Plant Project #19

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Para quem pensa, decide e vive o agribusiness

DINHEIRO NOVO PARA A LAVOURA

Como a tecnologia pode mudar de vez o crédito e os seguros rurais

FRONTEIRA A MULTIPLICAÇÃO DOS PEIXES NO ALTO DO "PARANAZÃO"

PIRATARIA QUANTO O AGRO BRASILEIRO PERDE COM O NEGÓCIO ILEGAL DE SEMENTES E DEFENSIVOS

O JOGO DO AGRO

A febre dos games que simulam a rotina do produtor ELE ESTÁ DE OLHO

O que Bill Gates pensa sobre os desafios do agronegócio INFLUENCER? A VIDA DE BLAIRO MAGGI LONGE DO PODER venda proibida distribuição dirigida www.plantproject.com.br




E d ito ri a l

UM SETOR COM MUITO CRÉDITO

Dinheiro não dá em árvore, nem é produto que se plante. Se assim fosse, certamente seria abundante no Brasil. Crédito, por aqui, é coisa cara e escassa, mas mesmo assim nossos agricultores e pecuaristas não deixaram de investir e produzir, transformando o País na referência global de produção de alimentos. Desenvolveram um setor de competência e projeção globais, mas

Para quem pensa, decide e vive o agribusiness

que nem por isso atraiu o interesse de investidores na quantidade que meDINHEIRO NOVO PARA A LAVOURA

Como a tecnologia pode mudar de vez o crédito e os seguros rurais

FRONTEIRA A MULTIPLICAÇÃO DOS PEIXES NO ALTO DO "PARANAZÃO"

PIRATARIA

rece. O argumento dos donos do capital, em geral, foi o desconhecimento e a aversão aos riscos inerentes à atividade agropecuária. Por não terem dado

QUANTO O AGRO BRASILEIRO PERDE COM O NEGÓCIO ILEGAL DE SEMENTES E DEFENSIVOS

O JOGO DO AGRO

A febre dos games que simulam a rotina do produtor

o devido crédito ao setor que serve como locomotiva da economia nacional,

ELE ESTÁ DE OLHO

O que Bill Gates pensa sobre os desafios do agronegócio

INFLUENCER? A VIDA DE BLAIRO MAGGI LONGE DO PODER venda proibida distribuição dirigida www.plantproject.com.br

podem ter perdido grandes oportunidades nas últimas décadas. O ambiente financeiro em torno do agro brasileiro foi construído com base em recursos oficiais (sempre insuficientes e cada vez menos disponíveis) e alternativas desenvolvidas por gente do próprio setor, como empresas de insumos, máquinas e tradings. Fizeram, como se percebe rodando pelo interior do Brasil, um ótimo serviço. Ainda assim, trata-se de um campo fértil para uma enorme transformação – e que, na era da disrupção, finalmente parece ter entrado no radar do capital de risco. Assim como acontece em outras fatias do mercado financeiro, empresas de base tecnológica vasculham os pontos mais sensíveis das relações de crédito e seguro rural e já entregam soluções com potencial de mudar de vez os modelos de financiamento da produção agrícola. Luiz Fernando Sá Diretor Editorial

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Gestão de energia Mercado livre Eficiência energética Geração distribuída Infraestrutura e serviços

INOVAÇÃO É REPENSAR A SUA

O que nos move não é só a energia. É o desafio de continuar fortalecendo a cada dia a parceria com o setor de agronegócio, oferecendo as melhores soluções para reduzir custos e otimizar resultados. É levar a energia que gera competitividade, tornando seu negócio referência no mercado. Afinal, gerir melhor a sua energia não é só uma possibilidade, é uma realidade que garante a produtividade e o desempenho que você precisa.

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Í ndi ce

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G pág. 7 Ag pág. 17 Fo pág. 69 Fr pág. 73 W pág. 83 Ar pág. 97 S pág. 103 M pág. 116 G LO B AL

D i r etor E ditoria l Luiz Fernando Sá luiz.sa@plantproject.com.br D i r etor Comerc ia l Renato Leite Marketing e Publicidade Multiplataforma renato.leite @plantproject.com.br D i r etor Luiz Felipe Nastari A rt e Andrea Vianna Projeto Gráfico e Direção de Arte E d i tor Romualdo Venâncio romualdo.venancio@plantproject.com.br R e p órt er André Sollitto andre.sollitto@startagro.agr.br Col ab o ra dores: Texto: Amauri Segalla, Ana Weiss, Evanildo da Silveira, Suzana Barelli Produção: Daniele Faria Design: Bruno Tulini Revisão: Rosi Melo Ev e n to s Simone Cernauski A d m i n i st ração e Fina nç as Cláudia Nastari Sérgio Nunes

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Sabor democrático:

GLOBAL

O lado cosmopolita do agro

foto: Shutterstock

Proibidas na época do Khmer Vermelho, pimentas como a Kampot hoje geram lucros ao Camboja

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G

GLOBAL

foto: Shutterstock

O lado cosmopolita do agro

CAMBOJA

A PIMENTA QUE VENCEU A DITADURA Proibida de ser cultivada pelo regime autoritário do Khmer Vermelho, a variedade produzida na região de Kampot é reconhecida agora como uma das melhores do mundo

Em 1975, Pol Pot, o sanguinário ditador do Camboja, tomou uma decisão estúpida. Pot considerou os grãos de pimenta cultivados há séculos no país como um símbolo do colonialismo e obrigou os agricultores a trocá-los por arroz. Enquanto a pimenta cambojana era reconhecida como a melhor do mundo, o arroz local não se diferenciava em nada daquele que era produzido nas nações vizinhas, como Vietnã e Tailândia. Resultado: a agricultura do Camboja perdeu uma de suas principais referências, o que acabou levando milhares de produtores à falência. A partir do final dos anos 1990, quando o regime do Khmer 8

Vermelho perdeu energia – e após ter deixado um saldo de 2 milhões de mortos, num dos maiores genocídios do século 20 –, a pimenta voltou a ser cultivada sem restrições. Agora, ela não só recuperou o brilho de antigamente como aqueceu o mercado agrícola do Camboja, gerando empregos e abrindo novas fronteiras comerciais. Os cambojanos voltaram às velhas práticas agrícolas que marcaram as famílias durante gerações. As pimentas são plantadas em torno de estacas de 3 metros e depois crescem apoiadas nessas enormes torres. Cada um dos postes deve ser regado


Produção de pimenta no Camboja: temperos da região conquistam mercados e paladares na Europa

com 7 ou 8 litros por dia e a colheita é sempre manual. Tudo é produzido organicamente. Os grãos de pimenta aparecem pela primeira vez em setembro e amadurecem no Ano-Novo. Depois de colhidos, secam ao sol por alguns dias. Segundo chefs de cozinha, a pimenta Kampot cai bem com qualquer tipo de alimento. A preta é usada normalmente para acompanhar carnes vermelhas, a vermelha ressalta o sabor de sobremesas e a branca, de acordo com especialistas, é parceira ideal para peixes, saladas e molhos. Os grãos verdes têm sabor mais sutil e devem apimentar frutos do mar e frango. Atualmente, o quilo da pimenta do Camboja é vendido, em média, por US$ 20, ou três vezes mais do que a planta produzida no vizinho Vietnã. Vale a pena pagar mais caro? Os especialistas garantem que sim, apostando no apelo duradouro da qualidade superior da pimenta Kampot. “Quando você experimenta a pimenta Kampot, sua boca fica quente no começo”, disse So Sokha, dono de uma rede local de restaurantes, à reportagem da inglesa BBC. “Então, o sabor se acalma e você sente o gosto único na parte de trás da língua.” Diversas

fazendas no Camboja oferecem programas de degustação. Algumas delas usam velhos truques. Primeiro colocam na mesa pimentas de baixa qualidade e depois as melhores. Os turistas que participaram da experiência dizem que a comparação é desigual. O efeito das pimentas de baixa qualidade não dura mais do que 40 segundos, enquanto os grãos da Kampot provocam uma sensação de formigamento na boca que permanece por vários minutos. O maior centro produtor de pimentas no Camboja fica em Kampot, uma cidade com 50 mil habitantes perto do paradisíaco Golfo da Tailândia. Quase um terço da população local tem alguma conexão com essa planta, trabalhando diretamente nas lavouras ou distribuindo o produto para outras regiões dentro e fora do país. Não à toa, a pimenta Kampot está ganhando, especialmente na Europa, status de especiaria. Em 2010, ela recebeu o selo “Indicação Geográfica Protegida (IGP)”, concedido pela Organização Mundial do Comércio para produtos gastronômicos ou agrícolas tradicionalmente produzidos em uma região, como é o caso do champanhe

originário da região de Champagne-Ardenne, na França, ou o presunto de Parma, na Itália. Outros prêmios internacionais vieram e a Kampot acabaria se tornando a pimenta mais premiada do mundo. Em 2019, o Camboja produziu aproximadamente 100 toneladas de pimenta Kampot orgânica, ou cinco vezes mais do que uma década atrás. Mesmo assim, o número é modesto se comparado às 150 mil toneladas de pimenta convencional saídas das lavouras do Vietnã. Ao contrário dos vizinhos, porém, o Camboja foca em qualidade e não necessariamente em volume. Quanto melhor for a excelência do produto, maior será a disposição dos clientes para pagar mais. Atualmente, metade da produção cambojana é exportada para a Europa, principalmente para países como França, Inglaterra e Itália. Nos últimos anos, os americanos aumentaram as suas encomendas, mas o número continua baixo. O problema é que o Camboja perdeu tempo demais com as políticas restritivas do regime Khmer Vermelho. O caminho é longo para recuperar o tempo perdido. PLANT PROJECT Nº19

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G AUSTRÁLIA

A LÍNGUA DAS VACAS Vacas conversam entre si sobre comida e podem expressar emoções através de seus sons. Essas são as principais constatações de um estudo feito pela Universidade de Sydney, na Austrália, realizado em parceria com cientistas da França e Itália. Durante dois anos, os pesquisadores gravaram centenas de “moos” de novilhas holandesas e os analisaram a partir de um software que eles próprios criaram. Chamado de “Google Translate para vacas”, o programa separa os diferentes sons emitidos pelos animais e os classifica de acordo com suas características específicas, como timbre, altura e intensidade. Para surpresa dos cientistas, o estudo mostrou que cada vaca tem sua voz individual e que é possível identificar o humor delas a partir

dos diferentes tipos de “moos”. Quando estão falando sobre comida, por exemplo, seus sons são mais altos e intensos. “Esperamos que, ao conhecer as vocalizações, os agricultores possam identificar o estado emocional dos bovinos, melhorando o bemestar dos animais”, disse Alexandra Green, líder da pesquisa.

MÉXICO

COURO ORGÂNICO Dois empreendedores mexicanos estão fazendo barulho no mundo da moda com um produto inédito no mercado: o “couro” de cacto. Adrián López Velarde e Marte Cázarez passaram os últimos dois anos desenvolvendo uma técnica capaz de transformar a espécie Opuntia ficusindica em pele orgânica. Ela foi escolhida por não precisar de irrigação, possuir espinhos pequenos e ser resistente ao frio, o que permite o acesso contínuo à matéria-prima em todas as estações do ano. A produção consiste em colher as pencas, 10

esmagá-las e colocá-las para secar ao sol durante três dias. Depois, são trituradas e congeladas para que uma proteína presente na planta seja extraída. A seguir, o pó retirado desse processo é misturado a outros aditivos, ao algodão ou poliéster reciclado. O tecido resultante dessas etapas tem a consistência e a aparência do couro convencional, com a diferença óbvia de que nenhum animal precisou ser sacrificado. Nasceu daí a marca Desserto, lançada recentemente em Milão, a capital mundial da moda.


REPÚBLICA TCHECA

MORANGOS EM MARTE O agrônomo tcheco Jan Lukacevic e sua equipe da Universidade de Ciências da Vida de Praga se dedicam a um projeto ambicioso: o cultivo de alimentos sob condições extremas. O experimento, chamado “Marsonaut”, é baseado em aeroponia, processo em que as raízes da planta, em vez de ficarem enterradas, desenvolvem-se suspensas no ar, sendo expostas a mudanças frequentes de luz e temperatura. Segundo Lukacevic, o principal benefício

do método de cultivo é que ele usa 95% menos água do que o sistema tradicional. “Em lugares com recursos escassos, essa tecnologia pode fazer toda a diferença”, disse o cientista à imprensa de seu país. A ideia dele é que a experiência seja

aplicada em futuras viagens espaciais, principalmente a Marte. Por enquanto, a equipe da universidade conseguiu cultivar mostarda, rabanete, manjericão e hortelã. Os próximos testes serão feitos com morangos silvestres.

TA I L Â N D I A

Agricultura contra impostos

Na região mais nobre de Bangcoc, a capital da Tailândia, uma cena inusitada chama a atenção. De um lado, o imponente Empire Tower; de outro, a apenas 100 metros, uma plantação de bananeiras. Desde que o governo local decidiu aumentar os impostos para os proprietários de terrenos vazios, surgiram pela cidade lavouras de todos os

tipos, em plena área urbana. Para escapar dos tributos, os donos das terras passaram a cultivar frutas e legumes, o que os permite pagar uma alíquota menor pelo uso agrícola do solo. A questão é que fazem isso apenas para ludibriar o governo, plantando de forma desordenada e não se dando sequer ao trabalho de buscar um destino comercial para as frutas. Suas árvores preferidas são bananeiras e limoeiros, mas cultiva-se também legumes, como tomates e chuchus. O truque preocupa o governo, que vê suas receitas fiscais diminuírem. PLANT PROJECT Nº19

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G H O L A N DA

Fazendas de LED As imagens parecem ter saído de um filme de ficção científica e são tão bonitas quanto perturbadoras. Entre julho e setembro do ano passado, o fotógrafo alemão Tom Hegen voou pelos céus da Holanda para retratar as famosas estufas do país iluminadas por LED. O resultado é um show de cores, principalmente rosa e amarelo, que dominam a paisagem. Cada vez mais usadas em aplicações agrícolas, as lâmpadas de LED emitem um espectro luminoso capaz de otimizar o ciclo de crescimento das plantas, de forma que elas se desenvolvam em qualquer época do ano e sejam colhidas no menor tempo possível. Nenhum país do mundo utiliza tanto o recurso do LED quanto a

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Holanda e alguns urbanistas já questionam a poluição visual provocada pela tecnologia. Em sua defesa, os agricultores alegam que o sistema de produção baseado no LED é vital em tempos de recursos naturais escassos, com áreas cultiváveis menores e pouca água. “Os jardins iluminados por LED proporcionam condições de crescimento para plantas como tomate, pimentão ou morango a qualquer hora e em todos os tipos de clima, o que duplica o rendimento médio de uma fazenda”, diz Hegen. “Em valores monetários, a Holanda é a segunda maior exportadora de alimentos do mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos, que têm 270 vezes sua massa terrestre.”


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G E S TA D O S U N I D O S

CÃES CONTRA O GREENING

Bello é um springer spaniel brincalhão que adora mastigar brinquedos ou bolas de tênis. Para ganhar seus mimos, porém, ele precisa trabalhar – e seu trabalho está ajudando a salvar lavouras de laranjas nos Estados Unidos. Há um ano,

Bello fareja árvores na Flórida para identificar as que estão contaminadas por greening, uma das mais destrutivas doenças que atacam laranjais do mundo inteiro. Segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, os cães

identificam árvores enfermas (que a seguir são eliminadas) com 99% de precisão, índice superior ao dos testes realizados em laboratório, que às vezes falham na detecção da doença. Estima-se que, desde 2005, o greening causou prejuízos de US$ 9 bilhões à indústria cítrica da Flórida e forçou 5 mil produtores a abandonar o negócio. Por enquanto, 19 cães treinados pela empresa F1 K9 trabalham no projeto, mas a ideia é preparar pelo menos uma centena deles para combater a praga.

QUÊNIA

ATAQUES DE GAFANHOTOS Uma tragédia ambiental ameaça o Quênia. Desde o final do ano passado, enxames de gafanhotos estão devorando lavouras inteiras do país. Segundo as autoridades locais, um enxame médio destrói, em um único dia, quantidade de comida suficiente para alimentar 2,5 mil pessoas. Os maiores enxames, que podem chegar a 60 quilômetros de extensão, comem, em 24 horas, tanto quanto 35 mil pessoas. Embora os gafanhotos não sejam a única espécie a devorar culturas, eles estão entre as mais destrutivas. De acordo com a FAO (Organização 14

das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), esses insetos têm potencial para prejudicar a subsistência de 10% da população mundial. Na África, os ataques também afetaram partes de Somália, Etiópia, Sudão, Djibuti e Eritreia. Cientistas acreditam que as ocorrências podem se tornar mais frequentes. Já existem evidências de que o aumento da temperatura terá um efeito direto sobre o metabolismo dos gafanhotos, tornando-os mais ativos e propensos a se reproduzir.


G E S PA N H A

A vez do turismo rural A Espanha se tornou o segundo país mais visitado do mundo, depois da França, ao investir na fórmula “sol e praia”, que durante muito tempo parecia infalível. No ano passado, no entanto, os resorts à beira-mar viram seu faturamento cair pela primeira vez em quase duas décadas, como resultado principalmente da concorrência com destinos mais baratos como Turquia,

Tunísia e Egito. Agora, a Espanha aposta no turismo rural para manter seu posto de um dos lugares mais desejados do planeta. O governo criou várias rotas de vinho e passeios ciclísticos perto das florestas selvagens no norte das Astúrias e no noroeste da Galiza, regiões pouco

exploradas do país. O projeto começa a dar certo. Em 2014, os estrangeiros representavam apenas 5% de todos os turistas que visitavam as regiões rurais da Espanha. No ano passado, eles responderam por 20%, e a ideia do governo é aumentar a participação para 35% até 2025.

I N G L AT E R R A

MINHOCAS NA COZINHA DE CASA

Em 2017, durante uma visita a um restaurante em Londres, na Inglaterra, o inglês Thomas Constant ficou encantado com os pratos à base de insetos. Enquanto degustava, teve uma ideia: por que não cultivar alimentos exóticos em casa, como as

pessoas fazem com as suas hortas? Dois anos depois e após uma série de viagens para 15 países, inclusive o Brasil, ele lançou a Beobia, uma startup que produz kits que permitem às pessoas produzir uma espécie de minhoca em suas próprias cozinhas. “O objetivo da Beobia é liderar uma revolução alimentar”, disse Constant à imprensa britânica. “O mundo precisa com urgência de alternativas ao consumo de carne e essa será a grande missão de minha empresa.” Por enquanto, o kit está sendo vendido apenas no Reino Unido, mas a ideia é exportá-lo principalmente para a Ásia, região mais aberta ao consumo de alimentos fora do padrão convencional, e para os Estados Unidos. PLANT PROJECT Nº19

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Revolução financeira: A transformação que a tecnologia está causando no crédito e seguro rurais

Ag AGRIBUSINESS

Empresas e líderes que fazem diferença

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Ag Empresas e líderes que fazem diferença

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O CRÉDITO É TECH Como o surgimento das agfintechs e a digitalização oferecida por instituições financeiras podem causar uma disrupção nos financiamentos e seguros rurais

P OR A NDRÉ S OLLITTO

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O

ecossistema de inovação brasileiro é conhecido pelo grau de maturidade de alguns setores. As fintechs, por exemplo, já são conhecidas no mundo inteiro. Basta ver a quantidade de unicórnios nessa área para entender o tamanho da revolução causada por essas startups no mercado financeiro: PagSeguro e Stone oferecem meios de pagamento, a Ebanx processa pagamentos e o Nubank, que hoje é um decacórnio avaliado em US$ 10 bilhões, oferece uma gama de serviços financeiros, de cartões de crédito a contas para pessoas físicas. Outro setor forte é a logística, que também tem diversos representantes avaliados em mais de US$ 1 bilhão, como o iFood, o app de delivery de comida mais popular do País, e a Loggi, que oferece diversas opções de frete. O agronegócio ainda não tem um unicórnio, mas isso é uma questão de tempo, já que as agtechs têm despertado a atenção de fundos de investimento, que passaram a atuar por aqui. E o que pode acontecer quando a inovação une dois desses setores em um movimento em um dos pontos mais sensíveis do agronegócio brasileiro? Prepare-se para a convergência tecnológica entre o agro e o mercado financeiro. Vem aí uma revolução e o alvo do momento é o crédito agrícola. Agtechs (as empresas com base tecnológica com foco no agro) e fintechs se apressam e encaram até grandes conglomerados financeiros para encontrar novas soluções que as permitam liderar o futuro do financiamento e do seguro rural. Para entender o tamanho do desafio, é preciso conhecer um pouco do burocrático e engessado sistema de crédito rural. O produtor que precisa de recursos para investir em sua propriedade não tem tantas opções. O principal mecanismo de custeio da produção é o Plano Safra, criado em 2003 e lançado anualmente com vigência entre julho daquele ano e junho do ano seguinte, datas escolhidas por conta do calendário da safra brasileira. O plano reúne um conjunto de políticas públicas que garantem a produção. A edição de 2019/2020 do Plano prevê um montante de R$ 225,59 bilhões, sendo R$ 169,33 bilhões para crédito rural (custeio, comercialização e

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Ag

industrialização) e R$ 53,41 bilhões para investimentos, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. As taxas de juros também são determinadas: 3% ao ano no caso de custeio, comercialização e industrialização; 4,6% ao ano para os beneficiários do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf); 6% ao ano para o Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp); e 8% ao ano para demais produtores. Esses recursos vêm do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e de fundos constitucionais, entre outros, e são oferecidos por instituições financeiras autorizadas a operar em Crédito Rural. Durante muito tempo, o Banco do Brasil foi o principal fornecedor dos recursos. Sua capilaridade e a forte associação com o setor consolidou essa posição. Mas, recentemente, os outros grandes bancos, como Bradesco, Santander e Itaú também passaram a atender os produtores, além de instituições especializadas, como o grupo holandês Rabobank. Como o crédito oficial é insuficiente, o produtor encontra alternativas de financiamento em revendas, tradings e cooperativas, fontes tradicionais do custeio da produção agrícola, e recursos dos próprios bancos e instituições financeiras. As condições, claro, são diferentes. REVOLUÇÃO DIGITAL É nesse ambiente que as agfintechs (as empresas de tecnologia focadas nas questões financeiras do agronegócio) estão ganhando notoriedade, oferecendo soluções para resolver alguns dos principais problemas do setor. Os gargalos são muitos. O processo todo é muito burocrático e exige farta documentação. A PLANT PROJECT Nº19

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obtenção dos documentos ainda é pouco digitalizada, o que dificulta ainda mais o trabalho dos produtores. A obtenção do crédito rural subsidiado é travada e exige uma série de comprovações. "Brincamos que o produtor passa seis meses na lavoura e seis meses no banco", diz Bernardo Moscardini, CTO e cofundador da startup TerraMagna, uma agfintech especializada justamente na digitalização de processos nessa área. “O ambiente é muito regulado no Crédito Rural”, afirma Roberto França, diretor de Agronegócio do Bradesco. “Isso dificulta muito a automatização dos processos. O mercado precisa evoluir independentemente das regulações.” Quem busca recursos de fontes alternativas esbarra em outra dificuldade: encontrar investidores dispostos a atuar como financiadores, já que o agronegócio ficou com a fama de ser “arriscado”, principalmente por conta da falta de garantias e sistemas de monitoramento eficazes. "A percepção

