Tsukuba, no Japão, que desenvolveu protótipos
O MELHOR INVESTIMENTO O número cada vez menor de abelhas acabou gerando a expansão de negócios baseados no aluguel de colmeias para produtores. Nos Estados Unidos, os chamados beekeepers cobram em torno de US$ 180 pelo aluguel de uma colmeia e, assim, movimentam um mercado estimado em US$ 500 milhões ao ano. No Brasil, o serviço também tem atraído cada vez mais clientes, principalmente nas regiões produtoras de frutos
de abelhas robôs dotadas de um gel capaz de retirar pólen de uma planta e transportá-lo até outra. Diretora executiva da organização Pollinator Partnership, uma entidade sem fins lucrativos que se dedica a chamar a atenção para a questão, Laurie Adams propõe, porém, uma abordagem diferente para um futuro mais próximo e mais natural: “Eu investiria no sistema milagroso que já temos ao invés de buscar uma solução mecânica”. PLANT PROJECT Nº8
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REIMAGINANDO A AGRICULTURA BRASILEIRA
TODOS PELO AGRO DO FUTURO Plataforma digital Reimagine Agro pretende unir pesquisadores, produtores, empresas de tecnologia, fabricantes de insumos e consumidores e debater os principais desafios do setor
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os últimos anos, a internet e as redes sociais transformaram radicalmente a forma como vivemos, trabalhamos e nos comunicamos. Informações preciosas que até outrora estavam disponíveis apenas nas bibliotecas, hoje estão a um clique de distância. Pesquisas que poderiam levar anos para serem concluídas, atualmente são realizadas em uma fração desse tempo. No agronegócio não seria diferente. Motor da economia brasileira há décadas, o setor tem se mostrado também um celeiro de inovações tecnológicas — fato que tem impactado diretamente no dia a dia dos agricultores e resultado em um
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aumento significativo da produtividade em campo. Uma dessas novas ferramentas é a Reimagine Agro (www. reimagineagro.com.br), uma plataforma criada com o objetivo de democratizar o conhecimento no meio rural e estimular o debate em torno de questões importantes para o desenvolvimento da agricultura no Brasil. Através de espaços virtuais de compartilhamento de conhecimentos, a plataforma pretende unir produtores, consumidores, pesquisadores, empresas de tecnologia, fabricantes de insumos, estudantes, universidades e governo para promover discussões profundas sobre os
principais desafios do setor agropecuário no Brasil. “Reimaginar a forma como fazemos a agricultura brasileira hoje, buscando adaptar as práticas agrícolas e de negócio atuais para suportar os desafios que nosso setor tem pela frente, esse é o propósito da Reimagine Agro” afirma Everton Molina, Gerente de Acesso a Mercado e Comunicação Integrada da Ourofino Agrociência, empresa idealizadora da plataforma. “A ideia é que toda a cadeia produtiva exponha suas ideias e experiências num ambiente único e colaborativo, que abordará temas relevantes e que impactam diretamente diversas frentes de nosso
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negócio: boas práticas agrícolas, engenharia genética, agricultura digital, novas formas de comercialização, economia, sustentabilidade, modelos de negócios, novos produtos entre outros. Para isso, é importante que os participantes tenham o mesmo objetivo ao participar da plataforma: colaborar para que juntos possam Reimaginar a Agricultura Brasileira e assim estabelecer uma relação ganha a ganha entre os diferentes players participantes e que irá beneficiar o setor e toda a economia brasileira”, afirma Campos. Gratuita e aberta a todos os interessados, a ferramenta conta com dois espaços de colaboração: jornadas e comunidades. Com começo, meio e fim, as jornadas têm como objetivo discutir temas específicos ao longo de quatro etapas — todos os usuários cadastrados poderão contribuir com comentários, estudos, vídeos e imagens. Os debates serão moderados por especialistas externos, isentos de questões comerciais e reconhecidos como referência no assunto em questão. Já as comunidades possuem temas fixos e ficam constantemente abertas para que todos interajam com ideias e opiniões a qualquer momento. Entre os temas inicialmente propostos estão questões atuais, como as mudanças climáticas, o crescimento da população mundial, o aumento da demanda por alimentos, entre outros. Os usuários também poderão sugerir novas pautas para discussão a qualquer momento. Apesar da
diversidade de assuntos, o objetivo da Reimagine Agro é sempre o mesmo: fomentar o debate em alto nível para que os membros da plataforma encontrem, juntos, um denominador comum e sejam responsáveis por iniciar as transformações necessárias para o pleno desenvolvimento do setor agrícola no país. A plataforma será lançada oficialmente no início de abril e o tema da primeira jornada já está definido: “O futuro do produtor de cana”, discussão que será moderada pelo gestor da Organização de Plantadores de Cana da Região Centro-Sul do Brasil (Orplana), Celso Albano de Carvalho. “Nós vamos utilizar a plataforma para continuar os debates que antes ficavam restritos às reuniões e palestras. A Reimagine Agro nos permitirá ganhar uma escala maior de comunicação”, afirma o executivo, lembrando que somente a Orplana possui mais de 11 mil produtores associados em 422 municípios espalhados por seis estados do Brasil. “É um setor muito pulverizado, não dá para fazer uma coisa apenas física. A plataforma é uma ferramenta muito oportuna.”
A ideia é que a jornada “O futuro do produtor de cana”, durante seu processo colaborativo, aborde subtemas importantes, como a formação de condomínios para a produção de cana, a gestão da informação e sistemas de gestão, entre outros. “Os produtores passam a ter uma oportunidade que não tinham antes. Eles participavam de reuniões e depois voltavam para casa. As discussões não prosseguiam, não tinha uma continuidade”, afirma Carvalho. “A plataforma serve como extensão do debate. É um canal de comunicação direto com o produtor, inclusive com aqueles que não estão tão próximos”. “Unir a indústria com os agricultores, a universidade com consumidores, todos juntos em prol do desenvolvimento da agricultura brasileira. Essa plataforma não é de apenas uma empresa, mas sim de todo um setor. É chance de compartilharmos boas práticas de diversas culturas em um único lugar semelhante ao que já existe em diversas cadeias produtivas, em vários locais do planeta”, concluí Campos.
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O GENERAL DO AGRONEGÓCIO Conheça as armas do cientista Evaristo de Miranda, chefe-geral da Embrapa Territorial, que transformou a instituição no QG da defesa do agronegócio Por Luiz Fernando Sá
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or fora, o ambiente é bélico. Uma zona militar de Campinas, no interior de São Paulo. Cruza-se com soldados fazendo exercícios, veículos do Exército, alguns antigos blindados dispostos ao longo da estrada. No alto da colina, um prédio envidraçado. Ali está o quartel-general. O comandante é um homem falante, entusiasmado com as armas de que dispõe: “Numbers, maps and facts”, diz em inglês. Não por arrogância, mas por precisão – afinal, não raramente o inimigo é estrangeiro. Evaristo de Miranda gosta das batalhas. À frente do batalhão de pesquisadores e técnicos da Embrapa Territorial, tem sido um dos principais estrategistas dos embates que o agronegócio brasileiro enfrenta em diversos fronts. Com números, mapas e fatos, o exército de Miranda fornece munição para as autoridades nacionais defenderem, interna e externamente, posições importantes relacionadas à produção agropecuária. O mais recorrente combate acontece no terreno ambiental. O Brasil é frequentemente acusado de negligenciar a preservação
de nossas reservas de vegetação nativa e fechar os olhos para o desmatamento da Amazônia. Não raramente o agronegócio – assim, de forma genérica – é apontado como vilão. Com números, mapas e fatos, Miranda contra-ataca. Abre, na tela da TV de sua ampla sala no QG do agro encravado a poucos quilômetros da Escola Preparatória de Cadetes do Exército, uma apresentação em PowerPoint de onde saltam imagens e dados garimpados por sua equipe nas mais diversas fontes, dos registros do Cadastro Ambiental Rural aos computadores da Nasa. “O que está sendo produzido aqui está mudando a narrativa do agronegócio brasileiro”, afirma. “O objeto da Embrapa Territorial é o território da agricultura. Nosso objetivo é conhecer a dinâmica do uso e ocupação das terras no Brasil. Como elas estão sendo usadas e ocupadas, especialmente pela agropecuária. Fazemos isso para orientar o Estado brasileiro nas políticas públicas e para orientar o agronegócio. Temos a pretensão de ser quem mais entende de agricultura no Brasil, os que mais estão a par de tudo.”
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Na mesma manhã em que Miranda recebia a PLANT, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, duelava com grupos ambientalistas no Fórum Econômico Mundial, em Davos. O general do agro falava com satisfação de quem venceu uma batalha. “O ministro falou em Davos com dados que saem daqui. A imagem de que a agricultura do Brasil desmata, destrói, é tudo territorial. O questionamento que sofremos lá fora é territorial. Não adianta falar que determinada soja é orgânica, sustentável. Logo vão nos perguntar: ‘Ah, é na Amazônia? Então não quero’. A narrativa de que nossa agricultura desmata, não é sustentável, está caindo por terra com os números, quando mostramos, no uso, que as culturas agrícolas ocupam 7,8% do território do Brasil. Quase 9 milhões de hectares de cana, 7,8 milhões de hectares de eucalipto, toda a área de fruticultura, 240 milhões de toneladas de grãos. Tudo isso em 7,8%. Se o sujeito falar que isso aí está destruindo o planeta, realmente é uma falácia.”
A sensação de vitória, pelo menos parcial, provém do fato de que muitas vezes as autoridades brasileiras deixaram de usar a munição preparada na Embrapa Territorial e se calaram diante de críticas nem sempre justas. A mais notória delas aconteceu no ano passado na Noruega. Em uma visita ao país, o presidente Michel Temer foi alvo de protestos e recebeu críticas até da primeira-ministra norueguesa, Erna Solberg. Ela se disse preocupada com os movimentos no Brasil para “reduzir a força favorável ao meio ambiente” e anunciou a redução da contribuição da Noruega ao Fundo da Amazônia. O presidente não respondeu. “Há cerca de dois ou três anos, temos levado esses dados em encontros internacionais. Ninguém contesta, porque é a Embrapa. Numbers, maps and facts. A Embrapa é números, mapas e fatos. Se for contestar, mostre onde está errado. Outro dia apresentamos os dados do Mato Grosso, em Cuiabá, para 80 formadores de opinião. Gente importante, de mídia, ongs, com várias perspectivas. Aí alguém levantou e falou que não era 82
bem assim, que os números eram maiores. Repliquei: agricultura no Mato Grosso é 10% do território do estado. Tem mais de 60% do território protegido. Os produtores preservam 38% do estado. É o estudo mais completo já feito. E disse: se o meu dado está errado, me diga onde eu errei. Então me diga onde o dado está errado. Se alguém me apresentar um dado melhor, eu dou graças a Deus e bato palma. Já teve um estagiário que me corrigiu há alguns anos e até hoje eu agradeço, porque ele viu um erro que nós pesquisadores não tínhamos visto. Encerrei com uma frase do finado senador americano Patrick Moynihan, ex-embaixador dos Estados Unidos na ONU: ‘Nas democracias, todos têm direito a ter sua opinião pessoal. Mas ninguém tem direito a ter fatos pessoais’. Fato é fato.”
Miranda é uma metralhadora de dados e frases contundentes. Ele volta ao PPT e a narrativa avança com o apoio da sobreposição de mapas. O tema é a atribuição de terras pelo Governo brasileiro, a imensidão destinada, por lei, a parques federais, estaduais e municipais, reservas indígenas e muito mais. Não se posiciona contra o fato, mas combate quem ignora a amplitude do que é preservado, oficialmente ou pela iniciativa privada. “O Brasil acabou. Não tem terra para mais nada. A terra está caríssima. O pessoal está indo para o Paraguai, para a Austrália, até para a África. E por que aqui acabou? Primeiro porque atribuímos terras para as unidades de conservação. Hoje o Brasil tem 1.871 unidades de conservação, que são 18% do País. São áreas que, na maioria dos casos, você não consegue nem entrar. Outras, como as Apas, têm um plano diretor que regulamenta. Critério da ONU. Tenho banco de dados de cada uma delas. Também atribuímos terras aos índios. Hoje temos 600 terras indígenas. Mantemos arquivos completos de cada uma. São 14% do Brasil. Seguimos o critério da ONU para terras protegidas. Os dados estão todos lá, do mundo todo. Na Rússia, todos os parques mais as terras dos índios deles. No Canadá, parques mais as etnias tradicionais. Descontamos as sobreposições.”
