Revista LaboratĂłrio do Curso de Jornalismo Ano 09 | NĂşmero 15 - Abril de 2019
Equipe de futebol LGBT joga contra a homofobia
Estudo e trabalho mudam vida de detentos
Preconceitos e dilemas por rabiscos na pele negra 01 - Capa.indd 1
27/03/19 10:48
AnuncioFumec-01.pdf 1 16/11/2018 13:27:49
C
M
Y
CM
MY
CY
CMY
K
TRANSFERÊNCIA E OBTENÇÃO DE NOVO TÍTULO * *
Provas agendadas INSCREVA-SE
*LEIA O REGULAMENTO COMPLETO EM:
VESTIBULAR.FUMEC.BR PARA MAIS INFORMAÇÕES: 0800 0300 200 | fale@fumec.br Anuncio1.indd 1
28/11/18 10:54
Estresse no trabalho pode ser mais grave do que se pensa; ele é causa de doenças mentais Pág. 30
Série que satariza o racismo na sociedade norte-americana chega à terceira temporada Pág. 17
Artigo de opinião discute os riscos pulverização deliberada da nossa memória Pág. 60
PONTO E VÍRGULA
Expediente FUMEC
Fundação Mineira de Educação e Cultura
Presidente do Conselho Executivo Prof. Air Rabelo Presidente do Cons. de Curadores: Prof. Antonio Carlos D. Murta
Reitoria da Universidade Fumec
Reitor: Prof. Fernando de Melo Nogueira Vice-reitor: Prof. Guilherme Guazzi Rodrigues
Faculdade de Ciências Humanas
Diretor-Geral: Prof. Antônio Marcos Nohmi Diretor de Ensino: Prof. João Batista de M. Filho Coordenador do Jornalismo: Prof. Sérgio Arreguy
Ponto e Vírgula
Editor: Prof. Aurelio José Silva Coordenação Proj. Gráfico: Prof. Aurelio José Silva Técnico e finalização gráfica: Luis Filipe P. B. Andrade Técnico e tratamento gráfico: Daniel Washington S. Martins Revisão de texto: Prof. Dr. Luiz Henrique Barbosa Logotipo: Rômulo Alisson dos Santos Monitores: Catherina Dias Pollyana Gradisse Gráfica: Formato Tiragem: 1.000
História de um Mangaká
Pág. 05
Esperanto
Pág. 08
Dependencia do Cenário
Pág. 10
Tattoo na Pele Negra
Pág. 13
Geração que Não Ouve
Pág. 20
Quando Ela Não Quer Se Casar
Pág. 22
Workaholic
Pág. 38
Futebol nos pés e orgulho no peito
Pág. 40
Memória na palma da mão
Pág. 43
No caminho de Macau
Pág. 47
O amor e a luta
Pág. 49
Além das grades
Pág. 51
Estupro masculino
Pág. 54
As melhores súmulas
Pág. 58
Conselho Editorial
Prof. Aurelio José Silva Profª. Dúnya Azevedo Profª. Vanessa Carvalho Prof. Dr. Luiz Henrique Barbosa Profª. Raquel Utsch
COMPORTAMENTO
Foto da capa e contracapa
Rotinas e preocupações diárias contribuem para a perda de uma boa noite de sono
Nicole Gomes Bharbixas
Pág. 27 Foto: insonias.com
03 - Indice PeV15.indd 3
01/04/19 12:19
EDITORIAL - DEMOCRACIA EM RISCO
DEMOCRACIA EM RISCO Por Aurélio Silva Sem democracia não existe jornalismo. Em um regime autoritário, o fazer da profissão é usado como propaganda a serviço do poder instalado. A liberdade de expressão é um dos pilares do jornalismo num regime democrático. A onda conservadora que varreu o país nas últimas eleições e alçou ao poder o candidato da nova direita, Jair Bolsonaro, ecoa no discurso autoritário de seu representante e coloca em risco a democracia. Em vários episódios, inconformado com o noticiário de veículos de comunicação ou com perguntas e críticas feitas por jornalistas, Bolsonaro foi agressivo e chegou, inclusive, a ameaçar com retaliações por meio do corte de verbas publicitárias oficiais depois que fosse eleito. A briga de Bolsonaro com a imprensa não é de hoje. Em 2014, após ter sido perguntado pela jornalista Manuela Borges, da Rede TV, se o golpe dos militares não ocorreu, disparou: “Você é uma idiota. Você é uma ignorante. Você tá querendo impor a tua verdade
4
04 - Editorial.indd 4
pra cima de mim. Tô cagando e andando pra você”. Em 2017, Bolsonaro respondeu a uma crítica do jornalista norte-americano Glenn Greenwald, que vive no Rio de Janeiro, de forma ofensiva e preconceituosa. Ao ser chamado de fascista por Glenn Greenwald, em seu Twitter, respondeu com sua habitual violência verbal: “’Você queima a rosca?’ Não me importo! Seja feliz! Abraços para você!” Em 2018, às vésperas da eleição, o jornalista Juremir Machado, da Rádio Guaíba, de Porto Alegre (RS), ‘se demitiu’ ao vivo, afirmando ter sido censurado durante uma entrevista com o candidato do PSL à Presidência da República. Machado afirmou ter sido impedido de fazer perguntas ao candidato, que exigira conversar apenas com o apresentador, Rogério Mendelski. Outra queda de braço de Bolsonaro com a imprensa teve como alvo a Folha de S. Paulo, que publicou uma reportagem sobre o uso ilícito do WhatsApp para disparar mensagens com propaganda eleitoral e “fake news”. Mas a briga com
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
a Folha é antiga. No começo de 2018, Bolsonaro questionou uma reportagem que denunciava desvios de dinheiro com a contratação de uma funcionária fantasma para a equipe do então deputado federal. Após a vitória nas eleições, se disse a favor da liberdade de imprensa, mas reiterou as suas ameaças à Folha. “Por si só, esse jornal se acabou (…) No que depender de mim, a imprensa que se comportar dessa maneira indigna não terá recursos do governo federal”, advertiu o capitão do Exército na reserva. A situação requer que sejamos vigilantes. O primeiro passo para que os regimes autoritários se imponham é o cerceamento da imprensa. Os defensores da democracia insistem na liberdade como elemento essencial para a troca de ideias e opiniões, e reservam ao jornalismo não apenas o papel de informar os cidadãos, mas também a responsabilidade de fiscalizar as ações dos governos. A ameaça à democracia é real. Basta saber se conseguiremos salvá-la ou assistiremos a sua destruição
Diagramador(a): Pollyana Gradisse
01/04/19 11:41
HIstória de um Mangaká
- Reportagem
A HISTÓRIA DE UM MANGAKÁ Créditos: Angelo Levy
O mercado bilionário dos mangás atraiu o olhar sonhador do mineiro Ângelo Levy Por Rodrigo Mantovani Animes e Mangás são produções de massa japonesa que se popularizaram ao redor do mundo com produções muito conhecidas como Dragon Ball e Naruto. A popularização é tão grande que atraiu a curiosidade do mineiro Ângelo Vasconcelos Levy, de 36 anos. Ele conseguiu ingressar nesse
meio de produção e contou sobre as dificuldades que encontrou para correr atrás do seu sonho. ‘’A principal dificuldade de migrar para o Japão e começar a realizar o meu sonho foi conseguir uma maneira de vir pra cá (Japão) juntamente com o visto. Eu consegui isso através do programa de bolsa
Diagramador(a): Catherina Dias e Rodrigo Mantovani
05-07 - História de um Mangaka.indd 5
de estudos do Ministério da Ciência, Cultura e Educação do Japão.’’ Após realizar uma prova no consulado Japonês, entrevistas e projeto de pesquisa, o mineiro de 36 anos finalmente conseguiu ir para o Japão. Ele conta como a rigidez dos japoneses o desanimou um pouco e descartou preconceito por ser estrangeiro.
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
5
27/03/19 10:24
Reportagem - HIstória de um Mangaká
6
‘’É muito bom ter contato com pessoas que tem uma cultura diferente, valores diferentes, pois através disso você percebe quais são as coisas que são mais universais dentro de uma obra. ‘’
Créditos: Angelo Levy
‘’Logo que eu cheguei, eu comecei a mandar trabalhos para editoras, mas não tive nenhuma resposta positiva. Aqui no Japão tem uma boa variedade de gênero do mangá, mas, se você não encaixa direitinho dentro de algum desses gêneros, é muito difícil de conseguir ter uma obra aceita. Eu não acredito que isso tenha a ver com preconceito de ser estrangeiro. Acredito que seja uma questão mesmo de evitar risco, evitar coisas diferentes que acontecem de uma maneira geral aqui no Japão, até entre os próprios japoneses.’’ Todos os escritores, desenhistas e ilustradores têm um traço próprio, um estilo próprio para fazer o seu trabalho, mas, para ingressar no mercado, muitas vezes, precisam se adaptarem ao estilo aceito pelo meio. E isso foi uma das dificuldades citadas por Ângelo: ‘’Essa rigidez, baseada em esquemas prévios que você deve se encaixar, era uma coisa que eu não gostava, não achava correto, pois acho que a arte tem que ser a busca do belo e não uma adequação a certo sistema, principalmente se esse sistema visar ao lucro acima de qualquer coisa.’’ Ele ainda afirma que essa rigidez foi um dos principais motivos para a demora em iniciar sua carreira. ‘’Esse foi um dos motivos que eu demorei para começar a minha carreira como mangaká, porque eu buscava caminhos mais autênticos. Isso aconteceu quando eu encontrei editores que gostavam do meu estilo, me contrataram por ele. Então eu não precisei ficar fazendo alterações na minha obra simplesmente para vender.’’ Agora conhecido como Ângelo Mokutan, o mineiro conta como o contato com os japoneses foi importante para ajudá-lo a lapidar a sua obra e melhorar o seus traços. Além disso, Ângelo reforça que o contato com uma cultura diferente ajudou a expandir seus horizontes .
Uma página de mangá
A história que o Ângelo desenvolveu é baseada na Roma antiga, onde a protagonista, Leonora, é uma escrava que cuida de leões e acaba desenvolvendo um laço com um dos animais. Quando esse animal é vendido, ela acaba indo junto com o felino e descobre que o lugar onde ela vai morar não é nada amistoso. Depois de vivenciar inúmeras situações humilhantes, Leonora começa a querer buscar vingança e isso acaba corrompendo a menina e ela acaba perdendo o controle da situação. Em cima disso Ângelo desenvolveu o ensinamento do Mangá. ‘’Eu fiz esse Mangá com a intenção de transmitir a principal men-
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
05-07 - História de um Mangaka.indd 6
sagem da obra ‘’Sobre a Ira’’, do Seneca (célebre escritor e intelectual do Império Romano que serviu de inspiração para o Ângelo), de que a raiva não vale a pena em nenhuma situação. Ela leva você a machucar seus entes queridos e as pessoas que te apoiam e, no pior dos casos, coloca em risco a sua própria vida.’’ E para tentar ajudar outras pessoas que também têm o sonho de ingressar no mercado, o mineiro conta um pouco sobre como ele funciona, no quesito oportunidade, para os não japoneses e para os japoneses citando a própria experiência. ‘’Em relação aos não japoneses, ainda é um mercado fechado se comparado com as editoras americanas e europeias e a rigidez em cima das obras acaba dificultando ainda mais a entrada dessas pessoas. Tem alguns poucos autores não japoneses no mercado. Não é um mercado multicultural como o mercado americano.’’ E falando sobre o mercado para os japoneses, Ângelo compara o desejo de entrar nesse ramo com a vontade de um brasileiro em ser jogador de futebol e cita também a competitividade. ‘’É muito competitivo, costumo explicar que é como se fosse querer ser um jogador de futebol no Brasil. Tem muita gente tentando, tem muita gente habilidosa, mas tem vários outros fatores que vão além da técnica que te fazem virar profissional.’’ Outro fator citado por ele é a queda do mercado impresso e o crescimento do mercado digital, que, atualmente, conta com obras de terror e obras eróticas. Esse apelo, principalmente para o lado erótico, é bem comum nos mangás considerados shounens (que são destinados para o público masculino jovem). Ângelo comentou sobre esse apelo e falou se usa-
Diagramador(a): Catherina Dias e Rodrigo Mantovani
27/03/19 10:24
HIstória de um Mangaká
- Reportagem Créditos: Angelo Levy
Uma das páginas do mangá mostrando Leonora e seu leão
Créditos: Angelo Levy
ria esse tipo de conteúdo nas suas obras. ‘’Essas duas coisas, o apelo pelo sexual e o apelo para o grotesco, eu evito a todo custo possível nas minhas histórias. Não acho que isso leva alguém a ser um bom artista. Acho muito perigoso você simplesmente fazer uma coisa ousada, isso tem um impacto instantâneo, mas que não é duradouro.’’
MANGÁ Mangá é o termo usado para designar histórias em quadrinhos feitas no estilo japonês. No Japão, toda história em quadrinho é considerado um mangá. Muitos dessas histórias acabam se tornando animes (animações que
Mangás são feitos com pouca cor
Diagramador(a): Catherina Dias e Rodrigo Mantovani
05-07 - História de um Mangaka.indd 7
são produzidas por estúdios japoneses), porém o caminho pode ser inverso; um anime acaba servindo de inspiração para a criação de uma história impressa. Por possuir diversos gêneros, o mangá acaba atingindo pessoas de diversas idades. Com isso a indústria no Japão representa um mercado bilionário, com cifras superando os 5 bilhões de dólares. A característica mais marcante desse meio de produção em massa é a forma de leitura, que é feita da direita para a esquerda, começando onde para gente seria o final de um livro. O início desse estilo literário é datado no século VIII d.C, no período Nara
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
7
27/03/19 10:24
Cultura - Linguagens
Uma língua universal para facilitar a comunicação entre os povos do mundo: Este é o “Esperanto”! Por Luis Felipe F. dos Santos Quando ainda morava em Bialystok, Lázaro Zamenhof, um adolescente que percebia a dificuldade na conversação em sua cidade, já que muitos povos de origens diversas moravam ali, criou, pela primeira vez, uma língua, ainda de forma arcaica, para ajudar na comunicação. Seu pai não aprovava e decidiu que o filho deveria se mudar para focar apenas nos estudos. Lázaro foi en-
8
08-09 - Esperanto.indd 8
tão para Moscou, formando-se em Medicina. Quando voltou para sua cidade, descobriu que toda sua obra havia sido destruída por seu pai, o que acabou motivando, ainda mais, sua vontade de criar o esperanto. Em 1877, sai o primeiro livro, escrito em russo, com algumas normas gramaticais, vocabulário, exercícios, e outras regras que ajudavam na compreensão e iniciação na língua.
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
Em 1905, ocorre o primeiro congresso, mostrando assim que, em parte da Europa, a língua já começava a crescer. Hoje em dia, existem dois movimentos distintos dentro do esperanto. Há aqueles que acreditam na língua como forma de acabar com combates e guerras pelo mundo, já que haveria uma melhor comunicação entre os povos, e a possibilida-
Diagramador(a): Pollyana Gradisse
27/03/19 10:23
Linguagens de um melhor entendimento. Outra vertente é a dos praticantes do “Esperanto” que não possuem a mesma crença, gostando simplesmente de poder praticar e aprender mais sobre esta língua.
“Não acredito em ideias mirabolantes de salvar o mundo por meio de uma língua. Me interessei pela dinâmica do Esperanto” Ari Assunção O senhor Ari Santos Assunção, 53 anos, técnico na Cemig, é um desses praticantes. Fluente na língua, Ari gosta apenas de poder se comunicar com pessoas de diversos países, buscando aprender cada vez mais. “Não acredito em ideias mirabolantes de salvar o mundo por meio de uma língua. Fui apresentado ao Esperanto quando li um livro e logo me interessei pela dinâmica, a maioria das pessoas são autodidatas e dispostas a se encontrar para dividir experiências.” Ari afirma que o Esperanto possui
vantagens em relação ao Inglês, que é considerada a atual língua universal. Ele reitera, porém, que na atualidade quem não falar Inglês fica para trás.“Nada impede de aprender o inglês, já que esta é a segunda língua oficial dos países, simplesmente isso. Hoje, se não possuir o Inglês, dificilmente uma pessoa irá possuir uma boa ascensão profissional. É a língua de quem tem poder. É evidente que os chineses, hoje, já começam a “cutucar”, concluiu.