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de que é preciso saber o que acontece no campo já existe, mas as ferramentas usadas são erradas", afirma Moscardini. O método mais utilizado para saber se o produtor estava cumprindo sua parte, plantando o que disse que plantaria, por exemplo, é baseado em visitas de campo à propriedade – algo absolutamente sujeito a falhas. É preciso saber o que acontece a todo momento. É nesse limite entre o agro e os serviços financeiros que atuam empresas como a TerraMagna. Com sede em São José dos Campos, em São Paulo, a startup é responsável pela plataforma de monitoramento agrícola FIDES, que acompanha cada etapa da produção. Antes da operação, garante compliance socioambiental e oferece dados sobre a produção histórica da terra. Mostra a confirmação do plantio, o percentual plantado e o tipo de cultura. Dá alertas para veranicos e potenciais quebras de safras e acompanha a colheita. As informações


Matéria de Capa

são captadas via satélite e garantem um alto nível de segurança. “Garantimos que a operação financeira tenha tudo para nascer e continuar saudável”, afirma Bernardo Moscardini. O monitoramento feito de maneira confiável é uma ferramenta muito importante não apenas para fornecer dados aos investidores, mas também para ajudar na obtenção de seguros, ainda muito caros. Em 2017, por exemplo, apenas 15% da área plantada era coberta por algum tipo de apólice rural. Quem trabalha no campo reclama dos preços e da falta de opções oferecidas pelas seguradoras. Estas, por sua vez, afirmam que não existem dados históricos e acompanhamento em tempo real para garantir melhores condições – e muitas vezes admitem que deixam de oferecer seus produtos no mercado por não terem como fazer uma análise de risco confiável da produção no campo. O Ministério da Agricultura tem trabalhado em um banco de dados, mas as informações ainda são

Ag

insuficientes. O Plano Safra de 2019/2020 destinou R$ 1 bilhão para o Seguro Rural, mas a ministra Tereza Cristina afirmou que pretende dobrar essa quantia no próximo ano. De maneira semelhante, a Agrotools desenvolve projetos que ajudam instituições financeiras a fornecer crédito, aumentando a eficiência e reduzindo fatores de risco. Uma das principais agtechs da América Latina, ela oferece soluções que contemplam desde o cadastramento de novos clientes de forma geográfica e digital, garantindo que a propriedade não tenha passivos ambientais, por exemplo, até a identificação de riscos e monitoramento de garantias. Santander, Rabobank e Itaú BBa, por exemplo, já utilizam tecnologia da Agrotools para automatizar processos e obter mais informações sobre os clientes, tornando as operações mais seguras. Após a etapa do monitoramento, a obtenção de documentos e certificados representa outra dor de cabeça. É aí que

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entram startups como a Bart Digital. Fundada em 2016, em um evento de hackathon realizado pela sociedade rural do Paraná, em Londrina, a agtech surgiu como uma plataforma de gestão integrada de títulos e contratos do agronegócio que usa blockchain para oferecer maior transparência nos acordos. O foco inicial era a automatização e simplificação das operações de barter, em que o produtor usa como garantia a entrega dos grãos que ainda serão produzidos para custear o pagamento de insumos ou a aquisição de maquinário agrícola. O barter, hoje, representa uma espécie de troca triangulada entre o produtor agrícola, o fornecedor de insumos e a trading, e oferece vantagens para todos os players envolvidos. Mas o processo complexo, o custo variável dos custos para registrar a Cédula de Produto Rural (CPR), veículo que viabiliza grande parte das operações de barter, e a própria natureza do mecanismo de financiamento impedem que ele seja ainda mais usado. Na edição deste ano do Show Rural Coopavel, tradicional feira agrícola realizada em Cascavel, no Paraná, a Bart Digital anunciou o lançamento da Ativus, plataforma desenvolvida para emissão, assinatura, acompanhamento e registro de títulos agrícolas eletrônicos. Inicialmente, será possível emitir apenas e-CPRs, as cédulas eletrônicas, mas novos títulos e funcionalidades deverão ser anunciados nos próximos meses. Um de seus fundadores, o empreendedor Renato Giro¸o, se afastou há algum tempo da Bart Digital para se dedicar a uma nova startup: Brain Agriculture. “A proposta é bem diferente, de core tecnológico, 24


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big data e machine learning. A partir do CPF do produtor, nossa solução faz uma busca em todas as fontes públicas e retorna com as informações necessárias para o credor em dois a três minutos”, afirma ele. A partir daí, ele vai decidir se concede ou não o crédito. Lançada em agosto, a solução já conta com 5 milhões de hectares monitorados. Em julho, a startup lançará uma versão de seu Farm Check destinada aos produtores. “Para que eles possam tomar crédito mais empoderados. A base é a mesma, mas é mais amigável para o produtor”, diz Giro¸o. A empresa também prepara uma outra ferramenta de inteligência de mercado, ainda sem data de lançamento anunciada. DE OLHO NO INVESTIDOR É possível perceber como várias dessas soluções têm foco nos credores e investidores. Afinal, ainda é preciso atrair o crédito privado, muito mais do que existe hoje, com uma segurança maior. Especialmente o capital estrangeiro. “Para um fundo argentino, por exemplo, é até difícil explicar o tamanho da burocracia”, afirma Giro¸o. A situação está mudando, felizmente. “Há um mito de que o agro é inseguro, fruto de um desconhecimento muito grande”, diz Bernardo Moscardini. Essas tecnologias estão ajudando a desmistificar os investimentos no setor e a fazer com que o mercado financeiro chegue ao campo após passar muito tempo longe. Algumas ferramentas têm ajudado nesse processo – e podem ganhar impulso com o apoio de novas soluções tecnológicas. Uma das principais é o Certificado de Recebíveis do Agronegócio, conhecido como CRA. Eles permitem que os financiadores

Ag

transformem recebíveis de sua carteira, ativos individuais ilíquidos, em títulos mobiliários acessíveis ao mercado de capitais tradicional. Essa operação é feita no Brasil por securitizadoras e oferece diversas vantagens. A principal delas é a isenção de impostos para pessoas físicas. Não à toa, 60% das operações com CRAs são feitas por pessoas físicas. Mas essa não é a única. Para os investidores, permite uma diversificação de carteira com segurança e retornos atrativos em renda fixa. Para aqueles que originam os recebíveis, permite uma transferência de risco e aumento de liquidez. Os CRAs representam uma ferramenta recente – têm base legal em uma lei de 2004 e foram emitidos publicamente pela primeira vez em 2012. Outro dispositivo que tende a impulsionar os investimentos no setor é a Medida Provisória nº 897/19, apelidada de Nova MP do Agro. Publicada no Diário Oficial da União no início de outubro de 2019, ela complementa as medidas do Plano Safra 2019/2020. Uma das principais novidades é o Fundo de Aval Fraterno (FAF), mecanismo que permite que produtores se reúnam em grupos e façam um fundo comum. Ele funcionará como garantia às instituições financeiras para a quitação de dívidas. As CPRs e os títulos do agronegócio também poderão ser referenciados em dólar, o que dá maior segurança na contratação de empréstimos. E o produtor poderá fracionar sua propriedade em partes menores e oferecer apenas algumas dessas partes como garantia no momento de solicitar um empréstimo. Essas frações da propriedade serão usadas como lastro para a emissão de Cédulas Imobiliárias Rurais (CIR). PLANT PROJECT Nº19

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OS GIGANTES SE MOVEM A busca por inovação não fica restrita apenas às startups. As grandes instituições financeiras têm se mobilizado para digitalizar processos e atender às demandas dos produtores de maneira mais eficaz. O Banco do Brasil conta com uma equipe formada por 35 pessoas dedicada à busca de inovação no agro. Eles desenvolvem tecnologias internas, como o AgroBot, um sistema de inteligência artificial que oferece informações para que o produtor tome as melhores decisões. Também mantém uma parceria com a Basf na plataforma AgroStart, que busca as melhores startups do setor. "Temos uma relação histórica com o produtor e estamos atentos para atender suas necessidades", diz Marco Túlio Moraes da Costa, diretor de Agronegócio do Banco do Brasil. O Bradesco está na fase final de implementação da plataforma Open Bra, que vai espalhar colaboradores nas revendas agrícolas. O objetivo é dar resposta a crédito aos produtores rurais em no máximo 48 horas. "Descentralizamos muito o processo", diz Roberto França, diretor de Agronegócio do banco. "Nosso desafio para 2020 é aumentar nosso portfólio." O Santander também está apostando na digitalização de processos. O banco está desenvolvendo um portal que funcionará como uma pasta digital em que os documentos dos produtores serão arquivados. O processo ficará menos burocrático e mais seguro. "É algo que já acontece no banco para pessoas físicas", diz Carlos Aguiar, diretor de Agronegócio do Santander Brasil. "Agora, vai funcionar para a fazenda. O cliente vai colocar os documentos lá e vamos retornar com as pendências", afirma. 26


Matéria de Capa

MUDANÇA A LONGO PRAZO Essa disrupção, no entanto, ainda pode demorar um pouco para acontecer com a força que precisa. No agro, as coisas acontecem em outra velocidade. “O contato humano ainda vale muito no campo. Além disso, se na cidade estamos vivendo a indústria 4.0, no agro ainda estamos na 3.0”, afirma Bernardo Moscardini. A chegada das tecnologias ainda esbarra em problemas conhecidos pelos produtores há muito tempo, como a falta de conectividade nas propriedades rurais. E a grande regulamentação que existe no setor impede que aconteça uma revolução nos moldes daquela causada pelas fintechs no sistema financeiro brasileiro tradicional. O que tem acontecido é a união das instituições bancárias e das agtechs em parcerias que tendem a facilitar a vida de quem trabalha no campo. “Estamos atentos às tecnologias para aprender com as melhores práticas. É bom para o mercado. Todos crescem. O grande diferencial das agfintechs é a oferta simplificada. Elas têm uma estrutura mais simples. Mas não têm o balanço para fazer ofertas mais parrudas”, diz Roberto França, do Bradesco. “Nós conversamos com todos os players para melhorar processos e firmar parcerias.” Vinícius Queiroz, gerente sênior de Transformação Digital do Rabobank Brasil, concorda. "O que vemos é o crescimento nas parcerias entre grandes bancos e startups para explorar novos modelos de atuação como, por exemplo, marketplaces de crédito, onde os clientes podem comparar ofertas entre diversas instituições para escolher a que for mais conveniente para ele", diz Queiroz. Mais cedo ou mais tarde, o que

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é certo é que as mudanças vão acontecer. Revendas, tradings e outros intermediários vão continuar existindo, mas sua atuação tende a mudar. Tradings ainda possuem uma infraestrutura logística enorme que não vai se tornar obsoleta de uma hora para outra, mas vão depender cada mais de investimentos em tecnologia. É o caso da Cargill, a maior empresa do mundo com capital fechado. Com 153 anos de idade, a companhia adotou uma mudança de estratégia que leva em conta as demandas da sociedade por alimentos específicos, obtidos de maneira sustentável, e não apenas commodities. A Cargill vendeu setores inteiros, como a divisão de suínos, comprada pela JBS em 2015, e investiu em aquacultura, uma fonte de proteína que tem crescido muito nos últimos anos. Recentemente, passou a integrar a iniciativa Covantis, que vai usar tecnologias como blockchain para modernizar processos e tornar o comércio mais seguro e eficiente. Uma das perspectivas mais animadoras para os produtores é o surgimento de linhas de crédito individualizadas. À medida que as instituições tiverem em mãos informações mais precisas sobre como cada um trabalha, incluindo o histórico de cada propriedade, os empréstimos não serão mais feitos com base em critérios generalistas. “A tecnologia vai permitir a criação de modelos para cada perfil de produtor. Hoje, a régua é a mesma e o bom produtor paga pelo mau. Eventualmente, será possível para uma seguradora oferecer um seguro personalizado. O crédito tende a seguir pelo mesmo caminho”, diz Renato Giro¸o. Essa revolução, no entanto, é algo que deve acontecer a longo prazo. PLANT PROJECT Nº19

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O MELHOR DE DOIS MUNDOS Como a combinação de capital e tecnologia japoneses e DNA e qualidade técnica brasileiros faz da IHARA uma das melhores empresas brasileiras de defensivos agrícolas

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Uma bandeira japonesa tremula permanentemente ao lado da brasileira na entrada de uma propriedade de 233 hectares às margens da Rodovia José Ermírio de Moraes, a Castelinho, em Sorocaba (SP). Tem sido assim desde 1982, quando foram instalados ali a administração, os laboratórios, os campos de testes, as áreas industriais e de distribuição e as áreas de preservação da IHARA, empresa brasileira especializada em produtos para proteção de cultivos. Os dois estandartes nacionais juntos ajudam a contar uma história de cooperação e sucesso que começou em 1965, quando um grupo de japoneses decidiu criar no Brasil uma companhia com propósito único: unir, por meio da tecnologia, a terra que é referência em inovação ao país que é referência quando o assunto é alimentar o mundo. “A IHARA nasceu da visão empreendedora de empresários japoneses que desejavam trazer ao Brasil soluções em defensivos agrícolas baseadas na tecnologia de seu país de origem”, conta Gonçalves, que assumiu a presidência da empresa em janeiro passado, 30

no início de um ano que promete ser histórico para a empresa. Além de comemorar 55 anos, a IHARA deve se destacar no competitivo mercado brasileiro de insumos agrícolas graças ao lançamento de produtos com tecnologias inéditas para o combate de algumas das pragas que causam os maiores prejuízos aos agricultores brasileiros. Por estar umbilicalmente ligada a empresas responsáveis por esse desenvolvimento – seus acionistas são sete dos maiores desenvolvedores e distribuidores de moléculas do mundo –, a IHARA conseguiu ter um diferencial estratégico na formulação de agroquímicos. “O Japão é responsável por mais da metade das novas moléculas de defensivos agrícolas que estão sendo pesquisadas no mundo hoje e esse acesso direto faz com que a IHARA esteja à frente no que diz respeito às inovações e tecnologias do setor”, explica Gonçalves. “Estamos constantemente avaliando o encaixe dessas novas soluções no mercado brasileiro, por meio de testes e ensaios de campo. Não se trata de uma mera adaptação ou tropicalização. Todo o desenho do produto é feito pela IHARA, no Brasil. O desenvolvimento das formulações, os ensaios em campo, o registro dos produtos,


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tudo é feito pela IHARA.” Essa parceria do capital e da tecnologia japonesa com o DNA e a qualidade técnica das mais de 650 pessoas que formam o time da IHARA ganhou novo ritmo nos últimos cinco anos. Mais de R$ 250 milhões foram investidos no complexo de Sorocaba, com cerca de 20 lançamentos – atualmente são cerca de 60 produtos elaborados para proteger mais de 100 diferentes tipos de culturas. Recentemente, a IHARA obteve o registro de três produtos inovadores: o Zeus, indicado, entre outras culturas, para o combate de percevejo da soja, o Maxsan, contra as cigarrinhas na canade-açúcar e a mosca-branca na soja, e o Spirit que combate o bicho-mineiro, a ferrugem e a cigarra-do-cafeeiro. Foram mais de dez anos e investimentos de mais de US$ 20 milhões em pesquisas para se chegar a índices de eficiência de cerca de 95% no manejo dessas pragas, segundo os estudos revelados pela companhia. Não é apenas na tecnologia que a parceria nipo-brasileira mostra resultados. Na gestão de qualidade e na cultura organizacional, a origem japonesa se manifesta claramente. “Herdamos uma cultura muito rica, baseada no respeito e na melhoria

contínua”, afirma Gonçalves. “Nossas crenças e valores embasam as estratégias e decisões, orientando o nosso comportamento e possuem focos abrangentes: Nosso Planeta, Nosso País, Nossa Empresa e Nossa Gente, que expressam o desejo da empresa de servir com excelência nossos clientes. Em qualquer questão nossas decisões são embasadas em lealdade, justiça, coragem, amor e humildade, nessa ordem.” Com 28 anos de casa, o presidente da IHARA inicia sua gestão com um olho no futuro e o outro nas crenças e nos valores estabelecidos há mais de cinco décadas. “Devemos celebrar nossas conquistas e imediatamente buscar novos desafios”, diz.

Instalações da IHARA em Sorocaba: mais de 200 hectares entre planta Industrial, Centro de Pesquisa e área de preservação.

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O BOI É O QUE COME Estudos com novo sistema de confinamento eletrônico no Rio Grande do Sul apontam como investimentos no manejo da nutrição podem trazer ganhos significativos na produção de carne Por Evanildo da Silveira

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as contas do pecuarista há cada vez mais variáveis a serem dominadas. Além dos óbvios custos de produção e do valor de venda, hoje é preciso gerenciar até mesmo índices de emissão de metano e a produção de dejetos pelos animais. Novas técnicas de manejo de rebanhos desenvolvidas por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), por exemplo, olham para todas elas – e entregam resultado. Ao testar touros em um sistema eletrônico de confinamento de bovinos, desenvolvido para selecionar reprodutores com melhor eficiência alimentar (ou seja, a relação entre consumo e ganho de peso, que é uma característica hereditária), eles obtiveram redução de 9 a 10% nos custos de manutenção do efetivo de vacas, de 10 a 12% no consumo de ração, de 25 a 30% na emissão de metano, e de 15 a 20 % na produção de dejetos sem afetar o ganho diário médio (GDM) ou o tamanho de vaca adulta. Até agora, em três anos de projeto, foram testados cerca de 300 touros das raças Angus e Brangus – a partir deste ano também serão selecionados reprodutores Devon. Segundo o zootecnista Jaime Urdapilleta Tarouco, líder do projeto Consumo Alimentar Residual como Estratégia de Seleção e Efeitos nas Características de Comportamento Alimentar e de Carcaça, Obtidas por Ultrassom, o período de teste e seleção dura 91 dias e são feitos com lotes de 20 animais. Os primeiros 21 são para eles se adaptarem à nova dieta, que deve ser igual para todos, que vêm de fazendas diferentes. Os outros 70 dias são de testes e seleções propriamente ditos.

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“Quando cada animal chega aos cochos, que são equipados com dispositivos eletrônicos que identificam o touro, o sistema mede seu consumo alimentar e a frequência com que ele come”, diz Tarouco. “Há também bebedouros com o mesmo sistema, que avalia o consumo de água e sua frequência, e, além disso, pesa o bovino numa balança acoplada.” Um dos indicadores mais importantes para selecionar os bovinos é o Consumo Alimentar Residual (CAR). Para chegar a isso, é levado em conta o consumo de alimentos do touro e seu peso metabólico, que é obtido elevando-se o seu peso vivo à potência de 0,75. “É uma equação de predição”, explica Tarouco. “Ela mostra qual é o consumo esperado de qualquer um deles em função de seu peso metabólico, independentemente de raça, sexo, idade e até espécie. O cálculo também mede o ganho de peso diário. E então o CAR avalia a eficiência alimentar. Se o animal consome menos do que esta equação estimou, ele é de alta eficiência, e se come mais, é ineficiente.” Tarouco cita uma série de vantagens da avaliação do CAR. “Ela pode ser obtida no animal vivo sem a necessidade do seu abate, por exemplo”, explica. “Além disso, as informações são conseguidas em tempo real, por meio de sistemas automatizados e informatizados, não invasivos e que causam o mínimo nível de estresse nos touros. A quantificação do CAR é realizada em bovinos jovens, permitindo que essa informação seja utilizada de forma eficiente nos programas de melhoramento genético (genética quantitativa e genômica).” PLANT PROJECT Nº19

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O pesquisador acrescenta que a quantificação do CAR torna possível identificar reprodutores mais eficientes no uso de insumos e incorporar essa genética em rebanhos que buscam melhorar a produtividade na pecuária de corte. “A avaliação do CAR permitirá selecionar animais mais eficientes do ponto de vista ambiental ao estabelecer relações entre o consumo de alimento, a fermentação ruminal, a produção de metano e a excreção fecal de nutrientes”, explica. “Com a determinação do CAR também será possível estabelecer relações entre o consumo e a partição de nutrientes, de modo a conhecer seu efeito sobre o desempenho e a qualidade da carcaça e da carne.” Além do CAR, os pesquisadores também avaliam a espessura de gordura subcutânea. “Ela é muito importante”, diz Tarouco. “Geralmente o animal mais eficiente, que ganha mais peso, é mais magro. É mais difícil produzir gordura. A cada quilo dela, se produz de 3 a 5 quilos de músculo (carne) com a mesma quantidade de alimento. Portanto, é mais caro colocar gordura num bovino do que músculo.” Mas, como o sistema de produção de bovinos predominante no Brasil é a pasto, é necessário fazer isso, colocar grau de acabamento nos animais de corte, o que é um problema da pecuária nacional. “Se eu começar a selecionar 34

aqueles com maior eficiência alimentar, no entanto, a tendência, com o passar do tempo, é diminuir esse grau de acabamento”, explica Tarouco. “Isso faz com que eles fiquem mais tardios, tanto na reprodução como na produção de novilhos e de carne. Será necessário mais tempo para esse bovino ganhar gordura e é isso que não queremos. O desejável é que eles tenham um ganho de peso médio diário rápido, alto e também acabamento.” De acordo com dados do IBGE, o rebanho bovino do Brasil é de 212 milhões de cabeças, das quais mais de 85% são criadas a pasto, de forma extensiva. O rebanho total é responsável por 30% do PIB do agronegócio. Mas isso tem suas vantagens. “Os animais criados dessa forma têm uma composição da carne melhor, tanto em relação a ácidos graxos e ômega 3 e 6”, diz Tarouco. “O gado também tem melhor bem-estar. Além disso, o Brasil tem grandes extensões de terras com pasto sobrando, temos que usá-lo. Também é ambientalmente mais correto criar bovinos a pasto do que confinados e o custo de produção é menor.” O problema da pecuária extensiva é a pouca eficiência do rebanho de corte. De acordo com Tarouco, ela tem como principais causas a baixa pressão de seleção das novilhas de reposição para características


reprodutivas e de composição corporal; baixo nível nutricional adotado na recria, a elevada idade da puberdade e do primeiro parto, a pequena taxa de natalidade e repetição de cria (55 e 40%, respectivamente) das fêmeas do rebanho e a ocupação das pastagens com animais improdutivos e que não geram renda ao sistema, por não obterem índices zootécnicos adequados. Ainda segundo Tarouco, esses fatores são agravados pela expansão da área cultivada com culturas agrícolas, principalmente a soja, provocando a diminuição das pastagens naturais. “Como consequência, se percebe um movimento de intensificação dos sistemas de produção pecuários, no sentido de alimentar o mesmo número de animais em áreas menores ou aumentar a lotação numa mesma área de pastoreio.” O aumento da criação em confinamento é outra consequência da baixa eficiência da pecuária nacional. “Neste contexto, a demanda por sistemas de produção mais eficientes em bovinos de corte tem levado a um crescente interesse de diferentes grupos de pesquisa em estudar mecanismos que possam reduzir os custos com a alimentação, já que a dieta tem um grande impacto econômico”, explica Tarouco. “A lucratividade do sistema é altamente dependente da quantidade de carne vendável

produzida por unidade de alimento consumido.” Uma pesquisa realizada pela empresa DSM detectou em números essa tendência de aumento da criação intensiva de bovinos. “O total de bovinos confinados no Brasil, segundo o Censo de Confinamento da DSM 2019, realizado pelo Serviço de Informação de Mercado (SIM), é de 5,3 milhões de bovinos por ano, o que representa 12,6% do rebanho nacional”, diz Marcos Baruselli, gerente da Categoria Confinamento da companhia. “Na última década o modelo cresceu a uma taxa média de 7% ao ano, saindo de 2,5 milhões para 5,3 milhões de bovinos confinados por ano. Para 2020 estimam-se 5,7 milhões.” O avanço das tecnologias de nutrição animal contribuem para esse crescimento. Uma das líderes globais nesse segmento, a DSM, por exemplo, investe em linhas de produtos para balanceamento de ração de bovinos de corte confinados que utilizam óleos essenciais

Vacas e bezerros em pesquisas de programação fetal na Universidade Federal de Lavras (Ufla)

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na substituição de antibióticos. “Para esclarecer, os antibióticos são empregados como melhoradores de desempenho ou promotores de crescimento e podem ser substituídos por produtos naturais, como este que desenvolvemos.” Ele cita outras tecnologias em nutrição da DSM, “que incluem os minerais como o zinco, cobre, selênio e cobalto, todos de maior biodisponibilidade e menor risco tóxico; as vitaminas protegidas A, D e E, a biotina e o RumiStar”. “Este último é capaz de melhorar de forma expressiva a digestibilidade do amido do milho presente na ração do bovino confinado, promovendo uma melhor segurança alimentar e maiores respostas zootécnicas e econômicas”, diz. Os resultados, Baruselli garante, incluem uma melhor digestão dos alimentos, maior ganho de peso, melhor eficiência alimentar, além de uma maior produtividade por bovino confinado. “Outros resultados incluem respeito ao bem-estar animal e ao consumidor de carne vermelha e seus derivados”, acrescenta. “Importante citar que, cada vez mais, os consumidores estão exigindo certificação de origem e de procedência dos produtos que consomem, preferindo carnes de alta qualidade, livres de hormônios e antibióticos.” Para Tarouco, a pecuária no Brasil necessita diminuir os custos por unidade de produto, 36

porque ele tem um enorme por peso de porção comestível. “Quando comparamos a necessidade energética da dieta por unidade de produto comestível, a produção de carne bovina é cerca de um terço e um quinto da eficiência da produção de suínos e frangos, respectivamente”, revela. “Uma melhora de 5% na eficiência alimentar tem um impacto quatro vezes maior do que um incremento de 5% no ganho médio diário dos animais.”