Ele clica e os mapas se sucedem, como numa animação. E ressalta como eles se encaixam. Tudo coincide, parece planejado para fechar, como por obra do Espírito Santo. É um planejamento incrível. Uma muralha verde para impedir o avanço da agricultura. Quando você cria unidades como muralha verde, elas não têm sustentação. Então pipoca na tela um gráfico com barras. E a artilharia avança. “Baixamos os dados de todos os países com mais de 2 milhões de quilômetros quadrados. E fui ver quanto eles protegem e quanto a gente protege. Os outros (China, Índia, Austrália, EUA, Canadá, Rússia), em média, 10% do território. O Brasil, 30%. Três vezes mais. Grande parte, no caso deles, é área sem potencial, desertos. Não sei se 30% é muito ou pouco, mas apanhar dizendo que a gente não protege, como é a narrativa que está lá fora, não dá. Estamos indo para cima disso porque não corresponde à verdade. A Austrália pode falar alguma coisa? OS EUA podem abrir a boca? O Brasil já fez a escolha, disse que 30% não vai usar. Se tratar o Mato Grosso como um país, só perde para o Brasil, ganha de qualquer outro país. E o Brasil só perde para os estados da Amazônia. Nossas áreas são efetivamente protegidas. Juntas, equivalem a 15 países da Europa.” PLANT PROJECT Nº8
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Brasil, só tem três bocas de rio para entrar nele. Tem três flutuantes do Ibama lá. Ninguém entra no Jaú. Os agricultores preservam 177 milhões de hectares por ano, de graça. Se dessem esse dinheirinho aos agricultores todo ano... Estamos fazendo essa conta, só para dizer que o agricultor precisa receber alguma coisa para manter esse negócio. Os agricultores reservam 21% do Brasil para manter a vegetação nativa. Quanto eles recebem? BRASIL – ATRIBUIÇÃO, OCUPAÇÃO E USO (2016)
Diante da grande mancha verde de áreas preservadas no mapa brasileiro, o comandante Miranda recalibra a mira. Não é um gesto belicoso, mas de civil indignado. Interrompido por uma pergunta sobre frequentes invasões da área manchada, sobre a fragilidade da fiscalização no que a lei manda manter intocado, não se esquiva e procura a resposta no seu território: números, mapas e fatos. “Há uma questão de gestão dessas áreas. Tem dinheiro destinado a isso, muito dinheiro para cuidar dessas áreas. Nossos parques não são desertos, não é Sibéria, não são o Alaska. Têm madeira, têm minério, têm um monte de coisa. Quando você toma a decisão de, mesmo assim, abrir mão dessa riqueza, é como pegar uma praça, encher de dinheiro e dizer: ‘A partir de agora é proibido entrar nessa praça’. Então, ou coloca uma guarda pretoriana em torno ou vai ser muito difícil evitar que entrem. Temos que ter ciência disso. Ao criar unidades que têm potencial econômico enorme, vai ser difícil mantê-las intactas. Isso tem de ser cobrado, porque o dinheiro que é gasto com isso todo ano é grande. Tem dinheiro da Noruega, do mundo todo para isso. Se pegar o ICMBio, a Polícia Florestal, o gasto por hectare é de 5 a 10 reais por ano. Precisa mais dinheiro (para a fiscalização)? Não, o dinheiro foi gasto em viagem, reunião, ong, seminário. Tem que discutir o recurso. A maioria dos parques está bem cuidada, porque é o fim do mundo. O parque do Jaú, que é o maior do 84
USA – ATRIBUIÇÃO, OCUPAÇÃO E USO (2016)
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Engenheiro agrônomo com mestrado e doutorado em Ecologia pela Universidade de Montpellier, na França, Miranda estuda há quase 40 anos as relações entre ambiente e atividade econômica, sobretudo a agricultura. Tem 45 livros publicados, nos quais trafega pela antropologia, pela religiosidade e, é claro, pelo universo rural. Como cientista, seu olhar é sempre crítico. “Criam parque em cima de gente. O parque invade o agricultor. Ele já estava lá. Tem uma teoria no meio ambiente que é da desantropização. Ele diz que tem de desantropizar, tirar as pessoas de lá. Já fiz cálculos mostrando o impacto disso em algumas áreas em que haviam milhares de pequenos agricultores. Faz o quê? Eles vão morrer. Já o burocrata, esse não precisa desantropizar. Tem salário do Governo, salário que vem de fora. Sócrates, Platão, Heidegger, Hegel. Na história da filosofia, sempre se vê duas linhas, os realistas e os idealistas. Os idealistas são daquela linha que diz: ‘Tenho uma ideia, que é muito bacana, e a realidade tem de se adaptar a ela. Essa minha ideia tem de mudar a realidade’. É o que a gente vive nessa área. Os realistas, como o nome diz, partem da realidade para ver como melhorar, para onde a gente vai. Nos Estados Unidos há movimentos que dizem que se você quer defender a agricultura local tem de ter florestas no Brasil. Mais do que dar dinheiro para subsídios, tem de dar dinheiro para ongs impedirem o avanço da agricultura no Brasil. Não é teoria da conspiração. As grandes federações de produtores americanos têm documentos sobre isso. Existe um mercado de US$ 70 bilhões a mais em produção de alimentos nos próximos 30 anos e quem tem de ficar com esse dinheiro são os Estados Unidos. Só tem dois países que podem ficar com isso aí. E a pergunta que fica é: É só a proteção da natureza ou tem coisa a mais?”
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A reflexão é rápida e mais dados o esperam. E mapas. Ele está diante de novos fatores: a reforma agrária e a questão quilombola. “O Estado atribui terra também para a reforma agrária. Para o meio ambiente, foi Fernando Henrique. Mas no governo Lula foi muita coisa para a reforma agrária. Temos hoje 9.349 assentamentos. Somam 88,5 milhões de hectares. Toda área de plantio no Brasil é de 60 milhões de hectares. Já demos para a reforma agrária mais terra que temos cultivada no País. Já demos 10% do Brasil, ou 20% do Brasil que dá para usar. O Incra e os institutos de terra dos estados têm o maior latifúndio do Brasil. Terrabras, como alguns falam. Não dão título para ninguém. São quase 1 milhão de famílias. Muitos assentamentos são verdadeiras favelas rurais. Temos uma situação de gestão territorial enorme. Na Constituinte de 1988, havia de 8 a 12 quilombos. Hoje isso é autodeclarado. São 296 e ocupam 3 milhões de hectares e reivindicam uma área que dá o estado de São Paulo.” PLANT PROJECT Nº8
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O PPT avança até o slide crucial. A soma de todas as terras que, pelas leis criadas pelos brasileiros, foram atribuídas à conservação ou a grupos que não têm como utilizá-las economicamente. Miranda não baixa as armas. Aponta para um espaço ainda disponível, cercado de reservas por todos os lados, em Rondônia. Volta à muralha verde que divide o Brasil. “Ninguém gosta de ver esse mapa. Fizemos isso com o Brasil. Alguém está olhando tudo isso? Tenta passar uma estrada por aqui... O País está fragmentado, cada um na sua lógica. Isso também está no território e acaba impedindo os projetos de planejamento de logística de produção agropecuária. Os leitores da sua revista não podem ignorar a atribuição de terras no Brasil. Quem ignorar vai acabar batendo de frente no dia seguinte. Onde tem terra barata para comprar aqui? Tem bastante, só que você não entra nem sai. Você chega e se depara com acampamentos do MST, invasões em volta, tudo conflagrado. Essas são as terras baratas e problemáticas do nosso País. Hoje, quando tratamos da questão de distribuição de terra, é incontornável o tema da atribuição de terras no Brasil e é um esforço nosso de tentar aqui colocar esses dados disponíveis. Quando você vai fazer algum
negócio, uma ferrovia, porto, algo ligado ao agro, não é possível, pois cada discussão sobre um investimento assim acaba virando quase um debate para o Congresso Nacional de tantas dificuldades burocráticas no Brasil. Esse planejamento é muito sério. Os investidores acabam se desanimando por causa das atribuições. Hoje, 30% da área do Brasil é protegida e a demanda só aumenta. Hoje tudo acaba caindo sobre a agricultura.” O arsenal de Miranda é inesgotável, diferentemente das páginas da revista. Há mais números, mapas e fatos a serem contados. Naquela mesma
manhã, ele e sua equipe faziam revisões em um enorme estudo que daria origem ao Sistema de Macrologística Agropecuária Brasileira, lançado oficialmente no dia 6 de março, com o objetivo de oferecer ferramentas para o planejamento eficiente do escoamento da produção. Do alto da colina, na sede da Embrapa Territorial, pode-se ter visões de futuro. O comandante, combatente, oferece caminhos para se chegar a ele. Esta entrevista, não termina aqui. Muito mais foi dito – e tudo está disponível no território digital da PLANT (plantproject.com.br).
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Os dias das decisões cegas com relação às commodities chegaram ao fim”
Fo FORU M
Ideias e debates com credibilidade
foto: Arnaldo Alves/ANPr
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O negócio de commodities acabou MIKE NEAL
CEO da DecisionNext, startup de análise prescritiva para a indústria da carne
Inovações como a carne à base de plantas, a edição genética CRISPR e os modelos de entrega de kits de refeição têm o potencial de transformar toda a cadeia de valor dos alimentos. Executivos do agronegócio e da indústria alimentícia que pensam lá na frente se questionam como essas tendências podem mudar o jogo, enquanto outros fingem que essas inovações são fantasias de startups com dinheiro sobrando montadas por hipsters usando moletons. Mas há algo que até mesmo o último dos últimos a adotar essas tecnologias não pode ignorar: a era das commodities chegou ao fim. Empresas que atuam nos mercados de commodities comprando matérias-primas ou vendendo produtos acabados provavelmente adotaram inovações produtivas ou de fabricação, mas isso foi insignificante para transformar radicalmente a forma como esses participantes entram no mercado. Agora, isso está mudando por um motivo simples: a rápida evolução de poderosas ferramentas analíticas feitas sob medida para as nuances da indústria alimentícia e do agronegócio. Os dias das decisões cegas com relação às commodities chegaram ao fim, graças à analítica prescritiva. Empresas multibilionárias não precisam mais confiar em regras de ouro formuladas há décadas ou no instinto de operadores à beira da aposentadoria. As empresas inteligentes agora combinam contribuições humanas qualitativas com modelos quantitativos para tomar decisões ainda melhores. Quando a General Mills aposta bilhões de dólares nos mercados de grãos, será que o uso de modelos sofisticados para ajudar a fazer a aposta certa no momento certo não seria útil? Quando a Tyson Foods decide tomar decisões de compra ou criação sobre a commodity de peito de fran88
go, uma ferramenta robusta de otimização não seria útil para quantificar os riscos dos diferentes resultados? Insira qualquer empresa cujo lucro esteja vinculado de alguma forma a um mercado de commodity e a resposta é a mesma: sim. A evolução dos líderes no universo das commodities foi marcada por inovações fundamentais e arrebatadoras, que fizeram avançar aqueles que abraçaram a tendência e varreu do mercado os que não. Na década de 1880, as empresas que venceram no negócio de commodities estabeleceram alianças melhores que seus concorrentes – pense nas alianças do setor petrolífero, de grãos e ferroviário, graças a Jay Gould e Andrew Carnegie. Na primeira metade do século 20, as empresas que venceram foram aquelas que se industrializaram com mais eficiência. Já na segunda metade do século 20, os vitoriosos ganharam por meio da escala. A próxima rodada de vencedores? Aqueles que se libertarem de uma mentalidade de commodities para tirar proveito de forma proativa da analítica prescritiva e tomar decisões melhores e mais racionais. Ainda não se convenceu de que o negócio de commodities alimentícias está morto? Então, seguem mais dois motivos de por que não há razão para ser um participante do mercado de commodities: 1) Não faz sentido aceitar preços de forma passiva. A priorização dos objetivos comerciais (ganhar participação de mercado, manter clientes estratégicos, maximizar o lucro, e a capacidade de utilização etc.) deve mudar sua intenção de vender ou pouco acima ou abaixo do preço de mercado em um determinado momento. A precificação estratégica é a primeira etapa para se livrar da mentalidade de commodities, e isso requer que os objetivos comerciais sejam vistos de forma mais inteligente e mais ampla em todo o portfólio de produtos, em vez de uma visão estreita focada em uma única transação. Só é possível fazer isso de forma eficaz por meio de uma analítica rigorosa. 2) Todos os participantes do mercado de commodities querem se diferenciar. O novo eixo de diferenciação é compartilhar uma analítica profunda com os clientes, a fim de aumentar a lucratividade para as duas partes. Imagine não utilizar suas análises de mercado próprias para levar a melhor sobre os seus clientes e garantir uma vitória a curto prazo, mas sim compartilhá-las com eles para construir um relacionamento significativo em termos financeiros. Isso tem o potencial de levar a fidelização dos clientes para um outro patamar, não é mesmo?
