Para quem pensa, decide e vive o agribusiness
A HORA DE PLANTAR CONECTIVIDADE Grandes teles e fabricantes de máquinas agrícolas se unem para levar a internet ao campo e colher negócios na agricultura digital GEOPOLÍTICA DO AGRO O QUE O BRASIL PRECISA PARA GANHAR FORÇA NO MERCADO GLOBAL DE ALIMENTOS
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Como toda palavra composta, agronegócio é a soma de dois conceitos. É
O AGRO E O NEGÓCIO
através dela que passamos a expressar o sentido econômico da agropecuária. O termo nos transportou das culturas de subsistência para os ambientes de mercado – e isso fez toda a diferença. A busca pelo lucro vindo da terra impulsionou, para o bem e para o mal, a corrida pela produtividade,
Para quem pensa, decide e vive o agribusiness
pela eficiência. Foi possível fazer os alimentos chegarem a mais pessoas, A HORA DE PLANTAR CONECTIVIDADE Grandes teles e fabricantes de máquinas agrícolas se unem para levar a internet ao campo e colher negócios na agricultura digital GEOPOLÍTICA DO AGRO O QUE O BRASIL PRECISA PARA GANHAR FORÇA NO MERCADO GLOBAL DE ALIMENTOS
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por preços mais acessíveis. O negócio cobrou seu preço por isso. Para crescer, o agro precisou de mais terras, mais químicos, mais máquinas. Riqueza e conflito, alimento e ambiente. A balança pende ora para um lado, ora para o outro. Olhar o agro com desprezo ao negócio é retroceder a tempos de pestes e fomes. Mirar só o negócio, desconsiderando o propósito original do agro – alimentar e vestir a humanidade –, comprometerá o futuro. No fim das contas, no entanto, o mercado exige e a balança tende ao equilíbrio. É o que o mercado global cobra do Brasil para manter portas abertas (e abrir outras tantas) aos nossos produtos agropecuários. Sabem que temos escala e capacidade técnica. Mas esperam que estejamos atentos e alinhados a questões que vão além do agro. Só assim haverá negócio. Nos últimos tempos, muito se fala em nome do agronegócio brasileiro. Defende-se interesses de pequenos grupos como sendo de uma maioria que se preocupa em plantar, colher e criar animais de forma consciente e dentro das leis. É preciso deixar claro quem é quem. O agronegócio moderno não precisa de mais armas e de menos leis. Não quer menos florestas ou mais privilégios. Quer ser valorizado por preservar como não se faz em nenhum outro país do mundo. Quer encarar o mercado de frente e deixar claro que faz a sua parte. Luiz Fernando Sá Diretor Editorial
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D i r etor E ditoria l Luiz Fernando Sá luiz.sa@plantproject.com.br D i r etor Comerc ia l Renato Leite Marketing e Publicidade Multiplataforma renato.leite @plantproject.com.br D i r etor Luiz Felipe Nastari A rt e Andrea Vianna Projeto Gráfico e Direção de Arte E d i tor Romualdo Venâncio romualdo.venancio@plantproject.com.br R e p órt er André Sollitto andre.sollitto@startagro.agr.br Col ab o ra dores: Texto: Amauri Segalla Fotografia: Valter Natalio Produção: Daniele Faria, Rafael Lescher Revisão: Rosi Melo Ev e n to s Simone Cernauski A d m i n i st ração e Fina nç as Cláudia Nastari Sérgio Nunes
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O uivo dos lobos na Alemanha:
GLOBAL
O lado cosmopolita do agro
foto: Shutterstock
Protegidas por lei, as alcateias se multiplicam e viram um problema para os pecuaristas no paĂs
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GLOBAL
O lado cosmopolita do agro
ALEMANHA
A VOLTA DOS LOBOS Questões ambientais envolvendo a criação de gado e a biodiversidade pareciam temas hoje restritos a países em desenvolvimento, aqueles em que ainda há florestas de pé e animais selvagens convivendo, nem sempre em harmonia, com rebanhos. Não é raro ver ambientalistas europeus apontando o dedo para produtores brasileiros, por exemplo, acusando-os de exterminar predadores de bovinos em suas propriedades. Nos últimos meses, porém, os alemães trouxeram o debate de volta. Isso porque, em função da legislação de proteção ambiental, a população de lobos voltou a crescer em várias regiões do Velho Continente – e, com ela, os episódios de reses abatidas por matilhas. Assim, o que seria uma boa notícia – o ressurgimento de espécies consideradas em extinção – rapidamente transformou10
se em uma polêmica: como e quem deve lidar com a questão. No estado de Brandemburgo – na região Nordeste da Alemanha, fronteira com a Polônia –, que concentra o maior número de ocorrências, os fazendeiros se organizaram para requerer o direito de matar os predadores. Isso exigiria uma mudança nas rigorosas leis de proteção aos lobos. Atirar deliberadamente em um desses animais é considerado uma ofensa criminal em praticamente toda a Europa. Na Alemanha, pode resultar em penas que vão de multas a até cinco anos de prisão. Em Brandemburgo, particularmente, o clima é de consternação entre os criadores, sobretudo de ovelhas e cabras, vítimas dos lobos em mais de 80% dos casos registrados pelas agências ambientais alemãs. Este ano, apenas nos quatro primeiros meses, elas notificaram a
foto: Shutterstock foto: Shutterstock
presença de 59 matilhas no país, 17 delas em Brandemburgo. Em 2007, essa estatística havia zerado. “Estamos vendo um significativo aumento no número de ataques por lobos na região”, afirmou ao site Euronews o fazendeiro Elard von Gottberg. “Apenas este ano tivemos duas vacas mortas. No ano passado, foram 12. Exigimos poder fazer a chamada caça protetiva. Ou seja, se há perigo para vidas humanas ou para o rebanho, somos a favor de nos defendermos e aos nossos animais.” Os ambientalistas, por sua vez, aconselham os criadores a tomar outras medidas preventivas, como levantar cercas. Os pecuaristas dizem que elas não detêm um animal faminto. Em Brandemburgo, eles têm o apoio de uma maioria política favorável a permitir que se possa abater lobos que representem risco a uma vida humana ou animal. Não existe consenso, porém, sobre quem estaria autorizado a fazê-lo. Grupos mais conservadores defendem que esse direito seja dado a qualquer cidadão. O Ministério da Agricultura, chefiado pelo Partido Socialista, determinou, no fim de maio passado, que apenas pessoas autorizadas por autoridades ambientais poderiam agir nesses casos. Essa também era a posição
do influente Partido Verde, que destaca o papel dos lobos para o equilíbrio ambiental na região. “Nosso ecossistema foi desenhado com a presença de um grande predador”, afirma o deputado verde Benjamin Raschke. “A cada ano os caçadores abatem 90 mil javalis e 60 mil veados em Brandemburgo e mesmo assim
a população desses animais continua crescendo. Isso significa que somente a caça não é suficiente para mantê-los sob controle.” Imke Heyter, diretora do parque de vida selvagem Wildpark Schorfheide, é outra que sai em defesa dos lobos: “Hoje eles têm mais medo dos humanos do que nós temos deles”. PLANT PROJECT Nº15
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G ESCÓCIA
SALMÃO NA MIRA As águas frias dos lagos escoceses fizeram da região um ambiente propício para a criação de salmão em cativeiro. Algumas das maiores fazendas de produção do pescado estão na Escócia e o produto da região era exportado para vários países da Europa. Nas últimas semanas, porém, o vento mudou por lá. Autoridades do país iniciaram uma investigação sobre o uso excessivo de medicamentos para combater infestações nos tanques de produção de várias empresas locais, entre elas a norueguesa Mowi, a maior do mundo, que produz mais de 60 mil toneladas por ano apenas no norte do Reino Unido. As empresas dizem usar os produtos químicos apenas em quantidades recomendadas, mas o governo da Escócia afirma que elas são responsáveis por episódios de contaminação nas águas dos lagos. Com o impasse instalado, as encomendas caíram.
ÁUSTRIA
NÃO BEIJE AS VACAS
Pode parecer absurdo, mas foi esse o apelo que o governo da Áustria teve de fazer publicamente no final de maio. Foi uma reação oficial a um desafio lançado por um aplicativo suíço, o Castl, nas redes sociais, que desencadeou uma onda, no mínimo, 12
inusitada. O “KuhKussChallenge” (ou o Desafio Beije a Vaca, em tradução livre do alemão) encorajava os internautas a registrarem cenas dessa demonstração de carinho com os bovinos. E ainda brincava: “Com língua ou não”. A provocação visaria a coleta de fundos para caridade, embora não deixasse claro como ela seria feita, e foi aceita por milhares de pessoas em vários países de língua germânica. Na Áustria, onde a imagem de animais pastando livres nos campos alpinos é quase um cartão-postal oficial, a repercussão foi maior. A ministra da agricultura, Elisabeth Köstinger, advertiu: “Pastagens e currais não são zoológicos. Ações como essa podem ter sérias consequências”. O país já estava envolto em um debate sobre excessos dos turistas na invasão de propriedades, gerando incidentes com feridos e até uma morte devido às reações dos animais.
G J O R DÂ N I A
ESPUMA FÉRTIL Colchões usados e contaminados com urina eram um grave problema ambiental no campo de refugiados de Zaatari, na Jordânia. Hoje, são uma esperança para a produção de alimentos para os milhares de pessoas que ali vivem e outros milhões mundo afora. Graças a um estudo desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Sheffield, na Inglaterra, a espuma retirada deles é base para um projeto de produção de vegetais. Usando um sistema de irrigação com água e nutrientes, eles transformaram o material
em um substituto para o solo e permitiram a criação de hortas em um terreno desértico. A pesquisa com espumas continuou na Inglaterra e resultou no desenvolvimento de um poliuretano específico para ser usado no plantio. Em uma fazenda indoor em Sheffield, os pesquisadores conseguiram fazer com que
as plantas crescessem de duas a dez vezes mais rápido que em solo comum. “O mundo está diante de uma crise de fertilidade do solo. Se vamos enfrentá-la, precisamos fazer algo radicalmente diferente”, afirmou o professor Duncan Cameron, diretor do Instituto para Alimentação Sustentável da universidade.
E S TA D O S U N I D O S
Antes do leite derramado
Obrigatórias e necessárias, as datas de validade nas embalagens dos alimentos podem ser também um convite ao desperdício. Muitos consumidores jogam fora restos de produtos quando se aproxima o vencimento, sem saber ao certo se eles não teriam uma vida saudável um pouco mais longa. Inconformados com essas possíveis
perdas, cientistas do Programa de Melhoria de Qualidade do Leite na Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, decidiram usar tecnologia para desafiar os frios números impressos nos rótulos. Desenvolveram sensores capazes de monitorar toda a trajetória do alimento a partir do envase, desde as condições e temperatura de seu transporte à forma como foi armazenado na casa do consumidor. Um QR Code impresso na embalagem permite que qualquer pessoa, com um celular, obtenha uma indicação mais precisa sobre a data de validade. PLANT PROJECT Nº15
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G FRANÇA
Uma luz para Notre-Dame Das cinzas da Catedral de NotreDame poderia surgir um bosque suspenso e uma área com uma horta capaz de produzir alimentos para a população carente local? Na visão do premiado escritório de arquitetura francês Vincent Callebaut, essa poderia ser a nova missão da histórica igreja parisiense, com mais de 850 anos, parcialmente destruída por um incêndio no dia 15 de abril passado. Semanas depois do incidente, o primeiro-ministro francês, Édouard Philippe, anunciou a abertura de um concurso internacional para recolher ideias para a reconstrução do templo gótico. A firma local logo tornou pública sua proposta futurística, que sugere a troca do escuro telhado por uma versão envidraçada e iluminada. Batizado de “Palingenesis”, termo grego que resume o conceito de renascimento, o projeto prevê a reconstrução da cúpula destruída com materiais leves, como fibra de carbono e carvalho. A estrutura funcionaria como uma enorme estufa, onde haveria espaços para caminhadas entre árvores e uma horta para frutas e verduras cultivadas por voluntários e capaz de produzir, segundo a Vincent Callebaut, até 21 toneladas de alimentos por ano. O telhado da Notre-Dame produziria, também, energia – solar, é claro, através de uma película fotovoltaica aplicada nos vidros. Um sistema de abertura das placas envidraçadas permitiria a ventilação natural, quando necessária, ou a retenção do calor, quando for preciso. A iluminação vazaria do telhado até o coro da catedral, tirando Notre-Dame da era da escuridão para um futuro de luz, com direito a uma inesquecível vista de Paris. 14
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G MARROCOS
CONFRONTO NO DESERTO De um lado, uma cultura milenar. De outro, a moderna agricultura, capaz de fazer brotar soja e milho em condições semidesérticas. Com a água cada vez mais escassa, a tensão se agrava entre os pastores nômades e produtores de grãos no sul do Marrocos, principal região agrícola africana, mais fértil que as áridas terras do norte. Acostumados a vagar pelo deserto em busca de alimento e água para seus rebanhos de ovinos, os povos nômades enfrentam agora o direito de
propriedade dos agricultores. Chegam em maior quantidade e, não raramente, entram em confronto com a população local. Os conflitos ganharam as redes sociais, em que circulam vídeos com imagens de ataques de grupos armados com espadas e porretes contra pessoas e plantações, e preocupam o governo do rei
Maomé VI. Recentemente, ele tentou apaziguar os ânimos editando uma lei que regulava a atividade dos povos nômades e o uso racional dos recursos naturais. A medida não agradou a nenhum dos lados. “Nós nos recusamos a viver confinados em uma jaula”, declarou o líder de uma das tribos nômades.
I N G L AT E R R A
O BACON DE LABORATÓRIO
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Na terra da rainha, o bacon ocupa o trono de ingrediente fundamental, sobretudo no café da manhã. Aqui na PLANT (edição #04) você conheceu até mesmo um dos fornecedores oficiais da iguaria para a família real britânica, Illtud Dunsford, um suinocultor adepto, como manda o protocolo, da tradição na criação dos seus animais. Recentemente, porém, o rapaz – e institutos de pesquisa britânicos – quebrou esse protocolo. Ele é um dos produtores envolvidos nas pesquisas em conjunto com a Universidade de Bath, uma das mais prestigiadas da Inglaterra, para o desenvolvimento de carnes (e bacon) em laboratório. A técnica utilizada por eles é a de culturas a partir de células retiradas do sangue dos animais. Embora as pesquisas avancem rápido e já tenham obtido sucesso em testes, ainda não há prazo para a produção em escala comercial.
O presidente dos EUA, Donald Trump, com o líder chinês Xi Jinping: Nem tudo são flores na geopolítica do agro – e o Brasil tem de saber como tirar proveito da situação
Ag AGRIBUSINESS
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Empresas e líderes que fazem diferença
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Ag Empresas e lĂderes que fazem diferença
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O BRASIL NO XADREZ GLOBAL DO ALIMENTO O que o País deve fazer para conquistar espaço no mercado internacional de produtos agrícolas
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O Ag Diplomacia
xadrez do comércio internacional é um jogo de movimentos cada vez mais imprevisíveis. Líderes personalistas ignoram o fair play e movem suas peças desconsiderando, muitas vezes, as regras que historicamente eram aplicadas no tabuleiro da diplomacia global. E quem depende desses lances para tomar suas decisões corre o risco de ser descartado, reduzido ao papel de mero peão em um embate dominado por uma poderosa minoria. Seria essa, hoje, a posição brasileira no cenário mundial das transações comerciais? Enquanto Estados Unidos e China medem forças, a União Europeia tenta evitar um fracionamento e outros blocos e países tentam costurar ambiciosos acordos bilaterais, o Brasil, sob nova gestão, parece ainda não saber de que forma moverá suas próprias peças. Sobretudo aquela que impõe mais respeito aos demais competidores: a produção de alimentos. Na geopolítica do agronegócio, o País é uma potência incontestável, mas que ainda hesita em exibir seus trunfos e, assim, impor-se como um protagonista. Há, no entanto, sinais de mudança de estratégia no horizonte. Se ainda não está no centro de um projeto nacional de desenvolvimento, o agronegócio começa a ganhar corpo na nossa estrutura diplomática e, com isso, relevância nas negociações com eventuais parceiros internacionais. Nas últimas semanas, representantes do setor, liderados pela ministra Tereza Cristina, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, estiveram em missão pela Ásia e voltaram confiantes de que o continente que nos reserva as maiores oportunidades está ávido por nos conhecer melhor e, então, fazer mais negócios conosco. Antes disso, porém, o Brasil precisa fazer sua lição de casa. Nesse mesmo período, PLANT convidou quatro especialistas na área para escrever sobre suas percepções sobre os movimentos que o País precisa fazer para se fortalecer na geopolítica do alimento. Suas visões você confere a seguir.
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A GEOPOLÍTICA DO AGRO Avaliar os desafios e oportunidades do agro nacional sob a perspectiva da política internacional é essencial para o Brasil P or O dilson L uiz R ibeiro e S ilva *
ser visto de forma estratégica na geopolítica mundial. O gráfico abaixo mostra a participação no mercado internacional agrícola dos cinco mais importantes atores globais do setor (UE, EUA, Brasil, China e Canadá), somando, em 2017, 43,7% do total. Desses, o Brasil detém historicamente o maior superávit no segmento, já que importa muito menos produtos agropecuários do que os outros quatro países citados. A importação de produtos do agro é também fator decisivo em negociações internacionais,
* Auditor fiscal federal agropecuário, aposentado, ex-secretário de Relações Internacionais do Agronegócio – SRI/Mapa e primeiro adido agrícola em
Bruxelas
IMPORTAÇÕES AGRÍCOLAS MUNDIAIS 2017 1,3
16% 13,4%
14%
12,9%
12%
1,2
10% 8% 6,8% 6%
6,3%
1,1
US$ trilhões
O comércio mundial de produtos agropecuários representa cerca de US$ 1,2 trilhão por ano. Sua importância, no entanto, não pode ser medida em divisas, mas em relação à multifuncionalidade do setor. Trata-se de um conceito desenvolvido pelos europeus para justificar o apoio da sociedade local aos recursos aplicados, muitas vezes a fundo perdido ou não reembolsáveis, na política agrícola comum do bloco. O setor do agro, para países que têm condições competitivas de produção, interage com diversas áreas, desde a saúde, infraestrutura e energia, tradição e cultura, e meio ambiente, além de poder afetar a segurança das nações. Por causa dessa complexidade e interação com tantos setores importantes, o agro é sempre o desafio central na negociação internacional, seja em âmbito bilateral, regional ou multilateral. Certamente, esse foi o setor mais sensível durante as intensas negociações entre o Mercosul e a União Europeia no ano passado. Para o Brasil, cujo agronegócio representa cerca de 23% do PIB e a maioria das exportações, o agro é política de Estado e deveria
4,3%
4% 2% 0%
1,0 2013
2014
Importações Mundiais
2015
2016 UE
2017
Estados Unidos
2018 Brasil
2019
2020 China
Canadá
PLANT PROJECT Nº15
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Ag Diplomacia já que exerce influência na geopolítica mundial. A China, por exemplo, costuma divulgar aberturas comerciais, inclusive no setor do agro, por ocasião de visitas internacionais de alto nível. Em novembro de 2018, durante a China International Import Expo (Ciie), em Xangai, ocorreu a maior feira de importação com o objetivo de mostrar a abertura comercial do país para o mundo. Assim, a China consolida sua estratégia de ser um ator cada vez mais importante na geopolítica global. Os cinco principais atores globais do agro adotam políticas específicas de governo em suas ações internacionais. Valorizam, por exemplo, eventuais aberturas de seu mercado a outros parceiros, monitoram continuamente as importações e notificam as não conformidades correspondentes, atuam ativamente em órgãos multilaterais como OMC e organismos internacionais de referência (Codex Alimentarius, Organização Mundial de Saúde Animal – OIE e Convenção Internacional para a Proteção dos Vegetais – CIPV) para temas SPS (sanitários e fitossanitários), como também naqueles relativos a propriedade intelectual, a obstáculos técnicos ao comércio, a agricultura, entre outros. No entanto, não basta atuar efetivamente junto a essas instâncias. É preciso entender a interação entre suas atividades e as políticas internas de fomento e valorização dos produtos agropecuários nacionais, para fortalecer a posição do País nas negociações internacionais. Contar com quadro estável de 22
especialistas em negociações agrícolas internacionais, como é o caso dos adidos agrícolas, é fundamental para o sucesso das iniciativas de valorização das políticas que visam maior inserção do agro nacional no comércio mundial. No Brasil, falta ainda reconhecer o poder geopolítico do agro no mercado internacional, não somente para aumentar os cerca de 7% que temos no comércio global do setor, mas para evitar futuras crises. Exemplo desse fato seria a avaliação de políticas públicas a serem implementadas com o setor privado para evitar impactos na nossa exportação de soja e seus produtos, tendo em vista a ocorrência da peste suína africana na China. O sacrifício de cerca de 130 milhões de suínos naquele país poderá afetar a aquisição de mais de 40 milhões de toneladas de grãos anualmente, principalmente a soja. Alternativas para usos, no Brasil, da soja e seus produtos como na indústria química, na de alimentação animal ou na de biocombustíveis, por exemplo, poderiam ser estimuladas para minimizar efeitos negativos relacionados à futura demanda do produto no mercado internacional. Outro exemplo poderia ser na área de tecnologia e logística. Para maior conexão com o setor de desenvolvimento de veículos não tripulados em estradas inteligentes, setor de grande potencial no futuro, o Brasil poderia implantar projeto-piloto para o transporte de cargas nesse tipo de veículos. Além de apoiar
a pesquisa e o desenvolvimento nos setores de tecnologia da informação e outras engenharias, poderiam ser minimizadas, no futuro, dificuldades enfrentadas durante períodos de eventuais greves de transporte no País, abrindo um círculo virtuoso de atuação de diversas empresas e segmentos comerciais na atividade. Exemplo, também exitoso, ocorrido por ocasião do lançamento do Edital 64/2008, do CNPq, para apoio tecnológico às áreas de interesse da defesa agropecuária brasileira, poderia ser reproduzido, suprindo carências de tecnologia em área estratégica e estimulando a interação da academia para assegurar a qualidade do complexo agroalimentar do País, amparar certificações e minimizar riscos sanitários ou fitossanitários quanto às importações brasileiras. A maior inserção do agro brasileiro no comércio internacional não é tarefa fácil e necessita de estratégia integrada, como foi proposto pela Resolução Camex 104, de 20 de dezembro de 2018. Avaliar os desafios e oportunidades do agro nacional sob perspectiva de geopolítica mundial é essencial para um país como o Brasil, que pretende valorizar seus produtos agropecuários exportados e aumentar sua parcela de atuação no mercado mundial. O resultado de políticas exitosas relacionadas ao setor mais dinâmico da economia nacional também reforçaria a importância do Brasil nas relações internacionais e a posição do País em decisões estratégicas globais.
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A DISRUPÇÃO CHINESA E AS CARNES DO BRASIL Pressão externa pode influenciar as vendas no Brasil. Fica o alerta para os apreciadores de carne suína: congelem o pernil da ceia de Natal P or R icardo S antin *
O tabuleiro do mercado internacional de proteína animal ganhou um fator inesperado em 2018. Uma enfermidade grave e altamente contagiosa impactou rebanhos inteiros em polos tradicionais da produção de carne suína da China. É a denominada Peste Suína Africana (PSA), que se manifesta por sintomas hemorrágicos e é letal para os animais. O vírus se prolifera por diversas vias, de picadas de carrapatos à ingestão de ração contaminada, além do contato de animais saudáveis com outros, contaminados.
Os primeiros focos foram detectados na província de Liaoning, no nordeste chinês. Semana após semana, novos focos foram detectados. Inicialmente, apenas animais de criação de quintal foram infectados. Não demorou até atingir rebanhos comerciais. O problema alcançou a Província de Sichuan, a maior produtora de carne suína do país. A doença não morre com o animal. Por isso, todo o rebanho no foco registrado deve ser abatido e descartado. É o denominado abate sanitário.
A doença continua circulando no campo chinês, e as perdas são gravíssimas. Informações de consultorias internacionais – entre elas, o Rabobank – estimam perdas produtivas de até 35% no rebanho chinês. A dimensão disso? Basta lembrar que a produção chinesa é equivalente a quase metade da produção mundial (110 milhões de toneladas). Estamos falando, portanto, de uma lacuna de 16 milhões de toneladas de carne, em um universo de 54 milhões de toneladas produzidas na China. Considerando todo o trade PLANT PROJECT Nº15
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foto: Édi Pereira
Ag Diplomacia
internacional de carne suína, o volume exportado não alcança 9 milhões de toneladas. A produção brasileira, quarta maior do mundo, é de 3,7 milhões de toneladas – e exportamos em torno de 650 mil toneladas anuais (quase 50% é enviada para os portos chineses e de Hong Kong). Somos o quarto principal exportador. À nossa frente, a União Europeia embarca anualmente 2,8 milhões de toneladas, os Estados Unidos, 2,5 milhões, e o Canadá, 1,3 milhão. O volume total exportado por esses três países não supre sequer 70% da lacuna chinesa – isso, considerando que exportassem estritamente para lá. Não há carne suína no mundo suficiente para cobrir os estragos causados pela PSA. E as perspectivas não são otimistas para a oferta de produtos no mercado chinês. Rebanhos comerciais são abatidos antecipadamente. Produtores de regiões em risco estão abatendo suas matrizes, transformando em carne, antes que a enfermidade alcance seu rebanho, o que projeta a crise no futuro. A elevação das importações chinesas é inevitável, mas diante da ausência de carne suína, outras proteínas também serão demandadas. É o caso da carne de frango. Em fevereiro, a China assumiu a liderança no quadro mensal das exportações de carne de frango do Brasil. Nos contêineres seguem cargas com pés, asas e 24
outros produtos. Até mesmo o peito, que até então não constava entre os produtos embarcados para o mercado chinês, agora está entre os pedidos de cotação dos importadores. Em nossa associação recebemos diariamente incontáveis solicitações de listas de empresas que forneçam esses produtos, que raramente estão disponíveis para compra de curto prazo. As vendas brasileiras de aves e de suínos para a China tiveram aumentos significativos em 2018. Os embarques de carne de frango cresceram 12%. No caso da carne suína, a elevação foi ainda maior: 216%. Agora, além da PSA, o mercado asiático enfrenta outro problema: focos de Influenza Aviária foram registrados na China e em outros países. Apesar de ser um problema cíclico, as ocorrências sanitárias podem impactar moderadamente a oferta de carne de frango chinesa. A pressão da demanda sobre o valor dos produtos já é notável. Historicamente, a China era um mercado de preços menores que os praticados nas exportações para a Rússia – embora os produtos sejam similares. O quadro mudou e, hoje, a remuneração das vendas de alguns cortes ao mercado chinês é bastante superior. Mesmo os abates antecipados de animais não foram suficientes para diminuir a pressão sobre os preços. A perspectiva de vendas para
*Diretor executivo da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) e vice-presidente do Conselho Mundial da Avicultura (IPC, sigla em inglês)
a China é positiva para todo o mercado internacional, mas é especialmente valiosa para o Brasil. O País tem um status sanitário invejável: é livre de Influenza Aviária, Peste Suína Africana e outras enfermidades – uma importante vantagem competitiva. Exatamente por isso, a missão para a Ásia realizada pelo Ministério da Agricultura, liderada pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina, ocorre em um momento especialmente oportuno. A necessidade chinesa de carne suína e proteínas substitutas gerarão uma ruptura nos fluxos tradicionais de comércio de carnes. Os volumes de compra indicados pelas consultorias internacionais acenam não apenas para a demanda, mas também para uma boa rentabilidade para o setor produtivo. A pressão externa também pode influenciar as vendas no Brasil. Fica o alerta para os apreciadores de carne suína: congelem o pernil da ceia de Natal.