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foto: Shutterstock

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A INFLUÊNCIA LEVE DE BLAIRO MAGGI Mais distante da política e mais ativo nas redes sociais, exministro cultiva uma nova imagem ao expor Por Luiz Fernando Sá

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a janela do edifício Concorde, o empresário Blairo Maggi tem uma visão privilegiada de tudo o que construiu. Enxerga, em primeiro plano, a Avenida André Maggi, moderna via que virou endereço do poder em Cuiabá. Poucos metros à direita, a menos de cinco minutos de caminhada, fica a bela sede do grupo AMaggi. Cruzando a rua, a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (Famato). Olhando à esquerda, o centro político-administrativo, com o prédio da Assembleia Legislativa e, um pouco mais ao fundo, o Palácio Paiaguás, base do governo estadual. Em cada um deles, Blairo deixou sua marca. Expresidente do AMaggi, ex-governador, ex-senador e ex-ministro da Agricultura, hoje, porém, guarda cuidadosa distância do cotidiano desses locais.

Desde que deixou o Ministério da Agricultura, há pouco mais de um ano, Blairo Maggi tratou de redefinir sua imagem. Sai o político – embora seu escritório no Concorde ainda receba a visita de prefeitos, deputados e correligionários e seja ingênuo pensar que ele não tenha voz ativa em várias questões eleitorais, sobretudo no estado. Entra uma espécie de influencer do agronegócio, uma pessoa mais leve, que expõe um lado doméstico e familiar para cerca de 90 mil seguidores no Facebook e outras 25 mil no Instagram. Suas postagens, antes conduzidas por assessores, hoje têm mais o seu dedo, resgatando suas relações com a terra, com momentos de prazer e com os antepassados. Quando questões mais relevantes sobre o agronegócio entram na pauta, não se omite, embora tente reforçar PLANT PROJECT Nº19

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que fala como alguém que conhece os temas com a intimidade de quem frequentou o poder, mas que hoje prefere acompanhá-lo do lado de fora. Mesmo seu escritório na sede da AMaggi, que mantém como grande acionista, já não é tão utilizado como em outros tempos. As interações em cada publicação nas redes sociais são contadas aos milhares, na imensa maioria positivas. PLANT acompanhou e analisou sua atividade no Facebook durante o ano de 2019 e pôde constatar como a empatia, apresentada pelo número de likes nos posts, cresceu ao longo desse período. Em seu último dia como ministro, 31 de dezembro de 2018, escreveu uma mensagem de despedida – não do cargo, mas, segundo afirmou, “da vida pública”. Treze meses depois, a postagem contabilizava módicos 153 curtidas, 18 comentários e cinco compartilhamentos.

Uma distância colossal da audiência registrada em sua publicação mais popular, feita em 7 de setembro passado. Nela, ele registrava, com uma foto histórica de família, as quatro décadas da chegada da AMaggi ao Mato Grosso. Foi em um ‘7 de setembro’, que o Sr. André Maggi comprou a primeira Fazenda SM-1, em Itiquira. Lembro bem que eu estava em casa, em São Miguel do Iguaçu, 40

ele ligou, e me disse: “Comprei uma fazenda para você cuidar”! E, desde então, estamos aqui. Eu, Hugo, Itamar e os colaboradores que vieram conosco. Agora, já é a 3ª geração vivendo e fazendo a vida por aqui. Obrigado meu Pai pelo caminho que nos conduziu! Viva o Brasil pela sua Independência, e viva o dia em que marca o início de uma nova e longa jornada da família Maggi! #7desetembro #matogrosso

Com 4,2 mil curtidas, 296 comentários e 195 compartilhamentos, a postagem revela como, ao se reencontrar com suas raízes, Blairo reconquistou uma aura de simpatia e humanidade que se desgastou nos muitos anos de gabinetes oficiais. Agora, exerce uma espécie de so¸power, sem o peso das obrigações, mas com influência mantida. Sua opinião ainda vale ouro, seus movimentos, milhões de reais. Sem estar permanentemente na vitrine, pode escolher quando se expor e quando se recolher. LAÇOS DE FAMÍLIA Aos 87 anos, dona Lúcia é companhia frequente do filho Blairo nas redes sociais. O pai, André, morto em 2001, é constantemente lembrado. Ao lado dos filhos e netos, o ex-ministro demonstra que, aos 63 anos, o titã das lavouras e da agroindústria, ex-rei da soja, vive um


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período de deleite ao lado de sua corte, seja em Cuiabá, seja em Balneário Camboriú, no litoral de Santa Catarina, onde possui um apartamento para veraneio. Em janeiro passado, não faltaram fotos tomando cerveja com amigos à beira-mar ou jogando bola com um dos netos na areia. E também um vídeo na cozinha, preparando em casa a massa para a macarronada. Como acontece anualmente, 3 de janeiro é dedicado a seu André, o homem que iniciou o império agrícola dos Maggi. Bom dia! Hoje tem festa no Céu, meu Pai completaria 93 anos. Parabéns, Saudade eterna.

A foto traz a capa da biografia do patriarca, escrita pela jornalista matogrossense Martha Baptista e lançada no ano passado. O mesmo acontece no dia dos pais. Em 11 de agosto, um Blairo com faca de corte na mão diante de um leitão assado, registrou a data celebrando um almoço com filhos e netos. No texto, porém, compartilhou ainda outro sentimento. Passei um dia feliz com meus filhos e netos, mas no final do dia uma tristeza enorme tomou conta do meu coração. Saudades do meu Pai... Quem já perdeu o seu, sabe a dor da saudade. Meu Pai André, esteja onde estiver vai meu beijo à vc! #diadospais

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A cozinha é, frequentemente, cenário para as publicações que tratam da relação com dona Lúcia. “É o lugar mais parecido com a casa da mãe”, diz ele em descontraído vídeo em que aparecem juntos, postado em 8 de dezembro passado. “Estou muito bem na casa do filhinho da mamãe”, afirma a matriarca, emoldurada por uma rosca que Blairo segura. Mais de 35 mil visualizações e 3,4 mil curtidas pra eles.

Duas semanas antes, o mesmo ambiente e os mesmos sorrisos registrados pelo filho: Ontem foi dia de curtir mamãe!!! Recebi a visita surpresa da matriarca e como sempre, fomos juntos pra cozinha!!

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MOTOSSERRA DE OURO Numa rede social em que o debate político prosperou nos últimos anos, Blairo Maggi tem sido econômico em suas manifestações sobre temas sensíveis. Foram apenas quatro postagens de caráter político, sendo três delas para negar uma eventual candidatura para novo cargo eletivo, como fez em 19 de setembro.

Outros temas, como cozinha/ gastronomia (nove posts, entre eles falando de camarão ao bafo, peixada, costelinhas e até omelete), férias na praia (sete posts), visitas a fazendas e lavouras (seis posts) Quando necessário, porém, registra sua opinião de forma clara. Em 23 de agosto, em meio ao calor das discussões sobre as queimadas na Amazônia, publicou seu texto mais longo, sem imagens, sobre a questão ambiental. Não deixou de tratar, inclusive, de um nada honroso título recebido: Minhas práticas como empresário, agricultor nunca passaram a linha da lei, mas como Governador coube a mim a tarefa de lidar com algo parecido com o que está acontecendo agora. A culpa 42

sempre recai em cima do Governante de plantão, exatamente o que acontece com Bolsonaro! (Sem culpa) E não é com bravatas que se vence uma guerra como está, mas com diálogo e união nacional! Esta união que deve vir dos envolvidos no caso! Até hoje sou lembrado pela motosserra de ouro, e não reclamo, pois foi ela que me permitiu unir os Produtores e criar um programa chamado ‘MT Legal’, que regularizou o passivo ambiental em MT, sentamos na mesma mesa, MPE, MPF, IBAMA, Entidades Classistas. E depois, o exemplo serviu para fazer o Novo Código Florestal Brasileiro. Eu já enfrentei isso, sei do que estou falando... Em outubro, em um vídeo, esbarrou em outra questão delicada em Mato Grosso, a relação do agronegócio com os povos indígenas. Mas o fez em seu estilo light, revelando um encontro com um jovem da tribo dos Parecis chamado Blairo, em sua homenagem. “Você gosta do nome?”, pergunta. Em resposta ouve: “Cada vez que vou pra cidade me perguntam: ‘Mas não é Maggi, não, né?’”

TEMOS DE ESTAR ATENTOS Capítulo à parte na jornada de Blairo nas redes sociais no ano passado foi a


viagem que ele e outros acionistas e executivos da AMaggi fizeram ao Vale do Silício, meca da inovação tecnológica nos Estados Unidos, em setembro. O veterano agricultor ficou particularmente impressionado com o que viu na visita a startups como a Just Egg, que produz um ovo alternativo “que nunca chegou perto de uma galinha”, como diz no vídeo que ele fez no laboratório da empresa. “É chocante!”, afirma, com cara de incrédulo. Na minha viagem ao Vale do Silício USA, lugar onde as startups sonham com tudo, são efervescentes as ideias! Não existem limites para mudar o mundo! Altíssimas tecnologias sendo desenvolvidas e essas tendências chegaram no Agro, na forma de fazer proteínas. As de animais, sendo substituídas por carnes, leite e ovos a partir de vegetais, ou carnes produzidas totalmente em laboratórios in vitro. É assustador este movimento, é uma desruptura total de como nos alimentamos até hoje. Muitas coisas ainda precisam ser respondidas, mas a pergunta não é mais, vão conseguir fazer? Mas sim, quando isso tudo chegará ao mercado para competir com tudo aquilo que estamos acostumados. Minha percepção: muito mais rápido do que imagino ou desejo!!!

Três dias antes, posando com um hambúrguer feito com carne substituta, produzida com base em proteínas vegetais, ele já havia indicado seu espanto com a velocidade das transformações que podem moldar o futuro do agronegócio. E advertiu: “Temos de estar atentos”. Estou em viagem ao Vale do Silício, San Francisco USA, para conhecer as tendências do mundo com o uso de novas tecnologias, algumas coisas me chamaram a atenção! Muitas vão mudar não só no mundo digital, mas também, na agricultura e pecuária, ovo, leite e todo tipo de alimentos de origem animal! Todos aqui querem fazer uma disruptura em alguma coisa. Tive a oportunidade de comer um hambúrguer feito de vegetais, o “Impossible Hambúrguer”, para minha surpresa é tão bom quanto o feito de carne bovina. Perguntei ao atendente qual a porcentagem de venda deste hambúrguer em referência ao outro, para minha surpresa: de 50 a 60%. Nós temos que estar atentos para não sermos surpreendidos num futuro muito próximo!

Estará aqui uma indicação da próxima missão do influencer Blairo Maggi? PLANT PROJECT Nº19

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Equipe da britânica Small Robott: com valores na faixa de US$ 10 mil, equipamentos autônomos começam a se tornar populares nas lavouras 44


O CAMPO ACELERA SOZINHO Por que a indústria de máquinas agrícolas está na frente das montadoras de automóveis na corrida dos veículos autônomos

foto: Divulgação

Por Amauri Segalla

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foto: CHN

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pequena Crown Point, cidade americana de 20 mil habitantes no estado de Indiana, vive uma revolução tecnológica. Desde o ano passado, tratores autônomos apenas um pouco maiores do que cortadores de grama espalham sementes de morango e maça pelos campos férteis da região. Eles cruzam o terreno, desviam de obstáculos e trabalham incansavelmente, faça chuva ou faça sol, sem interferência humana. Criados pelo advogado Zachary James, filho de fazendeiros da região e obcecado por sistemas baseados em inteligência artificial, os tratores Rabbit (nome que também batiza a empresa) não têm o glamour dos carros autônomos da Tesla, Apple, Uber, Amazon ou Waymo (braço automotivo do grupo Alphabet, dono do Google). Ao contrário de seus parentes mais famosos, porém, eles deixaram a fase de protótipos para se tornarem uma realidade visível e cada vez mais aplicável. Se os carros autônomos estão muito distantes de ocupar ruas e avenidas dos centros urbanos, no campo o futuro já chegou – e ele pertence às máquinas que não precisam da mão humana para se movimentar.

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Diversos motivos explicam por que as fazendas tomaram a dianteira nesse processo. “A primeira razão tem a ver com segurança”, diz o consultor Eduardo Tancinsky, especializado em tecnologia. “Nos últimos dois anos, uma série de acidentes, inclusive com vítimas fatais, mostraram que os autônomos estão muito longe de ser adotados nas cidades com a garantia de que não colocarão humanos em risco.” Recentemente, um estudo da Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos, concluiu que os autônomos urbanos só estarão prontos para ser adotados a partir de 2028, sendo que a previsão inicial era 2025. Parceira de companhias como Toyota e Ford, a Universidade de Coventry, na Inglaterra, projeta que os carros autônomos estarão disponíveis no mercado até 2025, mas não será surpresa para ninguém se novos atrasos surgirem pelo caminho. O consultor Tancinsky prossegue na análise: “Nas fazendas, o risco de acidentes é próximo de zero, já que não há pessoas na rota dos tratores e a velocidade das máquinas é muito menor”. De fato, os campos agrícolas, ao contrário de ruas, avenidas e estradas, não têm pedestres


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ou motoristas imprevisíveis. Acidentes podem acontecer, mas seus efeitos são menos danosos. Em entrevista recente para um site americano especializado em assuntos rurais, Zachary James disse que os tratores Rabbit já provocaram uma colisão. “Eles bateram uma vez em uma árvore, mas ela sobreviveu”, brincou. Segundo o empresário, seus veículos têm velocidade média de 11 km/h, enquanto os carros autônomos da Uber, por exemplo, chegam facilmente a 80 km/h. Quanto mais baixa a velocidade, mais tempo a máquina tem para processar dados e reagir adequadamente – foi a velocidade excessiva de um autônomo da Uber que provocou um acidente com vítima fatal em 2018. “Vai demorar muito para que uma família confie que um carro sem motorista leve uma criança, por exemplo, para a escola”, diz o consultor. “Duvido que um fazendeiro se recuse a usar autônomos em suas lavouras por temer que eles atropelem alguém, simplesmente porque isso não tem chance de acontecer.” O segundo aspecto que facilita a adoção de tratores independentes nas fazendas e, ao mesmo tempo, dificulta a sua disseminação nas cidades tem a ver com questões regulatórias. Por enquanto, os tratores autônomos estão livres para trabalhar na maioria dos países, desde que não transitem por caminhos asfaltados. Não há

regulamentação específica para eles, o que significa que podem circular sem restrição pelo chão de terra das fazendas. A Organização Internacional de Padronização, entidade que publica normas sobre quase tudo – de equipamentos de saúde a drones –, não possui nenhuma orientação sobre tratores autônomos. Nos Estados Unidos, o Departamento Nacional de Transportes ignora o assunto e apenas um estado, a Califórnia, criou uma norma, exigindo que os veículos sejam supervisionados por um ser humano. “Assim como ninguém precisa ter licença para comprar um cortador de grama, não faz muito sentido criar regras restritivas para um veículo que anda a pouco mais de 10 km/h”, diz Tancinsky. Os veículos autônomos urbanos, por sua vez, sofrem com a pressão contínua das autoridades. Ainda não existe regulamentação a respeito – na maioria dos países, as leis de trânsito determinam que um motorista mantenha pelo menos uma mão ao volante. Até agora, não se criaram regras específicas para os casos em que as mãos não são necessárias, como acontece com os autônomos. As autoridades começaram a pensar melhor no assunto depois de acidentes com veículos da Uber e da Tesla. Desde então, os testes passaram a ser feitos apenas em ambientes controlados. A própria indústria diz que está

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Do trator gigante da CNH ao pequeno robô da Rabbit, máquinas sem pilotos chegam antes ao campo do que os carros badalados da Tesla ou do Uber às ruas das cidades

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Ag Máquinas

Modelos da Small Robot: concebidos para ter mais agilidade em terrenos acidentados

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muito distante o dia em que a pessoa pedirá um carro por aplicativo e ele aparecerá na porta de casa sem que um ser humano de carne e osso esteja atrás do volante. Em recente seminário realizado nos Estados Unidos, Gill Pra¸, especialista em robótica e presidente do Toyota Research Institute, demonstrou certo ceticismo em relação à autonomia total dos automóveis. Segundo ele, está longe o dia em que haverá tecnologia 100% segura para que apenas uma inteligência artificial seja capaz de levar as pessoas de um ponto a outro, superando obstáculos, mudando rotas aleatoriamente e não representando qualquer tipo de ameaça para todos os seres vivos que cruzarem o seu caminho. Pra¸ disse que, em vez disso, o que deverá dominar o mercado são os sistemas avançados de assistência ao motorista. “Pense neles como um copiloto, não como um autopiloto”, disse o executivo. Ele se refere a controles ultraprecisos de direção, dotados de radar, câmeras e uma infinidade de sensores que percebem o entorno do automóvel e automaticamente aceleram, param, seguem, mudam de direção ou tomam ações evasivas. O executivo também afirmou que “muito provavelmente” os autônomos vão operar apenas em ambientes controlados, como aeroportos, centros universitários e espaços

fechados para a realização de eventos. Nas ruas e estradas convencionais, eles continuarão a ser, por muito tempo, objetos de ficção. Nas fazendas, o cenário é diferente. Desde meados do ano passado, robôs autônomos desenvolvidos pela britânica Small Robot Company localizam e matam ervas daninhas que ameaçam as plantações. Outros modelos criados pela empresa dispersam sementes e distribuem fertilizantes de maneira muito mais eficaz do que se o mesmo trabalho fosse feito por mãos humanas. É um aperfeiçoamento da agricultura de precisão, método baseado na tecnologia que permite aos fazendeiros, por exemplo, pulverizar pesticidas apenas em ervas daninhas, sem afetar a planta. Pelo menos 20 grandes fazendas da Inglaterra utilizam as máquinas da Small Robot, e elas têm se revelado bastante eficientes. Segundo a empresa, até o final de 2020 os pequenos tratores autônomos deverão chegar a outras 100 fazendas do país e já há encomendas de produtores da Alemanha, Espanha e França. Os pequenos autônomos fabricados pela startup custam entre US$ 10 mil e US$ 20 mil, valores acessíveis considerando o nível de tecnologia que possuem. Esse é mais um motivo que coloca os autônomos rurais em vantagem na comparação com os urbanos. Como muitos deles são


pequenos equipamentos, concebidos para ter agilidade para circular em terrenos acidentados, os preços costumam ser mais baixos do que os projetados para os autônomos de empresas como Tesla e Apple. Recentemente, Elon Musk, o polêmico fundador da Tesla, afirmou que os seus carros sem supervisão humana custarão a partir de US$ 100 mil, ou cinco vezes mais do que o autônomo mais caro da Small Robot. É preciso lembrar, porém, que desenvolver tratores autônomos não é tarefa simples. Os campos agrícolas são ambientes cheios de obstáculos e desiguais, oferecendo dificuldades adicionais de navegação na comparação com estradas pavimentadas. “Os problemas que você encontra variam de fazenda para fazenda”, disse Sarra Mander, diretora de Marketing da Small Robot, para o site OneZero. “Em algumas fazendas pode haver uma estrada, em outras existem

trilhas. Os tratores autônomos precisam se adaptar a uma diversidade muito grande de terrenos.” Não são apenas as startups que se dedicam ao desenvolvimento de tratores autônomos. Grandes companhias como a italiana CNH Industrial e a americana John Deere têm modelos avançados sendo desenvolvidos em seus laboratórios de inovação. Equipados com câmeras, sensores e radares, eles são capazes de mapear o espaço a sua volta e definir a melhor rota sem atingir obstáculos. Dotados de autonomia integral – ou seja, sem a presença de um condutor –, os tratores Steiger, da CNH, acumulam mais de 900 horas de testes realizados na Plot House Farms, sua base de experimentos na Califórnia, nos Estados Unidos. A John Deere dedica-se há dois anos ao projeto GridCon, focado em tratores autônomos e elétricos. As duas empresas não estabeleceram datas para que as

máquinas sejam usadas em escala comercial. No Brasil, um dos desafios para que os tratores autônomos ocupem as lavouras é a falta de conectividade no meio rural. O relatório “Índice de prontidão para o uso de veículos autônomos 2019”, realizado pela consultoria KPMG, colocou o Brasil como o país mais despreparado, entre 25 nações analisadas, para a disseminação dessas máquinas, atrás de países como Rússia, Índia e México. O motivo: a péssima cobertura 4G. As empresas já estão se mobilizando para amenizar o problema. Recentemente, gigantes como Bayer, CNH Industrial e Nokia lançaram o projeto ConectarAgro, que tem o objetivo de levar internet para áreas rurais brasileiras. A John Deere tem um projeto parecido, chamado de Conectividade Rural. Quando os desafios de conectividade forem superados, o Brasil deverá ser um dos protagonistas globais no uso de tratores autônomos. PLANT PROJECT Nº19

