Plant Project Ed. #12

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Para quem pensa, decide e vive o agribusiness

A CORRIDA DA ÁGUA De insumo abundante a recurso escasso e valioso, ela já é cobiçada como o petróleo do século 21

GOVERNO EM ENTREVISTA EXCLUSIVA, A NOVA MINISTRA DA AGRICULTURA DIZ QUAL SERÁ A MARCA DA SUA GESTÃO

TOP FARMERS Pedro Merola e Eduardo Sekita, sangue novo no comando da pecuária INOVAÇÃO AS IDEIAS NADA ORTODOXAS DO ARQUITETO QUE DESENHA AS LAVOURAS DO FUTURO

DEFENSIVOS

O risco do apagão dos agroquímicos

venda proibida distribuição dirigida www.plantproject.com.br

MÚSICA Renato Teixeira, a voz oficial do agronegócio


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COM O AGRO DO FUTURO

Todo dia é uma oportunidade de criar novas e relevantes histórias no campo. Com a Plant é assim: há 2 anos desenvolvemos conexões inteligentes, consistentes e decisivas entre o agro do futuro e as grandes marcas através de projetos transformadores. Quer transformar seus negócios no campo? Conecte-se com o agro do futuro. Acesse: www.plantproject.com.br 2


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E d ito ri a l

A MARCA DA OUSADIA

“A gente vai ter que ousar mais na política agrícola brasileira.” A frase é da deputada Tereza Cristina (DEM-MS), futura ministra da Agricultura. Foi dita à PLANT em uma entrevista exclusiva concedida pouco mais de um mês antes da posse do novo governo federal e publicada nesta edição. Na

Para quem pensa, decide e vive o agribusiness

conversa, ela indicou os caminhos que pretende seguir na sua gestão, em A CORRIDA DA ÁGUA De insumo abundante a recurso escasso e valioso, ela já é cobiçada como o petróleo do século 21

GOVERNO EM ENTREVISTA EXCLUSIVA, A NOVA MINISTRA DA AGRICULTURA DIZ QUAL SERÁ A MARCA DA SUA GESTÃO

TOP FARMERS Pedro Merola e Eduardo Sekita, sangue novo no comando da pecuária

um estilo simples e objetivo. Simplificar, aliás, será seu lema e sua marca à frente do Ministério, segundo afirmou. É uma boa forma de ousar em um país em que a regra dos governos, ao longo dos séculos, foi criar dificulda-

INOVAÇÃO AS IDEIAS NADA ORTODOXAS DO ARQUITETO QUE DESENHA AS LAVOURAS DO FUTURO

DEFENSIVOS

des para vender facilidades.

O risco do apagão dos agroquínicos

venda proibida distribuição dirigida www.plantproject.com.br

MÚSICA Renato Teixeira, a voz oficial do agronegócio

Quem defende o moderno agronegócio brasileiro sabe que, no campo, a ousadia é insumo abundante. Nossos produtores reclamam uma contrapartida estatal ao trabalho que executam, apesar do ambiente pouco amigável a que estão submetidos. Eles depositaram um voto de confiança no presidente eleito, Jair Bolsonaro, e aprovaram a escolha de Tereza Cristina. A declaração de intenções feita na entrevista é coerente com a retórica da campanha. A prática, a partir de janeiro, dirá se o setor terá efetivamente uma safra de boas notícias. Luiz Fernando Sá Diretor Editorial

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PLANT PROJECT Nº12

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D i r etor Luiz Felipe Nastari A rt e Andrea Vianna Projeto Gráfico e Direção de Arte E d i tor Romualdo Venâncio romualdo.venancio@plantproject.com.br Col ab o ra dores: Texto: Alexandre Inacio, Amauri Segalla, Bruno Cirillo, Costábile Nicoletta, Irineu Guarnier Filho, Evandro Costa, Jaqueline Mendes, Marco Ripoli, Pedro Marques, Tiago Dupim Fotografia: Cláudio Gatti, Rogério Albuquerque, Sergio Dutti Design: Bruno Tulini Revisão: Rosi Melo Estagiário: Rafael Lescher Com un i cação Eliane Dalpizol Coordenadora de Comunicação eliane.dalpizol@datagro.com Ev e n to s Simone Cernauski A d m i n i st ração e Fina nç as Cláudia Nastari Sérgio Nunes

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Jardim espacial: As flores zínias cultivadas pela Nasa: a planta foi o primeiro passo na experiência para, no futuro, produzir comida fora da Terra

G GLOBAL

O lado cosmopolita do agro

foto: divulgação PLANT PROJECT Nº12

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G

GLOBAL

O lado cosmopolita do agro

E S TA D O S U N I D O S

NASA APRENDE A PLANTAR NO ESPAÇO Agência americana cultiva em Estação Espacial diversos tipos de lavouras e abre caminho para viagens a lugares distantes como Marte

As flores zínias são um milagre da natureza. Pertencentes à família da margarida, elas são fáceis de cultivar e resistem a quase tudo – baixa umidade, sol inclemente, encharcamento, pragas. Agora, a Nasa, a agência espacial americana, descobriu um novo atributo: as zínias podem crescer e se multiplicar fora do ambiente terrestre. Parece pouca coisa, mas é algo realmente extraordinário. A jardinagem espacial é a última fronteira que falta para o homem viajar por longos períodos no espaço, tornando possível, por exemplo, uma missão tripulada a Marte. Ir e voltar do planeta vermelho significa ficar mil dias em órbita. Até hoje, o recorde é do 8

cosmonauta russo Sergei Krikalev, que permaneceu 748 dias longe da Terra. A jardinagem espacial não está sendo praticada para permitir aos humanos colonizar outros planetas, como a ficção científica sempre sonhou. A ideia é produzir alimentos capazes se suprir as necessidades de nutrientes dos astronautas, abrindo a possibilidade para que percorram longas distâncias com segurança. Em viagens demoradas, eles não podem carregar toda a comida de que precisam, já que as rações tradicionais oferecidas aos viajantes espaciais perdem com o tempo seu valor nutritivo. Sem comida fresca – fonte vital de vitaminas C


Experimento veggie: astronautas fazem testes em órbita, com hortas tecnológicas na Estação Espacial Internacional

e K –, os astronautas poderão desenvolver infecções, alguns tipos de câncer e doenças cardíacas. Para simplificar: eles precisam de um estoque recarregável, com vitaminas extras, e os jardins espaciais podem fornecer isso. O programa agrícola da Nasa foi batizado de Experimento Veggie, que consiste basicamente em cultivar vegetais na Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês). Navegando na órbita da Terra e a 400 km de altitude, a ISS é um grande laboratório espacial habitado por seis astronautas, que são trocados periodicamente. O Experimento Veggi foi criado em 2014, três anos depois do lançamento da ISS, e já consumiu mais de US$ 100 milhões em investimentos. Até agora, os cientistas da Nasa descobriram 106 variedades de plantas que, teoricamente, poderiam ser cultivadas no espaço. Algumas delas são alimentos clássicos dos humanos, como alface, repolho e batata. O primeiro desafio é fazê-las crescer e sobreviver em um ambiente

extraterrestre. Isso começa com sementes envoltas em pequenas bolsas de Kevlar revestidas com Teflon. As sementes são plantadas em espaços chamados de câmaras de crescimento, espécies de estufas em miniatura equipadas com led azul, verde e branco. Nesse ambiente, é possível reproduzir um dos grandes acontecimentos da natureza: a fotossíntese. Cada plantação é monitorada por 150 sensores que checam condições como umidade, temperatura e oxigênio. Se tudo estiver bem, a planta cresce, mas esse é apenas o primeiro passo para que ela seja, enfim, consumida. Outro grande desafio das lavouras espaciais é livrar as plantas de fungos e bactérias que possam causar danos aos humanos. No espaço, o mofo é um problema sério, e eliminá-lo é o grande objetivo dos pesquisadores. Eles já descobriram a quantidade certa de luz e água que impede a proliferação dos fungos e também desenvolveram antioxidantes que protegem as plantas contra diversos tipos de doenças. Em agosto de 2016,

depois de uma série de testes que comprovaram que o alimento era seguro, o astronauta americano Shane Kimbrough comeu, pela primeira vez na história, uma planta cultivada no espaço. Ele disse que o sabor era idêntico ao alface terrestre e até agora, dois anos depois, não teve problemas de saúde. Os cientistas apontam outro fator importante para o desenvolvimento da jardinagem espacial: os efeitos psicológicos positivos sentidos pelos astronautas. “Nossos garotos na estação espacial disseram que ficaram reconfortados cultivando plantas no espaço”, disse à imprensa americana Trent Smith, pesquisador da Nasa. “O plantio os ajuda a manter alguma conexão com a Terra.” Estudos complexos mostram que a dieta pouco variada e sistemática provoca elevados níveis de estresse. Adicionar um novo sabor ou textura, como uma alface crocante e suculenta, é tudo o que os astronautas precisam para se sentir bem a quilômetros de distância da Terra. PLANT PROJECT Nº12

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G AUSTRÁLIA

A NERD QUE COMBATE A FOME NO MUNDO

Sabrina Davies é uma australiana de 21 anos obcecada por plantas e que teve uma ideia que pode salvar o mundo. Ela irá passar os próximos 3 anos, ou a duração da pós-graduação na Universidade UWA, uma das mais importantes de seu país, examinando a estrutura molecular dos karrikins, palavra estranha para designar os compostos que originam a germinação de plantas após incêndios florestais. “Se você já passou por um local de queimadas 15 dias depois, verá a mata voltando à vida”, diz Sabrina. Ela quer saber por que isso acontece e usar a resposta para regenerar lavouras e terras destruídas ou imprestáveis. Idealista, a jovem espera que o resultado de sua pesquisa ajude a combater a escassez de alimentos no mundo. “A partir de 2050, a fome poderá ser um problema sério, mas não podemos deixar que isso aconteça”, diz.

E S PA N H A

AGRICULTORES ENLOUQUECEM PELAS AMÊNDOAS Um famoso estudo realizado pela Sociedade Americana para a Nutrição mostrou que o consumo diário de amêndoas previne o diabetes, ajuda na perda de peso e protege o coração. A pesquisa era o gatilho que médicos e nutricionistas do mundo inteiro precisavam para indicar a oleaginosa para seus pacientes. A onda se espalhou pela internet e a amêndoa se tornou a queridinha da vez. Na Espanha, a crescente demanda mundial está 10

levando os agricultores a substituir os campos tradicionais de trigo e girassol por pomares de amendoeiras. “Na Andaluzia, a paisagem mudou tanto que javalis agora descem das montanhas para comer amêndoas”, disse o agrônomo Curro Lopez a um jornal local. Os produtores vão atrás dos lucros. Há cinco

anos, o quilo era vendido a US$ 3,5. Hoje em dia, está cotado a US$ 10,5. Nenhum país do mundo parece estar tão interessado no negócio. De décima maior produtora mundial, a Espanha atualmente é a terceira. Na safra 2018-19, serão colhidas no país 61 mil toneladas de amêndoas, um recorde.


I N G L AT E R R A

AS BATATAS ENCOLHERAM Os fãs do fish and chips, o prato mais tradicional da Inglaterra, sofreram um duro golpe no último verão europeu: os peixes foram servidos do mesmo jeito de sempre, mas as batatas encolheram. Elas estão até 3 centímetros menores e, mesmo assim, custam mais do que um ano atrás. A razão não é a ganância dos restaurantes, mas um fenômeno que costuma tirar o sono dos agricultores: as condições climáticas adversas. A Europa acaba de sair do verão mais quente dos últimos 42 anos. Aliadas à falta de chuvas, as altas temperaturas quebraram a safra do Velho Continente, que nesta temporada produziu 20% menos batatas do que no ano anterior. Na Bélgica, uma das maiores exportadoras de tubérculos do mundo, as batatas que resistiram ao tempo ruim estão 25% menores, e não há nada que os agricultores possam fazer. “Vamos todos ter que comer batatas fritas pequenas”, disse Pierre Lebrun, coordenador de uma associação de produtores belgas.

BOLÍVIA

Estufas subterrâneas para salvar a lavoura O altiplano boliviano é um dos lugares de variações climáticas mais extremas do mundo. No verão, temporais violentos, ventos fortes e calor sufocante destroem lavouras inteiras. No inverno, as plantações sofrem com a geada – às vezes, neve – e temperaturas negativas que se aproximam do frio polar. Quase 60% dos agricultores bolivianos vivem no altiplano, mas seus métodos tradicionais de cultivo podem estar com os dias contados. Com o aquecimento global, os extremos do clima têm sido mais intensos, e isso é uma péssima

notícia para o agronegócio. Os bolivianos, porém, parecem ter encontrado uma solução para o problema: eles estão construindo estufas subterrâneas, chamadas de “walipinis”. Com apenas seus telhados visíveis, elas são quase indistinguíveis da paisagem exterior. Construídas de modo a usar sistemas naturais de ventilação e de irrigação, as walipinis mantêm microclimas sempre constantes, faça chuva ou sol, calor ou frio lá fora. O método foi inventado há 25 anos por um pesquisador suíço, mas só agora se espalhou pelo país. PLANT PROJECT Nº12

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G E S TA D O S U N I D O S

PETISCOS DE BICHOSDA-SEDA

A indústria de insetos comestíveis está crescendo rapidamente. Nos Estados Unidos e na Holanda, já é possível comprar alimentos processados que têm como base grilos e larvas. A China acaba de lançar uma novidade: salgadinhos feitos a partir de bichos-da-seda. Criados pela empresa Bugsolutely, os snacks Bella Pupa chegaram no meio do ano aos supermercados e, segundo seus inventores, se tornaram rapidamente um sucesso de vendas. “Comparado com carne de porco e frango, o bicho-da-seda tem o dobro de

aminoácidos essenciais, o dobro do ferro encontrado em um ovo e mais de dez vezes os valores de zinco e magnésio do que o leite”, garante Massimo Reverberi, fundador da Bugsolutely. O potencial econômico é imenso. Bichos-da-seda são um subproduto da indústria da seda e se alimentam apenas de folhas de amoreiras, fatores que tornam o seu custo de produção muito baixo. Por enquanto, os snacks estarão disponíveis apenas no mercado chinês, mas a empresa pretende levá-los para a Europa e os Estados Unidos a partir do ano que vem.

SUÍÇA

SECA AUMENTA NÚMERO DE ACIDENTES FATAIS NO CAMPO Entre janeiro e agosto de 2018, 30 agricultores morreram na Suíça em acidentes com tratores agrícolas. Em todo o ano de 2017, foram 23. O motivo é surpreendente: o clima excepcionalmente quente. Segundo o Centro para Prevenção de Acidentes na Agricultura, a falta de chuva e o calor excessivo deixaram o solo suíço seco demais. Solos 12

secos, diz a entidade, são mais escorregadios que os úmidos, mas os agricultores não se dão conta disso. Resultado: eles não se previnem para trabalhar nessas condições e abrem mão até de equipamentos essenciais

como cinto de segurança. Em um país com terrenos íngremes como a Suíça, isso é bastante perigoso. Uma campanha nacional recém-lançada alerta para o problema, mas críticos disseram que ela foi divulgada tarde demais.


BRASIL

CAMPO MAIS PERTO DA CIDADE Desafio para uns, oportunidade para outros. O esforço – nem sempre compensado – de grande parte da população metropolitana para conciliar a necessidade de uma alimentação saudável com uma agenda cada vez mais concorrida inspirou a criação da startup Energia da Terra. Fundada em 2015, a empresa entrou no mercado de snacks a a princípio com porções in natura de cana-deaçúcar. Uma das culturas mais tradicionais da agricultura brasileira servida de uma forma que grande parte dos consumidores mais jovens talvez ainda não tenha experimentado. O produto deu tão certo que acabou conquistando espaço em redes de varejo e empórios premium, além de ganhar novas versões e sabores, como limão e abacaxi. Uma parceria com a Mauricio de Sousa Produções permitiu colocar a Turma da Mônica nas embalagens, o que fortaleceu a popularização do produto. Mas nada disso aconteceu sem antes exigir dos sócios grande esforço para acertarem na definição do produto final e conseguirem as negociações corretas. Já começa pelo fato de que a cana para o consumo dessa maneira tem de ser diferente da utilizada para produção de açúcar e etanol. “Foi feito um estudo de um ano e meio para definir as variedades mais adequadas, com equilíbrio entre o teor de açúcar e o de fibras, além da maciez, importante para um produto mascável”, explica o engenheiro agrônomo Marco Lorenzzo Cunali Ripoli, um dos sócios da Energia da Terra. Garantir essas características permitiu ainda mais versatilidade para a cana, que também virou palitinho para misturar drinques e café. Além de evitar a necessidade dos canudos de plástico, no caso dos drinques, pode ser consumido no final. Um destino difícil de imaginar, há algum tempo, para o produto que vem de canaviais do interior de São Paulo.

A linha cresceu e ganhou outras opções de alimentos: tomate cereja desidratado, semente de abóbora sem casca e sem sal, castanha-do-pará, milho torrado com mostarda e mel, damasco seco e banana chips com sal. O cuidado na escolha dos fornecedores desses produtos é tão rigoroso quanto os da cana. Até porque boa parte é importada, como os tomates cereja, que vêm da China, o damasco, vindo da Turquia, e o milho, que é da Espanha. Ripoli destaca que essas empresas têm selo de qualidade e a garantia do compromisso com o meio ambiente. A empresa, que teve investimento inicial de R$ 400 mil e faturamento de R$ 250 mil em 2017, está reforçando sua infraestrutura para ampliar e aprimorar a produção dos palitos de cana, e até já almeja o mercado externo. PLANT PROJECT Nº12

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G

I N G L AT E R R A

Comida no centro da Terra Elas já foram o combustível da Revolução Industrial. Depois, viraram símbolo de trabalho em condições degradantes e de fonte poluidora. As antigas minas de carvão da Inglaterra tornaramse alvo de protestos, apontadas como modelo de tudo o que o capitalismo moderno deveria evitar. Muitas delas foram fechadas, sobretudo nos anos 1980, deixando cicatrizes profundas, na forma de túneis escavados pelos mineiros, em várias regiões britânicas. Agora, um projeto desenvolvido na Universidade de Nottingham pretende resgatar sua imagem, extraindo das enormes cavernas algo bem mais nobre e limpo. “Os túneis das minas de carvão são o ambiente perfeito para o cultivo de algumas espécies de vegetais”, afirma Saffa Riffat, professor da universidade e presidente da Sociedade Mundial de Tecnologia para Energia Sustentável. Segundo ele, as minas poderiam ser uma alternativa mais eficiente e barata ao cultivo em fazendas verticais e em estufas. A ideia, ainda na fase de prototipagem, já recebeu apoio de proprietários de minas e até o governo chinês demonstrou interesse em conhecer melhor o projeto das fazendas subterrâneas. Segundo a rede britânica BBC, há cerca de 150 mil túneis abandonados no Reino Unido, perfazendo uma área total de 25 mil quilômetros. A ideia foi inspirada por um experimento já produtivo da empresa Growing Underground, que cultiva vegetais em antigos abrigos antiaéreos em Londres e fornece para restaurantes e supermercados. O processo de produção é hidropônico, com irrigação e iluminação (feita com lâmpadas de led ou com fibras ópticas) controladas por computadores. Como a temperatura e umidades são constantes nos túneis, as plantas não sofreriam com variações climáticas. Segundo estimativas da equipe de Riffatt, um túnel de 7 metros de comprimento poderia produzir 80 toneladas de alimentos por ano. 14


O projeto da Universidade de Nottingham (à esq. e à dir.), a produção subterrânea de cogumelos na Austrália (no alto) e as lavouras em túneis da Growing Underground

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G CHILE

LEITE SEM VACAS E MAIONESE SEM OVOS

“O que aconteceria se pegássemos as plantas e as transformássemos em queijo, ovos, leite e presunto?” Com essa dúvida em mente, três amigos chilenos fundaram, em 2015, a Not Company, empresa que está conseguindo replicar alimentos de origem animal a partir de plantas. “Um alimento nada mais é do que a soma de estruturas químicas”, disse em entrevista à imprensa chilena Pablo Zamora, sócio da startup. “O que fazemos é estabelecer, com a ajuda da Inteligência Artificial, a combinação química ideal para produzir uma comida específica.” Zamora criou um software que identifica conexões entre proteínas vegetais e animais e determina quais ingredientes à base de plantas imitam características encontradas em carnes vermelhas, aves e laticínios. Inserir mais dados no sistema aumenta a sua base de conhecimento e, portanto, a capacidade de apontar os vegetais com estrutura molecular parecida com a de produtos animais. Por enquanto, a Not já lançou um ovo vegetal no mercado.

E S TA D O S U N I D O S

O banco de dados dos micróbios Todos os anos, micróbios famintos encontrados nas folhas e raízes de plantas geram bilhões de dólares em prejuízos. Para contêlos, a americana Indigo Agriculture iniciou uma tarefa hercúlea: identificar cada um desses seres e, assim, estabelecer os efeitos que eles possam provocar na saúde das lavouras. Ao usar o sequenciamento do genoma 16

e a análise computacional, a startup erigiu um banco de dados inédito no mundo com as características de milhares de micróbios vegetais. A partir dessas informações, a empresa pretende identificar aqueles que possam provocar

mais danos às plantas. O negócio é tão promissor que a Indigo arrecadou mais de US$ 370 milhões para dar andamento ao projeto, o que é muito dinheiro em se tratando de empresas iniciantes.


A água vai valer cada vez mais: Agropecuária consome 69,5% do recurso, mas devolve à natureza boa parte disso, já limpa

Ag AGRIBUSINESS

Empresas e líderes que fazem diferença

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Ag Empresas e líderes que fazem diferença

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A PEQUENA NOTÁVEL Em entrevista exclusiva à PLANT, a nova ministra da Agricultura, Tereza Cristina, diz qual será sua marca no comando da pasta e promete ousar na definição da política agrícola Por Luiz Fernando Sá | Fotos Sérgio Dutti

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Ag Entrevista

A

s aparências enganam, mas apenas aqueles que não conhecem pessoalmente a deputada Tereza Cristina (DEM-MS). Mesmo com porte físico acanhado e tom de voz baixo, ela costuma se destacar no ambiente masculino e nem sempre gentil da política. A pequena produtora rural sul-mato-grossense abriu espaço e se fez ouvir em um universo em que muitos costumavam se impor por falar grosso. Adepta da negociação e firme no discurso, Tereza Cristina trocou o campo pelos gabinetes, ocupou vários postos administrativos e parlamentares em seu estado e em Brasília (DF) até chegar à liderança da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). E, de lá, ser convocada pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, para comandar o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) a partir de janeiro. A reportagem de PLANT encontrou a deputada no casarão à margem do lago Paranoá, em Brasília, que serve como sede para a FPA, no fim de novembro passado. O local e a agenda estavam repletos. Deputados, senadores, presidentes de entidades de produtores e lobistas se revezavam nas diversas salas do local, em dezenas de reuniões em que se discutia a formação da equipe que assessorará Tereza Cristina no Mapa. Pelo menos uma definição havia saído naquela terça-feira, dia 27: o deputado mineiro Marcos Montes (PSD) ficaria com o posto de secretário executivo do Ministério, uma espécie de vice-ministro que reforça a tese de que a FPA tem o controle das principais ações da pasta. A escolha de Montes, assim como a da deputada, foi bem recebida no setor pelo perfil afeito ao diálogo. Será essa a marca da próxima gestão na Agricultura? Tereza Cristina, que naquele dia pediu para ainda não ser chamada de ministra, mas de

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deputada, responde na entrevista a seguir. Vou começar a pergunta mais simples: qual será a sua marca no Ministério? O ministro Blairo Maggi, por exemplo, se caracterizou como um caixeiro-viajante do agro brasileiro, abrindo mercados e enfrentando as barreiras que tentam impor aos nossos produtos. A marca, que não será só minha, mas a que esse governo quer implementar, é da simplicidade e da simplificação. O que nós pudermos simplificar dentro dos processos, sem perder a qualidade e a segurança desses processos, a gente tem de fazer. Hoje a burocracia brasileira, em todos os setores, se tornou uma âncora que não deixa o Brasil deslanchar. Qual será o primeiro alvo nesse sentido? A gente tem o problema hoje da defesa sanitária, que é muito complexa e também muito burocrática. Ela às vezes atrapalha. Mas não podemos perder segurança. Na verdade temos que até buscar mais segurança e voltar a ter a credibilidade que nós perdemos lá fora com todos esses processos que o Brasil viveu, como o da Carne Fraca. Mas às vezes a burocracia e as amarras que se colocam acabam fazendo com que as pessoas deem um jeitinho e, assim, a complexidade não resulta em segurança. É preciso verticalizar, o que o Ministério já vem fazendo. Não vamos entrar lá e inventar a roda. Quem produz é que é o cliente do Ministério da Agricultura. Não fazemos nada se não tivermos o cliente, que é o produtor rural e a indústria do agronegócio, os diversos setores que dependem das notas normativas e dos direcionamentos que o Ministério pode dar. A nossa marca deve ser fazer um ambiente de negócios que possa facilitar a vida do produtor e do agroindustrial brasileiro.


Essa simplificação será feita através do Congresso ou a partir das normas do Ministério? Sobretudo a partir de normas. Às vezes, é a partir do entendimento, de uma mudança de cultura na cabeça das pessoas. Não é você deixar de lado o que precisa ser feito. É ter boa vontade e ajudar o produtor a produzir cada vez mais, com facilidade, com segurança, cumprindo as normas. Outra coisa que eu também gostaria muito de trabalhar é a área de crédito, a modernização dessa área. A agricultura brasileira cresceu muito e hoje o crédito oficial é insuficiente. Precisamos trazer novos mecanismos de crédito, ter crédito com juros compatíveis com a nossa atividade e o seguro rural, que é o complemento disso. Essa questão do seguro é uma demanda muito antiga do setor e nunca foi devidamente atendida. Por que é tão difícil implementar? E por que a senhora imagina que seja possível agora? Eu não sei se é possível. Vou colocar todo o foco e toda a prioridade em cima disso. Acho que precisamos ter uma conversa com o setor para ver o que ele quer, porque às vezes estamos colocando dinheiro do governo no lugar errado. Outro foco que eu terei vai ser na política agrícola. Hoje o agricultor tem problema de endividamento. Apesar de a agricultura ser o motor da economia, a cada dia o produtor vem perdendo renda. Se antes sobravam dez sacos de soja, hoje sobram sete, daqui a pouco sobram cinco... Então, antes que aconteça um desastre, precisamos fazer uma radiografia do setor e ver onde é que está precisando de crédito, onde é que está precisando de recursos, como é que vamos trazer esses recursos novos, novos títulos de crédito para a agricultura... PLANT PROJECT Nº12

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Ag Entrevista

Como a senhora observou, nos últimos anos, com a crise econômica, vários setores – e os próprios bancos privados entre eles – passaram a se interessar um pouco mais pelo agronegócio, porque entendiam que era o único setor que ainda podia trazer algum resultado. Esse interesse é real? Eles têm interesse efetivo em financiar o agronegócio ou virarão as costas se outros segmentos da economia começarem a reagir? Eu acho que ele é real. Antes era só o Banco do Brasil que fazia, mas hoje você tem visto outros bancos grandes emprestando e fomentando a agropecuária brasileira. Se a gente tiver um seguro eficiente, os bancos viriam com muito mais apetite, porque as nossas safras são de seis meses e o dinheiro é de muito curto prazo. Ele recebe e já empresta de novo e logo tem outra safra. Temos que nos debruçar nesse assunto e achar um caminho mais moderno. A gente vai ter que ousar mais na política agrícola brasileira. A Frente Parlamentar da Agropecuária está sendo muito importante na identificação dos nomes para a sua equipe. Por isso, é possível imaginar uma relação muito mais próxima com o Congresso. Mas como é que fica a representatividade das entidades de classe dos produtores junto ao Ministério? Elas tinham uma influência muitas vezes até maior do que a própria área parlamentar... Acho que vai continuar igual. Precisamos ter essa proximidade porque senão você fica ilhado aqui em Brasília. Nós precisamos ter mais Brasil e menos Brasília. O Ministério tem 28 câmaras setoriais. Elas têm de funcionar cada vez melhor, porque lá é o ambiente para se 22

tratar dos assuntos de cada setor. Como sou parlamentar e tenho essa ligação estreita com a Frente, com certeza quero estar sempre aqui (a entrevista foi gravada na sede da FPA, em Brasília) se chamada. A senhora já desenhou junto com a Frente quais seriam as primeiras questões do setor levadas para o Congresso? Ainda não. A gente já tem várias coisas que vêm de tempos, matérias que todo mundo está careca de saber. Nós até entregamos para os presidenciáveis várias pautas que interessam muito à agropecuária. Podemos imaginar que essa pauta que a FPA entregou aos presidenciáveis seja de certa forma a base do seu trabalho no Ministério? Com certeza. Tem coisas que o próprio governo está fazendo e talvez alguns assuntos saiam da pauta por isso. Por exemplo, a agilização nas licenças ambientais. Muitas vezes você é tão pequeno que ao invés de tirar uma licença poderia fazer uma autodeclaração. Essa sinergia entre o Meio Ambiente e a Agricultura vai facilitar demais a vida do produtor rural. E diminui custos, porque tempo é dinheiro. Quando a gente tiver isso integrado, como quer o presidente Bolsonaro, é uma das coisas que vai facilitar muito a vida dos produtores e das empresas. É claro que projetos que tenham impacto ambiental maior terão um tempo maior, mas não vão ficar dois ou três anos na gaveta, sendo analisados. Terão um tempo mais razoável porque são projetos mais impactantes. Agora, essas coisas do dia a dia da agricultura, elas vão andar e vão fluir. O produtor vai ficar muito mais tranquilo para poder trabalhar. Isso é um peso na vida do


produtor brasileiro, até do pequeno produtor que hoje vive um terror com as fiscalizações que o Meio Ambiente faz. Foi muito discutida, recentemente, uma mudança no comando da Embrapa. Como vai ser a condução da estatal a partir da sua gestão? Quero usar a Embrapa o máximo que eu puder. Acho que ela tem muito a contribuir. Nós precisamos da Embrapa para achar o caminho que temos que seguir, ela será fundamental no Ministério nesta gestão. Haverá uma política específica do Ministério voltada para o desenvolvimento das AgTechs, as empresas que desenvolvem tecnologia para a agricultura? Diferente de outros setores, em que somos importadores de tecnologia, no setor agrícola não teríamos a vocação para ser criadores e exportadores? Somos criadores e exportadores e somos também os maiores embarcadores de tecnologia nos nossos produtos, apesar de a sociedade não conhecer isso. A gente sabe o tanto de tecnologia que tem no grão de milho, numa semente de milho ou numa semente de soja, numa árvore, num frango, no porco, enfim. Nós teremos uma secretaria para cuidar de tecnologia e inovação e formular políticas de estado para esse segmento, porque cada vez a agricultura brasileira vai usar mais tecnologia, não tenho dúvida disso. Também vai haver uma política para proteção dos dados colhidos em campo? Sim. Temos várias leis no congresso a respeito desse tema. Acho que a gente pode fazer com que elas andem mais rápido para que essa proteção de dados aconteça de maneira mais célere. E também para a gente deixar de pagar royalties e usar as nossas tecnologias

caseiras, que são muito boas. Como a senhora pretende abordar a questão da diplomacia agrícola? O ministro Blairo indicou uma série de novos adidos agrícolas nos últimos meses. De que forma a senhora pretende reforçar esse trabalho? Na área internacional, a gente já teve uma conversa com o futuro ministro das Relações Exteriores (Ernesto Araújo) sobre essa aproximação. Ele me deu uma notícia que eu fiquei muito feliz: vai criar um departamento para cuidar de agronegócio no Itamaraty. Hoje não tem. Ele quer dar atenção especial, trazer os adidos agrícolas para dentro das embaixadas realmente, compartilhar do dia a dia das negociações comerciais do Brasil. Enfim, um estreitamento de relações entre o Ministério da Agricultura e das Relações Exteriores. Esses adidos seriam, de certa forma, advogados do agro brasileiro, já que o setor tem enfrentado uma série de ataques, de críticas externas nem sempre bem fundamentadas, muitas vezes na questão ambiental, de uso de defensivos? Eles, sozinhos, não conseguem fazer essa advocacia a nosso favor. Isso precisa realmente de uma política de Estado combinada com o Ministério das Relações Exteriores, com a Apex junto, para mostrar lá fora o que de bom a gente faz. Hoje o Brasil é combatido, fazendo muita coisa que muita gente no mundo não faz. A gente tem uma propaganda negativa que muitas vezes é feita por gente daqui mesmo que é contrária aos interesses do agronegócio. Sobre o meio ambiente brasileiro, dizem que nós estamos destruindo, quando temos aí preservadas 67% das nossas florestas. Há um trabalho da Embrapa Territorial nesse sentido... PLANT PROJECT Nº12