foto: Rogério Albuquerque
A POLÍTICA DA COMIDA E O AGRONEGÓCIO BRASILEIRO Recente missão à Ásia, liderada pela ministra Tereza Cristina, dá o tom do que será a diplomacia comercial para o campo brasileiro P or I biapaba N etto *
* Ibiapaba Netto é diretor executivo da CitrusBR (Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos)
Uma frase muito conhecida no mundo corporativo prega que “quem não se senta à mesa corre o risco de ir parar no prato”. Em tempos em que Estados Unidos e China travam suas guerras particulares, sobra para o Brasil a oportunidade de tentar fazer parte do banquete, em vez de estar listado no menu. O caminho para isso não será fácil, exigirá foco do governo, apoio do setor privado e, acima de tudo, uma estratégia bem clara sobre onde se quer chegar e como. O mês de maio passado foi recheado de boas notícias para quem acompanha os movimentos do governo brasileiro na cena internacional. Para começar, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, realizou missão oficial à Ásia. Dias depois, foi a vez
do vice-presidente Hamilton Mourão visitar a Ásia. Como representante da Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR), entidade da agroindústria produtora e exportadora de suco de laranja, participei dos trechos de Japão e China da missão do Ministério da Agricultura. A pauta levada pelo governo foi bastante diversificada do ponto de vista de produtos e procurou uma abordagem estratégica na construção de alianças locais, quando possível. Começando pelo Japão, boa parte da missão se concentrou em levar a empresários locais uma mensagem de reconstrução das relações. Durante as décadas de 1970 e 1980 o Japão foi um importante parceiro estratégico do Brasil e PLANT PROJECT Nº15
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foto: Rogério Albuquerque
O vice-presidente Hamilton Mourão em visita à China: o maior cliente precisa receber atenção especial
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financiou projetos como Cenibra e Carajás. Os anos se passaram, os governos se distanciaram e as relações esfriaram. Em 2005, o Japão assinou um acordo bilateral com o México, que passou a perna no Brasil como principal parceiro comercial na América Latina. A boa notícia é que o Keidanren, espécie de CNI japonesa, é bastante simpático à ideia do lançamento de acordo comercial Japão-Mercosul. O assunto foi claramente abordado pelo embaixador Eduardo Saboia em reunião no próprio Keidanren, com a presença da ministra e de parlamentares. A presença de membros do Congresso foi outro ponto interessante da missão. Incialmente, para quem nunca acompanhou esse tipo de evento, o primeiro impulso é pensar que se trata de um grande passeio às custas do dinheiro público. Ocorre que para investidores estrangeiros é importante ouvir de representantes do Parlamento o compromisso
com as reformas estruturantes. Em todos os encontros entre governo brasileiro e empresários, o deputado Alceu Moreira, presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, fez questão de mostrar os músculos ao afirmar que o grupo representa 300 de 512 congressistas. A apresentação de credenciais, somada ao discurso reformista, causou boa impressão e sorrisos nos encontros. Após deixar o Japão com uma sensação de que antigas relações podem ser retomadas, a delegação seguiu para a China, com uma primeira parada em Xangai, a pérola do Oriente. A cidade é porta de entrada para boa parte dos produtos que chegam e saem da China. É uma pequena mostra do poder de mercado daquele país. Na pauta, mais encontro com investidores, enquanto os setores presentes aproveitavam os poucos momentos livres para fazer contatos locais. Depois, partimos para a capital a fim de acompanhar importantes discussões entre Pequim e Brasília. O Ministério da Agricultura tem tido um papel importante nas relações Brasil-China, uma parceria com valor anual de US$ 52 bilhões, mais que o dobro dos US$ 24 bilhões com os Estados Unidos, segundo maior parceiro comercial brasileiro. Tem ficado a cargo da ministra Tereza Cristina e sua equipe o trabalho de levar à diplomacia brasileira a possibilidade de bônus de uma relação mais estruturada com
Diplomacia
os chineses, bem como o ônus de um eventual distanciamento entre os países. Muitos analistas dizem que Brasil e China estão fadados a fazer negócio. Pelo lado asiático, as cerca de 1,3 bilhão de bocas criam uma demanda sem precedentes. A China é o maior produtor do mundo de frutas, de citrus, de carne de porco, entre outros produtos. E nem chega a atender à sua própria demanda. Para membros do governo chinês, o discurso é de que o Brasil é e será o principal fornecedor de alimentos. Ouvi pessoalmente do ex-embaixador da China no Brasil, Li Jinzhang, em encontro no ano passado, que não há problema nenhum aquele país ter déficit nas relações comerciais com o Brasil, até porque eles possuem superávit com outras nações, entre elas os Estados Unidos. Contudo, os chineses são hábeis negociadores e, numa época em que o Brasil nem havia sido descoberto pelos portugueses, essa turma já negociava na Rota da Seda. A pauta bilateral do agronegócio é enorme: envolve habilitação de novos frigoríficos, que serão estratégicos para suprir uma demanda por carne que deve aumentar por causa dos efeitos da peste suína que se abateu sobre o país asiático. Há discussões em torno do acesso do açúcar, suco de laranja, lácteos, frutas, café e segue o jogo. Contudo, embora a China seja não só o principal parceiro, mas provavelmente o maior
potencial de crescimento para os próximos anos, há outras peças nesse imenso tabuleiro planetário. Mercosul e Coreia do Sul avançam nas discussões de um acordo de livre-comércio, o que poderá dar aos produtos nacionais acesso ou facilitação comercial a um mercado de 53 milhões de almas com um incrível poder aquisitivo impulsionado por uma indústria de tecnologia que assiste de camarote à guerra comercial entre Estados Unidos e China e que vitimizou a chinesa Huawei, gigante da área de telecomunicações. Há também acordo lançado e com avanços entre Mercosul e Canadá, um dos países mais “amigáveis” em se tratando de comércio e com um poder aquisitivo de tirar o fôlego. Mas o que todos esperam é a assinatura do acordo MercosulUnião Europeia, uma novela que se arrasta por quase duas décadas. Recentemente, em reunião com diplomatas, ouvi da alta cúpula do Itamaraty que o Brasil está disposto a ceder em pontos importantes para fechar o acordo. Entre eles, algumas indicações geográficas, o que pode ter impacto sobre alguns setores porque impede que produtos sejam comercializados internacionalmente utilizando nomenclaturas atribuídas a lugares como “Parma”, “Champagne”, entre outros. Também estão pendentes limites para cotas de carnes, até então
Ag
consideradas insuficientes, bem como a não tarifação do açúcar dentro das cotas estabelecidas, afinal, a cota já é uma restrição ao livre-comércio em si. Sairiam beneficiados do acordo suco de laranja e frutas, que alcançariam no médio e longo prazos benefícios já concedidos a outros concorrentes como o México, que tem feito um ótimo trabalho em se tratando de acordos comerciais com parceiros importantes, entre outros. Nos últimos 20 anos, o Brasil pouco se movimentou em relação a parcerias com países ricos. Enquanto o Mercosul empacava na apatia de governos pouco afeitos a negócios com o Hemisfério Norte, o Chile fechou nada menos do que 26 acordos comerciais e faz negócio com todo mundo que é importante e paga bem. Mas mesmo com essa nova disposição liberal em vender para o mundo, o Brasil tem alguns desafios pela frente. Nosso liberalismo é muito mais latente na venda do que na compra. Enquanto nossa agropecuária é extremamente ofensiva, nosso País ainda carrega a cultura de produzir de tudo: de guarda-chuvas a aviões. Nossa indústria é extremamente diversificada por um lado e pouco competitiva por outro. Vender mais significa comprar mais e há setores que, infelizmente, são casados com o atraso. Se esse casamento vai durar ou se o divórcio acontecerá em nome do futuro quem viver verá. PLANT PROJECT Nº15
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Ag Diplomacia
CHINA: CASAMENTO, NAMORO OU AMIZADE? Temos muito a aprender para concretizar uma aliança comercial e então vender nossa carne à China, o casamento dos nossos sonhos P or C aio P enido *
Estive em visita recente organizada pelo Imac (Instituto Mato-Grossense da Carne) a Xangai, acompanhando parte da agenda da delegação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), liderada pela ministra Tereza Cristina. Com um grupo de pecuaristas, representantes das indústrias frigoríficas de bovinos e suínos, do governo de Mato Grosso e da indústria de insumos, tive a oportunidade de me reunir com grandes importadores asiáticos e comprovar o que já imaginava: o grande interesse de traders e importadores pela nossa proteína animal. Mas temos muito a aprender para concretizar essa aliança comercial, o casamento dos nossos sonhos. Aparentemente é a parceria perfeita. De um lado, a China, maior mercado consumidor de 28
alimentos do mundo, com um consumo de proteína bovina anual de aproximadamente 10 milhões de toneladas. De outro, o Mato Grosso, um grande produtor, com rebanho maior que o da Austrália e com possibilidade de melhorar seu desfrute e de expandir sua produção sobre áreas com baixa produtividade. Produzir mais de forma sustentável, atender às demandas asiáticas, gerar mais riquezas, atender às metas do “Acordo de Paris”, enfim... Parece que encontramos alguém para casar! Além do que já sabíamos, que o consumo chinês de carne bovina tende a aumentar de 3% a 4% ao ano, existem dois motivos que indicam uma demanda ainda maior por alimentos: a peste suína, que está dizimando boa parte da sua principal fonte de proteína animal, e uma queda na produção
interna de bovinos, que hoje é de aproximadamente 6,7 milhões de toneladas e será reduzida para 5 milhões nos próximos anos – devido à baixa lucratividade e a problemas ambientais, como falta de espaço e água. Com uma plataforma de verificação de origem, fomento a pesquisas e ações estratégicas de marketing para promover e estimular o consumo da Carne de Mato Grosso, o Imac tem papel relevante para acelerar a abertura desse mercado. Precisamos ajudá-los a consumir mais carne bovina, uma vez que eles ainda não têm esse hábito devido ao fato de seu rebanho ser utilizado majoritariamente para tração animal. Nesse sentido, o Imac poderia produzir material publicitário em mandarim e em outras línguas para ensiná-los no preparo e consumo. Poderíamos
foto: Rogério Albuquerque
foto: Rogério Albuquerque
* Ativista agroambiental e empresário, Caio Penido é pecuarista no Mato Grosso, presidente do GTPS e trabalha na articulação da
contar nossos casos de sustentabilidade para agregarmos valor à nossa carne etc. Só que não! Nossa carne de no máximo 30 meses é majoritariamente importada para ser encaminhada a plantas de processamento, com menor valor agregado. Temos um desafio, para as próximas décadas, de mostrar que a Carne de Mato Grosso pode competir em pé de igualdade com a australiana e que podemos produzir do jeito que eles queiram. Nas tratativas, é nítida a apreensão da China por segurança alimentar e por carne bovina. Já o Brasil precisa de segurança comercial para dar um salto na produção pecuária. Mas todas as possíveis transações de nosso grupo em Shangai foram barradas pela falta de habilitação de frigoríficos no estado de Mato Grosso para exportação direta para a China (hoje existe apenas uma planta habilitada no estado). Quais seriam os entraves a esse noivado? No passado, a abertura do mercado chinês à soja estrangeira e a conquista do cerrado pelos pesquisadores brasileiros proporcionaram uma mudança de paradigma: o surgimento de uma agricultura moderna, com tecnologia e
investimentos. O que é preciso fazer para que o mesmo aconteça com a pecuária? Percebemos in loco que segurança alimentar para eles não quer dizer apenas o medo da falta de alimentos. Quer dizer também o medo de ficarem dependentes de um grande produtor de alimentos como o Brasil e suas grandes corporações. Isso se traduz na demora em habilitar novas indústrias frigoríficas. Também existe um medo protecionista de, ao habilitar novas plantas, estar desestruturando a produção interna de proteína animal. Mas, enquanto o Brasil engatinha, eles são comerciantes com uma experiência milenar e, mesmo à beira do caos, mantêm a calma nas mesas de negociações, esperando alguma contrapartida à habilitação de novas plantas. Existe uma desconfiança legítima em relação ao presidente Bolsonaro, uma vez que ele fez uma visita a Hong Kong em março de 2018 (encarada como provocação), fez declarações negativas à China e se aproximou excessivamente do presidente americano Donald Trump. Esse é o recado mais claro que trazemos de Xangai: Bolsonaro
“Liga do Araguaia”,
onde lidera projetos de pecuária sustentável:
Projeto Carbono Araguaia, Projeto Campos do Araguaia, Projeto Garantia Araguaia e parceria com a Embrapa Gado de Corte, entre outras atividades. É um dos protagonistas da segunda
temporada da série Top Farmers Nova Geração, da Plant
precisa fazer uma visita o mais rápido possível (o vice-presidente Mourão já está trabalhando para isso) e acenar positivamente ao noivado, para podermos sonhar com o casamento. A guerra comercial EUA x China pode ser benéfica para o Brasil, mas será necessária muita habilidade para transformarmos essa crise em oportunidade. Todo apoio à ministra em seu esforço para viabilizar esse casamento. Conte com a força do agro moderno de Mato Grosso para que nosso desenvolvimento seja pleno, para que possamos gerar mais renda e empregos, para que possamos intensificar as nossas áreas degradadas, produzindo mais alimentos em uma relação tranquila e com sabor de fruta mordida. PLANT PROJECT Nº15
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foto: Valter Natalio
Gallassini diante do monumento aos 79 fundadores da Coamo: “O cooperativismo é muito semelhante à empresa familiar. Depende de liderança” 30
Negócios
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QUEM VAI COMANDAR A COAMO? Depois de quase cinco décadas à frente da maior cooperativa da América Latina, José Aroldo Gallassini vai fazer um sucessor. Tudo deve mudar para continuar como sempre foi? Por Luiz Fernando Sá
"V
ai demorar um pouco, porque vou viver até 126 anos de idade...”. O homem normalmente sério cai na gargalhada – e até os assessores registram que esse é um momento pouco frequente. Seriam mais 49 safras de verão para José Aroldo Gallassini, agrônomo de 77 anos. Retrocedendo outras 49, até 9 de novembro de 1969, pode-se ter uma noção do que esse tempo pode representar para o agronegócio nacional. Naquela data, 79 agricultores se reuniram para fundar uma cooperativa na cidade de Campo Mourão, no centro-oeste do Paraná. Hoje, um monumento defronte a um edifício de nove andares lembra os nomes de todos os criadores de um colosso que fatura R$ 14,8 bilhões por ano. Gallassini não está entre eles, mas ninguém tem mais crédito por tornar a Coamo Agroindustrial Cooperativa na maior do seu ramo na América Latina. A proposta foi dele,
a condução foi dele, a liderança tem sido dele desde então – só não está na lista dos fundadores porque não era produtor, como era exigido para estar entre os associados. A brincadeira do presidente da Coamo dura pouco. Ele logo retoma o tom sisudo para falar de seu momento pessoal – e, portanto, do momento da Coamo. Gallassini está de saída. Já comunicou aos 28 mil cooperados – que plantam mais de 4 milhões de hectares em mais de 70 municípios de três estados (Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul) e colhem cerca de 3,2% de toda a produção nacional de grãos e fibras – e cerca de 8 mil funcionários. A decisão acionou um processo de sucessão que deve ter o mesmo perfil do homem a ser substituído e, por que não dizer, da própria Coamo, que ele forjou a sua semelhança: discreto, cuidadoso e conservador. A seleção do executivo que ocupará o PLANT PROJECT Nº15
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foto: divulgação
comando do dia a dia da cooperativa está em curso. A sucessão de um ícone como Gallassini desponta como um dos principais desafios que a Coamo enfrenta para o seu futuro próximo. Em uma entrevista concedida à PLANT em seu amplo gabinete no oitavo andar do prédio-sede da cooperativa, seu Aroldo, como é chamado por lá, encara essa e outras questões com a mesma simplicidade com que conversa com os associados no saguão do térreo – sem dúvida, uma das tarefas mais relevantes do seu trabalho. Na parede da sala, dezenas de diplomas de cidadão honorário retratam a influência do catarinense de Brusque pelo interior do Brasil à medida que a Coamo expandiu sua área de atuação. Sobre a mesa, uma biografia recém-lançada, que ele faz questão de oferecer aos visitantes, devidamente 32
autografada com a mesma assinatura que imprime em milhares de cheques distribuídos aos cooperados nos últimos meses, referentes à divisão dos R$ 358 milhões apurados como “sobras” pela cooperativa em 2018 – entidade sem fins lucrativos, é assim que ela denomina o saldo positivo no balanço. O maior desses cheques destinados a um associado superou os R$ 4 milhões. ELE, A COAMO E A SOJA A conversa reforça, mesmo em quem já conhece sua trajetória, como a história de Gallassini e da Coamo se confundem com a do próprio agronegócio brasileiro nas últimas cinco décadas. Assim como todo o setor, ele teve sua vida transformada pela cultura da soja, incipiente na ocasião da fundação da cooperativa.
“Eu me formei em Agronomia em 1967. Em maio de 1968 vim para cá como extensionista rural da Acarpa (a extinta Associação de Crédito e Assistência Rural do Paraná). Tínhamos um plano de fundar cooperativas, mas aqui foram feitas cinco tentativas e nunca deu certo. Era uma região de madeira, terras ácidas e fracas, com agricultura de manutenção: arroz de sequeiro, um pouquinho de milho, um pouquinho de algodão. Soja não existia, trigo não existia. Nós começamos a fazer uns experimentos com trigo. Começamos o trabalho, identificando lideranças, fazendo extensão rural, reuniões, cursos, um trabalho grande. Então surgiu, mais tarde, a ideia de fazer uma cooperativa. Reunimos as lideranças no dia 9 de novembro de 1969, e aí estourou a ideia de fazer uma cooperativa. O prefeito da época disse: ’Olha, se vocês
Negócios
fizerem uma cooperativa, tem um terreno, que é esse aqui debaixo, que eu posso ceder.’ Foi o único terreno que a Coamo ganhou até hoje. Depois compramos aqui para cima, era uma madeira. (...) Fizemos a Coamo para trigo. Depois veio a soja e não parou mais de crescer. Eu conheci a soja em Ivaiporã (no Paraná) quando fiquei responsável por toda a regional da Acarpa. Eles tratavam porco com soja, mas tinha que cozinhar, porque se ela fosse comida crua eles engordavam muito e quebravam os ossos. Daí começamos o plantio e foi embora.” “Fomos sempre pés no chão, bem capitalizados, com seriedade para nunca perder a credibilidade do quadro social. Não pode ter dúvida do seu comportamento, da honestidade e tudo mais, sempre com confiança. São pontos primordiais no cooperativismo. Não é na Coamo, é em qualquer lugar. Nós fomos crescendo de acordo com a necessidade do crescimento da agricultura. Primeiro o trigo, mas o que veio com força mesmo foi a soja. Fomos construindo entrepostos em muitos locais, sempre atrás do crescimento da produção. Corrigimos todas as terras, que eram ácidas e fracas, com calcário, principalmente. E adubação, coisa que não se fazia. Quando eu cheguei aqui, nem se sabia o que era adubo. Então os produtores foram vendo que, corrigindo e adubando, foi dando certo. Tivemos sucesso porque todo
mundo pensava igual.” Assim como plantar na terra ácida e fraca do centro-oeste do Paraná, os primeiros anos de Gallassini na Coamo exigiram perseverança e uma dose de idealismo. “A partir de 1971, eu me tornei gerente (da Coamo). Acabei saindo da Acarpa. Foi uma dificuldade grande, não tinha renda. Trabalhava nos fins de semana fazendo avaliações para o Banco do Brasil e fui vivendo. Estava recém-casado também. Renda, não tinha... Mas depois não tivemos nenhum problema econômico, vivemos com os pés no chão, crescendo normalmente.” UM GESTOR CONSERVADOR Pés no chão, seriedade e trabalho que deu certo são expressões ouvidas várias vezes durante a conversa. Outro ponto que Gallassini faz questão de reforçar é a saúde financeira da cooperativa, que tem um patrimônio avaliado em R$ 5,11 bilhões. Avesso a riscos, o dirigente conta como o estilo conservador permitiu que a Coamo expandisse sua área de atuação. “A Coamo teve esse sucesso todo porque, como eu disse, sempre teve pé no chão e bem capitalizada. Se quebrava uma cooperativa, em dificuldades, nós íamos lá e incorporávamos quem estava na região da Coamo. Até agora eu conto dez cooperativas que já foram incorporadas. Hoje atuamos em 71 municípios. Fomos para Santa Catarina
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Indústria de óleo de soja da Coamo: agregação de valor e opção para momentos de baixa nos preços de grãos
O QUE É A COAMO O gigantismo da maior cooperativa da América Latina Sede: Campo Mourão (PR) Fundação: 28 de novembro de 1970 Número de cooperados: 28 mil Número de funcionários: 8 mil Área plantada pelos associados: Mais de 4 milhões de hectares Participação na produção brasileira de grãos e fibras: 3,2% Receita (2018): R$ 14,8 bilhões Sobras distribuídas aos cooperados: R$ 358 milhões Áreas de atuação: Produção de grãos (soja, milho e trigo), indústrias de derivados de soja (farelo, óleo, margarina etc.), beneficiamento de café e fiação de algodão, cooperativa de crédito, seguros e venda de insumos PLANT PROJECT Nº15
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e incorporamos uma cooperativa. E depois para o Mato Grosso do Sul. Lá nós não incorporamos, apesar de ter uma oferta. Mas não nos interessamos. Fomos para lá a pedido de cooperados daqui que foram para lá. Eles pediram muito porque lá não tinha esse trabalho. Hoje estamos construindo lá em Dourados uma grande indústria de soja, de 3 mil toneladas. O investimento é de 700 milhões de reais. Deve funcionar a partir de outubro, novembro, está quase pronta.” “Na questão da comercialização, nós temos o preço do dia, mas temos o ano todo venda, a hora que ele quiser. É uma coisa diferente do que era lá atrás. A gente nem sabia como funcionaria isso. E a Coamo não corre risco nenhum. Ela não vende um saco de soja que o cooperado não venda. Não vamos aproveitar que o preço está bom para ganhar em cima do cooperado. É uma gestão bem conservadora.” Essa seria a principal marca de sua gestão? “Pode ser. Porque quem quebrou teve esse problema, arriscou. Às vezes pelo motivo de querer ganhar dinheiro em cima ou às vezes por dureza mesmo, falta de caixa.” “Temos grande volume de milho, que vamos colher ainda, vendido. O cooperado vendeu. Temos grande volume de soja e de trigo também. Ele pode vender no momento que ele quiser. No momento que ele achar o preço bom, ele pode vender. Tem alguns 34
limites. Não vamos também deixar ele vender tudo e depois dar uma frustração.” Uma das grandes lições que a Coamo dá ao cooperativismo brasileiro é a agregação de valor com a industrialização da produção. E a especialização em grãos. Para Gallassini, parte da receita do sucesso está na possibilidade de se equilibrar em momentos em que o mercado é mais hostil, coisa que a Coamo fez dividindo os ovos entre a exportação direta de grãos e a sua transformação em produtos industrializados. “É bom cooperativa ter indústria ou não? Eu digo que cooperativa que não tem indústria é um grande cerealista: armazena, guarda, comercializa. É o que faz qualquer um. Comparando, acho que quem tem indústria está melhor, porque agrega valor. Mas tem momentos que não é bom também. Tem momentos em que a soja em grão vale mais que o farelo, óleo, margarina. Mas quem tem indústria tem vantagem, tem mais opção de mercado.” Foi uma lição aprendida, em alguns casos, na base da tentativa e erro. Saber sair de um negócio sem futuro também está no receituário do gestor. “Nós somos uma cooperativa de grãos. Aqui a cana não deu certo. Nós tivemos usina de cana, mas quando chegou um momento em que vimos que não tinha solução, nós vendemos. Não tivemos problema financeiro, mas de cooperado desistindo. Não
fotos: Valter Natalio
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O presidente em seu gabinete e um dia de campo na fazenda experimental: estilo conservador manteve a cooperativa sólida
AUSTERIDADE E FIDELIDADE Dos 79 fundadores aos 28 mil associados de hoje, Gallassini mantém uma relação de respeito e austeridade junto aos cooperados. É afável no trato, mas firme nos negócios. Nesses quase 50 anos no comando da
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cumpriam contratos de 12 anos, não queriam mais cumprir. Deixamos ele sair e fomos plantar cana. Compramos 2,5 mil alqueires de terra e plantamos. Mas daí veio todo aquele problema: meio por cento do faturamento dava mais problema que toda a soja. Pendência trabalhista, era uma loucura. Então saímos. E bem, inclusive. Vendemos bem. Não tivemos nenhum prejuízo.” “Aí iniciamos um projeto de suínos. E começou a dar prejuízo. E o produtor não queria mais. Então começamos a criar porcos. Estavam lá as criadeiras, leitões. Dissemos, vamos lá. Arrendamos as coisas deles. Mas não era o nosso negócio. O cooperado não quer? Vamos sair.” A sua fórmula é se especializar e, focado no mercado de grãos, ser mais competitivo? “O objetivo é esse, mas a gente sabe que são momentos. Porque o negócio é assim... Soja, por exemplo. Tem momentos em que o grão é melhor do que industrializar, mas como nós temos volumes que dão para tudo, a gente faz assim. Às vezes a gente prefere exportar grão, mas não para a indústria. Vai naquele que dá mais. É um negócio, né?”