Os gigabytes do campo GEORGIA COELHO PALERMO
General manager para o Brasil da Taranis, companhia israelense
foto: Shutterstock
Em meus 20 anos de mercado agrícola, tive o privilégio de presenciar diversos avanços tecnológicos responsáveis por fazer o Brasil se tornar referência mundial agrícola, como: 1) a consolidação da adoção do plantio direto sobre a palha, em que restos vegetais de outras culturas são mantidos na superfície do solo, garantindo cobertura e proteção do solo contra a erosão; 2) o contínuo melhoramento genético de sementes, contribuindo para o desenvolvimento de cultivares mais produtivos, com maior tolerância às principais pragas do campo, mais estáveis e mais bem adaptados às diferentes regiões e condições de cultivo em nosso País; 3) o lançamento de defensivos agrícolas modernos, menos tóxicos ao homem e ao meio ambiente, capazes de proteger os campos de doenças e pragas que comprometem significativamente o potencial produtivo da lavoura; e 4) a digitalização das lavouras, permitindo que os agricultores façam a gestão de seus campos ge-
orreferenciados remotamente, agilizando o processo de tomada de decisão do melhor manejo, além da contribuição para a construção do “Big Data” de sua propriedade. Na área de digitalização das lavouras, existem hoje diversas plataformas digitais disponíveis no mercado voltadas a facilitar e aumentar a eficácia do manejo agrícola. Dentre elas, imagens de satélite tão aproximadas que nos permitem acompanhar o crescimento e a sanidade da cultura plantada em campos de diversos tamanhos e formas, fotos tiradas por drones que auxiliam nas detecções de falhas de emergência e de dessecação, monitoramento de campo via aplicativo instalado em smartphones, monitoramento aéreo com detecção automática de anomalias na lavoura ainda não observada pelo olho humano e predição de pragas, doenças e de níveis de produtividade. Enfim, existe um mundo de soluções dando liberdade ao agricultor de escolher a melhor forma de entrar na era digital e fazer uso de seus benefícios. Seguramente temos grandes desafios quando o assunto é a adoção dessas tecnologias digitais na agricultura. Além da mudança cultural, aplicada ao manejo dos campos herdado das últimas gerações de agricultores – que terão de aprender a fazê-la também de forma remota e on-line –, enfrentamos ainda enorme deficiência de conectividade fora dos grandes centros urbanos. Mesmo que os desafios sejam enormes, o processo de migração das lavouras físicas para “dentro de computador” deve ser rápido e precisamos cada vez mais nos acostumar com a nova linguagem de manejo do campo, medido agora em gigabytes e não mais em hectares.
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foto: Antonio Costa
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Hora de olhar para o futuro LUCIANA BULAU
VP de Planejamento da agência Santa Clara
O único Brasil que sempre deu certo. Essa é a verdade que repito quando me perguntam o porquê do meu encanto com esse setor. Acima de todas as adversidades de infraestrutura e falta de foco de sucessivos governos, o agronegócio brasileiro tem sido o pilar que nos afasta do subdesenvolvimento. Nosso AGRO se expande e inspira o mundo com tecnologia de ponta. Curiosamente, o que deveria nos encher de orgulho é tratado com um olhar caricato e preso ao passado. Nunca abraçamos com determinação nossa vocação agrícola. E quase chegamos a nos envergonhar dela. A verdade é outra: o AGRO Brasileiro é nossa melhor aposta de futuro. Um futuro em que a restrição por alimentos e recursos será a principal macrotendência a ditar a existência humana. E, se a agricultura será o epicentro de todas as discussões, o Brasil é o seu oásis. O agricultor tampouco tomou para si a liderança desse discurso, mostrando sua força e suas transformações para a sociedade mais ampla. Seu 90
perfil mudou, se sofisticou e se aperfeiçoou como poucas categorias profissionais. Só que do ponto de vista do marketing e da comunicação, continua a ser retratado como a mesma persona do século 20: simplório, pé na terra, “bruto” e tradicionalista. O grande salto que devemos promover é construirmos uma proposta de valor alicerçada sobre bases contemporâneas, para todo o setor. Toda a cadeia de negócio – setor público, entidades, empresas e agricultores – deve desenvolver uma promessa que coloque o Brasil como o grande provedor de alimentos para o mundo. Moderno, pujante, tecnológico. Devemos falar do AGRO que vence todas as barreiras, que consome artigos de luxo e de alta tecnologia, que tem atraído profissionais de primeira linha para as fazendas e jovens talentos nas centenas de AgTechs que nascem todos os dias. O Brasil tem se superado no território da tecnologia no campo, com várias startups entre as melhores do mundo. A comunicação do agronegócio precisa igualmente quebrar paradigmas, dar um salto substancial em direção ao futuro e refletir todo o enorme potencial que continua latente. As empresas de comunicação ainda pouco entendem esse mercado que está fervilhando, e passa despercebido aos olhos de quem não se envolve com o tema. Acreditamos que esse setor incorporará as práticas e estratégias já amplamente difundidas nos mercados de consumo, como o desenvolvimento de marcas de alto valor, porque se baseiam em propostas que atendem aos desejos do consumidor e se identificam com seu estilo de vida. O campo e a cidade têm muito a aprender um com o outro. E será incrível vivenciar essa transformação.
Terminal de embarque de grãos em Mirituba (PA): Hidrovias se consolidam como alternativa para escoamento das safras do Centro-Oeste e Norte
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As regiões produtoras do mundo
foto: Julian Bosco/Aprosoja PLANT PROJECT Nº8
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As regiões produtoras do mundo
Barcaças da Cargill transportam soja pelo Rio Madeira: o que se vê na foto tirou cerca de 300 caminhões das estradas 92
O PODER DAS ÁGUAS Diante das dificuldades logísticas para o escoamento da produção, tradings têm investido cada vez mais no transporte pelas hidrovias dos rios Madeira e Tapajós. Por Nicholas Vital
foto: Divulgação PLANT PROJECT Nº8
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Hidrovias
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o final de dezembro passado, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, compartilhou com amigos, em seus grupos nas mídias sociais, uma foto do empurrador Sabino Pissollo, embarcação utilizada, como o próprio nome diz, para empurrar barcaças carregadas de grãos pela hidrovia do Rio Madeira. O texto que acompanhava a imagem comemorava um feito. Em pouco mais de duas décadas, desde que recebeu a primeira autorização para navegar pelos rios da Amazônia, a Hermasa – empresa de navegação do grupo AMaggi, pertencente à família do ministro – viu o volume de soja transportado por ali saltar de 316 mil para um recorde de 4 milhões de toneladas. “É o nosso Mississippi”, afirmou Blairo, numa referência ao rio por onde escoa boa parte da produção do Meio-Oeste americano. O barco citado pelo ministro é um dos mais modernos da frota da empresa. Consegue empurrar até 25 barcaças, num total de 50 mil toneladas de soja, em uma única viagem. É o correspondente à capacidade de carga de 1,2 mil caminhões. “Vale a pena calcular a economia de diesel e na conservação de estradas pelo menor uso de carretas”, escreveu o ministro. São números expressivos, que geram incríveis ganhos de competitividade aos grãos produzidos no Mato Grosso. Mais ainda insuficiente para mudar definitivamente o crítico cenário que se observa a cada safra no estado. Enquanto as máquinas operam a todo vapor na colheita da safra, fora da porteira o que se vê são estradas lotadas, caminhões atolados e filas intermináveis nos portos, especialmente nos de Santos e Paranaguá, distantes mais de 2 mil quilômetros das fazendas. Os produtores do Centro-Oeste sofrem há décadas com as dificuldades para escoar a produção. De acordo com uma pesquisa recente realizada pela Associação dos Produtores de Soja
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e Milho de Mato Grosso (Aprosoja), os problemas logísticos são apontados pelos agricultores como o principal gargalo do setor e grande responsável pela perda de boa parte da competitividade da produção brasileira de grãos. O imbróglio, no entanto, poderia ser solucionado através de uma utilização ainda maior das hidrovias. Como sugere o ministro, o modal é infinitamente mais barato e energeticamente mais eficiente do que o transporte rodoviário. O Brasil possui uma das mais extensas redes fluviais do mundo, com um potencial de cerca de 42 mil quilômetros de rios navegáveis, mas que ainda responde por menos de 15% da movimentação total de mercadorias no País. Apenas como comparação, os Estados Unidos, com uma rede de hidrovias semelhante – mas em plena operação –, escoa quase 60% da sua produção agrícola e industrial através dos rios Mississippi, Missouri, Ohio, Tennessee, Illinois e Arkansas. No total, mais de 650 milhões de toneladas de cargas são transportadas todos os anos pelos rios americanos. “Essa eficiência logística é fundamental para a competitividade do agronegócio nos Estados Unidos. Para se ter uma ideia, o custo para levar uma tonelada de grãos do Meio-Oeste, onde são produzidos, até o Oceano Atlântico, por hidrovias, gira em torno de 18 a 20 dólares. Para o Pacífico, por ferrovias, fica em 33 dólares, o que dá uma média de 25 dólares. No Brasil, um frete rodoviário de Sorriso (MT) a Santos não sai por menos de 79 dólares”, explica Edeon Vaz Ferreira, diretor-executivo do Movimento Pró-Logística, liderado pela Aprosoja. “O produtor desenvolveu uma habilidade muito grande dentro da porteira, mas tem dificuldade para escoar a safra. Hoje o custo é astronômico.”