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Ag Segurança

ATAQUES PIRATAS NO MAR VERDE Todos os anos o agronegócio brasileiro é golpeado pelo comércio ilegal de defensivos agrícolas e sementes, um crime que tem impacto direto e imediato nos resultados produtivos e econômicos do setor. A solução depende de muita gente, mas começa pontualmente pelo agricultor Por Romualdo Venâncio

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Ag Segurança

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aqueados pela pirataria, os setores de defensivos agrícolas e sementes, dois dos principais negócios de insumos do agro brasileiro, têm acumulado prejuízos de toda ordem. A comercialização ilegal desses itens gera perdas financeiras ao produtor e à cadeia produtiva; compromete o desempenho das lavouras no curto, médio e longo prazos; mina a arrecadação de tributos em todos os níveis; coloca em risco a segurança dos alimentos e dos consumidores; e pode prejudicar a imagem do agro nacional no mercado global. O cenário fica ainda pior por conta da dificuldade para combater e prevenir o problema, seja pela sofisticação e audácia dos criminosos, seja pela falta de infraestrutura das autoridades, o que exige uma ação cada vez mais estratégica e integrada de órgãos governamentais, forças policiais, indústria e entidades de classe. Para especialistas do setor, o comprador desses produtos tem consciência, com raríssimas exceções, do que está fazendo: quer baratear sua atividade. No final das contas, por maior que pareça a economia – um defensivo pirata pode custar a metade do preço daquele que está dentro da lei –, somente as quadrilhas por trás desse negócio ilícito é que levam vantagem. E não é pequena. O agricultor tem grande responsabilidade nessa situação, tanto para o bem quanto para o mal, pois é ele quem decide comprar ou não insumos piratas. E, quando opta por adquirir um produto ilegal, seja qual for a sua motivação, assume o risco de integrar essa cadeia criminosa, no papel de receptador, e fica sujeito às penalidades cabíveis. Em geral, o objetivo e a redução de custos

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pontual, no exato momento em que planta, cultiva ou colhe. Mas, nessa situação, aquela história de que o barato sai caro pode ter consequências muito pesadas. “O comércio de defensivos piratas não é só um problema agronômico, é um problema de polícia, de crime organizado. Quem vende esses produtos não tem escrúpulo, e vem acompanhado de toda uma cadeia de criminalidade, tráfico de armas, drogas. A constatação da comercialização é apenas a ponta do iceberg”, comenta José Otávio Machado Menten, presidente do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS), secretário de Meio Ambiente de Piracicaba (SP) e professor sênior da Esalq-USP. “Temos inclusive um trabalho de orientação com os alunos sobre os riscos e a dimensão desse crime organizado”, acrescenta. Segundo Menten, estima-se que os produtos ilegais, que em geral derivam de contrabando ou falsificação, representam entre 20% e 25% do segmento de defensivos agrícolas. Considerando que esse mercado gera negócios em torno de R$ 42 bilhões por ano, basta uma conta rápida e simples para ver que o crime pode faturar alto com o agro. Se a contabilidade for mais adiante, fica difícil precisar os prejuízos. Além de o agroquímico ilegal não apresentar a eficiência esperada na proteção das lavouras, não há como ter garantias sobre sua composição química, a concentração do princípio ativo pode ser insuficiente ou exagerada. “Mais que isso, existe o risco de conter um princípio ativo proibido no Brasil ou ainda ser um produto fitotóxico, que vai queimar as folhas das plantas e


prejudicar o desenvolvimento”, diz o especialista. PESO DA CUMPLICIDADE O primeiro documento que o agricultor precisa ter para adquirir um defensivo é a receita agronômica, fornecida por um profissional capacitado e legalmente habilitado. O segundo é a nota fiscal entregue pela agrorrevenda no momento da compra. “Quando acontece um caso de mau funcionamento de um produto na lavoura, o agricultor aciona o revendedor ou a cooperativa que o atendeu e, depois, a indústria. A partir daí ele é ressarcido ou indenizado, dependendo da análise do problema. Quando está com contrabando ou falsificação, não tem com quem reclamar”, alerta Fernando Marini, proprietário da Fehmar Assessoria Empresarial. O produtor não consegue sequer fazer a destinação correta

da embalagem do defensivo, pois é necessário comprovar a legalidade da compra daquele produto. Ou seja, de forma indireta, a pirataria impacta até no Sistema Campo Limpo, programa de logística reversa gerenciado pelo inpEV (Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias) que faz a destinação ambientalmente correta de 94% das embalagens de agroquímicos comercializados no Brasil. Desde 2002, já foram coletadas mais de 550 mil toneladas desses recipientes. “Para se livrar das embalagens, quem usa produtos piratas chega até a jogá-las em outra propriedade, transferindo o risco de ser processado para o dono dessa fazenda. Também descartam na água, enterram ou queimam e depois enterram. Em muitos casos, a investigação chegava ao local do crime por conta dos restos de fogueiras PLANT PROJECT Nº19

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em fazendas”, diz Marini, que tem um envolvimento muito próximo com esse tema. Durante 14 anos, o empresário e engenheiro agrônomo trabalhou no Sindiveg (Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal) acompanhando de perto essa movimentação, inclusive junto a autoridades dentro e fora do País. Marini foi contratado pela entidade, em 2005, exatamente para ser o gestor de uma campanha de combate ao contrabando. Ele conta que o gatilho para essa iniciativa foi a venda ilegal do herbicida Clorimuron, fabricado pela DuPont (hoje Corteva). “Ao perceberem que o problema não ficaria só no Clorimuron, as indústrias decidiram formar, dentro do Sindiveg, o Comitê Contra os Defensivos Ilegais”, diz. Naquela época, no início dos anos 2000, lembra Marini, produtos ilegais vindos do Paraguai entravam com facilidade no País. Essa fronteira continua a ser um grande desafio. 54

Um estudo realizado pela Revista Brasileira de Criminalística confirma que o Paraguai é responsável pela maior parte dos produtos contrabandeados que entram em quase todos os estados brasileiros, enquanto o Uruguai tem essa mesma relação com o Rio Grande do Sul. O levantamento foi feito com base em laudos periciais da Polícia Federal entre janeiro de 2012 e outubro de 2017, e apurou que houve 1.224 apreensões de diferentes agroquímicos naquele período. Cerca de 40% do material apreendido passou por análises químicas e, desse volume, mais de 18% era falsificado. Pelos rótulos desses defensivos ilegais, pode-se identificar sua origem: 49% eram brasileiros, 39% paraguaios e 14% uruguaios. Por se tratar de um problema tão sério e complexo, é preciso ampliar o ângulo de visão, pois vai além das fronteiras na América do Sul. Marini comenta que o principal fornecedor de Paraguai e Uruguai é a China.


“Não estou criticando os produtos chineses, mas há uma questão de qualidade e de diversas classificações. Tivemos um caso de apreensão de 100 quilos de um produto taxado como benzoato de emamectina [utilizado no combate à lagarta Helicoverpa armigera] e os exames laboratoriais identificaram 25 ingredientes ativos, dentre eles um herbicida”, diz o empresário, que já participou de encontros na China, com o Ministério de Agricultura chinês, sobre combate ao contrabando. EFEITO CASCATA No segmento de sementes, a pirataria traz um risco enorme de comprometer todo o desenvolvimento da lavoura, pois é o ponto inicial da atividade. Se a genética que é plantada na terra não tem garantia de qualidade, toda a tecnologia aplicada dali para a frente pode ser desperdiçada. Em termos financeiros, o prejuízo causado pelos produtos piratas no mercado nacional de sementes é estimado pela Abrasem (Associação Brasileira de Sementes e Mudas) em R$ 2,44 bilhões por ano. A entidade vem trabalhando para destacar a importância do uso de sementes certificadas e conscientizar o setor, sobretudo os agricultores, em relação aos riscos da utilização de material pirata. Entre as ações da entidade nesse sentido está a criação de

uma campanha nacional, que traz como lema “Semente pirata espanta a produtividade”. Outra iniciativa foi o lançamento da cartilha Pirataria de Sementes: ilegalidade de A a Z, publicação que está disponível para download no site da instituição. Entre os problemas consequentes do uso de sementes piratas, a cartilha destaca a falta de garantia de qualidade, o risco financeiro pelo fato de a lavoura não poder ser segurada, a disseminação de pragas e doenças entre propriedades e regiões, a introdução de pragas e doenças quarentenárias que não existem no País e o não recolhimento de tributos e royalties, o que acaba prejudicando os investimentos em pesquisa e o avanço do melhoramento genético. Jean Carlos Cirino, diretor administrativo da Apassul (Associação dos Produtores e Comerciantes de Sementes e Mudas do Rio Grande do Sul), comenta que o setor alcançaria um potencial financeiro de R$ 766 milhões, por safra, com arroz, trigo e soja se nas três culturas fossem utilizadas apenas sementes certificadas. “Esses recursos poderiam circular entre os integrantes da cadeia, gerando mais pesquisa e desenvolvimento, o que a médio e longo prazos certamente se traduziria em produtividade para o agricultor”, diz. Infelizmente, essa estimativa não pode se concretizar, pois a realidade PLANT PROJECT Nº19

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Foto: Shutterstock / Simões Filho

é bem diferente. De acordo com estatísticas da entidade sobre a participação de grãos piratas na produção de sementes no estado, o arroz apresenta 43% e a soja 15%, ambos no período 2017/18, e o trigo 14%, em 2018. Diferentemente do setor de defensivos, em que os produtos piratas são fabricados, no caso das sementes a pirataria envolve organismos vivos que vêm da própria lavoura. É destinar à semeadura grãos que não deveriam ter essa finalidade, o que só aumenta a responsabilidade do produtor. “Quem tem o poder de mudar essa situação é o agricultor, pois é ele quem decide que tipo de semente vai adquirir”, comenta Jean Carlos. Mas é claro que o segmento como um todo também é responsável, integrado com os órgãos de fiscalização. “Acredito que há mais envolvidos do que imaginamos, possivelmente podemos citar a Polícia Rodoviária Federal, que trabalha na fiscalização de transporte, e a Receita Federal, que atua em questões de evasão tributária.” A opinião do executivo da Apassul é compartilhada por Oribel Silva, diretor executivo da Apasem (Associação Paranaense 56

dos Produtores de Sementes e Mudas). “Todos são responsáveis pelo combate à pirataria de sementes, pois o impacto econômico atinge a todos, não apenas o nosso setor. O prejuízo social, por exemplo, é enorme, estimado em R$ 228,4 milhões de tributos que deixam de ser recolhidos”, afirma. Para ilustrar a dimensão da pirataria de sementes no Paraná, Oribel fala sobre o percentual de produtos certificados. Ele cita, por exemplo, que esse índice é de 15% no feijão, 6% na soja, 70% no trigo e 92% no milho. Além do trabalho de orientação e conscientização, que no caso da Apasem é multiplicado pelas cooperativas associadas, há uma permanente contribuição com a fiscalização, atribuição dos órgãos específicos. “Sabemos das dificuldades para se realizar as fiscalizações, por isso a Apasem compila as denúncias e abre protocolos junto aos órgãos responsáveis”, comenta Oribel. No estado, quem tem essa função fiscalizadora é a Adapar, a Agência de Defesa Agropecuária do Paraná, órgão vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento. Mas a ação é limitada apenas à comercialização. Como determinado pela Lei 10.711/2003, a fiscalização na produção e no uso das sementes piratas fica na estância federal, a cargo do Mapa. Isso não impede a colaboração entre ambos. “Atuamos por denúncia ou quando temos acesso a algum documento que indique a


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existência de pirataria. Mas se recebermos alguma informação de irregularidade na produção ou no uso, fazemos a classificação e repassamos ao Mapa. E o mesmo acontece da parte deles”, explica Afonso Sikora, fiscal de Defesa Agropecuária da Adapar. As denúncias são um instrumento poderoso nessa guerra contra a pirataria. E, quando bem fundadas, acompanhadas de informações reais e precisas, acabam

tornando mais fácil e ágil o trabalho das autoridades. O combate passa a ser mais assertivo. Mas, para Jean Carlos, isso também é um desafio, porque a denúncia ainda é uma espécie de tabu para os brasileiros. O diretor da Apassul acredita que muita gente ainda veja essa atitude como algo que possa prejudicar alguém ou tenha medo de sofrer algum tipo de represália. “Essa é uma visão equivocada, pois a denúncia tem por objetivo defender aqueles que

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estão atuando de maneira correta, bem como o bom funcionamento das leis e normas que regem nossos direitos e deveres”, afirma. “Gosto muito de uma frase de Benjamin Disraeli, escritor e político britânico que morreu em 1881, que diz que o momento exige que os homens de bem tenham a audácia dos canalhas.” Também foi Disraeli quem disse: “Quando os homens são puros, as leis são desnecessárias; quando são corruptos, as leis são inúteis”.

DEFINIÇÕES DE SEMENTE Na opinião de Jean Carlos Cirino, diretor administrativo da Apassul (Associação dos Produtores e Comerciantes de Sementes e Mudas do Rio Grande do Sul), para que o agricultor possa contribuir no combate à pirataria, é fundamental conhecer as opções de sementes à sua disposição. Semente certificada – é produzida dentro no Sistema Nacional de Sementes e Mudas (SNSM), seguindo todos os padrões e normas regidas pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa) e envolvendo toda uma cadeia de produção – biotecnologia, obtentores vegetais, produtores de semente, comerciantes e prescritores – que é remunerada pelo seu trabalho e o agricultor tem benefício pelo incremento de produtividade em sua lavoura.

Semente para uso próprio – o agricultor salva ou reserva parte de seus grãos para semear em sua própria área na safra subsequente, seguindo normas e procedimentos estabelecidos pelo Mapa. Subentende-se que ele não tem interesse no desenvolvimento da cadeia de sementes e acredita que sozinho conseguirá melhores resultados. Esta opção traz o risco da estagnação de patamares produtivos, pelo desestímulo ao desenvolvimento de novos cultivares pelas empresas de melhoramento genético.

Semente pirata – é todo grão colhido e vendido ou permutado com a finalidade de semeadura. É o grão que resulta de uma lavoura, o que o agricultor colhe ao fim de uma safra e destina à indústria, com objetivo energético ou alimentício. Diferente da semente que é colocada no solo para obter uma plântula robusta, vigorosa e com capacidade de gerar descendentes.

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Com Aurélio Pavinato

AURÉLIO PAVINATO 52 ANOS, CASADO, TRÊS FILHOS CEO DA SLC AGRÍCOLA

Foto: Divulgação

ENGENHEIRO AGRÔNOMO, FORMADO PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA, COM DOUTORADO EM SOLOS PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL, ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO PELA KELLOGG SCHOOL OF MANAGEMENT, NOS ESTADOS UNIDOS, E PELO INSEAD, NA FRANÇA

Assista aos vídeos desta e de outras as entrevistas na página da série Plant Talks. Use o QR Code para acessar.

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á 27 anos o engenheiro agrônomo Aurélio Pavinato foi contratado como assessor técnico pela SLC, companhia focada no plantio de grãos em fazendas próprias e arrendadas no Rio Grande do Sul. Quase três décadas depois, ele ainda faz parte do quadro da empresa – e talvez apenas isso tenha permanecido como era no princípio desta história. O profissional passou a gerente de fazenda, diretor e, desde 2012, CEO da SLC, que evoluiu para um dos maiores grupos agrícolas do Brasil. Hoje, cultiva soja, milho e algodão em mais de 450 mil hectares em 16 propriedades, todas elas no cerrado brasileiro. Em território gaúcho ficaram a sede e os cérebros da empresa, uma das líderes no movimento de digitalização da agricultura nacional. Nesta entrevista, concedida no B-Hub, espaço de inovação e empreendedorismo da Faap, em São Paulo, ele conta como a tecnologia vai guiar os próximos anos da atividade no Brasil e no mundo. Confira os principais trechos aqui e, para ver a íntegra em vídeo, acesse o site da PLANT. Quando você começou na SLC o cenário era muito diferente do que é hoje para quem está iniciando no agronegócio, sobretudo nas operações agrícolas. Que tipo de profissional vocês buscam hoje? Eu fui feliz quando eu decidi fazer agronomia, na década de

1980. O cenário do agronegócio brasileiro era totalmente diferente do que ele é. Hoje em dia o agro brasileiro é muito mais importante do que era há 30 anos. Atualmente o mercado demanda profissionais com outras habilidades. O conhecimento técnico e o conhecimento básico continuam sendo importantes. Eu sou doutor em solos e o conhecimento científico de solos continua o mesmo em termos das bases técnicas. A forma de você executar é que está mudando radicalmente. A chamada agricultura digital veio para alterar a forma como você realiza a agricultura e aí as habilidades do mundo digital são necessárias. Há uma interiorização do conhecimento tecnológico em função da agricultura digital? Exatamente. A forma de produzir é que mudou radicalmente e isso está gerando emprego para diferentes profissionais. A agricultura digital é uma coisa nova, 2017 é o ano da mudança do mundo analógico para o

mundo digital. Muitos funcionários que há cinco anos não eram necessários na empresa, hoje já são em função disso. Por isso que nós construímos uma sala de inclusão digital em cada fazenda pra treinar o nosso operador. Que tipo de treinamento vocês dão? Treinamento de como usar os aplicativos que nós temos, de como usar os monitores das máquinas. A gente aproveita o espaço e inclui também o treinamento de gestão de pessoas, na parte de trabalho em equipe. Empresas agrícolas costumavam ter uma sazonalidade muito grande em termos de pessoal. Hoje é um quadro mais estável? Quantos funcionários tem a SLC hoje? Nós temos 2.600 funcionários fixos. Os variáveis estão basicamente vinculados ao beneficiamento do algodão, que é sazonal. Na parte da execução da operação principal, que

“A agricultura digital já é economicamente viável. A economia que você tem nos insumos paga o investimento e gera retorno para o agricultor”

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é por manejo, plantio e colheita, faz tempo que a gente procura ter profissionais fixos, porque treinamos e a pessoa está qualificada. Se você pega um profissional variável ou temporário ele não está treinado o suficiente e não vai executar com a mesma qualidade. O que já se pode colher da agricultura digital? Já é possível perceber um ganho significativo de eficiência e de rentabilidade nas operações? Estamos escalando agora nessa safra de uma forma significativa. Por exemplo, já há dez anos temos agricultura de precisão tradicional em um projeto grande de correção de solo com taxa variável de aplicação de fósforo, potássio e calcário. Agora, com a agricultura digital, escalamos toda a parte do manejo das culturas, manejo de pragas e de doenças. O sistema faz um levantamento de pragas na lavoura e no final da operação do dia ou do turno já sai um mapa de pressão de pragas na lavoura. E este ano nós estamos escalando a aplicação localizada. Qual é o ganho? Com esse mapa de pressão de pragas, você decide aplicar o defensivo agrícola somente onde tem a praga. Isso está gerando uma economia bem expressiva de defensivos agrícolas. A precisão fica ainda mais precisa... Exatamente. Na verdade, cada planta é um indivíduo, 60

cada metro quadrado é um indivíduo dentro de uma população de plantas em uma lavoura. Nós caminhamos para a individualização da agricultura como acontece na medicina? Esse seria o objetivo final lá na frente, aplicar localizado significa aplicar naqueles indivíduos que estão doentes, que estão com a doença, que estão com a pressão da praga. Tem o sistema agora, o Weed-it, em que você aplica somente na planta-alvo. No ano passado a gente aplicou em 73 mil hectares e economizou 90% do herbicida. No algodão, a aplicação do inseticida para pulgão, por exemplo, é feita somente na linha do algodão e não na entrelinha. Estamos economizando ali entre 70 e 75% do inseticida. A agricultura digital está viabilizando esse tipo de economia, com ganho na redução de custo da produção e um ganho ambiental também. Quer dizer, estou aplicando o medicamento onde precisa somente, não es-

tou aplicando na lavoura toda. Com isso acredita que o debate em torno do uso de defensivos vai amainar? O uso de defensivos fica cada vez mais pontual. Então esse é um ganho importante. E a conectividade no campo está permitindo fazer a transmissão de mapas do tablet para o escritório e para o pulverizador, tudo on-line. Fazer tudo isso via pen drive, via deslocamento de dados, é complicado, a gestão disso é complicada. Digitalizar a agricultura exige investimento. Já é possível enxergar retorno num prazo curto? A agricultura de precisão, quando começou lá atrás, era muito equipamento, muitos investimentos e os ganhos não eram expressivos. Hoje todo esse pacote que existe no mercado da agricultura digital já é economicamente viável. A economia que você tem nos insumos paga o investimento e gera um retorno


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para o agricultor. É uma nova revolução na agricultura. Nós tivemos as revoluções do passado, primeiro com a mecanização, depois com os químicos, a revolução verde. Elas mudaram o teto de produtividade e o custo de produção. Ao longo da história, o homem foi cada vez mais eficiente na produção de alimentos. E o que a agricultura digital vai permitir? Ela vai trazer um upgrade extraordinário de qualidade da operação. É aquela história da gestão: se você não mede, se você não tem indicador, você não controla, você não faz gestão. E tendo medição, tendo indicador, você faz gestão. Va-

“Podemos sonhar em sermos exportadores de tecnologia na agricultura digital e desenvolvermos as nossas multinacionais brasileiras do agro”

mos ter o controle da qualidade das operações. Então, além da economia nos insumos, nós vamos ter mais produtividade. Esse ganho vem só para grandes empresas capazes de trabalhar em escala, como a SLC, ou já dá pra pensar nisso em operações menores, de pequenos e médios agricultores? Eu diria que os produtores médios e pequenos, em regiões de pequenas propriedades, vão ter que esperar um pouquinho mais para acessar, porque na verdade nesses casos demanda uma organização coletiva. Tem que ter uma cooperativa na região, ou um grande operador da região, que traga essa tecnologia para eles. Se não tem sinal de celular lá na propriedade dele, alguém lá na região tem que instalar uma rede de conectividade para ele poder usar equipamentos conectados. Quem trabalha no setor, as empresas que vendem máquinas agrícolas, as concessionárias, por exemplo, tem estimulado e investido inclusive em conectividade na região em que eles atuam pra levar máquina conectada. Então, de uma forma indireta, o pequeno produtor acaba tendo acesso. O clima é o ponto mais sensível, a variável mais indomável da operação agrícola. Você acha que a fronteira climática que deve ser o grande investimento de quem busca desenvolver tecnologias?