cooperativa, foram raras as vozes que se levantaram contra sua gestão. Os resultados explicam boa parte da reverência e da confiança. “Criamos uma seriedade muito grande em relação ao cooperado. Sempre digo que pagar conta é questão de disciplina. Tem de ter uma seriedade muito grande nisso aí, porque se relaxar a turma deixa de pagar, e não pode. É por isso que a gente tem uma inadimplência de 0,2% a 0,3%, melhor que banco. Isso é um dos grandes sucessos da Coamo. Essa confiança do quadro social com a cooperativa é uma coisa que se consegue pela qualidade de prestação de serviço. Nós temos permanentemente na mão do cooperado 1,8 bilhão de reais em recursos da cooperativa, além daquilo que ele financia nos bancos. E compramos o porto, que é também uma prestação de serviços grande para o cooperado. Fretamos navios para a Europa, um a dois navios por mês. Tudo isso foi dando um corpo na Coamo e hoje conseguimos atender o cooperado em toda a necessidade dele.” “O cooperado é sócio aqui, pode ser sócio da CrediCoamo. Lá
ela fornece qualquer tipo de recurso, como um banco. Financia o custeio, financia investimento em máquinas. É um trabalho bem completo. O cooperado procura muito. Há regiões novas que querem, mas nós tínhamos a ideia de não expandir demais.” Mesmo em tempos de sucesso, a relação com os cooperados tem seus momentos mais delicados. A concorrência de tradings e outras empresas pelos grãos produzidos por eles faz com que muitos balancem na hora de comercializar o resultado de suas lavouras. E há também uma nova geração chegando, que não tem os mesmos laços que seus pais tinham com a cooperativa. Fidelizá-la é um dos desafios do momento. “A maioria é 100% Coamo. Tem aqueles que não são bem cooperativistas, que jogam, querem ver quem paga mais, quem tem o melhor preço. Há os que querem ter o silo na propriedade. Depois que bota o silo na propriedade, ele quer negociar o produto dele. Ele fazendo tudo, secagem, limpeza, tudo mais, ele tem o reembolso disso aí. A Coamo botou no estatuto que pode reembolsar PLANT PROJECT Nº15
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Unidade de beneficiamento de trigo e o autógrafo na biografia: 50 anos dedicados à construção da cooperativa
essa despesa para ele, mas aí fica uma disputa.” “O cooperado hoje acompanha tudo, através de próprio celular, computador em casa, que a maioria tem, através dos filhos. Hoje ele tem informação, porque lá atrás não tinha, principalmente de comércio. Hoje mudou muito. Ele vinha na cooperativa, acreditava no que a gente falava. Hoje nós temos uma mudança muito grande no produtor, e principalmente com os filhos do produtor. Antigamente era meio vergonhoso ser agricultor, ninguém queria ficar na lavoura. A piazada toda queria sair. Hoje eles querem voltar, porque hoje é um grande negócio. Hoje ele é empresário agrícola, todo mecanizado, tem condições de acompanhar o mercado. Há um interesse muito grande da juventude em voltar para a lavoura. Não é mais vergonha.” CLIMA E AMBIENTE, AS PREOCUPAÇÕES A Coamo de Gallassini trabalha em silêncio. Como toda cooperativa, encara a dupla missão de ser simultaneamente 36
negócio e uma entidade social. Em ambas as frentes, depende do aprimoramento dos associados. Fazê-los produzir e gerenciar melhor suas propriedades é uma tarefa cada vez mais premente a todas, principalmente quando entram em jogo variáveis sobre as quais a cooperativa não tem controle, como as questões climáticas e ambientais. “A Coamo tem 280 agrônomos no campo e uma assistência técnica diferenciada. Isso deu um avanço muito grande de produtividade. Quando começamos aqui, a soja dava 70 sacas por alqueire. Hoje chega a 180, 200, até passa um pouco. Não em toda a área, mas já está dando assim. Não é por causa só da Coamo. Essas novas tecnologias a gente faz chegar rapidamente para o produtor através desses agrônomos. E também através dos cursos, como os de custos de produção. Eu ainda vou para o campo duas vezes por ano. Em toda reunião nós falamos sobre custos.” “Nós, como estivemos sempre bem capitalizados, não temos grande preocupação a não ser
com o clima. Essa é uma coisa que perturba. O cooperado participa ativamente da cooperativa, não tem maior problema. E sempre olhando o mercado externo. A soja hoje, por exemplo, com aquela crise lá na China, de suinocultura. A Europa reduziu um pouco de soja também. A gente se preocupa com isso aí. Tem que ficar pensando alguma saída se reduzir realmente. E é uma coisa difícil de mudar. Foge ao controle. Vamos ver como se desenrola isso aí.” “A briga nossa, maior, é a questão do meio ambiente. Esses ambientalistas fazem coisas do arco da velha. Aí complica bem a vida da gente, porque eles botam na cabeça certas coisas que prejudicam. Tem aí uma autoridade que botou uns outdoors dizendo que a gente come 30 quilos de inseticidas por ano. Trinta quilos. É conversa. Em se tratando de autoridade, está falando uma inverdade. E fala que morre tanta gente... Hoje, os inseticidas, que eles chamam de agrotóxicos e são defensivos agrícolas, nós usamos dentro da tecnologia. Não estamos fazendo nada de errado. É aprovado pelo
foto: Valter Natalio
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ministério. A gente faz o que o governo autoriza. Mas os ambientalistas são assim. Então tem que conviver.” “Não nos envolvemos, nem a favor nem contra. Nós orientamos o produtor: ‘Não compra briga com autoridade porque você perde.’” A HORA DO ADEUS A conversa caminha para o final e para o assunto que não pode esperar. Gallassini faz a graça que abre esse texto, mas retoma o prumo de seriedade. E explica a decisão de iniciar uma retirada lenta e gradual, como a abertura política dos anos 1980. Um novo presidente executivo será visto pelos corredores do edifício a partir de 2020, mas ele garante que ainda estará por ali por um bom tempo. “Todos nós vamos ficando velhos e não podemos ser cobrados amanhã de não ter preparado a sucessão. Isso aí é uma coisa séria. A gente já viu casos de empresas familiares. Na minha cidade, em Brusque, lá em Santa Catarina, as grandes empresas familiares de têxtil quebraram todas. Os sucessores não tocaram.” “No nosso caso, estamos nos preparando para profissionalizar a cooperativa. Eu já coloquei em
três assembleias, preparando o cooperado, dizendo para eles que temos de ter sucessão. A partir do ano que vem vamos ter um conselho de administração, em cima, como funciona nas empresas familiares, e uma diretoria executiva contratada. Os diretores não serão associados, mas contratados. Eles vão tocar. Eu vou, como presidente do conselho, dar expediente para assessorar nesse período de transição.” “Vai ter um presidente executivo e um presidente do conselho. Já está definido. Estamos preparando o estatuto, vamos preparar um regimento interno. Vai funcionar do mesmo jeito. Embaixo, cada área também vai preparar seus sucessores. É uma coisa que a gente quer fazer sem tumulto, com a mesma linha de trabalho, mas sem prazo.” “O cooperativismo é muito semelhante à empresa familiar. Depende às vezes de uma liderança, duas. E a gente não quer ter esse tipo de problema.” A busca pelos executivos começou, mas não deve alvoroçar o mercado. Os olhos de Gallassini, ele mesmo diz, estão mais voltados para dentro do que para fora. “Já estamos trabalhando. Eu
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tenho muita experiência de ver empresas falando: ‘vamos pegar o melhor executivo aí de uma Cargill, da Bunge...’ Não toca cooperativa. Tenho experiência nisso aí. Lá no Oeste as cooperativas pegaram gerente do Banco do Brasil, que era um deus na época. Não toca cooperativa. Cooperativa é outra coisa. Não é uma empresa, mas também não deixa de ser. Tem o lado social, o lado econômico. Tem de saber lidar.” “Nós aqui somos de promoções internas. É gente de dentro.” “O pessoal aí toca bem, tá bem preparado. Mas tem que ter liderança. Tem que rir, tem que chorar, procurar o melhor para os nossos cooperados.” “Anunciar, só no ano que vem. Se não, fica a exploração, tumultua muito. Já deve ter uns bochichos aí”. O homem que é a imagem da Coamo sabe que não será ele o futuro da cooperativa. Mas também não quer se lançar ao passado. “Eu, por estar todos esses anos, fundei, disse que era bom, não posso virar as costas. Não posso dizer: ‘Agora estou mais velho, bem financeiramente, vocês se virem’. Não vou fazer isso. Tenho essa responsabilidade. E os cooperados falam pra mim: ‘O dia em você for embora eu vou também.’” Por enquanto, não devem ter pressa. Ele vai viver até os 126 anos. PLANT PROJECT Nº15
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Ag Sustentabilidade
PALMAS PARA QUEM PRODUZ BEM O óleo de palma ganha o centro de um debate global em torno da sustentabilidade de sua produção: enquanto a Indonésia destrói a sua biodiversidade, produtores brasileiros e grandes marcas de bens de consumo mostram que existem caminhos viáveis para evitar agressões à natureza Por Amauri Segalla
Plantação de palmas na Indonésia: país incentiva produtores a plantar em áreas de florestas tropicais e provoca reações em todo o mundo 38
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epois de uma eleição marcada por intensa polarização, acusações de trapaças, notícias falsas espalhadas nas redes sociais e centenas de mortos durante o processo de contagem de votos, a Comissão Eleitoral da Indonésia confirmou no dia 21 de maio a reeleição de Joko Widodo como presidente do país. O resultado das urnas deixou ambientalistas apreensivos. Desde meados do ano passado, quando o acirramento eleitoral obrigou os políticos a se posicionarem diante de temas delicados, Widodo tem sido um fervoroso defensor da indústria do óleo de palma. Principal motor econômico do país e responsável por 10% de todas as exportações da Indonésia, o óleo de palma fornece, segundo Widodo, os recursos necessários para a pavimentação de estradas, a construção de escolas, a ampliação dos sistemas de telecomunicações, entre muitos outros benefícios inquestionáveis. Tudo isso pode ser verdadeiro, mas a produção em larga escala desse insumo tem gerado efeitos colaterais dramáticos. “Meio ambiente é bom, mas crescimento econômico é melhor”, disse Widodo durante a campanha eleitoral. Óleo vegetal mais popular do mundo, o óleo de palma está presente em uma infinidade de itens de supermercado (biscoito, massa de pizza, pão, chocolate, sabonete, detergente, xampu, cremes hidratantes, loção pós-barba), mas sua utilidade não para por aí. Ele é um componente importante do biodiesel que
abastece carros e caminhões, além de ser amplamente usado na fabricação de graxas, lubrificantes, artigos farmacêuticos, filmes fotográficos, perfumes, velas e até dinamite, entre inúmeras outras serventias. Com uma variedade tão grande de aplicações, tornouse uma das commodities agrícolas mais rentáveis. O óleo de palma é extraído do fruto da palmeira africana Elaeis guineenses, que possui uma característica peculiar: a árvore tem predileção por regiões tropicais e só se desenvolve em lugares úmidos e quentes. Por isso, poucas regiões do mundo são tão propícias para as plantações de palmeiras quanto a Indonésia, país no Sudeste Asiático nas proximidades da Linha do Equador, com temporadas bem definidas de monções e seca. Os aspectos geográficos representam uma dádiva: a Indonésia tem a segunda maior biodiversidade do mundo, atrás do Brasil. É essa biodiversidade que tem sido sacrificada em nome do avanço da indústria da palma. Basta dar uma espiada nos dados a seguir para dimensionar o problema. Com o cultivo desenfreado de palmeiras para a extração do óleo de palma, no século 21 a Indonésia perdeu 24,4 milhões de hectares de cobertura florestal, uma área maior que o Reino Unido e equivalente ao estado de São Paulo. A cada 25 segundos (algo como o mesmo tempo que o leitor gastará ao ler este parágrafo), uma área equivalente a um campo de futebol desaparece naquele país asiático. Apenas no Parque Nacional de PLANT PROJECT Nº15
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Gunung Leuser, no norte de Sumatra, 110 mil hectares de floresta foram derrubados entre 2017 e 2018. A devastação é grave por si só, mas ainda mais pungente porque Gunung Leuser é o último lugar do planeta onde elefantes, tigres e rinocerontes dividem o mesmo território. O elefante-desumatra, a propósito, é a única espécie de elefante listada como criticamente ameaçada de extinção. Ao ceifar floretas nativas, os produtores de óleo de palma ajudam a dizimar milhares de orangotangos, que precisam das matas para refúgio e alimento. Entre 1999 e 2015, segundo um documentário do Greenpeace, o número de orangotangos-debornéu caiu pela metade. Desapareceram 150 mil indivíduos – algo como 25 por dia. Não é só isso. A partir de 2005, com o aumento da demanda principalmente por parte dos produtores de biodiesel – ironicamente considerado um combustível ecológico –, a expansão da palmeira de óleo ultrapassou a atividade madeireira como a principal causa do desmatamento em Bornéu. Com mais desmatamento, dispararam as emissões de gases do efeito estufa. De acordo com um relatório do Comitê de Meio Ambiente das Nações Unidas, metade das emissões da Indonésia é resultado direto das florestas devastadas. Vidas humanas também têm sido perdidas. Para limpar a terra para o plantio das palmeiras, os fazendeiros 40
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incendeiam áreas gigantescas. Também de acordo com a ONU, a névoa das queimadas florestais causa 12 mil mortes prematuras por ano, e esse número é crescente. A morte não é o único dos problemas para os humanos. Em Sumatra, aldeias indígenas foram demolidas para dar lugar aos produtores de palma, deixando seus moradores sem teto e dependentes das doações do governo. As tocantes imagens de orangotangos mortos e de áreas devastadas foram rapidamente compartilhadas em redes sociais, sobretudo na Europa, em campanhas maciças contra as culturas de palma e o uso dos produtos resultantes dela. O cenário dramático levou a União Europeia a lançar um plano de boicote ao óleo de palma. Na Inglaterra, a Iceland, uma rede de supermercados, baniu das prateleiras todos os produtos que tenham óleo de palma em sua composição, na Suécia o Parlamento discute a proibição definitiva e nos Estados Unidos grupos ambientalistas pressionam
Área é desmatada para plantar lavouras de palmas em Borneo, na Indonésia, habitat de espécies de orangotangos: animais viraram símbolo de campanhas contra o produto
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consumidores para jamais comprarem itens extraídos de florestas da Indonésia e da Malásia, os maiores produtores de óleo de palma do mundo e líderes mundiais em rankings de desmatamento. No Brasil, que possui características geográficas semelhantes e é responsável por 6% da produção mundial, a discussão é incipiente, mas vem ganhando volume diante do crescente barulho feito por ambientalistas. Embora o Brasil seja relevante no contexto da produção global, a cultura do óleo de palma é relativamente desconhecida. Muita gente nem sequer sabe que dendê e palma são a mesma planta. Entre os produtores nacionais, a palmeira africana Elaeis guineenses é chamada de dendezeiro. Por mais que iniciativas radicais como o boicote aos produtos sejam bemintencionadas, a tendência é de que seu resultado não surta efeito algum. “Se os europeus não quiseram nosso óleo, os chineses vão querer ainda mais”, disse o presidente Joko Widodo. Trata-se
de uma verdade irrefutável. Chineses e indianos são os maiores consumidores de palma do planeta e ambos não parecem preocupados com os danos ambientais provocados por sua produção. Também é improvável que o mundo reduza drasticamente o consumo de óleo de palma. Não se encontrou ainda um componente capaz de substituí-lo em condições de igualdade e são incontestáveis os benefícios que traz para a indústria de alimentos e de cosméticos. O óleo de palma é livre de gordura trans, que comprovadamente aumenta o risco de infarto e acidente vascular, e tem propriedades antioxidantes que combatem as rugas e o envelhecimento precoce. Portanto, será difícil, para não dizer impossível, reduzir a sua produção. O melhor caminho a seguir – talvez o único – é tornar a extração de óleo de palma menos agressiva ao meio ambiente e não tentar eliminá-la por completo. A boa notícia é que isso é possível. Em 2004, produtores,
grandes empresas, ambientalistas, investidores e ONGs de diversos países se reuniram para criar a Roundtable on Sustainable Palm Oil (RSPO), certificadora com sede em Zurique, na Suíça, que confere um selo sustentável para o óleo de palma. Em linhas gerais, a certificação, entre vários outros critérios, só é concedida para quem não desmatar ou não desrespeitar os direitos dos trabalhadores da indústria. Uma das exigências da RSPO estabelece que nenhuma área florestal que abrigue biodiversidade (como espécies em extinção) ou áreas fundamentais para as comunidades poderão ser desmatadas. Atualmente, a RSPO certifica um quinto da oferta global de óleo de palma. Muitas fabricantes de bens de consumo que dependem da planta, como Unilever, Nestlé e Procter & Gamble, prometeram nos próximos anos usar em suas cadeias de fornecimento apenas óleo de palma certificado. Parece simples, mas trata-se de um tremendo desafio. Críticos da RSPO afirmam que um dos principais requisitos para a certificação – nenhum novo desmatamento – é difícil de cumprir. O Brasil tem um bom exemplo a oferecer para o mundo. Maior produtora de óleo de palma certificado da América Latina, a Agropalma lançou em 2001 o que chamou de “desmatamento zero”. A ideia era PLANT PROJECT Nº15
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Viveiro de mudas e lavoura vizinha à mata em fazenda da Agropalma no Pará: modelo sustentável garante mercado à empresa brasileira
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usar para o plantio e a produção apenas áreas que já tivessem sido devastadas, e nenhum centímetro a mais. O que parecia impossível revelou-se viável e, desde então, a empresa cumpriu a meta. “Não é uma questão apenas de meio ambiente, o que sem dúvida nos motiva, mas também uma questão comercial”, diz Túlio Dias, gerente de Responsabilidade Socioambiental da empresa. “Muitos compradores evitam fazer negócios com produtores não certificados e perderíamos clientes se não cumpríssemos os requisitos que eles exigem.” Estabelecida no Pará, no coração da selva amazônica, a Agropalma iniciou o processo de certificação em 2008. Foram necessários três anos de pesquisas, análises e envios de documentos para que obtivesse o selo RSPO, aprovado em 2011. Além dele, o grupo possuiu outras 12 certificações internacionais, a maioria delas conferida a empresas que reduziram os impactos socioambientais dos plantios. A Agropalma dobrou a produção na última década sem provocar danos ambientais graças, principalmente, a uma estratégia inteligente: a empresa foi às compras. “Adquirimos áreas que já tinham sido desmatadas para o plantio e introduzimos nelas o nosso processo agroindustrial”, afirma Dias. Basicamente, o sistema de produção da Agropalma consiste em combinar recursos
tecnológicos com eficiência logística para alcançar o máximo de produtividade. Chamado de “Agricultura 4.0”, o programa prevê a contagem rigorosa de plantas, a identificação de doenças e anomalias, a distribuição de adubos e produtos químicos de forma localizada e o trabalho ininterrupto em três turnos, o que incluiu a colheita, o transporte e o processamento do óleo de palma. Toda a atividade é acompanhada por drones e monitorada por inteligência artificial. Iniciativas como essas disparam a produtividade das plantações, o que elimina a necessidade de novas áreas de cultivo. Atualmente, o Grupo Agropalma emprega 3,7 mil funcionários para produzir 160 mil toneladas de óleo de palma (o Brasil como um todo produz 450 mil toneladas) por ano. Em 2018, faturou cerca de R$ 1 bilhão. Outras empresas brasileiras têm se dedicado a desenvolver projetos capazes de reduzir as agressões ambientais da produção de óleo de palma. Quarta maior companhia de cosméticos do mundo, a Natura criou, em parceria com a Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu e a Embrapa, o Sistema Agroflorestal Dendê, que promove a diversidade agrícola em uma mesma unidade produtiva. Em 2018, 11 unidades desse tipo foram implantadas em Tomé-Açu, no Pará, e a ideia agora é ampliar o projeto. Ao
foto: Divulgação Agropalma
associar o cultivo do óleo de palma com outras espécies agrícolas e florestais, a Natura afirma ter reduzido o número de pragas e doenças e melhorado a qualidade do solo. Segundo Débora Castellani, fitotecnista responsável pelo projeto, plantas como cacau, açaí, ingá, jatobá e ipê foram associadas ao dendê, e todas elas mostraram boa performance produtiva. Os estudos da Natura também concluíram que a palma é eficiente para recuperar solos degradados pela pecuária, abrindo inúmeras possibilidades para fazendeiros que possuem terras improdutivas. A produção sustentável de óleo de palma é uma preocupação de empresas de diferentes ramos de negócios. Maior companhia de alimentos e bebidas do mundo, a suíça Nestlé começou recentemente a monitorar, via satélite, as florestas e plantações de palma na Indonésia. Desenvolvida em parceria com a fabricante
francesa de aeronaves Airbus, a tecnologia consegue detectar do espaço, e com margem de erro de apenas 1,5 metro, um alvo específico. Com isso, é possível saber onde a floresta foi devastada – e identificar um fornecedor que não está cumprindo as regras estabelecidas pela empresa. De posse dessas informações, a Nestlé notifica o fornecedor, avisando-o que poderá ser descartado. “Ele terá que provar para nós que o desmatamento não foi sua responsabilidade”, disse em entrevista a um portal suíço o executivo Magdi Batato, um dos responsáveis pelo projeto. “Uma combinação de imagens de satélite, presença local e certificação nos permitem declarar que 77% da matériaprima que consumimos não causaram desflorestamento.” Outro gigante do setor de bens de consumo, a americana Procter & Gamble anunciou no final de abril uma parceria com o Malaysia Institute for Supply
Chain Innovation e com o International Plant Nutrition Institute para melhorar os processos dos pequenos produtores de sua cadeia de fornecimento de óleo de palma. Por ora, o projeto abrange 2 mil pequenos agricultores do estado de Johor, na Malásia, mas a ideia é chegar a 10 mil nos próximos cinco anos, incluindo fazendeiros da Indonésia. Segundo a empresa, os agricultores terão acesso à consultoria especializada e serão treinados com práticas que respeitam o plantio sustentável. Em troca, deverão transmitir os conhecimentos adquiridos para toda a comunidade, expandindo a rede de proteção ambiental. Projetos como esses mostram que, por mais que crimes contra a natureza tenham sido cometidos por fazendeiros gananciosos, há muita gente séria que busca o equilíbrio entre produção eficiente e respeito ao meio ambiente. “Esse é o melhor caminho a seguir”, diz Túlio Dias, da Agropalma. PLANT PROJECT Nº15
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Plant + TIM
CAMPO ILUMINADO PELA TECNOLOGIA Como a Solução 4G TIM no Campo mudou a rotina nos canaviais do Grupo Jalles Machado e fez a inclusão digital de uma cidade goiana
A hora do almoço das equipes que trabalham nas lavouras de cana da Jalles Machado – referência goiana do setor sucroenergético, com duas usinas capazes de moer 5 milhões de toneladas de cana – já não pode ser chamada apenas de intervalo. Nem qualquer outra parada de descanso. Agora, quem passa o dia nos canaviais também pode aproveitar, assim como as equipes corporativas, esse período para se conectar com o mundo através de seus smartphones e se integrar com a própria empresa, pela programação da TV corporativa. “Nas áreas de vivência, estruturadas em contêineres alocados no campo, temos televisores para que todos possam se atualizar sobre as informações transmitidas pela Comunicação”, comenta Eder Fantini Junqueira, gerente de TI da companhia.
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Esse novo ambiente é resultado de uma transformação digital que começou há pouco mais de um ano. Em abril de 2018, a Jalles Machado e a TIM Brasil formalizaram uma parceria para implementar um projeto pioneiro para “iluminar” – é assim mesmo que costumam dizer – praticamente todas as áreas da agroindústria, no município de Goianésia (a 180 km de Goiânia), com internet 4G 700 MHz. Sabe aquela história de “juntar a fome com a vontade de comer”? Pois foi bem assim que essa aproximação começou. A Jalles Machado tinha uma emergencial necessidade de conectar toda a tecnologia já embarcada no maquinário dedicado aos quase 70 mil hectares de área de cana e os aplicativos desenvolvidos pelo time de sistemas. “Essas
ferramentas nos ajudavam muito, mas havia limitações por conta do sinal fraco. Era preciso fazer a sincronização de tudo”, lembra Junqueira. “A TIM foi a primeira operadora que realmente ouviu nossa demanda”, acrescenta. Ali começava a nascer a primeira “Solução 4G TIM no Campo”. Para entender detalhada e tecnicamente a demanda da Jalles Machado, a equipe da TIM Brasil seguiu para Goianésia. “Fomos conhecer de perto quais eram as necessidades”, diz Alexandre Dal Forno, head de Produtos Corporativos & IoT da operadora. “Já havia muita inteligência na operação agrícola, com diversas aplicações, mas sem comunicação entre elas. Passamos a desenvolver um projeto personalizado, de acordo com o que precisavam em termos de cobertura,
Produzido para a TIM pelo Studio Plant Conteúdos Especiais
Dal Forno, da TIM: “Custo para cobrir um hectare é de até meia saca de soja”
equipamentos e infraestrutura, aproveitando o que já estava disponível”, acrescenta. Dessa análise surgiu a implementação de uma rede de conexão para internet 4G, com sinais de longo alcance na frequência de 700 MHz, a instalação de antenas e o fornecimento de 812 aparelhos celulares, sendo 650 para operação no campo, e 1.006 linhas corporativas. Tudo isso para cobrir áreas de lavouras, escritórios e as duas unidades industriais, conectando máquinas e pessoas. De largada, as novas conexões derrubaram as distâncias entre as áreas da empresa. Os apontamentos feitos no campo passaram a chegar em tempo real aos escritórios, ou a qualquer lugar onde fosse necessário. A empresa passou a contar, de fato, com um gerenciamento on-line. “Melhorou bastante a acuracidade dos dados e ganhamos muito mais
agilidade em todos os processos, inclusive nas tomadas de decisão de todas as equipes”, comenta o gerente da Jalles. Até mesmo videochamadas e videoconferências passaram a fazer parte da rotina em meio às lavouras, ora para solucionar um problema em uma máquina, ora para uma orientação sobre operações em curso. Como não poderia deixar de ser, a internet de qualidade também estimulou o uso das redes sociais, que se tornaram um termômetro de como colaboradores veem a empresa. “Percebi uma maior integração das pessoas com seu trabalho, até postando fotos de momentos interessantes no dia a dia, o que acaba sendo compartilhado por nosso pessoal de Comunicação. É uma imagem bacana”, diz Junqueira. Mais interessante é que tais facilidades não se restringem à Jalles Machado, ou seja, outro exemplo de como a evolução do agronegócio impacta positivamente no meio urbano. Dal Forno, da TIM Brasil, conta que a infraestrutura desse primeiro pacote tecnológico do “4G TIM no Campo” também iluminou Goianésia, sem que o custo do benefício fosse
repassado à agroindústria. “Temos quatro torres na cidade, trazendo a inclusão digital para a população”, comenta. Na verdade, isso acaba favorecendo a operadora em seu plano de expansão Brasil adentro, seja para atender residências no meio urbano, seja para promover a revolução digital no campo. A meta da TIM Brasil no agronegócio para este ano é cobrir 5 milhões de hectares. O projeto ganhou musculatura este ano com o lançamento da iniciativa ConectarAGRO, em que a TIM se uniu a sete parceiros de diversas áreas e expertise no agronegócio – as fabricantes de máquinas Jacto, CNHi e AGCO, as desenvolvedoras de tecnologia para o agro Climate, Trimble e Solinftec, e a Nokia, de infraestrutura para telecomunicações – para promover o uso da solução 4G em 700 MHz para levar internet ao ambiente rural. “É uma opção acessível, mesmo nas regiões de relevo menos favorável”, afirma Dal Forno. “No Paraná, por exemplo, onde as condições topográficas são mais exigentes para a implementação da conexão 4G, o custo para cobrir um hectare é de até meia saca de soja.”
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Ag Matéria de Capa
EM BUSCA DA Internet no campo é mais que uma vantagem competitiva, é uma necessidade para garantir produção suficiente para alimentar o planeta. Empresas e operadoras de telecomunicações se deram conta disso e passam a oferecer uma gama de opções aos produtores Por André Sollitto
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foto: CNH
REDE RURAL
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foto: divulgação Climate
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eu no The Wall Street Journal: a primavera é o período em que os fazendeiros do Meio-Oeste norte-americano se dedicam integralmente ao plantio e a maratonas de filmes na Netflix. Por mais absurda que possa parecer, a situação de assistir a filmes e séries pela internet simultaneamente ao trabalho de pilotar um gigante trator em meio a hectares de terra é o retrato de como os avanços tecnológicos facilitaram a vida do produtor. O maquinário conta com sistemas de GPS integrados, sensores capazes de detectar obstáculos no campo e oferecer informações em tempo real sobre as condições do solo e das sementes. A interferência humana, portanto, é necessária apenas em casos raros. O operador ainda precisa ficar atrás do volante, mas está livre para acompanhar os insights oferecidos pela máquina, ou checar as notícias, a previsão do tempo e as finanças de sua fazenda. Mesmo assim, longos dias de trabalho podem se tornar bastante entediantes. E é aí que as séries e filmes ajudam a preencher as horas. Claro, isso lá na América do Norte. Aqui no Brasil a situação é bem diferente. A tecnologia embarcada nas máquinas está disponível. A ideia de assistir à Netflix durante uma jornada na lavoura, porém, chega a ser absurda pelo simples fato de que em grandes regiões do País ainda não
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há conexão de internet. “Você já esteve no Corn Belt?”, diz Mateus Barros, líder de negócios da empresa de agricultura digital Climate para a América Latina, em referência à região dos Estados Unidos responsável pela maior parte da produção de grãos no país. “Lá, no meio do campo, a internet pega melhor do que aqui no meu escritório”, brinca ele. Mapas de conectividade mostram que a comparação de Barros, na verdade, retrata a enorme discrepância em termos de acesso da população a serviços de internet de alta velocidade. Enquanto os EUA, com exceção de alguns trechos de deserto, são preenchidos por pontos verdes, indicando conexão, a região do Mato Grosso, por exemplo, é um vazio em que apenas um ou outro pontinho discreto aparece. Essa situação pode mudar em breve. Nos últimos meses o mercado da conectividade rural vive uma espécie de corrida disputada palmo a palmo por equipes de peso, reunindo empresas com competências e interesses complementares. A estratégia adotada por várias delas tem sido a formação de blocos corporativos, formados por pelo menos uma empresa especializada em telecomunicações e um fabricante de equipamentos agrícolas, além de AgTechs fornecedoras de soluções tecnológicas para o agronegócio. As operadoras de internet
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Mapas da Bayer mostram o Cinturão dos Grãos, nos EUA, e Mato Grosso, no Brasil: as duas regiões produtoras têm situações bem distintas quando o assunto é conexão
brasileiras correm para conquistar um mercado com cobertura ainda incipiente e com grande potencial de negócios, mas também para atingir as metas estabelecidas pelo governo para a expansão de seus serviços por todo o território nacional. Já as indústrias de maquinário apostam em garantir que toda a tecnologia embarcada em seus produtos mais modernos seja aproveitada de maneira integral, justificando o investimento dos clientes em uma eventual renovação dos equipamentos. MEGABLOCO DA CONEXÃO Sem conectividade, boa parte das AgTechs e do futuro proposto pela chamada Agricultura Digital perde apelo junto aos produtores. Esse novo mundo, em que a informação é um insumo tão relevante para a produção quanto fertilizantes e defensivos, foi o tema central na Agrishow em maio passado. Uma das principais feiras agrícolas do mundo, o evento de Ribeirão Preto, em São Paulo, não por acaso, foi a vitrine escolhida pelos principais blocos para anunciarem seus lançamentos mais importantes. Foi ali, em torno da conectividade, que se assistiu a uma cena até tempos atrás impensável: empresas concorrentes, as fabricantes de máquinas CNH, AGCO e Jacto subiram juntas em um mesmo palco para anunciar
uma iniciativa conjunta. Ao lado de Climate FieldView, Solinftec e Trimble, desenvolvedoras de tecnologia agrícola, da Nokia, um dos maiores do mundo em infraestrutura de telecomunicações, e da operadora TIM, elas formaram um megabloco que trabalhará sob a bandeira ConectarAGRO com o objetivo de levar conexão com tecnologia 4G ao campo. “É um pouco contraditório como o agronegócio, a indústria riqueza do Brasil, como dizem na televisão, é um setor tão pouco conectado. Fizemos consultas e percebemos que menos de 10% das fazendas estão conectadas, o que é muito pouco", diz Rafael Marquez, diretor de Marketing da TIM. Embora não ofereçam uma solução “de prateleira” que vá resolver o problema de uma vez, as empresas afirmam que a análise das necessidades específicas de cada região vai dar
o direcionamento sobre a melhor maneira de garantir acesso à rede. “São mais de 5 milhões de pessoas e 500 mil fazendas sem cobertura de celular. Seremos facilitadores para levar a inclusão digital a esse universo”, afirma Leonardo Finizola, diretor de Desenvolvimento de Negócios da Nokia. “Na prática, o principal trabalho das empresas vai ser promover a conectividade no campo. Queremos mostrar aos produtores que existem soluções altamente tecnológicas que vão gerar retorno. Elas precisam de conectividade para funcionar, mas vamos mostrar que essa internet está ao alcance”, diz Mateus Barros, da Climate. A ConectarAGRO não prevê a criação de nenhuma solução comercial em parceria entre as empresas que fazem parte do projeto. Cada uma continuará oferecendo seus produtos aos agricultores, mas estão todas PLANT PROJECT Nº15
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de acordo com o formato de tecnologia que será oferecido. Trata-se de uma solução aberta, usando a frequência de 700 MHz de 4G da TIM, a mesma usada em grandes centros urbanos. Essa frequência foi disponibilizada para uso pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) após o fim das transmissões, no País, do sinal analógico de TV. Com isso, as operadoras foram habilitadas a usar a faixa para oferecer novos serviços. A TIM foi uma das primeiras a aplicá-la em soluções de conectividade rural. Há cerca de dois anos lançou o serviço 4G no Campo e passou a buscar clientes corporativos do agronegócio. Aberta e democrática, a frequência permite ao produtor que contratar o serviço usar qualquer equipamento das oito empresas – e de outras – sem problemas. “Usamos uma solução que segue um padrão mundial, adotado por vários fabricantes de equipamentos e sensores”, explica Alexandre Dal Forno, head de Produtos Corporativos & IoT na TIM Brasil. Até a Agrishow, o serviço da operadora já cobria 50
com sua rede 4G cerca de 600 mil hectares em propriedades de diversas regiões brasileiras. Com a união dos esforços em torno do ConectarAGRO, Dal Forno acredita ser possível atingir a meta de chegar a 5 milhões de hectares até o fim de 2019. O LÍDER ACELERA A cerca de 200 metros de distância de onde a maior equipe anunciava seu projeto, outra forte concorrente esquentava seus motores para acelerar na corrida em plena Agrishow. A tradicional feira deste ano também marcou o lançamento comercial do programa Conectividade Rural, iniciativa da John Deere, uma das principais fabricantes de maquinário agrícola do mundo. Sua parceira no projeto não era exatamente uma operadora, mas uma empresa reconhecida em desenvolvimento, produção e distribuição de equipamentos de telecomunicação. As duas trabalham juntas no conceito desde 2015 e na Agrishow de 2018 a solução foi lançada em versão piloto. O objetivo é conectar propriedades, levando antenas
e toda a infraestrutura necessária para que os produtores possam aproveitar ao máximo a tecnologia dos tratores e dos aplicativos de agricultura de precisão da empresa, bem como qualquer outro aparelho que precise de conexão com a internet. O caso de cada produtor é analisado pela equipe da Trópico, que cuida do projeto técnico e de toda a homologação junto à Anatel necessária para a operação de uma rede 4G atingindo, com uma única antena, um raio de até 30 quilômetros. O diferencial do Conectividade Rural é a frequência, de 250 MHz. Segundo Felipe Santos, gerente de Soluções Integradas da John Deere Brasil, a rede é privada, o que traz vantagens como a possibilidade de personalizar de que maneira essa internet será usada. Além disso, a frequência mais baixa é mais eficiente ao superar obstáculos físicos. "Nas fazendasmodelo em que testamos a solução os investimentos feitos se pagaram em uma safra", afirma Santos. Hoje, a iniciativa já conta com 5 milhões de hectares conectados no País.