foto: Julian Bosco/Aprosoja
Essa realidade, felizmente, vem mudando graças aos esforços realizados pelas grandes tradings exportadoras de grãos, como Amaggi, Bunge, Louis Dreyfus e Cargill, que viram no investimento em infraestrutura hidroviária uma oportunidade para melhorar a eficiência de seus negócios. Com a construção de portos privados e diversas estações de transbordo de cargas, o volume de grãos transportados pelos rios brasileiros vem crescendo gradativamente. As duas principais rotas fluviais utilizadas atualmente são as hidrovias do Rio Madeira e do Tapajós, que permitem o escoamento dos alimentos produzidos no Centro-Oeste pelos portos do Norte do País, especialmente os de Santarém e Vila do Conde, ambos no Pará, de onde partem rumo à Europa e à Ásia. A hidrovia do Rio Madeira é a maior delas. Começa em Porto Velho, onde existe um terminal com capacidade para a movimentação de até 12,5 milhões de toneladas de cargas, e tem cerca de 1.500 quilômetros de extensão. Já a do Tapajós, que parte de Miritituba (PA)
e atende principalmente os produtores da região de Sorriso e Lucas do Rio Verde, é a líder em volume transportado, com uma capacidade instalada de até 16 milhões de toneladas de grãos. “Têm capacidade. Não quer dizer que já estejam operando com esses volumes”, afirma Ferreira, do Movimento Pró-Logística. Segundo ele, em 2017 foram embarcadas apenas cerca de 6,5 milhões de toneladas em Porto Velho e outras 7 milhões em Miritituba, um claro sinal de subutilização do modal. “Nós avançamos muito na questão hidroviária. Hoje o escoamento pelo Norte já está consolidado, mas ainda podemos avançar muito. O principal, que é a carga, nós já temos”, diz o executivo. Mas o que falta, então, para a plena utilização dessas hidrovias? “O problema são as estradas de acesso, que ainda não foram pavimentadas. É preciso melhorar o acesso para que possamos utilizar a capacidade total.” As estradas em questão são a BR-163, rodovia que começou a ser construída ainda nos anos 1970 e até hoje não foi concluída – faltam cerca de 100
Barcaça sendo carregada em Mirituba (PA): terminal movimentou 7 milhões de toneladas em 2017
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Quanto custa levar soja até a China Sorriso, BR
US$ 76/ton
Santos, BR
US$ 23/ton
Rosário, ARG
US$ 41/ton
New Orleans, USA
US$ 36/ton
CHINA US$ 102,00
CAMINHÃO
Córdoba, ARG
US$ 16/ton
US$ 57,00
CAMINHÃO
Illinois, USA
US$ 20/ton
US$ 56,00
fotos: Divulgação
HIDROVIA
Koelle, da Cargill, e Ferreira (embaixo), do Pró-Logística: é preciso melhorar o acesso aos terminais para o sistema funcionar a plena capacidade
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quilômetros – , e a BR-354, ambas em péssimas condições. A situação, de fato, é crítica. Em 2017, mais de 4 mil caminhões ficaram presos na BR-163 após um temporal transformar a estrada em um verdadeiro atoleiro, totalmente intransitável. O Exército precisou ser acionado para socorrer os motoristas e também para fazer a pavimentação de 65 quilômetros da via, trabalho que não deve ficar pronto antes de 2020. Os outros 35 quilômetros de asfalto devem ficar sob responsabilidade de empresas privadas. “A velocidade de pavimentação da BR-163 nos últimos anos é vergonhosa. Aquilo praticamente não andou”, afirma Rodrigo Koelle, gerente de Transporte da Cargill, multinacional que conta com terminais próprios em Porto Velho, Miritituba e Santarém e também sofre com as dificuldades de acesso aos terminais. Ainda assim, a Cargill é uma das companhias que mais têm investido em infraestrutura hidroviária no País nos últimos anos. A empresa, que utiliza o Rio Madeira desde 2003, quando começou a operar o porto de Santarém, iniciou a movimentação através também
do Rio Tapajós em 2014. No ano passado, inaugurou um terminal próprio em Miritituba e anunciou a construção de um novo porto na ilha de Urubuéua, no Pará, ao custo de R$ 700 milhões. O terminal da Cargill em Santarém tem capacidade para 5,5 milhões de toneladas ao ano, mas opera atualmente bem abaixo da capacidade. No ano passado, foram cerca de 3,9 milhões de toneladas – 21% do total movimentado pela companhia. Em 2016, foram apenas 2 milhões de toneladas. “Com exceção da produção no entorno de Santarém, cerca de 200 mil toneladas, todo o restante chega via hidrovia originária de Mato Grosso”, explica Koelle, lamentando o aumento de custos causado pela precariedade das estradas brasileiras. “O agronegócio possui margens muito pequenas. O que vai fazer você ter um resultado negativo ou positivo são os custos competitivos e alta eficiência. É preciso priorizar as obras que favoreçam o agronegócio.” Outra gigante que vem investindo fortemente no modal é a Amaggi, pioneira no transporte hidroviário nos rios do Norte do País, que utiliza o corredor
Hidrovias
logístico do Rio Madeira desde 1997. A trading opera atualmente a partir de dois terminais de transbordo em Porto Velho, além de possuir um porto próprio em Itacoatiara (AM) capaz de receber navios do tipo Panamax, os maiores graneleiros em operação no mundo. A empresa não revela o volume transportado pelas hidrovias hoje em dia, mas assim como a Cargill, também reclama da falta de agilidade das autoridades para resolver os entraves logísticos na região. “A lentidão do Governo contribui para a reavaliação ou postergação de investimentos privados”, afirma a empresa, por meio de sua assessoria de imprensa. “A Amaggi vem investindo no modal fluvial, aumentando a sua capacidade de transporte e terminais no corredor Madeira, mas ainda não atingimos a capacidade projetada em função dos gargalos logísticos. Futuros projetos estão atrelados à melhoria e efetiva implementação dos projetos governamentais de acesso rodoviário aos terminais do Norte.” De acordo com estimativas da Aprosoja, a economia gerada pelo transporte hidroviário dos grãos pode chegar a 34% do custo total de exportação. Mas poderia ser ainda maior. Segundo
Edeon Ferreira, do Movimento Pró-Logística, o frete rodoviário entre Sorriso e Miritituba, hoje em torno de 210 reais por tonelada, poderia ser reduzido para 140 reais caso as vias de acesso aos terminais estivessem totalmente pavimentadas. “A parte hidroviária também está inflada. Hoje custa em média 91 reais a tonelada até Vila do Conde. Deveria ser 65 reais”, afirma o executivo, atribuindo os preços mais altos à pouca concorrência no setor. Além de mais barato, o escoamento de grãos pelas hidrovias também é uma alternativa ambientalmente mais amigável, já que permite transportar um volume muito maior de carga com menor utilização de recursos, como o petróleo. Para se ter uma ideia, uma única barcaça tem capacidade para transportar a carga de 50 carretas de grãos. Assim, um comboio padrão com 20 barcaças, que necessita de apenas um “puxador”, faz o serviço de mil caminhões. A essa altura, você já deve estar se perguntando: se o transporte hidroviário é mais barato, mais sustentável e ainda ajuda a tirar milhares de caminhões das estradas, por que
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ainda não é a principal forma de escoamento da produção agrícola do Centro-Oeste? A resposta é tão simples quanto triste: porque estamos no Brasil. De acordo com especialistas ouvidos pela reportagem, as hidrovias demandam menos obras, o que não seria tão interessante para as grandes empreiteiras. “Nosso sentimento é de que existe uma boa vontade na ponta. Falta boa vontade é no Legislativo. Ele acaba priorizando outras coisas de interesse deles, no caso as rodovias”, afirma um executivo do setor que prefere não se identificar. Nas últimas décadas, graças ao trabalho árduo de produtores, pesquisadores e grandes investimentos em tecnologia de ponta, o Brasil se transformou em uma potência agrícola. Infelizmente, a infraestrutura, único elo da cadeia que depende principalmente do Governo, não acompanhou. Hoje somos muito bons da porteira para dentro, mas a logística precária acaba tirando boa parte da competitividade do agronegócio brasileiro. O desenvolvimento das hidrovias – ou a simples conclusão das estradas de acesso a elas – poderia ajudar a mudar esse cenário. PLANT PROJECT Nº8
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As principais hidrovias do Brasil AP
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RIO GRANDE ROSÁRIO (ARG)
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TERMINAL OPERANDO
PORTO OPERANDO
TERMINAL EM PROJETO
PORTO EM PROJETO
Rio Madeira - Mais nova e moderna do País, possui cerca de 1.500 quilômetros de extensão e liga Porto Velho, em Rondônia, aos portos de Itacoatiara (AM), Manaus (AM) e Santarém (PA). É usada principalmente para o escoamento de grãos.
São Francisco - Com 2.354 quilômetros de extensão, a rota é largamente utilizada para o transporte de grãos e algodão cultivados no oeste da Bahia e no sul do Piauí e também para o escoamento da produção de frutas e cana-de- açúcar da região do Vale do São Francisco.
Solimões-Amazonas - Principal rota para o escoamento da produção na região Norte, a hidrovia que liga a Amazônia ao Oceano Atlântico tem uma movimentação média de 50 milhões de toneladas de cargas ao ano. São mais de 70 terminais e portos ao longo da via.
Tietê-Paraná - Com 1.250 quilômetros de extensão (450 km no Rio Tietê e 800 km no Rio Paraná), atravessa os estados de São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul, Goiás e Minas Gerais e está integrada a um sistema multimodal por onde passa quase a metade do PIB brasileiro.
Tocantins-Araguaia - Com quase 2 mil quilômetros de extensão, a via corta algumas das principais fronteiras agrícolas do País. O sistema possui estruturas de transposição de nível, como as duas eclusas de Tucuruí, com 210 metros de comprimento e 33 metros de largura, e permite a navegação de comboios com até 108 metros de comprimento.
Paraguai - A rota corta a América do Sul, desde Cáceres (MT), na fronteira com a Bolívia, até Nova Palmira, já no Uruguai. Alguns trechos da hidrovia permitem a navegação de comboios com 290 metros de comprimento, 48 metros de largura e capacidade para até 24 mil toneladas.
Pastor guiando animais no deserto de Gobi (Mongólia): Projetos inovadores tentam resgatar a produção de lãs que dão origem ao nobre cashmere
W WORLD FAIR
A grande feira mundial do estilo e do consumo
foto: Divulgação
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W WORLD FAIR
A grande feira mundial do estilo e do consumo
QUANTO VALE UM TERROIR? Com uma nova Denominação de Origem prestes a ser concedida aos espumantes de Pinto Bandeira, o Rio Grande do Sul aposta na qualidade de seus vinhos para um renascimento das regiões produtoras Por Irineu Guarnier Filho
É
um bom motivo para erguer um brinde. A Serra Gaúcha está prestes a ser contemplada com a primeira indicação geográfica de vinhos espumantes fora da Europa. Até o final deste ano, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) concederá ao município gaúcho de Pinto Bandeira – que já detém uma Indicação de Procedência (IP) para vinhos finos em geral – uma Denominação de Origem (DO) para espumantes. A exemplo de Champagne, na França, a mais famosa região demarcada de espumantes do
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mundo, a DO Altos de Pinto Bandeira será exclusiva para esse estilo de vinho. Os produtores da tradicional região vinícola serrana já comemoram, antecipadamente, mais essa conquista. Eles sabem que o selo tem um poder: agregar valor aos produtos locais e estimular o enoturismo na região. Aconteceu o mesmo no Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves, detentor da primeira – e, até agora, única – DO para vinhos finos do Brasil. E em grande parte das outras
foto: Fernando Zanchetti
Vinhedos da Aurora: nova indicação geográfica muda o status da região
regiões que obtiveram um reconhecimento semelhante ao redor do mundo. As indicações geográficas concedidas pelo Inpi dividem-se em duas categorias: Indicação de Procedência (IP) e Denominação de Origem (DO). As DOs são o topo das (Indicações Geográficas) IGs brasileiras para vinhos, cachaça e alimentos como carne, arroz e café, entre outros produtos. Não se trata, necessariamente, de uma certificação de qualidade para um vinho ou outro alimento, embora lhes confira algum status. É, principalmente,
um atestado de identidade regional de um produto. Garante, por exemplo, que o espumante de Pinto Bandeira foi elaborado em uma área geograficamente demarcada sob a orientação de entidades sérias – como, neste caso, a Embrapa e a Universidade de Caxias do Sul (UCS) – com certas variedades de uvas e de acordo com algumas regras. Essas normas podem ser mais ou menos rigorosas – mas também podem mudar a qualquer momento, se os produtores entenderem que as condições ambientais ou o mercado estão exigindo correções de rota. PLANT PROJECT Nº8
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“A valorização das uvas e das terras, o crescimento do enoturismo local e os novos investimentos que virão com a DO são até mais importantes do que o valor que será agregado aos nossos rótulos”, pondera o enólogo chileno Carlos Abarzúa, da vinícola Cave Geisse. Hoje, um hectare de vinhedo em área nobre de Pinto Bandeira está cotado em cerca de 300 mil reais. Apenas para efeito de comparação, a poucos quilômetros dali, na DO Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves, uma área com a mesma metragem pode custar mais de 500 mil. Em Champagne, esse preço sobe para mais de 6 milhões de euros – e um quilo de uva chega a ser comercializado por 13 euros. “Queremos que os produtores entendam isso e valorizem a nossa DO”, conclui Abarzúa. Em linhas gerais, as regras definidas pelos proprietários das quatro vinícolas que comporão a DO Altos de Pinto Bandeira (Cave Geisse, Valmarino, Aurora e Don Giovanni) em conjunto com os pesquisadores da Embrapa e da UCS estabelecem que os espumantes devem ser elaborados pelo Método Tradicional (segunda fermentação na garrafa) e permanecer pelo menos dois anos em contato com as leveduras mortas (processo chamado de autólise). As uvas devem ser das variedades viníferas brancas Chardonnay, 102
Riesling Itálico e a tinta Pinot Noir, cultivadas acima de 500 metros de altitude. Os vinhedos têm de ser conduzidos em sistema de espaldeira, e o rendimento não pode ultrapassar o total de 12 mil quilos por hectare. Quanto ao grau de açúcar das bebidas, o regulamento admite três categorias: brut, extra brut e nature (zero açúcar ou quase isso). Uma garrafa especialmente desenhada para a DO também está em estudo. “Queremos regras bem definidas, mas estamos atentos para não engessar a produção. Se surgir alguma novidade interessante, podemos mexer nas regras”, esclarece Abarzúa. Inicialmente, serão elaboradas até 600 mil garrafas por ano (boa parte da produção atual das vinícolas locais já está de acordo com o regulamento da DO). Em degustações realizadas de dois anos para cá, desde que se iniciaram as pesquisas para a criação da DO, enólogos e pesquisadores têm anotado características próprias nos espumantes de Pinto Bandeira, dentre elas um grau alcoólico elevado, aromas frutados e acidez marcante – que aporta à bebida a vivacidade borbulhante tão desejada pelos seus apreciadores. RECANTO PRIVILEGIADO O município de Pinto Bandeira já foi distrito de Bento Gonçalves. Emancipou-se,
foto: Agência Megafone
tornou-se município, voltou a ser distrito, e hoje é novamente município. Em um dos pontos mais elevados da Serra Gaúcha, acima de 700 metros de altitude, ocupa lugar cada vez mais destacado no mapa vitivinícola brasileiro. A altitude, os invernos muito frios, as encostas ensolaradas, o solo argiloso e a longa tradição vitivinícola dos descendentes de imigrantes italianos têm contribuído para fazer do pequeno município um dos mais promissores recantos para a produção de vinhos espumantes no Brasil. O enólogo chileno Mario Geisse, proprietário da vinícola Cave Geisse, que produz vinhos em vários países, inclusive na França, já declarou que, depois da Champagne, Pinto Bandeira é um dos melhores territórios no mundo para a elaboração de espumantes. Entre outras razões porque, nas frias encostas locais, as uvas amadurecem completamente sem perder a acidez, que confere tensão e frescor aos espumantes.