As ferramentas modernas vão nos ajudar a fazer uma gestão melhor dos dados climáticos do dia a dia e da operação. Agora, quando você pensa no global, nos macroeventos climáticos, aí foge ao seu controle. Em função do aquecimento global, os eventos climáticos estão ficando mais intensos. Quer dizer, se vai dar uma seca forte na região Sul do Brasil, não tem o que fazer. Ou melhor, tem o que fazer sim, mas tem que fazer anteriormente: o manejo que você usa na lavoura, o manejo do solo, o perfil do solo, a sua cobertura de solo pra armazenar água, tudo isso ajuda muito você a enfrentar os eventos climáticos e mitigar ou reduzir as perdas. O Rio Grande do Sul é um exemplo típico. Há 20 anos, quando dava uma seca de 25 dias, se produzia 20 sacas por hectare. Hoje dá uma seca de 30 dias, como deu agora em dezembro, e mesmo assim produz 50-55 sacas por hectare, porque o sistema produtivo está muito mais resiliente. Nesse novo cenário de agricultura digital, existe espaço para desenvolvimento de uma indústria nacional de tecnologia com ambição global? Existe espaço, sim, porque o agro brasileiro é muito organizado. A gente consegue sair na frente, por exemplo, se comparado com americanos, com argentinos, em termos de desenvolvimento tecnológico. Então a gente pode sonhar que nós um PLANT PROJECT Nº19

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dia possamos ser exportadores de tecnologia também e não somente importadores, como nós praticamente somos hoje na parte de insumos e de máquinas. Podemos sonhar em desenvolver projetos para sermos exportadores de tecnologia na parte de agricultura digital e desenvolvermos as nossas multinacionais brasileiras do agro. A SLC tem um trabalho junto a startups, o programa Agroexponencial. O que vocês já encontraram nesse relacionamento? Pode resultar até uma nova frente de negócio? O objetivo primeiro nosso, que lançamos o ano passado, foi definir os nossos problemas, as nossas dores e buscar soluções para esse problema focando na melhoria de eficiência da nossa operação. O foco nesse primeiro momento não foi desenvolver um novo produto, uma nova solução para um novo mercado. Os passos seguintes poderão ser a gente buscar novas alternativas e novos produtos, mas até então

o nosso foco tem sido a eficiência da operação atual. Mas já conseguiram ter resultados na operação? Em que estágio está esse programa? Nós trabalhamos o ano passado com sete startups e agora estamos escalando 13 startups em nível comercial. A gente já está expandindo e usando de uma forma em grande escala e gerando benefício para a nossa operação. A SLC é sócia dessas empresas? Não. Nesse caso nós apenas patrocinamos. A startup é que está tendo o benefício econômico nesse momento e nós estamos tendo benefício operacional. Quais seriam hoje as grandes oportunidades, os grandes gargalos dos problemas a serem atacados pela tecnologia? A área de crédito, por exemplo. No Brasil, felizmente, a taxa de juros caiu bastante, então vai ficar mais barato. Até então era uma despesa financeira alta, e a

“A década de 2020 vai ser uma década da sustentabilidade e felizmente a gente vai poder mudar a imagem do setor”

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produção agrícola demanda muito capital, tem uma necessidade de capital de giro grande. Viabilizar, agilizar e baratear o custo financeiro do crédito é um benefício auxiliar, mas não é o principal benefício. Acredito que os principais benefícios, como nós estamos em um país tropical, estão na redução de custo com defensivos agrícolas e com fertilização. Esses dois campos representam quase 50% do custo da produção. Haveria espaço para uma disrupção na comercialização dos insumos e também do resultado das safras? Com certeza. Quando se pensa em agricultura brasileira e toda a sua cadeia de suprimentos, à medida que forem desenvolvidas plataformas de comercialização dos insumos e de comercialização da produção, a tendência é aumentar a competitividade. Eu vejo que tem um espaço maior do lado dos insumos agrícolas e esse benefício talvez seja maior para o médio e o pequeno produtores do que para o grande produtor, porque a gente já compra direto das empresas, a gente já tem um atendimento direto. Vocês têm um centro de inteligência agrícola em Porto Alegre, sediado bem distante das fazendas onde vocês plantam. E precisam ter uma base de TI robusta, para integração e análise dos dados colhidos em


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campo. Como vocês se preparam para esse momento? Tem que ter um time de TI lá na matriz. Temos um time de desenvolvedores e muitos aplicativos que usamos hoje são nossos. É um diferencial em nível de fazenda. Cada fazenda tem que ter um técnico de TI que possa atender as demandas do dia a dia. O centro de inteligência agrícola coordena isso, dando suporte para as fazendas, treinando os técnicos das fazendas para operar os equipamentos, os tablets e as máquinas dentro das fazendas. Não adianta você comprar a tecnologia, investir e não preparar as pessoas, porque são elas que executam tudo isso. Recentemente a SLC fez a aquisição de um sistema de gestão da SAP. Qual é o objetivo, integrar essas operações? Será um upgrade de ERP na

companhia. A gente vai implantar esse sistema muito mais integrado e mais automatizado. Toda a parte de gestão agrícola estará conectada com a parte do backoffice. O objetivo dessa mudança é ter um sistema muito mais moderno. Na sua visão, qual vai ser a marca dos anos 2020? A inteligência artificial seria uma delas? A inteligência artificial faz parte da agricultura digital, para desenvolver so¸wares que consigam interpretar o conjunto de dados que são coletados. Não é suficiente ter dados, é necessário gerar informações, e aí a inteligência artificial vai nos ajudar. Os anos 2020 serão anos de mudanças muito rápidas. Daqui a cinco anos vai ser muito diferente operar uma fazenda. Quando a gente pensa em uma revolução digital na agricultura mundial, vai ser os anos 2020 que vai

acontecer essa revolução na forma de produzir. Haverá mais produção, mais produtividade, menor custo, o produto vai ser mais barato. E quem vai se beneficiar disso tudo é o consumidor. E além da consolidação digital, uma outra área que vai ser muito forte – e talvez ser a marca da década – é a produção sustentável. No passado, a preocupação era ter o alimento, não era a qualidade do alimento. A agricultura digital vai permitir que você tenha rastreabilidade, vai permitir que você tenha o controle da produção, saber se ela está sendo feita de uma forma sustentável. O PIB per capita está crescendo em todos os países do mundo e com isso o consumidor mundial vai ficar mais exigente. Então, eu acho que a década de 2020 vai ser uma década da sustentabilidade e felizmente a gente vai poder mudar a imagem do setor. PLANT PROJECT Nº19

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Marcos Jank

oucas pessoas têm uma visão tão privilegiada do agronegócio global como Marcos Sawaya Jank. Como ele mesmo diz, seu olhar sobre o setor passa, pelo menos, por seis ângulos diferentes, e começa exatamente pelo campo. Filho de produtor rural, viveu até os 18 anos na fazenda, a Agrindus, uma das maiores produtoras de leite do País. Seguiu os passos do pai e se formou em agronomia, pela Esalq-USP, onde iniciou a carreira acadêmica até a livre docência. Passou pelo governo, trabalhou no BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), em Washington e deu aulas em Universidades americanas e europeias. Também foi fundador do Icone (Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais), presidente da UNICA, executivo da BRF na Ásia e até colunista da Folha de S. Paulo enquanto estava lá do outro lado do mundo. Após quatro anos em Cingapura, Marcos retornou ao Brasil e, em maio do ano passado, tornou-se professor de agronegócio global no Insper, retomando a carreira acadêmica. Parece estar se sentindo em casa, pelo ânimo com que fala da instituição e sobre o quanto o agro pode ganhar espaço por lá. Foi com esse entusiasmo que ele recebeu a redação da PLANT PROJECT para falar sobre mercado internacional, mundo polarizado, desafios do agro brasileiro e para onde o setor deve olhar se quiser ganhar espaço e representatividade no cenário global. Acompanhe.

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56 ANOS, CASADO, TRÊS FILHOS PROFESSOR E PESQUISADOR SÊNIOR DE AGRONEGÓCIO GLOBAL NO INSPER ENGENHEIRO AGRÔNOMO (ESALQ-USP), COM MESTRADO EM POLÍTICA AGRÍCOLA (MONTPELLIER-FRANÇA) E DOUTORADO EM ADMINISTRAÇÃO (FEA-USP), TRABALHOU NO BID (WASHINGTON), FOI PRESIDENTE DA UNICA, EXECUTIVO DA BRF NA ÁSIA E É CONSELHEIRO DA RUMO LOGÍSTICA

Foto: Divulgação

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MARCOS SAWAYA JANK


Como o Brasil pode agregar mais valor à sua produção agropecuária no mercado externo? Primeiro a gente precisa entender a inserção brasileira no mundo atual, que é cheio de turbulências. Por exemplo, a política externa de Donald Trump, baseada na ideologia do America First, é uma reversão de tudo o que os Estados Unidos pregaram desde o pós-guerra. Talvez os EUA sejam o país que mais se beneficiou da chamada globalização. Mas a partir dos anos 1990 novos atores se destacam no capitalismo, principalmente os países emergentes da Ásia, que desde então roubaram 18 pontos percentuais das nações do antigo G7. A geografia econômica muda e ganha uma centralidade cada vez maior na Ásia, criando o neonacionalismo ocidental. Com a assinatura da fase 1 do acordo entre EUA e China, que materializa a política do Trump, passamos de um mundo que buscava livre-comércio e globalização para o endosso das duas maiores nações do planeta a um acordo bilateral que cria comércio administrado e privilegiado entre elas, com metas explícitas de aumento do fluxo bilateral dos EUA para a China. A grande questão é se tudo isso vai valer para os outros países ou se entramos no mundo do toma lá dá cá, onde ganha o maior e não o mais competente.

Onde entra a OMC (Organização Mundial do Comércio) nessa história? A OMC está muito enfraquecida. Desde que os EUA se recusaram a nomear juízes para o órgão de apelação, a entidade perdeu a sua capacidade de “morder”, de julgar e condenar. A OMC era uma instituição forte pois negociava acordos de abertura comercial, regras de propriedade intelectual, investimentos e tinha um mecanismo efetivo de solução de controvérsias com um tribunal de apelação. Quando dois países não se entendiam, realizava-se um painel sobre aquele tema que eventualmente terminaria no veredicto final do órgão de apelação, com possibilidade de retaliação. Essa última instância não está mais operando e o acordo EUA-China mina o principal pilar do multilateralismo, a chamada cláusula da nação mais favorecida que estabelece que os membros da Organização precisam estender os mesmos benefícios e conceder tratamento não discriminatório a todos os demais membros. Então essas potências ficam ainda mais fortes e passam a ditar as regras? Qual é o risco disso? A implementação do acordo EUA-China soa como sendo fortemente discriminatória para outros membros da OMC. Não estamos falando apenas de melhores condições de acesso a

mercado para as exportações de soja dos EUA para a China, mas também de uma espécie de fast track regulatório a favor dos EUA em questões sanitárias, cotas de importação e eventos de biotecnologia agrícola entre os países. Se esse acordo for implementado na íntegra, o que felizmente me parece pouco provável, o Brasil será o país mais prejudicado no agronegócio, atingindo em cheio nossas exportações de produtos como soja, carnes e algodão.

“Os próximos 20 anos não serão tão fáceis como foram os últimos 40 anos, em que a gente não teve que se preocupar com quem ia comprar nossos produtos.”

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Marcos Jank

Pode significar uma limitação de oportunidades? Sim. E qual é a principal consequência disso? Ser o mais eficiente não basta. Se não melhorarmos as relações bilaterais, negociarmos acordos e entendermos o novo mundo geopolítico que estamos vivendo, talvez não consigamos vender. Aquela história que gostamos de repetir sobre a imensa competitividade do Brasil pode não ter efeito em um mundo altamente tensionado e polarizado, no qual canais geopolíticos paralelos criam padrões e regras privilegiadas de acesso. Isso não dá um nó na cabeça de quem vive o agro brasileiro? Sim. Estudei muito a evolução do comércio global nos últimos dois séculos, desde a revolução industrial inglesa, até o que aconteceu antes e depois das guerras. Acho que estamos vivendo um turning point nacionalista, protecionista e xenofóbico, mas não sei dizer se é definitivo. O mundo não é previsível, mas há camadas importantes da sociedade que estão insatisfeitas com abertura comercial, migração, integração, globalização, etc. O Trump não é um fenômeno isolado. A gente vê o Brexit, movimento de separação do Reino Unido da União Europeia. Vê diversos governos isolacionistas pelo mundo. Assistimos recentemente os problemas na América Latina, como os protestos 66

gigantescos no Chile, que era tido como o país de maior sucesso da região. Depois veio a nova crise com o Irã e os ataques não convencionais, à base de drones caríssimos. O mundo está bem complicado! Qual deve ser a reação do agronegócio brasileiro nesse cenário? O Brasil deve manter sua trajetória de internacionalização no agro, que inclusive nos transformou no terceiro maior exportador do planeta, com uma presença marcante em pelo menos dez commodities importantes que hoje estão no centro da alimentação de centenas de países. Apesar de ainda estar muito focado em commodities, o Brasil tem um papel indiscutível na segurança alimentar global. Temos conseguido crescer em função da eficiência gerada pela nossa revolução agrícola. Para mim, o maior símbolo dessa re-

volução é o fenômeno do milho e do algodão. Conseguimos fazer, na mesma área, duas ou até três safras se juntarmos a pecuária, sem irrigação. Usamos apenas o ciclo de chuvas e os produtores competentes que temos. Há 30 anos o Brasil era importador líquido de algodão, agora é o segundo maior exportador de um algodão altamente sustentável e rastreável, com todas as certificações. Estamos correndo mais rápido que os EUA em algodão e milho. É fantástico! Ainda vamos assistir a outras duas revoluções: uma na explosão da produtividade da pecuária de corte e outra nos intermodais da logística brasileira. E o Brasil pode superar os EUA em milho e algodão? Nesses dois produtos estamos crescendo bem mais rápido que os EUA e eles estão assustados com a concorrência brasileira nas exportações. Nos

“Lançamos iniciativas de comunicação com grande estardalhaço, e pouco tempo depois elas morrem de inanição por falta de recursos. Somos bons de ideias criativas, mas ruins de execução.”


grãos saíram de uma safra muito ruim, com excesso de chuva no início e neve no final da estação. Perderam quase 50 milhões de toneladas de milho e soja. Mas vão retornar e a briga pelos mercados continuará boa, mas talvez mais desleal e discriminatória como apontei. Isso exige maior organização do nosso lado. Esse é o nosso grande desafio? Sem dúvida, é o grande desafio. Os próximos 20 anos não serão tão fáceis como foram os últimos 40 anos, porque nessas quatro décadas a gente não teve que se preocupar com quem ia comprar nossos produtos. O Brasil fez a revolução nas fazendas e as tradings vieram buscar as commodities. Sem nenhum acordo comercial relevante, saltamos de US$ 20 bilhões em exportação no ano 2000 para US$ 100 bilhões atualmente. Enquanto isso, nossos concorrentes, como Austrália, Nova Zelândia, México, Canadá, EUA e Europa se cercaram de dezenas de acordos comerciais que protegem as suas exportações. Como deve ser daqui para a frente? Nos próximos anos, a gente vai obviamente depender de continuar a revolução agrícola, mas será necessário ter maior presença no exterior, organização para negociar e desenvolver um trabalho árduo e permanente de defesa do nosso mode-

lo produtivo, da nossa imagem no exterior. Temos de negociar com a China e ao mesmo tempo nos aproximar dos EUA. O Brasil tem uma parceria estratégica com a China que precisa ganhar musculatura, pois os chineses são oportunistas e se aproveitam da nossa desorganização. Temos de criar uma relação mais estável e previsível com a China, olhando o longo prazo. Estamos falando de legislação, questões sanitárias e diplomáticas, e do que mais? Acho que tudo aquilo que está em torno e além da produção. Para começar, a gente precisa retomar a agenda de negociações internacionais que não serão mais como antes. Temos facilidade para colocar alguns produtos lá fora, como soja, algodão e celulose, mas quando se trata de açúcar, etanol e carnes, o acesso é muito mais complicado porque depende de política pública aqui dentro e acesso aos mercados lá fora. É exatamente nos produtos que mais dependem de governos que a gente tem crescido menos. O governo brasileiro não

tem o pragmatismo que prevalece em outros países. Acompanhei os processos de vendas de carne bovina da Austrália e dos EUA e de carne de frango da Tailândia, e posso dizer que o sistema sanitário deles é muito mais simples e objetivo que o nosso. A outra agenda fundamental é a da imagem. Quais são as prioridades nessa agenda sobre imagem? Antes, a gente entregava o produto no porto e esquecia. Agora, os nossos clientes querem conhecer a rastreabilidade do produto, que insumos foram usados no processo e se houve desmatamento associado à produção. Em alguns lugares do mundo enfrentamos críticas generalizadas sobre o uso de insumos modernos como defensivos, transgênicos, promotores de crescimento, antibióticos, etc. Além disso, há uma agenda fortíssima de bem-estar animal no mundo e uma grande parcela da população se recusa a comer proteína animal ou tem regras muito rígidas para consumi-la. Precisamos entender muito bem os PLANT PROJECT Nº19

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Marcos Jank

“três esses” que estão no centro da preocupação de muitos consumidores – saúde, sanidade e sustentabilidade. Caberia um trabalho conjunto dos diferentes segmentos do agro para melhorar a imagem do agro brasileiro no exterior? Todas as iniciativas que foram criadas nessa direção infelizmente fracassaram. Fazer comunicação no exterior em conjunto, montar representações físicas em conjunto podem até dar certo durante algum tempo, mas depois fracassam porque os interesses dos setores e empresas são diversos. Sem contar que nunca olhamos o médio e o longo prazos. Lançamos iniciativas de comunicação do agro com grande estardalhaço, e pouco tempo depois elas morrem de inanição por falta de recursos. Somos bons de ideias criativas, mas ruins de execução. E sempre focamos só no curto prazo, com baixíssima capacidade de organização sistêmica. O nosso agro é vaidoso também? A vaidade é uma característica humana, mas eu acho que alguns países conseguiram superá-la. Veja o exemplo da Austrália, um país super organizado no exterior que tem uma presença impressionante graças à sólida parceria entre os ministérios da Agricultura e do Comércio e as entidades setoriais, que se fazem presentes e 68

“Aquela história que gostamos de repetir sobre a competitividade do Brasil pode não ter efeito em um mundo altamente tensionado e polarizado”

atuantes na Ásia e em diversos países do mundo. O Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) investe US$ 180 milhões para patrocinar um programa de presença e imagem no exterior que apoia 60 entidades agro daquele país. Países menores do que o Brasil no agro, como Austrália, Nova Zelândia, Canadá e Chile têm representações bem mais permanentes e efetivas que a nossa. Como o mercado global vê essa questão de o Brasil ser uma liderança em produção e exportação, o maior nisso ou naquilo? Eu acho que há uma certa soberba nessa mania brasileira de se apresentar como o maior do mundo, o mais eficiente, o mais sustentável. Como ainda somos pouco internacionalizados como nação e o nosso agro é atacado de todos os lados, isso cria aqui dentro um movi-

mento irracional do tipo “nós contra eles”. Não podemos nos posicionar contra o resto do mundo. Se estivéssemos mais presentes no exterior, teríamos um diálogo mais construtivo e com isso encontraríamos pontos comuns de conversa. Para vender lá fora o primeiro passo é entender exatamente o que o cliente quer, ainda que sejam exigências absurdas. Essa tarefa o Brasil faz mal. O segundo passo é mostrar para o cliente que vamos adicionar valor para ele. Temos de mostrar ao cliente e aos reguladores lá fora o benefício real que trazemos para o seu país, não apenas para o nosso agricultor. E aí formar coalizões com grupos locais que partilhem as nossas teses e objetivos e nos defendam. O discurso não deveria ser “somos os melhores do mundo”, mas sim “vamos realmente ajudar vocês a resolverem os seus problemas”.


O vinho é obra da natureza ou da civilização?

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Foto: Shu erstock

Ideias e debates com credibilidade

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O vinho é obra da natureza ou da civilização? IRINEU GUARNIER FILHO Jornalista especializado em agronegócio, cobrindo este setor há três décadas. É Sommelier Internacional pela Fisar italiana, recebeu o Troféu Vitis, da Associação Brasileira de Enologia (ABE)

De tempos em tempos, o mundo do vinho é agitado por modinhas curiosas – que rendem muita discussão em confrarias de enófilos, blogs e publicações especializadas. Algumas até fazem sentido; outras são apenas parolagem. Assim, tivemos, nos últimos tempos, as “modinhas” do vinho laranja e do vinho azul. A substituição do carvalho e do inox por ânforas de argila ou “ovos” de concreto. A onda de beber espumante em taças bojudas, e até – pasmem – de passar o vinho borbulhante por decanter. Cofermentação, micro-oxigenação, maceração carbônica, fermentação com leveduras “indígenas”, termovinificação e outras práticas do arsenal técnico da enologia também estiveram em voga nos debates de confrarias em alguns momentos. No entanto, nenhum outro modismo tem sido mais persistente do que este que exalta a mínima “intervenção” do homem no processo de elaboração do vinho (Como se fosse possível ao vinho que bebemos hoje elaborar-se sozinho, por geração espontânea, ou quase isso…). Ora, para fazer vinho é preciso, antes, plantar uma vinha, já que vinhedos comerciais não brotam espontaneamente na natureza. Isso pressupõe arar a terra, fertilizar o solo, erradicar ervas daninhas, plantar as mudas em um alinhamento racional, fazer enxertos, orientar o crescimento dos sarmentos com estacas e arames, irrigar (em alguns casos), fazer a poda seca, a poda verde, o raleio, combater doenças e insetos (mesmo que à base de produtos “naturais”), e só então colher os cachos. Depois, ainda é necessário selecionar as uvas, prensá-las para extrair-lhes o sumo, fazer a remontagem do mosto, controlar a temperatura da 70

fermentação, trasvasar a bebida, estabilizá-la, filtrá-la, afiná-la por vezes em barricas de madeira e, por fim, engarrafá-la. Notem que nem se falou do acréscimo de leveduras industriais para promover a fermentação (nem sempre se pode fermentar com leveduras nativas, não é?). Conclusão óbvia: ainda que se trate de um vinho orgânico ou biodinâmico, não seria possível elaborá-lo sem muita “intervenção” humana. Claro que o excesso de manipulação, principalmente a química, não faz bem ao vinho nem a quem o bebe. Quanto menor for a adição de elementos químicos ao vinho, melhor poderemos apreciar o seu verdadeiro caráter, a personalidade de cada casta, as características que o terroir confere à bebida. Malabarismos enológicos para mascarar defeitos também são condenáveis, obviamente. Mas é preciso reconhecer que a tecnologia (agronômica e industrial) está presente em todas as fases da elaboração de um vinho, por mais “natural” que ele seja – do preparo do solo ao afinamento em carvalho. Não se faz vinho de qualidade sem considerável intervenção humana. Por mais influente que seja o terroir, é a mão do homem (vinhateiro ou enólogo) que faz com que vinhos de uma mesma região, elaborados com as mesmas castas viníferas, sejam às vezes tão diferentes entre si. Alguns, magníficos; outros, nem tanto. Sem o conhecimento acumulado ao longo de séculos, e sem os recursos da tecnologia, não teríamos a maioria dos bons vinhos que bebemos hoje. Como muito bem resumiu o crítico português Rui Falcão, “o vinho é uma criação sublime da civilização, não da natureza”.