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de equipamentos Ericsson. Juntas, elas criaram o Agro IOT Lab, uma iniciativa que procura estimular startups para desenvolver soluções de conectividade no campo. As AgTechs selecionadas foram a Ativa, Seive, IoTag, Trace Pack, Agriconnected e @Tech, que hoje têm acesso à frequência de 450 MHz de rede 4G da Vivo. A Ericsson ficou responsável pela instalação da rede e oferece sua plataforma IoT Accelerator para agilizar a integração das startups. A Raízen responde pela infraestrutura agrícola e pelo acesso aos canaviais onde são testadas as soluções. Inicialmente, duas antenas foram instaladas atrás do Pulse, o hub de inovação da Raízen, localizado em Piracicaba (SP). De acordo com o cronograma oficial, até o final de 2019 as startups devem consolidar suas soluções. “Dando certo,
Uma torre de 4G e os dispositivos da Trimble: o produtor precisa arcar com os custos da instalação da infraestrutura em sua fazenda
foto: divulgação Trimble
Ao cobrir uma grande área, soluções como essas podem resolver o problema de cerca de 90% das propriedades rurais brasileiras. Já as grandes empresas agrícolas, com maiores áreas, caixa e corpo técnico, muitas vezes optam por soluções desenvolvidas sob medida. É a estratégia de grupos como o Amaggi, um dos maiores produtores de grãos do Brasil, apresentado pela operadora Oi como seu primeiro grande cliente no mercado da conectividade agro. A tele usa uma frequência diferente, de 450 MHz -- possui exclusividade na oferta comercial dessa solução em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Rio Grande do Sul e no Distrito Federal. "Ao contrário das redes de 700 MHz e 900 MHz, que são de conectividade aberta, a rede 450 MHz é fechada. Não dá para usar essa frequência para entrar em outra operadora", diz Anderson França, diretor de Vendas de TI Corporativo da Oi. Segundo ele, Oi e Amaggi realizaram três meses de testes até chegarem a um denominador comum sobre a melhor maneira de garantir transmissão de dados de campo entre equipamentos e sede da fazenda Tucunaré, uma propriedade de 87,6 mil hectares, localizada na cidade de Sapezal, a cerca de 500 km de Cuiabá. No caso da Vivo, outra das grandes operadoras de telecomunicações no Brasil, a principal parceria é com a Raízen, maior grupo sucroenergético do mundo, e com a fabricante sueca
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foto: divulgação Solinftec foto: divulgação John Deere
velocidade a áreas remotas de maneira mais barata. O acesso à banda larga é apenas um item do pacote, que inclui soluções para mapear a fazenda usando imagens aéreas captadas por smartphones presos a balões de hélio e uma plataforma de análise de dados, o Azure IoT Edge, que fornece insights mesmo sem acesso contínuo à nuvem. A tecnologia está sendo testada em alguns países da África, nos Estados Unidos, na Índia e no Sudeste Asiático. Mas ainda não é autorizada em outros, incluindo o Brasil. “Gostaríamos de trazer o FarmBeats para cá, mas ainda precisamos mostrar ao governo as vantagens de adotar o conceito”, afirmou o cientista à PLANT, durante uma visita ao País para falar sobre o projeto.
a tendência é expandir os testes para outras áreas", diz Guilherme Lago, coordenador de Inovação da Raízen. Três das AgTechs já divulgaram alguns serviços, como uma estação meteorológica criada pela Ativa, que coleta, armazena, processa e transmite dados como precipitação, velocidade e direção do vento, temperatura e umidade do ar, entre outros. IoT é a sigla em inglês para Internet of Things, a Internet das Coisas, que abrange todas as tecnologias que permitem aos objetos e equipamentos se conectarem e trocarem informações. É fundamental para que os diversos sensores espalhados pelas máquinas e lavouras transmitam os dados que 52
capturam para ambientes em que serão processados e analisados, gerando recomendações que permitam decisões mais assertivas aos produtores. De tão relevante, o desafio da conectividade rural mobiliza players de diferentes mercados, cada um com uma abordagem diferente. Até a gigante Microsoft entrou na corrida. Sua solução para a conectividade recaiu sobre os canais não usados de televisão, aqueles que aparecem nas telas apenas como “chuviscos”. Liderado pelo cientista chefe da Microsoft Azure Global, Ranveer Chandra, o projeto FarmBeats transforma os chamados “espaços brancos” da frequência de TV em canais para levar internet de alta
OBRIGAÇÃO DE CONECTAR Embora a oferta de telefonia móvel seja um serviço privado, a Anatel estabelece algumas obrigações de cobertura nos municípios brasileiros. Como o serviço depende de radiofrequência e as faixas devem ser destinadas em caráter de exclusividade para prevenir interferências, o direito de uso de tais faixas é leiloado pela Agência. Nos leilões, têm sido impostas obrigatoriedades de abrangência. Entre os compromissos já vencidos, ou seja, que já deveriam estar em prática desde o dia 31 de dezembro de 2017, nos municípios com população entre 30 mil e 100 mil habitantes, pelo menos três
Reportagem de Capa
empresas devem oferecer conexão com tecnologia 3G e no mínimo uma com tecnologia 4G. Até o final deste ano, as operadoras terão outra meta a cumprir: ao menos uma prestadora deve fazer o atendimento com tecnologia 3G aos municípios com população abaixo de 30 mil habitantes. A própria Anatel exige que as operadoras apresentem em seus sites um mapa dos serviços oferecidos. Metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro têm muitas opções de internet de alta velocidade. Mas basta se afastar dos centros para ver como as barrinhas indicadoras da qualidade da conexão vão diminuindo. Diversos municípios são atendidos pelo sistema 2G, nomenclatura que se refere à tecnologia usada ainda na década de 1990, quando os celulares começaram a se popularizar. Marcou a transição do sinal analógico para o digital. Se enviar imagens em grupos do WhatsApp é uma tarefa difícil com o 2G, imagine receber gigabytes de informações coletados pelos sensores que agora integram modelos modernos de tratores. De acordo com dados de março de 2019, dos 5.570 municípios brasileiros, 5.467 têm cobertura 3G e 4.554 são atendidos pela conexão 4G. Todos têm acesso à rede mais antiga, 2G. O problema é que a definição considera atendida a cidade que tem sinal em 80% de sua área urbana, ou seja, não existe
garantia de que o sinal será recebido pelo produtor no meio de sua propriedade. TECNOLOGIA PARA POUCOS Durante muito tempo, as operadoras represaram a conexão no campo por uma questão de custos. “Focamos a atuação em áreas urbanas, onde estão as pessoas, já que o negócio tem que se pagar”, diz Rafael Marquez, da TIM. “Mas as áreas urbanas representam menos de 10% do território nacional. Assim, deixamos de lado uma parte importante do mercado em termos de expansão geográfica”, afirma ele. A situação é difícil longe das metrópoles, mas ainda pior em grandes regiões produtoras. “A realidade no Mato Grosso é mais crítica que em outros locais onde a agricultura também está consolidada principalmente por conta da densidade demográfica baixa”, diz Otávio Celidonio, superintendente do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) no estado. Embora os custos tenham caído bastante nos últimos tempos, arcar com as despesas da instalação de uma torre ou uma antena ainda é algo reservado apenas a produtores maiores que precisam garantir a internet em todos os pontos de suas grandes propriedades. “Vimos muitas soluções proprietárias, em que cada produtor dá o seu jeitinho”, conta Marquez. De acordo com a operadora, uma antena é capaz de cobrir até
Ag
A tecnologia embarcada em maquinário da Solinftec e John Deere: potencial só é aproveitado por completo se há internet na propriedade
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C O N EX Ã O EM B LOC O S Empresas se reuniram em blocos para oferecer soluções variadas aos produtores ConectarAgro Empresas envolvidas: Tim, Nokia, Solinftec, Climate FieldView, Trimble, Jacto, AGCO e CNH Industrial Internet: 4G Tecnologia: transmissão via antena na frequência de 700 MHz Características: - Solução aberta - Permite conexão com qualquer maquinário - Mesma frequência usada em grandes centros urbanos
Agro IoT Lab
Empresas envolvidas: Oi
Empresas envolvidas: Microsoft
Empresas envolvidas: Vivo, Ericsson e Raízen
Internet: 4G
Internet: 4G
Internet: 4G
Tecnologia: transmissão via antena na frequência de 450 MHz
Tecnologia: TV white spaces
Tecnologia: transmissão via antena na frequência de 450 MHz
Oi Conectividade
Empresas envolvidas: John Deere, Trópico Internet: 4G Tecnologia: transmissão via antena na frequência de 250 MHz Características: - Rede privada - É contratada diretamente com o concessionário - Oferecida em 270 pontos de venda no país
35 mil hectares. Em alguns casos, uma única instalação é suficiente para resolver o problema de uma fazenda. Em outros, é possível compartilhar o sinal com vizinhos. “Isso é especialmente eficaz no Sul, em que há mais fazendas menores e mais próximas. Com um único investimento compartilhado seria possível atingir várias propriedades", afirma Anderson França, da Oi. Outra solução para viabilizar a conectividade entre produtores menores é recorrer a cooperativas e dividir os custos da instalação da infraestrutura. “Estamos conversando com algumas 54
FarmBeats
Conectividade Rural
Características: - Rede privada - Oferecida em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Distrito Federal e Rio Grande do Sul
Características: - Usa canais não ocupados da televisão digital - Maior alcance em áreas remotas - Tecnologia ainda ilegal no Brasil
cooperativas e também diretamente com os produtores, principalmente os médios, mas também os pequenos”, afirma Dal Forno, da TIM. Embora a Internet das Coisas seja a plataforma em que a operadora tem focado suas aplicações, Dal Forno revela que há uma grande demanda reprimida por todo tipo de conexão. “Videoconferências no campo dão agilidade ao negócio e tornam os treinamentos muito mais rápidos”, diz. Também é preciso superar a barreira cultural que impede alguns produtores de enxergarem as vantagens de terem internet em toda a fazenda. “Entendemos
Características: - Plataforma usada por startups para desenvolver soluções usando IoT - Ainda em fase de testes
os grandes produtores, que são mais abertos a novas tecnologias”, diz Ranveer Chandra. “Mas ainda estamos estudando os pequenos e médios produtores.” Ele aponta a falta de escolaridade de muitos dos fazendeiros responsáveis por pequenas propriedades em países nos quais o setor agrícola tem um papel de destaque na economia, incluindo a Índia e o Brasil. “O desafio de resolver a falta de conectividade no campo passa pela necessidade de alguns líderes tomarem a frente”, diz Otávio Celidonio. Esses líderes podem ser grandes produtores ou o próprio governo. De acordo com Chandra, da Microsoft,
Reportagem de Capa
Ag
Análises em tempo real: aplicativos permitem que o produtor acompanhe cada etapa e aumente a produtividade a partir de dados coletados pelo maquinário
os governos podem atuar como intermediários no processo, especialmente na análise dos dados captados pelos sensores e outros equipamentos nas fazendas de pequenos produtores, fornecendo os insights de maneira mais palatável. “Fizemos testes com informações úteis na tomada de decisões enviadas por SMS, e os resultados têm sido positivos”, afirma o cientista. “Se você reparar, todas as soluções desenvolvidas pelas AgTechs brasileiras tentam, de uma maneira ou de outra, driblar a falta de conectividade no campo”, diz Mateus Barros, da Climate. Essa busca por inovações tem ajudado muitos produtores a otimizar sua produção, mas está longe de resolver o problema. Enquanto isso, outros países estão tomando a frente. “Não diria nem que a questão da conectividade nos daria uma vantagem competitiva”, afirma
Mateus Barros. “Na verdade, ela nos colocaria em pé de igualdade com outros mercados importantes, como os Estados Unidos.” À ESPERA DO 5G A quantidade de iniciativas que se propõem a resolver a falta de internet em grande parte das propriedades rurais brasileiras mostra que as operadoras de telecomunicação finalmente descobriram a importância do agronegócio para o País. Enquanto aqui ainda engatinhamos na adoção de tecnologias, lá fora a discussão está muito mais avançada. Já se fala da iminente chegada do 5G, o futuro da comunicação via celular, e de que maneira essa nova tecnologia poderá – ou não – beneficiar o agro. Em março, a iniciativa 5G Rural First, do Reino Unido, lançou um aplicativo para pecuaristas que permite o
acompanhamento em tempo real de cada animal na fazenda a partir da análise captada por colares dotados de 5G, incluindo a dieta de cada um deles, bem como a qualidade do sono. A tecnologia também permitiria que sistemas de irrigação fossem ligados nos momentos mais oportunos do dia, entre outros benefícios. Para Chandra, no entanto, a solução não é ideal para o campo. “O 5G é muito eficaz em áreas urbanas, já que é capaz de transmitir uma grande quantidade de dados por distâncias pequenas. Nas áreas rurais, analisamos diversas soluções possíveis, e o 5G não é uma delas.” Por aqui, ainda vai demorar um pouco para o futuro chegar. Inicialmente, a previsão era de que a rede comercial estaria disponível a partir de 2021. Recentemente, essa data tem sido considerada otimista demais, e especula-se que ela só estará operacional em 2023. A TIM já PLANT PROJECT Nº15
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Ag
Reportagem de Capa
anunciou a construção de uma torre em Florianópolis-SC, primeira cidade que terá a rede, operada na frequência de 3,5 GHz. O objetivo é transformar a cidade em um grande laboratório das aplicações dessa tecnologia. Também na Agrishow deste ano, a operadora afirmou que a sua infraestrutura poderá ser facilmente adaptada para a chegada do 5G. Em última instância, essa corrida para ver quem consegue conectar mais hectares beneficia os produtores, claro, mas também representa uma busca maior por produtividade, algo absolutamente necessário para garantir uma produção sustentável de alimentos no futuro. Até 2050, o mundo terá 9,8 bilhões de habitantes, 2,2 bilhões a mais do que existem hoje. Para alimentar toda essa gente será preciso aumentar a produtividade das fazendas em 70%, e não existem muitos espaços no planeta que ainda não foram utilizados pela agricultura. Tudo o que há de mais moderno hoje, da Internet das Coisas à agricultura e pecuária 4.0, passa pela questão da conectividade. A internet no campo pode garantir nossa sobrevivência na Terra. 56
foto: divulgação Jacto
A plataforma de agricultura de precisão OtmisNET, da Jacto: a empresa integra o megabloco ConectarAGRO, anunciado na Agrishow deste ano
O SINAL QUE VEM DO ESPAÇO Lançado em maio de 2017, o Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas 1, ou SGDC-1, entrou em órbita com o objetivo de levar internet para todos os cantos do País. Parte de sua capacidade é reservada para uso das Forças Armadas do Brasil, mas o resto seria destinado a conectar regiões afastadas. Um entrave judicial envolvendo a Telebras, gestora da operação, e a Viasat, operadora contratada para instalar a infraestrutura necessária, atrasou os planos por quase dois anos, e só agora essa internet começa a ser oferecida, inicialmente a escolas e comunidades de saúde. A grande vantagem do SGDC, além de alcançar 100% do território nacional, é permitir o uso da banda Ka, frequência mais barata e de grande alcance. Enquanto o SGDC não oferece internet à população civil, existem outras opções para conectividade via satélite, que em algumas regiões do Brasil é a única forma de acesso à internet. A operadora americana Hughes, responsável por inaugurar os serviços em banda Ka nos Estados Unidos, oferece conexão via satélite há algum tempo e desde maio deste ano se juntou à Yahsat, operadora baseada nos Emirados Árabes Unidos, para oferecer conexão via banda Ka. Com a união, o alcance desses serviços chega a 95% da população brasileira. Neste ano, a Embratel anunciou a ampliação do IPSAT, seu serviço de banda larga operado a partir do satélite Star One D1, o maior já lançado pela companhia. Em órbita desde dezembro de 2016, o IPSAT fornecerá conexão via banda Ka.
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Plant + John Deere
A COLHEITA DA CONECTIVIDADE John Deere e Trópico lançam a solução Conectividade Rural para levar internet ao campo. O serviço, que atende propriedades de todos os portes, pode ser contratado nos 270 concessionários da empresa e permitirá acesso total aos dados coletados nas lavouras, trazendo ganhos na gestão e na produtividade. Entenda como o sistema funciona:
F r e q uê ncia
Produzido para a John Deere pelo Studio Plant Conteúdos Especiais
I n fr a est r u tu r a
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Com uma única antena será possível criar uma rede com internet em um raio de até 30 km
Operando na frequência de 250 MHz, permite vencer melhor obstáculos físicos e ter uma maior área de cobertura
F L E X IBIL IDA D E Tecnologia de comunicação permite operar com uma ampla gama de equipamentos através de Wi-Fi e integração com diferentes sistemas
Ve l o cida d e d e d o wnl oa d e upl oa d A taxa de transferência de dados é de até 14 Mbps. A relação entre velocidade de download e upload de dados é de 55%/45%, respectivamente, uma relação muito mais balanceada para aplicação agro que as conexões tradicionais
Va ntag e ns
Co m pa r aç ão c om out r a s so l u ç õe s - Tecnologia celular: oferece um custo atrativo, mas disponível principalmente perto de grandes centros urbanos, com maior densidade demográfica - Satélite: chega em áreas mais remotas, mas a latência, ou tempo de resposta, é muito maior e inviabiliza algumas operações
- Custo: cobre até 50% mais área, reduzindo o investimento em infraestrutura necessária - Infraestrutura privada: conexão e banda exclusiva para a operação sem competição com outros no tráfego de dados - Um único interlocutor: o concessionário John Deere faz o atendimento e coordena o suporte quando necessário, sem que o produtor precise procurar diversos fornecedores - A Trópico desenvolve projeto técnico, estudo de viabilidade e cobertura, seguindo normas da Anatel
S o l uç Ã O PA R A TOD OS Infraestrutura privada flexível para todos os tamanhos de propriedade, incluindo cooperativas e associações de produtores
C ONE C TI VI DA D E A L É M DA OPE RA ç Ã O - Infraestrutura flexível que permite conectar, além das máquinas, voz, vídeo e outros dispositivos - A rede LoRA local permite acesso à rede LoRA nacional, conectando meteorologia, logística e muito mais
S e rv iço s a d icio na is - Suporte de TI para gestão da rede - Acompanhamento e monitoramento das máquinas, com sugestões para otimizar o desempenho no campo - Treinamento para aproveitar ao máximo a tecnologia embarcada no maquinário e também a digital
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Com Evandro Gussi
EVANDRO GUSSI 38 ANOS DIRETOR PRESIDENTE DA UNICA MESTRE EM DIREITO CONSTITUCIONAL PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL (UFRGS) E DOUTOR EM TEORIA DO ESTADO PELA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP)
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N
os últimos anos o advogado Evandro Gussi assumiu uma valiosa causa. Como deputado federal eleito por São Paulo, ele dedicou boa parte de seu mandato à defesa do RenovaBio, o projeto que estabeleceu os pilares da nova política nacional de biocombustíveis. Foi o autor e grande porta-voz da proposta, que tramitou e foi aprovada em tempo recorde no Congresso e, no ano passado, sancionada pelo então presidente Michel Temer. A legislatura acabou, ele deixou a Câmara dos Deputados, mas se manteve engajado na causa, ago-
“O Brasil tem um agronegócio, tem uma agroindústria que não precisa de maquiagem. Ela precisa de lentes, precisa de câmeras, precisa de aparecer para as pessoas.”
ra à frente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica). Gussi assumiu a presidência da principal entidade do setor sucroenergético no início do ano disposto a colocar a produção de etanol, de açúcar e de energia nas usinas nos holofotes. Com informação, ele pretende despertar na população a visão de quanto o setor contribui com o desenvolvimento e com a sustentabilidade no País. Confira a seguir os principais trechos de sua entrevista à PLANT: Sua gestão na presidência da Unica começou praticamente junto com o novo governo. Qual será a característica dessa gestão, tendo em vista a atual conjuntura do País? Alguns desafios estão claros. Não são desafios apenas da Unica, do setor sucroenergético, mas do empreendedorismo e para o agro brasileiros como um todo. Temos de mostrar aquilo que nós somos. O Brasil tem um agronegócio, tem uma agroindústria que não precisa de maquiagem. Ela precisa de lentes, precisa de câmeras, precisa aparecer para as pessoas. Um grande desafio que nós queremos levar para a frente é tornar a Unica
mais digital, mais moderna no sentido de estar conectada às pessoas, para elas saberem o que é setor sucroenergético, o que é o açúcar, o que é etanol, a bioeletricidade que a gente gera, como contribuímos para o Brasil e para o mundo. Sua ideia é abrir mais as portas da Unica, que é uma entidade empresarial e que, portanto, se dedica em grande parte a tratar dos temas que são importantes para a indústria e, assim, é uma entidade mais fechada, menos exposta ao público. Ela de alguma maneira se tornou com muita justiça a grande voz do setor sucroenergético. Temos aqui os melhores estudos, grandes técnicos, grandes profissionais que oferecem formulações e soluções para toda a cadeia sucroenergética. Isso nós queremos continuar, queremos acentuar esse diálogo. Mas queremos mostrar isso para as pessoas, mostrar isso para o próprio setor, que às vezes não se conhece. Nós temos 700 mil pessoas, só no estado de São Paulo, que são colaboradores diretos das unidades. Se nós pegamos indiretos, podemos pensar aí em 2,8 milhões de pessoas. Essas pessoas,
mesmo de alguma maneira interagindo com o setor sucroenergético, não sabem, em escala global ou em escala nacional, o que significa aquilo que elas fazem. Nós precisamos dar essa organicidade. Ao lado de todo esse trabalho de relações institucionais, que pressupõe todos os aspectos técnicos, entendemos que a gente precisa também levar isso para o cidadão comum. Precisamos entender o que existe no Brasil. O sujeito chega ao posto de combustíveis e o frentista pergunta para ele: “gasolina ou etanol?” Em que lugar do mundo nós temos isso? Essa grande virtude, esse grande processo de eficiência que o setor sucroenergético trouxe ao Brasil é um exemplo para nós. Precisamos nos apropriar dele, porque as pessoas aí fora em geral não perceberam. Para eles, é uma coisa trivial, algo que eles vivem no dia a dia, e não percebem que, sem medo do trocadilho, nós somos únicos nessa questão. O setor tem duas frentes bem distintas, não? Uma é o etanol e a outra, o açúcar. Elas vivem momentos diferentes de percepção. O etanol aparece como PLANT PROJECT Nº15
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Assista aos vídeos desta e de outras as entrevistas na página da série Plant Talks. Use o QR Code para acessar.
uma solução energética com menos emissões, como alternativa energética. Já o açúcar hoje é mais combatido... Acho que as coisas são muito conectadas. Sobre a comunicação, acredito que ela precisa, ainda que menor, ser perene e resiliente. A comunicação que fica é aquela que vai tendo redundância, que dá às pessoas a oportunidade do conhecimento. O segundo ponto é que nós vivemos no açúcar algo que não é a primeira vez que acontece em relação a gêneros alimentícios. O frango já sofreu um monte porque alguém inventou que as aves chegavam a 3 kg em 45 dias porque era aplicado hormônio. Nunca existiu não é nem intenção da indústria de proteína animal de frango aplicar hormônio. O ovo já foi um grande vilão. Hoje é um grande aliado. O que nós temos em termos de pesquisa mostra que o açúcar, como a maioria das coisas que nós consumimos, precisa ser qualificado num estilo de vida saudável. Não me refiro só a uma alimentação saudável, mas a uma vida organicamente saudável. Isso vai implicar no consumo, sim, de açúcar,depanificados,doscarboidratos em geral, das gorduras em geral, de uma maneira equilibrada. Hoje tem muita ciência para isso, mas ao mesmo tempo devemos pensar como vamos lidar com a nossa atividade física, o que nós vamos fazer porque hoje, com as comunidades do mundo con62
temporâneo, nós temos baixa queima calórica. É função da Unica entrar nesse debate? Eu acho que sim, porque há um equívoco quando terceirizamos responsabilidades. A Unica não faz defesa de aumento do consumo de açúcar. Na verdade, o que nos preocupa é que, como responsáveis por segurança alimentar que somos, nós não vamos ter solução para desnutrição africana, para desnutrição asiática sem que parte desse povo ultrapasse 7 quilos per capita/ano de consumo de açúcar. Não estou dizendo que queiramos que as pessoas consumam 92 kg por ano, como é o caso dos Estados Unidos. Mas enquanto nós não rompermos os 7 quilos de regiões africanas e asiáticas não vamos bater nesse flagelo chamado desnutrição. Em relação ao etanol, existem uma grande oportunidade e, ao mesmo tempo, uma grande concorrência em torno de novos modelos energéticos na questão veicular. Há vários modelos de automóveis elétricos com tecnologias diferentes. Como enfrentar essa concorrência para que o uso do etanol seja um modelo na eletrificação da frota? Nós vemos na eletrificação uma grande oportunidade para o etanol. A eletrificação é um dado posto, é uma necessidade da hu-
manidade já no curto, mas sobretudo no médio e no longo prazos. Nós entendemos que temos a oferecer o melhor caminho para a eletrificação: como diz o doutor Plinio Nastari, querido amigo, essa bateria líquida chamada etanol. Por quê? A primeira pergunta que eu tenho que fazer quando eu vou eletrificar um carro é de onde virá a eletricidade. Pode vir de uma fonte externa, mas às vezes essa fonte externa é altamente poluente, como é o caso de termoelétricas movidas a carvão. O Daily Car publicou recentemente um estudo mostrando que o Tesla 3, rodando na Alemanha com matriz energética da Alemanha, tinha emissão de ciclo de vida – que computa desde a produção de energia até a emissão do próprio veículo – de 156 a 181 gramas de CO2 equivalente por quilômetro rodado. Isso é
“Temos o melhor caminho para a eletrificação da frota de veículos: essa bateria líquida chamada etanol.”