O vinho é, ou deveria ser, o reflexo do lugar e das condições de solo e de clima em que é produzido – o que os franceses chamam de terroir. São essas características naturais, mais as plantas e a intervenção humana, que conferem à bebida o seu caráter único. Especialistas como Abarzúa garantem que os espumantes de Pinto Bandeira possuem personalidade própria reconhecível. Ou seja, refletem o terroir em que são produzidos. Estaria, assim, plenamente justificado, portanto, o pleito pela criação da DO.
Parreirais de propriedade da Cave Geisse: um dos primeiros reflexos deve ser a valorização das terras
CERTIFICADO DE IDENTIDADE Foi o Marquês de Pombal que, há mais de 300 anos, reconheceu o Vale do Douro, em Portugal, como a primeira região demarcada para a elaboração de vinhos no mundo. Desde então, a Europa não parou de criar Denominações de Origem para proteger a autenticidade de produtos agroalimentares como PLANT PROJECT Nº8
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fotos: Divulgação
Mario e Daniel Geisse, o produtor D’Auria e os campos de Campanha: também à espera da Denominação de Origem
vinhos, destilados, queijos ou presuntos. A França deu grande contribuição à formação desse conceito. A experiência francesa, uma das mais conhecidas hoje em dia, remonta ao século 18, quando surgiu a primeira Apelação de Origem: Châteauneuf-du-Pape. Hoje, são mais de 5,2 mil denominações regionais em toda a União Europeia. Seguidor do modelo europeu, o Brasil viu o número de Indicações Geográficas para vinhos se multiplicar nos últimos 15 anos, após a criação da Indicação de Procedência (hoje DO) Vale dos Vinhedos. Além das regiões vinícolas do Vale dos Vinhedos, de Pinto Bandeira, dos Altos Montes (nos municípios de Flores da Cunha e Nova Pádua), de Monte Belo do Sul e de Farroupilha, que já possuem IGs, o Litoral Norte possui uma Denominação de Origem (DO) para arroz e a Campanha Gaúcha, na metade meridional do estado, uma IP para a Carne do Pampa.
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O número de IGs brasileiras ainda é muito pequeno, se comparado ao de demarcações regionais em países da União Europeia (Champagne, Bordeaux, Cognac, Chianti, Douro, Roquefort etc.). Mas o interesse crescente pelo assunto mostra que os produtores rurais estão cada dia mais conscientes da necessidade de construir uma identidade própria para seus produtos. Atualmente, diversas regiões gaúchas buscam esse tipo de reconhecimento. A Campanha é uma delas. Segunda maior região produtora de vinhos finos do Brasil, atrás apenas da Serra Gaúcha, a Campanha já possui 2 mil hectares de vinhedos. Deles, saem 35% das uvas viníferas brasileiras e 25% do vinho fino nacional. Em pleno Paralelo 31 (o mesmo onde se situam tradicionais regiões vinícolas da Austrália, África do Sul ou Chile), a região abriga atualmente cerca de 20 projetos vitivinícolas. Os números impressionam
foto: Agência Megafone
– mas o terroir do bioma Pampa, por onde se esparramam esses vinhedos, mais ainda. Com topografia suavemente ondulada, elevações de no máximo 300 metros, solos pedregosos, invernos rigorosos e verões muito secos, a Campanha se credencia como uma das mais promissoras regiões vitivinícolas da América do Sul. Ideal para a produção de vinhos tintos mais encorpados, feitos com uvas Cabernet Sauvignon, Tannat ou Touriga Nacional, a Campanha também revela pendor para a elaboração de brancos – menos ácidos e mais estruturados que os da Serra – à base de Chardonnay e Sauvignon Blanc. Se os vinhos da Serra Gaúcha lembram mais o estilo Velho Mundo, a produção da Campanha tem a cara do Novo Mundo. Foi a partir do início da década de 1970, com a instalação de projetos norte-americanos (Almadén) e japonês (Santa Colina) em Sant’Ana do Livramento, que a vitivinicultura ganhou impulso na fronteira com o Uruguai. A atividade se consolidou a partir do ano 2000
com a migração de tradicionais vinícolas da Serra, como Salton, Nova Aliança e Miolo, para municípios da região, em busca de clima mais favorável à vinha e terras planas mais propícias à mecanização. Duas décadas depois, a Campanha também aguarda para breve uma Indicação de Procedência do Inpi – que irá reconhecer a identidade de seus vinhos, produzidos em um arco que liga o município de Candiota ao de Itaqui, passando por Bagé, Dom Pedrito, Sant'Ana do Livramento, Uruguaiana e Rosário do Sul, e valorizar rótulos de vinícolas como Guatambu, Dunamis, Peruzzo, Seival Estate, entre outras. Seria o começo de um novo ciclo de desenvolvimento regional? Parecido, talvez, com o experimentado nos anos 1970, com a chegada de empresas multinacionais a Livramento – só que liderado agora por empreendedores locais? O vice-presidente do Sindicato Rural de Sant’Ana do Livramento, Luis Carlos D'Áuria, acredita que sim. “Temos vinhos, azeite,
mel, arroz e carne de cordeiro com qualidades únicas da nossa região. Precisamos valorizar nossos produtos.” Alguns pecuaristas locais já começam a pensar na possibilidade de pleitear uma IG para a carne de cordeiro local, a exemplo da que existe na Normandia, na França, para a do cordeiro “pré-salé” (que se alimenta de pasto salgado pela maré alta). A rica enogastronomia da região pode ser degustada no roteiro enoturístico batizado de Ferradura dos Vinhedos. Concebido a partir de um estudo da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), o percurso contempla visitas a vinhedos das empresas Salton, Nova Aliança, Almadén e Cordilheira de Santana. De quebra, brinda o turista com a bela vista de lugares como o Cerro Palomas, o Cerro da Cruz e com passagens por locais históricos da Revolução Farroupilha. O Café Campeiro, à base de produtos locais, servido no Passo do Guedes, completa o cardápio de atrações com a marca do terroir pampeano. PLANT PROJECT Nº8
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W Consumo COM EMOÇÃO POUCO DIFUNDIDAS NO BRASIL, AS BOIAS DE ESTILO WATER TUBE, COMO SÃO CONHECIDAS NOS EUA, SÃO UMA BOA OPÇÃO PARA CRIANÇAS E JOVENS, JÁ QUE NÃO EXIGEM EQUIPAMENTOS COMPLEXOS DE SEGURANÇA (ALÉM DO COLETE). O MODELO MARCH 2, DA FABRICANTE AIRHEAD, TEM CAPACIDADE PARA DOIS PASSAGEIROS DE ATÉ 75 KG CADA (US$ 220).
ÁGUAS CALMAS, MAS NEM TANTO Rios, lagoas e represas oferecem uma vasta opção de esportes aquáticos. Selecionamos algumas dicas Por Fabricia Peixoto
FIRMEZA NA PRANCHA UM DOS ESPORTES MAIS COMUNS EM ÁGUAS CALMAS, O WAKEBOARD COSTUMA ATRAIR PRATICANTES DE TODAS AS IDADES. ALÉM DA PRANCHA, É BOM USAR UMA BOTA ESPECÍFICA PARA DAR ADERÊNCIA E MAIOR ESTABILIDADE. UMA SUGESTÃO É O KIT DA FABRICANTE CATARINENSE NAVIS, QUE JÁ VEM COM OS DOIS EQUIPAMENTOS (R$ 1.990).
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PARA OS EXIGENTES ANTIGO CONHECIDO DO BRASILEIRO, O JET-SKI DISPENSA APRESENTAÇÕES. MAS ALGUNS SE DESTACAM, COMO O GTX LIMITED 2018, DA SEE DOO. UM DOS MAIS SOFISTICADOS DO MERCADO, TEM PLATAFORMA MAIS LARGA QUE OUTROS NA CATEGORIA, BLUETOOTH E CAPACIDADE PARA ATÉ TRÊS PESSOAS. A VELOCIDADE MÁXIMA É DE 105 KM/H (A PARTIR DE R$ 98,7 MIL).
SEM DESCULPA UMA FORMA DE COMEÇAR A PRATICAR CAIAQUE SEM TER DE FAZER GRANDES INVESTIMENTOS (SEM FALAR NA LOGÍSTICA DO EQUIPAMENTO TRADICIONAL) É INVESTIR NOS MODELOS INFLÁVEIS. OPÇÕES COMO O SEVYLOR QUIKPAK K5, DA COLEMAN, PODEM SER CARREGADOS NAS COSTAS, COMO MOCHILA (US$ 300).
VOANDO NA ÁGUA PARECE COISA DE CRIANÇA, MAS DEPENDENDO DA VELOCIDADE COM QUE SÃO PUXADAS, AS BOIAS REBOCÁVEIS MAL TOCAM NA ÁGUA, EXIGINDO FORÇA NOS BRAÇOS PARA SEGURAR-SE NA AVENTURA. A HIGH ROLLER 2, DA SPORTSSTUFF, VEM COM UMA ESPUMA PARA APARAR JOELHOS E PÉS, GARANTINDO MAIOR CONFORTO (US$ 360).