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Apenas 7% da nossa área é para a agricultura, que alimenta mais de 1,2 bilhão de pessoas no mundo. Esse foi um dos temas que eu tratei aqui com o embaixador Ernesto Araújo sobre o posicionamento das embaixadas também para nos ajudar. Não só dos adidos... A impressão que se tem é de que eles nem possuem os dados suficientes para fazer essa defesa. A gente precisa ter essa interação para conhecer o nosso campo, a nossa agricultura. Recebi ontem seis embaixadores e tenho mais dez para receber. Todos querendo falar sobre agricultura. Alguns com preocupações específicas, outros querendo conhecer o nosso País. Acho que temos que mudar mesmo, temos que vender a imagem verdadeira do Brasil. Gostaria de perguntar especificamente sobre as relações com três países: China, Estados Unidos e Argentina. Os dois últimos, na sua opinião, são concorrentes ou parceiros do agro brasileiro? A Argentina produz as mesmas coisas que o Brasil, temos as mesmas características de produção. Então, ela é concorrente. Mas pode ser uma aliada. 24

Depende de a gente sentar numa mesa de negociação e vender junto, combinar o Mercosul, que está patinando há muito tempo. De repente podemos fazer desse limão uma limonada. Acho que o Mercosul pode ser útil, mas ele tem que ser revisto, já foi feito há 30 anos. Nesse acordo, tem de ver o que funcionou, o que não funcionou e o que nós podemos fazer funcionar juntos e melhor. Acho que tem muita coisa para se fazer. Estive conversando com o embaixador argentino ontem. Ele foi muito gentil, entende perfeitamente a posição do Brasil. Quer sentar para conversar. O ministro da Agricultura argentino quer vir aqui assim que esse governo tomar posse para conversar sobre as convergências e como é que podemos aparar as divergências. Um diálogo com boa vontade. Tem coisas que não vamos acertar, há outras que temos que resolver agora, como o acordo Mercosul-União Europeia. Temos uma posição diferente de outros países do Mercosul, mas estamos negociando para fazer o melhor acordo. Nem sempre o melhor acordo é aquele que a gente queria, mas é o possível. Temos que brigar pelas nossas posições, pelos produtores brasileiros e pelo nosso País. Cada um briga pelo seu e depois vamos ver o que sai disso. E os Estados Unidos? É um país com o qual o governo Bolsonaro vem fazendo uma aproximação grande. Precisamos sentar e ver o que é convergente. Com a China, que é um grande importador dos produtos brasileiros, nós também temos que sentar. Temos que olhar primeiro o que nós queremos para depois negociar. Com a China há vários interesses além da questão da importação, como a produção no Brasil, o controle de áreas


Entrevista

de logística, entre outras. Nessa questão a senhora já tem uma posição clara? Não. A gente está montando o governo, as equipes ainda não sentaram para discutir e achar o caminho. O tom que o presidente quer dar a gente sabe. Mas essa equipe vai ter que sentar e cada um está cuidando da sua caixinha agora. Minha missão hoje é pegar o Ministério da Agricultura, enxugar o que for possível, fazer essa montagem para começar a funcionar de uma nova maneira a partir de janeiro. Assim estão fazendo o ministro (Paulo) Guedes, o ministro Ernesto... Cada um está fazendo a sua tarefa de casa. Vai ter uma hora que nós vamos sentar com temas que são relevantes ao governo, que são políticas de governo, para poder discutir e cada um montar as suas estratégias. Como reduzir os gargalos logísticos que o agronegócio enfrenta? Já existe uma proposta alinhada com a área econômica? A gente sabe de alguns gargalos na nossa área de agricultura. Por exemplo, o Arco Norte. Lá, nós precisamos ter aquela ferrovia saindo pelo rio Madeira. A Ferrogrão é muito importante. A gente sabe da importância da Ferronorte, do meu estado (Mato Grosso do Sul), que vai para Santos. A gente precisava ter a malha Oeste recuperada, para poder fazer (a produção) sair por Santos e também pelo Pacífico. Não é de hoje. A Bolívia já tem, está fazendo a sua malha ferroviária funcionar. A gente sabe das estradas que precisam ser duplicadas. A BR-163 é uma artéria que corta o País de Norte a Sul. Foi feita uma parceria público-privada que não está funcionando, tem problemas no contrato. Enfim, a gente sabe de todas as suas dificuldades. O Brasil é um país que tem tudo por fazer, principalmente na

Ag

área de logística. Cada vez que a gente melhorar a logística, terá mais produção. Hoje tem alguns lugares em que se produz menos porque não tem como tirar a produção. A agricultura brasileira será mais competitiva? Vai ser mais competitiva. Esse custo é muito alto na nossa matriz de custo, custo da logística, do frete. Tem muitos desafios aí. Temos que ir por partes, porque ninguém vai conseguir fazer isso em quatro anos. A gente sabe das dificuldades que nós temos. Agora, se o Brasil tiver credibilidade, se cumprir contratos, se der segurança jurídica para que investidores venham trazer investimentos, principalmente nessas áreas, acho que a gente pode começar a fazer a grande mudança que estamos esperando há anos. Um dos programas mais destacados do atual governo é o RenovaBio, que faz uma conexão entre a agricultura e a política energética. Que nível de prioridade esse programa vai ter na sua gestão? Ele não está na Agricultura. Está nas Minas e Energia. Mas eu acho ele fundamental e o que eu puder apoiar para ele ser regulamentado, farei. Já passou na Câmara e no Senado, já é uma lei, mas a gente precisa regulamentá-lo. Então, no que a Agricultura puder contribuir para que isso caminhe, terá todo o meu apoio. O RenovaBio tem potencial para gerar uma renda adicional importante pro produtor. Com certeza. Precisa de gente com cabeça aberta lá para entender esse programa, que é fantástico. Ele pode ser uma grife para o Brasil na área ambiental. PLANT PROJECT Nº12

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Ag Política

O VOTO DE CONFIANÇA DO AGRONEGÓCIO Jair Bolsonaro foi eleito com apoio em massa dos estados onde a atividade agropecuária é predominante. No Congresso, precisará buscar o mesmo apoio de uma bancada ruralista que perdeu 124 membros e tenta, desde já, se organizar para dar andamento às pautas de interesse do setor Por Alexandre Inacio

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foto: Ueslei Mercelino/Reuters


Ag Política

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mado por uns, odiado por outros. Seja qual for o seu lado nessa disputa, o fato é que a maioria dos brasileiros escolheu, no último dia 28 de outubro, de forma democrática, Jair Bolsonaro para subir a rampa do Palácio do Planalto no próximo dia 1º de janeiro. É ele que receberá a faixa presidencial e assumirá como chefe do poder Executivo nacional com a responsabilidade de sugerir e implementar soluções para os mais diferentes problemas do Brasil até dezembro de 2022. Na lista dos eleitores de Bolsonaro, o agronegócio se destacou como um importante aliado e adubou sua vitória. Não seria exagero dizer que a categoria acompanhou em peso o candidato e teve um papel importante nas eleições. Institucionalmente falando, o apoio anunciado pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) a Bolsonaro, antes mesmo do primeiro turno, serviu como o incentivo necessário àqueles produtores que ainda estavam em dúvida sobre seu apoio público ao então presidenciável. No Centro-Oeste, Bolsonaro recebeu 66,5% dos votos e ganhou em todos os estados. No Sul, teve a preferência de 68,3% dos eleitores, também vencendo nos três estados. No Sudeste, obteve 65,4%, vencendo em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo. Já no Norte, a vitória veio, porém, um pouco mais

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apertada, com 51,9%. Bolsonaro foi derrotado em todo o Nordeste, onde Haddad recebeu 69,7% dos votos. Bolsonaro, de fato, conquistou a simpatia do agronegócio. Por mais de uma vez, disse que sua principal medida para o setor seria não atrapalhar quem quisesse produzir. Além disso, deu duas sinalizações importantes no que diz respeito à segurança no campo. Primeiro, que facilitará o acesso àqueles que quiserem ter uma arma em casa ou em suas propriedades. Mas o provável divisor de águas tenha sido o compromisso em tipificar como terrorismo as invasões promovidas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), um dos maiores temores do agronegócio. Mas não foram apenas os sinais enviados pelo próprio candidato que contribuíram para o apoio ruralista. Antes mesmo do primeiro turno, ele recebeu da FPA uma lista com dez reivindicações. Entre outras coisas, os ruralistas pediram o fim do tabelamento do frete rodoviário; que a Anvisa se paute baseada na ciência e em aspectos técnicos ao analisar o registro de defensivos agrícolas; a votação de um projeto de lei que acelera a liberação de licenças ambientais; e a criação de uma linha de crédito para armazenagem de grãos. Ao que consta, a pauta foi bem recebida. A receptividade de Bolsonaro ao setor não parou por aí. O presidente eleito cogitou


deixar o Acordo de Paris, que prevê o corte nas emissões de gases do efeito estufa para controlar o aquecimento global e em que o Brasil aparece como um dos grandes emissores por conta de sua pecuária extensiva. A ideia, contudo, não foi adiante. Seguindo um pedido do próprio setor produtivo, Bolsonaro soube ouvir e voltou atrás. Se por um lado a aproximação com o agronegócio caminhava de vento em popa, uma decisão anunciada menos de uma semana após ser eleito gerou polêmica. No sentido de cumprir a promessa de enxugar a estrutura do Estado e reduzir o número de ministérios, Bolsonaro, por meio de sua equipe de transição, anunciou a fusão das pastas da Agricultura e Meio Ambiente. A ideia, já implantada em estados como o Mato Grosso do Sul (leia reportagem na seção Fronteiras), havia sido cogitada durante a campanha. Após críticas de ambientalistas e também de ruralistas, foi colocada na gaveta. “Um dia, no futuro, quem sabe, nós possamos reorganizar essa questão ambiental no que diz respeito ao licenciamento, mas quando se fala em meio ambiente e agricultura, fica parecendo que o Ministério do Meio Ambiente só faz licenciamento para a produção rural. Isso não é verdade, é a menor parte”, disse Kátia Abreu, que já foi ministra da Agricultura e comandou a Confederação da Agricultura e

Pecuária do Brasil (CNA). Assim que começou o trabalho de transição entre as equipes do presidente Michel Temer e de Bolsonaro, algumas das maiores lideranças do agronegócio iniciaram uma mobilização para encaminhar os temas de maior interesse do setor. O principal ponto discutido nas reuniões realizadas até agora é a retirada de entraves que têm impedido um maior desenvolvimento da atividade no Brasil. Prova de sua força foi a escolha da presidente da FPA, deputada Tereza Cristina (DEM-MS), como ministra da Agricultura (veja entrevista exclusiva com Tereza Cristina nesta edição), além de outros nomes do grupo para compor o primeiro escalão do Ministério. Mas é sabido que, para dar encaminhamento a qualquer pauta que envolva o setor, não

Reuniões da FPA com a futura ministra (pág. à esq.) e com o presidente eleito (na foto, com o deputado Onyx Lorenzoni, o governador eleito de Goiás, Ronaldo Caiado, e o novo presidente da Frente, deputado Alceu Moreira – (da dir. para a esq.), e o deputado Marcos Fontes, nomeado secretário executivo do Mapa

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Ag Política

basta apenas o Executivo ter ciência e se movimentar para sua viabilização. É fundamental que o agronegócio tenha no Legislativo a representatividade necessária para que os interesses do setor estejam nas prioridades no Congresso. E é exatamente nesse sentido que agricultores e pecuaristas talvez enfrentem suas maiores barreiras. A própria Frente passa por uma das suas maiores renovações em seus quase 25 anos de existência. Para o mandato que foi de 2015 a 2018, a FPA possuía 243 membros em Brasília, dos quais 28 senadores e 215 deputados federais. Após as eleições deste ano, menos da metade desses parlamentares permanecerá em seus gabinetes no Congresso, uma vez que 124 deixarão Brasília -- seja por não terem concorrido a um novo mandato, seja por não terem conseguido os votos necessários para a reeleição. É verdade que novos parlamentares foram eleitos e devem recompor, pelo menos em parte, uma parcela dos

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representantes do agronegócio em Brasília. Entre os nomes cotados a serem novos membros estão os deputados eleitos Neri Geller, ex-ministro da Agricultura, José Mário Schreiner, ex-secretário Estadual de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Goiás, Roberto Pessoa, ex-vice-prefeito de Maracanaú (CE) e o paranaense Pedro Lupion, que defendeu o projeto de lei que instituiu a Agência de Defesa Agropecuária do Paraná e já declarou seu interesse em entrar para o grupo dos ruralistas. Contudo, será necessário garimpar no Congresso para convencer os novos membros a aderirem à bancada. Mesmo porque o núcleo duro da Frente, formado por vice-presidentes, coordenadores e líderes de comissões, foi bastante desfalcado. Dos 17 membros da cúpula ruralista, apenas sete foram reeleitos e outros, como a própria Tereza Cristina, deixarão o Parlamento para ocupar posições no Executivo. Para o posto dela na liderança da Frente foi escolhido o vicepresidente, deputado Alceu Moreira (MDB-RS). A grande renovação (71%) virá exatamente da maior região produtora do País. Representado até o fim do ano por 34 parlamentares na FPA, o Centro-Oeste começa o próximo mandato com apenas dez. Na sequência, Norte (54%), Sudeste (50%), Sul (45%) e Nordeste (43%)

completam a lista das regiões que passaram por mudanças na representatividade do setor no Congresso. “Não acreditamos que o agronegócio estará menos representado pela renovação na FPA, mesmo porque lideranças importantes do setor foram reeleitas. Além disso, novos parlamentares devem se tornar membros da Frente, por estarem alinhados com as demandas do setor”, disse Marcelo Vieira, presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB). Para Vieira, o momento agora é de trabalhar junto com o governo no sentido de ajudar a criar as condições necessárias que permitam a retomada do crescimento econômico do Brasil. Se no Congresso a busca pela recomposição dos quadros da bancada já está em andamento, é na articulação do governo com os ministérios, Senado e Câmara que talvez esteja a maior vitória do agronegócio nessas eleições. Além da nomeação de Tereza Cristina, o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) -- eleito para o quinto mandato consecutivo, tradicional membro da FPA e considerado um dos parlamentares mais influentes do Congresso -- será o ministroChefe da Casa Civil. Médico veterinário, Lorenzoni já presidiu a comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados entre 2008 e 2009 e também deve ter forte influência sobre o futuro do agronegócio no Brasil.



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foto: Romualdo Venâncio


Estratégia

Ag

A TRINCHEIRA DO ALGODÃO Ao colher uma safra recorde, Brasil ganha musculatura para enfrentar pesos-pesados na disputa pelo mercado global da fibra. O cuidado com fatores agronômicos e o compromisso com o controle de qualidade, ambos assegurados por certificações, garantem o fôlego para novos rounds Por Romualdo Venâncio*

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o mês de outubro, um grupo de cotonicultores brasileiros esteve na Turquia e na China com o intuito de abrir mais espaço para a fibra nacional. A viagem, chamada de Missão Vendedores e organizada pela Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), foi bastante oportuna pois ambos os países estão entre os principais nomes globais de consumidores e importadores de algodão. Considerando o aumento de produtividade das lavouras nacionais, pode-se dizer que tal conquista é necessária. Segundo levantamento da Abrapa, a safra recém-colhida somou 2,1 milhões de toneladas de pluma. O volume é 28,8% maior do que o colhido na safra passada (2016-17), que alcançou mais de 1,63 milhão de toneladas, e 7,1% superior ao recorde anterior, registrado em 2011, quando se aproximou de 1,96 milhão de toneladas.

O avanço deve-se, principalmente, ao crescimento de 26,4% em área plantada, com mais de 1,15 milhão de hectares cultivados, e à produtividade de 1,70 mil quilos de pluma por hectare. Embora inferior ao rendimento da safra anterior, quando a produtividade foi acima de 1,75 mil quilos por hectare, nem se compara ao que se colhia nos primeiros anos de plantio de algodão no cerrado. Isso foi há cerca de três décadas – então, colhia-se em torno de 675 quilos por hectare. “A produtividade é o espelho de um trabalho bem-feito, envolvendo a escolha das melhores variedades e tecnologias e o manejo correto da cultura, desenvolvida em condições favoráveis de clima e solo. É o que acontece no cerrado, região que concentra 97% da produção brasileira de algodão”, avalia Arlindo de Azevedo Moura, presidente da Abrapa (a partir de janeiro de 2019, Milton Garbugio,

Fenda de 2,80 metros de profundidade em lavoura na Fazenda Pamplona, do grupo SLC Agrícola: ao enxergar a raiz e o que acontece abaixo da superfície, entende-se o valor dos cuidados com o solo

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Ag

Estratégia Caixas com mostras de algodão encaminhadas para testes e o campo pronto para colheita na Pamplona: uma safra histórica

cotonicultor de Mato Grosso, é quem estará na presidência da entidade). Não é um trabalho isolado. A cadeia do algodão tem hoje um dos mais altos níveis de organização entre todas as grandes culturas do agronegócio nacional. Graças à coordenação de ações, do campo às lojas, conseguiu dar saltos de produtividade e de vendas, conquistar mercados e melhorar a qualidade e a imagem do produto nacional, transformando-se em um exemplo de agregação de valor à produção.

foto: Carlos Rudinei Mattoso / Abrapa

BASES SÓLIDAS E FÉRTEIS Agricultores não controlam as condições climáticas. No máximo, podem se preparar para enfrentar ou aproveitar os efeitos das alterações do clima. Por isso, pode-se dizer que é obrigatório garantir a preservação e a fertilidade do solo. É o que acontece nas fazendas da SLC Agrícola, companhia de 73 anos que tem o algodão como carro-chefe em termos de rentabilidade e processos. Atualmente, a empresa conta com 17 propriedades, sendo que uma está arrendada, e 404 mil hectares cultivados, entre terras próprias (144 mil), arrendadas (145 mil) e de segunda safra (115 mil). Para a próxima safra, a perspectiva é de aumentar a área para 455 mil hectares. Além da

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pluma, também são produzidos soja e milho, como rotação de culturas, tudo em sistema de plantio direto. Na Fazenda Pamplona, propriedade da SLC localizada na cidade de Cristalina (GO), com área de 19,3 mil hectares e produtividade média de 350 arrobas (ou 5,25 mil quilos) de algodão por hectare, os visitantes têm a oportunidade de ver e entender exatamente o que significa cuidar da fertilidade do solo. Em um dos talhões da lavoura há uma verdadeira trincheira, uma fenda com 2,80 metros de profundidade que expõe as condições daquelas terras e a extensão das raízes das plantas de algodão, que vão até o fundo daquela abertura. E poderiam ir além. “A parte de maior fertilidade do solo vai até 40 centímetros, depois disso os nutrientes são encontrados em menor quantidade, mas o suficiente para a raiz descer até mais do que os 2,80 metros”, explica Márcio Silveira, engenheiro agrônomo da SLC. Em meados do mês de julho passado, mesmo com os cerca de 80 dias sem chuvas na região, apenas a parte de cima do solo estava seca – e não era preciso descer muito para se notar a umidade daquelas terras. “Dessa forma, mesmo em períodos mais desafiadores, quando os riscos de estresse hídrico são maiores, a raiz consegue buscar essa umidade na parte mais funda e levar água até a planta”, explica Silveira, que acrescenta: “Tanto é que nesse talhão estamos colhendo mais de 400 arrobas (6 mil quilos) por hectare, o que é uma produtividade excelente”. A condição era bem diferente há cerca de 20 anos, quando a fertilidade dessas mesmas terras chegava a, no máximo, 10 centímetros de profundidade. Foi preciso todo um processo de reconstrução do terreno, mantido ano a ano, para que chegasse a esse perfil produtivo. Entre os principais fatores que contribuem para a formação desse perfil de solo estão a rotação de culturas; a utilização de plantas de cobertura; o plantio direto; e a aplicação de nutrientes de acordo com a necessidade das plantas – com níveis adequados dos mais exigidos pelo algodão, como potássio, cálcio, magnésio


foto: Bento Viana/Senar foto: Romualdo Venâncio

e enxofre. Dessa forma, mantém-se o manejo correto do solo, sempre bem corrigido, com alto teor de matéria orgânica. “A única coisa que fazemos fora desses procedimentos é, a cada quatro ou cinco anos, passar um subsolador apenas para quebrar alguma camada de solo que esteja compactada, sem revolver a terra”, comenta Silveira. Segundo ele, esse procedimento está ao alcance de qualquer produtor. CERTIFICAÇÃO DA QUALIDADE Se a escolha das variedades a serem plantadas e seu cultivo forem tão bem tratados como as terras produtivas da Fazenda Pamplona, são grandes as chances de o algodão apresentar alto padrão de qualidade. Essa condição é muito importante, pois é exatamente na lavoura

que se encontra o melhor algodão, daí para a frente só vai perdendo qualidade. Por isso é fundamental que todos os processos, da colheita até a chegada da fibra na indústria, sejam feitos corretamente, o que pode ser assegurado pelos programas de certificação. Quase 80% de todo o algodão nacional é certificado. No ano passado, o Brasil se tornou o maior fornecedor de algodão licenciado pela ONG suíça Better Cotton Initiative (BCI), respondendo por cerca de 30% de toda a pluma certificada pela instituição. O programa BCI, presente em 21 países, é referência internacional em licenciamento de algodão produzido de acordo com os parâmetros de sustentabilidade, um conceito baseado nos pilares ambiental, social e econômico. A certificação BCI avalia 87 itens

referentes aos procedimentos de produção do algodão. A partir de 2012, os cotonicultores brasileiros passaram a contar também com o programa de certificação Algodão Brasileiro Responsável (ABR), gerenciado pela Abrapa e conduzido no campo pelas associações estaduais. Após um ano de sua criação, o ABR já passava a atuar em benchmarking com a BCI, mas com uma diferença em relação ao programa da instituição suíça: a abrangência das avaliações, que englobam 179 itens. Fazer ou não a certificação é uma decisão do produtor, assim como a escolha de qual programa seguir, mas se depender da Abrapa todo o algodão produzido no Brasil será certificado. “Muitas grandes redes de lojas e marcas de vestuário almejam comprar PLANT PROJECT Nº12

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Estratégia

exclusivamente algodão com a certificação BCI nos próximos anos, como Adidas, Nike, H&M e C&A. No mercado nacional também há indústrias que já dão preferência ou restringem suas aquisições ao algodão chancelado por esses programas”, diz Moura. O motivo de o produtor entrar no processo já não é ganhar mais – e sim evitar que ganhe menos. Sem contar que em breve a certificação não será mais de um ou outro produto, mas da fazenda como um todo. É para dar suporte a essa evolução que a Abrapa criou o Centro Brasileiro de Referência em Análise de Algodão, um laboratório com tecnologia de ponta que tem como objetivo dar credibilidade aos laudos de qualidade. “A estrutura e os procedimentos são baseados nas melhores práticas do mundo todo”, diz Edson Mizoguchi, gestor do Programa de Qualidade da entidade. Ele conta que o laboratório está em seu segundo ano de funcionamento e que precisa de quatro a cinco anos para se consolidar. A ideia é que seja de fato uma referência para as análises de qualidade no País. Para manter o padrão sempre elevado e em sintonia com o que acontece nos países mais desenvolvidos nesse segmento, é preciso continuar investindo. Só o conjunto de sete caixas com amostras de algodão que servem de referência dentro 36

do laboratório custa R$ 84 mil (12 mil cada uma). Elas devem ser substituídas todo ano. Esse material é fornecido pelo USDA, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. “Por conta desse trabalho de avaliação da qualidade, acabamos sendo o USDA do Brasil no algodão”, diz Mizoguchi. São analisadas diversas características das fibras, como uniformidade, resistência, índice de amarelamento e de maturidade, porcentagem de fibras curtas, percentual de impurezas, padrão de umidade, entre outras. INCENTIVAR O CONSUMO INTERNO Muito dessa preocupação com o padrão de qualidade do algodão brasileiro está relacionado às chances de conquistas no mercado externo. Já nesta safra o Brasil deve se equiparar à Austrália no ranking de exportadores da pluma, e possivelmente passa à frente na próxima, ficando sozinho na segunda posição, atrás apenas dos Estados Unidos (que respondem por 40% de todas as exportações de algodão). O algodão australiano é 100% irrigado, portanto a disponibilidade de água limita o crescimento da produção. Boa parte dos esforços do setor está voltada para estimular os avanços também no mercado interno. Um exemplo é o movimento “Sou de Algodão” iniciado pela

Arlindo Moura e Edson Mizoguchi: padrão elevado faz do Brasil referência internacional de produção fotos: Carlos Rudinei Mattoso / Abrapa

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Laboratório de análise da Abrapa: certificado de qualidade com credibilidade junto aos clientes estrangeiros

Abrapa e que envolve e conecta diversos agentes da cadeia dessa fibra, desde os produtores até os influenciadores, que falam diretamente com o consumidor final. Entre uma ponta e outra estão confecções, tecelagens e malharias, fiações, varejo, estilistas, consultores de moda, universidades, personal stylists e associações dos setores de moda e têxtil. O projeto tem a comunicação como uma de suas principais ferramentas para se aproximar dos mais diversos públicos e gerar uma conscientização do valor do algodão, para que não seja visto apenas como commodity. O convencimento passa, além dos fatores agronômicos e da qualidade, pela garantia da sustentabilidade. Dados para comprovar que o algodão brasileiro é sustentável não faltam. Só em termos de preservação de matas nativas, somadas as Reservas Legais (RL) e as Áreas de Proteção Permanente (APP), o índice vai além dos 20% exigidos pela legislação, segundo dados da Embrapa Territorial. A partir do final dos anos 1990 e o início dos anos 2000, esse bioma passou por um processo de transformação em termos de recuperação de solo e produtividade, por conta da entrada da agricultura mais tecnificada, incluindo aí o algodão, que avançou sobre áreas de pastagem degradadas. No oeste da Bahia, outra região em que a cultura do algodão se tornou muito forte, dos 7,9 milhões de hectares registrados pelos agricultores

inscritos no Cadastro Ambiental Rural (CAR), 4,1 milhões correspondem a áreas preservadas. Ou seja, RLs, APPs e vegetação excedente somam 52% daquela região, sendo a que mais preserva o meio ambiente naquele estado. Os dados são também da Embrapa Territorial. É assim que o setor pretende estimular o consumo e aproveitar as oportunidades de crescimento em território nacional. A curto prazo, o cenário é de espera, pois a perspectiva de aumento nas vendas com as coleções de inverno foi frustrada pelo frio, que chegou mais tarde e sem a intensidade esperada. Por outro lado, o presidente da Abrapa acredita que em breve o algodão deve voltar a ganhar espaço na disputa com os materiais sintéticos. “Por isso precisamos continuar a incentivar o consumo, além de manter nossa agenda estratégica, que envolve políticas públicas, logística, educação e inovação”, diz Moura. A opinião do dirigente tem embasamento também na preferência de muitos consumidores por roupas produzidas com algodão certificado, como vem acontecendo, inclusive, no segmento de roupas íntimas, em que o conforto é uma das principais exigências. Sem contar as peças de moda praia e os mais tradicionais, como camisetas e jeans. Agora, é trabalhar para ver. *O jornalista viajou a Cristalina (GO) e Brasília (DF) a convite da Abrapa PLANT PROJECT Nº12

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ALK Com Arlindo de Azevedo Moura

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Assista aos vídeos desta e outras as entrevistas na página da série Plant Talks. Use o QR Code para acessar.

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m dos executivos mais renomados do agronegócio brasileiro, Arlindo Moura é referência em gestão de empresas em diferentes segmentos do setor. Em seu currículo, constam cargos de primeiro escalão em gigantes como Kepler Weber, John Deere, SLC Agrícola e, mais recentemente, Terra Santa, grupo do qual foi CEO até maio passado e em cujo conselho de administração permanece. Ele deixou a companhia para assumir, como CEO e sócio, o comando do ousado projeto do grupo Santa Colomba, que cultiva cerca de 130 mil hectares no sudoeste baiano e que, com tecnologia, tem conseguido proezas como produzir trigo e lúpulo, típicos de clima temperado, em uma região tropical. Até de-

zembro de 2018 ele também se mantém como presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa). Confira a entrevista concedida por ele à série PLANT TALKS durante o Global Agribusiness Forum (GAF).

Você esteve no comando de algumas das maiores operações agrícolas do País. Como enxerga o futuro dessas corporações brasileiras diante do cenário mundial? A tendência é que elas se consolidem ainda mais? Temos sido referência de desenvolvimento no agronegócio. As áreas de governança, de gestão, de controles têm se desenvolvido muito. Novos profissionais estão aderindo ao agronegócio. Executivos de outros


KS Patrocínio

ARLINDO DE AZEVEDO MOURA 69 ANOS

CEO E PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA SANTA COLOMBA AGROPECUÁRIA E PRESIDENTE DA ABRAPA

FORMADO EM ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS PELA UNIVERSIDADE DE IJUÍ (RS), COM PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA

segmentos estão entrando no setor, os filhos de produtores estão assumindo posições nas empresas do pai, com formação excelente, bem preparados. Assim, a gente acredita que o agronegócio brasileiro só tem a crescer e a se desenvolver.

Na Terra Santa, você preparou o seu sucessor. A sucessão nas empresas do setor hoje é feita de forma mais fácil do que em outros tempos, até em função dessa qualificação dos profissionais? A administração do agronegócio não é simples, porque, além de ser uma indústria a céu aberto, não se tem controle de clima, pragas e doenças. Então, é bastante complexo, mas as pessoas que estão entrando nesse negócio vêm com um nível de conhecimento muito bom e isso vai qualificando a gestão. A própria pessoa que entrou no meu lugar na

Terra Santa é um jovem executivo de 36 anos de idade. Tenho certeza de que assim como foi o (Aurélio) Pavinato na SLC Agrícola, que hoje é um modelo de executivo para agronegócio, também será o Humberto (José Humberto Prata Teodoro Júnior), que ficou no meu lugar. Eu continuo no conselho da Terra Santa e continuarei acompanhando meu pupilo lá.

O Brasil tem grupos agrícolas com uma escala que não existe praticamente em nenhum lugar do mundo. Esse é um diferencial em que a gente já chegou ao máximo ou temos capacidade de ampliar ainda mais? Acho que sempre tem formas de ampliar e aprender ainda mais – e o Brasil tem feito isso. Quando entrei na SLC Agrícola havia um consenso na companhia de que ne-

nhuma fazenda podia ter mais do que 10 mil hectares de área plantada. Isso perdurou por uns dois anos e aí a gente viu que podia ser 15, podia ser 20, podia ser 30. Hoje a gente tem fazendas de 60 mil hectares em um único local. O que muda, sim, é a forma de administrar. E essa forma de administrar não tem em livros, nem em apostilas, a gente tem que aprender no dia a dia. Os mais antigos, como eu, criaram já esse modelo, desenvolveram e estão transferindo isso aos mais novos.