“A ausência de uma língua com as características do Esperanto dificulta o estabelecimento da paz e da ajuda humanitária no Planeta” João Santos O professor e escritor português João José Santos sente falta de uma língua capaz de humanizar o mundo. “A ausência de uma língua
- Cultura
com as características do Esperanto, dificulta o estabelecimento da paz e da ajuda humanitária no Planeta. O Inglês não poderia fazer tal papel, porque é a língua própria de alguns povos e vincula os interesses e a cultura. A utilização de uma língua étnica como internacional é sempre uma imposição aos outros povos. Além disso, o Esperanto é muito mais fácil de aprender e ensinar do que o Inglês”, afirmou João. Professor, profissionalizado para o ensino de línguas e literatura portuguesa, latim e grego antigo, João se interessou pelo esperanto quando ouviu falar de uma língua criada com objetivo de unir nações.“As boas ideias demoram a serem implantadas e há muitos interesses econômicos por trás da língua Inglesa, o que dificulta cada vez mais a propagação do Esperanto”, destacou. Em uma pesquisa rápida entre estudantes de cursos superiores, ficou evidente o desconhecimento atual das pessoas com relação ao Esperanto. Quem mais se destacou neste assunto foram estudantes dos cursos de Letras e História. Agora, é esperar para ver até onde irá o esperanto. Quem tiver interesse, deverá procurar grupos que se reúnem através de redes sociais e que buscam não deixar essa língua morrer
Praticantes do Esperanto se reúnem para conhecer e estudar a língua
Diagramador(a): Pollyana Gradisse
08-09 - Esperanto.indd 9
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
9
27/03/19 10:23
Reportagem - Dependência Musical
Artistas independentes sofrem com a falta da valorização autoral em BH e a dependência das leis de incentivo Por Bruna Lima Duas bandas. Dois estilos diferentes. Um desejo em comum: a valorização do cenário da música autoral em Belo Horizonte. Esse é o espaço ideal para a Graveola e a Young Lights, bandas nascidas na capital mineira. O modo natural de como tudo começou é uma característica dos dois grupos. Ambos surgiram no ambiente universitário da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), A Graveola e o Lixo Polifônico, conhecido popularmente como Graveola, era somente uma brincadeira e um encontro de dois amigos para se reunir e tocar juntos. Assim como o anterior, o Young Lights formou-se espontaneamente três anos após o vocalista Jairo Horsth Paes chegar ao Brasil dos Estados Unidos em 2012. Destacar-se em um cenário musical no qual gêneros como sertanejo
10
universitário e o pagode ou as versões covers (regravação de uma canção previamente gravada) são predominantes é desafiador. “Há uma particularidade em se fazer música autoral em Belo Horizonte porque a cidade está entre dois polos culturais muito estabelecidos, o Rio de Janeiro e São Paulo. Essa zona entre o eixo é desafiadora de certo modo, é
“[...] é um gesto independente estar fora do mainstream”
Visibilidade para a música autoral A reclamação frequente dos músicos e bandas de Belo Horizonte por causa da pouca oferta de espaços abertos à música autoral fez com que surgisse a Autêntica, casa de shows que inova ao dedicar a programação para artistas autorais nacionais e internacionais. “Com exceção de alguns espaços de resistência, como A Obra e o Matriz, era cada vez mais raro encontrar locais para tocar músicas novas, uma vez que as casas preferiam o certo (cover) ao duvidoso (autoral).
José Luís Braga do coletivo Graveola e o Lixo Polifônico
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
10-12 - Dependencia do cenário da música.indd 10
um gesto independente estar fora do mainstream (conceito para se referir ao modelo de pensamento ou gosto de caráter popular e dominante)”, explica José Luís Braga do coletivo Graveola e o Lixo Polifônico.
Diagramador(a): Bruna Lima
01/04/19 12:15
Dependência Musical
- Reportagem Fotos: Vania Cardoso/ Flavio Charchar
À esquerda da imagem, o coletivo Graveola e, à direita, a banda Young Ligths
Sentíamos falta de um espaço com o porte e a estrutura para receber uma gama mais ampla de artistas e estilos que não ficasse restritos ao underground. Nós acreditamos que a principal marca deixada por uma geração é a arte que ela produz, em especial a música, e víamos como lamentável a dificuldade que uma cena tão rica tem para se destacar. A gente sempre ouvia (e dizia) “alguém tinha que abrir uma casa pra música autoral”. Decidimos sair da passividade reclamona e sermos nós mesmos o tal “alguém”, conta o cantor e um dos três sócios da Autêntica, Leo Marques.
IndependênciaXDependência Os festivais de música gratuitos, por exemplo, viabilizados pelas leis de incentivo à cultura oferecem acesso e oportunidade para a população, além de fomentar movimentos sociais, debates políticos e a ocupação dos espaços públicos. Porém, o que deveria promover também a autonomia e a liberdade das bandas no cenário musical, causa uma relação de dependência dos artistas ao estado.
Diagramador(a): Bruna Lima
10-12 - Dependencia do cenário da música.indd 11
“A oferta de shows para a cidade, principalmente os gratuitos, é muito bom, mas isso não sustenta um mercado. O mercado não se faz, infelizmente, nesse tipo de apoio do estado. Nós temos que estar além e isso é uma dificuldade para a música independente. O próprio conceito da música independente é relativo, principalmente em Minas Gerais, a gente depende muito do apoio das leis de incentivo que oferece às empresas insenção de ICMS em troca do momento. Então ao mesmo tempo em que possibilita oportunidades, limita e dá uma relação de dependência”, diz Braga. Além disso, os shows gratuitos causam um engano do mercado musical para a população. “Uma vez que esses shows acontecem, fica muito difícil de monetizar. É claro que dá acesso às pessoas, porém você acaba criando uma ilusão de mercado. A cena independente como mercado perdeu força com isso, pois nós não conseguimos entender que a gente tinha que descobrir modos de monetizar essas relações”, completa o integrante da Graveola.
Embora os festivais de música que contam com a participação de artistas independentes na line-up estejam em alta na cidade, a falta de reconhecimento é algo para ser repensado. “Ultimamente, em BH, está
“As pessoas pagam R$ 50 pra entrar em uma boate, sem reclamar, mas se um show custa R$ 25 elas ainda querem pagar meia ou pedem cortesias [....]” Leo Marques
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
11
01/04/19 12:15
Reportagem - Dependência Musical acontecendo vários festivais contando com a presença de artistas locais, porém a cena continua uma batalha para cada dia ganhar mais espaço. [...] Às vezes, acontece de a produção de alguns festivais tratarem as bandas independentes menos a sério que as bandas que tem gravadora. [...] A música independente é uma das melhores coisas da vida, mas é uma das coisas mais difíceis, é uma batalha constante”, conta Jairo Horsth Paes, vocalista da Young Lights. A ausência da valorização desses talentos é presente também nos eventos que ocorrem na Autêntica. “As pessoas pagam R$ 50 pra entrar em uma boate, sem reclamar, mas se um show custa R$ 25 elas ainda querem pagar meia ou pedem cortesias. Basicamente a gente perde de todos os lados ao fazer a opção por trabalhar com cultura. E o poder público nos trata como um boteco qualquer. Mas acreditamos que estamos construindo algo maior, fazemos também um trabalho de valorização da música. É difícil, mas é muito gratificante”, esclarece Leo Marques.
Superando os obstáculos
“A música independente é uma das melhores coisas da vida, mas é uma das coisas mais difíceis, é uma batalha constante”
Na busca por conquistar mais espaço no cenário autoral, a Graveola e Young Lights tem planos de lançar no próximo ano um novo álbum. “A banda agora está em um processo de elaboração do seu disco novo e vai ser uma ‘pegada’ diferente, como sempre é. Nós estamos tentando chegar a uma proposta mais simples, simplificando os arranjos. Respeitamos muito a trajetória passada do Graveola, mas acreditamos que temos uma tendência de preencher demais os espaços vazios da música. Podemos esperar um trabalho mais atento às nuances da canção, que respeite um pouco mais a proposta melódica e mais minimalista”, conta José Luís sobre o novo projeto. Já a Young Lights tem objetivo de alcançar mais pessoas utilizando a voz para promover o bem “acho que a gente tem certa voz na cena, certo respeito e isso é muito legal, é resultado de uma batalha que viemos lutando todos os dias para ganhar mais espaço na cena”, diz Jairo Horsth
Jairo Horsth Paes, vocalista da Young Lights
Créditos: Bruna Lima
12
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
10-12 - Dependencia do cenário da música.indd 12
Diagramador(a): Bruna Lima
01/04/19 12:15
Tatuagem
- Reportagem
Negros que desejam tatuar lidam com preconceito antes e depois de decidirem imprimir a arte em seu corpo Por Letícia Gontijo Ainda estigmatizada em alguns locais e por alguns indivíduos, a tatuagem vem se tornando mais aceita como uma demonstração autêntica de personalidade, uma arte no corpo. Cada dia mais pessoas aderem à ideia de ter um desenho ou palavras escritas para estampar sua identidade. Dentre os que desejam marcar na pele alguma história ou gosto estão homens, mulheres, jovens e adultos. Mas um determinado grupo de pessoas ainda pensa mais quando deseja uma tatuagem: os negros. Negro tatuado. Quantas pessoas negras tatuadas você já viu por aí? Com certeza muito poucas. O motivo para que um grupo pequeno de negros tenha tatuagem é o mesmo para inúmeras outras privações sofridas por eles: racismo.
Diagramador(a): Letícia Gontijo
13-16 - Tattoo na pele negra.indd 13
Perfis de tatuadores nas redes sociais exibem tatuagens de todos os tipos em peles brancas. No cotidiano, uma pessoa negra tatuada é raramente vista nas ruas com suas tattoos à mostra. Há um desafio considerado um tabu para alguns tatuadores de que os pigmentos têm mais dificuldade de se fixarem em peles escuras. Muitas vezes, superado este desafio, tatuagem feita, os julgamentos dobram, críticas de todos os tipos surgem: “mas nem aparece” e “não combina com você”, é o que ouve a população negra tatuada. Antes de ir a um tatuador, Márcia Vasconcelos, 25 anos, advogada e youtuber (conhecida no youtube como Filha de Sílvia),tinha muito
medo de como a tatuagem ficaria em sua pele, achava que não ficaria bom. Além disso a jovem se desanimava por já sofrer racismo. “Eu já tinha infinitos motivos pelos quais me enquadravam em estereótipos e me olhavam feio por ser negra, lésbica e advogada. Quando resolvi fazer tatuagem, sabia que esse seria mais um motivo para que as pessoas me julgassem.”. - Vasconcelos conta. Com Athos Elyonay Pires, 26 anos, mecânico de refrigeração e dono de loja virtual, eram os amigos que brincavam sobre ele querer se tatuar. “Me falavam que teria que ser com tinta branca senão nem iria dar pra ver”. Ao chegar no tatuador, Pires descobriu que poderia sim ter suas coroas sombreadas em
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
13
27/03/19 10:23
Reportagem - Tatuagem
Foto: Márcia Vascocelos
14
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
13-16 - Tattoo na pele negra.indd 14
Diagramador(a): Letícia Gontijo
27/03/19 10:23
Tatuagem
- Reportagem Foto: Davisson Silva
homenagem aos pais. A limitação colocada pelo profissional foram as cores em tom avermelhado, que poderiam “estourar”, ou seja, não aderir muito bem a sua pele. Mas para alguns tatuadores esta não é uma limitação que vem somente da pele negra.
Os tatuadores
Foto: Athos Elyony
Por mais que Ana Mendes,26, tatuadora no Old Lines Tattoo Shop, na Savassi, em Belo Horizonte, considere que as tatuagens pretas fiquem mais bonitas na pele negra que as coloridas pelo problema da pigmentação, a profissional afirma tatuar pessoas negras sem problemas: “Claro, sempre tatuo, como qualquer outra pele! Não tem nada disso, o que acontece é o contraste, quanto mais escura a pele menos os pigmentos vão con-
Umas das tatuagens feitas na pele negra por Davinho
Foto: Márcia Vascocelos
Com 40 desenhos pelo corpo, Athos tem os dois braços fechados
Diagramador(a): Letícia Gontijo
13-16 - Tattoo na pele negra.indd 15
trastar, por isso dizem que não pega o pigmento, na verdade só não contrasta tanto!” – ela desmistifica. Mendes diz que aconselha seus clientes negros a optarem por desenhos com traços finos e sólidos, mas que vai do profissionalismo do tatuador entender os desejos de quem quer se tatuar independente da cor. Davisson Silva, 27 anos, é tatuador e negro e conta que já sofreu preconceito como pessoa de pele escura tatuada. Para
Silva, como profissional, a pele negra exige mais cuidados com a pigmentação e tonalidade para que não fique um desenho muito escuro. Trabalhar com tons amarelados também é mais difícil. Mas, segundo o tatuador, esses cuidados e o risco de uma tatuagem ficar muito escura também podem ocorrer na pele branca. Depois de 6 anos tatuando no Brasil, “Davinho” (como Davisson é conhecido) recebeu uma oportunidade para trabalhar em Portugal. Ele conta que lá os olhares racistas são menores. A es-
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
15
27/03/19 10:23
Foto: Ana Mendes
Reportagem - Tatuagem
“A tatuagem foi uma forma de empoderamento para mim mulher de pele preta” Márcia Vasconcelos Tatuagem feita por Ana Mendes no Old Lines Tattoo Shop
perança de Davisson para que este tipo de tabu acabe está nos pop stars negros que vêm aparecendo na mídia com tatuagens em todo corpo. Famosos como Rihanna, Lil Wayne, Léo Santa, Nêgo do Borel e Ludmilla são alguns dos famosos negros com tatuagens. “A tatuagem é para todos e para todo tipo de pele. Se você tem vontade de ter uma tatuagem, não é a sua cor que vai te impedir de ter uma arte em seu corpo.” – o tatuador finaliza.
#PelePretaTatuada Finho, 38, é tatuador e grafitero. Negro, desde 2001 no mercado da tatuagem em Salvador, percebeu com o tempo e a experiência que tinha em tatuar pessoas de pele preta (maioria de seus clientes) que havia muito poucas referências nos portifólios dos artistas e páginas em redes sociais sobre a tatuagem nos negros. Foi inspirado nessa ausência de ideias, informações e imagens que
16
auxiliassem os tatuadores e as pessoas de pele escura no processo da escolha por uma tattoo que ele criou o projeto #PelePretaTatuada. O #PelePretaTatuada acabou se transformando numa campanha nas redes sociais. Nelas não só o tatuador baiano posta seus trabalhos, mas outros profissionais e pessoas negras que se tatuaram compartilham suas experiências, desenhos e histórias. Márcia enfrentou o racismo e quebrou o tabu indo se tatuar. Feita a primeira, não quis mais parar e hoje tem 8 tatuagens. “Depois da primeira eu percebi que isso não existia. A tatuagem foi uma forma de empoderamento para mim como mulher de pele preta”. A advogada está com horário agendado para tatuar mais 3 desenhos. Athos também vai fazer mais tattoos. Ele já tem 40 desenhos contando com seus fechamentos de braço. Ana deixou um recado para quem é negro e já sofreu preconceito por
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
13-16 - Tattoo na pele negra.indd 16
parte de algum tatuador: “Se um profissional te desencorajar a tatuar por causa da cor da sua pele, procure outro, ele realmente não é tão adequado pra fazer a sua tattoo! Exclusão de verdade é um tatuador deixar de tatuar alguém por essa pessoa ser negra. É como um cabeleireiro deixar de cortar um cabelo por achar que o corte não vai ficar bom. Ele é quem precisa ter o profissionalismo pra entender e orientar o cliente a fazer o que é melhor para si. Tatuagens pretas são tão bonitas (ou até mais) quanto coloridas, o importante é estarem bem feitas e serem suas!”. Os pigmentos coloridos ainda podem ser um desafio para a tatuagem na pele negra, mas está claro que os negros podem se tatuar.O maior obstáculo para que ainda não existam muitos negros tatuados está no preconceito da população que age com racismo e não na postura dos profissionais
Diagramador(a): Letícia Gontijo
27/03/19 10:23
Racismo
- Reportagem
CARA GENTE BRANCA:
UM RETRATO DA NOSSA SOCIEDADE A visão crítica e sarcástica acerca do racismo Por Catherina Dias No primeiro semestre de 2018 foi lançada a segunda temporada da série Dear White People, traduzida para o Brasil como Cara Gente Branca, uma releitura do filme homônimo do ano de 2014. Sem muita divulgação, muito menos atores renomados em seu elenco, a série chama atenção e conquista telespectadores com o seu conteúdo. O cenário da trama é uma universidade com predominância de brancos e elitistas que fazem apropriação da cultura afro – em um dado momento chegam a promover o blackface em uma festa e questionam a realidade social através do sarcasmo, ironia e exagero. A trama esbarrou em algumas críti-
Diagramador(a): Catherina Dias
17-19 - Cara Gente Branca.indd 17
cas, principalmente por abordar questões sobre a empatia entre minorias sociais distintas ou a falta total dela, sexismo, feminismo e preconceito reverso – termo utilizado para descrever atos contra indivíduos pertencentes à maioria racial historicamente dominante. Junção destes temas e as situações corriqueiras na rotina dos negros – violência policial, desumanização – fazem o seriado ganhar visibilidade em debates relacionados ao racismo, trazendo a ironia como o ponto central de toda série, e que também se faz presente no título, o que causa incômodo naqueles que dizem não terem preconceito.