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A AVENTURA DO CASHMERE Como dois jovens transformaram uma viagem despretensiosa em um negócio que desafia cartéis que comandam o valioso mercado da mais valiosa lã do mundo
foto: Shutterstock
Por Pedro Romanos
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o princípio, era uma aventura des pretensiosa. Um executivo cansado da vida corporativa joga tudo para o ar e embarca rumo a um país desconhecido para encontrar um velho amigo. Chegando lá, os dois decidem mergulhar em um deserto, beirando os limites da sobrevivência. Quando tudo parece que vai dar errado, eles se deparam com um tesouro imenso. Decidem então fazer dele o seu novo negócio e, de quebra, encontram ali um propósito para a vida deles. Eis o roteiro dos últimos sete anos da vida do americano Matt Scanlan, de 29 anos, que trocou a agitação de Wall Street por uma temporada sem compromissos e data de encerramento na Mongólia. Lá, o acaso o levou ao meio do Deserto de Gobi e ao encontro dos criadores das cabras de cuja lá se faz o valioso cashmere. Descobriu uma atividade milenar em crise. Enxergou ali uma oportunidade e uma missão: fazer dinheiro em um mercado de margens enormes e ainda ajudar a gerar renda e melhores condições de vida para os povos nômades daquela região. É o que tem feito desde então. O cashmere (ou caxemira, no termo aportuguesado) é um tecido valioso por sua leveza e maciez, comercializado por algumas das principais grifes de luxo. Scanlan e seu sócio, Diederik Rijsemus – um velho amigo de faculdade que vivia na Mongólia
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--, decidiram quebrar alguns dogmas desse mercado. Criaram uma grife própria, a Naadam, dispostos a vender artigos de cashmere de boa qualidade e bem mais baratos. Mas, para isso, tiveram de enfrentar um poderoso cartel, que atuava como intermediário entre criadores e a indústria de confecção. UM SALTO NO ESCURO Logo que se reuniram na Mongólia, Scanlan e Rijsemus ingressaram em uma viagem nada ortodoxa. Alugaram um quarto em uma região mais distante da capital Ulaanbaatar, com o intuito de fugir um pouco do caos da região metropolitana. No primeiro fim de semana, conheceram dois moradores locais que falavam sobre a produção do cashmere no país. Seduzidos pela história, resolveram conhecê-la de perto, embarcar rumo ao deserto gélido de Gobi e descobrir qual era o segredo daquele tecido tão cobiçado. “Na nossa cabeça era para ser uma viagem tranquila, como um fim de semana para uma cidade próxima. Não levamos comida nem roupas. Jurava que estaríamos em casa no dia seguinte”, contou Scanlan à revista americana Entrepreneur. A realidade se mostrou bem diferente. Foram mais de 20 horas dentro de um caminhão, sem alimentos e sem saber exatamente o destino. Para intensificar os ares de aventura, o veículo que
Moda
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Scalan e Rijsémus: US$ 2,5 milhões investidos em seis toneladas de cashmere para fundar a Naadam
transportava os viajantes quebrou no meio de uma estrada escura. Foram mais algumas horas até que um grupo de motoqueiros encontrou o grupo e o levou por mais três horas até seu destino final: um pequeno vilarejo nos arredores das montanhas de Gobi. Perdidos e sem entender o que realmente faziam ali, Scanlan e Rijsemus foram recepcionados por um criador de cabras chamado Dash. Ele e sua família ofereceram um quarto, comida e roupas quentes aos viajantes. No dia seguinte, dispostos a voltar à cidade, os dois futuros sócios foram conversar com os motoqueiros. Mais uma vez, a resposta que receberam foi totalmente fora do planejado. “Nos disseram que pretendiam passar um mês naquele local”, disse Scanlan à Bloomberg. “No primeiro momento foi difícil aceitar a ideia, mas com o passar dos dias fomos aprendendo a amar aquele lugar”. Depois de algumas semanas e uma série infinita de perguntas sobre a criação de cabras, Scanlan e Rijsemus começaram a entender o que ocorria naquele local. “Enchemos Dash de perguntas para saber mais sobre o que acontecia ali e encontramos os seguintes problemas: clima extremamente adverso, inexperiên cia em técnicas agrícolas e um cartel exploratório”, relatou Matt ao podcast da 321 Business.
quanto no Deserto de Gobi. Lá, as temperaturas negativas extremas exigem dos seres vivos habilidades únicas de adaptação ao ambiente hostil. A questão é que, com as mudanças climáticas e o uso inescrupuloso dos recursos naturais, as adversidades têm sido cada vez maiores. De acordo com a WCS (Wildlife Conservation Society Mongolia), 70% do solo da região se encontra com sinais de degradação e 2% já não pode mais
O ULTRA-LUXE
ser recuperado. Ano após ano, os nômades que ali criam seus pastos não encontram lugares adequados para seus animais. Por conta disso, muitos criadores de cabras acabaram migrando para os centros urbanos e o cashmere sofreu uma queda drástica em sua produção. Afetadas pela situação, as gran des marcas que comercializam o tecido passaram a estudar medidas para mudar a realidade daquele lugar. Uma das mais ativas é
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FRIO DE MATAR Em poucos lugares do mundo a expressão “frio de matar” pode ser usada de maneira tão literal PLANT PROJECT Nº8
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W Moda Scanlan (esq.) observa a qualidade do cashmere: processo meticuloso e importante para precificar o tecido
a francesa Kering. Em 2010, Marie Claire Daveu, chefe de projetos sustentáveis da grife, observou que as mudanças climáticas estavam afetando drasticamente a qualidade do cashmere na Mongólia e decidiu entender o problema mais a fundo. Sua abordagem girou em torno do processo de criação, já que, de acordo com uma pesquisa realizada pela própria Kering, 90% do solo na Mongólia já passava por processo de desertificação. “O maior desafio para todas as empresas que trabalham com o tecido é educar o povo nômade e adaptá-lo a um novo conceito de produção”, afirmou Daveu ao site Business of Fashion. “O primeiro passo é buscar estratégias viáveis para a reestruturação do solo. Novas tecnologias agrícolas são uma possível solução? Talvez, mas pensando a longo prazo, é necessária a
conscientização das grandes grifes para entender que existe humanidade nessa indústria, são pessoas vivendo em condições tão precárias quanto os animais ali criados, e ajudar esse povo a se autossustentar é a maior prioridade que devemos ter se desejamos que o mercado do cashmere continue forte.” DZUD, O CALOR DE MATAR O frio sempre foi cruel em Gobi, mas também o aquecimento global está ajudando a piorar o cenário. Matt Scanlan presenciou isso de perto. De acordo com pesquisadores da Kering, o pelo dos animais só cresce em temperaturas gélidas, tendo como parâmetro ideal os 12 graus negativos. Como o clima está se tornando mais quente gradativamente, o pelo das cabras cresce cada vez menos. Além disso, eventos climáticos catastró-
MONGÓLIA DESERTO DE GOBI
CHINA
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ficos estão ocorrendo com mais frequência. O dzud é o pior deles. “Imagine o dzud como uma experiência de colégio. Primeiro você coloca a mão na água quente e depois na gelada. Nosso corpo leva um tempo para se adaptar àquilo não é? Agora imagine um verão extremamente intenso e, em questão de alguns dias, um inverno fervoroso e congelante. Bom, isso é o que o povo da região de Gobi enfrenta periodicamente”, explicou Scanlan ao 321 Business. O impacto nos animais é avassalador. Em 2010, por exemplo, foi registrado o pior dzud da história na Mongólia. Nove milhões de cabras morreram. Segundo Scanlan, o mais duro para os pastores não é perder sua fonte de renda. O que realmente importa para aquele povo é a relação de afeto que eles têm por suas criações. “A relação comercial é praticamente nula”, completou. TECIDO DE CONTRADIÇÕES A Mongólia é o segundo maior exportador de cashmere do mundo, atrás do Irã. Com a demanda pelo tecido em alta e a complexidade dos problemas enfrentados por lá, ninguém sabe ao certo se apostar na região é uma escolha sensata. À medida que mergulhou no universo do cashmere, Scanlan foi se enredando em uma infindável teia de contradições. Ele percebeu que, apesar das questões climáticas que assolam o Deserto de Gobi, existe hoje na região um excesso de animais – e, mesmo assim, a produção de tecidos é menor. Como se chegou a esse quadro?
foto: Divulgação
Para Pier Luigi Loro Piana, dono da grife italiana Loro Piana – uma das líderes do mercado de cashmere --, a demanda pelo tecido nas últimas décadas estimulou os criadores a aumentar imensamente seus rebanhos. Mesmo com os dzuds, a população de cabras na Mongólia praticamente dobrou, de 23 para 44 milhões de cabeças. A consequência disso foi que, com o solo já danificado pelo frio intenso, as poucas áreas restantes de pasto foram totalmente devoradas pelos imensos rebanhos e as cabras estavam nascendo menores e com menos pelos. Assim, o cenário que Scanlan e Diederik se depararam não parecia nada promissor. A Mongólia estava atrasada em relação a sua vizinha China, que desde 2013 já implantava leis de preservação de pasto e educava os fazendeiros nômades a se fixarem em áreas determinadas. Mostrava a importância de tratar o solo de uma maneira mais sustentável, com menos cabras, respeitando o tempo de crescimento da vegetação.
O NASCIMENTO DA NAADAM Ao final de sua aventura, Matt e Rijsemus se viram encantados com aquele universo. Como forma de retribuição aos cuidados que receberam naquele mês, prometeram a Dash que retornariam para tentar ajudar de alguma forma aquelas pessoas. Sua primeira iniciativa foi a criação de um fundo coletivo para ajudar no auxílio veterinário das cabras. Dois anos depois, em 2013, lançaram a Naadam, uma startup com o intuito de vender suéteres a um preço acessível e com maiores benefícios aos produtores. “Criar a Naadam foi um tiro no escuro, uma aventura, assim como nossa primeira expedição em Goobi. Não sabíamos ao certo o que iria acontecer, mas obtivemos um lucro inicial de cem mil dólares”, disse Matt. Para Rijsemus, o diferencial da grife foi a forma com a qual eles passaram a tratar os pastores. “Trouxemos uma proposta mais humanizada e as pessoas compraram essa ideia. Colocamos na cabeça a ideia de pro
duzir suéteres e a coisa começou a acontecer”, contou à Fortune. A marca começava a crescer e os empreendedores decidiram voltar no verão seguinte até Gobi e se depararam com um duro cenário. A realidade dos criadores não havia mudado, mesmo com o clima mais estável. A cultura de criação parecia adaptada, porém a qualidade de vida ainda continuava deplorável. O lucro nunca chegava aos pastores porque eles estavam submetidos a um cartel exploratório que fixava os preços visando o benefício próprio. “O resultado disso era a inflação do preço do cashmere, negociantes e marcas cada vez mais ricos e os verdadeiros trabalhadores afundados na miséria”, dizia Scanlan. A REVOLUÇÃO DO CASHMERE De acordo com a consultoria Bain&Co, o preço médio do quilo do cashmere é estimado em 50 dólares. Os intermediários compram o tecido dos pastores por 20 dólares e revendem para as grandes marPLANT PROJECT Nº8
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W Moda
cas numa faixa que varia de 70 até 100 dólares, conforme a qualidade do produto. Scanlan e Rijsemus se propuseram a desafiar essa realidade. Seu propósito seria acabar com os intermediários de uma vez por todas, assumindo todo o processo, da compra da matéria-prima à venda ao consumidor. “Não foi uma tarefa fácil. Formamos uma parceria com uma empresa da Mongólia que desejava produzir um tecido mais sustentável, a Bodio’s. O que fizemos foi: com a renda das vendas iniciais da Naadam e com a ajuda de diversos parceiros, juntamos 2,5 milhões de dólares e colocamos tudo dentro de um pequeno carro, em plena luz do dia, no Deserto de Gobi. Com esse dinheiro, compramos seis toneladas de cashmere diretamente dos produtores, pa ra assim estabelecer uma renda sustentável para o povo”, contou Scanlan à Entrepreneur. Dessa forma, Naadam se estabeleceu como a grife mais sustentável do mundo nesse mercado e a que mais colabora com os produtores. Eles pagam, direto aos criadores, valores que variam de 50 dólares, para o produto de qualidade mais baixa, a 100 dólares, no caso do ultrasoft, proporcionando um expressivo ganho de renda aos donos dos rebanhos. O negócio ainda é uma incógnita, por causa de toda sua complexidade cultural e climática. Porém, marcas como a de Scanlan e Rijsemus são exemplos de que a sustentabilidade e um espírito de mudança podem ser a chave para uma parceria de sucesso. 114
fotos: Divulgação
Aventura no deserto: proximidade e lealdade com os pastores foi trunfo para ascensão da empresa
A imagem do sertão: Fotógrafo registra há três anos a tradição do vaqueiro no Nordeste
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Um campo para o melhor da cultura
foto: Ricardo Prado
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Um campo para o melhor da cultura
A TRADIÇÃO DOS ENCOURADOS O fotógrafo mineiro Ricardo Prado percorre o sertão profundo do Nordeste para resgatar em imagens os vaqueiros e suas armaduras Por Catarina Guedes
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Memória
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projeto já dura três anos – não tem prazo muito definido para terminar. Sempre que pode Ricardo Prado, fotógrafo mineiro radicado em Salvador, adentra um dos mais áridos e poéticos territórios brasileiros, o sertão, para resgatar um herói: o vaqueiro. Não o cowboy ou o garoto que derruba o gado por esporte em arenas multipatrocinadas, mas uma espécie de cavaleiro cruzado, guardião de um sertão imaginário e profundo, que resiste ao sol inclemente, às rudezas do mato e, principalmente, ao tempo e suas grandes novidades tecnológicas. Prado se atém aos encourados, o vaqueiro de chapéu, gibão, jaleco, peitoral, luva e perneira, conjunto que remete às armaduras medievais e difere em adereços – e pelo modo de trabalhar o couro – de uma região para outra. Já registrou os encourados na Bahia e em Pernambuco. Agora se prepara para percorrer o Piauí e o Rio Grande do Norte. O trabalho deve culminar em um livro e uma exposição. Sua ideia é comparar as regiões, mostrando como há diferenças tanto na indumentária como no jeito de montar e derrubar o gado, em virtude das características ambientais e culturais. Sua pretensão, ressalta, não é documental, mas lírica. O branco acinzentado do Nelore, o vermelho e o púrpura das flores e frutos da caatinga e do cerrado e o ocre, quase onipresente, estão lá, esmaecidos pela técnica, para não roubar a cena do sertanejo, que o sol ofusca de cores. O centro das atenções são o vaqueiro, seu cavalo e a peleja do dia a dia. Algumas das referências mais evidentes no trabalho do fotógrafo são as obras literárias de Guimarães Rosa e de Euclides da Cunha, mas é a poesia do músico e compositor Elomar Figueira Mello que o conduz em sua busca. “Elomar fala que