Com Evandro Gussi
mais do que um carro a gasolina no Brasil. Não adianta eu zerar a emissão na propulsão do carro, mas manter uma emissão fortíssima na geração da energia. Num híbrido flex como é o caso do Corolla que está sendo lançado pela Toyota, terá emissões de 28 gramas de CO2 equivalente por quilômetro rodado. Se eu pego 147 gramas, que é a gasolina sem mistura de etanol, para 28, estou falando de uma redução de mais de 80% das emissões, aproveitando tecnologias existentes. Com o RenovaBio, que gera um quadro institucional de previsibilidade para a indústria do etanol e que vai garantir a disponibilidade de 50 milhões de litros até 2028, não tenho dúvida de que o caminho para o Brasil é um híbrido flex movido a etanol. Mas isso depende evidentemente de a indústria automobilística comprar essa ideia. A indústria automobilística trabalha com escala e com um olhar para os mercados como o americano e o chinês, pelo volume. Existe espaço para que seja uma tecnologia regional? Sem dúvida, existe espaço para essa tecnologia regional, que pode ter profunda sinergia com processo de eletrificação global a partir do carro híbrido, no primeiro momento. Hoje a taxa de blend global, contando com o 100% do etanol hidratado brasileiro, não passa de 6%. A gasolina sem mistura de etanol emite, como eu já disse anteriormente,
cerca de 147 gramas de CO2 equivalente por quilômetro rodado. Se eu misturo 27% de etanol a essa gasolina, eu já reduzo mais de 20% das emissões desse veículo. Agora, se esse veículo é híbrido com gasolina com 27% de mistura de etanol, o nível de emissão tem uma redução de aproximadamente 50%. Se nós conseguirmos mostrar ao mundo os benefícios que isso pode trazer, com aproveitamento da tecnologia híbrida que já está disponível, não tenho dúvida de que as pessoas primam pela eficiência. A mobilidade do século 21 vai ser plural. Outra área com enorme potencial para a indústria sucroenergética é a interligação das usinas à rede elétrica, com cogeração de energia. Como o setor pode ganhar com isso, inclusive na
questão de imagem, já que há um impacto ambiental importante na medida em que elas podem substituir termelétricas, que são mais poluentes? Essa sem dúvida será uma das grandes consequências do RenovaBio. Faltava para o setor sucroenergético a precificação das externalidades positivas que já existiam, mas que não chegavam ao potencial que poderiam ter. Hoje oferecemos só 15% da energia elétrica a partir da cogeração que a gente tem potencial para fazer. É uma energia limpa, está perto dos centros produtores. Mas quais eram os incentivos para isso ser proliferado? O RenovaBio passa a precificar por regimes de mercado toda essa cadeia de produção de biocombustível. A cogeração contribui muito para a nota de eficiência energética de uma usina.
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Ag CiĂŞncia
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MENOS É MAIS, MUITO MAIS Ao passar pela porteira da nanotecnologia, materiais mais que minúsculos se transformam em soluções que aumentam os ganhos da cadeia agropecuária e a compreensão do consumidor final sobre a produção de comida
foto: Shutterstock
Por Romualdo Venâncio
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s nematoides, parasitas que atacam as raízes de diversas culturas, causam um prejuízo anual de cerca de R$ 35 bilhões à nossa agricultura, segundo dados da Sociedade Brasileira de Nematologia (SBN). Nas lavouras de soja, que representam quase metade da produção nacional de grãos, a rasteira passa de R$ 16 bilhões. Boa parte do problema está exatamente na forma sorrateira como agem esses minúsculos parasitas, sob a terra, sem serem vistos e sem alardes, minando o potencial produtivo das plantas. É mesmo como uma rasteira: quando menos espera, o agricultor já foi derrubado. Para o bem do agronegócio, não é de hoje que o setor de pesquisa vem trabalhando, em várias direções, para que os produtores possam dar o troco, e na mesma moeda. Um dos caminhos para essa virada é a nanotecnologia, ciência que se propõe a desenvolver ou inovar matérias-primas, produtos e processos a partir da manipulação de mate-
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riais em escalas atômica e molecular. As boas notícias são inversamente proporcionais ao tamanho dessas partículas. Nos Estados Unidos, por exemplo, foi descoberta uma nanopartícula biológica que amplia a área de ação dos defensivos que combatem os nematoides e conduz melhor esse procedimento. Esse recente estudo, publicado em 20 de maio deste ano na revista Nature Nanotechnology, vem sendo realizado em conjunto por pesquisadores da California University, localizada na cidade de San Diego, e da Case Western Reserve University, de Cleveland (Ohio). Nicole Steinmetz, professora de nanoengenharia da California University e uma das autoras da pesquisa, conta que foi testada a mobilidade de nanopesticidas sintéticos baseados em vírus. A pesquisadora diz terem descoberto que os vírus causadores das doenças mosaico-do-tabaco e mosaico-do- feijão-caupi podem penetrar no solo a uma profundida-
de de pelo 30 cm, permitindo que o nematicida seja distribuído na rizosfera, exatamente onde as raízes das plantas mais mexem com a terra e onde há maior atividade microbiana. Ou seja, o impacto do produto por ali é bem maior. De outra forma, essa área provavelmente só seria alcançada com a aplicação de doses elevadas de pesticidas, aumentando o custo de produção. É aí que a agricultura de precisão faz toda a diferença, pois além de aumentar a eficácia dos insumos evita a poluição ambiental pelo acúmulo do produto. Tal condição é potencializada por formulações de liberação lenta com base em nanopartículas. Nicole compara essa evolução ao que já ocorre na saúde humana. Nanopartículas são utilizadas para direcionar a ação dos medicamentos concentrando-a na região do corpo onde está a doença. Dessa forma, aumenta a eficiência da droga e reduz os efeitos colaterais no paciente.
A busca por tal assertividade também tem histórico no Brasil, tanto para a produção agrícola quanto pecuária, inclusive com soluções já disponíveis. Mais que gerar resultados superiores em lavouras e rebanhos, a nanotecnologia pode estabelecer uma valiosa conexão entre o campo e o consumidor final. REAÇÃO EM CADEIA A importância desse campo da pesquisa para as cadeias agropecuárias levou o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) a publicar um estudo chamado Nanotecnologia Aplicada ao Agronegócio, no qual descreve benefícios dessa área e mostra iniciativas no setor. Diversos estudos brasileiros apresentados no documento estão sob o guarda-chuva da Rede de Nanotecnologia Aplicada ao Agronegócio, a Rede AgroNano, composta por mais de uma centena de pesquisadores de diferentes unidades da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), além de profissionais de outras instituições – públicas e privadas – e de agroindústrias. À frente desse grupo está a Embrapa Instrumentação, de São Carlos (SP), que traz esse tema entre suas cinco linhas temáticas de trabalho. Não por acaso, é nessa unidade que está instalado o Laboratório Nacional de Nanotecnologia para o Agronegócio (LNNA). Caue Ribeiro, pesquisador sênior da Embrapa Instrumentação destaca três enfoques princi-
pais nas linhas de pesquisa nesse campo. “Em medicina animal, há projetos de novas vacinas utilizando adjuvantes nanométricos, medicamentos de liberação controlada e novos métodos de diagnóstico de doenças animais por sensores nanoestruturados. Na área de nutrição, há a formulação de rações com componentes de liberação lenta e controlada. E em qualidade do produto, temos a conservação de ovos por películas de revestimento e o monitoramento da qualidade de carne e leite por sensores nanoestruturados”, explica. “Esses exemplos não esgotam o tema, mas já mostram a abrangência da área.” Daniel Souza Corrêa, também pesquisador da Embrapa Instrumentação e que trabalha diretamente com o LNNA, comenta que a piscicultura vem ganhando espaço entre os segmentos de produção animal nos estudos realizados pela Rede Agronano. Segundo ele, as pesquisas vão desde o desenvolvimento de nanocompósitos (que resultam da mistura em nanoescala de materiais com diferentes características) com melhores propriedades mecânicas (resistência a intempéries mais leves com menor custo de produção, entre outras) para uso em tanques-redes. Outra opção é o encapsulamento de insumos, como vitaminas e nutrientes, para alimentar os peixes. “O objetivo é aumentar o ganho de peso dos animais utilizando uma menor quantidade de comida”, completa.
Ag
foto: Embrapa Instrumentação
Ciência
Filme comestível à base de frutas, desenvolvido pela Embrapa, é apenas uma das muitas aplicações da nanotecnologia no Brasil
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Ag Ciência
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dicamento nanoencapsulado desenvolvido pela Embrapa Gado de Leite para combater a mastite e que tem maior alcance nas áreas de infecção, diminuindo a reincidência e o descarte de leite. “Mesmo que o custo do medicamento seja um pouco maior, compensa pela redução do risco de ter um animal sem produzir”, diz Caue. Ele acrescenta que essa relação custo/benefício depende de cada setor de aplicação e que o ganho global na cadeia é mais complexo. “Não pode ser analisado apenas como um fator do preço imediato do novo produto”, ressalta. Daniel avalia que, por se tratar de uma área tecnológica de ponta, a nanotecnologia tem relevância estratégica para o agronegócio, mas também por essa razão em muitos casos os investimentos são realizados mais a médio e longo prazos. “É importante que o Brasil aumente os investimentos nessa área para evitarmos ou diminuirmos a de-
Caue Ribeiro (direita), da Embrapa Instrumentação, destaca a aplicação da nanotecnologia para garantir a qualidade dos alimentos, como a película de revestimento para ovos (abaixo)
foto: Embrapa - Lucas Scherer
Mostra desse trabalho colaborativo, a Embrapa Instrumentação atuou em parceria com a Produquímica, empresa do Grupo Compass Minerals, para o desenvolvimento de um fertilizante baseado em nanotecnologia. Lançado no ano passado, o MicroActive consiste na formulação de micronutrientes, em grande concentração, que recobrem de forma homogênea os grânulos dos macronutrientes nitrogênio, fósforo e potássio (NPK). O objetivo é garantir que as lavouras sejam alimentadas com mais precisão, o que, no final das contas, gera melhores resultados em produção e investimentos. Essa aproximação do setor privado com as instituições de pesquisa, inclusive do meio acadêmico, é essencial para acelerar os avanços nesse campo da ciência, pois os custos do desenvolvimento de produtos são elevados. Sobretudo porque, apesar de os conceitos da nanotecnologia terem surgido no final dos anos 1950, não faz tanto tempo que a tecnologia passou a ser estudada com mais ênfase para o agronegócio. A ampliação dessa área é relativamente recente. “Por isso, de forma geral, as tecnologias de maior valor agregado tendem a ser mais atrativas ao mercado, ao menos enquanto não se tornam financeiramente mais acessíveis”, comenta Caue. Segundo o pesquisador, na pecuária, por exemplo, faz mais sentido utilizar essa tecnologia para um rebanho de elite. Como o me-
foto: Amanda Mazzini
pendência tecnológica”, afirma, acrescentando que uma forma de estimular a entrada de recursos no setor seria por meio de políticas de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) em nanotecnologia estabelecidas pelo governo. “Isso incentivaria investimentos contínuos tanto pelas instituições de pesquisa quanto pelo setor industrial, como acontece nos países mais desenvolvidos, que continuam injetando recursos na área de nanotecnologia, via setores acadêmico e industrial”, analisa. HORIZONTE EXPONENCIAL O universo de inovações para a indústria com a nanotecnologia é muito abrangente, passando por carnes artificiais, produzidas a partir da nanomanipulação de proteína vegetal; roupas conectadas que monitoram sinais vitais e controlam odores ou que tenham proteção UV; tatuagens eletrônicas que substituem eletrodos no monitoramento do coração e do cérebro. A amplitude do setor também é representada em cifras. Há uma expectativa de que o mercado mundial de nanotecnologia, envolvendo diversos segmentos produtivos, alcance US$ 76 bilhões no ano que vem. Em 2015, era estimado em US$ 27 bilhões. Esses dados fazem parte da síntese de resultados do projeto Indústria 2027, realizado pela CNI, a Confederação Nacional da Indústria, em parceria com o Instituto Euvaldo Lodi (IEL), a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e a Unicamp (Universi-
dade Estadual de Campinas). Esse trabalho analisa o impacto de oito grupos de tecnologias em dez setores produtivos da economia em dois períodos – cinco e dez anos. Nesses cruzamentos a nanotecnologia encontra o agronegócio em duas situações, uma de forma mais direta, pelo setor de agroindústria, e outra um pouco menos, com bens de capital, onde entram máquinas e implementos agrícolas. Os relatórios desse projeto trazem o segmento de embalagens como destaque na exploração agro da nanotecnologia. O principal objetivo é ampliar a vida útil dos alimentos nos pontos de venda, o tempo de prateleira (shelflife). Há também a possibilidade de identificar, em tempo real, a idoneidade do produto, o que ajuda a eliminar o desperdício associado aos prazos de validade tradicionais. O material ainda dá ênfase ao setor de pesquisas: “Embora alguns desses produtos já sejam comercializados, o comportamento de nanopartículas desperta preocupações com a saúde. Não existe ainda uma regulação de seus usos, mas a experiência das biotecnologias aponta para a necessidade de cautela”. As pesquisas na Rede Agronano vão nessa linha, com o desenvolvimento de filmes processados, revestimentos comestíveis e embalagens funcionais para alimentos. Mais interessante é que a matéria-prima também é comestível: frutas e legumes. A partir de polpas de produtos como mamão,
maracujá e beterraba são gerados polímeros naturais não tóxicos, materiais de alto potencial usados no processamento de bioplásticos. É a nanotecnologia que também permite a alteração desses produtos para novas utilizações pela agroindústria, ampliando o leque de possibilidades. Vale ressaltar que toda essa evolução tem influência direta na relação entre a comida, já no varejo, e o impacto ambiental. A expectativa é de que muito em breve esses nanomateriais biodegradáveis possam entrar de vez na rotina da indústria de alimento em diferentes etapas: procedimentos de conservação de frutas e legumes, preservação no transporte e no comércio ou como agente de identificação de sanidade e qualidade, indicativos ao consumo humano. “Esses benefícios da nanotecnologia agregam valor ao produto – mais saudável, nutritivo e durável. Em muitos casos, esses ganhos serão percebidos de forma indireta”, comenta Caue. A evolução nesse campo da pesquisa científica voltada ao agronegócio, em especial à produção de comida, pode favorecer a relação entre as cadeias agropecuárias e o consumidor final, aproximando esses dois extremos e dando mais visibilidade à importância do meio rural. PLANT PROJECT Nº15
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â€œĂ‰ preciso encontrar uma forma justa de compartilhar nosso custo ambiental com o resto do mundoâ€?
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Ideias e debates com credibilidade
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QUEM DEVE PAGAR A CONTA DA CONSERVAÇÃO? AGROAMBIENTAL, POR CAIO PENIDO* O Brasil pode produzir mais, melhorando o balanço de carbono, remunerando melhor quem produz com sustentabilidade e conservando seus biomas por meio da valorização do meio ambiente e dos seus serviços ambientais! Em vez de defender a “extinção das reservas legais” ou o “desmatamento zero”, acredito que deveríamos nos concentrar no Código Florestal e na criação de valor real à biodiversidade brasileira, medida defendida recentemente pela ministra Tereza Cristina em audiência na Câmara dos Deputados: “O País só conservará o meio ambiente se a preservação se tornar negócio”. Muitos países desenvolvidos, até por terem sido ocupados há muito mais tempo, utilizam todas as suas áreas com potencial produtivo para produzir alimentos e preservam muito pouco de vegetação nativa, normalmente em áreas sem aptidão para agropecuária. O produtor de alimentos nesses países se preocupa apenas em produzir! No Brasil, para o bem ou para o mal, encontramos uma realidade muito especial: a obrigatoriedade da manutenção das Reservas Legais e APPs (áreas de preservação permanente), instituída pelo Código Florestal, impõe restrições ao uso de parte da propriedade rural, obrigando o produtor a assumir sozinho todo o ônus por essa conservação. A complexidade do conjunto de leis e regulamentos para a adequação ambiental é gigantesca, deixa margem para diferentes interpretações e cria um ambiente de insegurança permanente, que impede o produtor de se dedicar a sua labuta. Nossas vegetação nativa e biodiversidade, em vez de serem uma vantagem nas negociações internacionais, vêm reduzindo a competitividade dos agroprodutos brasileiros, além de se-
rem muitas vezes usada como barreira comercial sob a alegação de risco de desmatamento. Vejam que absurdo: a falta de valorização ($) dessa biodiversidade, cara ao produtor brasileiro, traz como consequência uma concorrência desleal com mercados que não impõem essas mesmas restrições ambientais, caso claro de concorrência desleal que deveria ser levado à OMC (Organização Mundial do Comércio). Moramos todos no mesmo planeta e devemos buscar soluções coletivas para a consolidação de um modelo que equilibre a ocupação humana e os limites dos sistemas naturais. Certamente a destinação à conservação de um percentual de nossa vegetação nativa representa uma medida importante para mitigar tais impactos. O que não é justo é impingir aos produtores brasileiros os custos da manutenção de um benefício que atende a todos. Seria um tipo de altruísmo para ajudarmos o mundo, só que o altruísmo não pode ser imposto. Esse pensamento de que os proprietários de terras brasileiros deveriam salvar o resto da humanidade sem nenhum tipo de reconhecimento é impositivo, antiquado e está polarizando o campo. É preciso encontrar uma forma justa de compartilhar esse custo ambiental com o resto do mundo, mantendo nossa biodiversidade conservada como consequência de sua valorização e sem perder a soberania sobre nossas florestas. Precisamos urgentemente apoiar a iniciativa da ministra Tereza Cristina e pressionar o Congresso Nacional pela regulamentação dos mecanismos que transformem nossa biodiversidade em valor, em negócio, para que aprovem a legislação dos chamados Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA). Para que nossa produção possa crescer de forma sustentável e nossa PLANT PROJECT Nº15
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biodiversidade possa sobreviver, precisamos apoiar a implantação do artigo 41 do Código Florestal, que regulamenta o mercado do PSA . Hoje, a questão do PSA é discutida como forma não apenas de proteger ecossistemas, mas
também de criar alternativas econômicas para melhorar a produtividade agrícola, a renda e a qualidade de vida dos agricultores e das comunidades que vivem na floresta e dela dependem para sobreviver.
*Ativista agroambiental e empresário, Caio Penido é pecuarista no Mato Grosso e trabalha na articulação da Liga do Araguaia, onde lidera projetos de pecuária sustentável: Projeto Carbono Araguaia, Projeto Campos do Araguaia, Projeto Garantia Araguaia e parceria com a Embrapa Gado de Corte, entre outras atividades.
A FISIOLOGIA DO GOSTO TERROIR, POR IRINEU GUARNIER FILHO*
Em sua obra-prima, A Fisiologia do Gosto, o francês Brillat-Savarin meditou, de modo insuperável, sobre as sensações que uma boa refeição pode nos proporcionar. Não por acaso, o livro, de 1825 mas ainda hoje delicioso de se ler, é considerado a “certidão de nascimento” da gastronomia. Sem a pretensão de emular o mestre, adentro esse território fascinante com uma certeza: o gosto não tem marcha a ré. Uma vez que experimentamos um alimento ou uma bebida de qualidade superior, nosso paladar não volta atrás. Estabelece um patamar que só pode ser superado por algo ainda melhor. O gosto evolui. Até pode sofrer uma ou outra recaída – mas jamais regride em definitivo. Gosto se educa. Quem experimentou Brie, Camembert ou Roquefort dificilmente volta para o queijo-commodity – tipo lanche. O mesmo ocorre com o azeite extravirgem em relação aos óleos vegetais comuns. Com o aceto balsâmico em relação ao vinagre-de-qualquer-coisa. Ou com o café. Com o vinho, não é diferente. Muitos de nós começamos bebendo vinhos feitos com uvas americanas ou híbridas. Vinhos de garrafão. Mas, depois
que provamos um Cabernet Sauvignon, um Merlot ou um Chardonnay, quem diz que voltamos para os caldos de Isabel ou Niágara sem torcer o nariz? Ilustro a minha tese com um exemplo caseiro. Cresci vendo meu pai bebericar um copo de vinho às refeições. Vinho comum, de mesa. Quando comecei a conhecer um pouco mais sobre o assunto, sugeria ao velho que experimentasse um Cabernet Sauvignon ou um Merlot. Ele provava, fazia uma careta e colocava a taça de lado: não, obrigado. Mas, por que não? Eram vinhos muito alcoólicos e amargos, desculpava-se. O tempo passou, mas não desisti da minha “evangelização”. Sempre que o visitava, levava-lhe uma garrafa de um vinho fino diferente. Aos poucos, ele foi cedendo. Primeiro, abriu a guarda para alguns Merlot mais ralinhos. Depois, deixou-se seduzir pelos sedosos Malbec. Um dia, admitiu que não gostava mais de vinho comum. Quando eu lhe perguntava, por brincadeira, se não lhe apeteceria provar um vinho colonial com “gostinho de uva”, ele, polidamente, recusava. Até o final de seus dias, já havia se convertido em um bebedor razoavelmente refinado.
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Não quero dizer com isso que o vinho comum, que representa 80% do consumo da bebida no Brasil, e sustenta milhares de agricultores familiares, não tem importância cultural, social ou econômica. Tem. E precisa ser respeitado. Afinal, cada um bebe o que gosta – ou o que o bolso permite. Alguns vinhos comuns até são tecnicamente mais bem feitos do que muito vinho fino metido a besta...
Mas vinho, de verdade, universalmente reconhecido como tal, é o vinho elaborado com uvas Vitis viníferas, e não o fermentado de uvas americanas. Se quisermos construir uma reputação internacional como produtores de vinho, não há outro jeito: teremos de converter nossos parreirais para viníferas europeias. E, com as uvas americanas, seguiremos fazendo o melhor suco do mundo.
*Irineu Guarnier Filho é jornalista especializado em agronegócio, cobrindo este setor há três décadas. Metade deste período foi repórter especial, apresentador e colunista dos veículos do Grupo RBS, no Rio Grande do Sul. É Sommelier Internacional pela Fisar italiana, recebeu o Troféu Vitis, da Associação Brasileira de Enologia (ABE), atua como jurado em concursos internacionais de vinhos e edita o blog Cave Guarnier. Ocupa o cargo de Chefe de Gabinete na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, prestando consultoria sobre agronegócio.
MENOS QUÍMICOS? SIM, É POSSÍVEL A REVOLUÇÃO DAS MÁQUINAS, POR MARCO RIPOLI* Essa é uma pergunta que não sai da nossa cabeça... De acordo com relatório divulgado no início do ano pelo Parlamento Europeu, a segurança alimentar e alimentação saudável necessárias para 11 bilhões de pessoas em 2100 é um dos maiores desafios do século e requer que todo o sistema agrícola cumpra a exigência de trabalhar dentro dos limites de sustentabilidade. Isso significa aumentar a produção sem perder a biodiversidade, sem aumentar a geração de gases de efeito estufa e minimizar o impacto ambiental. A pergunta: é possível manter os rendimentos atuais no noroeste da Europa e aumentar os rendimentos em outras regiões do mundo sem produtos químicos (herbicidas, fungicidas e inseticidas)? também se aplica ao Brasil. O desenvolvimento de novos produtos convencionais (sintéticos) diminuiu, em parte devido a questões de legislação, enquanto o número de biopesticidas aumentou nas últimas décadas, impulsionando a "revolução verde", e
contribuiu para o aumento de 2,5 vezes a produtividade das culturas nos países desenvolvidos. A introdução de novas moléculas é estritamente regulamentada e envolve um procedimento longo, incluindo uma avaliação de risco, avaliação dos efeitos tóxicos em seres humanos e outros organismos. Os produtos químicos atuais, quando aplicados corretamente, são muito mais seguros do que no passado e existe um rigoroso controle sobre os seus resíduos. A tecnologia de aplicação também melhorou consideravelmente, o que contribui para a redução dos impactos sobre o ambiente e a saúde humana. Os custos de avaliação de risco para a indústria de produtos de proteção de cultivos por substância ativa aumentaram de US$ 41 milhões em 1995 para US$ 71 milhões hoje em dia. A ação de proteção dos cultivos durante a safra não só implica no uso de insumos químicos, mas também em outras medidas alternativas, como a rotação de culturas, a implementação PLANT PROJECT Nº15
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de cultivares resistentes, manejo do solo, entre outros. Sem esses insumos, a segurança alimentar de 11 bilhões de pessoas está ameaçada no futuro. A questão em aberto continua a ser se é possível reduzir a utilização sem a redução das produtividades... Há indicações para cultivos específicos de que uma diminuição no uso é viável. Acredita-se em uma redução significativa no caso das culturas que utilizam uma maior carga de produtos químicos, mas não no caso daquelas que já são tratadas com baixas doses de aplicação, mas ainda assim existem efeitos secundários indesejados e inevitáveis, tais como o seu impacto negativo na biodiversidade. Estudos científicos indicam que o aumento da biodiversidade é bastante marginal, mas que, em nível mundial, haverá uma diminuição da biodiversidade. Embora tenha havido muitos pro-
gressos no passado no que diz respeito ao impacto do uso de produtos fitossanitários nos seres humanos e no ambiente, ainda são possíveis melhoramentos consideráveis. A redução do uso dessas moléculas parece uma forma, por exemplo, baseada em sistemas sofisticados de alerta e apoio à decisão, mas tal redução só é realista quando o risco de rendimento ou redução da qualidade dos alimentos é aceitável para o agricultor. A agricultura de precisão, incluindo sensoriamento remoto com veículos aéreos não tripulados, contribui para uma aplicação mais direcionada e redução do uso de insumos. O desenvolvimento de novas variedades mais resistentes, tanto por reprodução clássica como por novas técnicas de reprodução (via CRISPR-Cas), é uma boa alternativa. O agro não para!
* Marco Lorenzzo Cunali Ripoli é Ph.D., engenheiro agrônomo, mestre em Máquinas Agrícolas pela Esalq-USP e doutor em Energia na Agricultura pela Unesp. Executivo, disruptor, empreendedor, inovador e mentor, é proprietário da Bioenergy Consultoria, da Energia da Terra, empresa de alimentos saudáveis e investidor da Drinquis.