Os jovens têm um auxílio muito grande na tecnologia. Você mesmo ultimamente tem falado muito sobre essa questão da agricultura digital, que vai provocar uma transformação não só na gestão, mas nos modelos produtivos de fato... A agricultura digital, que é como eu gosto de chamar, veio pra ficar e vai ficar. Quem não estiver adaptado para isso com certeza ficará de fora. Eu ouvia meu avô dizendo aos meus tios que, se não fossem estudar, iam trabalhar na roça. Hoje é o inverso. O pai diz para o filho: “Se você quiser continuar na lavoura, vá estudar”. Porque a lavoura precisa de gente competente e preparada. Tenho certeza de que tudo que a gente faz hoje, da forma que a gente faz hoje, daqui a dez anos vai ser diferente em função da inovação, da evolução, da tecnologia. Na agricultura digital, há uma oportunidade única para o Brasil PLANT PROJECT Nº12

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Com Arlindo de Azevedo Moura ser um exportador de tecnologia desenvolvida aqui. Temos competência, temos gente qualificada para isso e temos o ambiente para isso. Qual é a sua visão? A oportunidade que têm os inovadores brasileiros é muito grande, porque esse modelo de agricultura e de agronegócio não tem no mundo. Empresas com 400 mil, 500 mil hectares de área cultivada é só no Brasil. Então, vamos ter que desenvolver os nossos modelos, claro que olhando o que se faz e como se faz em outros países, e trazer isso à realidade brasileira, desenvolver isso conforme as necessidades do agricultor brasileiro, que dentro da fazenda é muito produtivo. No caso do algodão, que acompanho mais de perto, o brasileiro produz 1.700 quilos por hectare. Os Estados Unidos, que têm terras melhores que as nossas, produzem 930 quilos de algodão por hectare. Quer dizer, produzimos quase o dobro de plumas por hectare. Por que que o agricultor americano não faz os mesmos 1.700? Porque eles têm subsídios, têm garantia de renda, nós não temos. Se não produzirmos, se não dermos lucro, nós quebramos, porque não vem esse auxílio do governo como vai lá. Às vezes a gente se queixa, mas isso é altamente positivo, porque nos força a buscar inovação a cada ano. O agricultor brasileiro, até pela natureza do trabalho e por essas condições, é muito acostumado a tomar risco. Costumo compará-lo com o investidor de risco americano. Ele é um investidor de risco que todo ano renova a sua fé, seu investimento. Ele teria apetite para investir nas empresas de tecnologia, ser o venture capitalist do agro digital? 40

Sempre tem alguém do segmento que corre um risco maior, mas sem dúvida o brasileiro tem um nível de risco mais elevado. Sempre foi assim. Para ele plantar nunca teve um seguro de safra, nunca teve um seguro da sua frota, nunca teve um seguro das suas máquinas. Ele sempre teve um desafio muito grande. Isso ensinou ao produtor que o risco faz parte do negócio dele. Vamos falar agora sobre sua nova fase com a Santa Colomba. Que investimento é esse? Você é sócio, além de executivo, nesse caso? Em que áreas a Santa Colomba vai atuar? Assumi como presidente do conselho e CEO. Possivelmente dentro de um ano, um ano e meio, eu contrate um CEO e fique só na presidência do conselho. Eu sou sócio do projeto, fui aceito como sócio. É um projeto muito interessante, isso é o que me incentivou. É muito diversificado. Numa mesma área de mais de 100 mil hectares, são 130 mil hectares de área própria... Em que região? Fica em Cocos, na Bahia. Um projeto 100% irrigado e a gente cultiva ali

desde tabaco, cacau, banana, trigo, café, enfim, uma série de culturas. E entram a partir deste ano milho e algodão. É um projeto muito diversificado numa região em que ainda não é desenvolvida a agricultura. Tem um pouco de pecuária, mas a agricultura ainda é fraca. Tenho certeza de que é um projeto que vai ser modelo daqui a 10 anos, 15 anos. Algumas culturas que você citou a gente não imagina ver prosperar na Bahia e em regiões de clima mais quente. Por que essa opção? A opção é buscar produtos de alto valor agregado. Por exemplo, para fazer a implantação de 1 hectare de cacau o investimento é de 20 milhões de reais. Então não é um investimento pequeno, a barreira de entrada é alta. Mas depois de implantado um projeto bem cuidado, tecnicamente bem implantado, ele vai trazer o retorno que é seguro e o que os investidores esperam. Mas tem algumas culturas de clima temperado que vocês estão introduzindo lá também, numa região tropical. Tem. Todos os produtos que estão sendo cultivados nessa região fo-


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“As pessoas que estão entrando na gestão do agronegócio vêm com um nível de conhecimento muito bom”

ram experimentados. Foram testados durante anos e todos eles se deram bem. Como é uma cultura irrigada e tem bastante sol, a gente consegue dosar a necessidade de longevidade com a necessidade de água. Tenho certeza que vai dar muito certo. Certamente há a aplicação de muita tecnologia também, não? Alta tecnologia. Existem poucos equipamentos desenvolvidos para alguns desses nossos produtos. Estamos importando máquinas da Itália e vamos tentar desenvolver fornecedores no Brasil para, por exemplo, a colheita e o plantio de tabaco, que são feitos à mão. Trigo e lúpulo na Bahia? Trigo e lúpulo na Bahia, para a cerveja brasileira. O lúpulo é uma das culturas mais difíceis, sofre muito com o clima. Ele é difícil, exige bom clima. Mas, como eu falei, já foi testado. Temos testes de dois anos e ele está se desenvolvendo muito bem. Já estão produzindo em escala comercial? Ainda em escala experimental. A partir deste ano a gente começa a

desenvolver as mudas para fazer as sementes em escala comercial. Vocês pretendem ocupar que fatia desse mercado e em que prazo? A gente quer sonhar grande. Tudo lá na nossa empresa é sonho grande. Para cada produto desses temos um plano estratégico específico e todos eles com planos de ser importantes, não só no Brasil, mas no mundo. Hoje já somos o maior produtor do mundo de tabaco, com 4 mil hectares na Bahia. Qual é hoje o perfil do executivo que as empresas agrícolas precisam? Falando a quem está hoje em fase de formação, o que você aconselharia? Os executivos do agronegócio, em sua grande maioria, vieram das escolas de agronomia. Mas as faculdades de agronomia não tiveram a mudança necessária ainda para formar grandes executivos. Então, a gente vê muitos executivos que estão hoje na liderança de projetos no agronegócio e que não são agrônomos. Temos um bom exemplo na SLC Agrícola, no caso do Pavinato, que é um agrônomo que eu tive o prazer de formar. Mas eles não saem da faculdade com essa liderança. Isso eles terão que aprender no mercado. Existem muitos cursos de pós-graduação, de mestrado, de doutorado que dão esse preparo. É isso que está ocorrendo. A tendência é que seja um perfil mais diversificado a partir de agora. O perfil do agronegócio é a diversidade. Há muitas nuances na administração do agronegócio, não dá para trazer alguém com uma for-

mação única. Então, tem que ter muito conhecimento agronômico, muito conhecimento de gestão de pessoas, porque envolve muita gente ainda. Na verdade, tem diminuído o número de pessoas por propriedade, mas ainda assim é um número alto. Tem que ter um bom conhecimento de governança. A pessoa tem que se preparar para isso. Quem está se preparando está tendo sucesso e está crescendo. Você falou da questão do número dos trabalhadores nas propriedades. A tendência, com o uso mais intensivo da tecnologia, é de que a mão de obra seja menos necessária. Surge, então, um desafio: a mão de obra vai ter que ser cada vez mais qualificada. Eu acompanho esses indicadores há muito tempo. Há 20 anos a gente falava de 40 hectares por funcionário quando fazia a equação de um quadro de lotação em uma fazenda. Hoje a gente fala em 170, 180 hectares por pessoa. Então, já melhorou muito... São quatro vezes menos... Ainda há muito espaço para melhorar com a adoção da tecnologia, das máquinas de maior porte. Mas hoje a empresa que não estiver nessa faixa entre 160 hectares por funcionário não está bem administrada. É menos gente, mas é gente muito mais qualificada. Como é que se qualifica esse pessoal? Se pegar hoje a remuneração média dos executivos do agronegócio, eles ganham mais do que os da indústria, do que os do comércio, do que os de serviços. Isso ocorre porque existe um melhor preparo e uma diversidade maior de conhecimento. PLANT PROJECT Nº12

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Com Werner Santos

ALK A

s lavouras brasileiras passam por uma transformação sem precedentes – e a indústria de máquinas agrícolas corre para atender a um produtor cada vez mais exigente e atento às inovações que ocorrem no mundo inteiro. Werner Santos, vice-presidente de marketing e vendas da AGCO América do Sul, é um dos pilotos envolvidos nessa corrida. Responsável pelas marcas Massey Ferguson e Valtra, o engenheiro mecânico que se tornou vendedor esteve no Lounge PLANT no Global Agribusiness Forum (GAF-18), em julho passado, e falou dos seus desafios na seguinte entrevista à série PLANT TALKS:

Você é um engenheiro vendedor. Desde o início esteve na área de vendas? Trabalhei uns 15 anos na área técnica e fui um engenheiro de cálculo de transmissões. Em função do meu conhecimento, muitas vezes era convidado para visitar um cliente, para resolver um problema. Assim, acabei desenvolvendo um relacionamento com o cliente, entendendo um pouco mais o que ele precisa. Eu diria que, principalmente, comecei a gostar de entender o processo produtivo e a partir daí começamos a desenvolver máquinas para atender esse processo produtivo.

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WERNER SANTOS

60 ANOS, CASADO, TRÊS FILHOS

VICE-PRESIDENTE DE VENDAS E MARKETING DA AGCO AMÉRICA DO SUL GRADUADO EM ENGENHARIA MECÂNICA PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA, COM MBA EM MARKETING PELA ESPM E EM AGRIBUSINESS PELA UFRGS

O vendedor acaba sendo uma interface com o produtor na questão do desenvolvimento de novas tecnologias ou de novas funcionalidades nas máquinas? Hoje a gente tem defendido muito isso. O engenheiro, ou qualquer técnico, tem de ir ao campo, tem de botar o pé na poeira para entender onde a sua máquina é aplicada, qual é a necessidade do agricultor. Essa interface é importante para fazer o melhor produto possível para esse produtor. Nesses últimos anos, houve uma mudança brutal nos processos de produção agrícola. Então a gente precisa ir lá fora, precisa ir até o produtor para entender a necessidade dele. Mudaram só os processos ou a cabeça do produtor também? Ele tem um perfil diferente hoje, de-

manda de você mais tecnologia, em vez de apenas aceitar a sua proposta tecnológica? Talvez uma das coisas mais importantes que aconteceram ao longo desses últimos anos na agricultura brasileira – e que é genuinamente brasileira – foi o plantio direto. Tivemos a oportunidade de ouvir aqui (no GAF-18) pessoas que participaram dessa mudança. O trator, que antigamente era talvez a máquina mais importante, o equipamento de tração que substituiu o cavalo, virou hoje quase que um ator coadjuvante no plantio direto.

Qual é o atual perfil dos produtores? O perfil do produtor hoje é muito mais técnico, com muito mais conhecimento. O advento da internet estreitou o conhecimento.


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LKS Hoje, quase que on-line, ele sabe o que o produtor lá fora está utilizando e, assim, os produtos de certa forma se obrigaram a estar muito parecidos mundialmente. O produtor acessa o que tem de mais importante em tecnologias em qualquer lugar do mundo.

A gente percebe no agronegócio uma diversidade cada vez maior de formações. Nas empresas tem muito agrônomo, evidentemente, mas também engenheiro mecânico, administradores, economistas, enfim. Qual o perfil que você busca nas pessoas para o seu time? Voltando à sua pergunta inicial, sou engenheiro mecânico e depois, em função de oportunidades profissionais, acabei vindo mais para a área de marketing e para a área comercial, uma coisa que eu não tinha como meta no início da minha carreira. Sempre digo isso para o pessoal que está começando. Primeiro, precisa gostar de máquina agrícola,

precisa gostar do setor, porque não é um setor urbano, mas um setor em que a gente se envolve com o interior, com a lavoura. Hoje, por exemplo, o maior mercado está no Mato Grosso, no Matopiba, no Piauí, no Maranhão. A segunda coisa: é importante que o pessoal circule um pouco. Às vezes trabalha na engenharia, depois vai trabalhar com marketing do produto, depois em vendas, em treinamento... Essa rotação forma melhor o nosso profissional. Eu sempre procuro incentivar o pessoal a rodar um pouco para conhecer mais do setor. As marcas Massey e Valtra são renomadas mais pela sua robustez, pela sua resistência, mas talvez menos por inovação. Vocês precisam dar um salto nesse sentido? Como estão fazendo esse salto do bom nome da durabilidade, da resistência, para ter um bom nome também na área da inovação? Como você disse, a marca Massey

“O engenheiro, ou qualquer técnico, tem de ir ao campo, botar o pé na poeira, para entender onde sua máquina será aplicada, qual a necessidade do agricultor”

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Com Werner Santos

Ferguson é uma marca conhecida, está há quase 60 anos no Brasil. Hoje ela é mais associada aos tratores de baixa cavalagem. A Valtra é muito conhecida na cana, principalmente pelos tratores de maior potência. O que estamos fazendo nesses últimos três anos é uma remodelação completa da linha desses produtos. Em três anos, praticamente, todos os produtos serão renovados e terão tecnologias novas, do que há de mais avançado hoje mundialmente e que estamos trazendo para as fábricas do Brasil. Para realizar isso, a primeira mudança que a gente teve que fazer são as próprias fábricas. Agora estamos produzindo transmissões modernas, cabines mais modernas. Uma das tendências que a gente verifica na indústria de máquinas é que ela se torne integradora de tecnologias desenvolvidas por uma série de empresas, quase como um celular, que recebe diversos aplicativos de vários desenvolvedores diferentes. Como a AGCO se posiciona nesse sentido? Vocês têm conexão com outras empresas que trazem essa tecnologia e que podem ser incorporadas dentro das máquinas da companhia? Temos algumas conexões, como a FieldView, da Monsanto, que conecta com nosso produto, Solinftec, estamos trabalhando como eles também, e com o AgroCAD, que é um trabalho que já está bastante consolidado, além de outras conexões que a gente vai fazer. A 44

máquina em si está preparada com toda essa tecnologia. É um tripé. Nós precisamos de uma máquina preparada, de um operador que saiba utilizar essa máquina e de um aplicador. O que é esse aplicador? Aqui tem um espaço muito grande para essas empresas que fazem a integração e principalmente para os técnicos agrônomos, que vão fazer o levantamento no campo e a receita do que precisa ser feito. A gente já tem visto por aí muitos agrônomos, muito pessoal técnico de campo que vai fazer essa integração da lavoura com a máquina. As máquinas autônomas são uma realidade de curto prazo, na sua visão? Não diria de curto prazo, mas que serão uma realidade, serão. Eu sempre gosto de fazer uma associação. Os celulares eram equipamentos grandes e vistos, por alguns anos, apenas como um telefone. Hoje, a gente usa, nos smartphones, talvez 10%, 20%, nem isso, como telefone. As máquinas agrícolas estão cada vez mais inteligentes. Elas precisam de operadores que não sejam mais apenas o operador da má-

quina, mas uma pessoa que tenha um conhecimento... Uma das frustrações que o início da agricultura de precisão gerou nos produtores é que eles compravam as máquinas caras e descobriam justamente que eram subutilizadas, difíceis de entender para um operador. Hoje o operador acaba tendo que se transformar em um analista de dados com tanta informação que recebe. Esse é um detalhe importante. No início da agricultura de precisão, muitas coisas ainda vieram em inglês. O coitado do operador não tinha muito como fazer a interface, às vezes com uma linguagem que não era a sua. Hoje, uma das coisas que a gente busca é que os manuais e os terminais estejam todos com dizeres em português ou espanhol, porque a gente vende muito na América Latina, que eles permitam ter uma interface mais amigável com o operador. Recentemente, na Agrishow, se comemorou uma retomada no mercado de máquinas, que como todos os outros sofreu com as


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“Na indústria de máquinas, todas as grandes fabricantes estão no Brasil, acreditando e investindo no mercado brasileiro”

crises recentes, embora o agronegócio venha de duas safras recordes em sequência. Esse bom resultado da Agrishow aponta uma tendência de um período bom para o setor? Não diria bom, diria muito mais estável. Se a gente olhar os últimos anos, ele teve altos e baixos e esses dois últimos anos mais estáveis. Só que a gente precisa lembrar uma coisa: 2013 foi o pico da produção de máquinas ou da venda de máquinas. A gente acaba sempre lembrando de 2013 para comparar, mas não estamos longe da média histórica. E tem um outro fator muito importante. Normalmente falamos em número de tratores, número de colheitadeiras, só que a gente tem de lembrar que a potência dos tratores também está crescendo. Então hoje, e não estou falando da AGCO apenas, toda a indústria tem vendido tratores maiores, colheitadeiras maiores. Portanto, a potência instalada no campo está maior, embora o número de unidades seja muito parecido. É um indicador interessante. Do ponto de vista de negócios, esse indicador reflete também um resultado melhor para as empresas? Vou pegar primeiro o produtor. Por que ele está comprando má-

quinas maiores? Tem uma coisa que é a janela de plantio e a janela de colheita. Cada vez mais o produtor está querendo fazer mais numa janela de plantio menor, para melhorar seu rendimento. Da mesma forma na época de colheita. Você vai colher em 20 dias, 25 dias, no máximo em 30 dias. Para fazer isso, começa pela sistematização da área, um plantio bem-feito e uma colheita bem-feita com uma plataforma maior. Há um crescimento maior das máquinas no mercado, o que mostra para nós, olhando agora sob o ponto de vista da indústria, oportunidade de investimento, porque o produtor está se capacitando, está melhorando as suas máquinas para melhorar a sua produção agrícola. As receitas e as margens para as companhias acompanham esse desenvolvimento? Vamos pegar o dólar que estava na Agrishow. Todo mundo estava mais otimista. O dólar deu essa escorregada um pouco agora. Todo mundo fica um pouco mais cauteloso. É muito difícil a gente dizer que melhorou ou piorou, tem que pegar na média. Eu acho que, na média, estamos ainda bastante competitivos mundialmente. Na indústria de máquinas, todas as grandes fabricantes estão no Bra-

sil, acreditando no mercado brasileiro e fazendo investimentos. Vocês enxergam a questão do compartilhamento de máquinas como uma possível tendência para o setor? Uma Uber de máquinas, por exemplo... Exato. Depende muito do cliente, do mercado. A Argentina, por exemplo, tem um modelo de mecanização com frentistas, pessoal que aluga máquinas. Na verdade, eles fazem a colheita. Eles começam de um determinado lugar e vão plantando e colhendo, praticamente passam por todo o país. É uma cultura que já está consolidada por lá. O produtor tem um contrato com a pessoa que tem as máquinas. No Brasil, é um modelo que não pegou, porque aqui o agricultor tem um pouco de insegurança nisso, ele quer ter as suas máquinas, quer ter esse controle na mão. Quais são as outras tendências em torno das quais vocês trabalham hoje a AGCO? O rental, a locação, é uma oportunidade importante. A gente tem discutido isso com os próprios concessionários, para que tenham algumas máquinas para rental, porque acreditamos que alguns produtores podem ir para esse lado. PLANT PROJECT Nº12

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Ag

Insumos

O APAGÃO DOS AGROQUÍMICOS Governo chinês endurece regras ambientais, provoca fechamento de um mundaréu de fábricas de matériasprimas para defensivos e, por consequência, gera uma crise de abastecimento desses insumos no mundo Por Costábile Nicoletta

D

esde 1993, Jones Yasuda, presidente da Companhia das Cooperativas Agrícolas do Brasil (CCAB Agro), produtora de defensivos genéricos, visita profissionalmente a China pelo menos duas vezes por ano. Em 2018, porém, suas idas para o Extremo Oriente dobraram de frequência. Assim como os demais fabricantes de defensivos agrícolas instalados no Brasil, sua preocupação foi garantir o suprimento de matérias-primas e insumos intermediários para os produtos que saem de suas unidades industriais para serem aplicados no campo e contribuírem com os bons resultados do agronegócio brasileiro. “Minhas viagens à China são para entender melhor o mercado local, saber quem produz as matérias-primas de agroquímicos, em quais províncias, como está a relação dessa província com o governo central, para nos certificarmos de que não teremos

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desabastecimento nem sejamos apanhados de surpresa”, afirma Yasuda. “Na China, essas informações não são públicas nem há estatísticas para isso. Só se consegue obtê-las na reunião cara a cara com eles, visitando as províncias e as fábricas.” O presidente da CCAB Agro diz que a empresa está trabalhando no fortalecimento de uma estrutura de suprimentos para entender melhor todo esse processo e fazer a formalização de seus compromissos de compra com as empresas que têm capacidade de produção dentro das novas normas. “Hoje, estamos com 100% da demanda encaminhada para os agricultores aqui no Brasil e com algum volume em trânsito.” A iniciativa de Yasuda tem origem em um temor que afeta todo o setor de agroquímicos – e, por consequência, aqueles que dependem deles para com-


bater pragas e aumentar a produtividade. A China é o principal fornecedor dos produtos químicos usados na formulação dos defensivos. Nos últimos três anos, porém, conseguir esses insumos lá tem se tornado bem mais difícil. Por conta de um bem-vindo rigor na aplicação de exigências ambientais, o governo central chinês determinou o fechamento ou a transferência para outras regiões de mais de 700 fábricas de matérias-primas e sínteses de ingredientes ativos. “O resultado disso foi a escassez de fornecimento e o aumento de custos”, diz o diretor executivo da Associação Brasileira dos Defensivos Genéricos (Aenda), Tulio Teixeira de Oliveira. “Estamos preocupados, pois os preços ofertados para o Brasil poderão não voltar ao que eram.” A Aenda já recebeu, por exemplo, notícias de não fornecimento do herbicida Glifosato – o principal

agente nas lavouras transgênicas – para algumas empresas e também do inseticida Tidiazurom. “O problema só não foi maior nesta safra 2017/18 porque os estoques da rede distribuidora eram bem altos”, analisa Oliveira. “O aumento de preços foi amortizado com esses estoques. Para a safra 2018/19, creio que teremos mais reflexos nos preços. Infelizmente, não vemos uma saída fácil para o problema, pois os custos de fabricação no Brasil são mais altos, tanto que reduzimos consideravelmente nossa produção e fizemos da China nosso principal fornecedor. A Índia também é um bom abastecedor, mas não na escala da China.” O Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg) também não esconde a apreensão. Em nota, informa que, devido à grande quantidade de importações de ingredientes ativos, PLANT PROJECT Nº12

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Ag

Insumos

matérias-primas, intermediários e produtos formulados oriundos da China, o fechamento das fábricas nesse país gerou grande preocupação no setor. “Por conta da diminuição da oferta, para este ano era esperado o aumento médio de 30% no preço de alguns produtos, além de possíveis interrupções de fornecimento, o que exige planejamento dos produtores para as próximas safras”, anotou o Sindiveg. “No entanto, a redução de oferta causada pelo problema na China contribuiu de certa maneira para equilibrar os estoques nos distribuidores e nas cooperativas do Brasil.” DIRETO NA FONTE Marcelo Abdo, vice-presidente da Ourofino Agrociência, fabricante de defensivos genéricos, relata que o setor como um todo sofreu com a falta de produtos e, consequentemente, com o aumento dos preços. “No início, os altos estoques no canal de distribuição no Brasil amenizaram o problema no tocante ao consumidor final, no caso, o produtor”, diz o executivo. “Com o passar do tempo, os estoques foram diminuindo e um repasse ao valor se tornou inevitável.” Abdo diz que 2017 foi um período muito bom em vendas, mas teria sido espetacular se não fosse a falta de matéria-prima. “Para ter uma ideia, deixamos de efetivar vendas estimadas em R$ 115 milhões, dos quais R$ 85 milhões viriam de vendas cujos pedidos já haviam sido tirados.” 48

AGROQUÍMICOS X PRODUÇÃO AGRÍCOLA Evolução do consumo de ingredientes ativos de pesticidas e da safra de grãos no Brasil Ano Safra de grãos Consumo de agroquímicos

(em milhões de toneladas)

(em mil toneladas)

2009/10.....................149.........................................362 2010/11........................ 163..........................................419 2011/12......................... 166.........................................476 2012/13....................... 189.........................................496 2013/14.......................194........................................ 508 2014/15......................208......................................... 527 2015/16........................187.......................................... 551 2016/17......................238........................................ 540 Fontes: Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Revista Fapesp

Em sua opinião, todo o mercado de defensivos agrícolas mundial sofreu e ainda sofrerá impactos com a reestruturação chinesa. “A Ourofino Agrociência, desde o início de seu trabalho, mantém em Xangai, na China, uma equipe especializada e focada em mitigar o risco de fornecimento e nos aproximar dos atuais fornecedores, além de prospectar novos. O trabalho é feito in loco e, assim, o relaciona-


PRODUÇÃO, IMPORTAÇÃO, EXPORTAÇÃO E CONSUMO DE DEFENSIVOS AGRÍCOLAS NO BRASIL EM 2017 ATIVIDADE

PRODUTOS TÉCNICOS (PT)

PRODUTOS FORMULADOS (PF)

Em toneladas de ingr. ativo

Em toneladas de ingr. ativo

Produção nacional 71.669,34 Importação 199.375,64 Exportação 8.503,91 Vendas internas

208.535,81

438.181,15 129.064,75 8.837,67 539.944,84

Produto Técnico (PT): obtido diretamente de matérias-primas, destinado à obtenção de produtos formulados ou de pré-misturas e cuja composição tenha teor definido de ingrediente ativo e impurezas, podendo conter estabilizantes e produtos relacionados. Produto Formulado (PF): agrotóxico ou afim obtido a partir de produto técnico ou de pré-mistura, por intermédio de processo físico ou diretamente de matérias-primas por meio de processos físicos, químicos ou biológicos. É o Produto Técnico com mais alguns ingredientes na composição. Fontes: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Associação Brasileira dos Defensivos Genéricos (Aenda).

mento é estreito, o que possibilita checar a produção dos fornecedores, garantindo o padrão de qualidade exigido. Trabalhamos por uma estratégia assertiva, que minimize os problemas em nosso dia a dia nas importações.” Eduardo Leduc, vice-presidente sênior da Divisão de Soluções para Agricultura da Basf para a América Latina, diz que a empresa acompanha os acontecimentos na China. “A oferta de matéria-prima tem sido afetada desde o ano passado, mas estamos atentos a esse movimento para minimizar impactos no fornecimento aos nossos clientes. Isso exige um esforço de planejamento e logística para nos ajustarmos às oscilações de custos e fornecimento de matéria-prima chinesa.” Leduc concorda que os elevados estoques nos últimos anos minimizaram o impacto do fornecimento de matérias-primas e princípios ativos no mercado

brasileiro. “A partir desta safra, é importante que o agricultor faça um planejamento mais cuidadoso e antecipado da sua demanda para assegurar o bom desenvolvimento da sua lavoura. Vale ressaltar que a adequação ambiental e trabalhista de milhares de fábricas na China deve se estender por alguns anos. Com isso, acreditamos que a normalização do fornecimento de matéria-prima ocorrerá após dois ou três anos.” O mercado de defensivos brasileiro depende de matérias-primas e princípios ativos importados. A Europa é a principal fornecedora da Basf. Já a China cumpre um papel importante no fornecimento de produtos intermediários. Assim como Oliveira, da Aenda, Leduc considera que uma das alternativas em médio prazo pode ser a Índia: “No entanto, esse país precisará investir em produtos de qualidade e os registros de seus defensivos no Brasil

necessitariam ser adequados para incluí-los como fornecedores nos órgãos governamentais”. Em nota, a Syngenta (fabricante de defensivos pertencente ao Grupo ChemChina) afirma que o difícil acesso a algumas matérias-primas tem relação direta com o processo de reestruturação industrial pelo qual passa a China – país que concentra alto percentual de produção de insumos agrícolas. Tal processo tem ocasionado a redução da disponibilidade de produtos, bem como o aumento de custos aplicado ao mercado global. Como a China é um importante produtor e exportador de ingrediente ativo, continua a nota, mesmo as empresas que têm suas fábricas em outras regiões deverão sofrer impactos ligados ao suprimento e ao aumento de custos. “A Syngenta tem parcerias estratégicas de longo prazo na China há mais de 20 anos, nas quais os padrões ambientais e de segurança são PLANT PROJECT Nº12

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Ag

Insumos

DEFENSIVOS GENÉRICOS X ESPECIALIDADES (NÃO GENÉRICOS) NO BRASIL EM 2017 QUANTIDADE E VALOR DE VENDA Ingrediente ativo (em 1.000 toneladas) Receita (em US$ bilhões)

2017 Genéricos Especialidades 379,67

74,56

4,51

4,38

Fontes: Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg) e Associação Brasileira dos Defensivos Genéricos (Aenda)

elevados, o que possibilita uma melhor capacidade de antecipar as demandas, diminuindo os riscos de falta de produto.” ALTERNATIVA BIOLÓGICA A escassez no segmento de defensivos agroquímicos pode favorecer outras tecnologias. Segundo a diretora executiva da Associação Brasileira das Empresas de Controle Biológico (ABCBio), Amália Piazentim Borsari, a demanda por biodefensivos já vinha crescendo nos últimos anos porque houve maior conscientização por parte dos agricultores quanto à importância das práticas de Manejo Integrado de Pragas e Doenças (MIP e MID) para o sucesso no controle. Essas práticas preveem o uso de biodefensivos em conjunto com outras técnicas de manejo, a fim de reduzir a população de pragas, de modo a favorecer o equilíbrio natural, evitando resistência. 50

As empresas de controle biológico empregam técnicas que utilizam insetos, fungos, vírus e bactérias no combate às pragas agrícolas. Pesquisa realizada entre a ABCBio e a Informa/FNP mostrou que 96% dos produtores agrícolas entrevistados acreditam no crescimento desse mercado nos próximos cinco anos. “Na visão da indústria, isso já é uma realidade. Verificamos um aumento de 25% de hectare tratado no ano de 2017, o número de empresas em cinco anos dobrou e o número de registros passou de 1 produto em 2006 para próximo a 200 em 2018”, explica Amália. “De acordo com nosso Comitê Estatístico, a perspectiva é de fecharmos 2018 com crescimento superior ao de 2017.” O mercado global de biodefensivos também aponta crescimento ano a ano. Segundo pesquisa realizada pela Agribusiness Consulting Informa em 2017, o

mercado de biodefensivos na América Latina deverá expandir-se mais de 40% até 2021. Além da eficiência no controle, diz Amália, na opinião dos próprios produtores entrevistados, os aspectos da maior segurança ambiental e para a saúde humana, tanto de quem aplica os produtos como de quem consome os alimentos, é o forte apelo motivacional de uso dos produtos biológicos. A alternativa existe, mas é insuficiente para aliviar, em maior escala, os efeitos de um possível apagão dos agroquímicos. O setor de biodefensivos ainda ocupa uma fatia muito pequena do mercado e, apara que se expandisse rapidamente, exigiria volumes de investimentos muito altos. Em 2017, esse segmento faturou R$ 527,7 milhões de reais (US$ 164,9 milhões, pela cotação de fevereiro de 2018), correspondendo a apenas 1,5% do faturamento total do setor de defensivos no País.