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existem três sertões. Um é o clássico, o outro é o histórico-geográfico e o terceiro, onde ele é o menestrel, é o sertão profundo. O sertão inventado, das histórias e tradições orais e escritas, das artes e do imaginário popular. É nele que capto um personagem real e presente ainda hoje, e tento remetê-lo ao vaqueiro antigo, heroico, que existia naquele sertão grandioso, de Cunha e de Rosa”, discorre. NOVA EPIFANIA A ideia do projeto Vaqueiros Encourados surgiu em 2015, quando Ricardo Prado estava concluindo as fotos para o livro Epifania, lançado naquele mesmo ano, sobre a romaria em Bom Jesus da Lapa, no oeste da Bahia, uma das maiores do País. Prado conta que descia a gruta da Lapa, quando deparou com um grupo de cerca de 50 homens paramentados de couro, que seguiriam para uma missa do vaqueiro, em uma localidade próxima dali. “Decidi acompanhá-los de carro e fiz as primeiras fotos”, relembra. Os vaqueiros encourados são os que se embrenham no mato. Ao contrário do dos
pampas, o gaúcho de influência ibérica e indígena, que trabalha sobre pastagens abertas e amenas, o encourado encara a caatinga fechada, conduzindo o gado e recuperando os que desgarram do rebanho. A paisagem é de espinhos, galhos retorcidos e plantas venenosas, o que torna mandatória a “armadura” de couro. O ofício de vaqueiro foi reconhecido como profissão pela Lei n° 12.870, de 15 de outubro de 2013. Em alguns estados, como a Bahia, é tido como Patrimônio Cultural. Essa função surgiu após a chegada dos portugueses, que trouxeram para a colônia as primeiras reses. O aumento da população bovina e a exploração da pecuária como atividade econômica começaram a causar problemas aos produtores de cana-de-açúcar, cujas plantações eram hegemônicas nas áreas do litoral nordestino. A solução foi adentrar o território brasileiro, o que contribuiu para a expansão das fronteiras do País e para o processo de ocupação do interior. Quanto mais avançavam na caatinga, seguindo os cursos dos rios, mais os paramentos de proteção eram necessários para proteger os homens que conduziam o gado. PLANT PROJECT Nº8
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“No Nordeste, o vaqueiro tem de se aproximar muito do gado. Ele pula no chifre ou derruba pelo rabo, seja para curar uma bicheira, seja para pegar um bezerro desgarrado e amarrar. Engraçado que, quando ele derruba, é como se estivesse desmoralizando o boi, que fica um tempo parado ali, meio humilhado”, ilustra o fotógrafo. Depois de fotografar em Bom Jesus da Lapa, Ricardo descobriu uma região de Pernambuco em que há muita pega de boi, com movimento forte de vaqueiros, não apenas dos profissionais, mas também de jovens que adotaram a vaquejada como esporte radical da região. “Tem gente que não trabalha como vaqueiro, mas se veste como tal e entra no mato para pegar boi por esporte. De certa forma, estão ajudando a preservar a cultura do vaqueiro encourado. Hoje em dia, o gado não é mais tão selvagem. A molecada encara o mato 120
fechado em cima do cavalo pela emoção de enfrentar uma fera”, explica. Sobre a controversa prática da vaquejada, Prado não é taxativo nem pela manutenção nem pelo fim da tradição. “Sou absolutamente contra maus-tratos de animais sob qualquer circunstância. Inclusive na atividade econômica, se não leva em consideração formas dignas de abate do gado. O mesmo vale para as modalidades de entretenimento com animais. De uma maneira geral, um vaqueiro não maltrata animal. Os que tenho fotografado não fazem parte de vaquejada de arena. Mesmo essas pegas de boi esportivas que vi em Pernambuco são bem diferentes dos rodeios e vaquejadas, porque não têm público. Nem têm como ter, porque são realizadas no meio da caatinga. Mas é muito delicado esse tema. Há prós e contras e um mercado grande. Muita gente depende disso para viver”, conclui.
Um gigante antenado com o futuro: A estratégia do grupo Terra Santa para liderar a agricultura digital
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As inovações para o futuro da produção
foto: Jonathan Santos PLANT PROJECT Nº8
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As inovações para o futuro da produção
TERRA SANTA E DIGITAL Presidente de um dos maiores grupos agrícolas do Brasil, Arlindo Moura fala da estratégia de digitalização da Terra Santa e diz que a busca por inovação é o que vai garantir o sucesso do agronegócio nas próximas décadas
foto: Jonathan Santos
Por Clayton Melo
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Estação meteorológica digital na fazenda Mãe Margarida, do grupo Terra Santa: para o presidente da empresa, a tecnologia é um caminho sem volta PLANT PROJECT Nº8
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Estratégia
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rlindo de Azevedo Moura, CEO da Terra Santa Agro, não tem dúvidas: a agricultura digital veio para ficar, e quem não pegar essa trilha está fora do páreo. A razão é muito simples. Pressionado entre o fornecedor de insumos e o preço das commodities, fixado em Bolsa, o produtor não tem para onde correr na hora de administrar os custos nessas duas pontas. O caminho para melhorar os resultados da operação é ter mais eficiência, algo que se consegue com boa governança e tecnologia. “Para ser eficiente, é necessário buscar todos os meios possíveis para reduzir custos. A agricultura digital é um caminho sem volta para conseguir isso”, afirma Moura nesta entrevista à PLANT PROJECT. O executivo fala com a experiência de quem viveu de perto todas as transformações do agronegócio nas últimas três décadas e lidera uma das maiores empresas de grãos e fibras do Brasil. Atual presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), já foi diretor financeiro para a América do Sul da John Deere e presidente de empresas como Kepler Weber S.A. e SLC Agrícola. Há cinco anos comanda a Terra Santa, grande produtora de soja, milho e algodão, com sete unidades de produção instaladas no Mato Grosso e cerca de 160 mil hectares sob sua gestão: Fazenda Iporanga (Nova Maringá), Guapirama (Diamantino), Mãe Margarida (Santa Rita do Trivelato), Ribeiro do Céu (Nova Mutum), São José (Campo Novo dos Parecis), Terra Santa (Tabapora) e Parecis (Campo Novo dos Parecis). Há poucos anos, a companhia iniciou uma estratégia de digitalização da operação, com um projeto-piloto em Nova Mutum. O trabalho está a cargo da Solinftec,
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empresa de agricultura digital com sede em Araçatuba, interior de São Paulo. Entre os pontos centrais da iniciativa está a substituição completa do uso de papel de registros de dados de plantio e colheita. Hoje, essa atividade é toda feita de forma automatizada, com computadores de bordo nas máquinas agrícolas e acesso às informações em tempo real de qualquer lugar. “Os principais benefícios foram as horas de utilização das máquinas, consumo de combustível, que reduziu bastante, e principalmente a forma de contabilização desses custos. Esse processo todo se tornou muito mais preciso agora”, afirma Moura. Confira a entrevista. Qual a visão da Terra Santa em relação à agricultura digital e por que a companhia decidiu implantá-la na operação? O produtor brasileiro, e também no mundo inteiro, fica pressionado entre o fornecedor de insumos e os compradores das commodities. O preço das commodities é fixado por Bolsa. No caso da soja e do milho, é estipulado por Chicago, no caso do algodão, Nova York, e os insumos são adquiridos do exterior. Então, o que sobra para o produtor é administrar esse custo, ganhar dinheiro no meio desses dois itens, do valor dos insumos e do preço que ele consegue em Bolsa pela sua commodity. Para ganhar dinheiro nesse percurso, é necessário ser muito eficiente. E, para ser eficiente, é preciso buscar todos os meios possíveis para reduzir os custos. A agricultura digital é um caminho sem volta para alcançar isso. Como foi exatamente o início do trabalho de adoção da agricultura digital? Há cinco anos começamos a trabalhar
com agricultura de precisão, que na minha visão foi engolida pela agricultura digital. Já estávamos fazendo algumas coisas nessa linha e, conforme o trabalho evoluiu, vimos que tinha muito campo para avançar. Então, buscamos no mercado um fornecedor que já estivesse desenvolvendo um trabalho com agricultura digital, e assim encontramos uma empresa chamada Solinftec. Fizemos um projeto-piloto, inclusive com riscos para eles, que eventualmente não ganhariam nada caso o trabalho não desse certo. Mas felizmente tudo correu nos conformes e conseguimos benefícios para ambos. Já estamos estendendo esse projeto para mais duas fazendas. A Terra Santa hoje conta com todos os processos de coleta de dados automatizados. Como isso era feito antes da implantação da agricultura digital? A forma de controle eram as anotações em papel feitas pelo operador, em campo. Esses dados depois eram colocados
num sistema. Não havia um procedimento on-line que nos permitisse verificar onde e como as máquinas estão trabalhando. Hoje, conseguimos observar também a telemetria das máquinas, e isso não só facilita muito nossa atividade como possibilita também o controle da gestão de cada uma das fazendas. Que tipo de resultados o uso dessa tecnologia já proporcionou? Os principais benefícios foram as horas de utilização das máquinas, consumo de combustível, que reduziu bastante, e principalmente a forma de contabilização desses custos. Esse processo todo se tornou muito mais preciso agora. Levando em consideração o avanço da tecnologia no campo, como o senhor enxerga o agronegócio brasileiro daqui a alguns anos? Minha convicção, como produtor, é de que daqui a dez
anos tudo que fazemos hoje estará desatualizado. Essas inovações são muito rápidas. No momento em que uma inovação surge, paralelamente aparecem outras duas ou três, para outros controles e serviços. O produtor que não entrar nisso vai ficar fora do mercado. O produtor brasileiro tem essa vontade de inovar, de reduzir custos. Isso acontece desde sempre, vem desde o plantio direto, área em que o Brasil é um dos países com maior nível de utilização no mundo. Aconteceu também com o transgênico, algo que o produtor viu rapidamente que era vantajoso de usar. E vai acontecer também com a agricultura digital. Essa nova agricultura exige uma nova mão de obra. Que competências e habilidades o trabalhador do agronegócio precisa adquirir daqui para a frente? A mão de obra é sempre uma dificuldade dentro de uma fazenda. Dependendo do tamanho PLANT PROJECT Nº8
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Estratégia
Telas do sistema digital operando e a sede da empresa, em Nova Mutum (MT): projeto-piloto começa a ser estendido a novas unidades
dela, são 200, 300 funcionários em locais muitas vezes longe da cidade, com dificuldade de acesso às propriedades. Portanto, quanto menos pessoas a gente conseguir ter nas fazendas, melhor. Acho que a agricultura digital vai possibilitar isso. Vai eliminar algumas atividades burocráticas, antes necessárias em função de uso do papel, mas que hoje fazemos pela internet no escritório, de qualquer lugar do mundo. Isso fará com que o custo administrativo de uma fazenda caia bastante. O papel do funcionário da fazenda é produzir soja, milho, algodão, não é ficar fazendo anotações para depois transformar isso em dados. A Terra Santa começou um projeto-piloto com Inteligência Artificial, em Nova Mutum. O que o senhor pensa da adoção de robôs no campo? Acredito que, junto com esse pacote de inovação, vai vir muita coisa ainda. Estamos engatinhando. É aconselhável que o produtor esteja aberto a assumir essas novas tendências de mercado e, com isso, melhorar a sua produtividade e reduzir custos. Como o senhor avalia a posição do Brasil em comparação ao mercado internacional quando o assunto é inovação e tecnologia agrícola? Da porteira para dentro, o produtor brasileiro sempre foi muito competitivo e altamente
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produtivo. Para dar o exemplo do algodão – e nossa empresa é uma grande produtora de algodão –, vale lembrar que o produtor nacional consegue tirar 1.700 quilos de pluma de algodão por hectare, enquanto o americano tira 930. A nossa produtividade é superior em mais de 70% em comparação à americana. Se considerarmos o fato de que a qualidade das terras nos EUA é igual ou superior à nossa – jamais inferior – e que os produtores de lá têm uma qualificação tão boa ou melhor do que a dos nossos funcionários, dá para entender por que somos mais produtivos. Dedicamos mais tempo para estudar e buscar inovações, e isso torna o produtor brasileiro mais competitivo. E por que desenvolvemos essa especialização? Por conta da dificuldade que temos com transporte e logística. A nossa logística é três, quatro vezes mais cara que a americana. Nos EUA, praticamente tudo é feito por meio de rios. Todo produtor tem uma instalação do lado de um rio, no fundo da fazenda. Ele coloca a produção dentro de um barco, enquanto nós, aqui, rodamos mil, 2 mil quilômetros de caminhão para chegar ao porto, principalmente para os produtores do Mato Grosso, a região onde estamos. Isso exige que a gente busque eficiência em outros aspectos; é o que estamos conseguindo fazer. Temos uma produção de soja maior do que a dos americanos. A do milho é
Arlindo Moura, presidente: “Daqui a dez anos tudo o que fazemos hoje estará desatualizado”
incomparavelmente maior. A necessidade de produzir mais com menos é muito forte no Brasil. Os produtores que se deram bem, que estão tendo sucesso, têm essa característica. O avanço da tecnologia no agronegócio está trazendo os jovens para o campo? Por algumas décadas houve um processo de evasão, o filho que saía para fazer uma faculdade e não voltava mais para trabalhar com o pai. Ele virava médico, dentista e ficava na cidade onde foi estudar. Agora está ocorrendo um caminho inverso. Os filhos e os netos estão voltando para administrar fazendas. Isso é bom para os jovens, pois representa uma alternativa a mais de emprego e carreira. A Terra Santa é um exemplo. A nossa diretoria, tirando eu, está na faixa de 30 a 40 anos. Isso ocorre também na camada de gerentes, coordenadores e supervisores. Um time muito bem preparado está vindo para o campo, e essas pessoas vêm com uma disposição muito grande de aprender, algo que a faculdade não oferece da mesma forma. Quando ele vem para a fazenda e vê a tecnologia em operação, ele se apaixona. Isso é muito bom. Vamos ter cada vez mais profissionais preparados para a nova era, a da agricultura digital. Como o senhor pessoalmente se relaciona com a tecnologia? Sempre tive muita vontade de entender as novas tecnologias.