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
17
27/03/19 10:27
Reportagem - Racismo Ficção x Realidade
co o torna para o jovem negro apenas mais um espaço de dor e solidão, como vários outros” O sociólogo Wegton Vidal, especialista em cultura afro, explica a diferença entre racismo velado e racismo enraizado “O primeiro se configura pelo indivíduo não perceber que está sendo racista, por repetir frases racistas, pela forma de agir e pensar. Esse está tão presente em nossa sociedade, que muitas pessoas nem dão conta que estão sendo racistas. O racismo “enraizado” é aquele indivíduo que, mesmo sabendo que sua prática é racista, continua fazendo, sem se importar com o outro”. Vidal conta que mesmo o Brasil tendo a maior parte da população de negros, estes, ainda continuam sofrendo e sendo marginalizados pela sua cor. Além disso, frases como “preto parado é suspeito e correndo é ladrão” soa como normalidade para muitos e não tem importância para outros. “Nesse Brasil o racismo é escancarado, aqui se mata pela cor! O racismo em nossa sociedade começa quando ouvimos: “Nossa! Que negra com traços de brancos”, aqui impera o ódio. Nesse país tro-
pical, abençoado por Deus, morre um jovem negro a cada 23 minutos, segundo a Organização das Nações, Unidas” completou o sociólogo. Quando o trailer de Cara Gente Branca foi lançado, causou frisson negativo nos EUA– a população não apenas boicotou a produção como fez questão que ela fosse tirada do ar. Não permitir que exista é uma mensagem enfática e direta e significa que as camadas de significação foram potentes o suficiente para incomodar racistas, sendo assim, há algo certo. Ana Paula acredita que isto tenha acontecido por um único motivo, “Acredito eu que seja porque as pessoas brancas não querem enxergar o racismo que vive não só nelas, mas na sociedade de modo geral. Afinal, nós somos assim, não gostamos de sair da zona de conforto e nos propor a pensar sobre nossos próprios erros, entretanto é necessário. ” Ela ainda completa enfatizando sua opinião acerca da série “Na minha visão, (a série) cumpre e colabora com este papel, o papel de fazer pensar e repensar ações e situações em que a desigualdade racial deveria ser nítida”. Créditos: Reprodução
Ficção não se distancia da realidade, como narra a jovem Ana Paula Ricardo, de 21 anos, que é graduanda em direito e afirma sobre as tensões vividas dentro da universidade. “A tensão racial no ambiente acadêmico existe e pode ser percebida de forma clara com o mínimo de esforço. Quantos são os nossos professores negros, autores negros, colegas negros, quantos textos e temáticas com recorte racial temos em nossos cursos de graduação por semestre, ou em 4/5 anos? Jovens negros, em sua maioria, encontram-se em situação de pobreza e vulnerabilidade, e como o ambiente acadêmico tem nos acolhido quando enfim conseguimos adentrar à universidade? Digo com muita clareza que simplesmente não acolhe. Basta uma pesquisa rápida na internet para entendermos como as reitorias e coordenações tem lidado com as denúncias de racismo atualmente, como muitas vezes os próprios professores colaboram com a intolerância racial seja permitindo que alunos sejam racistas, seja sendo racista! A falta de representação e acolhimento no ambiente acadêmi-
O quinto episódio da primeira temporada expõe a violencia policial contra os negros
18
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
17-19 - Cara Gente Branca.indd 18
Diagramador(a): Catherina Dias
27/03/19 10:27
Racismo
Apesar de ser ficção, a trama segue uma linha bem real do cotidiano, principalmente dos brasileiros. O preconceito reverso muitas vezes tem sido utilizado para justificar o preconceito contra os negros – o que na verdade chega a ser cômico, dada a história do nosso país. Segundo Ana Paula, quando falamos de preconceito, estamos falando de mais de séculos de injustiça e dívida - “qualquer ser humano que nasceu depois disto tem o dever de colaborar para a construção de um novo roteiro, uma nova história e não perder tempo tentando mudar o rumo de uma questão tão importante, criando situações inexistentes, como é o caso do preconceito reverso. ”
“As pessoas brancas não querem enxergar o racismo que vive não só nelas, mas na sociedade de modo geral” Ana Paula Ricardo Quando questionado sobre o preconceito reverso, o professor e sociólogo afirma ser estranho falar de preconceito reverso em um país com a população em sua maioria formada por pessoas negras, sendo que o sistema de opressão é oriundo de pessoas brancas. “Como falar de preconceito reverso sendo que os melhores empregos e a elite brasileira é formada basicamente pela população da cor branca; o poder institucional parte deles. Como irei explicar para um negro da área periférica de qualquer cidade que se ele chamar o “playboy” da zona sul, que estuda nas melhores escolas, que anda de carro blindado de “bran-
Diagramador(a): Catherina Dias
17-19 - Cara Gente Branca.indd 19
quelo” ele está sendo preconceituoso? Racismo é um sistema opressor famigerado e para que o mesmo aconteça deve haver um sistema de poder, no qual o negro não está inserido”, analisa Vidal. Durante os episódios da série também se discute sobre a liberdade de expressão sendo usada para promover o discurso de ódio e racismo. A liberdade de expressão é um direito de indivíduo de manifestar seus pensamentos pessoais sem medo de censura ou retaliação, já o discurso de ódio se resume em uma comunicação que inferioriza um determinado grupo, tendo em base suas características, ou seja, a opinião não pode afetar negativamente o outro. Hoje a internet está se tornando o berço do discurso aleatório do ódio e do preconceito, disparam palavras negativas uns contra os outros. Quando questionada sobre a liberdade de expressão sendo usada para promover o ódio, Ana Paula diz que prefere se silenciar diante destes discursos, pois grande maioria das postagens em redes sociais acaba se
tornando desgastantes de diversas formas para a sua saúde mental, “Obviamente é algo muito difícil de lidar, pois além de negra, também sou mulher, jovem, universitária e LGBTQ+; logo os desafios por estar ocupando estes espaços são diários,
e, por uma questão de autocuidado e proteção muitas vezes temos que assumir posturas diferentes das que acreditamos serem as mais eficazes, como, por exemplo, o silêncio e a reclusão. Estar presente nas redes sociais aberta a todo esse ódio e racismo é algo difícil de filtrar. ”
Racismo A “Dear White People”, tráz essa questão do racismo, questões como minorias sociais e o ataque de policiais às pessoas negras, racismo velado e outras configurações do mesmo - na verdade é como se todos gritassem “socorro, estou aqui”. Devemos incansavelmente discutir sobre o racismo, ainda mais nas escolas, onde a população negra ainda em pleno século XXI se mantém distante das classes escolares, dos melhores cargos dentro de uma sociedade. Devemos caminhar através da equidade e da não supremacia branca, assim iremos rompendo e derrubando os muros que nos prendem. Precisamos combater qualquer tipo de discriminação, independentemente de como se configura, se é velado ou não. E não podemos esquecer que, quando seu sorriso depender de um choro, não é brincadeira. É crueldade!
Crédiitos: Divulgação
Discriminação
- RepoRtagem
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
19
27/03/19 10:27
RepoRtagem - Fones de ouvido
A GERAÇÃO QUE NÃO OUVE Os problemas relacionados ao uso indevido dos fones de ouvido, e como evitá-los Por Franklin Bellone Borges
Quem nunca voltou para casa correndo para pegá-los, ou se desesperou quando percebeu que que os esqueceu em casa em meio a uma longa viagem? Os fones de ouvido se tornaram algo indispensável no dia a dia de várias pessoas. Mas o seu uso, se feito de maneira indevida, pode causar problemas irreversíveis. De acordo com pesquisas realizadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), 1.1 bilhão de jovens e adolescentes possuem o risco de perdas auditivas irreversíveis devido à exposição a valores sonoros prejudiciais à saúde. Foi
20
constatado que cinquenta por cento das pessoas com idades que variam entre 12 e 25 anos de idade estão expostos diariamente a níveis de som prejudiciais em seus fones de ouvido, correndo o risco de perderem a suas capacidades auditivas a curto e longo prazo. De acordo com especialistas e profissionais da área, hoje em dia a necessidade do uso de Aparelhos de amplificação sonora em jovens cresceu muito devido a usos indevidos dos fones de ouvido. O número cresceu de maneira que superou atualmente os casos em que o aparelho é ne-
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
20-21 - A geração que não ouve.indd 20
cessário em idosos. E este é só o começo. Ao ser usado de maneira indevida, o aparelho pode causar diversas complicações, além da perda auditiva, como o zumbido, este que pode afetar a qualidade de vida e a capacidade de realizar atividades do dia a dia, bem como acarretar depressão, ansiedade e insônia. Para esclarecer dúvidas e responder várias questões relacionadas ao problema, contamos com a ajuda da Fonoaudióloga Clínica e Especialista em Audiologia, Dra. Maria Aparecida Chaves de Oliveira.
Diagramador(a): Catherina Dias
27/03/19 10:26
Fones de Ouvido Volumes de som prejudiciais? De acordo com a Sociedade Mineira de Otorrinolaringologia, a exposição prolongada e a intensidade do ruído estão diretamente relacionados à perda de audição, sendo que para ruídos acima de 85 dB a exposição necessária seria de 8 horas. “Para cada 5 dB aumentados, a exposição do ruído deve diminuir pela metade, ou seja, 90 dB por apenas quatro horas de exposição. 95 dB apenas duas horas e para 110 dB a exposição deve ser de apenas 15 minutos”, alerta a doutora. Ela oferece algumas dicas para identificar e se prevenir contra os problemas: “O uso ideal é que o volume daquilo que você está ouvindo fique na metade do volume máximo do seu aparelho. Uma dica: coloque o fone na sua palma da mão e deixe-a a uma distância de um palmo do seu peitoral, se não conseguir ouvir o som, este é o volume ideal.” “O excesso de ruído leva à perda de audição que chamamos de PAIR (Perda auditiva induzida por ruído), pela exposição prolongada, geralmente ocupacional e TA (Trauma acústico), por exposição súbita e intensa, como casos de tiros, fogos de artifícios. Essas perdas são irreversíveis sendo necessário o uso de AASI (aparelho de amplificação sonora individual), uma vez que lesa as células ciliadas que não são renováveis pelo organismo.”
O Modelo ideal? No mercado hoje em dia existem vários modelos de fones de ouvido, do mais simples ao mais sofisticado. Os modelos podem ser divididos em 4 categorias: Circumaural ou over-ear(em torno da orelha): Mais conhecido como headphone, podem ser fechados, abertos ou semiabertos, isolam o som externo e possuem apoios de espuma localizados em torno de toda a orelha do usuário. Supra-aural ou on-ear (sobre a orelha): apresentam
Diagramador(a): Catherina Dias
20-21 - A geração que não ouve.indd 21
-se em cima da orelha e não isolam o som externo de maneira efetiva devido ao seu posicionamento, alguns podem causar desconforto aos usuários após o uso prolongado. Para os modelos. in-ear (dentro da orelha), existem dois tipos: auricular e intraauricular, eles são projetados para se encaixarem à orelha do usuário e emitir o som ao canal auditivo. Auricular ou earbud (gomo de orelha): São os modelos mais comuns de fones, e são frequentemente encontrados em conjunto a aparelhos celulares. São colocados na concha do ouvido externo, na entrada do conduto auditivo. Intra auricular (in-ear): O in-ear intra-auricular, intra-canal ou canalphones proporcionam um maior isolamento acústico por serem inseridos no canal auditivo. Possui uma qualidade sonora superior aos modelos earbug devido ao isolamento sonoro. Não é adequado para o uso em atividades nas quais o usuário deva ficar atento a sons ambientes como, por exemplo, durante praticas esportivas, mas o seu uso é aconselhado, principalmente para músicos já que o in ear atenua até 26 dB enquanto o músico está exposto ao ruído. Ele protege muito a audição e a saúde vocal, já que permite ao músico se ouvir melhor e não precisar gritar tanto. Mas o modelo faz diferença? Para a Dra. Maria Aparecida, sim. Mas ela não se esquece de deixar claro que o mais importante é a prudência quando for usar o aparelho: “Não adianta usar over-ear ou on-ear em alto volume”
“Não adianta usar over-ear ou on-ear em alto volume”
- Reportagem COMO SE PREVENIR
Para evitar estes e outros problemas é aconcelhavél que o portador do aparelho siga certas recomendações: • Dar um descanso às células ciliadas de pelo menos 14 horas. • Utilizando o fone de ouvido, ouvir a música em baixa intensidade, os outros não precisam ouvir o que você quer ouvir. • Não usar o fone de ouvido por períodos muito longos. • Se trabalha em lugar ruidoso, fazer uso de EPI (equipamento de proteção individual). • Não emprestar. Você pode pegar micose ou outros problemas por usar o fone de outra pessoa. • Higienizar sempre o fone. Apesar das recomendações é importante ter em mente que: “caso perceba qualquer alteração em sua audição é necessário a procura de um otorrinolaringologista”, alerta a Especialista em Audiologia.
Dra. Maria Aparecida Chaves e Oliveira Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
21
27/03/19 10:26
Quando ela não quer se casar Novo estilo de vida. Entenda quais motivos levam uma mulher a não querer se casar
Créditos: Gustavo Marialva
Por Lizandra Andrade
22-26 - Quando ela não quer casar (CONTRACAPA).indd 22
27/03/19 10:21
Capa “Ela quer bancar a própria vida, ser livre e dona de si. Ela se aceita e parou de querer ser aceita. Ela não busca ser o amor perfeito e nem busca um lugar na vida de alguém. Ela se preenche, é plena, suficiente e feliz”. Não pude encontrar outras palavras para começar a escrever essa reportagem, a não ser pela citacao do escritor e poeta Alexandre Nolleto, Instagram. Essa passagem descreve a personalidade de inúmeras garotas com quem conversei. A partir de agora vocês vão ler histórias de mulheres jovens, independentes, seguras e que não enxergam o casamento como prioridade em suas vidas. Sim, elas existem e embora ainda sejam minoria, esse movimento de mulheres que, por enquanto, não querem subir ao altar ganha cada vez mais adeptas. “O casamento é constituído por duas pessoas diferentes, que têm os pensamentos opostos e, para mim, hoje em dia as pessoas se casam já com intenção de se separar, pois não sabem lidar com opiniões diferentes”, afirma a auxiliar de produção
Jéssica Taís, de 20 anos. Para ela o matrimônio requer muita dedicação e responsabilidade, algo que nenhuma das partes quer assumir. “Por isso, estou focada mais em mim, em meus estudos e trabalho”, completou. Atualmente, Jéssica divide o teto com mais seis pessoas e são eles: mãe, padrasto, irmão, irmã, sobrinha e cunhado. Ela e a irmã são frutos do primeiro casamento, que durou cerca de 20 anos. Seus pais são separados há 17 anos, e um dos motivo que ela atribui a essa separação foram os pensamentos opostos. “Meus pais se separaram de forma amigável, por isso não sofri tanto. Isso também me deu a possibilidade de ser criada de forma livre”, disse. A perda da liberdade também é um dos fatores que está levando a garota a, por enquanto, não comprometer-se seriamente com alguém. “Não ficaria com um cara que me colocasse regras e que falasse o que devo vestir, se devo me maquiar ou não, pois ele já me conheceu de uma forma”, contou a jovem.
- Reportagem
Compreendendo esse tipo de pensamento, o professor e psicólogo Lucas Albertoni explica que esse tipo de atitude é normal e que ela pode ser notada tanto em mulheres quanto em homens. “Creio que esse receio se deu pela transformação que houve na intimidade, pois as pessoas não querem viver e se dedicar a esse comprometimento, pois essa transformação gerou a possibilidade de que as pessoas não sejam obrigados a estar com a outra pro resto da vida”, explicou.
“Não ficaria com um cara que me colocasse regras e que falasse o que devo vestir, se devo me maquiar ou não” Jéssica Taís
Créditos: Arquivo Pessoal
A transformação nos relacionamentos afetivos resultou num brasileiro que se casa menos, divorcia mais ou se casa tarde. De acordo com uma pesquisa, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2012 o número de solteiros, mas que viviam de forma informal eram de 57%. “As pessoas não deixaram de se unir e de viver a conjugalidade, pois quando uma pessoa sai a noite e fica com 10 ou 15 e depois vai para um motel, é uma forma de conjugalidade”, explicou o psicólogo.
De geração em …
Thaynara e seu amigio Pedro Zimer, só pensam em curtir a vida
Diagramador(a): Lizandra Andrade e Maria Rita Pirani
22-26 - Quando ela não quer casar (CONTRACAPA).indd 23
O casamento faz parte da vida de alguns e existem pessoas que se casam ao menos uma vez na vida. A nossa segunda história vai mostrar
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
23
27/03/19 10:21
Reportagem - Capa como a experiência vivida no casamento pode influenciar na decisão de ficar solteiro para o resto da vida. “Casar e morrer é uma vez só”. É assim que a aposentada Maria Perpétuo Socorro de Paulo, no auge dos seus 72, pensa até hoje. Sempre à frente de seu tempo, sendo diferente das garotas que se casavam aos 16, dona Perpétua, não cedendo à pressão social da época, adiou o matrimônio para os 24 anos. Então, em 26 de julho de 1969, ela subiu ao altar. A cerimônia simples foi voltada apenas para os familiares e amigos, em um Sítio na Cidade de São José do Goiabal, interior de Minas. “Foi bonito, teve um cafezinho, bolo, para nós foi uma festança e estávamos felizes e apaixonados”, contou Porém, lindo não foi o que ela viveu em 19 anos de casada, pois a aposentada se casou com um homem machista, ciumento e autoritário. “Ele não era um homem muito bom, muito menos um bom pai. Não judiava das crianças, mas também não era um pai de dar carinho”, disse. A união lhe rendeu sete filhos e com a perda do esposo, em 13 de abril de 1989, dona Perpétua resolveu não se unir a mais ninguém. Sozinha, ela conseguiu cuidar dos filhos, sem depender de ajuda, pois enquanto os mais velhos vieram parava Capital, os mais novos tiveram que aprender a lidar cedo com a vida dura do campo. “Nunca tivemos medo do trabalho”, disse Os anos se passaram, os filhos cresceram e cada um tratou de constituir sua família. Eles até a encorajaram a tentar se unir com outro, mas ela não quis. Atualmente, ela segue independente, porém divide o aluguel com sua irmã mais velha, que também é viúva, em uma casa de seis cômodos. O ambiente é tranquilo e aconchegante, mas nada de solidão, pois a vida de ambas é su-
24
per animada. “Sempre mantemos a nossa cabeça ocupada. Eu, por exemplo, faço caminhada todas as manhãs, vou à missa aos domingos”, disse.