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A Mecânica da Mecanização MARCO RIPOLI

Ph.D., engenheiro agrônomo, mestre em Máquinas Agrícolas pela Esalq-USP e doutor em Energia na Agricultura pela Unesp. Proprietário da Bioenergy Consultoria, da Energia da Terra, empresa de alimentos saudáveis e investidor da Drinquis

O sistema produtivo canavieiro tende a seguir um padrão das operações mecanizadas, salvo algumas peculiaridades regionais, de acordo com a necessidade. O preparo de solo adequado deve garantir que as operações de calagem, subsolagem, gradagem e adubação sejam realizadas corretamente, seguido da operação de plantio (sulcação, adubação, cobertura, distribuição das mudas – manual ou mecânica). Os tratos culturais (cultivo tríplice e pulverização), de acordo com o histórico do comportamento da cultura, são importantes para garantir o desenvolvimento das plantas, para que no momento da colheita a produtividade máxima seja alcançada. Desde a década de 1970, a mecanização da lavoura vem passando por um processo contínuo de evolução, adequando implementos corretos aos tratores (inclusive de alta potência), programando e controlando as manutenções, cada vez mais preventivas do que corretivas, incorporando mais tecnologias de agricultura de precisão, tráfego controlado, inteligência artificial, drones, etc. ajudando no controle e na redução dos custos de produção e tornando o Brasil o país com menor custo de produção do mundo. Nada disso ocorreu sem o mais importante dos elos desta cadeia: os profissionais – técnicos das usinas, que são a verdadeira mecânica para isso tudo acontecer. O conhecimento agrícola, a capacitação e a atuação desses técnicos, juntamente com institutos de pesquisas, universidades e fabricantes

de máquinas e implementos, são os responsáveis por esse sucesso. Entretanto, após aproximados 50 anos, hoje nos deparamos com um nível de desenvolvimento tecnológico incrível, mas que a meu ver tende a se estabilizar ou dar sinais de uma redução na velocidade da inovação. O setor sucroalcooleiro já dispõe de muitas novas soluções que promovem o aumento da sua receita, porém o que vem pela frente ainda? Novas técnicas, outros tipos de equipamentos, espaçamentos, produtos etc.? Não sei, mas serão tão impactantes e disruptivos quanto os atuais foram comparados a 50 anos atrás? O espaçamento de plantio de cana, tema diário de discussões, por exemplo – que sempre foi concebido de forma a atender as máquinas e os equipamentos dos fabricantes e não necessariamente olhando a fisiologia da planta –, pode e varia de região para região, de variedade para variedade. Não é apenas aumentando a população de plantas por hectare que se ganha em produtividade, mas por vezes alterando essa matemática a produtividade pode ser ainda maior. Com isso, um grande passo que se deve dar é de entender qual é a possibilidade de adequar as máquinas e novos espaçamentos. Em breve viveremos uma nova era no setor, incluindo variedades geneticamente melhoradas. A evolução tecnológica é um caminho sem volta, fazendo com que o produtor se adéque. O Brasil, cada vez mais, é protagonista nos processos de inovação das grandes fabricantes de máquinas agrícolas do mundo! Por diversos anos, as maiores e mais tradicionais marcas (leia-se John Deere, AGCO e CNH) consideram o País como um de seus mais importantes mercados de atuação e investem grandes quantias em Pesquisas e Desenvolvimento, para trazer soluções que atendam as necessidades locais. É o profissional que promove a correta gestão da atividade agrícola, atribuição da mão de obra, materiais, recursos, com o objetivo de promover resultados satisfatórios, que busca alcançar rendimentos eficazes, determinados previamente, lida e previne possíveis desvios, motiva e treina equipes para atuações necessárias e padroniza atividades. O segredo do sucesso da mecânica, na verdade, reside no fator humano da operação. PLANT PROJECT Nº19

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SUA REDE DE

CONEXÃO

COM O AGRO DO FUTURO

Todo dia é uma oportunidade de criar novas e relevantes histórias no campo. Com a Plant é assim: há 3 anos desenvolvemos conexões inteligentes, consistentes e decisivas entre o agro do futuro e as grandes marcas através de projetos transformadores. /PlantProjectBrasil

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Cultivo de tilápia em Santa Fé do Sul (SP): Potencial da piscicultura entre Santa Fé do Sul (SP) e Aparecida do Taboado (MS) pode, no mínimo, duplicar nesta década

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foto: W.Zana

As regiões produtoras do mundo

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As regiões produtoras do mundo

Propagação da tecnologia de cultivo em tanques-rede favoreceu o crescimento da produção de tilápias nessa região do Rio Paraná 74


“PARANAZÃO” É UM OCEANO DE OPORTUNIDADES Um novo hub de produção de peixe de cultivo, em especial a tilápia, está ganhando força na divisa entre São Paulo e Mato Grosso do Sul. A tendência é de que a expansão seja maior e mais rápida nos próximos anos

foto: Divulgação Geneseas

Por Romualdo Venâncio

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foto: Divulgação foto: Shu erstock

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o alto do Rio Paraná, bem no comecinho da divisa entre os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, encontra-se um dos principais complexos hidrelétricos do País. Estão ali as usinas de Ilha Solteira e Jupiá, que geram 3.444 MW e 1.550 MW, respectivamente, somando um potencial de quase 5.000 MW. Mas, para o agronegócio, o que mais tem chamado a atenção naquela região é a disponibilidade de água. Ou melhor, a quantidade de peixe que é possível cultivar nos lagos e na ramificação hídrica que abastecem essas usinas, estimada pela Peixe BR (Associação Brasileira da Piscicultura) em mais de 400 mil toneladas por ano, segundo Francisco Medeiros, presidente executivo da entidade. “Por enquanto, a produção está em 50 mil toneladas”, diz ele. Isso representa apenas 12,5% do potencial, ou seja, o “Paranazão” é um oceano de oportunidades. Aquela área já aparece no mapa da piscicultura nacional como um dos três arranjos produtivos mais importantes. Os outros dois estão no Paraná, na região oeste do estado, e em Minas Gerais, na

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cidade de Morada Nova de Minas, que é cercada pela Represa Três Marias. O novo hub de peixe de cultivo, que está mais concentrado entre as cidades de Santa Fé do Sul (SP) e Aparecida do Taboado (MS) e é dedicado principalmente à produção de tilápia, se diferencia pelo crescimento rápido e de maneira mais estruturada. O fato de ter começado com produtores verticalizados facilitou a navegação para quem atracou em seguida, pois já havia a infraestrutura necessária para a entrada de novos empreendimentos. Nos últimos cinco anos, essa expansão se intensificou, inclusive pela diversidade dos participantes desse arranjo, com diferentes perfis de piscicultores e empresas, vindas dos mais variados setores ligados à piscicultura. “Temos naquela região fábricas de ração, produção de alevinos e unidades de processamento. Isso abriu oportunidades também para outros segmentos, como o de serviços, um dos mais beneficiados por esse crescimento. Há uma série de atividades realizadas dentro e fora das unidades de produção que são terceirizadas, como manutenção, limpeza,


Rio Paraná

segurança e transporte”, afirma Francisco. “O único segmento que ainda não se instalou por lá é o de saúde animal, os fabricantes de vacinas e medicamentos, por se tratar de um setor muito especializado, mais concentrado em São Paulo, e porque a logística para acessar a região é mais fácil hoje em dia.” O fato de quase todos os integrantes dessa cadeia produtiva já terem se instalado em um dos lados do Rio Paraná por ali, ou nos dois, alimenta ainda mais o desenvolvimento da atividade e o apetite dos empresários. O Grupo Ambar Amaral, por exemplo, que está em solo e águas paulistas, produz entre 650 a 680 toneladas de tilápia por mês em três unidades. “Estamos adquirindo mais uma unidade produtiva e até o final deste ano chegaremos a 850 toneladas por mês”, diz Ramon Amaral, natural de Santa Fé do Sul, sócio-diretor e filho do fundador da empresa. Seu pai, Antonio Carlos Lopes do Amaral, que deixou a cidade para se dedicar à pecuária de corte em Mato Grosso, retornou em 2006 para inserir a piscicultura na história do grupo. E já com a ideia da verticalização. VISÃO EMPREENDEDORA Ao enxergar uma oportunidade naquelas águas do Rio Paraná, Antonio Amaral já imaginou toda a estrutura do negócio, com fábrica de ração e frigorífico. Infelizmente, o

empresário faleceu em janeiro de 2012 e não pôde ver a continuidade da transformação de seu projeto. Atualmente, a unidade de processamento que ele visualizou nos anos 2000 abate cerca de 700 toneladas de peixe por mês, enquanto a fábrica de ração tem produção mensal de 7 mil toneladas. E vai aumentar com a chegada de novos equipamentos, adquiridos recentemente. “Nossa capacidade subirá para 12 mil toneladas de ração por mês”, acrescenta Ramon, que também é médicoveterinário. Mas, como ele mesmo diz, apenas de formação: “Eu sou peixeiro. O título de veterinário ficou na faculdade”. Os cortes de tilápia da Ambar Amaral chegam ao mercado com a marca Brazilian Fish e estão disponíveis também na rotisseria da família, uma charmosa loja dos produtos do grupo em Santa Fé do Sul, inclusive com pratos prontos. Mas é em outras vitrines, ou geladeiras, que a empresa ganha sua maior visibilidade, sua maior dimensão, pois seu principal mercado para tilápias é o de marcas próprias das grandes redes, como Qualitá, do GPA; SwiÑ, da JBS; e Carrefour. Ramon afirma que as certificações e o sistema de rastreabilidade da empresa foram determinantes para conquistar tal abrangência. “A partir do código de barras do produto que chegou à sua casa, consigo passar uma série de informações. No caso das lojas,

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O "peixeiro" Ramon Amaral, do Grupo Ambar Amaral, e Francisco Medeiros, da Peixe BR: empenho coletivo para alavancar a piscicultura

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Rio Paraná

O uso de tecnologia de ponta em todos os processos da cadeia produtiva é fundamental para atender à demanda do mercado, oferecendo o peixe exatamente como o consumidor deseja

posso identificar, por exemplo, o dia em que nasceu o peixe que está na gôndola ou a fazenda onde foi comprado o milho para fazer a ração que ele comeu”, diz o empresário, com certo tom de satisfação. Outro exemplo de como aquela região tem se tornado atrativa é a aposta da Aquafeed Nutrição Animal, dona da marca AquaQualy. A empresa se instalou em Aparecida do Taboado em 2016, com um projeto inicial de produzir 36 mil toneladas de ração por ano. No ano passado, após um processo de ampliação da unidade, o potencial produtivo aumentou 700%. “Agora, somadas as três linhas de produção – duas para engorda e uma para alevinagem –, nossa capacidade está em torno de 250 mil toneladas por ano”, afirma Eduardo Amorim, diretor-geral da empresa. O executivo evita comentar os investimentos feitos nessa expansão, mas garante que o impacto no faturamento mensal 78

será bastante significativo. “Começamos faturando R$ 1 milhão por mês e agora estamos entre R$ 4,5 milhões e R$ 5 milhões. Com essa otimização, dentro de dois anos poderemos faturar R$ 8 milhões”, diz Eduardo, afirmando ainda haver muito espaço para crescer. “Diversas empresas estão chegando apenas a 40% ou 50% de sua capacidade de produção.” Boa parte dessa evolução da Aquafeed é sustentada por avanços em tecnologia e agregação de valor na prestação de serviços. A fábrica, toda automatizada, dispõe de equipamentos de alta precisão para análise e seleção dos ingredientes das rações, como o NIR (Near Infrared Spectroscopy), um espectroscópio de infravermelho próximo. Cuidados como esses ajudaram a empresa a obter a certificação internacional BAP (Best Aquaculture Practices), uma condição para fazer parte da cadeia exportadora. Já no


mercado local, ganhou espaço ao oferecer soluções que aumentassem a praticidade na rotina de produção e reduzissem os custos. É o caso da implantação de silos para distribuição a granel nas plantas dos clientes, assim a ração vai do silo diretamente para os barcos que abastecem os tanques-rede. Isso teve impacto direto em redução de custos com mão de obra, transporte e armazenagem. EFEITO CARDUME Francisco Medeiros, da Peixe BR, acredita que o crescimento da piscicultura entre Santa Fé do Sul e Aparecida do Taboado tende a se intensificar a partir de agora, pois, além da base já construída para o progresso da atividade, não faltam exemplos do sucesso que pode se alcançar por lá. “A tendência é de que ainda nesta década a produção seja triplicada, ou pelo menos duplicada”, analisa o dirigente. Como em qualquer setor do agronegócio, é exatamente

quando se comprova que a coisa está dando certo do outro lado da cerca que surgem novos interessados. “Outro dia alguém comentou comigo que agricultor é tudo igual: se um resolve plantar sorgo na safrinha, vários outros fazem o mesmo, e assim acontece com milho ou sorgo. Esse é o efeito manada, que acontece em qualquer segmento, e não quer dizer que seja ruim”, diz Francisco. Para ele, em se tratando de agronegócio, essa movimentação coletiva é até bem positiva, pois protege, fortalece e aumenta a representatividade dos produtores. No caso de Santa Fé do Sul e Aparecida do Taboado, pode-se dizer que é um efeito cardume. E o grupo acaba nadando para o lado que lhe parece mais favorável. De tão significativa, a definição dessa direção já começa a impactar até nas estatísticas do setor. De acordo com o Anuário Brasileiro da Piscicultura 2020, publicação PLANT PROJECT Nº19

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foto: W.Zana foto: W.Zana

lançada pela Peixe BR em fevereiro, a produção nacional de peixes de cultivo cresceu quase 5% na comparação do ano passado com 2018, subindo de 722,5 mil toneladas para 758 mil toneladas. Quando entra no detalhe, o levantamento mostra que São Paulo, ainda o segundo maior produtor nacional, registrou 69,8 mil toneladas de peixe de cultivo em 2019, com queda de 4,6% em relação a 2018, enquanto Mato Grosso do Sul produziu 29,8 mil toneladas e avançou 15,3%, passando da décima para a oitava posição nesse ranking. A principal explicação para 80

essas variações está na percepção de cada um desses estados sobre o potencial da piscicultura. “O governo sul-mato-grossense foi muito ágil e inteligente, criando uma política tributária altamente atrativa para o setor. Também identificou a dificuldade em relação às questões ambientais e elaborou uma política que desse celeridade aos processos”, explica Francisco. “Enquanto você leva de três a cinco anos para obter uma licença em São Paulo, com 180 dias já é possível dar andamento ao negócio em Mato Grosso do Sul. Qualquer empresário que decida investir

por ali acaba indo para o lado de Aparecida do Taboado.” Foi o que aconteceu com a GeneSeas, empresa controlada pelo fundo de investimentos independente Aqua Capital e que tem cinco propriedades nas proximidades do alto Paranazão, sendo três em São Paulo e duas em Mato Grosso do Sul. A companhia tinha ainda uma unidade de processamento na cidade paulista de Promissão, a uns 250 quilômetros da margem do Rio Paraná. Estrategicamente, fazia muito mais sentido esse frigorífico estar mais próximo de todo o complexo produtivo da empresa, tanto que em 2016 veio a decisão de mudá-lo de lugar. “Nossa fábrica está do lado do Mato Grosso do Sul por conta dos incentivos para levar o desenvolvimento para lá”, afirma Roberto Haag, CEO da GeneSeas e vice-presidente do Conselho de Administração da Peixe BR. A GeneSeas nasceu em 2001, ainda como uma startup, e passou a ser controlada pelo Aqua Capital em 2015. Com um novo aporte de recursos financeiros, se tornou um nome de destaque na produção e na exportação de tilápias. As vendas externas vão principalmente para os Estados Unidos, um mercado bastante exigente que compra filés de tilápia frescos. “Nosso peixe sai do frigorífico e no prazo de um a três dias está em uma loja dos Estados Unidos”, assegura


Roberto. Segundo ele, além de todo o cuidado com o padrão de qualidade dos peixes, há um grande desafio logístico, pois os carregamentos saem do Brasil de avião em voos comerciais. Outro mercado internacional atendido pela empresa é o Japão, que compra a pele dos peixes para produção de colágeno. “Como a rendimento da tilápia é relativamente baixo, apenas 30% vira filé, aproveitamos também os subprodutos”, diz o executivo. As carcaças dos animais, por exemplo, viram óleo e farinha. Roberto também aposta alto no crescimento da piscicultura na região. “Ali há um potencial gigantesco e ainda pouco explorado, assim como em outros

pontos do Brasil”, afirma. Mas não se trata apenas de um conceito, essa visão tem claro reflexo sobre os negócios. Como no caso da fábrica que migrou de Promissão, que foi construída no novo endereço para processar 40 toneladas de peixe por dia. No ano passado, a GeneSeas investiu R$ 25 milhões na expansão dessa

unidade e o potencial mais que dobrou, chegando a 85 toneladas/ dia. “O plano é processar 21 mil toneladas de tilápia em 2020, e para isso vamos buscar também peixes de outros produtores, pois a capacidade de nossas fazendas é de 15 mil toneladas”, acrescenta. A empresa tem ainda fábrica de ração para abastecer a cultivo das tilápias.

Roberto Haag, da GeneSeas, e Eduardo Amorim, da Aquafeed: alta expectativa em relação ao setor incentivou ampliações significativas das instalações

O MELHOR DOS MUNDOS Se do lado de Mato Grosso do Sul os empreendedores encontram o estímulo de políticas tributária e ambiental, o que dá mais segurança para os investimentos e contribui para a redução dos custos de produção, em São Paulo há outros fatores bastante atrativos. O mercado consumidor é um deles. De maneira geral, o consumo nacional de pescados vem crescendo entre 8% e 10%, segundo a Peixe BR, com significativo avanço em restaurantes, nas redes de atacarejo e no segmento de food service. Esses setores são muito representativos no estado de São Paulo, sobretudo na capital. Outro ponto favorável do lado paulista é a logística. “Mais ainda se a empresa for exportadora, por conta do porto [de Santos] e dos aeroportos. Isso acaba favorecendo a instalação de projetos mais robustos”, comenta Francisco, da Peixe BR. “As empresas que estão nos dois lados aproveitam as vantagens de cada um. É o melhor dos mundos.” PLANT PROJECT Nº19

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MATO GROSSO DO SUL

Represa de Ilha Solteira

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PISCICULTURA BRASILEIRA EM 2019 758 mil toneladas de peixe de cultivo

4,9% de crescimento sobre 2018

31% รฉ o crescimento desde 2014*

432 mil toneladas sรณ de tilรกpia

57% รฉ quanto a tilรกpia representa no setor

*Primeiro ano do levantamento da Peixe BR Fonte: Peixe BR

PISCICULTURA EM Sร O PAULO

PISCICULTURA EM MATO GROSSO DO SUL

PRODUร ร O โ PEIXE DE CULTIVO

PRODUร ร O โ PEIXE DE CULTIVO

2019.........................69.800 t 2018 .........................73.200 t 2017 .........................69.500 t 2016.........................65.400 t

2019.........................29.800 t 2018 .........................25.850 t 2017 .........................25.500 t 2016.........................24.150 t

PRODUร ร O POR ESPร CIE โ 2019

PRODUร ร O POR ESPร CIE โ 2019

Tilรกpia ..............................64.900 t Peixes nativos .............4.200 t Outros (carpa, truta e panga) .............700 t

Tilรกpia ..............................25.300 t Peixes nativos .............4.500 t

Fonte: Peixe BR

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Fonte: Peixe BR


Lavoura de algodão orgânico na Índia: Grife americana Patagônia usa país como exemplo de agricultura regenerativa

W WORLD FAIR

A grande feira mundial do estilo e do consumo

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W WORLD FAIR

foto: Divulgação Weber Haus

A grande feira mundial do estilo e do consumo

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O PREÇO PARA SER MAIS SUSTENTÁVEL A grife de roupas para esporte de aventura Patagonia tornou-se um ícone do consumo consciente ao propor que consumidores não comprassem seus produtos. Agora, quer ser uma referência também em agricultura regenerativa Por Amauri Segalla

Agricultora em campo de algodão: Patagonia paga 10% a mais a 150 produtores pela produção sustentável PLANT PROJECT Nº19

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W Moda

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o início dos anos 1990, quando a questão ambiental não estava no horizonte da maioria das empresas, o americano Yvon Chouinard teve uma ideia. Ele queria que sua marca de roupas e acessórios esportivos só usasse algodão orgânico no processo de confecção das peças. Àquela altura, ninguém que produzia em larga escala fazia algo sequer parecido, mas Chouinard insistiu para que a Patagonia, companhia criada por ele em 1973, encarasse o desafio. Não foi uma decisão fácil. Para dar origem ao algodão orgânico, o agricultor gasta mais tempo e dinheiro. Isso, obviamente, se reflete nos preços. Em 1994, a Patagonia colocou nas prateleiras das lojas dos Estados Unidos os primeiros casacos “sustentáveis” do planeta, mas eles foram um fiasco de vendas. Como custavam o dobro dos modelos anteriores, os clientes sumiram. A Patagonia sofreu. Durante dois anos, a empresa perdeu tanto dinheiro que sua própria sobrevivência ficou ameaçada. Mas o mundo começou a mudar e os projetos da Patagonia, que pareciam fruto de um visionário maluco, enfim seduziram o público. Chouinard estava certo. A Patagonia não só se tornou uma

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gigante capaz de gerar lucros consistentes como passou a ser exemplo de que é possível conciliar crescimento com preservação ambiental. Agora, Chouinard teve mais outra ideia. Não basta simplesmente produzir algodão orgânico, o que já está disseminado em muitas lavouras mundo afora. “Estamos trabalhando em uma nova certificação que vai além do orgânico”, disse Chouinard em recente entrevista para a revista americana Fast Company. “Usamos algodão cultivado organicamente há anos, mas tudo o que ele faz é causar um pouco menos de dano ao planeta. Quero mais. Por isso, decidi começar a cultivá-lo de forma regenerativa.” A produção regenerativa é um conceito que vem ganhando espaço no agronegócio e que tem na Patagonia uma de suas principais defensoras. Seu ponto central consiste em usar espaços mínimos de lavoura e revezar culturas para que o solo se mantenha rico, mas sem ampliar a área ocupada. “A agricultura regenerativa não pode ser feita em larga escala”, disse Chouinard à Fast Company. “Simplesmente não dá.” Não dá por uma simples razão: é caro demais. Ao usar espaços mínimos de


lavoura, o agricultor produzirá menos, o que irá significar um volume menor de vendas – ou seja, retornos financeiros piores. Para convencer agricultores a adotar a produção orgânica regenerativa, Chouinard foi obrigado a abrir a carteira. “Estamos pagando a eles 10% a mais”, disse o empresário. Em tempos marcados pela busca obsessiva por redução de custos, não deixa de ser surpreendente o fato de o presidente de uma corporação global estar disposto a gastar recursos extras para respeitar o meio ambiente. O novo projeto da Patagonia começou em 2019 com 150 pequenos agricultores na Índia, que só aceitaram adotar o modelo depois de terem a garantia de que receberão mais por isso. Em 2020, Chouinard quer ampliar o programa, chegando a 580 agricultores indianos. Ele participa ativamente das negociações. Reúne-se com as comunidades locais, visita as lavouras, discute alternativas de produção. “Preciso estar perto, ter a certeza de que aquele fornecedor específico está cumprindo o que acredito ser ideal para o meio ambiente”, diz o empresário. Poucas lavouras são tão desafiadoras na relação com o meio ambiente quanto as de algodão. Suscetíveis a ervas daninhas e alvo preferencial de insetos, elas estão entre as que mais utilizam defensivos. Nas lavouras orgânicas

regenerativas dos parceiros da Patagonia, os químicos não participam do processo de produção. Para afastar os inimigos das plantações, são usadas técnicas alternativas. A mais comum é a instalação de pontos de luz que atraem os insetos durante a noite. Algumas iniciativas parecem bizarras. Segundo Chouinard, os agricultores são orientados a matar insetos com as mãos. “Isso dá muito trabalho e exige o esforço de muitos trabalhadores, mas protege a lavoura sem causar impacto na natureza.” Na Índia, as lavouras de algodão que fornecem para a Patagonia se revezam com plantações de grão-de-bico e açafrão, culturas com grande demanda local – e que, portanto, abrem novas frentes de negócios para os produtores, permitindo a conquista de fontes adicionais de receita. Além disso, o açafrão e o grão-de-bico tornam o solo mais duro, protegendo-o contra a perda de nutrientes e da erosão. Ao revezar as culturas, portanto, a Patagonia gera benefícios em dose dupla. Num primeiro momento, enriquece o solo. Depois, estimula os agricultores a completar a renda. Tudo isso seria apenas considerado excêntrico se a Patagonia não convertesse suas práticas ambientais em retornos financeiros. No mundo dos negócios, as boas intenções costumam ser abandonadas