UMA COR R I DA E N T R E BRASIL , EUA E CH I NA A China tem tamanho poderio no mercado mundial que cada movimento seu possui o condão de supervalorizar ou deprimir os segmentos nos quais atua. Quando o país decidiu ser um importante competidor no setor químico, nas últimas décadas do século passado, o governo incentivou a instalação de indústrias sem grandes preocupações ambientais. Sua agressiva política de preços, notadamente no ramo de defensivos agrícolas, acabou inviabilizando concorrentes de outros países. “Ao longo de todos esses anos, os chineses estabeleceram uma política de educação com o objetivo de incentivar a formação de profissionais nessa área. É um dos países com maior concentração de PhDs (doutorados) em vários ramos da química”, diz Jones Yasuda, presidente da Companhia das Cooperativas Agrícolas do Brasil (CCAB Agro). “Hoje, a China é o maior parque industrial químico do mundo. Todas as empresas, em algum estágio de sua produção, se abastecem de matérias-primas chinesas. E o fechamento de grande parte dessas fábricas chinesas afeta o mercado de químicos no mundo todo. E o setor de agroquímicos é um pedaço desse mercado.” Segundo Yasuda, premido pela pressão de entidades ambientais internacionais e pela exposição mundial de altos níveis de poluição do país nas Olimpíadas de Pequim, em 2008, o governo chinês já vinha exigindo que as indústrias se ajustassem a uma nova realidade. Depois daquele volumoso crescimento, chegara o momento de reduzir a poluição. As restrições se acentuaram após o Acordo de Paris, o tratado das Nações Unidas que rege medidas de redução de emissão de dióxido de carbono a partir de 2020. A complacência do governo chinês com os cuidados ecológicos de suas indústrias ao longo de décadas, todavia, possibilitou o aparecimento de muitos produtores ilegais, a ponto de não se saber qual o tamanho real do mercado doméstico chinês de agroquímicos. “Embora seja difícil comprovar, pois não há estatísticas, estima-se que o

mercado doméstico chinês de defensivos agrícolas seja do tamanho do brasileiro (próximo de US$ 10 bilhões anuais)”, diz Yasuda. “Todas as empresas que exportam matérias-primas de defensivos para o Brasil estão 100% legalizadas. Mas agora começamos a disputar o volume fornecido por essas empresas com as indústrias de defensivos locais chineses, que antes também se abasteciam daquelas que produziam ilegalmente e foram fechadas.” O presidente da CCAB Agro cita um problema adicional. Em decorrência da guerra comercial em curso entre Estados Unidos e China, a concorrência por matérias-primas de defensivos oriundas da China se acirrou. A partir de janeiro de 2019, entra em vigor uma nova tarifa, mais alta, de importação nos Estados Unidos. E isso tem canalizado a venda de produtos para o mercado americano neste momento, a fim de contornar a futura majoração no preço dos insumos chineses que ultrapassarem as fronteiras americanas. “Estamos disputando o volume que resta do fornecimento de matérias-primas, em produção decrescente, na China, com o próprio mercado doméstico chinês e com o americano”, diz Yasuda. “Somente a partir de janeiro de 2019, a oferta deve aumentar, pois não haverá essa corrida de antecipação de compra de estoques por parte dos americanos, além de as importações de produtos chineses pelos Estados Unidos ficarem mais caras e, consequentemente, diminuírem.” Mas Yasuda vê aspectos positivos para o Brasil. Para ele, o País terá de buscar saídas para produzir alimentos com uma tecnologia diferente, lançando mão de agricultura de precisão, com o uso mais controlado de defensivos químicos, aplicando no local e momento certos, alternando-os com biodefensivos e a prática de manejo integrado de pragas. “Isso exigirá maior criatividade dos técnicos brasileiros, para que consigamos produzir com menos insumos químicos, mas, certamente, encarecerá o custo de produção e, por conseguinte, o do alimento.” PLANT PROJECT Nº12

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Trabalhador separa embalagens em centro de triagem do Sistema Campo Limpo: mais de 94% dos frascos usados na agricultura sĂŁo recolhidos

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QUEM PLANTA RECICLA Atualmente, 94% dos materiais plásticos utilizados no transporte e na aplicação de defensivos agrícolas são destinados ao descarte ecologicamente correto ou à reciclagem Por Jaqueline Mendes

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ue o Brasil é uma superpotência em produção e exportação de alimentos, todos já sabem. Há muito trabalho e esforços desconhecidos e pouco reconhecidos, porém, por trás dessa conquista. O agronegócio brasileiro também ostenta, silenciosamente, o troféu de líder global em reciclagem de embalagens plásticas utilizadas no transporte e na aplicação de defensivos agrícolas nos mais de 76 milhões de hectares de terras cultiváveis do território nacional. Conquistar esse posto só foi possível após a implementação de um enorme programa nacional de logística reversa, denominado Sistema Campo Limpo, responsável pelo recolhimento, em campo, de nada menos que 94% desse tipo de material. Na média mundial, considerando os países que têm a agricultura como um dos pilares de suas economias, esse índice fica abaixo de 86%. O exemplo brasileiro para o mundo tem amparo legal. O programa foi estabelecido pela Lei Federal 9.974/00, que instituiu o conceito de responsabilidade compartilhada, o qual determina obrigações para cada elo da cadeia produtiva agrícola, envolvendo desde os

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fabricantes e distribuidores até os produtores rurais, com apoio do poder público. “Temos uma legislação bastante rigorosa, que funciona de maneira bastante integrada e que conta com o engajamento de todos os envolvidos, fazendo com que o País tenha esse resultado”, disse à PLANT João Cesar M. Rando, diretor-presidente do (Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (inpEV) e um dos idealizadores do Campo Limpo. “Após a reciclagem, a matéria-prima obtida dá origem a cerca de 30 artefatos, entre eles a Ecoplástica, embalagem utilizada pela própria indústria fabricante no envase de defensivos agrícolas”, afirma. Embora esses altos índices de reutilização de embalagens seja uma realidade atual, o inpEV foi criado há quase duas décadas para coordenar o Sistema Campo Limpo e integrar os elos da cadeia produtiva no processo de recebimento e destinação das embalagens vazias de defensivos. O instituto, uma entidade sem fins lucrativos, tem hoje como missão promover e incentivar as iniciativas de conscientização e educação, reunindo sob um mesmo guarda-chuva mais de 100 empresas fabricantes e dez entidades


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representativas das indústrias, distribuidores e agricultores. “O Sistema Campo Limpo acompanha a demanda da agricultura nacional, e este percentual de 94% não é o limite da nossa capacidade atual”, garante Rando. “Mas é importante destacar que os esforços são destinados a manter um elevado índice de devolução do material, como o que o Brasil apresenta atualmente.” Mais que reciclar embalagens plásticas, o sistema representa a unificação de toda uma estrutura de logística, em um modelo em que o agronegócio pode servir de paradigma para uma série de outras indústrias. O controle é feito a partir da indicação em nota fiscal, pelo distribuidor, do local onde o produtor rural deve devolver as embalagens vazias de defensivos agrícolas. Antes, porém, é necessário esvaziar o conteúdo das embalagens no pulverizador, realizar o processo de tríplice lavagem ou de lavagem sob pressão e perfurar o fundo do recipiente, evitando que ele seja reutilizado. A devolução deve ocorrer dentro do prazo de até um ano. A responsabilidade por dar a destinação ambientalmente correta às embalagens vazias é da indústria fabricante, que as encaminha para reciclagem ou incineração. Ao poder público cabe a fiscalização do funcionamento do sistema,

como a emissão de licença para as unidades de recebimento dos materiais e o apoio aos esforços de educação e conscientização do agricultor em parceria com os fabricantes e distribuidores. Essas iniciativas têm se mostrado essenciais para a defesa do meio ambiente, especialmente em regiões agrícolas que fazem fronteira com áreas com grande riqueza de biodiversidade, como o Pantanal. Não por acaso, a ONG ambientalista WWF-Brasil

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Unidade de recebimento das embalagens e diferentes etapas do processamento: reciclagem dá origem a 30 diferentes produtos

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lançou o “Pacto em Defesa das Cabeceiras do Pantanal”, movimento que pretende contribuir para a proteção das margens dos rios. Além de conscientizar sobre a importância de se preservar matas ciliares, ajuda a criar programas de manejo de materiais que poderiam ser descartados na natureza. “Esse movimento é de extrema importância para o Pantanal não só pelo trabalho de conservação de rios e nascentes, mas porque foi e ainda é capaz de engajar diferentes atores relevantes para o bioma”, diz o analista de conservação do WWF-Brasil, Breno Melo. Os números da indústria da reciclagem no campo falam por si. Desde o lançamento do Campo Limpo, em março de 2002, mais de 450 mil toneladas

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de embalagens vazias foram destinadas adequadamente. Nesse período, o trabalho realizado no âmbito do sistema evitou a emissão de 625 mil toneladas de CO² (o que equivale a 1,4 milhão de barris de petróleo não extraídos ou a 3 milhões de árvores plantadas). “Em razão dos inúmeros ganhos ambientais e sociais, o Sistema Campo Limpo apresenta benefícios importantes para toda a sociedade por meio de uma atuação conjunta que contribui para a construção de uma agricultura sustentável”, acrescenta Rando. SUSTENTABILIDADE É inegável que a disseminação da cultura da reciclagem, no mundo moderno, é parte fundamental para a sobrevivência de qualquer

negócio. Prova disso é que o conceito de logística reversa tem se difundido em todo o mundo na última década, motivando a criação de novas leis que tornam empresas e indústrias dos mais variados segmentos legalmente responsáveis por todo o ciclo de vida útil de um produto, promovendo a reutilização ou o descarte correto dos bens de consumo. “Nos últimos anos, a sustentabilidade se transformou em um dos temas mais discutidos no setor empresarial, não apenas no agronegócio”, comenta Nilo Cini Junior, presidente do Instituto de Logística Reversa (Ilog). “Isso é fruto, principalmente, da conscientização social. O ser humano está cada vez mais certo de que os recursos naturais que estamos utilizando são finitos.” Em paralelo às iniciativas adotadas no agronegócio, o governo brasileiro lançou, em 2010, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), a Lei nº 12.305, que define a logística reversa como um instrumento de desenvolvimento econômico e social. Além de prever a redução, reutilização e reciclagem na geração de resíduos, a legislação regulamenta e impõe a implementação de sistemas de produção e consumo consciente a fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes. “Dessa maneira, se não nos preocuparmos com o planeta, as próximas gerações


POR DENTRO DO SISTEMA CAMPO LIMPO • 411 unidades de recebimento, das quais 111 são centrais e 298 postos • 77 contam com o agendamento eletrônico de devolução • 25 estados de atuação, além do Distrito Federal • 1.500 profissionais participam direta ou indiretamente do Sistema Campo Limpo e cerca de 70 colaboradores integram o inpEV • 5 mil recebimentos itinerantes por ano, em média. Ação facilita o acesso de agricultores localizados em áreas mais distantes das unidades fixas de recebimento • 260 associações de revendas e cooperativas fazem parte do SCL Fonte: Sistema Campo Limpo / inpEV

• 11 recicladoras parceiras e 4 incineradoras • 1,4 milhão de propriedades atendidas • 94% de embalagens destinadas corretamente • 91% de embalagens recicladas • 9% de embalagens incineradas • 30 produtos criados a partir dos subprodutos da reciclagem, como Ecoplástica, conduítes e dutos, tubo para esgoto, caixa de bateria automotiva • 150 unidades estão licenciadas e aptas a atender produtores rurais que possuem sobras de defensivos agrícolas nas propriedades

estarão ameaçadas”, diz Cini Junior. “O tripé reduzir, reutilizar e reciclar é uma tendência cada vez mais presente em nossa sociedade.” Somente no Paraná, o Ilog atua desde 2016 auxiliando instituições de todos os portes a adotarem e desenvolverem práticas sustentáveis em cumprimento das políticas de logística reversa. Com mais de 300 empresas associadas, o instituto contribui com a minimização do descarte de resíduos na natureza, realizando a coleta de centenas de toneladas de descartáveis todos os anos nas principais cidades do estado, inclusive de empresas ligadas ao agro, como o frigorífico JBS, o laticínio Frimesa e a cooperativa Coamo. No ano passado, a iniciativa colaborou com reaproveitamento de mais de 2.100 toneladas de lixo por meio das Centrais de Valorização de Materiais Recicláveis (CVMRs) instaladas nas cidades de Londrina e Maringá, mantidas em parceria com as prefeituras. Também participam do projeto empresas como Pinduca, Caldo Bom, Heineken, Pepsico, Castrolanda e Famiglia Zanlorenzi. “Dessa maneira, as empresas têm se esforçado para reintegrar os resíduos nos processos produtivos originais, minimizando as substâncias descartadas na natureza e reduzindo o uso de recursos naturais”, explica Nilo. PLANT PROJECT Nº12

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O MAQUINISTA DA FERROGRÃO Fã de piadas, obstinado por números e incansável na defesa da melhoria da infraestrutura brasileira, Guilherme Quintella tem como projeto de vida tirar do papel a ferrovia que pode revolucionar o transporte de grãos no País Por Amauri Segalla

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empresário Guilherme Quintella gosta de fazer uma brincadeira quando perguntado sobre o desafio de investir em ferrovias no Brasil: “Trem não é fácil, a começar pelo dormente”, diz ele. “Se dormente fosse bom, teria outro nome. Talvez vivalvido ou, quem sabe, espertão.” Os funcionários do discreto escritório da Estação da Luz Participações (EDLP), na zona sul da cidade de São Paulo, estão cansados de ouvir a piada, mas Quintella não se importa de repeti-la sempre que está diante de um novo interlocutor. Criada por ele em 2003, a EDLP é especializada no desenvolvimento de negócios em infraestrutura logística. Seu projeto mais ambicioso é a Ferrogrão, a monumental ferrovia com mais de 1.000 quilômetros de extensão que ligará Lucas do Rio Verde, no Norte do Mato Grosso, ao porto fluvial de Miritituba, no rio Tapajós, no Pará. Quintella idealizou a Ferrogrão e agora trabalha para tirá-la do papel. Questionado sobre como surgiu o projeto, ele de novo recorre ao humor. “No começo, tudo eram trevas”, diz, e as palavras são seguidas por um sorriso maroto. A ironia tem um fundo de verdade. Não fosse a tenacidade de Quintella, o projeto nem sequer existiria – e as trevas dominariam. O Brasil, nem é preciso dizer, tem gargalos na infraestrutura que emperraram o crescimento econômico em geral e o avanço do agronegócio em particular. O presidente da EDLP cita de cabeça os efeitos nefastos dos entraves nacionais. Segundo ele, o Brasil desperdiça 5% do PIB com a ineficiência logística, ou algo como US$ 100 bilhões por ano. “Com esse dinheiro, dava para construir umas oito ferrovias idênticas à Ferrogrão, só para você ver como o País joga dinheiro fora”, afirma. Orçada em R$ 12,7 bilhões, a Ferrogrão tem potencial para transportar

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mais de 80% da produção anual de Mato Grosso, ou cerca de 20 milhões de toneladas de grãos, sendo que o volume deverá superar 50 milhões de toneladas em 2050. Na pior das hipóteses, diz Quintella, a ferrovia será responsável por mais de 55% da exportação de grãos do Mato Grosso. Na melhor, muito mais. Obcecado por estatísticas, Quintella é uma máquina que dispara números. A defesa que faz do sistema ferroviário é sustentada por uma avalanche de dados. Ele lembra à reportagem que Mato Grosso é maior do que França e Itália juntas. A seguir, dispara uma série de comparações. “A França tem 32 mil quilômetros de malha ferroviária e a Itália, 16 mil”, diz. “O Mato Grosso possui aproximadamente 600 quilômetros de ferrovia. Você acha que os italianos e franceses estão errados e o modelo brasileiro, certo? Claro que não.” O especialista prossegue, mas o humor dá lugar à indignação quando é instado a comparar rodovias com ferrovias. Em 1930, informa Quintella, o Brasil asfaltou sua primeira estrada (a Washington Luiz, que liga o Rio de Janeiro a Petrópolis). Naquele ano, o País operava 30 mil quilômetros de rodovias. Hoje em dia, as estradas somam 250 mil quilômetros de asfalto, enquanto são menos de 10 mil quilômetros de ferroviais operacionais. Não é preciso muito esforço para entender a importância da Ferrogrão. Basta recorrer aos números. Segundo projeções da EDLP, a linha pode baixar o custo de transporte de soja de R$ 300 por tonelada para R$ 110 e encurtar em quatro dias a viagem dos grãos do Mato Grosso em direção aos portos fluviais e, depois, para destinos como China, Rússia e Europa. Quem poderia ser contra isso? O governo brasileiro não é contra, mas nos últimos anos não tem sido muito a favor.


O produtor Eraí Maggi e Antônio Galvan, da Aprosoja: ferrovia trará benefícios para toda a economia brasileira

É aí que entra a obstinação de Quintella pelo projeto. A ideia da ferrovia começou a ser debatida em 2012 por produtores, tradings e especialistas. Como presidente da EDLP, uma das maiores estruturadoras de operações logísticas do País, Quintella abraçou a iniciativa e resolveu torná-la real. Naquele mesmo ano, o executivo encontrou-se com a então presidente Dilma Rousseff, que, segundo ele, ficou 100% convencida da importância da ferrovia para o agronegócio brasileiro. Faltava provar que o negócio era mesmo viável. Pouco depois do encontro com Dilma, Quintella determinou que a equipe da EDLP percorresse de carro os 1.142 quilômetros da BR-163 que separam Sinop, na região produtora de grãos do Mato Grosso, e o porto de Miritituba. “Como a ideia era fazer a ferrovia paralela à estrada, mandei dois engenheiros

analisarem o percurso inteiro para ter certeza de que o projeto seria possível”, diz Quintella. Depois de quase um mês de viagem e uma série de relatórios, os funcionários trouxeram informações preciosas. A primeira delas: o percurso é praticamente todo plano, saindo de uma altura de 400 metros acima do nível do mar para chegar a pouco mais de 70 metros. Isso não é nada em uma ferrovia com mais de 1.000 quilômetros de extensão. Só por essa razão, o custo da obra seria reduzido consideravelmente. A segunda informação trazida pelos especialistas era igualmente animadora: o percurso tem longas retas, algumas delas com 90 quilômetros de extensão. Tanto em estradas quanto em ferrovias, quanto menos curvas para serem construídas, mais barata é a construção. A terceira característica do trajeto que chamou a atenção de Quintella dizia respeito aos obstáculos que cruzavam o caminho dos trilhos. Como os especialistas constataram, há no percurso poucas pontes, viadutos e túneis. A maior barreira é uma ponte de 250 metros, mas nada muito sério para uma ferrovia tão extensa. O trabalho de pesquisa dos profissionais da EDLP resultou em um relatório com exatas 3.998 páginas e 630 plantas de engenharia. “Pedi para o pessoal colocar mais PLANT PROJECT Nº12

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fotos para arredondar para 4 mil páginas”, diz Quintella. “Falando sério: o estudo talvez seja um dos mais completos já realizados sobre infraestrutura logística no País.” De posse de todos esses dados, que comprovavam a viabilidade técnica e operacional da Ferrogrão, Quintella partiu para a nova – e mais importante – fase do processo: encontrar parceiros interessados em participar do negócio. “Eu imaginava que não seria difícil convencer o pessoal de que a ferrovia é vital para o agronegócio”, diz. “Mas o que descobri foi que havia um interesse muito maior do que eu tinha calculado.” Assim, a EDLP se tornou sócia no projeto das tradings ADM, Amaggi, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus que, juntas, embarcam mais de 85% dos grãos exportados pelo Brasil e que devem construir e operar a ferrovia. Cada um dos participantes será dono de uma fatia de 16,6% do negócio e deverá bancar de imediato 30% de seus custos totais. No plano desenhado por Quintella, os outros 70% serão financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O projeto entusiasmou alguns dos protagonistas do agronegócio brasileiro. Maior produtor de soja do mundo, o empresário Eraí Maggi disse em entrevista recente que o custo da ferrovia “é um troco perto dos 62

benefícios que ela vai trazer”. Para Antônio Galvan, presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado de Mato Grosso (Aprosoja-MT), serão três os potenciais ganhos para os agricultores: a valorização da terra, o menor custo de transporte e os lucros com a operação da ferrovia, já que os principais players do setor são sócios do projeto. “A Ferrogrão vai provocar uma revolução no transporte de grãos do Brasil”, diz Galvan. “Ela não irá beneficiar apenas os produtores, mas trará ganhos para toda a economia brasileira.” Se empresários e produtores estavam convictos da eficácia da Ferrogrão, havia outro desafio a resolver: a inoperância do governo. A instabilidade política (não custa lembrar, desde 2013 o Brasil passou por um processo de impeachment da presidente, denúncias sem fim de corrupção e uma polarização dramática que resultou no processo eleitoral mais violento da história da jovem democracia brasileira) não só interrompeu o andamento do projeto como fez com que investimentos permanecessem em compasso de espera até a definição das urnas. O cenário de incertezas causou estragos em diversos setores, mas em especial no de infraestrutura, que depende de grande volume de recursos para viabilizar as

O QUE É A FERROGRÃO PERCURSO: de Lucas do Rio Verde (MT) ao porto fluvial de Miritituba (PA) EXTENSÃO: 1.142 quilômetros CUSTO: R$ 12,7 bilhões PROJETO: 3.998 páginas e 630 plantas de engenharia SÓCIOS: estruturadora EDLP e tradings ADM, Amaggi, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus TEMPO PARA A REALIZAÇÃO DO PROJETO: 5 anos (2 anos de licenças ambientais e 3 anos de obras) CAPACIDADE: 20 milhões de toneladas de grãos por ano REDUÇÃO DE CUSTOS NO TRANSPORTE DE GRÃOS DO MATO GROSSO: R$ 2 bilhões por ano


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obras. Quintella espera iniciar as conversas com o presidente eleito, Jair Bolsonaro, a partir do ano que vem. Trens, trilhos e dormentes sempre estiveram presentes na vida profissional de Guilherme Quintella. Aos 20 anos, ele trabalhava na trading da família, a Cutrale Quintella, e já tinha planos de focar sua atuação na área de logística. No início dos anos 1990, a empresa comprou suas primeiras locomotivas para operar na malha da estatal Fepasa, passando a transportar soja do interior de São Paulo para o Porto de Santos. A aquisição resultou em ótimos negócios, mas também em muita dor de cabeça. A viagem entre Campinas e Santos, que deveria levar dez horas, demorava às vezes um dia inteiro, ou mais. O sistema falhava com frequência e os reparos costumavam se prolongar horas a fio, causando prejuízos. Foi nessa época que ele diz ter aprendido uma grande lição do pai, o empresário Wilson Quintella.

“Ele me disse que o trem só vai funcionar no Brasil quando voltar a transportar passageiros, porque a carga não vota e o passageiro, sim.” Mais tarde, a Cutrale Quintella foi pioneira em usar o sistema de navegação hidroviária no Tietê-Paraná para o transporte de soja. Em 2003, essas operações e todos os seus ativos (locomotivas, vagões, barcaças e terminais) foram arrendados à francesa Louis Dreyfus. No mesmo ano, Guilherme Quintella fundou a EDLP, que logo se tornaria uma das principais estruturadoras de projetos de logística do Brasil. Desde então, a empresa

participou, entre muitas outras ações, da reestruturação da Brasil Ferrovias e atuou como assessora da ALL na compra de ativos da Ferronorte, Ferroban (antiga Fepasa) e Novoeste. Atualmente, Quintella é o único brasileiro no board da International Union of Railways (UIC), organismo representante de 200 empresas que, juntas, operam mais de 1 milhão de quilômetros de ferrovias e transportam 30 bilhões de passageiros e 13 bilhões de toneladas de carga por ano. “O Brasil pode ter esquecido isso, mas os exemplos no mundo inteiro mostram que construir ferrovias é o melhor caminho.” PLANT PROJECT Nº12

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Não há bem mais precioso do que a água e tudo leva a crer que ela será a próxima commodity. Para não ser vilão nessa história, o agronegócio busca, no passado e no futuro, soluções que garantem o consumo mais sustentável

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DO SÉCULO 21

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investidor Michael Burry, sediado na Califórnia, ficou conhecido por ter criado um fundo de derivativos de crédito, uma espécie de seguro inadimplência, para prevenir colegas contra os títulos podres que levaram à crise de 2008. Considerado um outsider do sistema financeiro naquela época, ele teve um papel tão importante no episódio das hipotecas imobiliárias (subprimes) que acabou virando o personagem principal de um filme, A grande aposta (2015). Depois disso, resolveu colocar suas fichas numa commodity até então ignorada ou pelo menos pouco comentada em Wall Street: a água. O negócio corre no fundo Scion Capital, avaliado em US$ 300 milhões, com potencial para criar uma nova onda no mercado de capitais. Para ele, a água é o petróleo do século 21. É uma nova aposta, mas com risco bem calculado. A Organização das Nações Unidas estima que, atualmente, 844 milhões de pessoas não têm acesso à água. A cada 90 segundos, uma criança morre de sede no planeta e US$ 260 bilhões são gastos anualmente graças à falta d'água e saneamento básico. Com a escassez de água ameaçando, até 2050, um contingente de

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5 bilhões de pessoas em todo o mundo, o líquido que dá origem à vida já é tratado como um ativo tão valioso quanto estratégico, exigindo novas abordagens de governos, da ciência e das empresas. O abastecimento urbano é a ponta desse iceberg. Representa, no Brasil, apenas 8,8% do consumo. A maior parte desse recurso natural destina-se ao campo, que absorve 69,5% do total, segundo a Agência Nacional das Águas (ANA). Assim, essas questões ganham, no meio rural, proporções infinitamente maiores. A água é insumo fundamental na produção agrícola e a sua crescente escassez tem potencial para transformar, de maneira radical, o jeito como se faz agropecuária em todo o mundo. Crises hídricas têm alterado paisagens, devastado negócios, desafiado produtores e cientistas em algumas das mais produtivas regiões do planeta. Na Austrália, por exemplo, a chamada “Seca do Milênio” fez com que os preços da água utilizada na agricultura dobrassem no último ano e, na pecuária, obrigou a indústria da carne a antecipar o abate de milhares de cabeças de gado, que começavam a perder peso por não dispor de alimentação e hidratação suficientes. Na


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Califórnia, que colhe um quarto de todo o alimento consumido pelos americanos, os aquíferos que abastecem as cidades e os sistemas de irrigação sofreram inesperadas reduções em seus volumes. No Brasil, dono das maiores reservas de água doce do mundo, as precipitações cada vez mais irregulares em praticamente todas as regiões colocam produtores em alerta e grandes períodos de estiagem em algumas delas provocam quebras recorrentes nos resultados das safras. Em qualquer canto do planeta em que se discute a questão, há um consenso: a agropecuária, que tem entre suas missões dobrar a produção nos próximos 30 anos para alimentar uma população global crescente, precisa urgentemente de soluções para colher mais usando menos água. Quem vive da terra – e por que não dizer da água – enfrenta um dilema. Durante séculos, a agricultura moveu-se para próximo da água e desenvolveu sistemas de produção que associavam a maior disponibilidade hídrica – sobretudo com irrigação -- a colheitas mais fartas. O uso intensivo de água era visto, até recentemente, como um elemento chave para se obter uma intensificação também na produção de

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alimentos. Hoje, essa lógica é condenada nas grandes cidades, que costumam enxergar a agricultura como grande “consumidora de água”. E a atividade é empurrada na direção contrária. Ao mesmo tempo, precisa de argumentos para despir a roupa de vilão ambiental. A boa notícia é que eles existem. Diferentemente do que acontece com o uso industrial e urbano, a maior parte da água utilizada pela produção agropecuária retorna limpa à natureza por meios como evaporação e penetração no solo. Assim, as fazendas são fundamentais para a recarga dos aquíferos e na formação de estoques de água, que alimentam os rios. Além disso, outra parte relevante é remetida diretamente ao consumidor, “embutida” na comida. Outro ponto relevante é que, em todo o mundo, a imensa maioria da produção de alimentos é feita em lavouras irrigadas pela chuva – ou seja, em um regime natural, sem concorrer com o consumo industrial ou doméstico. No Brasil, por exemplo, as chuvas nos fornecem 13,4 trilhões de metros cúbicos por ano. Mais do que qualquer outro, o agricultor sabe quanto vale cada gota. Sem água, cultivar e criar animais seria inviável.

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"A água, hoje, é um recurso limitado e vulnerável, um insumo essencial para diversos usos. Na agricultura, é fundamental", comenta o coordenador de Agricultura Irrigada do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), José Silvério da Silva. "Todas as nossas ações estão sendo dirigidas no sentido de garantir o uso racional da água, tornando a sua utilização sustentável", garante o representante. O Mapa prevê lançar, em breve, um Plano Nacional de Segurança Hídrica, mas não revela detalhes. "Estamos trabalhando em conjunto com a Integração e a Casa Civil. Essa política tem como fundamento o uso racional, eficiente e produtivo da água", informa Silvério. SEMEADORES DE SOLUÇÕES “Se a questão é escassez, o produtor rural tem mais soluções do que problemas”. A frase, dita pelo coordenador de Sustentabilidade da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Nelson Ananias Filho, durante o 8º Fórum Mundial da Água (FMA), realizado em Brasília (DF) em março passado, reflete a permanente preocupação, no campo, com a utilização adequada dos recursos hídricos. Cada vez mais os produtores associam técnicas já consagradas com inovações tecnológicas que surgem todos os anos. O plantio direto na palha, que melhora a absorção da água no solo, venha ela das chuvas ou via irrigação, é um exemplo clássico. Se neste sistema forem plantadas sementes de cultivares desenvolvidas para serem mais resistentes ao déficit hídrico, o resultado é ainda mais expressivo em relação à economia de água. Técnicas avançadas de irrigação, uso de sensores no solo e no ar dividem atenção com propostas tradicionais de armazenamento, inclusive subterrâneo, como formas de enfrentar um clima mais hostil e com precipitações irregulares. Graças aos avanços tecnológicos e científicos, a agricultura tem aprendido mais sobre o ciclo da água e sobre como fazer um uso mais racional. Programas que reúnem algumas das ferramentas mais eficientes no que os americanos batizaram 68

de Climate-Smart Agriculture (CSA) – Agricultura com Inteligência climática, em uma tradução livre -- têm sido incentivados em vários países, especialmente para auxiliar pequenos fazendeiros, que não têm acesso a tecnologias mais avançadas, a mitigarem os efeitos de uma oferta cada vez menor de água nos próximos anos. A primeira lição que esses programas ensinam é conservar o que a natureza oferece, guardando os excedentes para os dias de escassez. Transformar o produtor de alimentos em produtor de água é outra missão que começa a ganhar corpo entre gestores de entidades e autoridades. No Brasil, um programa do gênero criado pela Agência Nacional de Águas (ANA) incentiva o agropecuarista a investir em boas práticas de preservação, contribuindo para fazer a água brotar de novo da terra, nutrir o solo e correr para o rio. Em contrapartida, eles recebem apoio técnico e financeiro, através de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA). Assim, além do ganho econômico da sua produção, o produtor também melhora a quantidade e a qualidade da água da região, beneficiando a todos. Hoje, o Programa Produtor de Água atinge mais de 400 mil hectares de áreas protegidas e mais de 2 mil produtores rurais recebem por esses serviços. “No momento em que se tem essa parceria com o produtor, dizendo que ele vai receber para cuidar daquilo que é feito na propriedade, a possibilidade de uma muda virar árvore na área dele é muito maior do que em qualquer outro lugar”, afirma Devanir Garcia dos Santos, coordenador do programa. ALÉM DA PRESERVAÇÃO A redução do impacto ambiental do agronegócio inclui estratégias para irrigação, monitoramento tecnológico das lavouras e até placas vegetais para filtragem e tratamento d'água. No mundo, 70% das águas passam pela irrigação antes de voltarem ao ciclo pluvial. No Brasil, esse índice é menor, de 60%, segundo a ONU. Seja por gotejamento, pivô central, aspersão ou sulcos, o Brasil está entre os dez países com as


maiores áreas equipadas para irrigação no mundo, com 7 milhões de hectares. A área irrigada tem crescido, em média, 4% ao ano desde a década de 1960, quando a técnica se difundiu no País. Prática antiga da Mesopotâmia e do Egito, a irrigação garantiu a existência da agricultura e se destacou na China e na Índia, onde ocupa 70 milhões de hectares em cada país. Lavouras irrigadas rendem o triplo, permitem a produção de três safras por ano e evitam a expansão de área plantada. Mas, sobretudo, oferecem uma possibilidade de fazer a gestão dos recursos hídricos nas propriedades, graças à evolução da tecnologia no setor. "No Brasil, a área irrigada tem crescido sobre pastagens, áreas degradadas e sequeiro mal manejado, diminuindo a incorporação de novas terras, já que o produtor consegue produzir mais com menos", avalia o especialista em recursos hídricos da ANA, Thiago Fontelles. Na divisão entre culturas, a cana-de-açúcar ocupa 20% da área irrigada total e o arroz, 25%. Os grãos (soja, milho e café) e citros ocupam a maior área, de 55%. Os diferentes tipos de irrigação variam conforme a cultura e região. Os pivôs centrais são mais comuns no Centro-oeste e Sudeste. O arroz inundado predomina no Sul. O primeiro equipamento de irrigação instalado no Brasil foi criado em 1940 pelo Instituto Rio-grandense de Arroz (Irga), em Cachoeira (RS), abastecendo 462 mil hectares. "Claro que, de lá pra cá, a eficiência evoluiu. Hoje somos muito mais eficientes. Produzimos um quilo de arroz por metro cúbico de água, produtividade cinco vezes maior do que no início", compara o diretor técnico do Irga, Maurício Fischer. Aspersores de última geração como o iWobler, um dos equipamentos mais utilizados, hoje em dia, no controle da água consumida pelos pivôs centrais -- a tecnologia equipa 95% das novas máquinas para irrigação agrícola, correspondendo a uma cobertura de 650 mil hectares no País, de acordo com a fabricante Senninger --, controlam os níveis de saída da água, possibilitando economia de 30% nos gastos hídricos em relação PLANT PROJECT Nº12

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aos aspersores e reguladores de pressão mais antigos. "Antes, os produtores utilizavam spray fixo ou rotativo, mas agora estão repondo as peças conosco", explica o especialista de Irrigação da companhia, Eugenio Lucca Neto. Contudo, não basta deter a tecnologia. A irrigação das lavouras exige estratégias para balancear fatores como chuva, topografia e períodos adequados para molhar as plantas. Com faturamento de US$ 3 bilhões por ano, 130 fábricas espalhadas pelo mundo e onze mil funcionários, a multinacional Valmont é especialista em projetos de irrigação de precisão, que buscam extrair o máximo potencial produtivo das fazendas. "O objetivo é fornecer o máximo de água possível no momento certo e na quantidade certa. Se coloco uma gota d'água numa planta, não significa que ela vai absorver tudo. Com um sistema apropriado de irrigação, chegamos a quase cem por cento de eficiência", afirma o gerente de engenharia da empresa, Vinicius Melo. Os produtos Pivot Valley, da Valmont, estão na fazenda do produtor Romeu Franciosi, de Luís Eduardo Magalhães (BA), onde o desafio era captar água em vales profundos e fazer o bombeamento por canal até vastas áreas plantadas. A propriedade tem, hoje, 28 pivôs de 350 hectares cada, com lâminas baixas que liberam 4,5 milímetros de água por segundo, ante 10 mm da maioria existente. "É bom ressaltar que chamamos nossa irrigação de complementar", pontua Franciosi, explicando que aciona os pivôs 70

no início e no final das lavouras, ou durante estiagens, contando com a água da chuva nos demais períodos. Além disso, ele intercala culturas que precisam de mais água com outras que "bebem" menos (milho e algodão, por exemplo) para aproveitar melhor as áreas irrigadas. "É uma irrigação mais complexa, mais trabalhada, com custo um pouco mais elevado que as tradicionais. Esse manejo permite aumentar a produtividade, com resultados satisfatórios", conclui. ÁGUA É DINHEIRO Investir em sistemas que permitem economizar água deixou de ser opcional para boa parte dos produtores. Outro mito constantemente difundido quando se vilaniza a agricultura pelo consumo de água é o que diz que os produtores tiram o líquido de rios, lagos e poços gratuitamente e o utilizam em detrimento do consumo urbano. Na verdade, a cobrança pela água usada na agricultura é uma realidade em diversos estados brasileiros. No Estado de Sã o Paulo, por exemplo, seis das 22 bacias hidrográficas já cobram pela utilização dos recursos hídricos. As tarifas variam conforme o volume usado e o local de captação. Outro debate frequente entre cidade e campo diz respeito à qualidade da água devolvida ao ambiente. Na agricultura bem-feita, ela retorna praticamente sem resíduos, diferentemente da proveniente de residências e indústrias, que consomem recursos vultosos em tratamento.