“Quando fiz 18 anos, entendi que sou a única e responsável pelas minhas escolhas e felicidade” Thaynara Andrade Novos valores
Créditos: Juliana Pessoa
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
22-26 - Quando ela não quer casar (CONTRACAPA).indd 24
A vivência por quatro anos em um relacionamento abusivo fez com que a lojista Bárbara Brumano Reis, de 25 anos, esquecesse por enquanto a busca por um príncipe encantado. “De cara foi no meu primeiro relacionamento. Ele me restringia em tudo, desde roupas até emprego. Sofri demais achando que era normal”, contou. Cansada de viver nessa situação, a moça, de personalidade forte, chutou a bunda do rapaz e decidiu tomar um tempo pra si, tanto que hoje em dia vive a vida de solteira sem nenhum problema. Ela trabalha dia todo e faz curso à tarde, robótico, mas o que torna sua rotina mais interessante é a vivência com as pessoas ao longo do seu dia. Nos fins de semana, sai com os amigos e viaja sempre que possível. Essa forma leve de viver foi ensinada por duas mulheres guerreiras, a mãe e a avó. “Elas me criaram para não ser submissa nem dependente. Não conheci meu pai, pois ele abandonou
Diagramador(a): Lizandra Andrade e Maria Rita Pirani
27/03/19 10:21
Capa Créditos: Arquivo Pessoal
Marco já pensa em casar
por isso”, contou. Além disso, a jovem estava prestes a entrar em um relacionamento abusivo e, felizmente, se livrou antes que a coisa se tornasse seria. “Estava prestes a entrar em um cárcere. Conheci uma pessoa durante três meses e o lado negativo dele pesou mais na balança. Passei vários perrengues e, após isso, abri os meus olhos e descobri que não era obrigada a viver daquela forma”, disse.
rência muito direta de afirmar que um dos motivos de uma garota não querer encarar um relacionamento sério seja o relacionamento abusivo. Fazer essa relação é pura hipótese, não sendo condizente com a realidade, mas uma pressuposição”, avaliou. Para ambos os casos o especialista prefere se aprofundar, de maneira individual, com a pessoa. “Essas questões não podem ser compreendida sem ouvi-los”, finalizou.
“Uma mulher segura é uma mulher imbatível”
A sociedade vem sempre com uma tentativa de fazer as pessoas se encaixarem em um padrão, tanto que sempre está nos ditando regras sobre o que vestir, comer e até mesmo em nossas relações afetivas. Se está solteira, por que não namora? Se namora, é hora de casar, se está casada, tenha um filho, se já tem, por que não ter dois. E quando aparecem garotas que quebram esse ciclo, elas são bem vistas, principalmente pelos homens e, sejamos sinceros, os rapazes gostam de desfilar por aí ao lado de uma mulher de atitude e boa parte da ala masculina torce para en-
Warlon Ramalho Por isso, a jovem está curtindo a vida ao lado dos amigos, sai, bebe, fica, e até mesmo sozinha, pois gosta de ir ao cinema, museus e praças. “Quero conhecer os lugares, quero ser livre e poder namorar muito, e se não der certo, quero poder terminar”, disse. Quanto a dizer que o relacionamento dos pais pode influenciar uma garota em suas relações pessoais, o psicólogo Lucas avalia que esse comportamento é na verdade um receio de a mulher querer repetir os padrões dos pais. “Não é necessariamente medo da conjugalidade, pois isso tem mais a ver com a relação com os pais e há pessoas que de fato preferem não ter algumas vivências, para não correrem o risco de viver as mesmas coisas que os pais. Isso não é uma regra para a maioria das pessoas”, explicou Quanto ao relacionamento abusivo, o especialista volta a frisar o medo de se relacionar. “Também acho que é uma relação em interfe-
Diagramador(a): Lizandra Andrade e Maria Rita Pirani
22-26 - Quando ela não quer casar (CONTRACAPA).indd 25
No olhar dele
Créditos: Arquivo Pessoal
a mim e minha mãe, então, grande parte da minha dificuldade de me relacionar vem disso”, contou. Não que a lojista não queira se relacionar, ela só não busca ativamente por um par. Se aparecer, apareceu, mas o sortudo terá que valer pena, pois primeiro vem trabalho e estudo. “Está difícil encontrar alguém que se disponha a acrescentar, ao invés de impor, pois eu não me canso de mudar. Iniciei mais um curso e não estou disposta a largar a minha carreira e sonho por ninguém”, disse. Na mesma vibe, Thaynara Andrade, de 21 anos, conta que ser solteira não é sinônimo de solidão, mas é um tempo para se conhecer. “Quando fiz 18 anos, entendi que sou a única e responsável pelas minhas escolhas e felicidade. Decidi ficar sozinha para poder me conhecer melhor”, disse. A decisão da jovem não veio por acaso e apesar de ter crescido em um ambiente no qual ouvia de seu pai “namoro é pra casar”, ela traçou o seu destino baseado na relação de seus pais. “Atualmente, os meus pais estão se desgastando, empurrado com a barriga um relacionamento que não dá mais certo. Meu pai é extremista e não quero ter que passar
- RepoRtagem
Bárbara está investindo em si mesma Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
25
27/03/19 10:21
22-26 - Quando ela não quer casar (CONTRACAPA).indd 26
“Ih! Vai ficar para titia”
“Vou não! Já sou tia e todo amor que tenho faço questão de distribuir com os meus sobrinhos”
“Ninguém nasceu para ficar sozinho! Todo mundo se casa”
“Como já dizia a minha mãe ‘Eu não sou todo mundo’
“Ué, mas você não curte a fruta? É lésbica?”
“Para esse tipo de comentário, eu nem me dispondo mais a responder, pois já passei a ignorar. Simplesmente, fecho os meus olhos”
Créditos: Gustavo Marialva
contrar uma esposa assim. “Uma mulher segura é uma mulher imbatível”, a frase cheia de efeito foi dito por Warlon Ramalho, de 22 anos, que prefere ficar com mulheres independentes e seguras de si. “Elas têm a mente mais aberta e não são infantis. A propósito, elas também são seguras e não precisam ouvir que são lindas, pois já sabem que são, e só chega arrasando”, completou. Solteiro, Warlon procura por uma mulher que divida com ele as responsabilidades de um relacionamento, mas se ele se deparar com uma mulher que só quer curtição, sem problemas, paciência. “Casamento é uma escolha, se ela não quiser, isso só diz respeito a ela que sabe o que é melhor pra si”, disse. Compartilhando da mesma ideia, Marco Aurélio Brandão, operador de máquinas, de 25 anos, há um ano e meio vem jogando indiretas sobre casamento para sua namorada e todas as tentativas têm sido em vão. “Minha namorada tem uma personalidade muito forte, e eu a admiro. Primeiro ela pretende terminar faculdade, concluir o estágio e conseguir um bom emprego. Esse é o motivo dela sempre negar falar sobre casamento”, disse. Marco sempre foi discreto em seus relacionamentos e nunca foi de ficar com muitas meninas. Comparando a atitude dos homens, em ser pegador, com mulheres que têm a mesma atitude, ele não repudia, mas também não concorda. “Ninguém nasceu para ficar sozinho e por eu não ter essas atitudes, acredito que tenha que ter uma organização”, explicou. Segundo o psicólogo Lucas, se um homem pensa que uma mulher, mesmo solteira, deve ser comportada, é considerado machista. “O valor que está sendo pregado é o de liberdade, e se torna fácil falar da liberdade que eu quero, mas difícil lidar com a liberdade do outro. Isso é tanto para homens e mulheres, mas acredito que para homens seja mais difícil, porque a sociedade ainda sim é machista”, finalizou
27/03/19 10:21
INSÔNIA
- REPORTAGEM
Hábitos, rotinas, preocupações diárias contribuem para a perda da ideal boa noite de sono além de trazer sérios problemas para a saúde Por Pollyana Gradisse
Diagramador(a): Pollyana Gradisse
27-29 - O que te tira o sono.indd 27
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
27
27/03/19 10:26
“O ato de dormir bem ou dormir mal influencia aspectos cognitivos como atenção, percepção, memória...” Danielle Rezende O cérebro Os pontos citados pela psicóloga são cruciais para nosso bem estar; afinal, um terço de nossas vidas passamos dormindo. Nosso cérebro, após o adormecer, tem um trabalho muito maior se comparado a quando estamos acordados. Através de pesquisas realizadas nos Estados Unidos, a revista científica Current
28
t / Fr pock e Créd itos: Vecto r
Mente e corpo, ambos cansados? O cotidiano frenético tem contribuído para isso? Se sim, você faz parte de milhões de brasileiros que, assim como você, estão enfrentando problemas para manter o equilíbrio entre físico e mental. Segundo dados do Hospital Albert Einstein, mais de 2 milhões de pessoas por ano sofrem com a perda de sono. Dormir bem tem se tornado cada vez mais difícil com uma rotina intensa, aliada à falta de tempo. A correria diária carrega, além de maus hábitos, preocupações, medos e ânsias, o principal: sua saúde. Danielle Rezende, psicóloga, explica que são inúmeros os prejuízos quando se há dificuldade para dormir. “O ato de dormir bem ou dormir mal influencia aspectos cognitivos como atenção, percepção, memória... Sendo assim, uma noite mal dormida pode prejudicar ações do dia a dia e ampliar o estresse, por exemplo”.
eepik
REPORTAGEM - INSÔNIA
ÔN Falt IA pro a de l s ado ongad ono; d a r de mece e ano ificuld dor a r mir ; inc rmal p de ass a oni adequ pacid ara a, in a a son dame de n olê nci te; a
Biology concluiu que, a partir do descanso, nossa mente consegue processar informações complexas, preparar ações e até tomar decisões inconscientemente. Enquanto você dorme seu cérebro cria e consolida memórias, estimula a criatividade, elimina toxinas, torna o conhecimento fixo, recordando todas as atividades motoras produzidas durante o dia.
Bloqueio do descanso O estudante Bruno Camini, 24 anos, conta que passou e passa por várias situações em que a insônia atrapalha o seu dia. “Se eu for viajar ou estiver com raiva, preocupado, véspera de prova na faculdade, principalmente quando a prova é muito importante, eu tenho insônia. Depois de dormir mal, fico lerdo o dia todo, com vontade de dormir, até tento para compensar, mas não consigo”.
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
27-29 - O que te tira o sono.indd 28
INS
Já Ângela Maria, costureira, 39 anos, por falta de dormir tomou remédios para auxiliar. “Toda situação que me deixa aflita já se torna motivo para não dormir. Quando meu pai faleceu, eram crises constantes, minha memória simplesmente sumiu, tomei medicamento por 2 anos para ajudar a dormir. Hoje, durmo de 4 a 5 horas por noite, para mim está ótimo. Comecei a ter problemas com o sono desde criança”. Para explicar as distintas situações, Danielle fala que a insônia só é o resultado de algo que a pessoa está sentindo. “No geral, a insônia surge causada por um problema psicológico, ou seja, como consequência e não como causa. Quando a pessoa está com dificuldades no sono, em muitos casos, ela já está passando por outras questões psíquicas que a tem afetado e assim, produzindo diversos prejuízos como essa falta de sono”. Ela ainda acrescenta a importân-
Diagramador(a): Pollyana Gradisse
27/03/19 10:26
INSÔNIA cia da psicologia no ramo de pesquisas e tratamentos sobre os distúrbios do sono. “A psicologia é uma ciência que surgiu com a preocupação em tratar os problemas psicológicos e, conforme o passar dos anos, ampliação de antigos problemas e surgimento de novos, ela também vem se atualizando e produzindo estudos sobre esse e outros ramos da mente”, afirma.
Distúrbios do sono A Medicina do Sono chegou ao Brasil na década de 1980. Trata-se de uma especialização na área de estudos e pesquisas do sono. Essas atividades têm como objetivo diagnosticar e tratar os mais de cem transtornos do sono descobertos até hoje, dentre os mais
comuns - insônia, roncos, apneias. Em Belo Horizonte, há a Clínica do Sono que oferece esse tipo de acompanhamento a qualquer pessoa que sofra com alguma síndrome do sono através de avaliação e encaminhamento a um tratamento mais eficaz. Um distúrbio ou mais, por exemplo, são geralmente descobertos por um exame chamado Polissonografia - o sono do paciente durante a noite é monitorado e acompanhado por um profissional que, por meio de eletrodos conectados, consegue verificar ondas cerebrais, respiração, oxigenação e assim diagnosticar quantos, quais e principalmente o grau de gravidade e consequência do(s) transtorno(s) para a sua saúde, definindo tam-
- REPORTAGEM
bém o método mais adequado para sua melhora.
Tratamento Além dos recursos da medicina atrelados à tecnologia, há outras formas eficazes de tratamento das “doenças modernas”, como destaca a psicóloga Danielle. “O estresse, a ansiedade, entre outros, são problemas tratados através da psicoterapia. Nela o psicólogo irá auxiliar a pessoa a superá-los de acordo com técnicas e abordagens específicas que dependerão de cada psicólogo e de cada caso”, disse. Contar carneirinhos talvez não resolva mais. Procure estar sempre em equilíbrio entre a saúde do corpo e mente e o mais importante: bons sonhos!
Créditos: Pollyana Gradisse
PARA UMA BOA NOITE DE SONO
Diagramador(a): Pollyana Gradisse
27-29 - O que te tira o sono.indd 29
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
29
27/03/19 10:26
Reportagem - Estresse
SERVIDÃO MODERNA:
ESTRESSE
OCUPACIONAL
Projetado por Freepik
Segundo a pesquisa realizada pela Regus, 60% dos entrevistados disseram que sofrem com irritação, tristeza, desânimo ou cansaço por causa do trabalho Vitória Marques 30
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
30-37 - Servidão moderna estresse no trabalho.indd 30
Diagramador(a): Vitória Marques
27/03/19 10:18
Estresse Numa conversa entre amigos, numa reunião com os familiares e até mesmo na mídia, seja ela de entretenimento ou informacional, o estresse e outras doenças mentais sempre estão presentes no que se diz respeito ao trabalho. De uns anos para cá, estresse e trabalho estão se tornando sinô-
Diagramador(a): Vitória Marques
30-37 - Servidão moderna estresse no trabalho.indd 31
nimos. De acordo com a pesquisa Isma-BR, representante local da International Stress Management Association, 9 a cada 10 brasileiros apresentam sintomas de ansiedade. O Ministério da Previdência Social alertou que, na última década, o número de auxílio doença aumentou em, aproximadamente, 20
- Reportagem
vezes para tais problemas. Embora os transtornos mentais e emocionais sejam a segunda maior causa de afastamento e os custos para os tratamentos sejam maior que com diabetes e/ou câncer, as empresas não investem em um programa para a saúde mental dos operários.
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
31
27/03/19 10:18
Reportagem - Estresse Como chegou a esse ponto? Após dados tão gritantes, o que resta é a questão de como a sociedade chegou a este ponto, mas na verdade não há resposta exata. O estresse é uma “mera” consequência de inúmeras variáveis, que começaram muito antes do século XXI. A contínua busca pelos valores da sociedade, as expectativas, o status, corresponder aos padrões, entre outros, são fatores simbólicos que também interferem na saúde mental. As questões mercadológicas também tomam grande parcela das entrelinhas. Que o país está em péssima situação econômica, todos já estão cansados de saber, mas o reflexo disso no agendamento das mídias, ainda é muito pequeno. As empresas querem cortar os gastos e as pessoas precisam trabalhar, o resultado é claro: não só haverá muitas demissões, como aqueles que restarem irão receber a mesma coisa, um pouco a mais ou até menos que antes, para exercer o próprio cargo e as tarefas que eram dos outros. Ou seja, um dos quesitos mais importantes para conseguir uma vaga ou permanecer na mesma é a polivalência. “Fazer as tarefas dos outros não é o que mais me estressa. O mais estressante é estar em cargo de chefia e assumir responsabilidade pelo que outras pessoas fazem, pois, quando não agem de forma competente e responsável as consequências recaem sobre mim.”, explica Maria Lúcia Cavalieri França Nogueira, Coordenadora Geral da Associação de Proteção ao excepcional. A coordenadora explicou também que trabalha há 32 anos no mesmo lugar, que já passou por várias fases de estresse no trabalho e teve que ser afastada por algum tempo.
32
Durante uma crise econômica, todos temem ser despedidos. A cobrança aumenta e em seguida se transforma em estresse ocupacional
Alguns especialistas apontam que o estresse vem também dessa era de hiperconectividade. O grande volume de informação exige do cérebro maior “potência”; afinal, se você não está antenado às notícias, ao email, às redes sociais, às novas modas, em que mundo você
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
30-37 - Servidão moderna estresse no trabalho.indd 32
está? Ou então, se você “só” trabalhou hoje, fez pouquíssimas coisas. A sociedade chega a querer que o dia tenha mais horas para conseguir colocar tudo em dia.