Meu pai foi militar, a qualificação dele era voltada para a comunicação. Eu me criei vendo isso. Assim que tive um pouco de dinheiro no bolso, fui correr de automóvel – por conta da tecnologia dos carros. Depois fui ser professor universitário, sempre na busca de novos conhecimentos. Felizmente hoje estamos vendo que os jovens estão exatamente com essa cabeça, de inovar, buscar mais, fazer mais com menos. E isso é muito bom. Sem dúvida nenhuma é isso o que vai garantir o sucesso do agronegócio brasileiro por muitas décadas. A agricultura tem um histórico de inovação e agora está entrando na fase digital, mas a comunicação do agronegócio não parece acompanhar essa modernização. O senhor acha que o setor se comunica bem? Não. Basta ver o esforço que o agronegócio tem de fazer para demonstrar as coisas boas que tem. Um caso recente foi o do código ambiental. Não há nenhum lugar no mundo que tenha áreas sendo cuidadas por produtores. Hoje, mais de 20% das nossas reservas são cuidadas por produtores. Eles não ganham nada por isso, têm custo, têm de cuidar para não pegar fogo, para não roubarem
árvores, tirarem terra. Nos países em que existe uma reserva, o produtor recebe para cuidar dela. Aqui não, somos obrigados a cuidar por força da legislação, e o produtor sabe que se ele não cuidar da terra não conseguirá passar um legado e preservar seu patrimônio. As terras brasileiras são muito pobres. Veja o cerrado brasileiro, nem mato cresce. Depois de dez anos de trabalho para corrigir e melhorar, trazendo benefício para essa terra, ela obtém a qualidade de terra americana, argentina. Então isso é uma comprovação de que o produtor tem consciência de que deve cuidar da sua terra e de que o sucesso no futuro depende disso. Como o senhor imagina a Terra Santa daqui a cinco ou dez anos? Diria que só vamos ter crescimento, um crescimento geométrico. Com novas inovações aparecendo, os gestores têm o entendimento de que precisam adotar essas ferramentas para reduzir custos e produzir mais com menos. O produtor brasileiro está consciente de que esse é o caminho. Não tenho dúvida de que a agricultura digital veio para ficar. Ela vai crescer muito rapidamente, e aquele que não entrar hoje vai entrar amanhã, porque é um caminho sem volta. PLANT PROJECT Nº8
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SUSTENTABILIDADE NA PRODUÇÃO AGRÍCOLA
P linio Nastari*
Uma realidade cada ve z mais present e n as a valiações de flu xos de c omé rcio é o fato de que por trás de cada t on elada tra nsacionada est á e mbutido um det erminado c onteúdo de recu rsos naturais. No caso das c ommodit ies agrícolas, há um elevado cont eúdo de água e de emissões de ga ses do efeit o estufa por trás de cada ton elada e xportada. A FAO (Organ ização das Nações Unid as para a Agricultura) e a O CDE estimam que 40% do au men t o de de man da mu n dial de aliment os até 2050 de verão ser supridos pe lo Brasil. É , port anto, relevan t e a discussão de estra tégias para valorizar cad a vez mais as e xport ações agrícolas b rasileiras, tor n ando-as ta mbém crescent eme nte sustent áveis. No s primeiros set e meses de 2017 (jan eiro a julho),
segundo dados da alfandega local a C hina imp ortou 54,89 milhõ es de toneladas de soja, aumento de 16,8% sobre o mesmo período do ano passado. Mas por que a C hina importa tanta soja e não milho sendo, ao contrário, o segundo maior pro dutor do grão atrás ap enas dos Estados U nidos. Tendo como referência a produção agrí cola na última safra, nos Estados Unidos a produção de milho foi de 370,3 milhões de toneladas, e a de soja de 120,4 milhões de toneladas, uma relação de 3,07. Na C hina, a produção de milho foi 215 milhões de toneladas, e a de soja 14,2 milhões de toneladas, uma relação de 15,1. No Brasil, a pro d ução de milho fo i 97,4 milhões de toneladas, e a de soja 108,0 milhões de toneladas, uma relação de 0,9. A C hina produz
tanto milho que os seus estoques ultrapassam a sua produção anual, e por estarem armazenados há t anto tempo parte está apodrecendo. Nesta ci rcunstancia, por que importar tanta soja? A resposta não é conhecida, mas a pista pode estar relacionada ao uso relativo de água, recurso natural abundante no Brasil. A produção de uma t onelada de milho requer aproximadamente 917 m etros cúbicos de água, enquanto uma tonelada de soja requer 2200 metros cúbicos. Água é um dos recursos mais escassos na China. Apesar do s eu extenso território de 9, 6 milhões de quilômetros quadrados e uma população de 1,4 bilhão de almas, dispõe de apenas 6% da água doce do planeta. O Brasil tem um território de 8,51 milhões de quilômetros quadrados, uma população de 206
* Presidente da DATAGRO, é o representante da sociedade civil no CNPE, Conselho Nacional de Política Energética.
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mil hões de al mas, e 1 2% da água doce do p la neta. A i mpor taç ão a n u al i zada de soj a d a C hina em 2017 equiv ale a 207 b ilhões de metro s c úbicos de água. O rio Amarel o, também c on heci do como Hu ang H e , é o segundo ma is l ongo da Chi na e o sexto mai or r i o do mundo, medi ndo 5.4 6 4 km e abr angendo um a b a c ia de 752. 000 km ². A s ua vazão de 257 1 me t ros cúbi cos por s e gundo, equi val e a 81 bi l hões de metr o s c ú bi cos por ano. A s o j a i mpor tada pela C hina em 2017 equiv ale a 2,55 vezes a vazã o d o rio Amar el o. Qua ndo o Br asi l expo r ta a s oja em gr ão, dei x a d e g er ar val or agr eg ado loc a l mente, poi s deix a p a ra o paí s de desti no re a liz ar o esmagamento e ge r ar produtos de ma ior val or agregad o. A t ual mente, o Br asi l e s maga apenas 40% da soj a pr oduzi da, e com e la ger a far el o de so ja e óleo par a consum o d omésti co, expor tação, e t ransfor mação em b iod i esel . Em 2017, a p rodução de bi odies el
s er á de 4, 3 bilhões d e li tros . S e o es m ag am e n t o aum entar par a 6 5 % , a produção de bio dies e l po der á ating ir 18 bilh õ e s de litr os por ano . A balança co m er cial e a agr egação de v al o r com a pr odução de m ais car ne e m eno r pr es s ão de lo g ís tica com o tr ans po r te de g r ão s , agr adecem . E m 2016, o B r as il im por tou 7 , 4 bilhõ es de litr o s de dies el fós si l , e em 2017 a im po r ta ç ã o dev e ultr apas s ar 12 bi lhões de litr o s . O m es m o ocor r e com o etano l. E m bor a o Br a si l s ej a o s eg undo m aior pr oduto r de etanol do m undo, pr aticam e n t e toda a pr odução de 2 7 , 6 bilhõ es de litr os é co ns um ida localm e n t e . É pr ecis o ex pandir a produção de etano l d e cana- d e- açúcar, e ex i st e t am bém um po tencia l adicional cons ider áv e l d e p rodução de etano l d e m il ho . É es per ado qu e a pr o dução de etano l cr es ça par a pelo m en o s 44 bi lhõ es de litr os a t é 2030. O abas tecim en t o d e g as olina tam bém ag r adece. E m 2 0 1 6 , a im por tação de gas o l i n a
foi de 2,93 bilhões de l i t ro s, e m 2 0 1 7 d e v e atingir 4,5 bilhões de l i t r o s, e e m 2 0 1 8 d e v e u l tr a p a ssa r 5 , 8 b i l h õ e s d e l i t r o s. H á a i n d a o p o te n c i a l d e p r o d u ç ã o de biogás e biometano, a t r a v é s d e re sí d u o s a g r o in d u st r i a i s e r e sí d u o s só l i d o s u r b a n o s, c o m um potencial de mais de 71 milhões de metros cúbicos por dia. O biogás purificado, ou biometano, p o de r á e m b re v e su b st i t u i r o d i e se l f ó ssi l e m t r a t o re s e c a m i n h õ e s a g r í c o l a s e p o d e se r a d i c i o n a d o a o g á s f ó ssi l d i str i b u í d o n o s g a so d u t o s e si st e m a s d e d i st r i b u i ç ã o d e G N V. O b i o g á s p o d e p r od u z i r e l e t r i c i d a d e li mp a su b st i t u i n d o f o n te s d e e n e r g i a f ó ssi l . A i n t e n si f i c a ç ã o d o u so d e b i o c o m b u st í v e i s na produção agrícola, e a su a t r a n sf o r m a ç ã o e a g r e g a ç ã o d e v a l o r, d e v e m se r c o n si d e r a d o s elementos centrais da e st r a té g i a n a c i o n a l d e va l o r i z a ç ã o e d e a u m e n t o d a su st e n t a b i l i d a d e da agricultura nacional, valorizando de forma c a d a v e z m a i s i n t e n sa o se u e l e v a d o c o n t e ú d o d e r e c u r so s n a t u r a i s.
PLANT PROJECT Nº8
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