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Também no campo, porém, a utilização de técnicas para reter eventuais impurezas tem crescido. O empresário paulista Luis Magalhães, por exemplo, trouxe da Austrália um filtro composto de parafina e nanominerais que limpa água poluída. Com apenas um ano, a tecnologia da O2 Eco já chama atenção do mercado agropecuário. Magalhães cita o exemplo da família Almeida Prado, sua cliente em Jaú (SP), que produz muçarela de búfala e utiliza o serviço de filtragem para tratar a água de reuso do laticínio. “Houve economia de 30% nos gastos com o tratamento de efluentes gerados pela higienização da indústria”, afirma. A tecnologia da O2 é utilizada em onze países, de acordo com o empresário, que destaca o papel da Austrália, onde estudou agronomia, em descobertas científicas. O país acumula 12 prêmios Nobels. As frequentes crises hídricas têm gerado oportunidades para empreendedores e inovadores que buscam soluções tecnológicas para a economia da água, numa espécie de corrida global pelo novo líquido precioso. A companhia VICI Lab, da Virginia, nos EUA, criou uma torre que capta água atmosférica e a armazena numa câmara subterrânea, vinte metros abaixo da superfície. O Waterseer é adequado para regiões desérticas, como a África subsaariana. Os filtros de grafeno, forma de carbono 200 vezes mais resistente do que o aço, foram a solução encontrada pela Lockheed Martin, do Reino Unido, para dessalinizar a água, com alta pressão

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e temperatura de 500 graus Celsius. O método supera a dessanilização convencional com produtividade 20% superior e já vem sendo utilizado no setor energético a nível de 18 bilhões de galões de óleo e gás por ano. No Marrocos, cientistas estão testando painéis capazes de captar a umidade presente na neblina para armazenagem de até 6,3 mil litros de água por dia. Estes são alguns exemplos das melhores soluções encontradas pela Circle of Blue, uma coligação internacional de especialistas no assunto. Na Nova Zelândia, a empresa BioLumica desenvolveu um sistema que utiliza luzes ultravioleta no tratamento de sementes para estimular as plantas a absorver melhor a água e os nutrientes disponíveis, produzindo mais com menos insumos. Já utilizada no México e na Califórnia, regiões com pouca oferta hídrica, a tecnologia gerou aumentos médios de 22% na produtividade. Também na Califórnia, as lavouras da holding Iron Ox são controladas por sistemas inteiramente baseados em inteligência artificial. Lá, o cultivo hidropônico reduz em 90% o consumo de água e torna a produção 30% mais eficaz. Não faltam, da mesma forma, startups e tecnologias à disposição dos produtores rurais brasileiros. Entre as chamadas AgTechs nacionais, uma das que possui maior visibilidade internacional atua justamente na solução desse problema que tira o sono de quem planta. Criada por uma família de fazendeiros que desenvolveu PLANT PROJECT Nº12

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um sistema capaz de reduzir em 60% o consumo de água e 40% as contas de luz, além de gerar ganhos de 20%, em média, na produtividade, a Agrosmart usa sensores monitorados via satélite para medir os níveis pluviométricos, de umidade e salinidade do solo, calculando a demanda hídrica necessária para cada talhão. "Monitoramos o quanto chove, exatamente, em cada parte da fazenda", explica Mariana Vasconcelos, CEO da empresa. "Identificamos até os níveis de transpiração das plantas, determinando o quanto de água é preciso para a irrigação." A tecnologia da Agrosmart está presente em fazendas que somam, juntas, 170 mil hectares no Brasil, além de nove outros países, inclusive Israel. Neste ano, foi apresentada à Organização Mundial de Comércio (OMC) e no Fórum Econômico Mundial. "Já somos reconhecidos como uma autoridade em desenvolvimento agrícola sustentável", diz Mariana, pontuando que, além de alertar os produtores para possíveis perdas na lavoura, a empresa faz análises de melhoramento foliar e seleção de cultivares para diferentes microclimas. 72

"Até mesmo os consultores das fazendas sentem falta de dados para melhorar a produção", afirma a executiva. A geração de dados serve, sobretudo, para elaborar planos de irrigação que auxiliam os agricultores na tomada de decisões. A israelense Netafim, líder no mercado de gotejamento, com mais de 400 mil hectares equipados com seu pacote tecnológico no Brasil, lançou neste ano uma plataforma para digitalizar esse processo. "É a única tecnologia capaz de monitorar, analisar e recomendar dados da lavoura para o cliente, dentro de um modelo digital", conta o diretor de Marketing da companhia, Carlos Sanches. "Trabalhamos o conceito de produtividade da água, considerando cada mililitro que o agricultor aplica nas culturas", ele diz, citando ganhos de 50% a 100% na economia da água. Sanches explica que o gotejamento é a forma mais precisa de irrigação, com quatro vezes mais eficácia do que os outros métodos. "Nossos gotejadores são desenhados pela Rolex, tamanha a precisão que eles têm", revela. Afinal, a água é um produto cada vez mais valioso.”


Pecuária de alta performance: Gestão estratégica garante mais rendimento na produção e agrega valor na comercialização

Nova Geração As histórias dos melhores produtores do Brasil

foto: Rogério Albuquerque


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a c s u b m e r o d a n i f n o C v oos ma is a l t os de

Pedro Merola é um entusiasta da alta performance e procura conduzir todos os seus negócios dessa forma. No caso do confinamento, esse desempenho pode chegar até a mesa do consumidor final Por Romualdo Venâncio | Fotos Rogerio Albuquerque

Assim que termina a entrevista, sob o sol do final da manhã na cidade goiana de Santa Helena de Goiás – o calor era intenso mesmo debaixo da sombra improvisada –, Pedro Merola solta um comentário tão bem-humorado quanto inesperado: “Não precisei repetir nenhuma vez. Estou ficando bom nisso”. Não fosse o tom da conversa e até alguns causos contados durante o papo que passou de uma hora, seria possível pensar que se tratava de vaidade. Mas o empresário, que havia recém-completado 40 anos, deixou claro não ter esse preciosismo. Ele se empolga mesmo é a com alta performance de seus negócios. Pedro é proprietário da Agropecuária Santa Fé, empreendimento que se divide quase que meio a meio em produção pecuária e agrícola e fatura, por ano, mais de R$ 150 milhões. Na fazenda de 3 mil hectares, uma importante referência é o confinamento. Em mais de dez anos sob sua gestão, já saiu de lá para o abate um rebanho superior a 600 mil bois, oriundos de uma clientela que passa de 300 nomes. Este ano deve fechar com cerca de 70 mil cabeças, sendo a grande maioria (95%) animais de parceiros. Em média, o ganho de peso diário do gado é de 1,74 quilo, e o pecuarista resume em uma frase os vários fatores que permitem chegar a tal resultado: “Confinamento é manejo, de cocho e dos animais”. Quando se entra nos detalhes, ficam mais explícitos os meios que levam a essa performance e que garantem o melhor retorno aos parceiros. “Fazemos um árduo

trabalho de identificar semanalmente os animais prontos para o frigorífico. Imagine, em meio a cerca de 40 mil bois, você contar quantos já estão gordos a cada sete dias”, comenta. Esse amplo e minucioso monitoramento garante que o cliente da Santa Fé saiba exatamente quando pode negociar o gado já bem-acabado – e é ele quem decide de que maneira e para quem vai vender. Além disso, o controle evita a permanência no confinamento de um boi que já atingiu seu desempenho máximo, e estaria apenas gerando custo. “Sem contar que isso destrói todo o trabalho que fazemos para obter a melhor performance”, diz Pedro. Das terras desta propriedade, 2,4 mil hectares são destinados a lavouras. Somadas às áreas arrendadas, em contratos de longo prazo (20 anos), chega-se a um total de 3,75 mil hectares de plantio, dos quais 2,1 mil hectares são irrigados e semeados com soja, tomate, feijão, milho para silagem e culturas para produção de sementes (soja, milho e sorgo). Nas áreas de sequeiro cultiva-se soja, sorgo, girassol e cana. “Como quase 60% de nossa área é irrigada, temos água suficiente para fazer salvamento na cana [quando se utiliza água residuária para irrigação], que dessa forma pode durar até oito ou nove cortes com rendimento médio de 100 toneladas por hectare”, afirma Pedro. Grande parte da performance agronômica resulta dos cuidados com a terra. “Todas as áreas são mapeadas a cada 3 hectares para avaliação de fertilidade, usamos PLANT PROJECT Nº12

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Pecuária de Corte

GENEALOGIA AGROPECUÁRIA Pedro nasceu na capital paulista, mas com menos de 2 anos já estava morando na Santa Fé. “Sou a quarta geração da família nesta mesma fazenda, e a quinta no agronegócio”, acrescenta. A história da propriedade começa com seu bisavô, Misael Rodrigues de Castro, formado em Agronomia em 1915, na 13ª turma da Esalq-USP. Ele comprou as terras em Santa Helena de

“Ele é um empreendedor nato e sempre foi engajado com tecnologia. É por causa dele que a Santa Fé, além de ter o plantio direto mais antigo do Cerrado, é uma das primeiras fazendas a serem irrigadas na região”, comenta Pedro. A admiração e o respeito com que Pedro fala do pai dão uma boa ideia da base sobre a qual sua carreira profissional foi construída. Convivendo desde muito cedo com esse ambiente de fazenda, ainda moleque Pedro já estava na lida de fato. “Comecei a empreender com 10 anos, quando comprei meus primeiros bois. Com 11 já tinha meu talão de cheque, de uma conta conjunta com meu avô, e com 12 meu pai me deu meu primeiro emprego assalariado”, recorda o empresário, que se tornou supervisor do confinamento aos 14 anos. Outro fator positivo nessa relação, segundo Pedro, é

Goiás, em 1933, e formou a fazenda. O patrimônio foi doado para a avó de Pedro, Maria Aparecida de Castro Merola, e com isso seu avô, Francisco Merola Neto, trocou o negócio no ramo de joalheria para lidar com o agronegócio. “Eles fizeram a mesma coisa e doaram a fazenda para os três filhos, que vieram e fizeram a vida deles aqui”, acrescenta. Um desses três novos proprietários da Santa Fé era seu pai, Ricardo de Castro Merola, pecuarista reconhecido no setor pela postura empreendedora e de liderança. O interesse em inovações tecnológicas é outra característica forte na forma de gerir de Ricardo Merola.

que apesar de sua extrema curiosidade seu pai jamais o deixou sem resposta. “Minha família me chama de ‘Pedro dos porquês’, de tanto que eu perguntava, pois queria saber como as coisas funcionam. Mas seja qual fosse a situação e por mais estúpida que parecesse minha pergunta, meu pai sempre tinha muita paciência e respondia da melhor maneira possível”, relata. Pedro também faz questão de mencionar que sua mãe, Ana Lúcia Ribeiro Merola, teve uma participação igualmente importante nessa formação, inclusive por sua origem na produção agropecuária. A criação dela foi semelhante à dos próprios pais, no ambiente de fazenda.

muito esterco para corrigir o solo e deixá-lo com o mais alto potencial possível”, detalha Pedro. A preservação do solo é uma prioridade na fazenda há muito tempo, tanto que se faz plantio direto na propriedade desde 1982. Ou seja, bem antes de Pedro estar no comando. Aliás, muitas das prioridades atuais vêm de outras gerações.

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“Com 11 anos minha mãe já andava a cavalo, lá em Mato Grosso. Ela é uma figura fantástica, em todas as situações”, comenta. DONO DO NEGÓCIO Com a infância e a adolescência vividas na fazenda, e acompanhando bem de perto o desenvolvimento das atividades por ali, a opção de Pedro por estudar Agronomia veio com muita naturalidade. Como seu bisavô, também estudou na Esalq. Após ter se formado, em 2001, trabalhou por três anos na Santa Fé e outros três fora da fazenda, em um banco de investimento na capital paulista. Em 2008, quando tinha 29 anos, o pai o chamou para assumir a administração do negócio, movimentação mais do que esperada.

estratégia seria prestar serviços, atendendo grandes empresas do setor, nacionais ou multinacionais, com itens muito bem produzidos que agregassem valor para ambos os lados. Já no gado de corte, o empresário acreditava que fazer o ciclo completo, com cria, recria e engorda, seria a melhor opção para controlar as margens de ganho. “Como eu não tinha capital para fazer dessa forma, encontrei o meio do caminho, que acabou virando o grande negócio da empresa”, diz. A fórmula aplicada foi aliar baixíssimo custo com performance elevada, e garantir total transparência na relação com os clientes. A localização geográfica facilitou na questão das despesas. A produção de grãos é abundante no sudoeste goiano, onde está a fazenda, o que permite acesso à alimentação barata e com frete

Como meu pai, sempre busquei a inovação. Nunca quis fazer agricultura e pecuária convencionais"

Dois anos mais tarde, Pedro, que é filho único, recebeu novo convite de seu pai, naquele momento para ser sócio, e se tornou dono de metade de todo o empreendimento. “Foi maravilhoso receber essa oportunidade de meu pai. Traçávamos as metas do ano e, dentro da minha liberdade, eu podia executar o que quisesse, e ele sempre me respeitou muito”, comenta, lembrando que foi um período desafiador. Uma das razões é que o produtor, assim como seu pai, sempre buscou a inovação. “Nunca quis fazer agricultura e pecuária convencionais”, reforça. Na parte agrícola, Pedro decidiu que a melhor

menor. “Muitos vizinhos são nossos parceiros e entregam os insumos aqui em casa”, afirma Pedro. Cada passo acertado era um novo estímulo à ambição do empresário de investir mais no crescimento da Santa Fé e tornar o empreendimento cada vez mais rentável. Do ponto de vista operacional, de gestão e de negócio, o pensamento era perfeito. Mas havia uma questão importante a ser resolvida a respeito do ritmo dos dois sócios em relação a esse avanço. “O sonho do meu pai era não perder nada do que construiu e continuar vivendo bem. E eu, com 32 anos, queria construir o mundo como eu achava que deveria ser”, diz. PLANT PROJECT Nº12

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PEDRO MEROLA | 40 ANOS, SOLTEIRO Cargo: proprietário Faturamento: R$ 150 milhões / ano Área total: 3 mil hectares Produção: confinamento para 70 mil bois por ano; 3,75 mil hectares cultivados, entre áreas próprias e arrendadas (sendo 2,1 mil ha irrigados), com soja (grão e semente), milho (silagem e semente), feijão, tomate, sorgo (grão e semente), girassol e cana Hobbies: velejar e voar (está em processo de habilitação) Outros negócios: proprietário da FEED (loja de cortes especiais) e sócio da Zeus (empresa de meteorologia) e da Yalo (empresa de benefícios no ramo de saúde e bem-estar)

A disparidade dos objetivos já estava, inclusive, gerando desgastes na relação do dia a dia. “Por conta dessa diferença, começamos até a perder o tempo de sermos pai e filho, de sermos amigos”, lamenta Pedro. Certo de que esse era um preço muito alto a ser pago para continuar como sócio da empresa, Pedro propôs, de forma bastante cuidadosa, a devolução de sua parte ao pai, ficando apenas com uma fazenda que já havia recebido anteriormente. A resposta de Ricardo Merola foi uma completa surpresa: “Estou adorando sua ideia de sermos só amigos, mas não quero tocar nada. Já fiz muito isso. Não tem outra proposta?” Pedro ainda ri ao comentar essa passagem, de tão inusitada que foi a reação de seu pai. Como não é de seu feitio perder um bom negócio, propôs a compra da parte de seu sócio, para pagamento em um prazo de cinco anos. DESAFIO DO VAREJO Entre os negócios de Pedro Merola relacionados à Agropecuária Santa Fé, o que representa a menor fatia em termos de faturamento – entre 6% e 7%, que pode ser menor dependendo do crescimento dos demais – passou a ser uma vitrine privilegiada do empreendimento pecuário. A FEED, loja especializada em cortes nobres inaugurada em 2014 no Jardim Paulistano, em São Paulo (SP), tornou-se uma conexão entre a fazenda e o consumidor final. A FEED é, na verdade, o aprimoramento da primeira investida de Pedro no varejo de carnes, que começou como Bonsmara Beef. “A FEED é a maior escola que tive na vida, pois o varejo é muito desafiador e apanhei bastante para fazer dar certo. Hoje está muito bem, mas foram 78

cerca de três anos de aprendizado”, diz Pedro. Para compor o negócio como realmente queria, oferecendo um produto exclusivo, com preço justo e que proporcionasse uma experiência diferenciada ao consumidor, Pedro contou com a colaboração de muita gente. Como ele mesmo diz, foi uma coletânea de ideias. Quem já teve a oportunidade de visitar a loja sabe que o atendimento é mesmo diferenciado, desde o primeiro contato com qualquer atendente. Nas geladeiras, a clientela encontra não só os variados e convidativos cortes como folhetos com informações sobre os cuidados e preparos para a carne. As sugestões gastronômicas se espalham pelas prateleiras, com temperos, pimentas, farofas, vinhos, cervejas, cachaças, entre outros itens. E, se necessário, há sempre alguém para orientar como harmonizar tudo isso. OUTRAS EMPREITADAS Entusiasta de negócios inteligentes, sejam ou não ligados ao agronegócio, Pedro acabou investindo em outras empresas. Uma delas é a Zeus Agrotech, startup que trabalha com previsões meteorológicas, principalmente de quando vai ou não chover, da qual se tornou sócio majoritário. Segundo ele, o nível de precisão das informações da Zeus é de 80% para previsões de quando vai chover e entre 95% e 98% para quando não vai. “O nível de assertividade é muito alto”, afirma. Pedro tem também 10% da Yalo, uma empresa de benefícios, filiada à Dr. Consulta, que atua no segmento de saúde e bem-estar e oferece descontos em uma série de produtos e serviços. Ele conta que o objetivo da companhia é levar facilidades a pessoas que por falta de recursos não


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têm acesso a um plano de assistência médica. “Os fundadores querem mudar as condições de saúde das pessoas pobres no Brasil. Acabei me engajando na ideia e me tornei sócio.” A lista de sociedades de Pedro foi ampliada por uma nova parceria comercial com seu pai, um empreendimento agrícola com irrigação na Bahia, também com foco em prestação de serviços. “E agora a gente não briga, porque sou apenas sócio, não CEO”, brinca o empresário. FUTURO INDEPENDENTE Quando questionado sobre o que espera da Agropecuária Santa Fé para os próximos anos, Pedro é categórico ao dizer que sempre teve como meta construir uma empresa que fosse maior do que seus donos. “A companhia deve sobreviver sozinha, pois tem normas e pessoas capazes, além de uma história e vida própria”, comenta. Para ele, o legado que ficará de sua gestão não é exatamente o que fez, mas sim o que as empresas continuarão a construir independentes de sua presença. O empresário, que já foi casado mas não teve filhos, quer deixar o caminho pronto para quando houver herdeiros. “Tenho meu sonho de ter umas três ou quatro crianças para cuidar. Na hora certa vai acontecer”, afirma. Pedro acredita

que se já tivesse sido pai, talvez não encontrasse condições para trabalhar tanto e realizar tantas coisas como já aconteceu. “E também não sei se terei filhos empreendedores e se essa será a área em que vão atuar. Se alguém da família tiver o interesse de participar, fazer parte do conselho, se dedicar a construir algo que é maior do que nós, vai lá e trabalha para isso. Essa é minha visão de longo prazo.” Pensando em um futuro mais próximo, uma das prioridades de Pedro é concluir o processo para ter sua licença de piloto. “Tenho até março de 2019 para tirar meu brevê”, diz ele, empolgado. Apaixonado desde criança por voar, hoje o empresário tem seu próprio avião, o que lhe proporciona mais agilidade nos longos deslocamentos. Se pelo ar ganha velocidade para a rotina corrida dos negócios, é na água que Pedro desacelera. Velejar é outra de suas paixões. Quando adolescente, durante as férias com a família, costumava praticar na represa Emborcação, em Uberlândia (MG). “Sempre achei uma atividade muito inteligente e interessante, além do contato com a natureza”, comenta. Tamanha vivência certamente contribui para Pedro aprimorar a definição quanto à direção e à velocidade no controle de sua gestão.

CONFINAMENTO A atividade de confinar bois da Agropecuária Santa Fé começou em 1984, com apenas 300 animais. Em 2001, houve uma reestruturação das instalações e a capacidade aumentou para 16 mil cabeças. O fechamento do balanço da fazenda em 2018 deve mostrar um total de 70 mil bois. Para Pedro Merola, o resultado é ainda mais interessante por se tratar de crescimento em um cenário de crise econômica. Muito desse desempenho se deve à satisfação dos clientes com a qualidade na prestação de serviços. “A gente consegue fazer muito bem a etapa do ciclo que eles não fazem e ainda garantimos todas as vantagens da escala”, diz Pedro. Dentro da fazenda, os clientes da Santa Fé contam com equipes bem preparadas, tecnologia de ponta, eficiente controle sanitário e nutricional, custos baixos e a orientação adequada sobre o momento de vender o boi acabado. Devido à grande diferença no desempenho dos animais, esses fatores são decisivos para garantir a lucratividade. Por conta disso há um monitoramento ri-

goroso para identificar os bois que já estão prontos. Embora o pessoal que faz a gira pelos currais esteja preparado e tenha o olhar apurado para essa apartação, uma mãozinha da tecnologia cai muito bem. Desde 2014, a Santa Fé tem uma parceria com a Bosch para aferir, com alta precisão (margem de erro de apenas 1%), o peso dos animais dentro das instalações. Trata-se de um sistema de balança em tempo real que avalia o peso dos bois no trajeto de ida e volta dos bebedouros. A performance e o padrão dos animais, somados à precisão das informações, garantem a possibilidade de melhores negociações com os frigoríficos. Tudo o que a indústria quer é volume, frequência e padronização, e cada vez mais tem se comprometido a bonificar o pecuarista que corresponde a essa demanda. “É importante para nós que o frigorífico fique satisfeito e pague o devido ágio pelos bois que saem daqui”, diz Pedro, acrescentando que esse diferencial de preço na arroba vai para os clientes. “Esse dinheiro é deles.” PLANT PROJECT Nº12

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Pecuária Leiteira

m e n o ã ç p o r o h A mel é a p rimeira semp re Recém-formado em Agronomia, Eduardo Sekita planejava ganhar experiência fora da empresa da família. A investida do Grupo em um rebanho de vacas Holandesas não tinha o leite como prioridade. Nos dois casos, a segunda escolha deu muito certo Por Romualdo Venâncio | Fotos Rogério Albuquerque

A Sekita Agronegócios, localizada em São Gotardo (MG), é a quarta maior produtora de leite do Brasil, de acordo com levantamento Top 100 Milkpoint. Os dados apurados pelo portal especializado em pecuária leiteira mostram que, em 2017, a produção total da empresa foi de quase 20 milhões de litros, com média diária superior a 54 mil litros. Este ano, o volume médio chega a 65 mil litros de leite por dia com um rebanho de aproximadamente 1,5 mil vacas da raça Holandesa em produção. O rebanho total é de 4 mil animais, somando bezerras, novilhas e vacas secas. Para um projeto iniciado há apenas dez anos, em uma fazenda onde não havia um animal de leite sequer nem profissionais especializados na atividade, os dados são consideráveis. Mais ainda pelo fato de que o leite não era a prioridade. “Quando pensamos no projeto de pecuária leiteira, o grande objetivo era aproveitar os dejetos”, diz Eduardo Sekita, diretor-geral da empresa, explicando que foi uma decisão com viés de reduzir as despesas da produção agrícola. “Devido à grande alta de preços dos fertilizantes químicos ocorrida entre 2007 e 2008, tivemos de buscar saídas para melhorar a condição do solo com menor custo. Daí veio a ideia de utilizar matéria orgânica”, acrescenta. Entre as alternativas avaliadas, um rebanho 80

leiteiro foi a fonte considerada a mais interessante. Quem não está no dia a dia da fazenda deve prestar atenção para perceber esse processo acontecendo. A rotina das pás que recolhem automaticamente os dejetos das vacas, indo e vindo nos galpões free stall, é lenta e até silenciosa, mesmo com o barulho dos motores que as puxam por um cabo de aço. O material orgânico é todo despejado em uma valeta, de onde segue para um sistema que separa líquidos e sólidos. “A parte líquida vai para um biodigestor, onde é gerado o gás que abastece nossa fábrica de ração e outras estruturas. O resíduo que sobra desse processo é aplicado nas lavouras, pois contém grande quantidade de nutrientes. A porção sólida é direcionada a um pátio de compostagem e depois também é aplicada nas plantações”, explica Eduardo. Essa integração é ainda mais ampla, pois parte do que é produzido nas divisões agrícolas e que não tem valor comercial vira alimento para as vacas. Além de gerar ganhos ambientais e financeiros, esse ciclo ainda cria novas perspectivas. “É possível aprimorarmos a produção de energia e, provavelmente, teremos um projeto para jogar o excedente do biogás na rede e gerar créditos.”


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Pecuária Leiteira ENTRE CARREIRA E FAMÍLIA, OS DOIS A maneira com a qual Eduardo enxerga as possíveis oportunidades dentro do negócio é uma das razões pelas quais chegou ao cargo de diretor-geral. Aliás, foi olhando para as perspectivas de crescimento e conquistas que entrou para a Sekita, empresa que tem a cenoura como principal negócio – são 150 mil caixas por mês – e também produz alho, beterraba, repolho, batata e milho, este voltado à alimentação do gado. A pecuária de leite já é a segunda atividade mais importante da empresa em termos de faturamento e volume de produção. A família Sekita chegou a São Gotardo, vinda do Paraná, na década de 1970, no período de abertura do Cerrado. A princípio, trabalharam com milho, soja e um

de Mesquita Filho”, a Unesp. No começo dos anos 2000, recém-formado, Eduardo saiu em busca do início de sua carreira profissional, mas não no grupo da família. “Imaginei que deveria ter uma experiência profissional fora e busquei no mercado”, conta o agrônomo, que naquele mesmo período recebeu a proposta que definiria sua trajetória. “Coincidentemente, quando fui chamado por uma das companhias que estavam me avaliando, surgiu na Sekita a necessidade de um agrônomo para ser responsável por uma nova cultura, o alho, que estava recém-plantada”, recorda. Entre os fatores que pesaram para que Eduardo se estabelecesse em São Gotardo, estavam a proximidade com a família e a oportunidade de, fazendo parte do Grupo, ter o próprio negócio. Já o estímulo para seguir

O conhecimento técnico e a forma como lido com as pessoas me ajudaram a crescer na empresa” pouco de café. Em meados dos anos 1980 passaram a investir em hortícolas, principalmente cenoura, que se tornou o carro-chefe da empresa. “Chegou um momento em que meu pai também decidiu investir com meus tios. Deixou o emprego no Banco do Brasil, pegou suas economias e veio para a região”, conta. Nascido em Cornélio Procópio, Eduardo se mudou para Andirá aos 3 anos de idade. As duas cidades ficam no norte do Paraná, bem próximo da divisa com São Paulo, linha que cruzaria na adolescência. Fez o ensino médio em Ribeirão Preto e cursou Agronomia em Jaboticabal, na Universidade Estadual Paulista “Júlio 82

a carreira solo fora da Sekita era uma combinação da vontade de ampliar os conhecimentos, a possibilidade de ter contato com outros profissionais e outras atividades, o que acabou acontecendo mesmo ficando com a segunda opção. EVOLUÇÃO EQUILIBRADA A Sekita Agronegócios é uma empresa multifamiliar que começou pela junção de diversos negócios individuais. Os sócios eram produtores com fazendas e explorações independentes, cada um com suas lavouras de soja, milho e cenoura. O ponto comum era


basicamente o packing house, a lavadora de cenoura que prestava serviço a todos e que começou com Makoto Sekita, tio de Eduardo. “Ele é um dos grandes mentores do Grupo, e foi graças à sensibilidade dele e a sua capacidade de agregar as pessoas, aparando as arestas, que o negócio se consolidou”, descreve Eduardo, já deixando indícios de como ele mesmo evoluiu na empresa. O maior desafio naquele início da Sekita foi sincronizar produção, estoques e comercialização. Como cada sócio plantava de acordo com as próprias definições, ou seja, quando achasse mais conveniente, era comum haver períodos com excesso de produtos e outros com escassez. Conforme se estabelecia uma programação da produção, veio a necessidade de agregar patrimônio, com investimentos em maquinário próprio.

Conforme essas transformações aconteciam, sua atuação na empresa ganhava novas dimensões. “Primeiro, recebi mais responsabilidades e passei a cuidar também dos cereais”, conta Eduardo. Em 2004, um novo projeto de produção de soja o levou para Roraima, onde ficou por um período de três anos. Ao retornar, assumiu a diretoria agrícola, até que, em 2015, foi promovido a diretor executivo. Eduardo acredita que a conquista dessa posição está relacionada, principalmente, a dois de seus diferenciais como gestor: “O conhecimento técnico e a forma como lido com as pessoas”. Uma breve conversa com o agrônomo é suficiente para entender o segundo. Eduardo tem voz serena e uma tranquilidade bastante peculiar para explicar os detalhes sobre as atividades da Sekita Agronegócios. A preocupação com

Naturalmente, essas mudanças exigiram a profissionalização da gestão como um todo, tanto que em 2009 os 40 sócios decidiram criar um contrato social, para formalizar os cargos da empresa, e a composição dos conselhos administrativo e fiscal. Também formaram uma diretoria executiva, que hoje tem as seguintes subdivisões: Agrícola, Pecuária, Comercial, Administrativa, Gestão de Pessoas e, mais recentemente, Beneficiamento. “Esta última tem como foco as formas de fazer embalagem, preparar o produto, enfim, toda a questão de apresentação para o mercado”, explica Eduardo.

o entendimento do que transmite a seus interlocutores é a mesma em relação às informações que recebe. Não disputa espaço na conversa. “Acredito ter puxado isso do meu pai, pois ele tem uma sabedoria muito grande para lidar com as pessoas. Ele é adepto daquele velho ditado de que se temos dois ouvidos e apenas uma boca é porque temos de ouvir mais do que falar”, comenta. Essa postura traz resultados altamente positivos no exercício da liderança. “Saber pontuar, fazer cobranças no momento certo e da forma correta, isso garante que tenhamos o respeito das pessoas. É essencial ter assertividade, e não intempestividade.” PLANT PROJECT Nº12

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Pecuária Leiteira

MAIS VALOR EM CADA PASSO Eduardo respondia apenas pela divisão agrícola quando começou o projeto de pecuária da Sekita – embora tivesse direito a dar sua opinião como acionista –, mas a formação dessa estrutura já trazia muito da maneira como o agrônomo enxerga o negócio. Por não terem profundo conhecimento em produção de leite, buscaram especialistas para cada área da atividade, como conforto animal, nutrição, sanidade, coleta do leite e melhoramento genético, um dos setores mais importantes para acelerar o avanço na atividade. Colocaram as pessoas certas nas posições corretas. “Além da equipe altamente capacitada, outra vantagem importante é que somos especializados em produção de alimento para o gado” O comentário de Eduardo é uma das razões pelas quais era imprescindível investir em genética, afinal de contas, precisavam de um rebanho capaz de aproveitar ao máximo o potencial dessa dieta de qualidade. Quem cuida dessa área é o consultor de pecuária Leonardo Lopes Garcia que, segundo Eduardo, é um entusiasta na questão da genética. “Ele tem um vasto conhecimento na atividade leiteira, tanto da produção em si quanto de seleção”, confirma. A cuidadosa escolha dos

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acasalamentos, somada, claro, ao manejo nutricional e sanitário, trouxe ganhos importantes para a empresa, e que continuam evoluindo. Na maior parte dos rebanhos, os pecuaristas trabalham com uma margem entre 20% e 30% a mais de animais para suprir a necessidade de reposição. Na Sekita, esse índice foi ampliado para 50%. Uma coisa puxou a outra. Com a apurada seleção, em grande volume, logo o rebanho foi ampliado com animais de elevado padrão genético. A Sekita passou, então, a participar de exposições, o que resultou em premiações e valorização do plantel. No ano passado, a empresa realizou seu primeiro leilão, e já tem um segundo, virtual, para este final de 2018. Outro ganho expressivo veio com a qualidade do leite, que apresenta índices elevados na composição de sólidos – gordura e proteína – e reduzidos na contagem de células somáticas (CCS) e de bactérias totais (CBT), comprovações de um alimento saudável. A garantia do fornecimento regular, em grande volume, de um produto com essas características tem fortalecido a relação comercial com a Itambé, que compra todo o leite produzido pela Sekita. A satisfação da indústria com esse abastecimento e a matéria-prima em si deu origem, inclusive, a uma linha produzida exclusivamente com o leite da Sekita. A marca Natural Milk, lançada em outubro do ano passado, é diferenciada por sabor, frescor e cremosidade, características que resultam do padrão de produção da fazenda, do fato de não haver retirada de gordura e da agilidade do processo, pois leva apenas 24 horas entre a ordenha e o envase. Embora orgulhoso com a parceria – o nome da fazenda vem estampado na embalagem –, Eduardo evita falar a respeito, pois entende que a própria Itambé é a melhor fonte sobre o projeto. Generosidade parece ser outra característica marcante do executivo.