As consequências do excesso do trabalho
Diagramador(a): Vitória Marques
27/03/19 10:18
Estresse Projetado por Freepik
O excesso do trabalho implica estresse, que, por si só, não constitui uma doença. Na verdade, ele atua como a causa, pois ele é o desgaste da mente, ou seja, todas aquelas variáveis citadas neste texto são as consequências da fadiga do cérebro. No âmbito econômico, o estresse irá gerar improdutividade, des-
Diagramador(a): Vitória Marques
30-37 - Servidão moderna estresse no trabalho.indd 33
conforto, revolta e procrastinação. No outro extremo, pessoal, encontramos doenças mentais, como ansiedade, depressão, síndromes, e também hipertensão e distúrbios de sono. Alguns especialistas afirmam que o sujeito pode chegar até a utilizar drogas, o famoso “happy hour”. Barbara Souza, psicóloga da
- Reportagem
Associação de Proteção a Infância e Assistência Social Instituto São Jerônimo, conta que a procura por tratamento psicológico vem aumentando sim. A ansiedade e o estresse e outros sintomas são causados não só pelo trabalho, mas também pelo excesso de tarefas nas escolas, faculdades e até mesmo conflitos e por questões intrafamiliares.” Para ela, o estresse no trabalho está associado à lógica do mercado e ao sistema capitalista, que submete os empregados a regras e exigências. “Acredito que a enorme cobrança exercida pelo mercado de trabalho e também a demanda de profissionais altamente qualificados, assim como também a alta cobrança das próprias pessoas, já causam um efeito no qual mais cedo ou mais tarde irá trazer resquícios de algum tipo de transtorno mental. Numa vez que algo que nos incomoda, se não for tratado, só leva a um sofrimento cada vez maior. A ansiedade tem questões individuais para cada um de nós. A ansiedade vista em uma situação por uma pessoa pode não ser uma situação limite para gerar algum sintoma ansioso em outra”, complementa, Souza. Outras questões já abordadas nesse texto, como as crenças, cultura, vivências, etc, podem gerar doenças mentais, segundo a psicóloga. O estresse, e nessa palavra coloca-se também outros conceitos como ansiedade e demais distúrbios, gerado pelo trabalho deve ganhar mais atenção não só de quem trabalha, mas também de quem emprega. As empresas devem preocupar-se com o bem-estar dos operários e não só vê-los como números e potenciais “batedores de metas”. Esse aumento na procura por ajuda profissional por causa do estresse ocupacional é um grande
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
33
27/03/19 10:18
Foto Arquivo
Reportagem - Estresse
“Embora tivessem mais flexibilidade que outras empresas de telemarketing, naquela época, eles eram muito rígidos com horários. Excepcionalmente na questão de ir ao banheiro e nas pausas. Banheiro era questão, de no máximo, 5 minutos e, se passasse disso, o supervisor ia até a cabine para ver o que estava acontecendo” Lima
Robespierre Sousa de Paulo Lima, 17 anos
34
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
30-37 - Servidão moderna estresse no trabalho.indd 34
Diagramador(a): Vitória Marques
27/03/19 10:18
Estresse
- Reportagem Projeto por freepik
aviso para as empresas buscarem formas de transformarem o ambiente de trabalho em um meio mais confortável e que não prejudique a saúde mental e/ou física dos empregados.
A servidão moderna As pessoas precisam abdicar da vida pessoal. É a escravidão moderna. Na grécia antiga o trabalho era um dos valores do homem. Entretanto, o mais importante seria o tempo ocioso, pois é neste momento que o ser humano poderá refletir. O trabalho tem tirado do homem todo o tempo hábil da esfera da liberdade, muitas vezes as pessoas se submetem a longas horas de trabalho e quando não é possível terminá-lo, levam-no para casa. “Isso afeta a relação com as pes-
soas no trabalho e fora dele, inclusive a relaçào familiar. A gente se sente cansada e desanimada para fazer coisas habituais, sem motivação, com uma constante sensação de fracasso e impotência.”, complementa Cavalieri. Como afirmado acima, as empresas não têm o hábito de investir na saúde psicológica dos seus operários, por isso, a coordenadora buscou ajuda de psicologos e psiquiatras para resolver problemas institucionais. Robespierre Sousa de Paulo Lima começou trabalhando como atendente de telemarketing durante 1 ano, aos 17 anos, e conta que sua experiência, desde o início, foi estressante e acha que teve sorte, pois na época era uma empresa renomada e com as políticas até
“boas”, mas todo trabalho de telemarketing é estressante, principalmente, tratando de telemarketing. “Cobrança tem sempre. Cobrança de equipe, cobrança de supervisor, tem alguém sempre cobrando o supervisor e outra pessoa que cobra a pessoa que cobra o supervisor. É um trabalho cheio de exigências o tempo inteiro. O que sempre gerava estresse, pois o tempo todo vinha alguém pedindo para bater meta e para desenvolver ligações.” A Servidão Moderna foi criada sob os próprios conceitos da sociedade, que, por sua vez, acreditou no sonho americano. Isso aconteceu porque as pessoas são induzidas às visões de lucro dos empresários no capitalismo. Procurando por um grande emprego e uma boa vida, elas ficaram subordinadas ao
Projeto por freepik
Diagramador(a): Vitória Marques
30-37 - Servidão moderna estresse no trabalho.indd 35
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
35
27/03/19 10:18
RepoRtagem - EstrEssE
sistema, deixaram de viver a vida para trabalhar arduamente durante anos, esperando que a realização chegasse junto à felicidade. “A servidão moderna é uma escravidão voluntária, consentida pela multidão de escravos que se arrastam pela face da terra. Eles mesmos compram as mercadorias que os escravizam cada vez mais. Eles mesmos procuram um trabalho cada vez mais alienante que lhes é dado, demonstrando estar suficientemente domados. Eles mesmos escolhem os mestres a quem deverão servir. Para que esta tragédia absurda pudesse ter lugar, foi necessário tirar desta classe a consciência de sua exploração e de sua alienação. Aí está a estra-
36
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
30-37 - Servidão moderna estresse no trabalho.indd 36
Projeto por freepik
nha modernidade da nossa época. Contrariamente aos escravos da antiguidade, aos servos da Idade média e aos operários da primeira revoluçãos industrial, estamos hoje em dia frente a uma classe totalmente escravizada, só que não sabe, ou melhor, não quer saber. Eles ignoram o que deveria ser a única e legítima reação dos explorados. Eles não conhecem a rebelião que deveria ser a única reação legítima dos explorados. Aceitam
sem discutir a vida lamentável que se planejou para eles. A renúncia e a resignação são a fonte de sua desgraça. O sistema dominante fez do trabalho seu principal valor, e os escravos devem trabalhar mais e mais para pagar a crédito sua vida miserável. Eles estão esgotados de tanto trabalhar… passam toda sua vida realizando uma atividade extenuante e insidiosa que dá proveitos apenas para alguns”, (trecho do documentário “Servidão Moderna”, de ean-François Brient)
Diagramador(a): Vitória Marques
27/03/19 10:18
Estresse
Diagramador(a): Vitória Marques
30-37 - Servidão moderna estresse no trabalho.indd 37
- Reportagem
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
37
27/03/19 10:18
REPORTAGEM - WORKAHOLIC
Até onde a dedicação ao trabalho pode levar uma pessoa? Entenda as principais causas e consequências dessa compulsividade
Ilustração: Maria Rita Pirani
VÍCIO OU AMOR? Por Maria Rita Pirani Workaholic é um termo em inglês que surgiu pela primeira vez no Canadá em 1947 e é utilizado para falar sobre pessoas que trabalham compulsivamente, ou seja, são viciados em trabalhar. Em 1968, o psicólogo americano Wayne Oates abordou esse tema pela primeira vez em seu artigo “On being a ‘workaholic’”, onde ele afirmava ser um trabalhador compulsivo, uma pessoa completamente dependente do trabalho. Nos dias de hoje está cada vez mais difícil se desligar de nossos empregos, mesmo ao sair da empresa no final do dia, com nossos emails empresariais ligados aos nossos celulares pessoais, o trabalho nos segue até em casa, dificilmente trabalhamos apenas 44 horas por semana, principalmente os workaholics. Com um medo absurdo de fracassar, e em uma sociedade que a cada dia exige mais de seus profissionais, os viciados em trabalho vivem em função de seus empregos, deixando vidas pessoais, saúde, família e amigos de lado para cumprir com
38
38-39 Workaholic.indd 38
suas expectativas de gerar um bom resultado. Uma pesquisa realizada em 2016 pela ISMA (International Stress Management Association) mostrou que pessoas viciadas em trabalho possuem 65% mais chances de apresentarem doenças cardíacas e psicológicas, como depressão e ansiedade. Levando muitas vezes uma vida mais sedentária e com re-
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
feições baseadas em fast-food para economizar o tempo que poderia ser gasto trabalhando, alguns chegam ao extremo de usarem fraldas geriátricas para não perderem tempo com idas ao banheiro. A jornalista Monica Salgado já passou por períodos de trabalho compulsivo e conta como isso interferia em sua vida pessoal e profis-
Diagramador(a): Maria Rita Pirani
27/03/19 10:17
WORKAHOLIC sional. “A ntes eu creditava muito o sucesso á uma dedicação extrema, eu não conseguia conceber que eu conseguiria entregar um produto excelente, um trabalho excelente se eu não me dedicasse 220%”. Ela ainda completa dizendo “Eu era uma pessoa tensa, chegou uma época que eu engordei muito, depois eu emagreci, mas deixei os exercícios..”. De acordo com a psicóloga Bruna Carolina Vieira, existe uma grande diferença entre você amar o seu trabalho e você ser um trabalhador compulsivo. “O workaholic é caracterizado pela compulsão para trabalhar ou pela dependência de trabalho, o indivíduo trabalha de forma excessiva ou irracional e mesmo reconhecendo o excesso ele não consegue se controlar ou reduzir a sua carga de trabalho. A pessoa que ama seu trabalho apenas o faz com excelência, sem chegar no nível patológico e irracional. Ela se satisfaz com seu trabalho independente das horas trabalhadas”, Bruna ainda aponta para pequenos sinais de alerta que podem mostrar que uma pessoa está começando a trabalhar compulsivamente “A bus-
Ilustração: Maria Rita Pirani
Diagramador(a): Maria Rita Pirani
38-39 Workaholic.indd 39
ca pelo perfeccionismo e constante cobrança a si mesmo, são considerados sinais primários do vício. A exaustão emocional e quebra de relacionamentos sociais para priorizar o trabalho são consequências desse vicio”. O vício no trabalho é uma condição que vem afetando seriamente pessoas do mundo inteiro e vários países estão tomando medidas para prevenir esse vício. Na Coreia do Sul, em 2018, a empresa de produtos eletrônicos Samsung colocou em
“A pessoa que ama seu trabalho apenas o faz com excelência, sem chegar no nível patológico e irracional.” Bruna Vieira uma de suas sedes na capital Seoul, uma homenagem a todas as pessoas que morreram em dedicação ao seu trabalho na empresa. Em 2013 Miwa Sado, uma japonesa de 31 anos morreu de problemas cardíacos após uma jornada de trabalho de 159 horas em um mês, tirando apenas dois dias de folga nesse período. O Japão possui uma média de 2 mil mortes por ano associadas ao excesso de trabalho e existe até uma palavra que foi criada para se referir as pessoas que morrem de tanto trabalhar, karoshi. Casos de morte por trabalho excessivo atingem até mesmo os estagiários de grandes empresas. Em 2013 na Inglaterra Moritz Erhardt um jovem alemão de 21 anos, mor-
- REPORTAGEM
reu após trabalhar 72 horas sem intervalos em seu estágio no Bank of America, em Londres. Ele foi encontrado morto no chuveiro de seu apartamento, com sinais de convulsões causadas por exaustão. Em 2017 uma pesquisa realizada na Coreia do Sul pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mostrou que uma pessoa trabalhava em média 2.069 horas por ano, como uma carga horária de trabalho por semana de 68 horas. Com esse número, a Coreia do Sul se tornou o país com uma das maiores jornadas de trabalho do mundo, ficando atrás apenas do México com 2.225 horas por ano e Costa Rica com 2.212 horas. A partir de 2018 novas reformas trabalhistas irão diminuir a carga sul-coreana de 68 horas para 52 horas por semana. No Brasil o número de horas trabalhadas bate na margem das 1.771 horas por ano. Além da Coreia do Sul, países como o Japão, China, Costa Rica e México também estão desenvolvendo novos planos de governo e leis trabalhistas com a intenção de diminuir as horas trabalhadas pelos funcionários e garantir mais saúde e qualidade de vida para seus trabalhadores. Portugal chegou a criar o grupo Trabalhadores Compulsivos Anônimos (TCA), um programa que visa ajudar através de terapias em grupo e individuais aqueles que são viciados em seus trabalhos e não conseguem se desligar de seus empregos. No Brasil, tratamentos como o Mindfullness e a Terapia Cognitivo Comportamental tem apresentado bons resultados no tratamento da compulsividade no trabalho. O Ministério da Saúde também sugere tratamentos com acompanhamentos psicoterápico e intervenções psicossociais, muitas vezes acompanhados de medicamentos prescritos por médicos especialistas na área
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
39
27/03/19 10:17
Esportes - Futebol nos pés
FUTEBOL NOS PÉS E ORGULHO NO PEITO Um time de futebol de Belo Horizonte joga contra a homofobia presente no esporte mais famoso do país Créditos: Champions Ligay/Divulgação
Por Pedro Castro
Criado em 2017, o Bharbixas é a primeira equipe LGBT+ de Belo Horizonte
40
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
40-42 - Futebol nos pés e orgulho no peito (CAPA).indd 40
Diagramador(a): Pedro Castro
27/03/19 10:17
Futebol nos pés
- Esportes
Diagramador(a): Pedro Castro
40-42 - Futebol nos pés e orgulho no peito (CAPA).indd 41
Créditos: Guilherme Sidrim
V
estir uma camisa pode parecer uma coisa simples e sem complicações, mas quando se trata de uma camisa com as cores do simbolo do orgulho LGBT+, no futebol, um esporte machista, vemos o contrário. Com o objetivo de atingir uma causa fora das quatro linhas, mostrando que as pessoas LGBT+ também podem jogar, foi criado, em junho de 2017, o Bharbixas F.C., o primeiro time LGBT+ de futebol em Belo Horizonte, formado por integrantes das comunidades LGBT+s. O time nasceu a partir de uma entrevista na televisão, onde, o presidente-fundador do Bharbixas, Gustavo Mendes, 26, assistiu a uma chamada de clubes de São Paulo e Rio de Janeiro, Unicorns Brazil e BeesCats Soccer Boys, respectivamente, para que atletas LGBT+s se ingressassem no esporte, e viu uma oportunidade de iniciar um projeto em Minas Gerais. “O Gustavo fez uma divulgação nas redes sociais e criou um grupo com os interessados. No final de semana seguinte, várias pessoas já foram jogar em uma pelada descompromissada, a nossa primeira pelada LGBT+ aqui em Belo Horizonte, que contou com a participação de aproximadamente 25 pessoas. Era uma pelada despretensiosa, não tinha nome, não tinha nada e, à medida que as pessoas foram se envolvendo e outros times foram sendo criados no Brasil, a gente sentiu a necessidade de criar um nome para o time, fazer uniforme e, mais para frente, participar das competições”, conta Rodrigo Gosling, 33, Head do Núcleo de Ética do Bharbixas. Rodrigo afirma que, existem dois tipos de treinos: recreativo e técnico. No treino recreativo, pessoas LGBT+ ou não, podem participar, porém, elas devem zelar pelo bom relacionamento com os atletas. “A pessoa que não é LGBT+ deve, necessariamente, respeitar o ambiente e as pessoas”, declara. O treino téc-
Atletas em atuação na Liga Ouro - Taça BH
nico é voltado à preparação para os campeonatos, contendo assim, uma restrição. “Eles são prioridades para as pessoas LGBT+, porém, se houver vaga, pessoas não LGBT+ podem fazer parte, mas com a consciência de que elas não poderão participar de campeonatos”, alegou.