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GESTÃO NA PALMA DA MÃO
Produzido para a LS Tractor pelo Studio Plant Conteúdos Especiais
Com o novo aplicativo da LS Tractor, o produtor poderá digitalizar processos operacionais e terá relatórios em seu tablet ou smartphone
Do cartão de ponto às ordens de serviço entregues aos operadores de máquinas, diversas operações importantes nas fazendas ainda são realizadas à moda antiga, usando papel e caneta, mesmo nas maiores propriedades rurais do Brasil. O sistema analógico tem funcionado há décadas, mas sempre bastante sujeito a erros e imprecisões, que podem ser eliminados com a digitalização de cada um dos processos, desde os mais simples. Um aplicativo desenvolvido pela fabricante de máquinas sul-coreana LS Tractor, que há cinco anos atua no Brasil, ajuda a mudar esse quadro. Integrando informações da telemetria das máquinas à possibilidade de coletar dados sobre o dia a dia das propriedades, o recém-lançado LS Tech funciona como uma ferramenta mais ampla para os clientes da empresa. “A partir da necessidade de nossos clientes, criamos um sistema de gestão da propriedade”, diz Astor Kilpp, gerente de Marketing e Produto da LS Tractor. Conectado a um dispositivo instalado nas máquinas, o app reúne informações como pressão, temperatura do óleo, posição geográfica e velocidade de deslocamento, além de dispositivos de segurança que protegem o motor em caso de superaquecimento. Mas também
vai além. O operador pode, por exemplo, bater o ponto dentro da máquina ou receber uma ordem digital com todas as informações necessárias, do abastecimento à quantidade de defensivo que precisa ser aplicada em determinado talhão. Através de um cartão com um QR Code, que será usado para registrar as funções no app, ele fará diretamente em seu celular ou tablet os apontamentos referentes ao seu trabalho. No final do dia, quando a máquina retorna à fazenda, o LS Tech gera um relatório, enviado por Wi-Fi ao produtor. A opção de desenvolver um aplicativo, acessível de várias plataformas, foi escolhida por reduzir os custos do cliente. O sistema pode ser usado tanto em máquinas novas quanto em versões anteriores, por meio da instalação do dispositivo. A compatibilidade se estende ao maquinário de outros fabricantes e o software de gestão pode ainda ser integrado a qualquer plataforma já utilizada pelo produtor. Soluções como a LS Tech têm conquistado os brasileiros. Em apenas cinco anos atuando no País, a LS Tractor já detém 10% do mercado, “um resultado muito acima do projetado”, afirma Kilpp. A empresa já está presente em 16 estados, com 32 concessionárias e 60 pontos de venda.
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ADEALQ - HÁ 75 ANOS CONECTANDO ESALQUEANOS
ESALQ - USP
CONECTIVIDADE RURAL NO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO: UMA RESENHA POR FREDERICO AUGUSTO PERES CORREIA*
Como brasileiro, é sempre um orgulho ler ou ouvir os números que sustentam a nossa agropecuária em uma posição de destaque nacional e de grande interesse internacional. Por outro lado, há ainda desafios e pontos de melhorias que merecem muita atenção, mas não os aprofundarei aqui. Quero apenas discorrer rapidamente sobre um assunto que vem ganhando destaque nas mídias: conectividade rural. Ao redor desse tema, facilmente escutamos o clichê: “Não tem sinal no campo”. Será que um dia essa realidade irá mudar? Este ano, tive a oportunidade de participar pela segunda vez consecutiva como expositor da Agrishow, uma das maiores feiras do agronegócio no hemisfério sul, depois de muito tempo distante da região de Ribeirão Preto (SP). Como estou ligado ao mercado de transformação digital, pude presenciar o anseio de muitos visitantes no estande perguntando por infraestrutura de redes sem fio em áreas rurais. Analisando essa geração, é indiscutível o tremendo avanço da tecnologia agrícola, mais precisamente dentro das máquinas e implementos, que facilitam a realização das atividades agrícolas em extensas áreas: é uma evolução que passou da tração animal até tratores com mais de 400 cavalos-vapor (cv) de forma impressionante. Esses veículos pesados são obras de arte de metal e circuitos internos que trabalham horas a fio para entregar resultados impressionantes quanto a preparo do solo, adubação, plantio, proteção da cultura e colheita. Esse avanço, de certa forma, favoreceu também a agricultura de precisão e aumentou seu espaço no serviço de manejo específico mediante análise de parâmetros bióticos e abióticos no sistema produtivo agrário. Esse olhar analítico de cada ponto do talhão oferece melhorias sensíveis no curto prazo e de alto valor no final da safra. Por isso, é possível ver como a digitalização rural vem, cada vez mais, endereçando dores do agronegócio de forma acelerada. Assim, fabricantes, revendas
e prestadores de serviços, sejam multinacionais, sejam startups, conquistam participação de mercado resolvendo problemas antes desapercebidos ao produtor durante a safra. Exemplificando, posso citar a telemetria das operações em campo, que ajudam a identificar desvios em confronto com o planejamento da safra, ou até a agrimensura de alta precisão, que auxilia na tomada de decisão sobre o manejo de solo, água e planta de acordo com fatores ambientais. Estes e outros exemplos necessitam de parâmetros digitalizados e, juntos, facilitam uma informação virar uma ação. Isso, inclusive, se torna bem mais ágil quando há a esperada conectividade rural que garantirá a comunicação de voz, troca de mensagens e imagens em tempo real na lavoura. A boa notícia é que empresas de tecnologia de comunicação continuam com grandes investimentos em pesquisa e desenvolvimento em cima desse tema, dispondo hoje de uma série de sensores e dispositivos que se conectam de diferentes modos. Citando alguns: 2G, 3G, 4G, NB-IoT, Wi-Fi, Rádio IP, LoRa, Sigfox, ZigBee, Bluetooth e satélite. O desafio agora é levar toda essa infraestrutura para a zona rural em um modelo de negócio que traga retorno de investimento para todos os participantes da cadeia. Conclusão: não só na Agrishow, mas em outros eventos ligados à tecnologia agropecuária, existem companhias envolvidas com o assunto conectividade rural e se esforçando para criar
ecossistemas com soluções colaborativas. Esse será mais um capítulo a ser vencido na agricultura brasileira, que comentaremos futuramente com familiares e amigos sobre os feitos desta geração digital. *Frederico Augusto Peres Correia (Paulistiña, F08, Ano Xupeta, República Taverna) é engenheiro agrônomo e especialista em arquitetura de soluções para o agronegócio.
Fazendas de painéis fotovoltaicos em Minas Gerais: Estado tem atraído grandes investimentos para projetos de energia solar, em especial na região norte, onde os níveis de insolação são mais elevados
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foto: divulgação Órigo
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Fazenda solar instalada em João Pinheiro (MG), com cerca de 20 mil painéis fotovoltaicos, gerou economia de R$ 230 mil no fornecimento de energia elétrica 78
O OURO QUE VEM DO SOL A região norte de Minas Gerais tem tudo para se tornar um dos principais polos nacionais de produção de energia solar fotovoltaica, principalmente pelos altos índices de radiação solar durante o ano todo. Agricultores e pecuaristas têm muito a ganhar com essa história
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Por Romualdo Venâncio
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e o agronegócio do norte de Minas Gerais já ganhava os holofotes por abrigar o maior sistema de irrigação da América Latina, o Projeto Jaíba, que abastece milhares de hectares com banana, manga, mamão e outras culturas, agora o setor pode saltar os olhos do mundo por conta de uma luz mais natural. O grande negócio do momento por lá é “plantar” painéis de células fotovoltaicas. A região com os maiores índices de irradiação solar do estado – e entre os maiores do País – está atraindo investimentos parrudos, inclusive na marca dos bilhões, e gerando oportunidades de agricultores e pecuaristas ganharem dinheiro com geração de energia. Fator interessante é que o movimento é bastante democrático, pois abre possiblidades para quem é irrigante ou trabalha em área de sequeiro, para quem tem áreas menores ou hectares a perder de vista e para quem nem tem fazenda. Esse panorama dá início a um novo ciclo de desenvolvimento econômico, social e até ambiental naquela região, ao menos é assim que entendem lideranças, autoridades e empreendedores que atuam naquela região. O principal motivo desse otimismo é a expansão, já em curso, do setor de energia solar fotovoltaica, motivada pelos altos índices de insolação. Não por acaso, são de lá os quatro primeiros municípios que aparecem no ranking de radiação solar global (kWh/m2/ dia) do atlas solarimétrico do estado. Para produtores que trabalham em áreas menores, a geração de energia limpa e renovável pode trazer significativa redução dos custos. Considerando que boa parte desses agricultores vive da
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fruticultura irrigada, uma das principais atividades agrícolas da região, cada centavo poupado com energia elétrica é relevante. Quem dispõe de terras mais extensas ainda pode faturar com o arrendamento para as “lavouras de silício”. Tudo indica que esse avanço pode se intensificar rapidamente, no entanto, há desafios importantes no horizonte, inclusive o do conhecimento, por se tratar de um tema ainda recente. A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) define os projetos de energia solar fotovoltaica em dois segmentos principais, separados pela marca de 5 MW. Daí para cima estão as usinas de geração centralizada, cuja comercialização de energia é feita em leilões realizados pelo governo federal ou no mercado livre. Abaixo desse potencial estão os sistemas de geração centralizada, que atendem o mercado de baixa tensão, separados em dois subgrupos: microgeração (até 75 kW) e minigeração (de 75 kW a 5 MW). Aqui não há venda direta da energia. Tudo o que é gerado vai diretamente para a rede da distribuidora, a Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais), e retorna ao fornecedor na forma de créditos para serem abatidos na sua conta de luz ou, se houver excedentes, negociados com outros consumidores. Quem lida bem com cálculos, vê com clareza que não se trata apenas de créditos. TEM SOL, MAS TEM NEBLINA No município de Janaúba, o segundo colocado naquela lista do atlas solarimétrico, são notórias as oportunidades de negócios, como explica Walter Moreira Abreu, secretário de
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Desenvolvimento Econômico e Agronegócio da cidade. Ele comenta que a irrigação conta com subsídios na tarifa de energia elétrica e, por isso, um irrigante paga aproximadamente a metade da tarifa cheia. “Com um sistema de 75 kW em sua propriedade, ele pode negociar os créditos com um usuário que paga tarifa cheia, oferecendo como vantagem um desconto de até 20%”, diz Abreu. Para chegar a esse ponto, é preciso investir no sistema de geração de energia, o que vai exigir ainda mais da habilidade contábil. De acordo com o secretário, será necessário aplicar algo em torno de R$ 320 mil para gerar 75 kW e faturar R$ 12 mil por mês. “Se o produtor consegue financiar esse projeto com o banco pelo prazo máximo permitido, que é de 12 anos, e no mês seguinte já tem seu sistema conectado à rede, começa a contar com os R$ 12 mil. Daí tira os 20% de desconto da venda de energia e os cerca de R$ 5 mil da prestação do financiamento e tem uma renda mensal de R$ 4,6 mil”, detalha. “Essa verba contribui para o sustento de sua família e para continuar investindo em tecnologia.” Entender quais e como são os sistemas de financiamento é um dos desafios para a expansão contínua do setor de energia solar fotovoltaica, e não apenas
em Minas Gerais. Fator favorável nessa questão é que, como em qualquer outro mercado, quanto mais operações, maior acaba sendo o entendimento a seu respeito. Segundo dados da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), em março deste ano o setor superou a marca de 2 MW de potência instalada operacional, o que equivale a 1,2% da matriz elétrica do País e à sétima posição entre as fontes de energia. De acordo com a entidade, o Brasil já conta com mais de 70 projetos de geração centralizada e mais de 60 sistemas de geração distribuída. Para contribuir com essa questão dos financiamentos, a Absolar desenvolveu um estudo, em parceria com a consultoria e assessoria financeira Clean Energy Latin America (Cela), sobre as linhas de crédito disponíveis no Brasil. O mapeamento identificou 70 produtos de 26 instituições financeiras, entre públicas e privadas. “Há linhas de financiamento disponíveis para empresas e cidadãos que buscam reduzir seus gastos com energia
Fruticultura irrigada pode ganhar nova fonte de renda com energia solar Abaixo, Walter Abreu, secretário de Janaúba (MG), e Camila Ramos, da CELA, que apostam no conhecimento para o avanço do setor
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elétrica”, afirma Camila Ramos, diretora da Cela. “Em 2018, os principais bancos de desenvolvimento do Brasil financiaram R$ 5,1 bilhões dos R$ 9 bilhões aplicados em projetos da fonte solar fotovoltaica”, acrescenta. A executiva destaca o fato de a maior parte das linhas de financiamento ser destinada aos projetos de geração distribuída para relacionar os principais desafios nessa área. “Além do acesso às informações sobre financiamento, temos outras importantes barreiras, como a curva de aprendizado das instituições financeiras sobre os baixos riscos da tecnologia, a agilidade na aprovação do crédito com base em critérios padronizados de projetos e contratos, a dificuldade das empresas em escolher linhas mais adequadas aos projetos e a necessidade de apresentação de garantias para a concessão de crédito”, diz Camila. MERCADO AQUECIDO Minas Gerais vive uma grande perspectiva em relação aos sistemas de geração centralizada devido ao próximo leilão da Aneel, que acontece agora em junho, para “contratar energia proveniente de novos empreendimentos de geração de fontes hidrelétrica, eólica, solar fotovoltaica e termelétrica a biomassa, com início do suprimento a partir de janeiro de 2023”. No total, são 1.581 82
projetos cadastrados com uma oferta total de 51,2 GW, e o segmento de energia solar fotovoltaica tem mais da metade desse montante: são 751 projetos e uma oferta superior a 26,2 GW. Os mineiros entram com 62 projetos e quase 2,5 GW, segundo dados da Aneel. Boa parte dessa energia poderá ser gerada no norte de Minas, pois muitos projetos estão nas cidades de Janaúba, Jaíba, Paracatu, Presidente Juscelino e Pirapora, onde está instalado o maior projeto de energia solar fotovoltaica da América Latina. O Complexo Solar de Pirapora, que entrou em operação em outubro de 2017, conta com 11 usinas e tem potencial de 321 MW. “Se as empresas que estão cadastradas para o leilão aqui em Janaúba ganharem, teremos grandes investimentos em construção de fazendas solares gigantescas”, afirma Abreu. Segundo ele, o município entrou no leilão com um projeto de 1 GW e outro de 600 MW. E ainda há outras negociações para o mercado livre. O secretário de Desenvolvimento de Janaúba estima que os investimentos para produção e escoamento desses 2,5 GW da geração centralizada podem chegar a R$ 10 bilhões. Esses recursos passarão tanto pelas fazendas de células fotovoltaicas como pela infraestrutura de subestações e grandes linhas de transmissão, pois a energia não
será, necessariamente, consumida na origem da geração. “Uma subestação é a Janaúba 3, que abre a possibilidade de conexão de algo em torno de 1,3 GW”, completa Márcio Danilo Costa, presidente da Câmara da Indústria de Energia da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg). Ele acrescenta que a indústria mineira “vê isso tudo com muito otimismo”. O dirigente da Fiemg destaca ainda como esse avanço pode favorecer os produtores que dispõem de terras para negociação. “Para cada megawatt de energia solar são necessários 2,5 hectares. Isso abre a possibilidade de venda ou arrendamento de terra”, afirma Costa. A presidente da Associação Central dos Fruticultores do Norte de Minas (Abanorte), Nilde Antunes Rodrigues Lage, reforça o discurso. “Essas oportunidades despertam o interesse inclusive dos pecuaristas que tiveram suas fazendas esvaziadas por conta da seca, que tem sido muito severa nos últimos oito a dez anos. Assim como os agricultores da área de sequeiro, que estão vendo na produção de energia solar uma chance de renovar a atividade”, comenta ela, acrescentando que há uma série de desdobramentos positivos nessa história. A Órigo Energia, empresa que atua em geração distribuída de energia solar, vem aproveitando
No sentido horário, Costa e Tânia Mara, da Fiemg, Mendonça, da Órigo, e Marina, da ABGD: otimismo com os pés no chão E acima, detalhe da placa solar
essa onda em Minas Gerais. No ano passado, a companhia investiu mais de R$ 100 milhões na construção de quatro usinas, principalmente aproveitando áreas improdutivas de agricultura e pecuária em regiões com maiores índices de irradiação solar. A primeira unidade foi implantada no município de João Pinheiro, um pouco mais a oeste de Janaúba, e gerou uma economia de R$ 230 mil na conta de luz de 63 clientes. “Oferecemos uma assinatura mensal permitindo que os clientes aluguem lote de painéis e tudo o que é produzido ali é descontado ao fim do mês na conta tradicional”, explica Surya Mendonça, CEO da empresa. A Órigo encerrou 2018 com 1.500 clientes. “A expectativa para 2019 é dobrar essa base e construir mais cinco fazendas solares em Minas”, afirma o executivo. DESAFIO LEGAL A assessora de Energia da
Fiemg, Tânia Mara Santos, diz que Minas Gerais pode passar de grande para gigante produtor de energia solar fotovoltaica. Mas esse salto está condicionado, entre outras coisas, a uma questão legislativa. “O que precisamos neste momento é ter muito carinho para cuidar da resolução da norma 482”, alerta, referindo-se à Resolução Normativa 482/2012, que estabelece as condições gerais para o acesso de micro e minigeração distribuída aos sistemas de distribuição de energia elétrica. Na verdade, a grande preocupação é com a possibilidade de alterações nas condições dessa regulamentação. A advogada especializada em energia e diretora jurídica da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD), Marina Meyer Falcão, comenta que está acontecendo um processo de revisão da 482, que deve se definir no segundo semestre. “Com a geração distribuída, você produz
sua energia e descarrega na rede da distribuidora, dentro de cada área de concessão. Então, teoricamente, utiliza a fiação da distribuidora por empréstimo, não há uma cobrança específica para isso”, comenta ela. “A Aneel pretende implementar gatilhos que disparam a cobrança a partir de um certo limite de potência, como se fosse um pedágio para usar essas vias”, acrescenta. Walter Abreu é um defensor ferrenho da manutenção do que determina a 482, pois é um estímulo à geração de energia por parte dos pequenos agricultores. “Nossa luta é para que essa taxa não seja aplicada, pois trata-se de uma estrutura que já está disponível”, diz. Marina explica que, diferentemente do que alegam as distribuidoras, o setor já paga, de uma forma ou de outra, pela utilização dessa infraestrutura. Em geração distribuída há uma cobrança chamada de Montante de Uso do Sistema de PLANT PROJECT Nº15
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Distribuição (MUSD). “E o valor é bem alto”, afirma a especialista. “Na área de concessão da Cemig, o valor para esse MUSD é de R$ 18 para cada kW, sem impostos. Então, uma usina de 1 MW vai pagar, todo mês, R$ 18 mil por demanda contratada”, explica. Segundo ela, essa questão tem outras vertentes. “No norte de Minas está ficando esgotada a linha de conexão. Lá atrás, quando houve plano de expansão de energia, faltou investimento nas linhas de
distribuição e de transmissão. Até mesmo pelo cenário econômico e político do Brasil, isso já deveria ter disso feito.” Enquanto não se decide essa questão, seguem as iniciativas para estimular a expansão da energia solar no norte de Minas. Uma delas, que está nascendo em Janaúba e pode chegar a diversos municípios visa a estimular a implantação de 110 mil sistemas de 75 kW, sendo 10 mil deles em pequenas propriedades rurais. O ponto de
partida é a criação da Associação do Polígono da Seca de Microgeradores de Energia (APOS MGE), encabeçada pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Agronegócio da cidade, com apoio do governo do estado e da ABGD. “Também já conseguimos o apoio da Cemig”, afirma Abreu. “Esse programa de geração de energia será o maior e mais consistente programa de inserção social da história de Minas Gerais”, acrescenta o secretário.
O SOL DE MINAS
BAHIA
Jaiba
GOIÁS
Janaúba
Pirapora Paracatu Presidente Juscelino João Pinheiro
ESPÍRITO SANTO
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SÃO PAULO
As cervejarias artesanais buscam na frutas ingredientes e sabores para produzir novos estilos, como a Catharina Sour: Paladar brasileiro
W WORLD FAIR
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A grande feira mundial do estilo e do consumo
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Bebida
foto: Shutterstock
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Catharina Sour, o primeiro estilo de cerveja exclusivamente brasileiro, foi criado em 2016 86
O ESPUMANTE DAS CERVEJAS A Catharina Sour é o primeiro estilo de cerveja tipicamente brasileiro a conquistar reconhecimento internacional. O nome é uma homenagem ao estado onde surgiu, e a receita, com frutas frescas nacionais, é uma vitrine da criatividade que também se cultiva por aqui Por Rafael Lescher
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fotos: Divulgação Cervejaria Zalaz / Pedro Mascaro
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riatividade, variedade, oportunidade e experimentação. Estão aí alguns dos ingredientes que deram origem a um estilo de cerveja brasileiro que tem conquistado consumidores por aqui – e o paladar de especialistas mundo afora. A Catharina Sour – o nome é uma clara referência à Santa Catarina, o estado onde surgiu – foi criada em 2016, na Cervejaria Blumenau, pelo mestre-cervejeiro Carlo Lapolli, que hoje preside a Associação Brasileira das Microcervejarias e Empresas do Setor Cervejeiro (Abracerva). Sua receita é uma inovação da alemã Berliner Weisse, cerveja de baixo teor alcoólico que por ser ácida é geralmente servida com licores de frutas e sobremesas. A versão nacional traz o sabor das frutas, típicas do Brasil, já na própria bebida, adicionadas durante o processo de fermentação. Seguindo um roteiro clássico das inovações, ao chegar no mercado a cerveja logo esbarrou em desafios, inclusive o paladar de consumidores mais tradicionais. É que no início ela era identificada pelo estilo Berliner Weisse. Quem apreciava o sabor mais ácido e se deparava com o gosto de frutas ficava confuso, ou até frustrado. A reclamação registrada em um dos pontos de venda se transformou em solução estratégica
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para desatar o nó comercial. E de forma bem atual e democrática: uma discussão em um grupo de WhatsApp de Blumenau. Após uma série de sugestões, veio o Catharina Sour. O termo Sour deixava claro se tratar de uma cerveja ácida, e o Catharina, além da homenagem ao estado, avisava o público, de cara, que aquela era uma cerveja diferente do que já existia no mercado. O debate foi além. Foi organizado um workshop com outros mestrescervejeiros para definir a receita e as regras para a fabricação do novo estilo. Produtores que vinham preparando bebidas similares passaram a adotar o nome, tornando o estilo mais popular. Hoje, qualquer pessoa pode desenvolver sua própria Catharina, é só buscar a receita completa no site da cerveja (catharinasour.com.br). A partir daí, a inovação catarinense se tornou conhecida inclusive em outras regiões do País. A popularização da cerveja ganhou mais força após uma visita ao Brasil de Gordon Strong, presidente do Beer Judge Certification Program (BJCP), organização internacionalmente reconhecida por certificar jurados de diversos estilos de cerveja, hidromel e sidra no mundo. Naquela ocasião, em 2017, Strong esteve em Santa Catarina para a
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Ao lado, preparação de frutas na Cervejaria Zalaz. Abaixo, Lapolli (Abracerva), criador do estilo Catharina Sour
clássicos para os brasileiros, mas completamente estranhos para consumidores de outros países. Lapolli, da Abracerva, até a descreve como o “espumante das cervejas”, comparando-a, por conta das qualidades gastronômicas, a um bom brut, cuja apreciação demanda maior refinamento e não apenas um copo gelado. Os produtores ressaltam sua delicadeza e o fato de ser imprescindível usar matériaprima de qualidade elevada, ou seja, sempre os melhores ingredientes. Essa condição reforça o empenho para assegurar a utilização de frutas in natura e manter a conexão com o lado agrícola dessa cadeia produtiva.
POR TRÁS DA ESPUMA Para a produtora de sucos e geleias Myberries, também de Santa Catarina, o crescimento da demanda por frutas frescas para a produção de cervejas abriu espaço para uma nova oportunidade. No entanto, as frutas vermelhas, especialidade da empresa, são extremamente frágeis e poderiam não suportar a viagem até as cervejarias, que nem sempre ficam em locais estratégicos. De uma parceria com Carlo Lapolli veio a saída para o estresse da logística, uma técnica de extração da polpa para garantir maior preservação do fruto sem perder sabor. “O processo não é simples”, comenta André Grützmacher, proprietário da Myberries. Todos
fotos: Divulgação Abracerva
apresentação de uma palestra e acabou provando o novo estilo. O especialista ficou tão surpreso com o sabor que sugeriu a criação de uma categoria própria no guia de estilos do BJCP, publicação mundial de cervejas que ele mesmo ajudou a criar. Esse guia serve para diferenciar os estilos em uma competição internacional, o que evitaria, por exemplo, que a Catharina Sour fosse injustamente comparada com as cervejas ácidas belgas. Mesmo o Brasil levando dezenas de cervejas ao pódio mundial todos os anos, foi a primeira vez que um estilo criado aqui conquistou reconhecimento internacional. Em pouco tempo, pequenas cervejarias nacionais começaram a ganhar prêmios por suas Catharinas. Em 2016, a Lohn Bier, de Lauro Müller, cidade mais ao sul de Santa Catarina, recebeu a premiação máxima no World Beer Awards, em Londres, na categoria cerveja saborizada dentro do estilo frutas e vegetais. “As cervejarias se diferenciam nessas competições por suas regionalidades. A utilização do que está disponível em sua área é o que faz sua cerveja se destacar das demais”, comenta Richard Westphal Brighenti, mestre-cervejeiro da Lohn Bier. O uso de frutas como a uva goethe foi determinante para a conquista da cervejaria. A Sour brasileira ganhou esse destaque internacional por levar ao resto do mundo sabores
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os dias as frutas são colhidas manualmente nas fazendas parceiras e depois enviadas à empresa, onde há um processo de retirada das sementes para a produção da polpa. Embora desafiador, o negócio foi um grande sucesso. André afirma que hoje de 20% a 30% da produção da empresa é destinada às Catharina Sour. Fabrício Almeida e Junia Falcão, da cervejaria Zalaz, são um exemplo de empresários que conseguiram tirar proveito da cultura agrícola para a produção de cervejas diferenciadas. A família de Fabrício é dona da Fazenda Santa Terezinha, localizada na Serra da
Geralmente o estilo apresenta alta carbonatação logo no começo, que se mantém durante a apreciação. O aroma acompanha essa efervescência, remetendo ao trigo e à fruta. Sua cor pode variar de acordo com os ingredientes utilizados. O colarinho é alto, mas abaixa rapidamente. O gosto ácido é rápido na boca, e se mistura com a fruta fresca, sem nenhum amargor do lúpulo. Notas suaves de especiarias podem aparecer, dependendo da fabricação. 90
fotos: Divulgação Abracerva
O QUE ESPERAR AO TOMAR UMA CATHARINA SOUR
Mantiqueira, no sul de Minas Gerais, onde se produz cafés especiais, culturas orgânicas (pitaia, mandioca e feijão), suinocultura e derivados. Eles vislumbraram a oportunidade de usar produtos ali mesmo da fazenda para a elaboração de cervejas únicas. Fabrício até já havia se aventurado na criação de cervejas artesanais, o que fortaleceu o sonho e a meta de ter a própria fábrica. Em um almoço com a família, ele e Junia apresentaram o projeto para a instalação da cervejaria na área da fazenda, criando um elo entre os dois negócios. O casal, que se conheceu em 2006, produziu, ainda com uma estrutura mais caseira, a bebida servida no próprio casamento, em 2013. No ano seguinte construíram a fábrica, que foi inaugurada em junho de 2015. Desde então, a cervejaria tem apresentado uma grande variedade de rótulos e cresce no mercado brasileiro. Mas como as novas safras de garrafas acompanham os períodos de colheita da Santa Terezinha, a disponibilidade para o mercado também é sazonal. Esse estilo único de produção causa certa inquietude, certa ansiedade no consumidor, que fica atento para não perder o próximo lançamento. Parece até coisa de colecionador. A Zalaz tem uma relação interessante com o estilo Sour. Fabrício conta que sempre produziu como hobby suas
fotos: Divulgação Myberries
fotos: Divulgação Cervejaria Zalaz
“sours domésticas”, expressão usada por alguns cervejeiros para descrever o processo de acidificação induzido por uma levedura que é colocada durante a etapa de fermentação. Essa forma de acidificação costuma ser adotada pelas empresas por sua rapidez e consistência. Fabrício revela ter um gosto especial por esse estilo de cerveja por representar bem o Brasil, pois sua refrescância e a facilidade de beber demonstram o melhor do clima do País. As cervejas da Zalaz continuam a ser produzidas com leveduras disponíveis na fazenda, mas recentemente uma nova cepa surgiu de forma inusitada. O casal adquiriu alguns barris para armazenar a bebida, com o intuito de que ela contraísse os gostos sutis da madeira. Ao retirarem a cerveja, perceberam que as leveduras presentes no reservatório a deixaram ácida, criando assim uma “sour selvagem”, quando a levedura é ativada sem a interferência humana. Esse estilo ganhou dois rótulos na singular lista de produtos da cervejaria.