Loja da Patagonia e o fundador, Yvon Chouinard: Bilionário ativista

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W Moda

quando as empresas não fecham seus balanços no azul. “A Patagonia é o caso mais exemplar de companhia que atua em escala global ser capaz de defender visceralmente o meio ambiente e, ao mesmo tempo, ganhar dinheiro”, diz Eduardo Tancinsky, consultor especializado em marcas. “Ela é, sem dúvida, um caso único do mundo que deveria inspirar as novas gerações de empreendedores.” Empresa de capital fechado (Chouinard diz não querer se submeter às “loucuras e imposições do mercado”), a Patagonia evita fornecer informações sobre a sua performance financeira. Mesmo assim, alguns indicadores mostram a força de sua marca. Na última década, a empresa tem crescido sempre acima de dois dígitos, um feito e tanto considerando que o setor de roupas nos Estados Unidos enfrentou nesse período uma série de dificuldades. Em 2018, a companhia faturou US$ 1 bilhão, muito acima dos US$ 750 milhões de 2017. Em 2019, projeções mostram que as vendas deverão avançar pelo menos 20%. O que explica resultados tão expressivos? “A Patagonia se antecipou a um movimento que ganharia o mundo e que é muito importante para as novas gerações”, diz o consultor Eduardo Tancinsky. “A grande causa do século 21 é a questão 88

ambiental. Os jovens estão atentos a isso e irão desprezar cada vez mais as corporações que destroem o planeta ou que não fazem nada para salvá-lo. A Patagonia se insere nesse contexto histórico e está mais bem posicionada do que a maioria das concorrentes.” Diversas pesquisas confirmam o crescente interesse da humanidade pelas bandeiras ambientais. Um estudo patrocinado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente conclui que esse é considerado o tema mais relevante para os jovens. No Brasil, um estudo patrocinado pela Federação das Indústrias do Estado do Paraná revelou que 87% dos consumidores preferem comprar de empresas sustentáveis. Ou seja: se a companhia não se preocupar com isso, ela estará condenada ao desaparecimento. A trajetória da Patagonia está intimamente ligada a questões ambientais. Desde 1985 a empresa destina 1% da receita líquida para apoiar ONGs que desenvolvem projetos na área. Nos últimos 17 anos, essas doações somaram US$ 225 milhões. Ativista ambiental convicto, o fundador Yvon Chouinard é o criador do projeto Sustainable Apparel Coalition, que reúne companhias comprometidas em reduzir os danos ao planeta gerados por suas operações. Entre as gigantes que aceitaram


Anúncio no New York Times na Black Friday de 2011: “Não compre esta jaqueta”

integrar o programa estão C&A, H&M, Gap, Levis e Nike, marcas de vestuário consagradas. Não é só. Desde 2005, a Patagonia recebe suas roupas de volta para reciclagem e, em 2011, assinou uma parceria com o eBay para a revenda das peças que seus consumidores não pretendiam mais usar. Atualmente, 70% dos produtos da Patagonia são feitos de materiais reciclados, incluindo garrafas plásticas, mas a meta é usar 100% de materiais renováveis até 2025. Não à toa, a Patagonia recebeu o prêmio de Campeã da Terra 2019, maior honraria ambiental concedida pela ONU. Como qualquer ativista, Yvon Chouinard é bom de briga. Não foram poucas as vezes que se desentendeu com personalidades que, na visão dele, atrapalham ou nada contribuem para a causa ambiental. Na recente entrevista à Fast Company, Chouinard chama Elon Musk, fundador da Tesla, e Jeff Bezos, da Amazon, dois mitos do mundo corporativo americano, de bobos. “Os investimentos que eles fazem em viagens interplanetárias são realmente

uma vergonha”, disse o dono da Patagonia. “O dinheiro que está indo para a exploração espacial deveria ser usado para salvar nosso planeta.” Ele também andou se enroscando com o presidente americano, Donald Trump, a quem se refere como “o grande destruidor do planeta”. Em 2016, em resposta à ameaça de Trump de cortar recursos para a preservação ambiental, a Patagonia destinou 100% de suas vendas na Black Friday (a segunda data mais importante do comércio americano, só atrás do Natal) para grupos ambientalistas. Não foi pouco dinheiro: cerca de US$ 10 milhões. Em 2018, doou a mesma quantia depois de uma medida do governo Trump gerar descontos em impostos. Chouinard é, de fato, um empresário único no competitivo e ambicioso universo corporativo. Em 2011, em plena Black Friday, a empresa colocou um polêmico anúncio no jornal The New York Times. “Não compre essa jaqueta”, dizia o texto. A antipropaganda tinha como mensagem os danos causados pelo consumo desenfreado.

Resultado: as vendas das jaquetas, que custam em média US$ 150, dispararam. Enquanto o faturamento das empresas do segmento de roupas esportivas avançou 2,3% na ocasião, a Patagonia aumentou seus negócios em 42% na comparação com a Black Friday do ano anterior. A estratégia foi hipócrita ou sincera? Seja qual for a resposta, o fato é que este ex-alpinista de 81 anos tem ideias surpreendentes. Uma das mais recentes diz respeito ao tamanho de sua empresa. “Olhe para a Amazon”, disse ele na entrevista. “Eles estão crescendo como loucos. É tudo crescimento, crescimento, crescimento – e isso está destruindo o planeta. Somos agora uma empresa de mais de US$ 1 bilhão, mas eu não quero ser uma empresa de bilhões de dólares. Estou tentando descobrir como fazer a Patagonia agir como uma companhia pequena novamente.” A julgar pelas loucuras que Chouinard cometeu nos últimos anos, é provável que em breve ele invente uma fórmula para perder consumidores. PLANT PROJECT Nº19

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W Vinhos

O COSMO NA CARTA DE VINHOS Quando as mudanças climáticas desafiam a viticultura, produtores consagrados buscam métodos alternativos de cultivo para manter a qualidade dos seus vinhedos – e o lucro de seus negócios Por Suzana Barelli

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foto:

Cavalo puxa arado nos vinhedos na Maison Louis Roederer: casa da champanhe Cristal, as técnicas biodinâmicas são usadas desde 2007 PLANT PROJECT Nº19

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champanhe Cristal 2012 é um divisor de águas (ou seria de vinhos?) da maison Louis Roederer, casa fundada em 1776, em Reims, na França. É a primeira safra em que esse champanhe é elaborado 100% com uvas cultivadas de acordo com a filosofia biodinâmica, em um processo de conversão de vinhedos para o cultivo orgânico iniciado em 2007. Com uvas colhidas em 2012, e um estágio de seis anos nas caves subterrâneas da maison, o vintage chega agora ao mercado e já recebeu altas pontuações dos críticos internacionais (98 numa escala de até 100 pontos de Antonio Galloni, da Vinous, e de James Suckling; 97 da Robert Parker’s Wine Advocate; e 19 em 20 pontos, de Jancis Robinson). A descrição do vinho, com adjetivos como deslumbrante, rico, com aromas atraentes, frescos e florais, mostra que o chef de caves Jean-Baptiste Lécaillon

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está no caminho certo. Com um detalhe importante: por questões climáticas, a safra de 2012 foi muito complicada em Champanhe. O fungo oídio, uma das grandes pragas dos vinhedos, atacou muitas uvas da região, reduzindo a quantidade e, principalmente, a qualidade dos vinhos deste ano. Nas vinhas de Chardonnay e de Pinot Noir que dão origem ao champanhe Cristal, no entanto, não houve a manifestação do fungo. A explicação, acredita Lécaillon, está no cultivo biodinâmico. Atualmente, metade dos vinhedos da Louis Roederer, ou cerca de 115 hectares, é certificada como biodinâmica. Entre eles, estão as vinhas que dão origem à Cristal, em suas versões brut e rosé. A outra metade segue o cultivo orgânico, e está em processo de conversão para a biodinâmica. Filosofia criada no início dos anos


Vinhos

1920 por Rudolf Steiner, a biodinâmica propõe uma viticultura que, na definição da Cristal, conecta o homem e a natureza. Na verdade, a filosofia biodinâmica passa por cuidar das plantas apenas com produtos naturais, sem nenhum agrotóxico ou demais químicos, e com o uso de muitos compostos – o mais famoso deles é um composto enterrado dentro do chifre de vacas –, e preparados à base de plantas. Ao lado disso, a biodinâmica prevê a diversidade no vinhedo (não apenas às videiras, mas outras plantas cultivadas ao redor) e segue as influências cósmicas, com as fases da Lua e dos planetas pautando os tratamentos da planta. Em Champanhe, no norte da França, é uma prática que vem crescendo. Segundo o Comité Interprofessionnel du Vin de Champagne, atualmente 20% do total de vinhedos locais contam com alguma certificação, orgânica ou biodinâmica. Seguir a biodinâmica é visto como uma das respostas dos viticultores às mudanças climáticas. Um dos primeiros grandes nomes do vinho a aderir a ela foi a Domaine de la Romanée-Conti, que na Borgonha elabora um dos tintos mais cultuados e caros do mundo. Aubert de Villaine, coproprietário da RomanéeConti, segue os princípios da biodinâmica desde o final dos

anos 1990, sem fazer nenhum alarde ou publicidade sobre isso. Atualmente, a filosofia vem ganhando a adesão de grandes e pequenas vinícolas ao redor do mundo. “Com a chegada de mais vinícolas, podemos vencer a resistência de quem acredita que, por seguir preceitos cósmicos, a biodinâmica poderia ser mais uma “bruxaria” do que uma ciência”, afirma a produtora Marina Santos, uma das poucas brasileiras a elaborar vinhos na região da Serra Gaúcha de acordo com essa filosofia. Na lida diária do vinhedo, os produtores precisam de opções para os novos problemas que vêm surgindo com as chuvas torrenciais (e a erosão que trazem como consequência); a neve que não cai mais em novembro (isso nos vinhedos no hemisfério norte), os novos ataques das pragas e aqueles anos de pouquíssima chuva (lembrando que a irrigação é proibida na maioria dos vinhedos europeus), entre outras mudanças que estão bagunçando o calendário da vinícola. A poda após a colheita, por exemplo, muitas vezes é adiada porque há o risco de geadas no período da floração – ao podar mais tarde, a floração também ocorre mais tarde, escapando do risco das geadas. E a colheita pode se estender por mais tempo, porque não há o risco de o frio chegar tão cedo. Os produtores

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Quinta dos Malvedos, em Portugal, e a vila do Barbaresco, de Gaja, na Itália: mescla de técnicas biodinâmicas e tradicionais

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Giovanni Gaja, as flores plantadas entre os vinhedos e uma abelha na área dos parreirais: a diversidade ajuda a melhorar a produção

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sabem, na prática, que as videiras são mais sensíveis às mudanças do clima do que várias outras frutas, tornando as uvas vulneráveis ao calor e à seca e isso pode colocar em risco a qualidade dos vinhos. Um exemplo é o produtor Angelo Gaja, a maior referência em vinhos italianos. Com vinhedos no Piemonte e na Toscana, esse italiano criou o que chama de “método Gaja”. A nova maneira de cuidar dos vinhedos – e eles são muitos: 243 hectares, divididos entre 96 hectares no Piemonte, 120 hectares em Bolgheri e 27 hectares em Montalcino, estas duas últimas na Toscana – começou em 1995, com a decisão de não utilizar pesticidas e herbicidas no campo. E seguiu com a consultoria de geólogos e biólogos para encontrar

caminhos para cuidar das vinhas. Depois de muito estudar, Gaja percebeu que não queria seguir nenhuma filosofia cegamente e, menos ainda, aderir a uma empresa certificadora. Ter o selo de orgânico ou de biodinâmico cercearia a sua liberdade de em um ano, conforme o problema no vinhedo, utilizar um produto ou um composto não autorizado. Resultado: ele acabou por mesclar diferentes técnicas da agricultura orgânica e biodinâmica em seu próprio método. “Não são todos que admitem, mas nos últimos anos tivemos muitas mudanças no clima. Vemos isso nas nossas vinhas”, afirma Giovanni Gaja. Filho mais novo de Angelo, Giovanni passou por São Paulo


no final do ano passado, divulgando a maneira Gaja de cultivo – as fotos das abelhas, que agora também habitam os vinhedos, é o ponto alto de sua apresentação. A base de Gaja é a diversidade, vista como a maneira de trazer mais vida dentro dos vinhedos e, com isso, tornar as videiras mais resistentes às doenças. Para isso, ervas, favas e leguminosas são cultivadas entre as fileiras das vinhas, com a ideia de também trazer novos nutrientes aos solos e às raízes. Com a chegada do verão, um trator corta essas plantas, deixando-as como um protetor do solo contra o calor e contra a erosão, no caso de chuvas. Com esse manejo, aumenta-se a resistência natural das plantas, que conseguem se defender, sozinhas, das pragas.

Flores são cultivadas ao redor para compensar os problemas trazidos pela monocultura da uva. A ideia é que elas atraiam também pequenos animais, que possam agir como predadores naturais. Um exemplo são os microrganismos que, antes, morriam com o frio do inverno e não atacavam as vinhas. Com o frio mais ameno, esses

pequenos animais apenas hibernam e voltam com força no início da primavera. “Com o ambiente equilibrado, os predadores naturais conseguem agir nos vinhedos”, conta Giovanni. E brinca: “Mas o meu avô não gostaria de ver o vinhedo assim. Para ele, nossas vinhas tinham de ser um jardim, sem nenhum mato”. Os tempos mudaram. PLANT PROJECT Nº19

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A família Symington e vistas de propriedades da americana Spottswoode e da neozelandesa Yealands: IWCA já reúne 40 grandes marcas do setor

Um brinde pelo clima Nem só a biodinâmica ou técnicas semelhantes, que podem ser agrupadas no guarda-chuva da sustentabilidade, são as respostas das grandes vinícolas. Um exemplo é a IWCA, sigla para International Wineries for Climate Action, algo como união das vinícolas pelo clima. Criado pela Família Torres, grupo espanhol que há cinco gerações elabora vinhos, e pela Jackson Family Wines, que atualmente reúne 40 vinícolas entre Estados Unidos, Itália e França, a IWCA é um grupo de trabalho colaborativo de vinícolas comprometidas com o meio ambiente e que usa a ciência para reduzir as emissões de carbono no setor. A meta é que as vinícolas participantes reduzam a sua emissão de gases de efeito estufa em até 80% até 2045. No curto prazo, a meta é de 50% até 2030.

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No início deste ano, o grupo recebeu a adesão de outras quatro vinícolas de renome mundial: a portuguesa Symington, a norteamericana Spottswoode, a neozelandesa Yealands Wine Group, e a chilena VSPT Wine Group, o segundo maior grupo do país, resultado da fusão da Viña San Pedro com a Tarapacá. “As alterações climáticas configuram um dos maiores riscos que a humanidade enfrenta. Precisamos de indivíduos, empresas e governos que respondam à altura desse desafio”, afirma Rob Symington, sócio-diretor da Symington Family Estates, a primeira empresa de Portugal a aderir a este grupo. Do total de 1.114 hectares de vinhas no Douro, a Symington conta com 130 hectares com certificação biológica.


Cena do especial Morte e Vida Severina, da Rede Globo, em 1981: Obra maior de João Cabral de Melo Neto foi premiada também na TV e no cinema

Ar ARTE

foto: Dantas/SEC foto: Michael Divulgação

Um campo para o melhor da cultura

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Ar A RTE

Um campo para o melhor da cultura

OBRA E VIDA SEVERINA Discretas como sua vida, as homenagens ao centenário do poeta e embaixador João Cabral de Melo Neto não fazem justiça à grandeza de seu trabalho, que retratou como ninguém a paisagem rural nordestina Por Ana Weiss

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O ator José Dumont, um Severino no especial da Globo: síntese da dura vida no sertão nordestino PLANT PROJECT Nº19

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o canavial tudo se gasta pelo miolo.” É apenas uma estrofe, mas a frase do poema Paisagem com Cupim resume a fonte da obra de João Cabral de Melo Neto. Nenhuma outra matéria-prima foi tão bem sintetizada e revelada (muitas vezes pelo avesso) como a paisagem rural nordestina. Mais precisamente as do sertão pernambucano, onde o poeta, que este ano completaria um século de nascimento, passou o início de uma vida que traria cenários distintos e distantes, mas que jamais tiraram do centro de sua escrita a riqueza natural e a força humana de seu Pernambuco, principal legado do diplomata que influenciou toda a arte brasileira realizada depois da sua. João Cabral de Melo Neto é considerado uma das mais importantes vozes do Modernismo brasileiro e um dos maiores poetas da língua portuguesa. Vencedor de dois prêmios Jabuti, do Rainha Sofia e do Camões de Literatura, entre outros, chegou a ser a principal aposta brasileira ao Nobel. Ele peregrinou em vida diplomática, primeiro como embaixador e cônsul (Senegal, Espanha, Portugal), sem abandonar o ofício de desvendar sua terra natal pelas palavras, o que já treinava, criança, ao recontar os cordéis que lhe chegavam às mãos aos trabalhadores do engenho da família, analfabetos dos municípios de São Lourenço da Mata e Moreno. Apesar do reconhecimento internacional, a data do centenário, 9 de janeiro, passou com pouco alarde. Um poema feito pelo compositor Caetano Veloso, durante um show na Espanha em

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foto: Divulgação

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homenagem ao escritor pernambucano, reproduzido aqui pelo jornal Folha de S. Paulo, talvez tenha sido o ponto alto (ou mais à altura do escritor) das homenagens do dia: “Cabral ombreia o grou coroado/ Sumário confronto sobre a grama/Em frente ao palácio oficial/Alguns toureiros trazem socorro: Vêm de seus versos/ Muito econômicos/Nenhum ostenta cores ou cheiros/Nenhum, sensualidade; embora/Aceso tenham o sexo”. A efeméride acabou sendo mais lembrada pelos críticos à curadoria deste ano da Festa Literária de Paraty, a Flip, que escolheu a poeta norte-americana Elizabeth Bishop como homenageada, frustrando a expectativa de fãs e estudiosos de Cabral, que viram a escolha como oportunidade perdida de revisão do papel definitivo no Modernismo brasileiro da poesia do imortal recifense. A Companhia das Letras, porém, promete para este ano o lançamento de uma edição especial e completa da parte mais importante de sua obra, toda a poesia – Cabral também produziu em prosa. O


Literatura

Melo Neto, no terraço de sua casa, e imagens do especial global: embaixador, ele rodou o mundo sem se desapegar de suas origens

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jamais se satisfazia, apenas decidia parar de mexer nos poemas. Por isso é um artifício destorcido cruzar a cronologia de sua obra com sua biografia, já que as datas registradas são apenas do ano em que seus poemas saíram em livro. Por esse ponto de vista, dos lançamentos, os anos 1950 foram cruciais para a carreira do escritor. São daquela década O Cão sem Plumas e O Rio, em que o Capibaribe é alçado de cenário a personagem, ganhando vida em estrofes que parecem também tentar justificar a mudança para o Rio de Janeiro aos 20 anos: “Sempre pensara em ir caminho do mar/Para bichos e rios nascer já é caminhar/Eu não sei o que os rios têm de homem do mar/Sei que sente o mesmo e exigente chamar”. Para recontar o curso do rio pernambucano, pelo ponto de vista dele próprio, o escritor se debruçou por dias sobre os arquivos de topografia do Itamaraty. volume, organizado pelo crítico Morte e Vida Severina, Antonio Carlos Secchin, deve sair publicado na década seguinte, em junho. foi musicado por Chico Buarque, João Cabral levava tempo encenado por Roberto Freire, para concluir um poema, às vezes filmado por Zelito Viana para o anos – chegou a dez, confessou cinema e montado em versão certa vez. Dizia que escrever, para televisiva pela Rede Globo. ele, era difícil e a diplomacia lhe Leitura obrigatória para dezenas dava tempo para burilar, de vestibulares do Brasil e objeto abandonar e retomar anos de teses e dissertações, a saga do depois um trabalho em curso. retirante Severino é de longe a Quem o conheceu lembra que ele obra mais conhecida de João PLANT PROJECT Nº19

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Ar

Literatura

Cabral de Melo Neto: “E se somos Severinos/Iguais em tudo da vida/Morremos de morte igual, mesma morte severina/Que é a morte que se morre/de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia”. O autor não o considerava um bom poema. Chamado de antissentimentalista, rigoroso e formalista, Cabral – que morreu em 1999, no Rio de Janeiro – pouco falava de si e se diz que vivia uma vida espartana, tendo como vício máximo aspirinas. Vinicius de Moraes era considerado seu contraponto, pela sensualidade emotiva de seu cancioneiro de bon vivant. Muitos falavam em uma rivalidade, contam que o recifense se irritava com o autor de Garota de Ipanema a dedilhar Morte e Vida Severina no violão. Apesar da discrição e do claro empenho em tratar da coletividade, alguns estudiosos enxergam um autorretrato em Uma Faca Só Lâmina: “Das mais surpreendentes é a vida de tal faca: faca, ou qualquer metáfora, pode ser cultivada/E mais surpreendente ainda é a sua cultura: medra não do que come/Porém do que jejua”. O professor Bráulio Tavares diz que, para o poeta, a inspiração não era um estado d’alma, mas “Uma faca/Entregue inteiramente/À fome das coisas/Que na faca se sente”. 102

Tania Alves (no alto), Martha Overbeck, Cacilda Lanuza (centro) e Elba Ramalho (dir.) na versão de Severina para a TV

Impresso pela primeira vez em 1955, Uma Faca Só Lâmina saiu com dedicatória ao Poetinha, que cantou como ninguém o Rio de Janeiro, cidade onde Cabral se fez escritor, fez família e morreu, mas nunca pôs em verso.