“A pessoa que não é LGBT+ deve, necessariamente, respeitar o ambiente e as pessoas” Rodrigo Gosling De acordo com Rodrigo, as seletivas para a equipe ocorrem a partir do rendimento desses atletas nos treinos, ou seja, com dedicação e trabalho duro. “Uma pessoa que nunca praticou esporte tem a mesma condição de integrar a lista de convocados para uma competição, do que uma que sempre teve oportunidade. O mais importante é que queira fazer parte do grupo, se de-
dique nos treinos e demonstre amor ao time e à causa. Essas qualidades são mais importantes para o time do Bharbixas do que somente habilidade técnica.” Gosling ainda deixou claro o principal motivo pelo qual o time foi criado. “O objetivo do Bharbixas é muito maior do que apenas sair vencedor de competições”. Com a formação do time mineiro, vários integrantes de comunidades LGBTs viram uma oportunidade de se integrarem no esporte, porém, como vivemos em uma sociedade extremamente machista, houve repercussões negativas. “Alguns dizem que o futebol é um esporte para homens héteros, fazendo com que integrantes LGBT+s não pratiquem”, afirmou Rodrigo. Com a evolução do time, para que saísse do papel e deixasse de ser um sonho de igualdade de gênero no mundo esportivo, os jogadores inscreveram o elenco em campeonatos nacionais LGBT+s, participando duas vezes da Champions Ligay, na qual, se consagraram campeões na primeira edição que disputaram, no Rio de Janeiro. Após a conquista, a equipe ganhou muita repercussão na mídia, como
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
41
27/03/19 10:17
Esportes - Futebol nos pés Créditos: Guilherme Sidrim
conta Vinicius Ribeiro, 21, goleiro da equipe e estudante de Turismo na Universidade Federal de Minas Gerais. “Nos comentários das redes sociais, sempre tinham algumas pessoas que reproduziam discurso de ódio e hemofobia, isso é comum na nossa sociedade e, principalmente, no futebol.” Além de participarem de campeonatos onde somente equipes LGBT podem atuar, o Bharbixas vem se inscrevendo também em torneios heterossexuais, como a Liga Pampulha Challenge, disputada em 2017, e a Liga Ouro - Taça BH, em disputa, na qual, o time atualmente ocupa a primeira colocação. As torcidas são conhecidas nacionalmente por serem o 12º jogador,
Elenco do Bharbixas F.C. Créditos: Bharbixas/Divulgação
Os jogadores Augusto Cavalcante e Gabriel Leão comemorando um gol
42
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
40-42 - Futebol nos pés e orgulho no peito (CAPA).indd 42
pelo fato de entrarem em campo junto com os atletas. Isso também se mostrou presente nos campeonatos por onde o Bharbixas passou. De acordo com Rodrigo, o time não teve problemas na Liga Pampulha. “Fomos muito bem recebidos pela organização e pela torcida, formada principalmente por atletas do futebol feminino”. Agora, quando a equipe mineira se mostrou presente na Liga Ouro - Taça BH, o tratamento por parte da torcida foi completamente diferente. “No campeonato que estamos jogando agora, tivemos um problema com torcedores no nosso jogo de estreia. Mas a organização, os times e a arbitragem foram bastante respeitosos”. Vinicius reitera a posição de Rodrigo e declara que o time foi alvo de atos machistas na mesma partida. “Sofremos xingamentos homofóbicos e machistas por parte de alguns torcedores que estavam alcoolizados e tivemos que chamar a polícia para controlar a situação. Antigamente, os times entravam achando que o jogo seria fácil por sermos uma equipe LGBT+, agora somos bastante respeitados por nossos adversários.”
Diagramador(a): Pedro Castro
27/03/19 10:17
memória na palma da mão
- Reportagem
A MEMÓRIA NA PALMA DA MÃO Os smartphones já funcionam como uma extensão de nós mesmos, mas fica o questionamento: o que eles estão fazendo com nossas mentes? Por Laura Nogueira Diagramador(a): Laura Nogueira
43-46 - A memoria na palma da mão.indd 43
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
43
27/03/19 10:16
Reportagem - memória na palma da mão Lembrar de algumas coisas nunca foi tão desnecessário. Com 50GB de memória na palma da mão, quase nunca é preciso gravar um número de telefone ou qualquer informação que esteja disponível na internet. A enorme facilidade de acessar qualquer coisa, a qualquer momento, faz com que a maior parte das pessoas passe o dia inteiro em frente às telinhas, mas os impactos nem sempre são positivos. O tempo online acabou sendo muito superior ao esperado e, por isso, muitos pesquisadores têm se dedicado a entender esse fenômeno e quais são os impactos dele em nossos cérebros. No livro A Geração Superficial, Nicholas Carr propõe uma reflexão a respeito da influência da web nas nossas vidas, e afirma que estamos virando pessoas rasas com pouquíssima atenção para qualquer coisa. O autor afirma que a internet diminui a relevância da fonte primária, o que significa que perdemos a capacidade de saber e desenvolver, por conta própria, aquilo que ele chama de inteligência singular.
A persistência da memória
No quadro A Persistência da Memória, o pintor surrealista espanhol Salvador Dalí retrata relógios distorcidos que, apesar de serem identificáveis como os objetos usados para marcar as horas, estão desconectados de sua função usual. Várias interpretações podem ser feitas, mas uma das mais frequentes é a de que o pintor buscou mostrar que o tempo pode ser muito mais líquido do que se imagina. Outro contraponto proposto por Dalí é que a memória pode compreender uma passagem de tempo diferente daquela marcada pelos relógios. O foco do pintor parece ser, aos olhos dos especialistas, retratar o tempo do inconsciente. A inconsistência do tempo, do
44
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
43-46 - A memoria na palma da mão.indd 44
Diagramador(a): Laura Nogueira
27/03/19 10:16
memória na palma da mão
- Reportagem
A Persistência da Memória, de Salvador Dalí, traz a reflexão a respeito do tempo subjetivo e da memória pessoal
espaço e da memória na era da web 2.0, apesar de muito distante da época em que viveu Salvador Dali, também pode se encaixar como uma interpretação possível do quadro do pintor. Os encurtamentos das distâncias e o fácil acesso à informação fazem com que tenhamos mais dificuldade de memorizar quaisquer que sejam os dados, já que todos estão ao alcance da mão. Adriane Matos, de 23 anos, só percebe o quanto é dependente do seu smartphone e das informações contidas nele quando fica sem bateria. "Sem meu celular, só consigo me comunicar com os meus pais e com o meu namorado, já que decorei os números de telefone deles antes da era dos smartphones", conta Adriane, que cursa engenharia química. "Eu não decoro nem as minhas salas de aula na faculdade. Tenho um aplicativo que me informa o número das salas e dos prédios, então, todo dia, checo o app antes de me dirigir à sala", relata a estudante.
Diagramador(a): Laura Nogueira
43-46 - A memoria na palma da mão.indd 45
No entanto, nem sempre a dependência das informações disponibilizadas pelas máquinas é maléfica. Para o analista de engenharia Matheus Bitarães, é possível usar a capacidade cerebral de forma otimizada com a ajuda da internet e dos computadores. "Não precisamos mais nos preocupar tanto com a memorização de números ou fazer contas de cabeça. Podemos usar a memória para acessar aquilo que as máquinas não conseguem processar e usar o que elas têm a nos oferecer para trabalharmos em conjunto e de forma mais produtiva", alega. Um artigo publicado em 1998 por Andy Clark e David Chalmers, intitulado The Extended Mind, desenvolve a ideia de um externalismo ativo, que compreende que objetos exteriores à mente também fazem parte dela. Os filósofos contrapõem a ideia de que a mente é constituída apenas daquilo que está dentro do crânio, e sugerem que, na verdade, a mente e o ambiente em que ela
está inserida funcionam de forma integrada. Isso significa que, para eles, o fato de ter informações à mão no celular ou documentos salvos na nuvem não nos torna menos inteligentes, mas, sim, adaptados à nova forma de consumir conhecimento. Caberia aos cérebros, então, apenas fazer as conexões para que cada uma dessas informações possa fazer sentido. Para o neurocirurgião e professor da Faculdade de Medicina da USP Fernando Gomes Pinto, os recursos tecnológicos trazem vantagens e desvantagens. "O lado bom é que o conhecimento adquirido ao longo do tempo pode se manter independentemente do nosso tempo biológico", afirma. Por outro lado, o neurocirurgião acredita que a falta de exercícios de memória como guardar números de telefone ou fazer contas mentais pode causar atrofia. "Quando nos limitamos à máquina e não nos recorremos à memória, corremos o risco de per-
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
45
27/03/19 10:16
Reportagem - memória na palma da mão dermos funções cerebrais importantes, já que o cérebro é um órgão passível de plasticidade de aprendizagem e treinamento", finaliza. O Método Supera, uma forma de melhorar as capacidades cognitivas de crianças, adultos e idosos, está presente em várias cidades do Brasil. Através de atividades lúdicas, os educadores desenvolvem um treinamento cerebral com os alunos para que eles possam pensar e agir melhor. Viviane Rose de Melo, neuropsicóloga e proprietária da unidade do Supera em Betim, conta que vivemos em uma era de memórias terceirizadas. “Estamos delegando as informações que precisamos armazenar no nosso cérebro para os aparelhos, ou seja, não estamos nos esforçando para fazer o processo de armazenamento normal”, conta.
O mito da multitarefa Para Gomes, o maior vilão quando o assunto é perda de memória é a multitarefa. Segundo o médico, é comum esquecer algumas coisas quando estamos conectados a todo momento. "Ao mesmo tempo que isso possibilita estarmos sempre ligados em tudo que acontece, a digi-
talização dá trabalho e pode transformar toda a existência em um home office eterno", diz. Ser multitarefa é, de acordo com o médico, ter a atenção, um dos principais componentes da fixação, dividida. Isso significa que, por mais que pareça, não conseguimos nos conectar com mais de uma tarefa ao mesmo tempo. É bastante comum pensar que somos, de fato, capazes de fazer várias coisas simultaneamente. Manter várias abas do navegador abertas enquanto olha as redes sociais pelo celular, conversa com o colega ao lado e ouve música pode dar a impressão de que todas as tarefas estão sendo, de fato, executadas ao mesmo tempo, mas, na verdade, não é bem assim. O neurocientista francês Jean-Philippe Lachaux, que dedicou boa parte de sua vida a estudar o fenômeno da multitarefa, diz que é impossível fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo, a menos que uma tarefa seja automática, como ouvir música enquanto dirige. Cenas comuns como alunos mexendo no celular durante a aula ou alguém checando o e-mail durante uma reunião foram potencializadas
nos últimos anos devido ao amplo acesso à rede, mas apenas mostraram que nenhuma das duas coisas está sendo feita com a devida atenção. Tais situações exigem que o foco seja alternado muito rapidamente. Isso atrapalha a concentração e diminui a capacidade de assimilar informações, o que é bastante importante durante uma aula ou uma reunião. Mesmo com a enorme quantidade de estudos feitos na área, não é possível chegar a um consenso. Ao contrário do que pensa Nicholas Carr, o autor Clive Thompson afirma, em seu livro Smarter Than You Think, que a enorme quantidade de recursos, informações e processamentos disponíveis são incorporados pelo cérebro e aumentam sua capacidade. Fato é que a informação está disponível para quem quiser acessá-la. O que pode parecer limitante, muitas vezes abre horizontes que estão muito além do que se pode imaginar. De acordo com educadora Maria Nogueira, existe uma tendência a se demonizar novas tecnologias. Ela lembra, com humor, da época do surgimento da TV em cores, na qual os pais alertavam os filhos sobre o perigo de se tornarem deficientes visuais devido ao tempo despendido em frente ao aparelho. "Só o tempo vai evidenciar que a internet veio para ampliar possibilidades, e cabe a cada um a sabedoria do que fazer com isso", finaliza
Você acha que é bom em multitarefa? Acesse o site www.multitaskgames.com e descubra se você realmente consegue fazer duas coisas ao mesmo tempo
46
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
43-46 - A memoria na palma da mão.indd 46
Diagramador(a): Laura Nogueira
27/03/19 10:16
NO CAMINHO DE MACAU IntercâmbIo
- RepoRtagem
Estudante da Fumec se aventura em intercâmbio por país da Ásia
Por João Eduardo Conhecer o mundo, se aventurar-se, descobrir outros sabores e jeitos de viver a vida. A maioria dos jovens universitários anseiam cotidianamente por esta experiência, que pode mudar a vida e o destino de um ser humano. Mas, para alguns, este moDiagramador(a): Maria Rita Pirani
47-48 - No Caminho de Macau - Joao Eduardo.indd 47
mento único representa muito mais do que um simples momento de troca de culturas. A estudante do Curso de Comunicação Social/ Jornalismo da Universidade Fumec. Maria Rita Pirani, 24, passou um semestre realizando um sonho de infância: co-
nhecer o continente asiático. O destino do intercâmbio foi a província de Macau, que pertence à China. A estudante conseguiu a oportunidade de realizar esta experiência através do PROME, o programa de intercâmbios da Universidade Fumec.
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
47
27/03/19 10:16
Reportagem - Intercâmbio Fotos: arquivo pessoal
Maria Rita no Ano Novo Chinês
“O processo foi bem fácil. Eu vi que a Fumec tinha convênio com a universidade em Macau, e desde o início eu sabia que queria ir para lá”, disse. Maria Rita estudou matérias do Curso de Communication and Media Bussines, e, além disso, teve inúmeras experiências com o “novo mundo” do continente asiático. “Macau é um estado pequeno, mas com muitas atividades. Sua principal atividade econômica são os cassinos, sendo que, para os turistas, o local é conhecido com a Las Vegas da Ásia. É uma cidade rica e o custo de vida é alto, mas a moeda é bem desvalorizada. Mesmo sendo pequena, tem uma grande população”, afirmou. A estudante, diferentemente de muitos alunos de intercâmbio que se aventuram por terras distantes, afirma não ter tido problemas quando chegou a Macau. “Minha primeira impressão de Macau foi a de um lugar simpático, pois fui muito bem recebida, principalmente pelos funcionários da faculdade”, afirma Maria Rita, que continua. “Fiz amizades com pessoas de vários continentes, e cada uma me surpreendeu em vários aspectos. Percebi que, muitas vezes, sem querer, vivemos de estereótipos. Temos uma ideia formada das for-
48
mas de comportamento de um determinado povo, e isso está errado. Cada pessoa é diferente, e sua raça ou povo não a definem completamente”, disse. E não só de experiências de estudo vive um aluno de intercâmbio. Nos primeiros dias, alguns momentos engraçados marcaram a viagem de Maria Rita. “O momento mais engraçado da minha viagem foi quando tentei pedir comida no McDonalds em Mandarim, e percebi que o meu domínio na língua era zero. Não cheguei a sentir medo, pois Macau é uma cidade extremamente segura”. Outro momento importante foi presenciar uma típica refeição do país. “Um costume diferente que percebi ao ir à casa de uma amiga chinesa foi que, para eles, comer tudo o que está no prato é falta de educação, e indica que a família que está te recebendo não te alimentou direito e você ainda está com fome. Aprendi que se deve deixar um pouquinho de comida no prato para indicar que você comeu bem e que a família a alimentou direito”. Ao chegar o momento de retornar ao Brasil, a estudante já havia praticamente se integrado aos costumes de
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
47-48 - No Caminho de Macau - Joao Eduardo.indd 48
Macau. “Quando estava indo embora, senti um mix de emoções, mas creio que o mais forte deles foi uma mistura de tristeza com saudade. Por mim, ficava para sempre”, afirmou emocionada.