Embora o estilo Catharina Sour venha ganhando notoriedade dentro e fora do País, há quem defina – mas não abertamente – a denominação mais como uma inteligente estratégia de marketing, mirando o aumento das vendas para o público geek, aficionado de cerveja. A brasilidade da bebida e a importância do uso de frutos locais não são questionadas, mas nem todos acham que as variações da receita original alemã justificam todo o alarde.
Junia e Fabrício iniciaram a Zalaz na fazenda da família, tradicional produtora de café orgânico. À direita, amoras fornecidas pela Myberries para produção de cervejas
NOVOS HORIZONTES PARA AS ARTESANAIS Ainda que barulhento, o mercado de cervejas artesanais só representa 2,7% da produção cervejeira no Brasil, o equivalente a 380 milhões de litros, segundo dados da Abracerva. Boa parte dos consumidores é formada pelo público geek, que se diverte com as diferentes marcas e novos sabores, sem se importar com os preços relativamente mais altos em comparação com as marcas tradicionais. David Michelsohn, da cervejaria PLANT PROJECT Nº15
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W Bebida O MERCADO DE CERVEJAS ARTESANAIS EM 2018
889 cervejarias
37.176 pessoas empregadas (2017)
registradas
Fonte: Abracerva
2,7% do volume
Júpiter, e Richard Westphal, da Lohn Bier, concordam que essa diferença se justifica pela complexidade da fabricação. O custo de produção das artesanais, que inclui ingredientes premium, eleva o preço final. David cita como exemplo a Tânger Witbier, uma cerveja de trigo com tangerina. Antes de adicionar a fruta à receita, é preciso retirar sua casca, mas o processo pode destruir a polpa. Para contornar o problema, a equipe precisa congelar sacos de 25 kg e só depois colocá-los nas máquinas. O processo, demorado e delicado, só aumenta o valor do produto que chega ao consumidor. Carlo Lapolli comenta que uma nova linha de cervejas, a Lambic, vem chamando a atenção de muitos produtores. Esse estilo belga usa malte de cevada e trigo e passa por um processo de fermentação dentro de barricas de madeira que pode levar de cinco meses até alguns anos. O sabor ácido surge desse 92
4 novas cervejarias
210 novas cervejarias
por semana
em 2018
período de envelhecimento e, em algumas versões, pela inclusão de frutas vermelhas. Hoje, no Brasil, essa cerveja tem sido reproduzida com mudanças semelhantes às feitas na Catharina Sour. Em vez de usar malte de trigo, os cervejeiros daqui adotaram a mandioca. Essa alteração deu origem ao nome de batismo desse novo estilo: Lambioca. Segundo a Abracerva, o número de novas cervejarias artesanais em 2018 apresentou crescimento significativo. São mais de quatro novos produtores por semana, totalizando 889 registros no ano passado. O estilo brasileiro de fazer cerveja está ganhando espaço e a visibilidade que sempre quis. Inspirando tendências que agora chegam ao exterior, com Catharinas Sour sendo fabricadas inclusive nos Estados Unidos, no Canadá, em Portugal e na Costa Rica. A safra de brindes tende a ser cada vez mais produtiva.
Até bergamota já entrou na receita da cerveja catarinense
fotos: Rafael Lescher
380 milhões de litros produzidos
total de cervejas (14,1 bilhões de litros)
W Consumo TRANSPARÊNCIA SONORA DESENHADO EM ESTOCOLMO, NA SUÉCIA, E TOTALMENTE MODULAR, ESTE ALTO-FALANTE TRANSPARENTE PRETENDE REDEFINIR A INDÚSTRIA DO CONSUMO. CADA PARTE DO TRANSPARENT SOUND PODE SER FACILMENTE SUBSTITUÍDA E, O QUE É MELHOR, RECICLADA. ASSIM, EM CASO DE DEFEITO, A TROCA É SIMPLES E O IMPACTO AMBIENTAL, MÍNIMO. US$ 1.100 WWW.TRANSPARENTSPEAKER.COM
LUXO SUSTENTÁVEL Além de beleza, sofisticação e conforto, o mercado de artigos de luxo tem aprimorado suas criações com a gentileza ao meio ambiente Por Rafael Lescher
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O Sítio em domínio público: Como clássicos da literatura infanto-juvenil serão lidos pelas crianças de hoje
Ar ARTE
fotos: Helio Campos Mello
foto: Michael Dantas/SEC
Um campo para o melhor da cultura
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Ar A RTE
Um campo para o melhor da cultura
CAÇADA A MONTEIRO LOBATO Obra do escritor entra em domínio público e reaviva o debate sobre a visão preconceituosa do homem do campo e do negro em livros considerados clássicos Por André Sollitto
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fotos: Furacão na Botocúndia
A Fazenda Buquira, em Taubaté, e o escritor Monteiro Lobato: hoje, a propriedade é um ponto turístico de São Paulo PLANT PROJECT Nº15
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Literatura
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ão é exagero afirmar que o primeiro contato de muitos brasileiros com a literatura foi por meio de uma das obras do escritor taubateano Monteiro Lobato (1882-1948). Precursor dos livros infantojuvenis no País em um período em que os jovens leitores só tinham à disposição traduções de contos dos irmãos Grimm ou de fábulas de La Fontaine, cujos temas abordados eram muito distantes da realidade nos trópicos, Lobato criou o Sítio do Picapau Amarelo, com personagens queridos até hoje. Foi também autor de romances adultos e tradutor de grandes autores. Agora, sua obra entrou em domínio público – o que acontece 70 anos após a morte do escritor. Junto com a perspectiva de colocar seus livros ao alcance de mais pessoas, volta-se a debater a maneira como ele retratou o homem do campo e o negro, e como sua
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obra poderia reforçar estereótipos raciais. A visão de Lobato sobre o caipira foi popularizada por Jeca Tatu, personagem que apareceu pela primeira vez na coletânea de textos Urupês, lançada originalmente em 1918. Na obra, o homem do campo é visto como indolente e preguiçoso, descuidado com a higiene e incapaz de trabalhar. Em uma época em que outros escritores glorificavam a vida no campo, Lobato apresentou aos leitores uma imagem muito diferente das regiões rurais. Um homem cosmopolita, Lobato teve alguns contatos com a vida no campo ao longo de sua existência. Herdou uma fazenda do avô e se dispôs a tentar aplicar tecnologias agrícolas modernas para restaurar a antiga glória da propriedade. Seus esforços não deram certo e, frustrado, culpou o caipira pelo fracasso. Esse retrato do Jeca Tatu seria revisitado – e alterado – com o passar do tempo. “Lobato estava sempre se corrigindo. Não tinha medo de voltar atrás, nem vergonha, de se corrigir quando tirava novas conclusões”, afirma Marcia Camargos, biógrafa e especialista na obra do taubateano, coautora de Monteiro Lobato: Furacão na Botocúndia. De acordo com ela, nas palavras do escritor, o Jeca Tatu “não era daquele jeito, mas estava assim”. Posteriormente, a obra passou a ser analisada como uma denúncia contra o descaso do governo com a população do campo. Campanhas de saúde foram feitas e uma versão infantil do personagem foi levada ao rádio para ensinar práticas de higiene. A relação de Monteiro Lobato com o Brasil profundo, agrário, é tema de outro
As várias versões de Jeca Tatu: as charges e a interpretação do ator Mazzaropi mostram a visão de Lobato sobre o homem do campo
livro, Cidades Mortas, de 1919. O escritor faz um retrato da decadência do Vale do Paraíba após a onda verde do café. Práticas predatórias tornaram o solo improdutivo após um período de grande desenvolvimento. Pragas atacaram as plantas, a devastação das matas alterou o clima da região e o solo sofreu erosão. O café continuou a ser cultivado em outras regiões – deixando um rastro de ruínas no caminho. “A obra retrata com crueza e senso poético a devastação dessa paisagem”, diz Marcia.
O próprio Sítio do Picapau Amarelo dialoga com a infância de muitos brasileiros, que conviveram com a família no campo. “O Brasil em que Lobato viveu era agrário”, diz Marcia. Os costumes e lendas do interior se mesclam a epopeias gregas, viajantes europeus e outras histórias para criar um imaginário que perdura até hoje – mas que revela costumes de uma sociedade que havia abolido a escravidão há pouco tempo. É aí que entra a visão do negro em sua obra, muito mais problemática. Já foi parar na
Justiça em mais de uma ocasião. Em 2010, em resposta à ouvidora da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), o Conselho Nacional de Educação recomendou que o livro As Caçadas de Pedrinho, de 1933, não fosse escolhido para o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), que distribui acervos às escolas públicas. Se ainda assim fosse escolhido, seria preciso fazer uma ressalva quanto ao teor racista do texto. O Instituto de Advocacia Racial (Iara) e o técnico em gestão educacional Antonio da Costa PLANT PROJECT Nº15
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Tia Nastácia e Tio Barnabé: representação dos negros na obra do escritor é problemática
Neto foram mais longe. Considerando a decisão insuficiente, entraram com um mandado de segurança para preparar professores da rede pública para discutir o racismo em sala de aula. O pedido só foi julgado quatro anos depois, e rejeitado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux, que alegou limitação da competência do STF no assunto. A polêmica é semelhante àquela que envolveu o romance As Aventuras de Huckleberry Finn, um dos principais do americano Mark Twain (18351910). Ao longo da narrativa, os negros são referidos pelo termo pejorativo “nigger” mais de 200 vezes. O livro foi boicotado por escolas e professores até que uma nova edição, revisada e sem as expressões racistas, 100
foi adotada. A mudança, no entanto, desagrada os especialistas em literatura. “Autores podem atualizar seus livros, inserindo dados novos. Mas a obra fica descaracterizada se essa revisão for feita por outros”, diz Marcia Camargos. Nos últimos anos, fatos da própria biografia de Lobato vieram à tona para reforçar o discurso de que o autor era racista. Ele teria sido um entusiasta da eugenia, crença de que a raça humana poderia ser melhorada ao excluir certos grupos genéticos tidos como inferiores, usada por Hitler para justificar o extermínio dos judeus. O Brasil foi o primeiro país da América do Sul a ter um movimento organizado, e Lobato foi amigo de Renato Ferraz Kehl (1889-1974), farmacêutico e um
dos principais defensores da eugenia. “Ele flertou com a eugenia, assim como flertou com o capitalismo, o comunismo, o fordismo e o espiritismo. Era um sujeito disposto a apostar nas novidades, chegando a ser ingênuo em alguns casos”, diz Marcia. Ela afirma ainda que um texto como o do livro Negrinha, lançado em 1920, é um libelo antiescravagista que critica os abusos sofridos pela população negra com a complascência da Igreja Católica. O escritor e pesquisador de mitologias e narrativas africanas Ale Santos discorda dessa visão. “Muitos questionam se Lobato era mesmo racista”, escreve ele. “A maioria desses questionamentos vêm de pessoas que nunca sentiram na pele o impacto de sua obra no
cotidiano negro.” Outro documento divulgado mostra a admiração do escritor pela Ku Klux Klan. “Um dia se fará justiça à Ku Klux Klan; tivéssemos uma defesa dessa ordem, que mantém o negro no seu lugar, e estaríamos livres da peste da imprensa carioca – mulatinho fazendo o jogo do galego, e sempre demolidor porque a mestiçagem do negro destrói a capacidade construtiva”, escreveu ele em 1938. Seu romance O Presidente Negro, originalmente planejado para fazer sucesso nos Estados Unidos, foi rejeitado pelos editores daquele país. No romance, classificado como uma ficção científica, um homem negro é eleito presidente, mas os brancos se revoltam e planejam uma “solução final”. Independentemente da polêmica e do debate, uma série de lançamentos já está programada para 2019. A editora Globo, que detinha os direitos sobre suas obras, lançará versões especiais de títulos como O Picapau Amarelo e A Chave do Tamanho. Reinações de Narizinho, um dos livros mais conhecidos de Lobato, será reeditado pela Companhia das Letras. E a L&PM está lançando diversos títulos em versões de bolso, com ilustrações. Há ainda adaptações para crianças feitas por Pedro Bandeira, autor bastante querido pelo público infantojuvenil. As prateleiras das livrarias, sejam elas físicas ou
digitais, serão inundadas por versões dessas histórias. Em vez de editar o texto original, uma opção que poderia fomentar a discussão seria a publicação de edições comentadas, com análises críticas e históricas. “Ele dialoga com seu tempo. Sua obra é uma radiografia de uma época. É algo muito atual e muito útil para o debate”, diz Marcia. Para ela, esconder ou revisar o texto é errado, já que apenas conhecendo a história é possível evitar que ela se repita. “Senão teremos uma geração sem espinha dorsal que acredita em fake news”, afirma ela. “O problema é que o racismo não aconteceu apenas na época do Monteiro Lobato, ele acontece ainda nos tempos de hoje, e a forma como ele acontece hoje é alimentada por quem escreveu como Monteiro Lobato”, diz Ale Santos. Agora que sua obra entrou em domínio público, evitar que estereótipos sejam repetidos é uma questão de análise e diálogo.
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foto: Blog Ensinar História – Joelza Ester Domingues
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Costumes entranhados: a escravidão já havia sido abolida na época de Lobato, mas a lei não reintegrou os negros à sociedade
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Elefantes e o rebanho bovino dividem espaço e até mesmo os cochos: explicação está no manejo 102
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A ARTE DO RENASCIMENTO Ao recuperar uma antiga fazenda da família, degradada após anos de abandono e erosão, Lélia e Sebastião Salgado deram vida nova a um pedaço da Mata Atlântica Por André Sollitto | Fotos Coleção Instituto Terra
Fotografias do próprio Sebastião Salgado retratam a Fazenda Bulcão em dois momentos: em 2000, no início do processo de reflorestamento, ainda devastada, e em 2013, com a cobertura vegetal que permitiu o resgate do solo, das fontes de água e da fauna
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foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
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ideia de plantar uma floresta salvou a carreira de fotógrafo de Sebastião Salgado, um dos mais premiados e importantes fotojornalistas do Brasil e do mundo, e restaurou sua esperança no futuro do planeta. Durante o final da década de 1990, ele fez uma série de viagens por quase 40 países para acompanhar os movimentos de povos pelo planeta. Acompanhou refugiados pobres escapando de conflitos armados, vítimas de desastres naturais e pessoas que abandonaram seu país de origem para buscar uma vida melhor em outro lugar. As imagens que captou foram reunidas em Êxodos, lançado em 2000. “Testemunhei muito sofrimento e grande coragem, porém mais do que tudo vi violência e brutalidade como nunca tinha imaginado. Quando o projeto terminou, a minha esperança no futuro da humanidade tinha se perdido”, escreveu ele no prefácio de outro livro, Gênesis. Deprimido, parou de fotografar por recomendação médica. Nessa mesma época, Sebastião e sua mulher, Lélia Deluiz Wanick Salgado, receberam a tarefa de cuidar da Fazenda Bulcão, uma antiga propriedade da família
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do fotógrafo, instalada em Aimorés, no Vale do Rio Doce, em Minas Gerais. A fazenda de gado tinha grande valor sentimental para Sebastião, pois foi lá que cresceu, ao lado das sete irmãs, rodeado pela vegetação natural da Mata Atlântica. Segundo ele, aprendeu a enxergar os contrastes entre luz e sombra sob o sol de Aimorés. Mas essa casa que conheceu já não existia da maneira como se recordava. A erosão e o desmatamento haviam secado a terra. Imagens da época mostram a degradação da região. Foi Lélia que sugeriu a recriação da floresta que antes existiu ali, usando as mesmas espécies locais. Fundaram, em 1998, o Instituto Terra, uma organização ambiental dedicada ao desenvolvimento sustentável. As mudas iniciais foram doadas pela Vale, que voltaria a ajudar a instituição em outras ocasiões. Esse primeiro plantio contou com o envolvimento das comunidades próximas – e deu errado. Todas morreram. O casal não desistiu e continuou tentando. Aos poucos, o processo começou a dar resultado. “Um dos principais indícios de sucesso do projeto foi a volta dos animais”, afirma
Perfil
foto: Weverson Rocio
O fotógrafo Sebastião Salgado, e a fazenda Bulcão: a ideia de replantar a floresta recuperou o ecossistema da região
foto: Weverson Rocio
Isabella Salton, diretora executiva do Instituto Terra. “A ideia nunca foi fazer um manejo artificial da fauna. Desenvolvemos um cadenciamento de plantio para recuperar a floresta – e apenas as árvores. Mas os animais retornaram de maneira espontânea”, diz ela. Tudo começou com besouros, borboletas e pássaros. Aos poucos, até peixes e jacarés retornaram. Em 2015, a equipe do instituto avistou a primeira jaguatirica, animal que ocupa o topo da cadeia alimentar. Se ela retornou à região, o sinal era claro: o ecossistema inteiro estava retornando ao equilíbrio. A área verde que recobre a fazenda abriga 293 espécies nativas, resultado do plantio de 2 milhões de mudas em 20 anos de atividades. Outras serão inseridas posteriormente com o objetivo de ampliar a diversidade. A fauna contempla 172 espécies de aves, seis delas ameaçadas de extinção; 33 de mamíferos, sendo dois em extinção no mundo e três, no Brasil; 15 de anfíbios e outras 15 de répteis. Desde o início da empreitada, o instituto buscou o título de reserva ambiental. Os 709 mil hectares da propriedade são certificados como Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), e desde 2004 existe, em Minas Gerais, a figura da Reserva Particular de Recomposição Ambiental, destinada a áreas degradadas e inspirada na Fazenda Bulcão. O instituto também coleciona prêmios. Em 2009, recebeu a aprovação do
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Bureau da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (RBMA), da Unesco, para atuar como Posto Avançado da entidade, difundindo conceitos e projetos da reserva. “Maravilhados com a capacidade da natureza para se regenerar, fomos ficando cada vez mais ansiosos com o destino de nosso planeta”, escreve Sebastião Salgado no prefácio de Gênesis. “Compreendemos o absurdo da ideia de que a natureza e a humanidade podem de algum modo ser separadas. Podemos saber dominar a natureza, mas esquecemos facilmente que dependemos dela para a nossa própria sobrevivência.” Essas reflexões seriam a base para um novo projeto fotográfico que retrataria como a poluição do ar, da água e da terra se tornou o preço pago pelo desenvolvimento. “Mudamos de ideia ao ver a vida regressando àquela que antes tinha sido nossa propriedade e agora se tornara um parque nacional”, diz ele. Gênesis, uma espécie de retorno no tempo publicado em 2013, é o resultado de viagens feitas ao longo de oito anos por 32 países, retratando paisagens terrestres e marinhas, animais e comunidades que haviam conseguido escapar do ser humano moderno. CONSCIENTIZAÇÃO EM SALA DE AULA “Desde cedo, decidimos adotar a educação como parte do 106
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trabalho do instituto”, conta Isabella. O objetivo, de acordo com a diretora do Instituto Terra, sempre foi construir uma nova consciência ambiental na região do Vale do Rio Doce, que sofreu um empobrecimento muito grande nas últimas décadas. “Não adianta apenas recuperar, é preciso mostrar a necessidade de reintegrar o ser humano à natureza e a importância do trabalho de conservação”, afirma ela. Os projetos de educação ambiental já atenderam mais de 75 mil pessoas, entre agricultores, estudantes, professores, líderes
comunitários, profissionais e técnicos de empresas e de governos. A principal iniciativa relacionada à educação desenvolvida pelo instituto é a capacitação em recuperação de áreas degradadas de Mata Atlântica e proteção de nascentes. Trata-se de um curso técnico gratuito com um ano de duração, lançado em 2005, e realizado no Núcleo de Estudos em Restauração Ecossistêmica (Nere), uma estrutura dentro da própria Fazenda Bulcão. Voltado para técnicos agrícolas, oferece
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hospedagem, alimentação e materiais para 20 alunos todos os anos. Nesse período, o estudante, normalmente proveniente de famílias de agricultores da região, vivencia as atividades do instituto. Ao final dos 12 meses, torna-se um agente de restauração ecossistêmica. Desde o início, formou 160 técnicos, e vários deles ocuparam posições de destaque em empresas da região. O instituto realiza ainda outras iniciativas. Além de cursos menores de educação ambiental, responsáveis por mostrar as necessidades de preservação para mais de 75 mil pessoas, criou o Laboratório de Sementes, em que realiza pesquisas e organiza informações técnicas sobre mudas da Mata Atlântica. Há uma equipe de coletores, responsável por buscar sementes nativas, que depois são analisadas
e selecionadas. O instituto mantém ainda um viveiro com capacidade para 1 milhão de mudas por ano. “Não conseguimos usar nossa capacidade de produção completa por falta de demanda”, diz Isabella. Atualmente, é o Programa Olhos D’Água o responsável pela maior parte da dedicação da equipe. “Temos um objetivo ousado: restaurar as nascentes do Vale do Rio Doce”, afirma Isabella. De acordo com um levantamento, existem 300 mil que precisam de cuidados na região. O grande responsável por secar as nascentes é o gado, já que os animais pisoteiam a terra em torno dos riachos quando estão em busca de água. O processo de recuperação envolve o cercamento da nascente e o replantio de mudas da região, criando assim um ambiente
Os jardins, o berçário de reflorestamento e o Núcleo de Estudos em Restauração Ecossistêmica: o Instituto Terra tem capacidade de produzir 1 milhão de mudas por ano
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Perfil
foto: Leonardo Merçon
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O papagaio Chauá e a jaguatirica: o retorno dos animais simboliza o equilíbrio do ecossistema
propício para a retomada natural do fluxo de água. Segundo a executiva, uma das maiores dificuldades em realizar esse tipo de trabalho é a conscientização da população. “Em geral, são pequenos produtores, donos da terra há muito tempo, que precisam mudar processos que são feitos desde a época de seus pais e avós”, comenta. Desde 2010, o programa já contemplou 2 mil nascentes de 20 municípios de Minas Gerais e oito do Espírito Santo. LUTA POR SOBREVIVÊNCIA Realizar todo esse trabalho
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custa caro, e o Instituto Terra vive de projetos e doações e busca patrocínios constantemente. “O dia a dia de uma ONG é muito difícil. Estamos sempre atrás de parcerias de médio e longo prazos”, diz Isabella. Essas parcerias acontecem principalmente no modelo de convênios de cooperação técnico-financeira. O Instituto Terra está aberto à visitação como forma de apresentar o trabalho feito à população. Mantém uma loja virtual em que oferece camisetas, artesanato e pôsteres com reproduções de fotografias de Sebastião Salgado, algumas delas autografadas. Também assume a tarefa de realizar a adequação de propriedades que tenham passivos ambientais. A organização recebe ainda todo tipo de doação, inclusive valores menores, mas recorrentes. “Os indivíduos muitas vezes querem colaborar com alguma causa, mas não sabem como fazer isso. Hoje, é possível delegar esse trabalho que ele não consegue realizar sozinho”, afirma Isabella. Por R$ 20 por mês já dá para contribuir com a recuperação da Mata Atlântica. “Fazemos tudo com absoluta transparência e temos até uma auditoria internacional.” A melhor propaganda para angariar novos doadores é a própria trajetória de sucesso da iniciativa. Basta ver as imagens da Fazenda Bulcão antigamente e o resultado 20 anos após o replantio.
Um novo campo de atuação para a Positivo: Entenda os motivos que levaram a holding de tecnologia a investir em inovação AgTech
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As inovações para o futuro da produção
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O Spray 150, da startup Eleva: maior drone de uso civil marcou a estreia da Positivo no setor
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POSITIVO SOBREVOA O AGRO Holding de tecnologia cria fundo de investimentos com foco em AgTechs para fazer do Brasil uma referência em inovação no campo Por André Sollitto
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esde o começo de 2018, a vida de Graciete Lima, consultora de Novos Negócios da Positivo Tecnologia, uma das maiores empresas de tecnologia do Brasil, deu o que se pode chamar de guinada. A executiva, que até então não tinha intimidade com as cadeias agropecuárias, passou a gastar a botina dentro e fora do País, como uma verdadeira desbravadora em busca das oportunidades para o avanço tecnológico no campo. Ela se enfiou de corpo e alma em uma imersão pelo universo do agronegócio após vislumbrar o potencial de desenvolvimento no meio rural. Por aqui, esteve em fazendas e cooperativas, e lá fora visitou países como Estados Unidos e Israel, para conhecer os ecossistemas de startups. E foi pinçando players importantes, capazes de fazer a diferença e atender às demandas dos produtores. Essa jornada culminou na criação de um fundo de investimentos que, até agora, concentrou seus aportes em AgTechs.
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O interesse da Positivo pelo setor é compreensível. O Brasil é o terceiro maior exportador agrícola do mundo. Lidera a produção de café e açúcar, fica apenas um pouco atrás dos Estados Unidos na soja, e é o maior exportador de carne bovina do planeta. Ainda assim, toda a cadeia produtiva é repleta de entraves que limitam a lucratividade. Alguns deles resultam de processos que são transmitidos de geração a geração, por uma questão de tradição, testados pelo tempo, mas não necessariamente pela ciência. Grandes volumes de informação ainda são anotados à mão, em cadernos, sem a devida interpretação para transformar esses dados em conhecimento. Muitas tomadas de decisão ainda são feitas com base apenas na experiência do produtor. Por isso, há tanto espaço para as inovações tecnológicas. O ecossistema de startups do agro é vibrante e cresce a cada ano – e em breve será capaz de tornar o País uma
Graciete Lima e a linha de produção da Positivo: holding de tecnologia viu no agronegócio grande potencial de investimento
referência global, um exportador de conhecimento e tecnologia. O Grupo Positivo já havia flertado com o agro há pouco mais de um ano. A empresa fez um aporte na startup Eleva, responsável por desenvolver soluções para a agricultura usando drones, e hoje detém 40% da AgTech. Ajudou ainda a desenvolver o pulverizador Eleva Spray 150, maior drone de uso civil já criado. O veículo aéreo não tripulado foi exposto na Agrishow de 2018, em Ribeirão Preto (SP), e despertou o interesse dos visitantes, muito por causa do seu tamanho, pois ocupava quase o mesmo espaço de um helicóptero no hangar, e do visual, que remete ao 14 Bis, de Santos Dumont (1873-1932). Em novembro do ano passado, a holding criou o Positivo Tecnologia Fundo de Investimento em Participações em Empresas Emergentes, motivada pela regulamentação da aplicação de recursos da Lei de Informática em fundos de investimento destinados à capitalização de empresas de base tecnológica. Na prática, a mudança determina que o
capital usado no fundo saia das obrigações de investimento em pesquisa e desenvolvimento da empresa estipuladas pela Lei da Informática. Segundo Graciete, esse fundo é capitalizado anualmente, e parte dos recursos é usada para inovações internas. Até agora, 56% foram destinados a novos negócios – tudo no agro, transformando o que era flerte em um relacionamento mais sério. A empresa fez aportes, mas não revela os valores, em duas das principais AgTechs da atualidade: a AgroSmart, que desenvolve soluções em agricultura digital, e a @Tech, referência em pecuária 4.0. A seleção das startups foi feita de acordo com uma série de critérios, incluindo o nível de “dor” do usuário da solução proposta, se as inovações criadas abordavam problemas primordiais para os produtores, ou apenas “dores menores”, e como se daria a otimização do lucro, visando a um ganho para toda a cadeia, e não apenas para o produtor. Foram analisados também o nível real do produto proposto e a capacidade da startup de oferecer sua ideia em
escala. A AgroSmart e a @Tech foram escolhidas justamente por atenderem a todos os pré-requisitos. A principal ferramenta da @Tech é o Beef Trader, algoritmo que monitora dados sobre saúde e peso do gado e indica ao pecuarista o melhor momento para o abate. A AgroSmart também fornece dados para otimizar a tomada de decisão dos produtores, mas atua na agricultura. “Vamos aportar mais do que dinheiro e mentoria”, diz Graciete sobre a atuação do fundo na prática. “Todos os fundos costumam dizer que não são apenas mais um fundo. No nosso caso, isso é verdade.” A principal proposta é favorecer a conexão das AgTechs com todos os parceiros da Positivo e com áreas da própria empresa que podem facilitar o desenvolvimento das soluções. A holding tem um serviço de pós-venda e assistência técnica em todos os municípios do País. E possui um portfólio de manufatura de hardware com produtos adjacentes a várias das inovações geradas pelas startups. Embora a criação de equipamentos PLANT PROJECT Nº15
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AgTech Mariana Vasconcelos, da AgroSmart, e Tiago Albertini, da @Tech: as duas startups receberam aportes do grupo
exclusivos para as AgTechs não esteja nos planos da empresa neste momento, incentiva a adaptação desse hardware já existente. A expectativa é alta por parte das startups. “Percebemos que estávamos falando de um investidor com os mesmos valores que os nossos”, diz Tiago Albertini, CEO da @Tech. “Além de se tratar de uma grande empresa de tecnologia que pode apoiar o agro, é um processo muito rico por abrir espaço para uma estrutura de governança importante”, afirma ele. A @Tech se prepara para reforçar sua atuação internacional e desenvolve uma série de projetos de curto e médio prazos. Nem todos podem ser comentados ainda, mas um dos principais no momento é o Animals Hub, espaço de inovação para AgTechs com soluções para produtores de gado. “A agropecuária movimenta R$ 600 bilhões, mas tem pouca incursão tecnológica. Grandes desafios geram grandes oportunidades, e queremos ajudar a revolucionar o setor”, diz Albertini. “O ecossistema de 114
startups no Brasil ainda é muito recente”, continua o empreendedor. “Se olharmos para outros mercados mais maduros, como o dos Estados Unidos, da Europa e, mais especificamente, da Inglaterra, percebemos a necessidade de ter atores de diversas esferas”, acrescenta. “Alguns fundos investem em determinados negócios já pensando no momento em que vão sair da empresa, preocupados apenas com o retorno financeiro. Nosso objetivo é ver o sucesso das startups em que investimos”, afirma Graciete. A Positivo tem participações minoritárias nas empresas em que injeta recursos financeiros, para que o controle continue nas mãos dos empreendedores. E respeita o tempo de maturação de cada startup. “Nas reuniões, identificamos dores nessas empresas que elas mesmas não perceberam ainda. Apontamos esses problemas, mas nem sempre os conselhos são aceitos de primeira. Normalmente, as pessoas comparam a relação de
grandes empresas com startups como dinossauros e unicórnios. Eu costumo dizer que somos mais uma mãe com bebês no colo”, brinca a executiva. Embora até o momento os investimentos tenham sido destinados ao agro, a vertical não será a única a ser contemplada pelo fundo. Sem entrar em detalhes sobre os próximos aportes, a consultora de Novos Negócios da Positivo afirma que a meta é diversificar a estratégia de investimentos com foco na sustentabilidade do negócio. E revela os próximos passos ambiciosos da iniciativa, como a criação de um centro de inovação em Manaus (AM). Inicialmente, a empresa terá um espaço dentro de um coworking da cidade. “Manaus é um grande polo de desenvolvimento que recebeu décadas de incentivo. Nossos recursos são oriundos de lá”, diz Graciete. “Ainda há muito preconceito com a região, mas esperamos que esse pedacinho que vamos montar lá faça a recepção para startups interessadas em empreender na cidade.”