EDUARDO SEKITA DE OLIVEIRA | 42 ANOS, CASADO, TRÊS FILHOS Cargo: diretor executivo Faturamento: não informado Rebanho: 4 mil animais, dos quais 1,5 mil vacas em ordenha Produção: 65 mil litros por dia – média diária acima de 40 litros por vaca Hobbies: curtir a família e os amigos, jogar tênis Outros negócios: a Sekita Agronegócios produz cenoura (carro-chefe), alho, beterraba, repolho, batata e milho (para alimentação do gado)

Todo esse progresso abre espaço para se pensar em passos mais largos, ainda que sejam apenas intenções. Uma delas, segundo Eduardo, é aumentar a produção leiteira, inclusive com uma nova unidade. Um limitador para que isso aconteça, por enquanto, é a disponibilidade de mais profissionais tão capacitados quanto os que já formam a atual equipe. “Para pensar em um novo projeto, tenho de considerar uma equipe dessa forma. Isso é o que mais preocupa, não só na pecuária, mas na empresa como um todo, trabalhar a capacitação das pessoas. O foco principal nem é tanto a expansão do negócio, mas o aprimoramento do que já temos”, diz. Com essas questões bem resolvidas, Eduardo até considera a possiblidade de a empresa investir em seu próprio laticínio. “Mas só depois de termos o volume que dê condições para isso”, reforça. A busca por agregação de valor aos produtos e à atividade como um todo deu origem a novas parcerias, entre as quais está outro Top Farmer da série “Nova Geração”. “O Edson Trebeschi é um grande parceiro. Criamos uma associação, formada por nove produtores, cada um com uma especialidade e localizado em uma região do País”, conta Eduardo. “O Trebeschi tem o tomate, o milho doce e o pimentão; a Sekita tem cenoura, alho, beterraba e repolho; e também contamos com fornecedores de banana, uva e manga.” Eduardo aposta alto nas oportunidades desse grupo, sobretudo pela falta de uma valorização efetiva em relação à questão da saudabilidade dos alimentos, algo que os consumidores vão cobrar cada vez mais. “Queremos oferecer soluções, como controle de estoque, apresentação de produtos mais saudáveis, ter uma agregação de serviços sobre

esses itens que a princípio são commodity. Já estamos pensando em trabalhar a logística de forma conjunta e ter pontos de venda comuns. E até na possibilidade de agregarmos outros integrantes, ampliando o portfólio para o consumidor”, detalha o agrônomo. Falar sobre a relação de sua empresa com o varejo, ou melhor, da produção agropecuária com o consumidor final, provoca um brilho diferente no olhar de Eduardo. “Precisamos trabalhar cada vez mais com o intuito de elevar a régua da qualidade, pois assim haverá uma evolução no agronegócio como um todo, não apenas em nossas empresas”, esclarece. UMA VIDA HARMONIOSA Por mais desafiadoras que sejam suas missões à frente da Sekita Agronegócios, o que exige comprometimento máximo, Eduardo, que é pai de três crianças, procura manter essa jornada em harmonia com sua vida pessoal. Como ele mesmo diz, não é algo muito simples. “É o grande desafio da vida, equilibrar família, religião, saúde e os negócios. Se qualquer um desses pilares não estiver bem, em algum momento, mais cedo ou mais tarde, vai gerar problema”, avalia. O convívio e as viagens em família ajudam a manter esse equilíbrio. A proximidade das reuniões com os amigos também contribui. Para cuidar da forma física e da disposição, Eduardo joga tênis e procura correr sempre que pode. Com uma agenda sempre concorrida, esses são hobbies. Ele até já pensou em outras possibilidades. “Tempos atrás pensei em comprar uma moto, para rodar pela estrada com os amigos. Até comecei a tirar a habilitação. Mas acabei desistindo, pois se já é difícil viajar com a família, o que dirá sem ela.” Outra virtude de Eduardo: sensatez. PLANT PROJECT Nº12

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#ColunasPlant: Sustentabilidade e tecnologia, na terra e no ar

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Ideias e debates com credibilidade

foto: Shutterstock

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#COLUNASPLANT

JUSTIÇA AO BRASIL, POTÊNCIA AGROAMBIENTAL AGROAMBIENTAL, POR CAIO PENIDO* Como presidente do GTPS, o Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável, participei recentemente da GRSB, Global Roundtable for Sustainable Beef, na Irlanda, evento global que reúne mesas-redondas de pecuária sustentável de muitos países. Percebi que o que move cada país são seus desafios particulares. Enquanto para alguns o problema é a utilização de hormônios e antibióticos, para outros é a falta de regulamentação fundiária; enquanto o problema para alguns é o abate, para outros é a necessidade de diminuir os confinamentos; enquanto para alguns o problema é a falta de uma legislação ambiental, para outros é o bem-estar animal... Percebam que, em todos os casos citados, o Brasil está em situação privilegiada: nossa produção é majoritariamente a pasto, trazendo bem-estar animal; pelo clima tropical, nossa demanda para o uso de antibióticos é reduzida; e ainda podemos intensificar nossa pecuária de forma sustentável, com a possibilidade do uso da integração da pecuária com a agricultura e destas com a floresta. Já dispomos de um Código Florestal e de mecanismos para mensurar o balanço de carbono das propriedades e do Brasil. Nosso maior problema, ironicamente, é nossa rica biodiversidade. Pelo risco que existe de sua destruição, mercados se fecham para nossos produtos, preferindo comprar de países que já não têm biodiversidade. Isso acabou deixando os produtores brasileiros confusos, submetidos injustamente à condição de inimigos da natureza: como não somos reconhecidos como cuidadores da biodiversidade se temos hoje mais de 60% de nosso território nacional coberto por cobertura vegetal nativa? Como o mundo não reconhece esses nossos atributos e não paga mais pelos nossos produtos, sendo que um terço dessa nossa biodiversidade está dentro das propriedades rurais, cuidada e custea-

da apenas pelo produtor brasileiro? Na minha opinião a natureza e a produção de alimentos não estão competindo, as duas necessitam de entendimento para colaborarem na superação dos desafios que teremos pela frente: - Desafio 2050: Existe uma demanda crescente de alimentos devido ao aumento populacional. Seremos 9,5 bilhões em 2050 e outros países, como a China principalmente, estão passando por um processo de enriquecimento da população e, consequentemente, no mercado consumidor de alimentos. Segundo a ONU e a OCDE, caberá ao Brasil, com disponibilidade de terras e tecnologia, contribuir com 40% do aumento da oferta de alimentos, produzindo mais, para todos e para sempre! - Mudanças Climáticas: Existe o desafio de conservação para que a floresta não seja desmatada e o CO2 não vá para a atmosfera aquecê-la. Através de melhorias contínuas também podemos estimular sistemas produtivos de baixa emissão, como, por exemplo, a capacidade da integração e intensificação de nossas pastagens neutralizar as emissões entéricas do gado através do aumento do carbono no solo. O Brasil é uma potência agroambiental injustiçada, que precisa ser reconhecida e valorizada, a começar por sua própria população. Mas não precisamos por isso abandonar o Acordo de Paris ou nos revoltarmos contra o resto do mundo, que muitas vezes não tem biodiversidade e não reconhece nossos avanços na busca incessante por uma agropecuária sustentável e um moderno aparato legal. Devemos, sim, liderar esse processo de forma transparente e participativa. Vejo nessa próxima troca de governo a oportunidade de aprimorarmos o Acordo de Paris (ainda incompleto), incluindo estímulos e políticas que valorizem países ricos em biodiversidade, em sua maioria subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. PLANT PROJECT Nº12

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Nós somos grandes produtores de alimentos e também prestamos, em nossos seis biomas, uma série de serviços ambientais ou ecossistêmicos que tornam a existência no planeta mais fácil e contribuem para a conservação de nossos recursos naturais. O que falta são ferramentas de remuneração por esses serviços que estimulem a conservação e a preservação. Essa biodiversidade prestadora de serviços ambientais deve ser uma vantagem competitiva do Brasil. É nítido o sentimento de palestrantes de outros países na reunião da GRSB a que me referi no início do artigo em relação a isso. Todos os países querem ter o que nós temos, a capacidade de alimentar o mundo mantendo a maior parte do país com cobertura vegetal nativa rica em biodiversidade. Infelizmente, não conseguimos ainda transformar todas essas virtudes e oportunidades em vantagens competitivas para o Brasil. Ao contrário, esses nossos ativos têm sido usados contra nosso legítimo direito de crescermos e nos desenvolvermos em direção a um país mais próspero e justo. Estamos sendo excluídos de importantes mercados internacionais na forma de barreiras não tarifárias, a pretexto da ameaça de desmatamento associada aos nossos produtos. Se a floresta deixou de ser uma vantagem competitiva, alguns pensaram que acabar com ela poderia ser a solução. Enquanto isso, o outro lado defende o desmatamento zero a qualquer custo, mesmo desrespeitando o direito de propriedade e se sobrepondo ao código florestal. Não precisamos polarizar em duas visões unilaterais. Existe outro caminho, um caminho em que todos ganham, em que o proprietário de terra é respeitado, o meio ambiente conservado e o Brasil reconhecido e seus produtos valorizados! Por que um país como o Brasil, com potencial para ser um protagonista para solucionar duas grandes crises mundiais, é visto como um problema e não uma solução? O que pode ser feito?

Devemos educar os consumidores para que reconheçam valor e paguem mais pelos produtos comprovadamente sustentáveis, para recompensar assim quem “faz certo” e motivar os que estão fazendo errado a se acertarem, motivados pela perspectiva real de melhoria da renda. É hora de buscarmos uma ação mais enérgica e profissional na OMC e demais organismos internacionais, para que se avalie se está ocorrendo uma concorrência desleal entre os nossos produtos – que carregam o custo ambiental – e os produtos de outros países que não gastam nada com o meio ambiente. No âmbito do governo federal, criar, no Ministério da Fazenda, mecanismos de PSA e tributação de fontes não renováveis. No Ministério da Defesa, assegurar que a valorização dos nossos ativos ambientais não ameace nossa soberania e integridade territorial. Fortalecer o Ministério do Meio Ambiente no monitoramento de nosso balanço de emissões e do desmatamento, devidamente quantificados e qualificados. No Ministério da Agricultura, reforçar os programas de Agricultura de Baixo Carbono e sistemas sustentáveis de produção. Por fim, uma postura agressiva e bem fundamentada de nossa diplomacia, assessorada por nossos adidos agrícolas, reafirmando nossa condição de produtores de alimentos e grandes respeitadores do meio ambiente. Como novo presidente de uma potência agroambiental, este é o momento de defender nossa verdadeira vocação natural de produtores de alimentos, fibra e energia, de uma forma sustentável e inclusiva. Produzir mais agregando valor aos produtos sustentáveis, valorizar o ativo ambiental como estratégia de conservação e estimular o consumo consciente e os sistemas produtivos de baixa emissão! Só assim poderemos nos orgulhar de sermos essa grande potência agroambiental, importante produtora de alimentos e detentores da maior biodiversidade terrestre do mundo!

* Ativista agroambiental e empresário, Caio Penido é pecuarista no Mato Grosso e trabalha na articulação da “Liga do Araguaia”, onde lidera projetos de pecuária sustentável: Projeto Carbono Araguaia, Projeto Campos do Araguaia, Projeto Garantia Araguaia e parceria com a Embrapa Gado de Corte, entre outras atividades.


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PARA GERAR É NECESSÁRIO MECANIZAR A REVOLUÇÃO DAS MÁQUINAS, POR MARCO RIPOLI*

Gerar energia elétrica a partir do palhiço da cana não é algo novo. No fim dos anos 1980, o professor Tomaz Caetano Cannavam Ripoli, da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, já começava a estudar um modelo de recolhimento desse material para fins de cogeração de energia elétrica de forma sustentável e limpa. Chamado de louco por uns e visionário por outros, mal sabia que sua pesquisa poderia ajudar o País com a meta de redução das emissões de carbono em 37% até 2025, hoje contemplado no RenovaBio, como parte importante no Acordo de Paris (2015). De acordo com informações extraídas do Projeto Sucre, o potencial de geração de eletricidade advindo do palhiço de cana-de-açúcar é superior a 35 TWh anuais, o suficiente para fornecer energia elétrica a mais de um quarto das residências no Brasil ou quase todas as 28 milhões de residências do estado de São Paulo, segundo relatório do Balanço Energético Nacional. A cana-de-açúcar colhida mecanicamente já representa pouco mais de 8% da geração de energia elétrica total no Brasil. Com o incremento da utilização do palhiço, a participação na matriz energética oriunda do setor poderia ser elevada em 6%, atingindo importantes 14%. No final do ano passado publiquei uma análise, infelizmente pessimista, do que eu esperava para a safra atual 2017/18, na qual mencionei uma nova quebra de produção, uma moagem inferior a 580 milhões de toneladas no centro-sul, com produções de açúcar de 35 milhões de toneladas e 24,5 bilhões de litros de álcool. Com queda no ATR da cana cai no acumulado para 78 milhões de toneladas e o quilo de ATR por tonelada de cana não

ultrapassaria os 134,50, com um mix de produção alcooleiro a 54%. De olho nas variedades mais plantadas no País, a produção de palhiço fica em torno de 135 kg por tonelada de cana, o que reforça o incrível potencial que está nas mãos do setor na cogeração de energia limpa e renovável, sendo responsável pela redução de 2% das emissões totais de gases de efeito estufa do Brasil por ano.

Aos fabricantes de máquinas e equipamentos agrícolas (John Deere, Case IH e Valtra), o meu recado, que vem embasado pelo setor: que continuem a investir em melhorias no que tange não apenas à qualidade do sistema de limpeza das máquinas, para redução das impurezas de carga transportada para a usina, mas também em todo o sistema produtivo, trazendo soluções que ajudem os produtores rurais e as usinas a se tornarem mais competitivos no mercado, por meio de máquinas mais eficientes. No que se refere ao processo agrícola de recolhimento de palhiço dos campos, há muito o que ser realizado, ainda estamos longe do ideal. O agro não para!

* Marco Lorenzzo Cunali Ripoli é Ph.D., engenheiro agrônomo, mestre em Máquinas Agrícolas pela Esalq-USP e doutor em Energia na Agricultura pela Unesp. Executivo, disruptor, empreendedor, inovador e mentor, é proprietário da Bioenergy Consultoria, da Energia da Terra, empresa de alimentos saudáveis e investidor da Drinquis. PLANT PROJECT Nº12

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BOLSONARO EMBARCA NA EMBRAER? AGRO COM ASAS, POR TIAGO DUPIM* Pelo menos no que se refere à aviação brasileira, o assunto mais urgente do ano e que pode ser crucial para o futuro da cadeia aeronáutica nacional é o acordo entre Embraer e Boeing. A papelada para sacramentar o negócio deve chegar à mesa do presidente eleito, Jair Bolsonaro, logo em janeiro. Ou não. Explico. As empresas querem concluir até 5 de dezembro deste ano todos os processos relativos à criação da joint venture que vai deter o controle dos negócios de aviação comercial da fabricante brasileira. As etapas incluem diligência legal e financeira, aprovações das diretorias, órgãos reguladores e documentos de transação. A equipe do novo presidente já declarou que, caso o acordo seja assinado ainda durante o governo do presidente Michel Temer, vai querer conhecer todos os detalhes da operação. Nada mais plausível para um negócio que envolve uma das principais empresas brasileiras e a terceira maior fabricante de aviões comerciais do mundo. A princípio, o acordo envolve apenas a aviação comercial, mas os futuros parceiros estudam uma forma de incluir também a área de defesa, pouco rentável dentro do escopo de negócios da Embraer. A aviação executiva ficaria de fora. A aproximação das duas empresas é devido principalmente à união entre o consórcio europeu Airbus e a canadense Bombardier para o programa dos jatos CSeries, principal concorrente da Embraer no segmento de jatos comerciais. Recentemente, a Embraer divulgou o resultado trimestral. Por mais que os números ainda não sejam consequência da parceria entre Airbus e Bombardier,

o fato é que o sinal de alerta está ligado: as entregas de jatos comerciais da empresa apresentaram uma queda de 40% entre julho e setembro em comparação ao ano passado. Não há outra saída: a Embraer precisa se unir à Boeing para continuar competitiva globalmente. Agora é questão é oficializar um acordo que seja o melhor possível para a fabricante nacional e que não prejudique os funcionários.

E, com o fim das eleições, aumenta a possibilidade de a área militar da empresa também entrar fortemente no negócio. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, já sinalizou que uma das áreas que o governo americano pretende trabalhar com o Brasil a partir do ano que vem é a das Forças Armadas. Como o novo mandatário máximo do País é um militar da reserva, não é difícil imaginar que poderemos ter novidades por aí. Aguardemos.

* Com 13 anos de experiência no mercado aeronáutico, o paranaense Tiago Dupim atuou como repórter, editor executivo e editor-chefe de algumas revistas do setor. Atualmente, comanda a B2B Comunicação. Morou duas décadas em São Paulo e está há dois anos no Rio de Janeiro. Nas horas vagas (que são muito poucas) gosta de ouvir um bom rock ’n’ roll, beber um bom vinho ou cerveja e acompanhar, mesmo que a distância, o Clube Atlético Paranaense, seu time de coração.


#COLUNASPLANT

OS MUNDOS DO VINHO TERROIR, POR IRINEU GUARNIER FILHO* O chamado “mundo do vinho” é composto, basicamente, por dois “mundos” distintos: o da produção e o do consumo. De um lado, agricultores, vinhateiros, agrônomos, enólogos; do outro, comerciantes, sommeliers, chefs, jornalistas, enófilos. Campo e cidade em perfeita sinergia. Apesar de todo o glamour que cerca o consumo de vinho nos grandes centros urbanos (confrarias, harmonizações, wine bars, concursos...), essa bebida ainda é um produto essencialmente agrícola. O vinho nasce da terra. É moldado por características – do solo, do clima, da fauna, da flora e pela mão do homem – que lhe dão caráter e personalidade. Como poucos alimentos, reflete, por assim dizer, o terroir de onde provém. Poucas são as atividades agrícolas que demandam tanta mão de obra o ano inteiro como a viticultura. Quem produz uvas, nunca descansa. O enólogo pode até não ser um viticultor, mas como depende fundamentalmente da qualidade da uva para elaborar o seu vinho, está sempre com um olho no tanque de fermentação e o outro no vinhedo... A videira é uma planta vigorosa, temperamental, caprichosa. Suas raízes podem descer mais de 10 metros pelo solo em busca de água e nutrientes. Os sarmentos, os galhos, crescem desordenadamente e precisam ser conduzidos com mão firme para que formem um vinhedo adequado ao manejo e à produção de cachos saudáveis. Poda seca. Poda verde. Enxertia. Raleio. Controle de doenças e pragas. Vindima. Sempre há muito trabalho no vinhedo, em todas as estações do ano. Faina

dura, executada sob frio congelante ou sol forte. Tudo isso, embora mais afeito aos engenheiros agrônomos, também diz respeito aos enólogos, que fazem a alquimia de converter plantas, terra, água e sol em alegria engarrafada. Na vinícola, ocorrem as etapas cruciais da transformação do suco de uva em vinho: fermentação do mosto, remontagem, filtragem, estabilização, trasfegas, corte, afinamento em barricas de carvalho, engarrafamento... Por mais que se deseje, atualmente, um mínimo de intervenção humana no processo, há muito por fazer, posto que o vinho não se faz sozinho. Como bem disse o crítico português Rui Falcão, “O vinho é um produto da civilização, não da natureza”. Vinhedos que “trocam de roupa” quatro vezes ao ano. O perfume de uvas dulcíssimas às vésperas da colheita. Garrafas empoeiradas dormindo o sono profundo das escuras e silenciosas caves de pedra, enquanto as leveduras (mesmo depois de mortas) cumprem a laboriosa missão de tornar os espumantes ainda mais complexos… Tudo isso pode parecer muito romântico, mas não se enganem: é produto de trabalho árduo, braçal, cansativo, antes de ser intelectual ou glamouroso. Por isso, e mesmo reconhecendo a importância de cada um dos “mundos” que compõem o “mundo de Baco”, faço aqui uma confissão: sempre me senti mais confortável entre quem faz o vinho com suas mãos do que entre os que apenas o bebem ou o analisam. Consequência, talvez, de três décadas de convivência próxima com o campo, com o agronegócio e, principalmente, com os agricultores.

*Irineu Guarnier Filho é jornalista especializado em agronegócio, cobrindo este setor há três décadas. Metade deste período foi repórter especial, apresentador e colunista dos veículos do Grupo RBS, no Rio Grande do Sul. É Sommelier Internacional pela Fisar italiana, recebeu o Troféu Vitis, da Associação Brasileira de Enologia (ABE), atua como jurado em concursos internacionais de vinhos e edita o blog Cave Guarnier. Ocupa o cargo de Chefe de Gabinete na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, prestando consultoria sobre agronegócio PLANT PROJECT Nº12

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#COLUNA ESALQUEANOS

ADEALQ - HÁ 75 ANOS CONECTANDO ESALQUEANOS

ESALQ - USP

ÁGUA – USO SUSTENTÁVEL E RACIONAL

POR AMILCAR MARCEL DE SOUZA

A humanidade, desde os tempos mais remotos, teve seu desenvolvimento aliado ao uso da água, recurso natural considerado infinito. No entanto, apenas nas últimas décadas o ser humano despertou a consciência de que a água é um recurso esgotável e seu uso irracional tem levado a problemas de escassez em muitas partes do globo, inclusive no Brasil – que, apesar de possuir uma das maiores reservas de água doce do mundo, enfrenta sérios conflitos devido à distribuição geográfica irregular desse recurso e à cultura do desperdício. Nessa perspectiva, na busca do uso sustentável e racional da água, relembro o relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e o Desenvolvimento (“Comissão Brundtland”), conhecido como “Nosso Futuro Comum”, que foi divulgado em 1987 pela ONU e definiu o Desenvolvimento Sustentável como “um processo de transformação através do qual a exploração dos recursos naturais, a orientação dos investimentos, das inovações técnicas e institucionais, se encontram em harmonia e reforçam o potencial atual e futuro de satisfação das necessidades humanas” (CMMAD, 1988). Assim, o uso sustentável e racional da água deve estar planejado nas ações de produção agroindustrial e uso humano doméstico, atendendo às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de encontrarem suas próprias necessidades. As propriedades agrícolas se tornam protagonistas para o desenvolvimento sustentável no Brasil, uma vez que as águas são produzidas nelas, dentro do conceito do produtor rural como produtor de água, e também com o mane-

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jo racional da irrigação, especialmente na produção de alimentos, reforçando sua importância para a segurança alimentar. Especificamente na agricultura irrigada, o mau planejamento da utilização da água, aliado ao mau uso do solo, à utilização excessiva e irregular de agroquímicos e à devastação das matas ciliares, gera graves impactos ao ambiente. Todavia, sabe-se que a produção suficiente de alimentos depende da agricultura irrigada. Então, o grande desafio da agricultura deste século é aumentar a produção de alimentos sem promover a exaustão dos recursos hídricos e de toda a biodiversidade. A propriedade rural se torna ainda mais incrível dentro desse tema quando promovido o manejo das bacias hidrográficas para a produção de água. Esse conceito, muito bem discorrido pelo professor da Esalq Walter de Paula Lima, aponta que o produtor que “faz a água infiltrar” no solo alimenta os lençóis freáticos, que lentamente liberam as águas através das nascentes, mantendo a água na paisagem pronta para ser usada novamente. Isto se faz com conservação do solo e manutenção e recuperação das matas ciliares e reserva legal. Já temos todos esses conhecimentos. Agora é pôr em prática essas ideias e tecnologias. Assim, vamos construir um país sustentável com muita produção agrícola e florestal, tendo a água como nossa principal aliada. Amilcar Marcel de Souza (Beq, F-2001) é engenheiro florestal e mestre pela Esalq, membro executivo do Instituto Pro-Terra e pesquisador associado do Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal do Paraná - UFPR


Máquina trabalhando em lavoura no MS: União de Agricultura e Meio Ambiente no estado inspirou proposta de Jair Bolsonaro.

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As regiões produtoras do mundo

foto: Kelly Ventorim PLANT PROJECT Nº12

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As regiões produtoras do mundo

TERRENO FÉRTIL PARA O DIÁLOGO Proposta pelo presidente eleito, uma eventual fusão do Ministério da Agricultura com o do Meio Ambiente foi considerada inviável pelos dois lados. Mas em Mato Grosso do Sul, onde a ideia foi implantada em 2015, essa convivência tem dado frutos Por Alexandre Inacio

Vista aérea de lavoura ao lado de reserva nativa no Mato Grosso do Sul: no estado, Agricultura e Meio Ambiente sob o mesmo comando 94


foto: Shutterstock

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oram necessários apenas três dias após as eleições para que o presidente eleito Jair Bolsonaro e sua equipe de transição conseguissem um feito histórico. Ao anunciarem a fusão do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento com o do Meio Ambiente, colocaram do mesmo lado da mesa de negociação ambientalistas e ruralistas e promoveram um consenso até então impensável entre os dois setores que, historicamente, se posicionaram em lados opostos. De braços dados contra a medida, grandes lideranças do agronegócio e do meio ambiente reagiram rápida e contrariamente à decisão. Os responsáveis pelas pastas, um mais que o outro, se mostraram desconfortáveis com essa possibilidade. O receio do ministro da Agricultura, Blairo Maggi, veio muito por conta de como importadores dos produtos agropecuários brasileiros reagiriam à medida. O impacto não foi menor para o ministro do Meio Ambiente, Edson Duarte, que se disse surpreso com a notícia e preocupado com o que poderia acontecer. A proposta de Bolsona-

ro veio com o objetivo de cumprir sua promessa de campanha de reduzir gastos, enxugar a máquina pública e dar mais agilidade a processos tradicionalmente morosos. A fusão de Agricultura com Meio Ambiente era parte de sua estratégia de diminuir os atuais 29 ministérios para algo entre 15 ou 17, mas que serão 22. A falta de informações claras, durante e após o anúncio da ideia, sobre como a mudança seria operacionalizada e implantada, deu margem ao crescente temor entre os ambientalistas quanto à possível precarização do controle e preservação de áreas verdes e dos recursos hídricos. Pelo mesmo motivo, os ruralistas temiam que as já demoradas licenças ambientais para o agronegócio ficassem ainda mais difíceis, considerando que uma estrutura não ligada ao setor passaria para dentro da nova pasta. REFERÊNCIA NO CENTRO-OESTE Por mais que tenha causado insegurança em ambos os lados, diante de uma mudança dessa magnitude, a ideia não é nova. No Cen-

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foto: Kelly Ventorim

tro-Oeste, um modelo de gestão unificada de assuntos relacionados ao meio ambiente e ao agronegócio, mais do que factível, tem se mostrado viável e bem-sucedido, e serviu de inspiração para Bolsonaro e sua equipe. Até 2014, o estado de Mato Grosso do Sul tinha 15 secretarias estaduais. Naquele mesmo ano, Reinaldo Azambuja (PSDB) foi eleito governador, contrariando a maioria das pesquisas, e assumiu o posto em 2015. Para sua equipe de transição, informou seu objetivo de cortar gastos, enxugar a estrutura do estado e dar mais agilidade a processos tradicionalmente morosos. Em números, seria necessário cortar 30% das secretarias, eliminando cinco das 15 até então em funcionamento. O processo de reforma administrativa não foi rápido. Foram precisos dois anos para que Mato Grosso do Sul atingisse a meta de dez secretarias, cortando, na época, quase 4 mil cargos comissionados. Foi nesse movimento que as secretarias de Produção e Agricultura Familiar e de Meio Ambiente e Desenvolvimento Econômico se fundiram, dando origem à nova Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento 96

Econômico, Produção e Agricultura Familiar, a Semagro. A nova estrutura administrativa passou a contar com três superintendências, todas elas subordinadas à Semagro. A Superintendência Indústria, Comércio, Serviços e Turismo; a Superintendência de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia, Produção e Agricultura Familiar; e a Superintendência de Administração Orçamento e Finanças. “No início, obviamente houve ruído, de ambos os lados. Ambientalistas e o setor produtivo reagiram à medida. Mas chamamos todos para conversar e dizer que era preciso otimizar a máquina pública, de tal forma que o desenvolvimento não acontecesse sem a preservação e que a preservação não impedisse o desenvolvimento”, conta Eduardo Riedel, secretário de governo e gestão estratégica de Mato Grosso do Sul e um dos idealizadores da proposta. Uma das iniciativas para viabilizar a ideia foi colocar à frente da nova secretaria alguém sem vínculos com qualquer um dos lados. O nome escolhido foi Jaime Verruck, economista e doutor em desenvolvimento e planejamento territorial. “Houve, sim, um incômodo por parte dos ambientalistas por receio de

que, por sua força, o agronegócio se sobreporia ao meio ambiente. Mas sempre deixamos claro que a ideia era fundir as secretarias e não incorporar”, diz. Para conseguir implantar seus planos, Verruck trabalhou com três pilares: envolvimento, mudança nos procedimentos e adoção de tecnologias. O primeiro passo foi reeditar todo o manual de procedimentos de licenciamento ambiental, definindo claramente o que seriam as atividades de baixo, médio e grande impacto ambiental. A segunda tarefa foi implementar um sistema totalmente digitalizado que permitisse o envio de documentos on-line e gerasse relatórios que pudessem ser efetivamente analisados. Por fim, envolver os setores produtivo e ambiental em todo o processo, demonstrando a eficiência da ideia. E os resultados não demoraram a aparecer. Apenas no primeiro ano da nova estrutura administrativa foram emitidas 4.500 licenças ambientais, o que destravou um investimento superior a R$ 1 bilhão. Além disso, o tempo médio de emissão de uma licença ambiental foi reduzido de 1.022 para 180 dias. “Criamos um ambiente de negócios muito mais favorável, gerando um grande impacto na atividade econômica do estado”, afirma Verruck. CONVERSA MAIS EQUILIBRADA Do lado dos produtores, a principal evolução consequente da integração entre Agricultura e Meio Ambiente veio no diálogo. “Passamos a ter uma conversa única den-


Mato Grosso do Sul

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Para o secretário Jaime Verruck, a fusão de Agricultura com Meio Ambiente impactou na atividade econômica de MS

tro da mesma secretaria, o que melhora o alinhamento nas questões que envolvem os dois segmentos, como as licenças ambientais”, afirma o pecuarista e diretor de Qualidade da Associação Sul-Mato-Grossense de Produtores de Novilho Precoce (Novilho Precoce-MS), Rafael Gratão. “Isso não quer dizer que ficou mais fácil, mas o andamento é melhor, assim como a conversa entre os produtores e o governo.” Outro fator relevante é que a partir da mudança o setor agropecuário passou a contar com um banco de dados mais abrangente, o que agrega valor nas negociações. Segundo Gratão, foi ampliada a gama de informações sobre produtividade e preservação, o que favorece as negociações do setor. Considerando que os 350 associados da Novilho Precoce-MS abateram 150 mil cabeças no ano passado, qualquer vantagem comercial, tanto em relação à indústria quanto ao varejo, é um bom negócio. “Onde tem renda, tem preservação. As fazendas mais produtivas são as que mais preservam. A gente entende bem que precisa preservar – e temos de seguir a lei –, mas se o produtor não tem renda, é mais difícil”, analisa Gratão, que também é presidente do Movimento Nacional de Produtores (MNP), uma sociedade civil sem fins lucrativos constituída por Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) e Sociedade Rural Brasileira (SRB). O diretor executivo da Associa-