“O intercâmbio te ajuda a ver que, mesmo com as diferenças, no fundo somos todos iguais, humanos dividindo a mesma Terra” Maria Rita Pirani Em um momento de crise por qual passa o Brasil, Maria Rita avalia que o país pode aprender muito com os asiáticos. “O respeito aos mais velhos, a limpeza, o amor para com os professores, a busca por momentos de paz no dia a dia, com meditações. Acima de tudo, a segurança pública, que é simplesmente fantástica”. Fazer um intercâmbio é muito fácil. Você, aluno Fumec, que deseja embarcar nesta aventura, basta ficar atento aos prazos de inscrição do PROME e se encaixar no perfil descrito pelo edital. Depois, é só arrumar as malas. “Todo mundo devia fazer um intercâmbio na vida, se possível para um lugar diferente, que é pouco procurado. Quando damos de cara com uma cultura nova, aprendemos a ser humildes e a respeitá-la, sem julgar. O maior problema da população atualmente é ver e aceitar o que é diferente, mesmo sem concordar. O intercâmbio te ajuda a ver que, mesmo com as diferenças, no fundo somos todos iguais, humanos dividindo a mesma Terra”
Diagramador(a): Maria Rita Pirani
27/03/19 10:16
Superação
- Reportagem
O amor e a luta superam a adversidade A vontade de vencer as barreiras são fundamentais para enfrentá-las e suprerá-las
Por Caio Oliveira Moraes A dor pode parecer o fim para muitos, mas do outro lado existe a superação, enfrentando todos os obstáculos presentes ao longo do caminho. Com muita força de vontade e perseverança, os resultados são surpreendentes. Os trajetos são vários e por diferentes meios, entretanto, o objetivo é o mesmo, superar a adversidade e enfrentar as barreiras. Depois de um acidente de carro, o contador Fábio Assis permaneceu por 13 meses sob cuidados médicos em intensa recuperação. Durante este período, ele acabou contraindo uma infecção hospitalar que atingiu a sua coluna, perdendo parcialmente o movimento dos membros inferiores com maior grau no lado esquerdo. Mesmo diante desta situação, Fábio não se intimidou e começou
Diagramador(a): Catherina Dias
49-50 - O amor e a luta superam a diversidade.indd 49
a lutar. “Tive um momento de extremo desejo de lutar, foi realmente uma luz divina. Um desejo que os médicos não acreditaram que seria possível, pois esta bactéria que atingiu a coluna deixa grande parte das pessoas em estado paraplégico”, afirma o contador. A persistência marcante na recuperação com muitas sessões de fisioterapia mesmo com muitas dores, fez com que Fábio ganhasse a chance de voltar a andar após 3 anos. As dificuldades não o desanimavam, estava decidido em não desistir, “eu havia colocado na cabeça que não iria desistir, que eu não queria ficar na cadeira de rodas”. A família esteve presente em todos os momentos, foi essencial, sendo assistido da melhor maneira possível, mas sem privar a
sua liberdade. No ato de realizar a matrícula do seu filho em um colégio de Belo Horizonte, a sua esposa descobriu uma turma que jogava basquete no ginásio da escola e convidou o marido para assistir. Admirado com a prática, Assis conversou com o técnico para realizar uma aula experimental e, a partir disso, começou a se interessar cada vez mais pelo esporte e também pelos colegas de equipe. O leve incômodo que sente é suportável, não o impede de praticar e seguir superando os novos desafios. Para o psicólogo Róbson Batista, o afeto é convertido em segurança e fornece condições emocionais necessárias para enfrentar situações delicadas, adicionadas também às adversidades encontradas anterior-
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
49
27/03/19 10:15
Reportagem - Superação mente. Deste modo, o indivíduo se adapta a sua realidade e acredita no sucesso vindouro. Uma mulher de fé Katia Chaves
“Fui presenteada com uma pessoa que hoje me auxilia em tudo, e com o amor me ajuda a prosseguir” Katia Chaves
to forte e feliz, cantando em várias igrejas e também em locais públicos e privados. O técnico estagiário Rafael Antunes Fonseca treina a equipe de natação no âmbito paraolímpico. Há 3 anos executa este trabalho dentro de um programa de superação. Logo quando entrou, Rafael se assustou com a quantidade de pessoas com deficiência física, e começou a persistir no ensino. A curiosidade maior foi que ele começou a aprender com os alunos. “Você percebe o foco deles, te veem como mestre mesmo”, diz Antunes. O cuidado no falar é primordial, pois tudo é levado para o aprendizado por eles. O dia a dia revela uma experiência nova, pois eles mostram força de vontade e acreditam na possibilidade de conquista, sempre sorrindo, isso motiva Rafael: “impossível dizer com palavras tal sensação, seu dia melhora na hora”. O descaso maior seria sobre acessibilidade, como calçadas em estado ruim de conservação; ausência de rampas de acesso e elevadores com uso adequado. Para Rafael, o principal aprendizado é a confiança e a persistência, não podendo desistir daquilo que sonham, correndo atrás dos resultados necessários para que venha a conquista desejada, mesmo com as dificuldades que surgem no meio do caminho
Foto: Arquivo pessoal
tem uma deficiência física desde os seis meses de vida,uma paralisia infantil que limitou o andar, começando a se arrastar no solo até os 13 anos de idade quando realizou uma cirurgia para a inclusão de uma arte compressora que favorecia o auxílio do aparelho ortopédico. Com a perda dos movimentos da perna esquerda e a complicação da oscilação da sua pressão arterial, ela aderiu à cadeira de rodas para se locomover. A infância de Katia foi muito complicada. Por se arrastar, seu joelho constantemente era encontrado com feridas, mas conseguia brincar com amigos e irmãos mesmo com limitações. “Minha infância foi um
pouco sofrida, o motivo seria por não andar, só me arrastava, meu joelho sempre ficava muito ferido, mas eu brincava, tinha minhas amizades, meus irmãos”, disse Chaves. O carinho dos seus pais e da sua avó for fundamental para a sua felicidade neste momento. Com todos estes acontecimentos, Katia conta que amadureceu rapidamente na adolescência. As tarefas e responsabilidades pareciam ser maiores do que deveriam ser. Com o tratamento em gesso por 1 ano, ela afirma que não podia fazer o que uma adolescente faria, mas sempre acreditando que poderia vencer mais uma etapa. Foi nesta fase que ela disse ter conhecido a fé em Jesus, sendo o responsável por fortalecê-la para vencer os obstáculos. Superando todos os desafios, Chaves começou a cantar canções de segmento gospel em vários lugares para alcançar mais pessoas. Em alguns locais, devido à limitação da acessibilidade, Katia tem dificuldades de locomoção, mas conta com a ajuda de uma amiga: “fui presenteada com uma pessoa que hoje me auxilia em tudo, e com o amor me ajuda a prosseguir”, diz Katia Chaves. As dificuldades de um cadeirante são evidenciadas pela cantora, como a arte compressora que possui em toda a sua coluna, favorecendo a escoliose. Porém, o segredo é encarar com muita alegria e amor todos os dias. Segundo ela, Deus a tem fei-
Equipe de basquete do Fábio em mais um treino para preparar para jogos
50
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
49-50 - O amor e a luta superam a diversidade.indd 50
Diagramador(a): Catherina Dias
27/03/19 10:15
Ressocialização
- REPORTAGEM
O estudo e o trabalho podem ser o melhor meio de detentos e egressos retornarem à sociedade Por Camila Madeira
Diagramador(a): Sóstenes Mendes
51-53 - Alem das Grades - Sostenes Mendes.indd 51
e
ontag
s
ende
es M
sten m: Só
tom — Abril de 2019 Diagramador(a): Revista Ponto Sóstenes & Vírgula FoMendes
51
27/03/19 10:14
REPORTAGEM - Ressocialização Discriminação, desemprego, rejeição da própria família, tudo isso são desafios que os ex-detentos encontram ao tentar retomar a vida cotidiana em sociedade. É necessário um processo de ressocialização, que deveria começar dentro dos presídios e é de grande importância para que não haja reincidência dessas pessoas ao crime e elas sejam reinseridas na sociedade. Karine Gonçalves tem 43 anos. Foi presa por tráfico de drogas, enquanto ainda cursava o quarto período de Direito. Seu pai era empresário, sua mãe professora em uma escola particular, e com uma condição econômica e social privilegiada chegou a morar fora do Brasil, mas não conseguiu enfrentar os problemas familiares da separação dos pais. Questionada sobre o motivo de seu envolvimento com a criminalidade, ela diz ser uma resposta muito difícil e não acredita em más companhias. “Depois que meu pai foi embora, que eu tive essa privação dele, procurei algum ambiente e não soube me adaptar, não soube separar as coisas... fiquei perdida e fui conhecendo o tráfico. A primeira organização criminosa que eu conheci foi uma torcida organizada. Ali a gente aprende milhões de coisas.” Hoje ela é mãe de três filhos, seu marido foi morto por envolvimento com tráfico de drogas, cumpre pena no Complexo Penitenciário Feminino Estevão Pinto em Belo Horizonte e atualmente está em regime semiaberto. Ela relata o preconceito que sofre e acha comum que as pessoas fiquem “com um pé atrás”. Pelo fato de ter feito o curso de auxiliar administrativo com ênfase em recepção, está em regime semiaberto, podendo trabalhar durante o dia na Defensoria Pública de Minas Gerais, retornando para o presídio à noite.
Organizações e projetos Organizações e projetos do gover-
52
no e da sociedade voltados para isso atuam na ressocialização por meio do ensino e do trabalho. Segundo a lei de execução penal (LEI Nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984), é dever do Estado prestar assistência material, jurídica, educacional, social, religiosa e de saúde ao preso e ao egresso. Essa assistência consiste, entre outros fatores, em reintegrá-los à vida em liberdade. O Programa de Inclusão Social de Egressos do Sistema Prisional (PrEsp) é uma organização da sociedade civil que atende exclusivamente o sistema prisional e é mantida, principalmente, pelo poder judiciário. Esse é um dos projetos que mobilizam empresas em busca de oportunidades de emprego.
“A gente acredita que a aposta da ressocialização se dá pelo trabalho” Andrea Ferreira A Associação Mineira de Educação Continuada, (ASMEC), organiza e oferece cursos profissionalizantes para os recuperandos e, posteriormente, procura encaminhá-los ao mercado de trabalho. “A gente acredita que a aposta da ressocialização se dá pelo trabalho. A nossa ideia é promover cursos livres e rápidos para os detentos e aqueles que já estão livres, os egressos”, afirma a presidente, Andrea Ferreira. A ASMEC conta com uma equipe multidisciplinar que procura soluções e saídas para essas pessoas não reincidirem. O acompanhamento dos sentenciados começa na prisão e vai até o fim da pena. De acordo com a presidente da organização, isso dá segurança às empresas contratantes,
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
51-53 - Alem das Grades - Sostenes Mendes.indd 52
“essa atividade de fazer esse acompanhamento tem aberto algumas portas. Minas hoje é o estado que mais emprega sentenciados no Brasil. O selo, que é um selo nacional, nós temos empresas aqui que já ganharam”. Andrea Ferreira fala ainda do perfil dos presos; “hoje nós temos presos mais elaborados, presos que chegaram até ao terceiro período de faculdade. Então o que eu percebo? Que a gente tem que começar a entender o que está acontecendo lá atrás. Por que essa pessoa que tem perspectiva, que está no terceiro período, se envolve com criminalidade?”. A organização “Minas Pela Paz”, apoiada por grandes empresas que atuam em Minas Gerais, promoveu nos anos 2009 a 2014, programas de inclusão social para egressos. Junto ao Programa de Inclusão Social de Egressos do Sistema Prisional (PrEsp), mobilizou empresas em busca de oportunidades de emprego, como explica Enéas Melo, gerente de projetos do Minas Pela Paz: “Uma vez que surgissem as vagas, nós encaminhávamos para o PrEsp, que tem todo o banco de dados dos egressos que buscam trabalho”. O projeto já foi encerrado, mas resultou em 548 pessoas contratadas. A Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC) criou o Programa Pró APAC, que consiste em qualificar profissionalmente os recuperandos, prepará-los e inseri-los no mercado de trabalho. Até hoje foram mais de 5.800 certificações em cursos do SESI, SENAI, SENAC. O programa investe cada vez mais em parcerias que implementem e aumentem a eficiência de sua atuação, como é o caso de sua mais nova parceria feita com o SEBRAE, e busca expandi-las para todas as APACs. Contabilizando os números de presos e egressos beneficiados pela iniciativa junto ao PrEsp e as APACs, 1.495 deles acessaram o
Diagramador(a): Sóstenes Mendes
27/03/19 10:14
Ressocialização mercado de trabalho. Karine participou de uma das iniciativas da ASMEC e expressa gratidão por isso. “Quando eles descobriram que por trás daquele meu perfil tinha uma pessoa com estudo, que falava outras línguas, apostaram em mim. (...) foi uma injeção de ânimo”, afirma Karine.
O cuidado com as mulheres
Resultados concretos Andrea Ferreira, presidenta da ASMEC, relata as dificuldades enfrentadas na realidade da ressocialização, como, por exemplo, a evasão nos cursos: “O processo tem que ter uma agilidade. Se você fizer um curso de seis meses, com certeza eles não vão ficar nem três. A evasão é certa”. Os cursos oferecidos geralmente são de acordo com as demandas do mercado, mediante pesquisas, para que haja uma rápida contratação dos sentenciados e de acordo com o desejo e habilidades de cada um. Há uma preocupação também em que os cursos sejam atraentes, com material didático que prende a atenção dos alunos e coopere no desenvolvimento intelectual e profissional. Karine cumpre a pena. Está estudando, trabalhando e cuidando dos filhos. Para ela, cada pessoa faz sua própria escolha e isso foi uma lição. “Foi um aprendizado para mim, meu novo marido, pra todo mundo”. Ela deve entrar em liberdade
condicional em 2020, mas para ela isso é apenas uma formalidade: “Eu nem sei quando eu termino de pagar minha pena, pra te falar a verdade. Porque isso, depois que eu comecei a trabalhar virou um mero detalhe. Eu venho trabalhar todos os dias, o meu foco é trabalhar e estudar. O que eu ainda tenho que cumprir é só um mero detalhe”.
“Aqui, na defensoria, onde trabalho, eu sou a Karine” Karine Gonçalves Dos planos que ela tem, terminar a faculdade é o principal e já se prepara para isso com o apoio de profissionais do presídio. “Nós temos duas assistentes sociais lá, maravilhosas, que não deixam a gente ficar sem prestar o ENEM.” Ela se espelha no advogado Greg Andrade, que também é ex-presidiário, se formou em direito e tem seu próprio escritório. Ele é mais um dos exemplos de pessoas que mudaram a realidade pós condenação. Karine se arrepende todos os dias por ter se envolvido com o tráfico e afirma que sua transformação é de verdade. “A cadeia é como se eu estivesse em um campo de concentração; sou só um número. Aqui, na defensoria onde trabalho, eu sou a Karine”
Foto: Flickr/nizz7
O Pró APAC atende duas unidades prisionais femininas, dando uma atenção especial às mulheres de outras unidades. “A mulher encontra uma dificuldade maior para ser inserida no mercado de trabalho, além das condições mais desfavoráveis em relação aos homens, dentro da maioria dos presídios. Passam por situações complicadas e complexas, que envolvem a maternidade e outras questões ligadas ao universo feminino. Os presídios são um universo hostil, assim como para os homens, mas muito mais hostil para elas. Então a gente tem esse foco, tem essa atenção, esse cuidado especial no trabalho junto com as mulheres”, explica Enéas Melo. Uma das preocupações das organizações que trabalham em prol da ressocialização dos presos é que haja uma desvinculação com o universo da cadeia. As experiências vividas nos presídios acabam gerando sequelas que os impedem de retomar a vida normal do lado de fora. O sistema quebra a auto-estima, a dignidade do indivíduo. Karine sentiu isso na pele, quando, em suas primeiras saídas da prisão, percebeu que não sabia mais atravessar as ruas com
segurança, não reconheceu os lugares no bairro onde sua mãe ainda mora. Ela relata como a ASMEC foi importante para ela. “A ASMEC me abraçou, então a gente se sente acolhida, aumentou muito a minha autoestima, é importante! Lá dentro a gente é um lixo, você é chamada de lixo o tempo todo. Então, quando chega alguém que te abraça e te acolhe, você começa a acreditar... realmente eu posso... eu quero, eu posso e eu consigo”.
- REPORTAGEM
Diagramador(a): Sóstenes Mendes
51-53 - Alem das Grades - Sostenes Mendes.indd 53
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
53
27/03/19 10:14
Reportagem - Polícia
Estupro masculino: dupla omissão A Vergonha de denunciar por parte da vítima e o despreparo da polícia sobre o assunto Por Deborah Alessandra Se é difícil para uma mulher denunciar um estupro, imagine para um homem? Sim, caro leitor, o estupro é um também um crime atualmente aplicável ao homem. Embora poucos saibam, desde 2009, o Art. 213 que definia o “estupro” e a pena para o crime no Brasil foram mudados. O estupro passou a ser um crime bicomum, ou seja, tanto o homem quanto a mulher podem ser os agressores, e tanto o homem como a mulher podem ser vítimas. A pena, que antes era de 2 a 7 anos, passou a ser de 8 a 12 anos, mas nem sempre os profissionais designados para proteger as vítimas estão preparados para ajudá-las. Para denunciar um estupro é preciso ir à delegacia e prestar depoimento para os funcionários. O constrangimento não para por aí. A vítima terá também que ir ao IML fazer o exame de corpo de delito (exames de médicos particulares não tem validade), em que o médico legista examina todo o corpo e vasculha os órgãos genitais e ânus buscando sinais de laceração, feridas ou esperma. Se durante todo este processo, muitas mulheres já relatavam sofrer constrangimentos por parte dos policiais, que fazem perguntas
54
e insinuações visando, muitas vezes, culpabilizar a vítima, o mesmo pode ocorrer com os homens, que terão ainda – em muitos casos – sua masculinidade testada. Esse foi o caso do jovem Mateus Henrique, da região do Triângulo Mineiro, que recentemente foi estuprado. Inicialmente, os policiais não queriam registrar o crime como estupro e, sim, como assalto. Mesmo assim, Mateus persistiu em denunciar o crime. Ele postou no seu Facebook que estava caminhando de manhã, como fazia todos os dias, e um homem de caminhonete parou ao seu lado, apontou uma arma para o seu rosto, e pediu para que escolhesse entre entrar no carro ou levar um tiro ali mesmo. Mateus entrou, e foi levado para o mato, onde foi torturado e violentado. Após o ato, o agressor o parabenizou por ter salvo uma mulher e foi embora. Mateus ainda teve que passar 15 minutos andando pela estrada, machucado e traumatizado, com pessoas passando por ele sem que nenhuma tomasse a iniciativa de ampará-lo. Até que um mototaxista ligou para a polícia relatando que havia uma pessoa ferida na rua, mas, depois de ligar, este também foi
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
54-57 - Estupro Masculino - Jefferson e Rian.indd 54
embora.