OS JOVENS QUE PLANTAM O MELHOR DO BRASIL EM UMA SÉRIE EXCLUSIVA
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propaganda, como de costume, até exagera em alguns pontos. Mas não dá para dizer que ela é enganosa. Na embalagem, o hambúrguer parece com qualquer outro comprado em um supermercado: um disco avermelhado de tamanho padronizado. Uma vez na frigideira, ele chega a dourar levemente ao mesmo tempo que a cozinha é tomada pelo cheiro de carne defumada. E em meio a camadas de pão, alface, tomate, cebola e molho escolhidos pelo freguês, ele tem gosto e até textura que lembram um hambúrguer de carne bovina. Na verdade, porém, não é carne. Trata-se de uma receita cujo principal componente é a proteína de ervilha, um ingrediente produzido apenas em alguns países da Europa, nos Estados Unidos e no Canadá. A descrição se refere ao Burger Gourmet da marca brasileira Superbom, mas poderia ser aplicada a diversas outras opções de proteínas alternativas que simulam a experiência de comer carne, mas são feitas à base de vegetais – “plant based”, expressão importada dos EUA que faz sucesso entre o público ligado em tendências alimentares. A receita é novíssima, mas a demanda é grande. Apenas uma empresa americana, a Beyond Meat, vendeu 25 milhões de burgers desde que surgiu, há menos de dois anos. O mercado aquecido motiva uma acirrada disputa em busca da liderança.
O hambúrguer da Superbom é o resultado de meses de pesquisa usando a proteína de ervilha e foi lançado oficialmente na edição deste ano da Apas, uma das principais feiras de produtos para supermercados do mundo, realizada no início de maio, em São Paulo (SP). É feito sem colesterol, com metade das gorduras de uma versão tradicional e os mesmos valores proteicos. Leva ainda um suco de beterraba para parecer que está “sangrando”. “Uma das principais reclamações de quem adota uma dieta vegana, por exemplo, é a falta de produtos saborosos. Até existem opções, mas elas não oferecem aquele prazer”, diz Cristina Ferreira, diretora industrial e P&D da Superbom. “Agora, esse mercado está na moda. Está crescendo bastante. Trabalhamos há muitos anos com opções mais tradicionais, mas viajei várias vezes para Estados Unidos, Europa e Israel para conhecer as inovações”, afirma. A Superbom oferece produtos ao público vegetariano há mais de 50 anos. O Burger Gourmet não é a única opção disponível para os brasileiros. O Futuro Burger, criado pela food tech Fazenda Futuro, também é feito de proteína de ervilha, com suco de beterraba adicionado para simular o sangue. Sob o slogan “É Free Boi”, o lanche já foi servido em casas renomadas como o TT Burger, de Thomas Troisgros, no Rio de Janeiro (RJ), e a Lanchonete PLANT PROJECT Nº15
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da Cidade, na capital paulista. Em breve, chegará a alguns pontos de venda selecionados, como o Eataly e unidades das redes St. Marche e Pão de Açúcar. A startup é uma criação de Marcos Leta, o idealizador da marca de sucos Do Bem, comprada pela AmBev em 2016 por um valor não revelado. O sucesso dessas iniciativas se deve principalmente a uma mudança na mentalidade dos consumidores, habilmente captada pelas equipes de marketing das empresas. Na última década, uma parcela da população tem aderido ao “flexitarianismo”, um termo que se refere àqueles que seguem uma dieta baseada em vegetais, mas que se permitem comer carne em algumas ocasiões. De acordo com uma pesquisa realizada nos 118
Estados Unidos, apenas 3,4% dos habitantes se declaram vegetarianos. Os veganos, então, representam 0,4%, uma minoria dentro de outra. É por isso que toda a publicidade em cima dessas proteínas alternativas é voltada para carnívoros, interessados em provar algo diferente, ou para os flexitarianos, que podem manter sua dieta sem culpa. Muitos desses produtos são apropriados para veganos, mas esse detalhe, em alguns casos, fica escondido em um canto da embalagem. A revista The Economist publicou um artigo em que afirma que a popularidade desse tipo de alimentação vai levar o veganismo ao “mainstream” – mesmo que muitos não se deem conta disso.
UM NEGÓCIO BILIONÁRIO Enquanto os brasileiros ainda estão descobrindo os sabores dos hambúrgueres plant based, nos Estados Unidos a batalha já está muito mais avançada. O mercado americano está sendo rapidamente inundado por opções de proteínas alternativas, mas duas empresas largaram na frente e são as principais potências entre as carnes que não são carne: a Beyond Meat e a Impossible Foods. Além dos nomes divertidos, as duas compartilham uma vontade insaciável de levar seus produtos a maior quantidade de americanos. A Beyond Meat, de Los Angeles, na Califórnia, surgiu em 2014 e dois anos depois já lançava a primeira versão de sua
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O Burger Gourmet, da Superbom, e o Beyond Burguer: a "carne" é feita com proteína de ervilha para simular a textura e aparência de um hambúrguer real
substitutos para os ovos, caso da Just, que começou a chamar a atenção com sua maionese sem ovos e recentemente lançou o Just Egg. Até as grandes empresas estão se envolvendo nesse mercado. A Tyson Foods detinha uma pequena parte da Beyond Meat, mas decidiu vender sua participação antes do IPO e agora planeja lançar sua própria linha de proteínas alternativas. A Nestlé também afirmou que, no segundo semestre, colocará nas prateleiras da Europa e dos Estados Unidos seus hambúrgueres à base de plantas. Muito dinheiro já foi investido em pesquisa para chegar aos resultados atuais. De acordo com um estudo realizado pelo The Good Food Institute, uma organização americana que promove alimentos inovadores como alternativa às proteínas animais, foram US$ 16 bilhões em dez anos, apenas nos Estados Unidos. Desse total, US$ 1,3 bilhão
foi registrado somente em 2017 e 2018 – e sem contabilizar a recente rodada da Impossible Foods. Os dados levam em conta todas as alternativas feitas à base de vegetais, não apenas as carnes. A categoria mais desenvolvida é a das versões vegetais de leite, que representam US$ 1,8 bilhão em vendas. Para efeito de comparação, as carnes plant based somam US$ 760 milhões mesmo após o aumento de 23% nas vendas de 2017 para 2018. O problema é a falta de matéria-prima, e casos de produções atrasadas estão se tornando comuns. O uso da proteína de ervilha, bem como suas variações, como farinha, fibra e carboidrato, é uma solução recente. “Envolve uma tecnologia para desenvolver proteínas e fibras específicas. Existem cultivares desenvolvidos especialmente para ter um alto teor proteico. Ou você pode começar pela ervilha tradicional e trabalhar a partir
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proteína alternativa, feita para ser vendida ao lado das bandejas de carne de verdade nos mercados. Desde então, já criou versões para linguiças de frango e porco e fechou parcerias com a rede de supermercados Whole Foods, especializada em alimentação saudável, e a lanchonete Carl’s Jr., entre outras. No início de maio, a food tech abriu seu capital na bolsa de valores americana e o IPO foi um sucesso enorme (muito maior que o da Uber, outra startup que passou a oferecer ações nos últimos tempos). Hoje, é avaliada em US$ 3,5 bilhões. Sua principal concorrente, a Impossible Foods, não fica muito atrás. Poucos dias após o IPO da Beyond Meat, a startup anunciou uma nova rodada de financiamento, a quinta, cuja captação chegou a US$ 300 milhões, com recursos de celebridades como Jay-Z, Katy Perry e Serena Williams. No total, já captou US$ 775 milhões. Ela é responsável pela produção do Impossible Whopper, versão à base de plantas do famoso Whopper do Burger King. Lançado inicialmente em algumas lojas selecionadas da rede, em breve estará disponível em todas as 7,2 mil unidades instaladas nos Estados Unidos. Seu Impossible Burger já pode ser encontrado em 7 mil locais, incluindo universidades, lanchonetes, supermercados e parques da Disney. E essas são apenas as duas principais empresas. Outras food techs badaladas criaram
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O hambúrguer da Beyond Meat para a rede britânica Honest Burgers e o Impossible Whooper: grandes redes se renderam à tendência
dela”, diz Cristina. Nem todas as versões produzidas atendem ao alto padrão de qualidade necessário para a produção das carnes alternativas. É o caso do Brasil. A Superbom importa a matéria-prima da Europa. E, assim, cada fabricante tenta se garantir principalmente por meio de contratos de exclusividade com produtores. A Beyond Meat recebe a proteína da americana Puris. A Impossible Foods vai usar os recursos captados na última rodada para aumentar sua produção – e os executivos da empresa afirmaram que a companhia não descarta nenhuma possibilidade para arrecadar mais dinheiro, já que não enxergam um futuro próximo em que ela seja capaz de atender à demanda. Quem espera lucrar muito com isso é o Canadá. O governo daquele país vai dedicar US$ 1 bilhão a financiamento de pesquisas para cinco grandes conglomerados. Um deles, o Protein Industries Canada (PIC), receberá US$ 153 milhões justamente para estudar o mercado de proteínas alternativas. 120
Em entrevista ao Financial Post, Carlos Dade, do laboratório de ideias Canada West Foundation (CWF), responsável por discutir questões de interesse do país, resumiu a meta do governo: “O objetivo é a dominação mundial”. A PRÓXIMA FRONTEIRA Se as proteínas vegetais já são uma realidade nas prateleiras dos mercados, a situação é um pouco diferente com as carnes feitas em laboratório. Criadas a partir de células animais, mas sem a necessidade de abater nenhum bicho, elas são vistas como o estágio seguinte rumo a uma produção menos danosa ao meio ambiente, mais ética e, principalmente, sustentável. O problema ainda é o custo de produção. Em 2013, cientistas conseguiram elaborar um hambúrguer usando células de vacas criadas em fazendas orgânicas. A pesquisa custou o equivalente a US$ 320 mil. Desde então, esse valor já caiu bastante. Em dezembro de 2018, a Aleph Farms afirmou ter sido a primeira startup a criar um bife em laboratório, em um processo que
levou entre duas e três semanas e custa US$ 50 dólares por unidade. Além dos custos, há uma grande dificuldade em reproduzir a textura da carne de verdade. Fazer um hambúrguer é simples, mas experimente criar um corte nobre usando apenas instrumentos de laboratório. A Aleph não está sozinha nessa busca. A New Age Meats desenvolveu um protótipo de salsicha, e a Memphis Meats trabalha em uma versão de tirinha de frango. Especialistas acreditam que essas inovações podem causar uma disrupção em um mercado de US$ 200 bilhões, mas essa utopia (ou distopia, dependendo do seu tipo de dieta) ainda está longe de se tornar realidade. Na dúvida, os gigantes do setor estão de olho. A Cargill, uma das maiores empresas de produção e processamento de alimentos, investiu tanto na Aleph, em uma rodada na qual a startup captou US$ 12 milhões, quanto na Memphis. Não importa qual chegará primeiro às prateleiras, a participação nesse mercado está garantida.
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O MUNDO DA CANA INVADE MANHATTAN Conferência Santander ISSO Datagro apresenta visão otimista para o mercado sucroenergético global nos próximos anos
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m casarão em estilo colonial americano poderia indicar a proximidade de uma tradicional plantation no sul dos Estados Unidos. Localizado, porém, a milhares de quilômetros de distância, em pleno coração de Manhattan, o espaço de eventos 538 Park Avenue é hoje um ícone urbano, endereço de festas badaladas e de conferências que reúnem
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a elite dos negócios em Nova York. No dia 15 de maio passado, seus salões foram foco das atenções da indústria sucroenergética global. Sede da edição de 2019 da Santander ISO DATAGRO Sugar and Ethanol Conference, um dos principais encontros anuais do setor, a mansão recebeu cerca de 450 executivos de todo o mundo para discutir as
perspectivas dos mercados de açúcar, etanol e bioenergia para os próximos anos. Num cenário de incertezas em relação aos preços, ao consumo e à produção do açúcar, as aplicações energéticas da cana dominaram as previsões otimistas para o setor. Logo na abertura da conferência, o presidente da Datagro, Plinio Nastari,
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destacou a importância da flexibilidade do modelo de produção brasileiro – que permite às usinas privilegiar a produção do etanol, evitando a elevação dos superávits em estoques de açúcar – para o equilíbrio do mercado global. “Diante de safras recordes em países como Índia e Tailândia, o Brasil surge como principal ator nesse sentido”, afirmou. No mesmo painel, o diretor da International Sugar Organization (ISO), José Orive, analisou o impacto das agressivas políticas de subsídios nos agricultores indianos e tailandeses, que acarretaram no aumento da oferta do produto e, consequentemente, fizeram cair os preços internacionais da commodity. Nastari, por sua vez, apontou, num contraponto, para a tendência do maior foco na produção de etanol no
curto prazo Brasil ao debater a nova previsão de safra no centro-sul, além das demais iniciativas para o incentivo de biocombustíveis em outras regiões e a importância para o planejamento da mobilidade no longo prazo. Também durante o primeiro painel, o vice-presidente executivo do Santander, Mário Opice Leão, traçou um breve cenário sobre a economia no Brasil e os desafios para o crescimento econômico, tendo como base a necessidade de reformas estruturais, como a tributária e a da previdência. Os painéis seguintes mantiveram o foco nas incertezas sobre o açúcar, mas com olhar no consumidor. Michael McDougall, diretor da Paragon Global Markets, mostrou que o produto hoje enfrenta duas realidades bem distintas. Enquanto países
Os debates da conferência no Salão da 538 Park Avenue e Mário Leão, do Santander, com Plinio Nastari, da Datagro: futuro Promissor para o etanol brasileiro
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Vozes do setor: Gustavo Junqueira, secretário de Agricultura de São Paulo, Michael McDougall, da Paragon, Aurélio Amaral, da ANP, Evandro Gussi, da Unica, Ana Malvestio, da PwC, e José Orive, presidente da ISSO (em Sentido horário, a partir do alto, à esq.)
desenvolvidos adotam medidas para reduzir o consumo, como a criação de impostos em bebidas açucaradas e o lançamento de campanhas contra a injeção de açúcar, há um crescimento da demanda em nações em desenvolvimento, especialmente na África e no sul da Ásia. Nessas regiões, o açúcar aparece como um importante aliado em projetos de combate à desnutrição. A questão sobre as mudanças no padrão de consumo de açúcar voltou a ser tratada durante painel em que Jeff Dobrydney, da JSG Commodities, abordou como o tema é tratado no mercado norte-americano. Sua principal mensagem foi sobre 124
a necessidade de um melhor esclarecimento, por parte da indústria açucareira, sobre o impacto do consumo de açúcar na saúde. Diante desse quadro, há sinais para otimismo no mercado mundial de açúcar? Essa pergunta permeou os debates do terceiro painel, em que Jeremy Austin, da Sucden; John Stansfield, da Sopex; e Luca Meierhofer, da Louis Dreyfus, se encontraram para trazer a visão dos traders sobre o tema. Com Helder Gosling, diretor do Grupo São Martinho, fazendo a mediação, eles avaliaram o futuro da produção de açúcar na Índia, na Tailândia, na Europa, na América Central e no Brasil a fim de projetar
a oferta disponível para exportação. Como consenso, apontaram para uma visão levemente construtiva para os preços, à medida que o balanço mundial deve convergir para um quadro deficitário. A forte expansão da capacidade de produção de etanol dos EUA trouxe vários desafios para a indústria norte-americana. Com a tímida adoção do E15, os EUA têm buscado o mercado externo para enxugar os estoques domésticos. Sinergias com a indústria de etanol de milho no Brasil e os impactos da guerra comercial entre os EUA e a China sobre o mercado de etanol também foram discutidos no painel que trouxe
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os economistas Mike Dwyer, da US Grains Council, e Scott Richman, da RFA. Um ano depois de ser apresentado ao mercado internacional na edição 2018 da Santander ISO DATAGRO Sugar and Ethanol Conference, o RenovaBio voltou ao centro das atenções na segunda parte do evento. O ex-deputado Evandro Gussi, atual presidente da Unica; Aurélio Amaral, diretor da ANP; e Márcio Félix, secretário de petróleo, gás natural e biocombustíveis do MME, debateram, com a mediação da Ana Malvestio, da PwC, os próximos passos do programa nacional de biocombustíveis. O crescente número de empresas
certificadoras, as metas de descarbonização e a contribuição do RenovaBio para a sociedade foram os principais pontos deste painel. Com a sua implantação, a demanda de etanol hidratado pode crescer de 15,2 bilhões para 36 bilhões de litros por ano até 2028. No encerramento do evento, o último painel foi reservado para que investidores estrangeiros trouxessem sua análise sobre o setor sucroenergético no Brasil. Após quase 100 usinas terem fechado as portas no País, Guilherme Nastari, diretor da Datagro; Craig Tashjian, da Amerra; e Jonathan Schwartz, da Argentem Creek Partners,
falaram sobre o futuro dos investimentos das usinas no Brasil. Salvatore Milanese, da Pantalica, e Alexandre B. David, da David, Aniceto e Stievano Advogados, foram os responsáveis pela mediação do debate. Todos foram quase que uníssonos no diagnóstico de que a indústria ainda passa por um quadro delicado de alavancagem, mas que o futuro ainda se apresenta promissor. O otimismo é movido pelo RenovaBio, cujas metas de descarbonização incentivarão uma nova dinâmica no mercado doméstico, tendo em vista a necessidade de elevar a capacidade de moagem para atender uma maior demanda por etanol. PLANT PROJECT Nº15
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O AGRONEGÓCIO E A GERAÇÃO DE EMPREGOS P o r F lá vio Robert o de Fr a nç a J unior, He a d d e G r ã o s d a D a t a g ro .
Toda vez que viajo pelo interior do Brasil, me salta aos olhos o dinamismo e a pujança do agronegócio brasileiro. E mesmo em tempos de grave crise econômica no País, onde o desânimo, o pessimismo e a falta de perspectivas predominam em toda a sociedade, é fácil perceber que também desta vez será através desse setor que iniciaremos o processo de recuperação da economia brasileira. Ao viajar pelo lado mato-grossense do Vale do Araguaia, outro tema relacionado ao nosso segmento me chamou a atenção, o qual eu gostaria de compartilhar: a enorme necessidade de mão de obra especializada para viabilizar o crescimento do agro. Não é de hoje que esse processo está em
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andamento. Em 2019, o Brasil se consolida como um dos dez maiores produtores e exportadores de produtos agropecuários do planeta. A tendência é que continue a avançar e que, naturalmente, vá se encaminhando para o topo dessa lista. Estamos falando de uma participação próxima de 25% do tamanho da economia brasileira. A balança comercial amplamente superavitária do agro impede que a balança brasileira obtenha resultados medíocres. E enquanto o País amarga o aumento gradativo do desemprego, o agronegócio não para de produzir novas oportunidades de colocação. Neste caso estamos falando de algo próximo a 35% do total dos empregos do País.
A explicação é mais ou menos óbvia. O agro vem aumentando de tamanho de forma consistente nos últimos anos e, com os problemas nos demais segmentos, especialmente no setor industrial, vem aumentando a sua participação na economia brasileira. Para complementar, vem observando um espetacular avanço tecnológico. Em função de sua elevada capacidade de empreendedorismo e criatividade, mostra-se parcialmente imune à incapacidade do Estado em promover crescimento econômico sustentável. Temos clima, áreas, tecnologia e povo trabalhador. O que nos falta basicamente são três coisas: infraestrutura, política de renda para os produtores
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e planejamento e planejamento de de longo longo prazo. prazo. O resultado, O resultado, como como nãonão poderia poderia deixar deixar de de ser,ser, é aécriação a criação de de empregos. empregos. Muitos Muitos empregos. empregos. Não Não é àé à toatoa queque qualquer qualquer análise análise ou ou pesquisa pesquisa realizada realizada porpor especialistas especialistas na na área área de de recursos recursos humanos humanos aponta aponta o agronegócio o agronegócio como como umum dosdos setores setores mais mais pujantes pujantes no no oferecimento oferecimento de de oportunidades oportunidades de de trabalho. trabalho. Para Para citar citar apenas apenas alguns alguns dosdos exemplos exemplos mais mais óbvios, óbvios, profissionais profissionais nasnas áreas áreas de de tecnologia tecnologia agrícola, agrícola, gestão gestão ambiental, ambiental, zootecnia, zootecnia, agronomia, agronomia, engenharia engenharia de de alimentos alimentos etc., etc., nãonão ficam ficam desempregados desempregados se se quiserem. quiserem. Para Para quem quem nãonão é do é do ramo, ramo, pode pode parecer parecer queque empregos empregos no no agronegócio agronegócio estão estão apenas apenas relacionados relacionados com com a a produção produção agrícola agrícola ou ou pecuária. pecuária. Mas Mas essa essa é é apenas apenas uma uma parte parte da da história. história. Na Na verdade, verdade, uma uma terça terça parte. parte. Quando Quando falamos falamos emem agronegócio, agronegócio, precisamos precisamos lembrar lembrar e entender e entender queque existe existe todo todo umum complexo complexo segmento segmento produtivo produtivo e de e de
serviços serviços à montante à montante e àe à jusante jusante da da produção produção primária. primária. OuOu seja, seja, à montante, à montante, existe existe umum formidável formidável universo universo de de empresas empresas queque atuam atuam de de forma forma direta direta ou ou indireta indireta na na produção produção de de insumos, insumos, implementos implementos e e máquinas máquinas agrícolas. agrícolas. E, àE,jusante, à jusante, temos temos também também outra outra impressionante impressionante gama gama de de atividades, atividades, queque envolvem envolvem o armazenamento, o armazenamento, escoamento, escoamento, beneficiamento, beneficiamento, industrialização, industrialização, distribuição, distribuição, exportação exportação etc.etc. EmEm resumo, resumo, há há empregos empregos de de toda toda a sorte, a sorte, para para quase quase todas todas as as categorias categorias profissionais, profissionais, baseados baseados nosnos seguintes seguintes alicerces: alicerces: gestão gestão x x produção produção x x industrialização industrialização x x distribuição. distribuição. No No entanto, entanto, existem existem alguns alguns requisitos requisitos básicos básicos para para queque se se esteja esteja apto apto a a entrar entrar para para o mundo o mundo do do agronegócio. agronegócio. UmUm deles deles é aé a disposição disposição para para morar morar emem cidades cidades médias médias e e pequenas pequenas do do interior, interior, especialmente especialmente nasnas regiões regiões queque detêm detêm o maior o maior potencial potencial de de crescimento crescimento
na na produção produção agropecuária, agropecuária, como como é oécaso o caso do do Centro-Oeste, Centro-Oeste, do do Nordeste Nordeste e da e da região região Norte. Norte. Apenas Apenas uma uma pequena pequena parte parte dosdos empregos empregos do do agro agro está está localizada localizada nasnas grandes grandes cidades. cidades. E, mesmo E, mesmo assim, assim, predominantemente predominantemente na na área área de de tecnologia tecnologia e serviços. e serviços. Além Além disso, disso, da da mesma mesma forma forma queque os os demais demais segmentos segmentos da da economia economia brasileira, brasileira, o agro o agro precisa precisa de de especialização, especialização, de de todas todas as as naturezas naturezas e de e de todos todos os os tipos, tipos, seja seja emem nível nível técnico, técnico, seja seja emem nível nível de de graduação graduação ou ou de de pós-graduação. pós-graduação. Com Com esses esses dois dois elementos elementos básicos, básicos, mais mais uma uma boaboa dose dose de de interesse interesse e iniciativa, e iniciativa, as as oportunidades oportunidades se se multiplicam, multiplicam, os os salários salários estão estão emem expansãoe expansãoe a a rapidez rapidez de de crescimento crescimento nasnas carreiras carreiras é impressionante. é impressionante. E será E será com com essa essa mentalidade mentalidade e essa e essa dinâmica, dinâmica, queque o agro o agro brasileiro brasileiro buscará buscará emem umum futuro futuro próximo, próximo, a liderança a liderança mundial. mundial. UmUm “AgroAbraço” “AgroAbraço” a todos! a todos!
PLANT PROJECT Nº15
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DISCOVERY SPORT
O CARRO PARA O NOVO CAMPO. landrover.com.br
O campo mudou. E o Discovery Sport vem acompanhando essas mudanças ao lado do produtor rural. Seu espaço interno, de até 1.698 litros, permite o transporte de diversos tipos de carga. A tecnologia Terrain Response proporciona uma condução firme e adaptada a qualquer terreno. Já a força do motor de até 240cv e o câmbio automático de 9 marchas melhoram ainda mais a performance. Venha conhecer o melhor parceiro do produtor rural em uma concessionária Land Rover.
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DESCONTOS ESPECIAIS PARA PRODUTORES RURAIS
5 ANOS DE REVISÕES POR R$ 598/ANO
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Preço para o Land Rover Care é para o Discovery Sport SE Flex ano/modelo 2018/2019: R$2.990,00. O plano Land Rover Care inclui os seguintes itens de revisão básica: óleo do motor, filtro de óleo do motor, filtro de ar, filtro de pólen, filtro de combustível (para veículos com motor a diesel), fluido de freio e mão de obra para estes itens. Pacote válido para até 5 (cinco) revisões básicas pelo período de 5 (cinco) anos ou 55.000km, o que ocorrer primeiro. As revisões devem ocorrer em intervalos de 12 (doze) meses ou 10.000km, o que ocorrer primeiro. O descumprimento ao plano de manutenção do veículo cancela o plano, sem direito à devolução do valor pago. A contratação do Plano Land Rover Care deve ser feita no ato da compra do veículo e pago integralmente conforme o valor do plano, à vista. Condições válidas até 30/05/2019 ou enquanto durar o estoque do referido modelo. Oferta sujeita à análise e aprovação de crédito, bem como, alteração sem prévio aviso e não cumulativa com outras ofertas vigentes Respeite a sinalização de trânsito; Banco Itaucard utiliza a marca Land Rover através de uma licença concedida pela Jaguar Land Rover Limited, proprietária da marca Land Rover. SAC 4090 1644 | 0800 720 1644.