ção Sul-Mato-Grossense dos Produtores de Algodão (Ampasul), Adão Hoffmann, reforça a opinião de Gratão. “Nossa impressão é de que o acesso dos produtores ao governo está mais fácil, as reuniões têm se encaminhado melhor. A conversa não fica só no ambiental, o agronegócio precisa ser colocado em pauta”, comenta. No entanto, Hoffmann faz uma ressalva: “Ainda há muita ideologia no que diz respeito ao meio ambiente”. A colocação do dirigente tem como referência uma discussão recente sobre a liberação ou não do plantio de algodão transgênico na zona de amortecimento do Parque Estadual da Nascente do Rio Taquari. Hoffmann explica que o Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul), órgão do governo estadual, alega que, caso exista alguma planta silvestre de algodão dentro do parque, a presença de algodão transgênico nessa área oferece risco de cruzamento. “O problema é que nem se sabe se existe mesmo essa planta dentro do parque, é só uma questão de prevenção. Por isso iniciamos, juntamente com a Semagro, um estudo que vai durar seis meses para eliminar a dúvida”, conta o diretor. Esse esforço não acontece por acaso. O parque, com mais de 30,6 mil hectares, abrange as cidades de Alcinópolis e Costa Rica, e é exatamente nesta segunda que se concentra mais de 60% da produção da fibra sul-mato-grossense. Na safra 2018/19, o plantio de algodão no estado deve passar de 38 mil hectares. “Se for pensar bem, o

plantio exclusivamente de algodão convencional exigiria um volume muito maior – o dobro, praticamente – de aplicação de defensivos. Sem contar que, pelas opções disponíveis, isso representaria não só maior custo como menor produtividade”, completa Hoffmann. AGILIDADE QUE PROTEGE O secretário Jaime Verruck diz ainda não existirem números consolidados que comprovem os avanços da união de Agricultura e Meio Ambiente, mas um dado demonstra, sim, os ganhos de eficiência. “Antigamente, os relatórios ambientais entregues pelas empresas, por produtores ou por qualquer um que precisasse enviar os dados ao governo chegavam e se acumulavam. Não havia capacidade para analisar as informações e saber, por exemplo, se uma usina estava em dia com suas obrigações ambientais”, conta. Verruck diz que havia uma “pseudoideia” de que demorar para se emitir uma licença representava uma maior proteção ao meio ambiente. “Hoje o sistema é on-line e conseguimos efetivamente monitorá-lo como um todo. Isso é um ganho ambiental imenso.” A iniciativa de colocar ambiente e agricultura dentro de uma mesma secretaria não foi exatamente uma inovação criada em Mato Grosso do Sul. Dentro de um avião, em 2012, voltando de uma viagem ao exterior, Riedel teve o insight de algum dia aplicar um modelo britânico em terras brasileiras. Com um jornal inglês nas mãos, ele leu uma reportagem que contava sobre a estrutura PLANT PROJECT Nº12

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Mato Grosso do Sul

“Onde tem renda, tem preservação. As fazendas mais produtivas são as que mais preservam”, diz Gratão, da Novilho Precoce-MS

administrativa do Reino Unido e um pouco do processo de união dos ministérios da Agricultura e Meio Ambiente do bloco de países. Foi em 2001, sob o comando de Margaret Beckett, uma das líderes do Partido Trabalhista Britânico, que nasceu o Departamento de Meio Ambiente, Alimentação e Assuntos Rurais, durante a gestão do ex-primeiro-ministro Tony Blair. Resultado da fusão do antigo Ministério da Agricultura, Pesca e Alimentação com partes do Departamento de Meio Ambiente, Transportes e Regiões, o novo órgão foi criado como resposta do governo britânico ao surto de febre aftosa que atingiu a região naquele ano e custou cerca de US$ 3 bilhões aos cofres públicos, sem contar o impacto econômico no setor. Atualmente, é o Departamento de Meio Ambiente, Alimentos e Assuntos Rurais que lidera o Reino Unido nas questões agrícolas, de pesca e meio ambiente dentro da União Europeia e também em outras negociações internacionais sobre o desenvolvimento sustentável e mudanças climáticas. Em 2008, contudo, os assuntos relacionados a mudanças climáticas foram transferidos para o Departamento de Energia e Mudanças Climáticas, criado especificamente para tratar do tema. A estrutura administrativa do departamento britânico, coman98

dado atualmente por Michael Gove, está dividida em quatro áreas. Uma que trata da Agricultura, Pesca e Alimentação, outra especificamente do Meio Ambiente, uma terceira para Alimentação e Bem-estar Animal e a última para Assuntos Rurais e Biossegurança. Inspirado naquele modelo, Riedel acredita que unir agricultura e meio ambiente seja parte de um processo de evolução na busca da modernização de estrutura de gestão pública. “Ainda não conseguiram me mostrar um ponto negativo nessa união. Todos os pontos negativos estavam nas disputas existentes entre os dois lados, quando as secretarias eram separadas e mal se falavam”, afirma. “Mais do que uma potência agrícola ou dono de um dos maiores patrimônios ambientais do mundo, o Brasil tem tudo para se consolidar como uma potência agroambiental.” UMA QUESTÃO DE ESCOLHAS Após tantas manifestações, de diversas origens, questionando a proposta anunciada por Bolsonaro, o presidente eleito deu um passo atrás. A ideia foi descartada. Mas nada impede que os responsáveis pelas pastas de Agricultura e do Meio Ambiente tenham uma relação próxima e produtiva. Do lado da produção agropecuária, a escolha da deputada federal Tereza

foto: João Castro/Famasul

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Cristina Corrêa da Costa Dias como futura ministra da Agricultura pode ter sido uma contribuição interessante. Em 2017, quando Mato Grosso do Sul uniu suas secretarias de Meio Ambiente e Agricultura, Tereza já era deputada e líder ruralista no Congresso. Contudo, mesmo sendo de partidos diferentes, ela teve papel importante na fusão das secretarias sul-mato-grossenses. Produtora no estado e já tendo ocupado cargos administrativos em gestões anteriores, ela conhece como poucos tanto o lado do governo quanto o dos produtores. Muito respeitada, deu valiosas contribuições para que as duas secretarias se unissem em um único órgão. Um dos segredos de Mato Grosso do Sul para que tudo funcionasse como deveria é a escolha dos nomes para ocupar o segundo escalão. “Todas essas pessoas são qualificadas técnica e politicamente para ocupar o cargo de secretários estaduais. Se eu pudesse dar uma recomendação ao próximo ministro, seria a de colocar no segundo escalão desse eventual novo ministério pessoas com o gabarito para serem ministros, ficando o ministro com a função de gestor da pasta”, sugeriu Riedel, antes de saber que sua colega sul-mato-grossense seria a próxima ministra da Agricultura.


Taça do coquetel ginger tonic: Vendas de gim aumentaram 110% em um ano no Brasil e incentivaram o surgimento de novas marcas

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A grande feira mundial do estilo e do consumo

foto: Divulgação PLANT PROJECT Nº12

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W WORLD FAIR

A grande feira mundial do estilo e do consumo

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O REI DA NOITE Produzido a partir das bagas de zimbro, o gim conquista novos consumidores, ganha espaรงo nos bares e em dezenas de destilarias artesanais Por Pedro Marques

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im-tônica pra cá, martíni pra lá, negroni acolá. Não faz muito tempo, esses drinques raramente eram vistos nas mesas de bares ou nas mãos de festeiros em geral, pelo menos no Brasil. Isso porque o gim, ingrediente fundamental desses coquetéis, estava em baixa por aqui. As marcas nacionais não eram bem-vistas, enquanto as importadas eram muito caras. Hoje, a situação mudou consideravelmente. Uma pesquisa encomendada pela Bacardi e realizada pela agência Llorente & Cuenca revelou que o gim é o destilado favorito entre os brasileiros das classes A e B, citado por 34% dos entrevistados. De acordo com a última análise feita pela IWSR, empresa que monitora o mercado mundial de bebidas, o destilado cresceu 111% no País entre 2016 e 2017. A bebida tornou-se uma mania nas principais cidades brasileiras, o que incentivou o surgimento de fabricantes artesanais e de novas marcas nacionais. Mas o que fez esse destilado criado na Holanda e popularizado na Inglaterra do século 19 se firmar como o rei da noite, desbancando a vodca e o uísque? “É um movimento da coquetelaria e o gim é uma bebida ideal para drinques”, afirma Felipe Januzzi, sócio do gim nacional Virga. “O momento é muito similar ao que aconteceu com a gastronomia há quase 15 anos”, compara Cecília Gurgel, diretora da linha Reserve da

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foto: Leo Feltran

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multinacional Diageo, que tem entre seus produtos os tradicionais gins Tanqueray e Tanqueray nº Ten. Márcio Silva, do Guilhotina, frequentemente eleito como um dos melhores bares de coquetéis de São Paulo, complementa: “As pessoas estão bebendo melhor, se interessando por novos sabores, isso valoriza outras bebidas”. No caso específico do destilado feito com zimbro, especiarias e ervas botânicas, porém, Silva acredita que “o coquetel que ajudou muito nessa explosão, sem sombra de dúvida, foi o gim-tônica ao estilo ibérico”. Diferentemente do drinque clássico, servido em copos altos, a versão que se popularizou primeiro na Espanha e depois em Portugal é preparada em taças grandes – nos bares dos dois países, é possível encontrar centenas de marcas de gim e diferentes tônicas para harmonizar. Variedade, por sinal, é o que marca essa nova fase do gim: embora sua origem esteja na Holanda, há rótulos feitos em Portugal, Espanha, Estados Unidos, Rússia e Japão. O Brasil, claro, não está de fora dessa onda. O primeiro rótulo artesanal nacional a ser lançado comercialmente, há dois anos, foi o Virga, que leva álcool de cana-de-açúcar neutro em sua composição. “O gim não tem restrições quanto à base agrícola. Pode ser álcool de uva, de cereais, de batata. O

importante é que seja uma base extraneutra”, explica Januzzi. Outra exigência é o zimbro (leia mais abaixo), a pequena baga extraída de arbustos que confere o sabor característico da bebida. Fora isso, os destiladores estão livres para brincar e adicionar ingredientes até então considerados inusitados. O Virga, por exemplo, traz pacová, planta que cresce bastante na Mata Atlântica. “A fruta não é muito saborosa, mas a semente dela, depois de macerada, lembra cardamomo e gengibre. É uma semente bem saborosa”, afirma Januzzi. O Amázzoni, também produzido no Brasil, por sua vez, leva cacau, castanha-dopará, maxixe e cipó-cravo. Até por essa liberdade de criação, empórios e bares de alta coquetelaria de todo o País estão sendo inundados

Felipe Januzzi, do Virga: “Há um movimento na coquetelaria e o gim é a bebida ideal para drinques"

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foto: Antonio Collins

DA H O L A N DA PA R A O M U N D O O gim foi criado na Holanda, no século 17, feito a partir de um destilado chamado de maltwijn (vinho de malte). Sua popularidade aumentou durante o século 18, quando o governo britânico liberou a produção da bebida para combater a entrada de destilados importados, em especial o brandy francês. No século 18, era a bebida mais consumida nas colônias inglesas em regiões tropicais, como a Índia. Era comum misturar gim com quinino, substância que ajudava no combate à malária. Como o quinino era muito amargo, a saída foi misturar água com gás – e aí nasceu o gim-tônica. Assim como outras bebidas, não existe apenas um tipo de gim. O mais comum é o London Dry, mas há outros tipos. A única regra é que todos devem levam zimbro em sua composição.

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Genever O pai de todos os gins. Bastante popular na Holanda do século 17, era feito com um destilado chamado de maltwijn (vinho de malte), acrescido de zimbro. Não é muito comum fora da Europa. London Dry Tem pouco açúcar, por isso o nome "dry", de seco. Todos os botânicos utilizados devem ser naturais e usados durante a destilação da bebida e não tem corantes. Distilled ou destilado Ao contrário do London Dry, ingredientes podem ser acrescentados depois da destilação para conferir sabores e aromas.


Bebidas

SEM ELE NÃO É GIM Apesar de levar várias ervas e especiarias, o ingrediente principal do gim é o zimbro. O primeiro gim, por assim dizer, criado na Holanda, se chama jenever, que significa justamente zimbro. Uma de suas funções era esconder o sabor do destilado original, que não era lá muito agradável. Ele vem em bagas secas, que parecem pimenta-doreino, mas maiores, que nascem nas árvores do gênero Juniperus, que tem mais de 50 espécies e são um tipo de pinho. São originárias da Europa e da Ásia, mas estão bem espalhadas na América do Norte e Central e também na África. No Brasil, o cultivo está localizado no sul do País, por causa do clima temperado. De sabor cítrico e herbal, um de seus principais usos é na culinária nórdica: especialmente em pratos à base de aves, porco e carnes de caça, como javali e veado. Antes mesmo de ser um tempero, o zimbro era usado com fins medicinais: na Grécia Antiga, era usado pelos atletas, pois acreditava-se que ele melhorava a resistência física.

foto: Shutterstock

com uma profusão de rótulos nacionais – hoje, são cerca de 50, sem contar os importados. “Acreditamos no potencial do segmento. Há espaço e mercado a ser explorado”, afirma Cecília, da Diageo. “Quem conta uma boa história e vem com uma boa proposta, tem espaço”, acrescenta Januzzi. Pelo interesse crescente na coquetelaria, o gim tem tudo para continuar reinando nos bares daqui e de fora. A Diageo organiza anualmente o World Class, concurso de coquetelaria que conta com a participação de bartenders de cerca de 60 países e tem forte presença no Brasil. “O objetivo é estimular o trabalho artesanal do barman”, diz Cecília. Felipe Januzzi, por sua vez, é um dos organizadores do World Gin Day, que está em sua terceira edição e, em 2018, foi realizado em junho, na Casa Bossa, dentro do Shopping Cidade Jardim. O evento contou com os principais nomes da coquetelaria brasileira, que serviram drinques preparados com as marcas de gim mais famosas do mundo. De quebra, o gim pode ajudar a impulsionar o segmento de destilados como um todo no Brasil. “Acredito que devam surgir mais marcas, não só de gim. Há um número muito grande de alambiques no País e esse movimento deve abrir espaço para outras bebidas destiladas artesanais”, avalia Januzzi.

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UMA NOVA MISSÃO PARA OS HELICÓPTEROS Aeronaves voltam a frequentar as fazendas, conquistam produtores e chegam às lavouras com um novo objetivo: auxiliar os aviões na aplicação de defensivos agrícolas. Por Tiago Dupim

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W Aviação

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uando você terminar de ler este parágrafo, um helicóptero estará decolando em São Paulo. Sim, é verdade. Isso porque, a cada cinco minutos, pelo menos quatro desses aparelhos saem do chão na capital. De acordo com um levantamento da Abraphe (Associação Brasileira de Pilotos de Helicóptero), a cidade possui a maior frota desse tipo de transporte do mundo, à frente até mesmo de Nova York, nos Estados Unidos, e Tóquio, no Japão. O movimento é tão intenso que, atualmente, a capital paulista é a única cidade do mundo que possui um controle de tráfego aéreo exclusivo para helicópteros. Tudo isso, é claro, se deve principalmente a empresários e executivos que já não suportam perder horas no trânsito caótico. E mais: segundo o Anuário Brasileiro de Aviação Civil 2018, o Brasil conta hoje com 2.115 helicópteros. Um número expressivo, que coloca a nação acima de toda a Europa e em uma honrosa quarta posição no mercado mundial, atrás apenas dos Estados Unidos, do Canadá e da Austrália. O que poucos sabem é que o agronegócio foi o primeiro impulso para que o mercado de helicópteros decolasse no País. A primeira aeronave com asas rotativas a operar no Brasil desembarcou por aqui, desmontada, pelo Porto de Santos no final dos anos 1940. Foi trazida pelo Ministério da Agricultura para equipar a Junta Executiva de Combate à Broca do Café. Era um modelo Bell 47, que fazia a pulverização aérea de lavouras em fazendas no interior de São Paulo. De lá para cá, muita coisa mudou, os helicópteros perderam espaço para os aviões na aviação agrícola e se espalharam nas grandes cidades e em áreas como a de serviços offshore – ligando o continente às plataformas de produção de petróleo em alto-mar. Nos últimos anos, no entanto, a relação dessas aeronaves com o setor voltou a se fortalecer, recebendo atenção cada

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vez maior dos fabricantes e revendedores. Primeiro, no transporte de produtores e executivos das empresas do agronegócio. Mais recentemente, com a retomada das pulverizações de defensivos. A FAZENDA FICOU MAIS PERTO “O agronegócio tem uma participação importante dentro do nosso segmento privado, pois o helicóptero é uma ferramenta de produtividade. A aviação de asa fixa já está consolidada, e agora percebemos que os empresários do campo já olham mais para as asas rotativas”, conta Carlos Malagrino, executivo de marketing da Helibras, fabricante brasileira de helicópteros e subsidiária da Airbus Helicopters. Uma das regiões que ele destaca como exemplo é a de Ribeirão Preto (SP). Se o empresário da cultura de cana-de-açúcar tem três ou quatro propriedades, entre trabalho e moradias que são visitadas frequentemente, sem pista de pouso e num raio em torno de 200 km, o helicóptero é bastante viável. “Um avião precisaria ter uma pista de pouso em cada um desses lugares. Então, o helicóptero acaba sendo uma opção mais versátil para quem não quer utilizar seu espaço produtivo/área de cultivo para construir uma, além de fazer a ligação com os aeroportos”, analisa. A empresa já identificou casos semelhantes no Espírito Santo e também no Norte Fluminense. “Temos participado de eventos ligados ao agro para mostrar a esse público a importância dessa ferramenta no dia a dia.” Hoje a Helibras conta com aproximadamente 660 helicópteros em operação no País. Dessas, cerca de 300 estão no setor corporativo. E, dentro desse mundo, 17% estão, de alguma forma, ligadas ao agribusiness. Seguindo essa tendência, neste segundo semestre a Helibras comercializou um H125


em configuração VIP para uma empresa do agro, que escolheu o helicóptero, com capacidade para o piloto e até cinco passageiros na configuração VIP, como sua primeira aeronave. O modelo pode receber acabamento de luxo com bancos de couro, carpete diferenciado e piloto automático, entre outras características que ficam ao gosto do cliente. A concorrência segue a mesma rota. Para Cássio Sánchez, diretor de vendas da Bell Helicopter para o Brasil, o helicóptero aumenta a flexibilidade de horários e a presença no momento certo. “A distância entre as grandes cidades agrícolas brasileiras e os principais centros econômicos, onde se encontram as decisões financeiras e as negociações futuras do agro, exigem visitas frequentes”, explica. Ele revela que são usadas aproximadamente 200 aeronaves Bell em aplicações aéreas na América do Norte. “A nossa presença é muito robusta por lá. São utilizados vários modelos de nossas aeronaves, com diferentes aplicações, inclusive reflorestamento.” Sanchez também destaca que a associação do helicóptero ao transporte de

peças e componentes agrícolas pode socorrer alguma máquina que seja essencial para o retorno do serviço, não prejudicando o escasso tempo da colheita. “A utilização do helicóptero está cada vez mais híbrida, permitindo a sua reconfiguração entre transporte de executivos e de carga em poucos minutos”, finaliza. INIMIGO DAS PRAGAS O uso de helicópteros para pulverizações praticamente sumiu do radar das fazendas brasileiras no início dos anos 1980, devido ao alto custo operacional em relação aos aviões, que ganhavam cada vez mais mercado. Com isso, o Brasil ficou quase 40 anos sem utilizar esses aparelhos no trato de lavouras. Em outros países do mundo a história foi bem diferente. De acordo com a NAAA (National Agricultural Aviation Association), das cerca de 3.600 aeronaves que operam no segmento da aviação agrícola nos Estados Unidos, 13% são helicópteros. Lá utiliza-se muito para combater incêndio e a propagação de mosquitos. Há também aeronaves desse tipo operando em países como

a Espanha, onde são usadas em pulverizações contra moscas. E no Iraque, que em 2010 comprou sete unidades do modelo H125 B3, da francesa Airbus Helicopters, para refazer a aviação agrícola do país – destruída na segunda Guerra do Golfo. A ferramenta é necessária por lá para a produção de tâmaras. Nos últimos quatro anos, no entanto, as decolagens voltaram a acontecer, e foi na cidade de Monte Mor, a 122 km de São Paulo, que os helicópteros ressuscitaram nas lavouras brasileiras. É ali que está instalada a Climb Aircraft Division, empresa que atua basicamente em três áreas: manutenção de helicópteros Robinson, formação de pilotos e serviço aeroespecializado – como o gerenciamento de pulverização agrícola com asas rotativas. Em 2014, aproveitando o crescimento do agronegócio, seus sócios decidiram retomar a operação de helicópteros agrícolas no Brasil. Dentro do escopo de serviços prestados, além da comercialização da aeronave, está a venda de itens para quem quer operar helicópteros. Entre eles o GPS, equipamentos de dispersão (líquidos PLANT PROJECT Nº12

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W Aviação

é atender áreas de pastagem no Paraná e em São Paulo. Leal relembra das dificuldades que encontrou quando decidiu apostar nesse mercado, porém agora está contente com os resultados atingidos. “No começo não foi fácil. A Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) não tinha a documentação para nos homologar, pois tudo era novo. Mas agora temos crescido 70% ao ano no que se refere às áreas atendidas”, comemora.

e sólidos), bico e outros aparelhos que envolvem a operação. “O Brasil ficou todo esse tempo sem a operação dessa aeronave na aviação agrícola devido à falta de conhecimento e receio das empresas em investir nesse ramo. Simplesmente os brasileiros não tinham ideia do quanto poderia ser útil um helicóptero na lavoura, gerando excelentes resultados ao empresário do agro. Identificamos o que funcionava nos Estados Unidos e implantamos aqui”, resume Ramiro Leal, diretor executivo da Climb. Atualmente, os cinco helicópteros que operam no País estão 110

ligados à Climb: três Robinson R44, um monomotor a pistão de pequeno porte multifunção projetado principalmente para transporte executivo e configurado para dois passageiros; e dois R66, com propulsor à turbina e capacidade para quatro passageiros. “O R66 é um upgrade natural do R44, pois, além de ter motor a turbina, tem capacidade para carregar mais defensores agrícolas”, comenta. A empresa atua no interior paulista, mais ao sul do Triângulo Mineiro e no norte do Paraná, atendendo plantações de cana-de-açúcar, eucalipto, soja, milho e café. O próximo objetivo

CONCORRÊNCIA COM ASAS Os benefícios da utilização de helicópteros na aviação agrícola são vários. Começa pela qualidade da aplicação se comparada à do avião ou do trator. Como o helicóptero trabalha com uma velocidade reduzida (média de 60 nós contra um mínimo de 110 nós das asas fixas), o vento relativo é muito menor e, consequentemente, menor a queda da gota. Por ser uma aeronave extremamente manobrável, ela acompanha melhor a topografia de determinadas culturas (para a aplicação de maturador e herbicida nas plantações de cana-de-açúcar, por exemplo, o helicóptero funciona muito bem). Em plantações curtas, o helicóptero vai até o final da área de aplicação e, para retornar, ele não precisa realizar uma manobra extensa como o avião, economizando tempo e combustível. Além disso, por trabalhar na mesma área da aplicação (utili-


zando um caminhão de suporte), o reabastecimento é mais rápido e, com isso, ganha-se em produtividade e segurança. Esse tipo de aeronave acaba atuando mais em áreas planas do que nas montanhosas. Em áreas específicas, como no interior de Minas Gerais (próximo ao Rio São Francisco), que são de difícil acesso e, muitas vezes, não têm pista de pouso, há espaço para as asas rotativas, bem como nas plantações de banana, em Santa Catarina. Isso não significa que o helicóptero resolve tudo nas plantações. Pelo contrário: em áreas extensas, como plantações de soja no Mato Grosso, o avião é mais viável. E o preço por hectare do helicóptero em geral também é bem maior: uma média de 80%, se comparado à asa fixa. “O custo operacional e o tipo de relevo são os principais desafios para que mais operadores utilizem o helicóptero na aviação agrícola brasileira”, comenta Gabriel Colle, diretor executivo do Sindag (Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola). Marcelo Drescher, engenheiro agrônomo e consultor para as atividades aeroagrícolas, acredita que no passado muitos operadores ainda temiam que a chegada de helicópteros substituísse os aviões. “Isso é um tremendo engano. Ambos se complementam nas suas atividades na lavoura. Não há concorrência entre eles”, afirma. Em pouco tempo, acredita

Drescher, a frota brasileira de asas rotativas terá a mesma participação na aviação agrícola que a dos Estados Unidos hoje. “Há espaço para crescer criando o próprio mercado, sem interferir em nada no nicho dos aviões”, afirma o engenheiro. À medida que as operações de helicópteros na aviação agrícola for se consolidando no País, a tendência é que o mercado comece a olhar para aeronaves maiores. Duas opções que despontam são o Bell 205 e o Bell 206 Long Ranger, que poderiam levar até 1.500 kg e 700 kg de defensivos agrícolas, respectivamente. O R44 pode levar entre 200 e 250 kg de defensivos, enquanto o R66 é capaz de operar com até 400 kg. CARREIRA PROMISSORA O voo em baixa velocidade ajuda até mesmo a melhorar a segurança operacional, algo que sempre preocupou bastante a aviação agrícola. “No dia a dia, realizamos vários procedimentos antes do voo a fim de minimizar os riscos”, comenta o piloto de helicóptero Rodrigo Dragones, que há quase três anos abandonou a aviação executiva para se dedicar ao voo sobre as plantações. Segundo ele, o ganho na fazenda é cerca de 50% maior do que a operação VIP. “Hoje o mercado corporativo está em crise. E por mais que o setor agrícola tenha os seus altos e baixos, é muito mais rentável financeiramente, apesar

de obviamente voarmos mais. E respeitando todos os procedimentos de segurança, a operação se torna tranquila”, revela. Atualmente, a Climb conta com a única escola de pilotos agrícolas de helicópteros do Brasil. As outras cinco destinadas a eles (duas em São Paulo, duas no Rio Grande do Sul e uma no Paraná) são apenas para aviões. Já são 15 alunos plenamente formados e aptos para as missões com asas rotativas. Outros 35 já concluíram o curso teórico e, em breve, estarão aptos para voar no campo. “Isso significa que há mercado”, comenta Leal. A principal diferença entre os cursos para asa fixa e asas rotativas é que neste último o aluno precisa ter uma formação específica para operar o equipamento de aplicação de sólidos e líquidos, que fica localizado na parte externa da aeronave. O que se sabe é que há pelo menos mais oito empresas se preparando para ingressar nesse mercado. O processo é um pouco burocrático, pois é necessário obter um registro no Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) para se tornar um operador agrícola na atividade de pulverização e lançamento de fertilizantes. Além disso, também é preciso se regularizar na Anac por conta da atividade aérea. Uma mão de obra um pouco complexa, mas que, ao que tudo indica, vale a pena. PLANT PROJECT Nº12

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W Consumo

ELÉTRICO E UTILITÁRIO COM PORTE MAIOR QUE O DO Q5, O GRANDE DESTAQUE DO AUDI E-TRON É A MOTORIZAÇÃO ELÉTRICA, USADA PELA PRIMEIRA VEZ EM UM MODELO DA MARCA. COM TRAÇÃO 4X4 E AUTONOMIA DE ATÉ 400 QUILÔMETROS COM UMA CARGA DE BATERIA, O SUV DESEMBARCA POR AQUI NO SEGUNDO SEMESTRE DE 2019. (PREÇO NÃO DIVULGADO) WWW.AUDI.COM.BR

FORA E DENTRO DA ESTRADA Destaques do Salão do Automóvel indicam novos caminhos para o mercado brasileiro em 2019 Por Evandro Costa

SUV OU ESPORTIVO? CLASSIFICADO COMO UM SAC (SPORT ACTIVITY COUPÉ) PELA BMW, O NOVO X4 FOI UMA DAS ATRAÇÕES DO ESTANDE DA MARCA. IMPORTADO DOS EUA, CHEGA POR AQUI NAS VERSÕES XDRIVE301 M SPORT E M401 – ESTA ÚLTIMA, EQUIPADA COM UM MOTOR 3.0 DE SEIS CILINDROS E 360 CV, ACELERA DE 0 A 100 KM/H EM 4,8 SEGUNDOS. (R$ 334.950,00) WWW.BMW.COM.BR

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NOVA GERAÇÃO A MITSUBISHI ANUNCIOU PARA ABRIL DE 2019 O INÍCIO DAS VENDAS DO NOVO PAJERO SPORT, MODELO QUE CHEGA DA TAILÂNDIA PARA SUBSTITUIR O DAKAR. O SUV SERÁ VENDIDO EM VERSÃO ÚNICA COMPLETA, COM MOTOR 2.4 DIESEL DE 190 CV, TRAÇÃO 4X4, CÂMBIO AUTOMÁTICO DE OITO MARCHAS E TECNOLOGIAS COMO O PILOTO AUTOMÁTICO ADAPTATIVO. (PREÇO NÃO DIVULGADO) WWW.MITSUBISHIMOTORS.COM.BR

AINDA MAIS DOCE UM DOS CUPÊS ESPORTIVOS MAIS POPULARES DO BRASIL, O CHEVROLET CAMARO ESTREIA NO PAÍS COM NOVIDADES NO VISUAL. ALÉM DE FRENTE E TRASEIRA REDESENHADAS, O MODELO GANHOU UM NOVO SISTEMA MULTIMÍDIA. O MOTOR AINDA É O 6.2 V8 DE 461 CV, QUE PERMITE AO CARRO ATINGIR 290 KM/H. (PREÇO NÃO DIVULGADO) WWW.CHEVROLET.COM.BR

CARRO DE GRIFE REVELADO EM JANEIRO NOS EUA, O NOVO SUV FORD EDGE FOI MOSTRADO NA VERSÃO ST, GRIFE DA MARCA DO OVAL QUE REÚNE MODELOS DE VISUAL E DESEMPENHO ESPORTIVOS. PARA HONRAR A SIGLA, O UTILITÁRIO TEM SOB O CAPÔ UM MOTOR 2.7 V6 BITURBO DE 335 CV QUE PERMITE ATÉ VARIAR O RONCO DO ESCAPE. (PREÇO NÃO DIVULGADO) WWW.FORD.COM.BR

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W Consumo TRADIÇÃO NA TRILHA DESCENDENTE DO VETERANO WILLYS DE 1941, O JEEP WRANGLER CHEGA EM NOVA GERAÇÃO, MAS SEM PERDER O ESPÍRITO AVENTUREIRO E O DESIGN TRADICIONAL. PARA NÃO DECEPCIONAR NA TRILHA, O VALENTE 4X4 USA UM NOVO MOTOR 2.0 TURBO DE 271 CV, QUE É MENOS POTENTE QUE O ANTIGO V6, PORÉM COM MAIS TORQUE. (PREÇO NÃO DIVULGADO) WWW.JEEP.COM.BR

COM CLASSE UM DOS UTILITÁRIOS MAIS ICÔNICOS E IMPONENTES DO MUNDO, O MERCEDES-AMG G 63 FOI REPRESENTADO NO SALÃO PELA EDIÇÃO ESPECIAL DE LANÇAMENTO EDITION 1. EQUIPADO COM UM MOTOR 4.0 V8 DE 558 CV, O SUV DE MAIS DE 2.500 KG ACELERA DE 0 A 100 KM/H COMO UM ESPORTIVO: EM APENAS 4,5 SEGUNDOS. (R$ 1 MILHÃO) WWW.MERCEDES-BENZ.COM.BR

PEQUENO E VALENTE O NOVO SUZUKI JIMNY É OUTRO MODELO QUE DESEMBARCA POR AQUI EM 2019. COMPLETAMENTE REMODELADO, O MODELO USA UM PEQUENO MOTOR 1.5 DE 108 CV. MAS O COMPACTO UTILITÁRIO 4X4 SEGUE SENDO UMA DAS MELHORES OPÇÕES PARA QUEM BUSCA VERSATILIDADE E DIVERSÃO. (PREÇO NÃO DIVULGADO) WWW.SUZUKIVEICULOS.COM.BR

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O cantor e compositor Renato Teixeira: Com mais de 50 anos de carreira, ele continua sendo o dono da voz que mais vende o agro

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foto: Michael Dantas/SEC fotos: Eduardo Galeno

Um campo para o melhor da cultura

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Ar A RTE

Um campo para o melhor da cultura

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A VOZ OFICIAL DO AGRONEGÓCIO Autor de clássicos como Romaria e Tocando em Frente, Renato Teixeira percorre mais de 400 mil quilômetros por ano para se apresentar em eventos agrícolas, faz publicidade para marcas consagradas e se torna ícone do homem do campo Por Amauri Segalla

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m 2018, poucos artistas – talvez nenhum – rodaram tanto o Brasil quanto o cantor e compositor paulista Renato Teixeira. Autor de clássicos como Romaria (do refrão “Sou caipira Pirapora, Nossa Senhora de Aparecida”) e Tocando em Frente (do também marcante “Como um velho boiadeiro levando a boiada, eu vou tocando os dias pela longa estrada”), Teixeira encerrará o ano com mais de 100 shows realizados e 400 mil quilômetros percorridos, segundo cálculos do staff que o acompanha. Ele terá passado por lugares tão distantes quanto Barão de Cocais (MG), Carambeí (PR), Dourados (MS), Jataí (GO), José Bonifácio (SP), Mata de São João (BA), Vila Velha (ES) e muitas outras cidades nos rincões do Brasil, repetindo o que tem feito nos últimos 40 anos: emocionar e falar a língua do homem do campo. Renato Teixeira é a principal voz do ambiente rural brasileiro desde 1977, quando Romaria foi lançada para se tornar o hino oficial “do caipira e do romeiro”, segundo palavras do próprio compositor. De fato, a canção é um marco da música brasileira. De acordo com dados do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), associação que se dedica ao pagamento de direitos autorais, Romaria está entre as 30 músicas mais regravadas no País e é uma das dez interpretadas por Elis Regina que mais tocam nas rádios brasileiras. Basta viajar pelo interior do Brasil e sintonizar o rádio nas emissoras locais para notar a presença avassaladora de Teixeira. Em algum momento, Romaria ou qualquer outro clássico dele (Frete, de 1979, foi tema de abertura do seriado Carga Pesada, da Rede Globo, que marcou gerações ao narrar as