O agro no mundo dos games: A série Farming Simulator se consolida como sucesso de vendas ao retratar de maneira fiel o trabalho no campo

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As inovações para o futuro da produção

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As inovações para o futuro da produção

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COLHEITA EM JOGO Com mais de 25 milhões de cópias vendidas, o game Farming Simulator é um sucesso inusitado ao retratar de maneira fiel o trabalho no campo e hoje tem até uma liga internacional de produtores virtuais Por André Sollitto

Maquinário real: os produtores do game fecharam parcerias com fabricantes reais

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uem está familiarizado com o universo dos games já deve ter reparado que as competições virtuais se tornaram um de seus filões mais rentáveis. Existem equipes de atletas profissionais que treinam horas por dia e viajam enfrentando competidores do mundo inteiro. Os eventos reúnem milhares de fãs e os atletas são recebidos como celebridades. As disputas envolvem os tradicionais games de luta ou títulos de estratégia RPG. O que ninguém esperava é que um jogo que retrata o dia a dia de um produtor rural ganhasse sua própria liga internacional de e-sport. Mas toda a história da série Farming Simulator é repleta de sucessos inusitados – o que a torna ainda mais cativante. Atualmente, o game pode ser encontrado na versão Farming Simulator 20, lançada em dezembro de 2019 para diversas plataformas, incluindo Android, iOS e Nintendo Switch. Cada edição tem suas particularidades, mas a mecânica é semelhante. O jogador começa com uma pequena propriedade, o maquinário agrícola essencial para começar o trabalho e um talhão pronto para a colheita. É preciso colocar a colheitadeira para funcionar e passar várias vezes pelo campo até ter certeza de que nenhum grão de trigo ficou para trás. Depois, basta colocar tudo no caminhão e levar até o depósito, onde é possível vender sua produção. Com mais dinheiro na conta, começam as dúvidas. É melhor comprar mais terra ou priorizar sementes mais caras, mas que darão um retorno financeiro mais polpudo no momento da colheita? O jogador tem à disposição os valores do mercado para saber como

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planejar a safra. Dá até para mudar de ramo e deixar a agricultura de lado para se dedicar à pecuária. Cada etapa dá bastante trabalho e toma tempo. É possível contratar funcionários para cuidar das tarefas diárias, mas delegar essa parte da gestão da fazenda tem um preço. São questionamentos que passam pela cabeça de qualquer produtor – real ou virtual. Essa verossimilhança foi um fator determinante para a popularidade do Farming Simulator. Os criadores do jogo tiveram trabalho para garantir que detalhes da operação das máquinas e tarefas do cotidiano de uma fazenda fossem precisos. Não à toa, uma parcela considerável dos jogadores é de produtores ou tem alguma relação com o campo. A maioria, no entanto, é formada por curiosos e por pessoas interessadas em um estilo de jogo mais relaxado, sem a ação frenética de outros títulos populares do mundo dos games. A presença de marcas que atuam de verdade no mundo off-line reforça a sensação de realismo. Hoje, o jogador tem à disposição uma variedade enorme de maquinário. Sua frota pode ter tratores da John Deere, colheitadeiras da New Holland e caminhões da Tatra, da República Tcheca. Até os pneus usados podem ser da Michelin, por exemplo. A lista inclui Case, Fiat, Massey Ferguson, Valtra, Mitas, Stihl e várias outras. São mais de 300 equipamentos para escolher. Nem sempre foi assim. ORIGEM MODESTA A série Farming Simulator foi criada pelo estúdio independente Giants


Centro de monitoramento na fazenda e tela embarcada no maquinário: os dados capturados são fundamentais para o produtor

SoÑware. Com sede na Suíça, a empresa começou de maneira bastante despretensiosa em 2008 com apenas dois funcionários: Stefan Geiger, CTO, e Christian Ammann, o atual CEO. A dupla queria retratar de maneira fiel a rotina dos trabalhadores do campo. Ambos cresceram no interior, mas mergulharam fundo na pesquisa. Fotografaram equipamentos reais e conseguiram mais dados na internet. O Farming Simulator 2008 foi lançado com pouca divulgação e um monte de maquinário genérico. A única marca que comprou a ideia logo de cara e está presente no jogo desde o início é a alemã Fendt. O game, no entanto, vendeu mais de 150 mil cópias na Europa. “Foi complicado convencer os fabricantes de que não fazíamos parte de uma empresa de brinquedos tradicional, já que elas estão acostumadas a pagar para usar as marcas em seus veículos”, conta Stefan Geiger

ao site Venture Beat. “Isso seria impossível para nós. Era inviável pagar para todos os fabricantes, mesmo que uma pequena porcentagem.” Aos poucos, cada edição do game foi ganhando novos parceiros. A John Deere, uma das principais fabricantes do mundo, entrou no universo de Farming Simulator recentemente. As marcas passaram a ver a vantagem de estarem presentes no jogo, embora a estratégia de marketing não seja tão óbvia. A Giants passou a frequentar grandes feiras agrícolas, como a alemã Agritechnica, apresentando o Farming Simulator a um público que normalmente não liga para jogos eletrônicos. Essa relação com os parceiros, no entanto, acaba fortalecendo as marcas tanto no mundo real quanto no virtual. Quase 12 anos desde a primeira edição, é possível

Cena de Farming Simulator 19: game tem versões para consoles, computadores e smartphones

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afirmar que a série se consolidou de maneira surpreendente entre diversos concorrentes indiretos. A ideia de simular a gestão de uma fazenda não é tão nova: em 1996, Harvest Moon foi lançado para Super Nintendo e colocava os jogadores no papel de um personagem que herdava uma propriedade do avô. Em 2009, FarmVille tomou o Facebook de assalto, tornando-se o game mais popular da plataforma – mas sua jogabilidade estava bem distante da realidade. Sucesso mais recente, MinecraÑ dá grande liberdade aos jogadores, que podem inclusive se dedicar à agricultura. Em 2016, Stardew Valley atraiu a atenção de críticos e jogadores ao buscar referência em antigos RPGs japoneses para simular o cotidiano das fazendas. COMPETIÇÃO DE FAZENDEIROS Em 2012, a desenvolvedora do jogo lançou o Farming Simulator para smartphones. No ano seguinte, foram os consoles de videogame que ganharam versões específicas. A base de fãs só cresceu. São 25 milhões de cópias vendidas e 90 milhões de downloads nas plataformas mobile. Os jogadores incluem crianças a partir de 3 anos, que jogam acompanhadas pelos pais, e produtores de mais de 60. Desde 2019, inclui também os competidores sérios que participam de campeonatos mundiais. “Embora o lado não 108

competitivo do jogo seja legal”, diz Geiger ao Venture Beat, “ele não é para todo mundo. Algumas pessoas simplesmente precisam do desafio”. A Farming Simulator League, ou FSL, conta com um modo exclusivo de jogo, em que os participantes se enfrentam em partidas com direito a maquinários desligados e outras táticas que dificultam a vida dos oponentes. Na primeira temporada da liga, os vencedores receberam um prêmio de 250 mil euros. Neste ano, a competição será ainda mais acirrada. A Intel, parceira da Giants que ajudou a otimizar o jogo para computadores, incluiu o Farming Simulator em seu evento Intel Extreme Masters, que reúne alguns dos maiores

FarmVille, sucesso no Facebook, e o novo Stardew Valley: o agro já deu origem a outros games de sucesso


E-sports

atletas dos e-sports. O modesto simulador agrícola vai aparecer lado a lado com alguns dos títulos mais competitivos da atualidade, como League of Legends, ou LoL, Counter-Strike: Global Offensive, StarCraÑ II e Fortnite: Ba¸le Royale. É a produção rural em uma das principais arenas virtuais do mundo. Nesses campeonatos, a parceria com as fabricantes de maquinários é muito importante. Algumas marcas ajudaram os atletas oferecendo passagens aéreas e hospedagem para que eles pudessem competir. A próxima temporada de competições da FSL terá início no final de julho, na Polônia, no FarmCon 19, evento oficial organizado pela Giants. As disputas se espalham por outros países da Europa, com edições na Suíça, Polônia e França. Uma das etapas acontece na feira alemã Agritechnica. Neste ano, serão realizados também eventos on-line, para que jogadores de outros países também possam participar. O modo competitivo foi lançado para capturar um pouco da atenção ao redor dos e-sports, mas também para reforçar o clima de comunidade que existe em torno do Farming Simulator. Jogadores trocam experiências e dicas em redes sociais e agora passaram a acompanhar as disputas. O fenômeno mais interessante, no entanto, está relacionado aos “mods”, modificações feitas de maneira

independente pelos próprios jogadores. Cada versão do jogo costuma vir com um ou dois mapas, mas as opções não são suficientes. Por isso, aqueles com maior conhecimento em programação costumam criar cenários adaptados às suas realidades. Por aqui dá para encontrar, por exemplo, sites com fazendas do Paraná e Rio Grande do Sul e até maquinário nacional. Tudo para reforçar a sensação de familiaridade. A Giants não só estimula as modificações como oferece um espaço no site do Farming Simulator para que as melhores criações sejam disponibilizadas para todos. São culturas regionais, mapas, maquinário e outros detalhes que enriquecem a experiência. Da origem modesta à maneira como cativou todo tipo de jogador, a história da Giants é um case de engajamento que tem muito a ensinar. Melhor ainda se esse aprendizado for feito enquanto brincamos de gerir uma fazenda.

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Fazenda em Minecraft: um dos maiores fenômenos dos últimos anos, também permite que os jogadores se dediquem à lavoura

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Bill Gates na Austrรกlia: o empresรกrio viu como a tecnologia pode melhorar a pecuรกria 110


O AGRO SEGUNDO BILL GATES Um dos maiores empresários e bilionários do mundo tem observado com atenção algumas das principais inovações no campo – e seu interesse pode provocar grandes mudanças no setor Por André Sollitto

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uando Bill Gates decide se debruçar sobre algum assunto, são grandes as chances de vermos uma disrupção naquele setor. Não apenas porque ele possui uma das maiores fortunas do planeta, recursos que podem ser usados para financiar pesquisas e transformar ideias em aplicações de larga escala. Mas por conta de sua capacidade de mergulhar em um tema, identificando potenciais inovações e trabalhando junto com empreendedores para encontrar soluções eficazes. À frente da fundação que mantém com a mulher, Melinda, Bill já investiu na pesquisa por soluções para resolver o problema da falta de saneamento no planeta e segue em uma busca para acabar com a pólio no mundo. Recentemente, tem olhado com maior frequência para a agricultura. Para aqueles que acompanham o empresário há algum tempo, o interesse faz total sentido. Afinal, o campo reúne alguns dos temas mais caros a ele: produção de alimentos, mudanças climáticas, energia e redução das emissões de dióxido de carbono na atmosfera. Em seu blog, Gates Notes, Bill compartilha um pouco do que está

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estudando no momento. Ele oferece muitas dicas de leitura – o empresário anda para cima e para baixo com uma enorme sacola de livros, um apanhado de calhamaços sobre história, densos estudos sobre temas como malária ou sono, e alguns títulos de ficção. Mas também divulga iniciativas inovadoras, muitas delas alvos de seus polpudos investimentos. Em março de 2019, por exemplo, falou sobre um tema que já foi reportagem de capa da PLANT: o solo. “Cansei de peidos de vacas”, diz ele, abrindo o texto. “Rebanhos são um exemplo significativo e memorável de emissões, mas eles não são os únicos. Podíamos olhar para o solo”, escreve. Em seguida, explica como o carbono fica armazenado na terra e como é liberado na atmosfera quando árvores são derrubadas, por exemplo. “Como lutamos contra as mudanças climáticas causadas pela agricultura? Não podemos simplesmente nos livrar do solo, ou parar de plantar, criar rebanhos e usar fertilizantes”. À frente do Breakthrough Energy Ventures, grupo de investidores que inclui Jeff Bezos (dono da Amazon), Mark Zuckerberg (criador do facebook)


Personagem

e Jack Ma (bilionário chinês controlador do grupo Alibaba), entre outros, Gates tem feito investimentos em startups com soluções inovadoras nessa área. É o caso da Pivot Bio, que criou substitutos microbianos para fertilizantes sintéticos, capazes de reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa. Ele destaca outras iniciativas, como os revestimentos usados pelas empresas Apeel e Cambridge Crops para aumentar a validade de produtos perecíveis, ou ainda as variedades de trigo desenvolvidas pela Kernza – dotadas de raízes mais longas, podem estocar uma quantidade maior de carbono no solo. “Não vão descobrir uma bala de prata capaz de acabar com as mudanças climáticas. Com sorte, essas e outras inovações vão reduzir as emissões causadas pela agricultura o suficiente para evitar o pior”, escreveu. Bill Gates também se diz

apaixonado por fertilizantes. “É uma inovação mágica, responsável por salvar milhões de pessoas da fome e por tirar outros milhões da pobreza ao aumentar a produtividade agrícola”, afirmou no blog. O bilionário visitou um depósito em Dar es Salaam, na Tanzânia, que funciona como um centro de distribuição de fertilizantes no leste da África. “Cada grama tem o potencial de transformar vidas, mas esse potencial só é realizado quando chega às mãos dos produtores mais pobres, um desafio especialmente complicado na África”, diz. O depósito, mantido pela empresa Yara, tem trabalhado com o governo da Tanzânia para fomentar a demanda por fertilizantes, oferecendo treinamentos para os fazendeiros. “O depósito que visitei é uma peça na solução para melhorar a demanda e o suprimento de

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Depósito na Tanzânia: o centro de distribuição pode fomentar o uso de fertilizantes na África

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Com o investidor Warren Buffet e com uma obsessão recente, o vaso sanitário: junto com a mulher, Melinda, Bill se dedica a resolver problemas do mundo

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fertilizantes”, escreve ele. E sua própria fundação tem feito parcerias para incentivar seu uso consciente. Como desenvolvedor de alguns dos so¸wares mais populares do planeta, Gates também está atento às inovações em aplicativos e programas disponíveis em smartphones. Em um post no Gates Notes publicado no final de 2018, ele fala sobre o MyAgro, app que permite que produtores sem uma conta em um banco possam guardar dinheiro, que será usado na compra de insumos com descontos. Por meio de um sistema de confiança estabelecido com esses produtores, eles já passaram da marca de 45 mil usuários no Mali e no Senegal, e a meta para 2020 é superar os 200 mil. A própria MicrosoÑ desenvolveu uma solução, a FarmBeats, que usa espaços não utilizados na transmissão de canais de TV para fornecer internet a áreas rurais. A plataforma conta ainda com um sistema de captura e análise de

dados das fazendas que fornece insights aos produtores. FILANTROPIA O interesse do empresário pela agricultura não é apenas curiosidade. O agro é um campo de desenvolvimento de tecnologias disruptivas e lucrativas. Boas práticas também são economicamente interessantes. E, a longo prazo, melhores para o planeta. Em alguns casos, também é movido por sua dedicação à filantropia. Essa guinada na carreira de Gates ganhou força no começo dos anos 2000. Na época, ele enfrentou um complicado processo movido pelo governo dos Estados Unidos contra a MicrosoÑ, acusada de manter um monopólio no mercado de computadores pessoais. A batalha jurídica abalou a certeza de Gates de que ele jamais se afastaria de sua empresa. Ele e Melinda se interessavam por filantropia há um tempo e decidiram deixar as obrigações com a MicrosoÑ progressivamente de lado para se concentrar na fundação. O casal transferiu US$ 20 bilhões para a causa e passou a viajar pelo mundo para ver de perto alguns dos problemas que tentariam resolver. A iniciativa chamou a atenção do megainvestidor Warren Buffe¸, amigo pessoal de Bill Gates, que investiu mais US$ 10 bilhões. Hoje, o fundo patrimonial da Bill and Melinda Gates Foundation


passa dos US$ 50 bilhões. Esses recursos são usados para financiar trabalhos acadêmicos, fomentar o desenvolvimento de soluções por startups e empresas. A série O Código Bill Gates, do cineasta Davis Guggenheim – disponível na plataforma Netflix – mostra um pouco do método de trabalho de Gates e Melinda e como a fundação tem ajudado a descobrir maneir as mais eficientes de utilizar a energia nuclear ou alternativas ao vaso sanitário tradicional, que sofreu poucas modificações desde que foi inventado e é simplesmente inviável em diversos países do mundo. EM BUSCA DE SOLUÇÕES A pesquisa na agricultura é uma das seis áreas que mais recebem investimentos da fundação, atrás apenas de controle de doenças infecciosas, controle de malária, HIV,

tuberculose e cuidados com a saúde reprodutiva. Foram US$ 807 milhões investidos até 2017. A fundação ainda financia o desenvolvimento agrícola e a gestão administrativa no campo. O objetivo é fomentar o que eles chamam de transformação agrícola, empoderando pequenos produtores para que eles produzam mais e melhor e sejam mais bem remunerados por seu trabalho. Os investimentos são feitos em três áreas: desenvolvimento de produtos e tecnologias que aumentem a produtividade e a inclusão; sistemas de apoio à produção agrícola, geralmente em parceria com governos e outras instituições; e sistemas de impacto, como plataformas que ofereçam serviços aos produtores. O trabalho tem focado em alguns países: Etiópia, Nigéria e Tanzânia, na África; e Índia, na Ásia.

O Brasil, aparentemente, não está no radar de Gates. Embora seja uma potência agrícola, o País não é mencionado em suas pesquisas. Talvez fosse recomendável um convite para que viesse conhecer melhor algumas de nossas experiências. Gates certamente ficaria surpreso com a quantidade de soluções que poderiam ser aplicadas em larga escala para resolver alguns dos principais problemas do setor. Na área de energia, por exemplo, poderia compreender melhor como o Brasil desenvolveu um dos sistemas mais eficientes para a produção de biocombustíveis, capaz de compensar as emissões de carbono com grandes vantagens em relação aos modelos de motores elétricos utilizados em outras partes do mundo. É algo para tomar nota, Bill Gates. PLANT PROJECT Nº19

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BIOCOMBUSTÍVEIS AJUDAM A PRESERVAR A FLORESTA Po r Pl i n i o N a s t a r i

O Brasil mantém uma área destinada à preservação e proteção da vegetação nativa correspondente a 66,3% do seu território, e é uma potência mundial agrícola ocupando somente 9% do território com todas as lavouras e florestas plantadas. A vegetação nativa preservada nos imóveis rurais privados, sem nenhuma compensação econômica, ocupa 20,5%, nas unidades de conservação outros 13,1%, nas terras indígenas mais 13,8%, e em terras devolutas e não cadastradas outros 18,9%. Apesar de todos esses predicados, o Brasil tem enfrentado severa crítica

internacional por conta de índices recentes que indicam ter aumentado, nos últimos meses, o desmatamento na Amazônia, embora não seja claro quanto desse desmatamento é ilegal. Isto é, quanto está ocorrendo em desacordo ao Código Florestal, a legislação de uso da terra mais restritiva do mundo, que permite que 20% dos imóveis rurais na região sejam utilizados. Por todas as razões conhecidas, é desejável que o desmatamento seja zero e, ao contrário, sejam adotadas políticas que levem à recuperação de áreas devastadas à sua condição original. Mas isso é muito difícil de ser atingido simplesmente

com fiscalização e punição – a maior parte das multas nunca é paga – numa extensão territorial vasta e de difícil acesso. É mais eficaz e inteligente criar incentivos econômicos para que o desmatamento seja um mau negócio, e preservar a floresta traga resultado econômico real e compensador. Ações de incentivo à coleta e extrativismo de produtos florestais, como castanhas e óleos essenciais, como a operada por empresas como a Natura, devem servir de modelo de desenvolvimento sustentável, trazendo renda e emprego na região.

Plinio Nastari, presidente da DATAGRO, representante da sociedade civil no CNPE, Conselho Nacional de Política Energética.

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e planejamento de longo Mas há um outro fator prazo. O resultado, como importante a ser não poderia deixar de ser, lembrado. é a criação de empregos. O desenvolvimento empregos. Não é à da Muitos produção de toa que qualquer análise biocombustíveis como ou pesquisa realizada por o biodiesel e o etanol especialistas na área de de recursos milho nohumanos Mato aponta Grosso e Goiás, e o agronegócio como um futuramente oeste da dos setoresno mais pujantes Bahia, sul do Piauíde e no oferecimento Maranhão, deve de oportunidades trabalho.para Paraacitar contribuir apenasde alguns dos geração coprodutos exemplos mais óbvios, ricos em proteína que profissionais irão intensificarnas e áreas de tecnologia agrícola, modernizar a pecuária gestão ambiental, nessas regiões, zootecnia, agronomia, reduzindo a pressão por engenharia de alimentos expansão de pastagens etc., não ficam e, portanto, desempregados se desmatamento. quiserem.

serviços montante de eà milhões de àtoneladas jusante da produção milho em etanol, primária. proteína, óleos e fibras. Ouessa seja, à montante, Com existe um formidável industrialização, o valor de empresas que de universo 1 tonelada de milho atuam de forma direta ou passa de R$ 366 para R$ indireta na produção de 1.060, gerando insumos, implementos e economia circular, máquinas agrícolas. progresso, emprego E, à jusante, temos e também mais impostos. também outra Mais importante, reduz a impressionante gama de pressão relacionada à atividades, que envolvem o armazenamento, expansão da pecuária escoamento, extensiva. beneficiamento,

industrialização, Atualmente, apenas distribuição, exportação 40% da área cultivada etc. Em resumo, há com soja é utilizada para empregos de toda a sorte, produção de milho para quase todas as safrinha (de categoriassegunda profissionais, safra). Aindanos existe um baseados seguintes espaço enorme para alicerces: gestão x a Para quem não é do Emramo, apenas quatro anos, expansão dax produção produção pode parecer que a produção de de industrialização milho, o que deve x empregos de no etanol agronegócio milho passou de 141 distribuição. ocorrer com o seu estão apenas milhões de litros para aproveitamento No entanto, existem relacionados com a esperados bilhãooude econômico e alguns requisitos básicos produção1,3 agrícola para que seSe esteja apto a litros em 2019/20. Atéé pecuária. Mas essa sustentável. o entrar para o de mundo apenasdeve uma parte 2022/23, atingirda esmagamento soja do agronegócio. Um65%, deles é a história. Nade verdade, 4,82 bilhões litros uma passar de 40 para disposiçãopotencial para morar terça de parte. Quando através capacidade a produção deem cidadessobe médias falamos em agronegócio, biodiesel já instalada e projetos de e6 para pequenas do interior, emprecisamos diferentes lembrar fases de 18 bilhões de litros por especialmente nas regiões e entender que existe implantação, ano. Esse é um impulso que detêm o maior todo um complexo convertendo 11,58 importante o Brasil, potencial para de crescimento segmento produtivo e de

naimporta produção que 13agropecuária, bilhões o caso de como litros épor ano do de diesel Centro-Oeste, fóssil. Resíduos do da Nordeste cana e daoregião Norte. Apenas como bagaço uma pequena parte dos hidrolisado podem empregos do agro está também ser utilizados nas grandes de localizada forma racional para cidades. E, mesmo assim, a alimentação bovina, predominantemente na área intensificando a pecuária de tecnologia e serviços. nacional. Além disso, da mesma forma que os demais

Muitas ações da podem ser segmentos economia promovidas brasileira, para o agrogarantir precisa que patrimônio florestal deoespecialização, de todas as biodiversidade naturezas e de todos e de seja os tipos, seja sem em nível técnico, preservado, deixar em nívelde deforma graduação de seja aproveitar ou de pós-graduação. racional e sustentável asCom esses dois elementos riquezas naturais, e até básicos, mais uma boa minerais, da região. dose de interesse Biocombustíveis e iniciativa, as produzidos de forma oportunidades se sustentável emosáreas multiplicam, salários agrícolas já expansãoe ocupadas a estão em sãorapidez elementos de crescimento nas importantes carreiras é dessa impressionante. estratégia de essa E será com mentalidade e essa preservação. dinâmica, que o agro brasileiro buscará em um futuro próximo, a liderança mundial. Um “AgroAbraço” a todos!

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Porque, para alimentar o mundo, o planeta não precisa passar fome.

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STARA TEM A MELHOR GESTÃO. Os equipamentos agrícolas da Stara utilizam uma plataforma de Internet das Coisas com tecnologia SAP® Leonardo para usar a quantidade exata de fertilizante — precisamente onde ele é necessário. Dessa forma, contribui para uma agricultura sustentável e aumenta a produção de alimentos em um mundo que precisa desesperadamente deles. AS EMPRESAS COM A MELHOR GESTÃO FAZEM O MUNDO MELHOR. Para saber mais, acesse sap.com.br/agro


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