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desventuras de uma dupla de caminhoneiros) irá soar tão familiar quanto as paisagens verdes e a vida sossegada do campo. O sucesso das composições caipiras fez de Teixeira o músico mais requisitado do País para apresentações em eventos ligados ao universo agrícola. Ele e sua inseparável viola já estiveram na Agritec de Botucatu (SP), na Agrishow do Cerrado (MT), na Feira do Produtor Rural de Teresópolis (RJ), na Festa do Folclore de Três Lagoas (MS), no Festival de Gastronomia de Piacatuba (MG) e muitos outros encontros em que os participantes discutem negócios, provam a boa comida caipira e, como não poderia deixar de ser, se emocionam com as canções do violeiro mais celebrado do Brasil. Embora os empresários do músico não confirmem valores, o cachê para cada um desses shows gira em torno de R$ 60 mil. Para participar da 29ª edição da Festa do Folclore de Três Lagoas, no ano passado, Teixeira recebeu R$ 57 mil, de acordo com divulgação oficial feita pelos organizadores. Além de músico tarimbado, de inegável talento, Teixeira é também um competente homem de negócios. Para esta reportagem, ele não deu entrevista sob a alegação de que estava envolvido com shows e compromissos publicitários. Pelo menos foi essa a justificativa de seu staff. Desde cedo Renato Teixeira percebeu o potencial econômico da publicidade. Em um depoimento concedido recentemente para a divulgação de um de seus shows, ele explica por que decidiu mergulhar nesse universo. “Na virada dos anos 1960 para os 1970, a música silenciou”, disse Teixeira. “Fui fazer jingles publicitários para


foto: Shutterstock

sobreviver. Acontece que gostei muito do assunto: pequenas canções anunciando produtos. Enquanto atuei nessa área, consegui realizar um bom trabalho, pois criei jingles que fizeram muito sucesso, como aqueles do Ortopé, do Rodabaleiro e do Drops Kids Hortelã, que muita gente lembra até hoje.” Ele prossegue: “Com meus lucros publicitários e em parceria com Sérgio Mineiro, criei o Grupo Água. Foi com esse grupo que consegui assimilar o espírito da música caipira e projetá-la para todo o Brasil”. A publicidade continua a ter um peso importante nas atividades profissionais de Renato Teixeira. Recentemente, o músico foi contratado para participar das ações de lançamento de uma nova família de herbicidas desenvolvida pela Corteva. Como sempre acontece nessas ocasiões, o músico cantou seus clássicos na apresentação oficial dos produtos. “Escolhemos o Renato Teixeira porque as letras de suas músicas mostram os

sentimentos de quem é apaixonado pela vida no campo”, diz Tammy Lauterbach, gerente de marketing da Corteva. “Nós queremos transmitir aos nossos clientes a ideia de que também somos apaixonados por esse universo. Ninguém melhor do que ele para passar essa mensagem.” O curioso é que, aos 73 anos, Teixeira continua superando jovens talentos da música brasileira na preferência das empresas agrícolas e dos organizadores de festivais do agronegócio. Ele é tão reverenciado – e tem uma lista de clássicos tão extensa – que ninguém consegue rivalizar ou pelo menos ameaçar a sua onipresença. Segundo a executiva de marketing da Corteva, a empresa chegou a consultar os parceiros a respeito de quem gostariam de ouvir nos eventos e Teixeira foi o escolhido com folga. “Romaria se tornou um hino nacional, as pessoas vibram e se emocionam quando ouvem a canção”, PLANT PROJECT Nº12

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Com a cantora Lucyana Villar em videoclipe para a Basf e em um show de lançamento de produto para a Corteva: talento multimarcas

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diz Tammy. “Vai ser difícil alguém conseguir chegar perto disso.” A música sertaneja brasileira de raiz, aquela que fala da simplicidade e dos valores da vida no campo, perdeu espaço nos últimos anos para o chamado sertanejo universitário, que pouco tem a ver com esse universo, mas que acabou seduzindo os mais jovens. As novas vozes caipiras – se é que é possível classificá-las assim – não tratam de amor, das aflições da alma ou da natureza, mas de temas, digamos, mais mundanos, como sexo e dinheiro. Não que uma coisa esteja certa e outra errada, mas a verdade é que Renato Teixeira acabou resistindo às transformações da sociedade. Isso foi ótimo para ele. Teixeira canta as mesmas músicas há 40 anos e, de certa forma, representa a tradição e a estabilidade que a turma ligada ao agronegócio procura. “O Renato Teixeira fala ao coração dessas pessoas e por isso gostamos de nos associar a ele”, diz Daniela Ferreroni, gerente de comunicação, trade marketing e sustentabilidade da Basf. Em agosto passado, a empresa lançou a campanha “Juntos Pelo Seu Legado” para ressaltar sua conexão com o mundo agrícola. Entre outras ações, a Basf apresentou a música Legado – que tem entre seus compositores o vice-presidente da Divisão de Soluções para Agricultura da empresa, Eduardo Leduc – e convidou Renato Teixeira para interpretá-la ao lado da jovem cantora Lucyana Villar, uma paulista de 26 anos que tem apostado no sertanejo de raiz. A executiva Daniela Ferreroni resume o que Renato Teixeira representa para o setor. “Com o passar dos anos, suas músicas se tornaram a trilha sonora oficial do agronegócio brasileiro.”


O arquiteto Caleb Harper, chefe do laboratório OpenAg, no MIT: Com os “computadores da comida”, ele quer desenhar o futuro da agricultura

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As inovações para o futuro da produção

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STARTAGRO

foto: Galeria HSM

As inovações para o futuro da produção

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O DESIGNER DA AGRICULTURA As ideias nada ortodoxas de Caleb Harper, um arquiteto e filho de agricultores que comanda um laboratório em um dos mais avançados centros de inovação do mundo e se propõe a revolucionar o modo como se produz alimentos Por Luiz Fernando Sá

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arquiteto americano Caleb Harper, de 36 anos, tem um projeto em mente. Em vez de prédios ou cidades, ele pretende redesenhar a agricultura – e já iniciou esse trabalho. No comando do OpenAg, um projeto desenvolvido por ele e por mais 15 pessoas em um laboratório no prestigiado Massachusetts Institute of Technology (MIT), Harper está usando os recursos mais modernos para “hackear” plantas e entender seu comportamento em um nível jamais obtido pela ciência. Vindo de uma família de fazendeiros, esse jovem nerd desenvolveu o que chama de “computadores de comida”, espécie de caixas digitais usadas para cultivar plantas simulando diferentes condições climáticas e coletar dados de cada etapa do crescimento dessa planta. De um pé de alface a uma árvore de avelãs, as caixas de diversos portes do OpenAg hoje abrigam e estudam, em nível molecular, um pouco de tudo. São manuseadas por cientistas ou mesmo por alunos de escolas primárias. Tudo que acontece em cada caixa – há exemplares em 65 países do mundo – se transforma em dados que alimentam uma grande rede de conhecimento ao redor do mundo. Harper é inquieto e provocador. Em uma palestra recente em São Paulo, como uma das estrelas do HSM Expo 2018, ele abalou algumas convicções de uma plateia essencialmente urbana ao apresentar uma visão do agro do futuro nada comum entre jovens de países desenvolvidos. O arquiteto defendeu, por exemplo, a intervenção humana e científica nos processos de produção, inclusive as modificações genéticas. “A agricultura não é natural, nunca foi.” Entre outras afirmações, decretou: “A morte do orgânico está próxima!” Pregou pela democratização e a transparência das informações de todos os processos de produção e propôs uma nova abordagem para questões que desafiam o setor, como o desinteresse dos jovens pela agropecuária – nos Estados Unidos, lembra,

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apenas 2% da população trabalha com agro e a idade média dos produtores é de 65 anos. “O conhecimento não está sendo transferido”, disse. E, sobretudo, alertou para a necessidade de enfrentar, com ciência, as transformações climáticas. Harper quer digitalizar o clima, criar uma espécie de “Wikipedia” com as condições atmosféricas de cada ponto do globo. Com informações de toda parte, inclusive as “colhidas” em seus computadores de comida, ele acredita que em um futuro próximo será possível “desenhar” variedades mais apropriadas para um local específico, buscando produtos mais adaptados, melhores e mais saudáveis. Em um dos intervalos da HSM Expo ele concedeu a seguinte entrevista à PLANT: O que é o seu projeto do computador de alimentos e em que estágio está atualmente? Eu comecei a trabalhar nesse projeto em 2014, sozinho. Hoje tenho 15 cientistas em tempo integral na minha equipe, desde engenheiro mecânico, engenheiro elétrico, cientistas de dados, cientistas da computação, mas também químicos de plantas, fisiologistas de plantas, nutricionistas e arquitetos. Meu grupo tem de um lado os cientistas de plantas que sonham com algo e imaginam que a tecnologia pode ajudar a realizar e, de outro, gente que trabalha para buscar respostas tecnológicas para esse desafio. Juntos, eles constroem máquinas que ajudam a todos. Meu laboratório é, na maior parte, financiado por corporações, com parceiros como Target, Ferrero, Welspun, a maior indústria têxtil do mundo, Google, na parte de sistemas e informação, e filantropos. A evolução que tivemos foi partir de uma pessoa que ninguém entendia o que estava fazendo -- e nem eu sabia o que estava fazendo – para chegar a esse estágio que estamos hoje. Foi sua primeira experiência com agricultura? Eu cresci em uma família de agricultores.


foto: divulgação

Meu pai trabalhou no mercado de alimentos por 60 anos. Minha família é de imigrantes que foram para os Estados Unidos e se estabeleceram no Kansas. Cresci cercado de animais e de fazendas. Mas eu não queria fazer aquilo. Minha geração foi advertida a não fazer agricultura. Diziam: “Faça algo diferente, faça tecnologia”. Aqui no Brasil costumávamos dizer: “Se você não estudar, vai continuar no campo”. Mas agora dizemos: “Se você quiser ficar no campo, é melhor estudar”... Sim, acredito nisso. Vamos pegar o que aconteceu nos anos 1970, no início da revolução digital. Os jovens estavam nas suas garagens fazendo coisas que as outras pessoas não entendiam. Diziam que custaria demais, seria complexo demais e não teria propósito. Agora está acontecendo a mesma coisa, só que em relação a biologia e vida digital. A próxima geração que mudará o jogo virá desta interface. Os jovens hoje estão se perguntando: “Como eu conserto os problemas de comida, que são tão grandes e tão globais e alcançam a todos? Essa é uma das maiores missões que eu posso ter na minha vida, mas eu estudo robótica, estudo ciência dos dados, estudo química analítica? Posso me tornar um fazendeiro da próxima geração, aplicando as habilidades que eu tenho com o projeto digital?” Existe muita fome no mundo e muitas pessoas que não têm nenhuma comida. Mas muitas vezes nós perdemos muito tempo e talentos discutindo a maneira como

produzimos comida em grandes cidades. Seu projeto, por exemplo, não é mais focado em países desenvolvidos? Deixe-me dar alguns exemplos. Pense nos aplicativos. A tecnologia permite que pessoas, em seus próprios países e em suas próprias culturas, criem suas aplicações e, em uma rede, distribuam sua aplicação ou vendam. Aplicativos feitos em São Paulo muitas vezes são de fato diferentes de APPs feitos no Rio e são diferentes do resto do Brasil e, definitivamente, do resto do mundo. Estamos falando de uma plataforma de tecnologia e de suas aplicações. É nisso que eu estou focado. Eu construo ferramentas e infraestrutura que permitam que as pessoas usem os “computadores de alimentos” ou os chamados “servidores de alimentos” da forma que elas quiserem. Pode nos dar um exemplo prático? Sim, tenho um bom exemplo de que isso não é coisa apenas para o mundo desenvolvido. Levamos nossas ferramentas a um campo de refugiados na Jordânia. Eu estava bem preocupado. Pensei: “É muito cedo, a tecnologia é muito difícil, o computador vai quebrar, não está pronto para esse tipo de ambiente”. Mas o Programa Mundial de Alimentos da ONU apoiou a ideia, porque almejava levar inovação para um campo de refugiados, e não queria que aquele fosse o último lugar a receber inovação. Quando levamos o equipamento para lá, todos diziam que eles cultivariam tomates ou

Harper e os laboratórios do OpenAg no MIT: projeto aberto a colaborações em 65 países do mundo

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foto: divulgação

pepinos, porque eles não recebem comida fresca. O computador era pequeno, não dava nem para alimentá-los. No entanto, havia uma pessoa no campo que tinha estudado, a vida inteira, a erva-de-são-joão, que é um tipo específico de planta da qual se faz um chá ótimo para a depressão. Então, por causa dessa pessoa, que tinha esse conhecimento e agora tinha essa plataforma para experimentar, eles passaram a cultivar a erva. Com ela, faziam um chá que aliviava a depressão e que beneficiou o acampamento. Ele se tornou um pequeno empreendedor. É isso que nós queríamos. Mas você está certo. Hoje, comida crescendo em uma caixa é caro, utiliza muita energia e muitas empresas que se propõem a fazer isso, francamente, estão falindo. Mas nós somos novos, estamos na fase comparável aos anos 1970, quando os computadores eram ridículos. Como você compara o seu “computador de alimentos” com o computador pessoal, em termos de evolução? Ele vai chegar à casa das pessoas na mesma velocidade em que os PCs décadas atrás? 126

Eu acredito que sim, talvez um pouco mais rápido. Mas atualmente o meu computador de alimentos não é nem um IBM PC Junior, nem o Apple 2 (dois dos primeiros computadores pessoais lançados nos anos 1970). Ainda estamos descobrindo coisas. Mas primeiro vou responder à sua pergunta sobre quando estarão nas casas. Eu acredito que em provavelmente 20 anos. Mas nessas pequenas caixas as pessoas não vão conseguir cultivar quase nada. Vamos ser realistas. Mas o que elas podem produzir ali é algo muito especial. Por isso, a minha pesquisa mudou. O que era para ser uma ferramenta de produção passou a ser uma ferramenta para a expressão da planta, para informar como eu faço uma planta que ofereça uma melhor nutrição e que pode ser direcionada a você. Com ela, você vai ter coisas bem específicas na sua casa, próprias para suas predisposições genéticas. Talvez você tenha uma doença degenerativa, problemas no coração, diabetes ou outras coisas que podem ser resolvidas com comida. Imagino que essas caixas pequenas na sua casa se

tornam quase que uma farmácia natural. Isso justificaria algo tão pequeno gastando tanta energia. Esse será o principal uso futuro do seu computador de comida? Existem dois casos de uso. Um eu chamo de manufatura de clima, que é provavelmente o que você está imaginando. O computador é uma caixa. Ali dentro ela produz um clima e cresce comida. Essa é uma aplicação. A outra é o que eu chamo de prospecção climática. Significa que eu uso a minha caixa, que tem uma planta, para gerar um monte de dados, criar um modelo matemático que me dirá o que acontece quando ela é exposta a diversos estresses, de CO2, de umidade, de níveis de luz. Então eu posso aplicar esse modelo no mundo real. Vou te dar um exemplo concreto. A Ferrero nos contatou e disse que queria crescer uma árvore na caixa. Você nunca vai crescer uma árvore de avelãs na caixa buscando lucros. Primeiramente eu disse que seria demais e que eu faria porque é uma ideia estranha e eu amo coisas estranhas. Depois perguntei: “Mas por que vocês querem que eu faça isso? Leva cinco anos para uma árvore crescer e produzir qualquer coisa, nunca será viável economicamente”. Então eles disseram: “Precisamos entender mais sobre as árvores que produzem nossas avelãs e vemos que o que você sabe fazer é desenhar climas. Você pode simular o mundo real na sua caixa?” Respondi que, com um pouco de trabalho, podemos tentar. Eles então perguntaram se eu poderia


Inovação

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A equipe do OpenAg e contêineres prontos para serem transformados em lavouras modernas

verificar os dados de produção agrícola em diferentes partes do mundo onde eles poderiam futuramente plantar e se eu poderia validar em quais delas vai crescer uma boa árvore de avelãs. Estamos fazendo essa pesquisa há cerca de dois anos e tivemos um progresso incrível no sentido de as nossas caixas produzirem informação que depois pode ser usada no campo. Um dia poderemos responder: por que nós produzimos em São Paulo? Quais são as condições de São Paulo? O que São Paulo realmente precisa? Poderemos combinar o clima com todas as genéticas disponíveis e chegar a diferentes opções. Não é só plantar soja porque sabemos plantar soja, ou cultivar o milho porque sabemos cultivar milho. Se temos essa combinação única de condições de temperatura, luz, tipo de solo, micróbios, a pergunta será o que nós deveríamos plantar aqui. Como podemos usar o mundo como um catálogo de climas e entender como combinamos as plantas com cada um deles. Queremos recolher uma grande escala de informações sobre cada meio ambiente que reproduzimos na caixa para depois usá-las em uma escala ainda maior no campo. Com isso, o que será cultivado na cidade ou perto dela vai ser determinado pelas pessoas que moram lá. Será aquilo que elas não têm, algo especial que elas podem querer. Há muitas empresas vindo até mim, do mercado de remédios, de cosméticos, de nutrição médica. Para elas o custo da nossa caixa e da energia dispendida no cultivo justifica, porque é possível fazer crescer ali algo que não pode ser cultivado do lado de fora ou que tem um grande valor. Esse é realmente o primeiro passo da tecnologia pioneira da alimentação: encontre o mercado de nicho com a maior margem possível. Isso já está começando a acontecer. Ao longo do tempo, vai ficar mais barato. Se eu tivesse que prever o futuro, diria que provavelmente de 10% a 20% do que comemos

em uma cidade será cultivado na própria cidade. O resto talvez seja cultivado como é hoje em dia, mas será mais otimizado. Como os grandes fazendeiros no Brasil poderiam usar o que você aprende com o computador de alimentos? Existe uma startup nos Estados Unidos que tem mais dados de campo, dados tradicionais de agricultura organizados e digitalizados, do que o governo americano coletou em toda a sua história. Vivemos um momento em que startups, governos e empresas estão tentando agregar o máximo de dados possível sobre o mundo natural. Cientistas de clima, cientistas de satélites, cientistas de drones, todas essas pessoas estão tentando capturar digitalmente o que está acontecendo no nosso campo. É preciso considerar que isto já está acontecendo e só vai se firmar cada vez mais. O que falta para eles é entender o que uma planta faria em determinadas condições. Nós estamos trabalhando em como digitalizar uma planta, para que ela possa interagir com dados digitais de clima. Assim, poderíamos fazer previsões em larga escala. A agricultura é tão grande neste País, é uma potência com tanto conhecimento, mas a habilidade de captar dados digitalmente e deixá-los prontos para serem utilizados por algoritmos, aprendizado de máquina e inteligência artificial é muito trabalhoso. É nesse espaço que entramos. Vivemos no Brasil uma corrida pela agricultura digital. Eu acredito que nós temos uma grande oportunidade de criar aqui a melhor tecnologia relacionada com agricultura e exportá-la, ao invés de importar como sempre fizemos. O que o Brasil deve fazer para se tornar relevante no mercado AgTech? A boa notícia é que essa tecnologia está em desenvolvimento neste exato momento. É muito jovem. Então ainda não há claros PLANT PROJECT Nº12

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vencedores e perdedores, nem aplicações dominantes. É como nos anos 1970, quando programadores ainda estavam tentando entender como escrever programas para o usuário e nenhum deles tinha realmente conseguido. Nós não tínhamos Word, não tínhamos Notepad ou outras coisas que viriam a ser muito úteis. Se eu estivesse no Brasil agora pensaria o seguinte: se continuarmos a produzir convencionalmente, porque é assim que sabemos, seremos batidos ou usados como fonte de dados. E, quando as pessoas extraírem os dados das nossas lavouras e os transformarem em algoritmos, o valor estará no espaço digital. Quem apenas cultivar não vai conseguir um prêmio por sua produção. O prêmio será pago a quem tiver a sabedoria avançada. Então eu diria: todo o esforço em digitalizar o campo e o clima e formar os conjuntos de dados compensa. Isso é trabalho duro. Tem empresas bilionárias que não fazem nada além de limpar dados. Então, comece agora a trabalhar com seus fazendeiros, a fazer com que eles agreguem o máximo de dados que eles podem coletar, trabalhando as fabricantes de máquinas, por exemplo. Todos eles têm aparelhos que coletam dados nos seus tratores, mas não os tratam e não associam a algo maior como dados de clima ou informações sobre sementes. Essa é a oportunidade de ouro. Ok, não é tão fácil, mas é tão claro que compensa investir tempo, dinheiro e esforço para ir até seus fazendeiros e falar: “Que tipo de dados você acha que tem?” Eles podem nem saber a resposta, mas você deve saber as perguntas: “Mas e as suas sementes? E as coisas que você comprou? Você rastreia isso?” Eles talvez respondam sim, talvez não. Talvez a pessoa que trabalha junto com eles rastreia isso, muitas vezes porque eles são muito ocupados. Um fazendeiro é a epítome do homem ou da mulher de negócios. Eles pegam o empréstimo no começo da safra, 128

na maioria das vezes eles compram o que é necessário, trabalham toda a safra, pagam o empréstimo e ficam com o lucro. Eles são focados no seu trabalho e na sua margem. Se você oferecer a eles uma parceria que te permita entender como ele toma decisões, mostrar os dados para ele, fizer algo agora e pelos próximos anos, teria um incrível valor. O seu trabalho é open source, aberto a colaborações de qualquer pessoa. Você tem parcerias com brasileiros? Nós desenvolvemos hardware open source. Isso vale para todos os computadores de comida, desde o pequeno computador pessoal de alimentos que temos agora, que é incrível, até os contâineres que vão até o tamanho de árvores. Deixamos abertas todas as informações de sobre como construir, onde conseguir as peças da melhor forma possível. Colocamos isso na Wikipedia. Todos os softwares que rodam essas máquinas também são open source. Temos pessoas em 65 países, inclusive alguns brasileiros, construindo nossas ferramentas, inovando nelas. É uma comunidade de cerca de 2.500 ou 3 mil pessoas, de diferentes línguas e demografias, tudo o que você possa imaginar. São professores de escolas, cientistas, pessoas que se preparam para o apocalipse, que querem saber como cultivar sua própria comida, nutricionistas... Essa é a beleza de tudo isso, juntar todas essas pessoas por curiosidade, pela ideia de construção e compartilhamento de informações. Eles se tornam uma grande fonte de dados para nós. Como eu já disse, as ferramentas para se fazer aprendizado de máquinas, para fazer inteligência artificial já existem. O que não existe ainda é o que fazemos com as plantas, o que nós conseguimos. Precisaríamos ter trilhões de pontos de dados, e aí poderíamos fazer muitas coisas poderosas. Na minha opinião, isso não pode ser adquirido por uma empresa ou por um governo. Tem que ser uma


recebiam e na qualidade que precisavam. Então, fizeram um investimento conosco para construir essa tecnologia que nós chamamos de computação de algodão, que eles podem usar para cultivar em sua própria fábrica ou nós poderíamos usar para prospecção de clima, a fim de entender onde e como plantar e obter melhor resultado. O primeiro passo foi andar nos campos da Índia e depois nos campos em Memphis, que é o cinturão do algodão nos Estados Unidos, para aprender dos produtores quais são os problemas deles e como eu posso resolver, no que gastaria melhor o meu tempo. E então começamos o trabalho. Muito desse apoio financeiro ao meu grupo tem vindo do varejo e da indústria, porque eles precisam de uma produção de matéria-prima mais consistente e confiável. A Ferrero quer mais avelãs, a Welspun quer mais e melhor algodão, a Target (rede de varejo americana) quer vegetais mais frescos que tenham benefícios nutricionais. O desafio não é necessariamente do fazendeiro, mas dos produtores de equipamentos, da rede de insumos e suprimentos, da tecnologia de armazenamento, enfim de toda a cadeia. A indústria da comida está mudando? A mente do consumidor está mudando? Essa é uma pergunta muito importante. Tudo o que está acontecendo agora é por causa do consumidor. Dos anos 1970 até os 2000, ele, o consumidor, falou que queria mais comida, com um preço mais barato. Agora o consumidor mu-

foto: Galeria HSM

licença digital aberta para o mundo. As pessoas não confiam mais na comida que consomem, nós perdemos toda a nossa fé. Criamos uma geração que fala que grandes empresas de alimentos não ligam para ela, empresas de sementes não ligam para ela ou para o meio ambiente... Então, se você quer que ela volte a confiar na sua comida tem que criar algo como a internet, que também surgiu em um ambiente aberto a bilhões de usuários entrando juntos para criar oportunidades. Não acho que venture capital típico, criando tecnologias proprietárias, seja o caminho. Você acha que os produtores deveriam ser os investidores dessa nova era? Os produtores ajudam a financiar o seu projeto? De certa forma, sim. Um dos meus projetos é com algodão, patrocinado pela maior indústria têxtil da Índia. Eles produzem 70% dos lençóis e toalhas para os Estados Unidos. É uma coisa gigantesca. Eles estão empenhados em entender como fazer um futuro sustentável para a cultura de algodão. É uma das culturas mais difíceis... Sim, demanda muita água. Eles transformam algodão puro em produtos sem marca para outras companhias. Mas eles estavam vendo que a sua fornecedora de algodão estava ameaçada por causa de mudanças no clima, da diminuição no suprimento de água na Índia, de problemas com trabalhadores. Eles não estavam recebendo a quantidade de algodão que antes

dou. Quer saber de onde vem, o quanto é bom para ele e qual é o custo ambiental. Está disposto a pagar por essas coisas. Com isso, tem sido crescente a procura do orgânico, do local, do natural. Na minha opinião, a maior parte disso é marketing, feito em cima de emoção e de medo, como em uma religião. Você acredita que essa coisa é melhor para você. Isso é só um momento de adaptação. As pessoas são inspiradas a tomar essas decisões, se puderem, pois isso é um luxo. O próximo passo dos orgânicos será provar se são realmente bons para as pessoas, de onde vêm e qual o impacto no ambiente. Todos os vendedores de produtos, para se apresentarem como marcas saudáveis, terão de repensar a informação, como se tornar mais transparentes. Todo o foco deve estar em ganhar a confiança dos consumidores. Os vendedores de produtos embalados sabem que não têm mais essa confiança. As cinco maiores empresas do setor no mundo estão tirando recursos internos de pesquisa e desenvolvimento e colocando em investimentos de venture capital para comprar startups que não são necessariamente melhores no que eles fazem, mas que possuem confiança do novo consumidor, que está jogando gasolina no fogo da mudança na indústria de alimentos. PLANT PROJECT Nº12

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M MARKETS

DATAGRO Markets

AGRICULTURA ENERGÉTICA COMPLEMENTANDO A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS Po r Pl i n i o N a s t a r i

Desde a d écad a d e 1970 o desen vol v i m en t o d a ag ri c u l t u ra en ergé tic a te m i m p u l si on ad o a pro du ção d e al i m en t os n o B rasi l e n o mu n d o. O m ai or pro du t or m u n d i al d e g rã o s con t i n u am sen do os E s t ad os Un i dos , com u m a pro du ção d e 370 m i l h õ e s d e t on el ada s de m i l h o e 120 m i l h õ e s d e t on el ada s de soj a. E m co mparação, o B ra s il pro du z cerca d e 95 m i l h õ e s d e t on el ada s de m i l h o e 120 m i l h õ e s d e t on el ada s de soj a p or an o. Oc o rre q u e 39% d o m i l h o d os EUA , ou 144 m i l h ões d e to n el ad as, são tra n sf orm ad os em eta n ol e cop rod u t o s

d e a lto te o r p ro te ico , q u e a lime n ta m b o v in o s , s u ín o s e frangos. Essa tr a n s f o r ma ç ã o te m a b s o r v id o o s c o n tín u o s a v a n ç o s de p ro d u tiv id a d e , e v ita n d o q u e o s e x c e d e n te s g e r a d o s c o n tin u a s s e m s e n do d is tr ib u íd o s c o mo a ju d a h u ma n itá r ia , o q u e a té p o u c o te m po c o n tr ib u ía p a r a manter d e p e n d e n te (e in c ip ie n te ) a p ro d ução a g r íc o la d o s p a ís e s b e n e f ic iá r io s d e s s a a ju d a . Com os b io c o mb u s tív e is , em 2 0 1 9 a A g ê n c ia d e P ro te ç ã o d o M e io A mb ie n te d o s E U A a lme ja s u b s titu ir 1 0 ,9 7 % d o s c o mb u s tív e is f ó s s e i s lá c o n s u mid o s . N o

Bras i l , durante o s pri m ei ro s dez m es es de 2018, o etano l pro duzi do pri nci pal m ente da cana- de- açúcar s ubs ti tui u 43,6% do co ns um o de g as o l i na, e o bi o di es el em brev e es tará s ubs ti tui ndo 15% do di es el f ó s s i l , g erando em preg o e al av ancando pro g res s o e renda nas reg i õ es em que es s es bi o co m bus tí v ei s s ão pro duzi do s . M as a pro dução de etano l de cana e de m i l ho e de bi o di es el de ó l eo de s o j a tem cres ci do , e po de cres cer m ui to m ai s . A f i nal , f az m ai s s enti do pro duzi r e expo rtar pro duto s f i nai s de m ai o r v al o r ag reg ado , co m o o s bi o co m bus tí v ei s e as pro teí nas .

* Presidente da DATAGRO e representante da sociedade civil no CNPE, Conselho Nacional de Política Energética.

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O Bras i l é a m ai o r re ferên ci a m u n d i a l em b i ocom b u s t í v e is e te m s i d o re con h eci d o p el a Ag ên ci a In te r n aci on al d e Ene rgi a e p el a Ag ên ci a In te r n aci on al d e Ene rgi a R en ováv e l pel o p ot en ci al q u e te m p ara con t i n ua r ex pan d i n d o es s e pro t agon i s m o, co m su st en t ab i l i d ad e, efi ci ên ci a e b ai x o i m pact o am b i en t a l. Seg un d o essas ag ê n ci as , at é 203 0 a pro p orção d a bi o e n ergi a n a dem an d a m u n d i a l d e en ergi a p reci sa du pl i car e a pro p orção d os bi o c om b u st í vei s su st en t áv ei s p rec is a tri pli car, p ara q ue s e al can ce o ob j et i v o de l i m i t ar o aqu eci m en t o gl oba l a 2 grau s Cel si u s até 2050. O Pl an o Naci on al do s Bi o com b u st í vei s , Re n ovaB i o, j u n t o co m o R ot a2030, o

p ro g r a ma d e a u me n to d e e f ic iê n c ia e n e r g é t i ca e a mb ie n ta l d o s v e íc u lo s , d e v e m imp u ls io n a r u m s eto r q u e c o mp le me n ta , de f o r ma c a d a v e z mai s e s tr a té g ic a , o s d e r iv a d o s d e p e tró le o e a g e r a ç ão d e e n e r g ia e lé tr ic a . E m 2 0 2 8 , e s tima - s e q u e o e ta n o l e s te j a s u b s titu in d o 5 4 ,7 % d o c o n s u mo d e g a s o lin a , c o m e n e r g ia líq u id a d e a lta d e n s id a d e e n e r g é tic a e mu ito b a ix o imp a c to a mb ie n ta l. E n q u a n to mu ito s p a ís e s lu ta m p a r a e n c o n tr a r s o lu ç õ es , p o r v e z e s c o m b a ixa e f ic iê n c ia , e re s u lta d o s a mb ie n ta is , p a r a a tin g ir s e u s c o mp ro mis s o s n o A c o rd o d o C lima , e e m a lg u n s c a s o s gerando in s ta b ilid a d e s o c i al c o mo a d e mo n s tr ada p e la g re v e d o s “ c o le te s a ma re lo s ” n a F r a n ç a , o Br a s i l

po de m o s trar ao m undo que es tá pro nto para co nti nuar av ançando naqui l o que f az de m el ho r. O m ei o am bi ente, o des env o l v i m ento eco nô m i co des central i zado pel o i nteri o r do P aí s e a arrecadação de tri buto s co m pro dução e co ns um o l o cal ag radecem . Pre side nt e da DATAG R O e re pre se nt a nt e da soc ie da de c iv il no CNPE, Conse lho Na c iona l de Polít ic a Ene r gé t ic a

PLANT PROJECT Nº12

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Porque, para alimentar o mundo, o planeta não precisa passar fome.

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