Abusado pelo médico Rodrigo (nome fictício) é outra vítima de estupro. Atualmente com 24 anos, afirma que, de 12 aos 17 foi abusado por seu médico. “Era o médico da família. Médico geral, urologista e nutrólogo. Eu tinha problema de crescimento porque também comia mal quando era mais novo. O médico fazia tratamento para crescimento. Toda minha família consultava com ele, meu pai, mãe e irmão. Quando fiz 12 anos, ele começou a me tocar e me masturbar até eu gozar. Perguntava se eu queria ver o pinto dele e me mandava não contar para ninguém. Eu ia uma vez por mês durante 3 anos e meio. E era isso. A consulta era rápida e depois ele me masturbava com cara de safado, eu me lembro até hoje dele lambendo os beiços”, afirmou. “No início, eu não contei para ninguém. Ele era meu médico e eu tinha confiança nele. E ele me pedia para não contar. Quando eu tinha uns 15, 16 anos, eu comecei a namorar uma menina e contei para ela o que acontecia. Foi ela quem me disse que não era normal. Foi aí que minha ficha caiu que era erra-
Diagramador(a): Jefferson Luis e Rian Matos
27/03/19 10:13
Polícia não falou muita coisa. Só ficou triste e na bad. ”
Violência do primo Daniel (nome fictício), de 27 anos, conta que também sofreu abuso na infância, mas neste caso por um primo. “Eu não lembro muito bem minha idade. Em média 6 anos. Eu tinha um primo mais velho, que na época tinha 14 anos, por parte de pai, mas ele já faleceu. A minha casa éramos eu e minhas duas irmãs. No mesmo lote da família, tinha a casa dele ao lado. Minha mãe via que eu era um pouco afeminado, desde a infância, então ela me forçava no convívio com ele para ter hábitos masculinos. Meu pai trabalhava o dia todo e com essa ausência não tinha uma referência masculina forte. Quando ficávamos em casa de manhã, minha irmã mais velha ia pra escola. Ele cuidava de mim e da minha irmã mais nova, e ficávamos no sofá de manhã, para ver desenho. Eu ia com minha coberta para sala no sofá ver TV, e ele ficava de pênis
duro colocando no meu pé.” “Com o tempo, comecei a achar normal e queria fazer, mesmo sabendo que estava errado. Era bem criança, mas sempre fui para frente. No início, eu relutava muito.” “Havia outro primo, o Michel (nome fictício), mais velho e o chamava para minha casa estimulando a gente a se masturbar. Eu lembro que uma vez meus pais pediram para ele me olhar de noite. Só ficamos eu e ele em casa. Começava-nos a se masturbar e quando ejaculou, disse: ‘’Bebe, é leite condensado”. Eu respondi “Não quero, que nojo”. Eu não fiz porque tinha nojo, mas ele me incentivava. ”. “Ele morreu, foi assassinado. A índole dele nunca foi boa. Usou droga e ficava no bairro com os marginais. E não tinha pai, era só mãe. Morreu assassinado bem novo. Eu não falo para minha mãe porque ela era apaixonada por ele. e nunca conversei sobre isso com meu primo Michel. ” As consequências psicológicas de um abuso sexual são severas, e po-
Foto:Pixaby
do. Eu nunca gostei, sempre detestei, achava horrível, mas não via como algo errado, pois eu confiava nele”. Rodrigo chegou a comentar com a mãe sobre as consultas. “Quando eu falava com a minha mãe, ela dizia que era da minha cabeça, pois ela também tinha muita confiança no médico. Ninguém desconfiava. Se minha mãe falava que não era nada, então não era nada. ” Segundo Rodrigo, jamais pensou em denunciar o médico que o assediou, pois seria humilhante demais. “Eu nunca pensei em denunciá-lo, já pensei em dar uma porrada. Acho que denunciar seria mais humilhante para mim do que bater nele”. “Eu só voltei a falar com a minha mãe muitos anos depois, depois de aprender a meditar. Minha mãe acreditou e viu que eu estava falando a verdade, pois eu falava isso há anos. Minha mãe ficou em silencio uns 3 dias, de peso na consciência. Com meu pai eu não falei. Na época eu era próximo dele, mas não tive vontade de falar. Minha mãe ficou em choque uns 3 dias, mas também
- Reportagem
O semblante da violência sexual
Diagramador(a): Jefferson Luis e Rian Matos
54-57 - Estupro Masculino - Jefferson e Rian.indd 55
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
55
27/03/19 10:13
Reportagem - Polícia dem durar anos, até que a vítima consiga procurar ajuda psicológica. “Eu tenho traumas demais, que só percebi quando fui ficando mais velho. Como no início da vida sexual uma posição me lembrava eu deitado na cama e ele me tocando, eu não conseguia ter relações assim com as minhas parceiras.” “Já pensei em procurar apoio psicológico porque já achei que meu temperamento explosivo pudesse ser desse trauma. Eu sou bem estressado e às vezes sou meio doido, tenho mania de perseguição, de coisas que não estão acontecendo. Todo tempo acho que esto sendo perseguido, que estou fazendo algo errado e as pessoas vão descobrir - mesmo sem fazer nada errado, ” afirma Daniel.
Psicóloga
Foto: conteudo.pucrs.br/
Edelwaiss conta que, às vezes, as crianças sentem raiva dos pais,
por eles os pais não terem ajudado quando precisaram. “As vítimas não buscam ajuda psicológica, elas escondem, por vergonha, por sofrimento, por trauma, e por achar que não foram abusadas, e sim que elas que permitiram, ” disse Edelwaiss. Segundo a psicóloga, em tese as escolas são preparadas para lidar com esse tipo de situação, mas na prática não. No entanto, algumas profissionais da educação costumam ficar atentas e realizar encaminhamentos caso percebam um distúrbio comportamental, mas dentro da própria escola não há estrutura para isso. É perceptível que não existe uma estrutura sólida para cuidar desses homens e meninos que sofrem violência sexual, existem sim abrigos para onde crianças abusadas são levadas, mas é difícil para profissionais da educação, que não fo-
ram treinados para isso, perceberem que elas precisam de ajuda. Por isso existem casos como os de Rodrigo e Daniel, que sofreram em silêncio durante grande parte de suas vidas. As delegacias estão despreparadas para atender homens que sofrem com este crime na fase adulta, já que alguns policiais não têm conhecimento de que isso é possível.
Despreparo policial A equipe da Ponto e Vírgula contatou três delegacias em Belo Horizonte para verificar quais os procedimentos em casos de estupro masculino e foi surpreendida pelas informações truncadas. Para confirmar o “despreparo” da polícia, liguei para três delegacias, duas delas sendo delegacias da mulher. Na primeira delegacia de Polícia Civil, o funcionário informou que
Criança vítima de violência
56
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
54-57 - Estupro Masculino - Jefferson e Rian.indd 56
Diagramador(a): Jefferson Luis e Rian Matos
27/03/19 10:13
Polícia
www.ansocial.com.br/wp-content
que qualquer delegacia estaria apta para receber um homem vitima de estupro ou qualquer outra violência sexual, mas que seria encaminhado para a Delegacia da Mulher, pois é lá que se lida com crimes sexuais. Ainda segundo o funcionário, a Polícia Militar chegaria primeiro no local, faria a ocorrência, e depois encaminharia a vitima para a Delegacia da Mulher. Na Delegacia da Mulher, o funcionário se surpreendeu com as perguntas e afirmou que homens não podem ser estuprados, que isso não existia, pediu algum tempo para confirmar com os colegas, e voltou ao telefone e afirmou “que isso não era possível.” Na última delegacia especializada em crimes contra a mulher, a funcionária demonstrou a mesma confusão com relação aos procedimentos. Afirmou que a delegacia atendia apenas mulheres e crianças e recomendou que, em caso de estupro masculino, a vítima ligasse para o 197. Orientou ainda que a vítima procurasse a delegacia responsável pela região onde o crime ocorreu, e que esta seria a responsável por auxiliar. Mesmo que a lei deixe claro que um homem também pode ser uma vítima de estupro, os funcionários não parecem estar treinados para lidar com isso de forma apropriada, mesmo que poucos homens denunciem este tipo de crime. Mas não é apenas na fase adulta que os homens correm o risco de ser estuprados, segundo a psicóloga especialista em vítimas de abuso Edelwaiss Peluso. “As crianças , incapacitados, idosos, ou deficientes físicos são aqueles menos potentes e, por isso, não irão reagir, ficando assim mais vulneráveis”. A omissão vem devido a medos, à falta de auxílios as vitímas de estupro, acarretando problemas psicológicos e físicos
Justiça a cada dia se tornando aliada da população
UMA SÓ PENA PARA AMBOS OS CRIMES Ocorreu uma junção dos artigos 213 e 214 do Código Penal, pois a pena do atentado violento ao pudor era branda, de dois a sete anos, ou ser transformada em prestação de serviços ,restrição de direitos quando condenado a pena mínima. Agora, com a unificação, a pena passou a ser de oito a doze anos. Então, com a alteração, ela está tipificada no estupro, sendo unificada para tentar abolir a situação anterior que era uma pena relativamente baixa. Com a pena maior, na prática, é punível com maior rigor. Portanto, o crime que antes era bipróprio, sendo o sujeito ativo homem, e o sujeito passivo mulher, passou a ser bicomum, ou seja, o sujeito ativo e passivo pode ser homem ou mulher. Logo, se um homem é estuprado, essa lei serve para protegê-lo e para punir o agressor. No entanto, são poucos os homens que conseguem fazer uma denúncia após sofrer este tipo de agressão, por medo de preconceitos, julgamentos e diversos posicionamentos contrários à vítima.
Diagramador(a): Jefferson Luis e Rian Matos
54-57 - Estupro Masculino - Jefferson e Rian.indd 57
- Reportagem
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
57
27/03/19 10:13
Esportes - Súmulas do futebol
AS MELHORES SÚMULAS DO FUTEBOL BRASILEIRO Repórter da emissora ESPN, Francisco De Laurentiis contou algumas curiosidades sobre a construção da página “As melhores súmulas” do futebol brasileiro
Foto: Reproduçào
Por Philippe Fraga
Súmula do jogo Internacional 3 x 0 Spartax, válido pela segunda divisão do Campeonato Paraibano
Na grande maioria das modalidades esportivas, a existência das súmulas é primordial para os árbitros anotarem as informações e acontecimentos de cada partida, uma vez que este documento precisa ser entregue à entidade que administra o esporte. No futebol, por exemplo, as súmulas são utilizadas para registrar o nome dos jogadores que marcam os gols, recebem cartões ou que cometem graves infrações na partida. Atos de vandalismos de torcedores, como arremessos de objetos nos gramados, mensagens ofensivas, confusões nas arquibancadas e danos na estrutura, tabém são transcritos pelos árbitros.
58
“O fato de os árbitros terem um cuidado meticuloso para especificarem os acontecimentos me diverte demais” Francisco de Laurentiis
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
58-59 - As Melhores Súmulas do Futebol Brasileiro.indd 58
De forma bastante descontraída, o jornalista Francisco De Laurentiis da ESPN vem trazendo de novidade às postagens das súmulas mais curiososas do futebol brasileiro em sua página no Facebook chamada “As melhores súmulas”, com alguns dos relatos mais interessantes feito pelos juízes. De acordo com Laurentiis, a forma “séria” com que os árbitros transcrevem os acontecimentos na partida torna o documento engraçado, algo que ele acredita acabar por criar um humor. "O fato de os árbitros terem cuidado meticuloso ao especificar as reações e os palavrões proferidos por
Diagramador(a): Philippe Fraga
27/03/19 10:12
- Esportes Foto: Arquivo Pessoal
Súmulas do futebol
O jornalista da ESPN Francisco De Laurentiis é administrador da página “As melhores súmulas” no Facebook
jogadores, técnicos e cartolas me diverte demais. É um humor incoerente, que cria um efeito cômico em algo que supostamente deveria ser muito sério", afirmou o repórter. O paulista afirmou também que, nessa jornada de divulgação, várias súmulas o fizeram dar gargalhadas, em especial a do jogo realizado recentemente entre Figueirense x Avaí, pelo Campeonato Catarinense, quando o árbitro Ramon Abatti Abel justificou que expulsou o meia Marquinhos, do Avaí, "por comemorar o gol de sua equipe de maneira provocativa, executando a famosa "dancinha do creu" diante de sua torcida, o que ocasionou também perda de tempo de jogo". Uma outra partida citada pelo jornalista foi o jogo entre Novorizontino x Palmeiras pelas quartas de final do Campeonato Paulista nela o árbitro relatou na súmula de maneira muito engraçada, um arremesso acidental de chinelo no campo por parte de um torcedor, que depois se dirigiu até o juíz para se desculpar. Segundo o repórter, a ideia da criação da página “As melhores sú-
Diagramador(a): Philippe Fraga
58-59 - As Melhores Súmulas do Futebol Brasileiro.indd 59
mulas”, no Facebook, surgiu com o intuito de informar as pessoas sobre os acontecimentos pós-jogo, mas o jornalista percebeu que o tema divertia muito o público de sua página pelos fatos relatados no documento.
“Passei a ter contato com muitas súmulas de diversos jogos e simplesmente me apaixonei pelo humor involuntário de algumas delas” Francisco de Laurentiis “Resolvi selecionar algumas súmulas engraçadas e compartilhar em uma página no Facebook, para que assim mais gente pudesse rir comigo. E pelo jeito muitas pessoas
gostam do tema, já que a página recebeu quase 1.000 curtidas em menos de quatro dias, e segue crescendo a cada hora”, disse o repórter da ESPN à revista Ponto e Vírgula. O repórter da emissora ESPN, Francisco de Laurentiis, de 29 anos, nasceu em Ribeirão Preto, interior de São Paulo. O jornalista cobriu uma Copa do Mundo, uma Eurocopa, duas finais de Copa do Brasil e muitos outros grandes jogos nacionais e internacionais. O administrador da página do Facebook conta que começou de fato a se apaixonar com súmulas ainda em seu estágio na assessoria do Palmeiras, em 2009, quando passou a ter contato direto com elas. “Passei a ter contato com muitas súmulas de diversos jogos e simplesmente me apaixonei pelo humor involuntário de algumas delas”, concluiu o jornalista, em entrevista à revista Ponto e Vírgula. A página administrada pelo jornalista, que trabalha na ESPN desde 2013, já coleciona cerca de 2.500 curtidas no Facebook
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
59
27/03/19 10:12
Opinião - O tempora, o mores!
“O TEMPORA, O MORES!”
foto: oglobo.com.br
Por Marina Sathler
Livros em chamas: os reflexos da obra de Ray Bradbury no cenário político
Nada melhor que uma boa distopia para traduzir o nosso Brasil atual. Em “Fahrenheit 451”, Manuel da Costa Pinho nos apresenta, no prefácio da obra, um comentário que Freud teria feito ao seu amigo Ernest Jones, diante da queima de tantas obras que ameaçavam a conservação do regime nazista: “Que progresso estamos fazendo. Na Idade Média, teriam queimado a mim; hoje em dia, eles se contentam em queimar meus livros”. Mal sabia Freud que, oitenta e cinco anos depois, uma larga fatia de um certo país latino-americano abraçaria, simultaneamente, as duas práticas – o abatimento do inimigo e a pulverização deliberada da nossa memória. Vivemos hoje uma espécie de
60
“peste da desmemória”. Edmund Burke, filósofo e polírico anglo-irlandês do século XVIII, dizia que um povo que não conhece a sua história está fadado a repeti-la. Pois a profecia parece ter sido feita sob medida para a República das Bananas. Em verdade, é quase que tradição a falta de apreço do brasileiro pela vida pregressa do país - nossa história sempre foi objeto de desdém e não são raras as vezes em que se escuta, por essas bandas, o velho ditado: “quem vive de passado é museu”. Nas escolas, decoram as datas mais importantes, para os exames, e vale tão somente a versão oficial dos fatos. É como disse o historiador José Murilo de Carvalho, em entrevista no programa Roda-Viva: “sobre o
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
60-61 - O tempora, O mores - Marina.indd 60
nosso passado, sofremos de um alzheimer coletivo; sobre o presente, vivemos de carpe-diem; e o futuro a deus pertence”. E por não conhecer a história, ressuscitamos hoje um de seus capítulos mais sombrios. Como se não bastasse a sucessão de crises institucionais e a eclosão da mais grave recessão da história, somos apresentados ao possível ocaso do nosso regime democrático. As eleições de 2018 nos confrontou com uma fanática e não modesta parcela da população a flertar com valores fascistas, sob a benção do militar Jair Bolsonaro, candidato a presidência da república pelo Partido Social Liberal (PSL) e famoso por suas truculentas declarações misóginas, racistas e homofóbicas. Com
Diagramador(a): Marina Sathler
27/03/19 10:12
O tempora, o mores! Do outro lado, temos a guerra ideológica endossada por uma mídia que, através de um sofisticado mecanismo de desestabilização, assume o comando de todo o processo eleitoral. A explosão das chamadas Fake News, introduzidas nas redes sociais, acaba desse modo por pavimentar o caminho para a instauração de um regime totalitário, amparado pela própria população. O fenômeno é um tanto quanto previsível. Primeiro cria-se o inimigo comum, responsável por todo e qualquer mal da nação; nesse caso, o Partido dos Trabalhadores (PT). Há que rebaixá-lo ao nada, à condição de animal irracional. Em seguida, nasce o discurso da pureza moral, uma espécie de luta entre o bem e o mal que se cumpre no “nós e eles”. Por fim, destrói-se o mal - como a expulsão de uma bactéria nociva ao bom funcionamento do corpo humano.
Nessa dinâmica, a aplicação das leis dá lugar a aplicação da moral e, com isso, as discussões sobre temas importantes tais como a legalização do aborto, das drogas e o tratamento de questões de gênero nas escolas caem por terra ao serem submetidas a princípios morais e religiosos. As consequências disso são claras: explosão dos índices de feminicídio, diminuição da expectativa de vida de travestis e transexuais, e aumento da população carcerária – a terceira maior do mundo. Num país em que uma mulher é assassinada a cada onze minutos, por motivações passionais, e o número de homicídios por ano se hospeda na casa dos 60 mil, a humanidade parece estar na iminência de abandonar as nossas terras, enquanto a barbárie vem assumindo as rédeas. Já dizia Marcus Tullius Cícero, em uma de suas catilinárias: “O tempora, o mores! [Oh tempos, oh costumes!]”
Discurso do orador romano Marcus Tullius Cícero contra o senador e conspirador Lúcio Sérgio Catilina, em 64 a.c. (pintura de Cesare Maccari, 1888)
Diagramador(a): Marina Sathler
60-61 - O tempora, O mores - Marina.indd 61
Revista Ponto & Vírgula — Abril de 2019
foto: ambientelegal.com.br
o avanço galopante do candidato e consequente liderança na corrida presidencial, os seus eleitores adquirem uma espécie de um salvo-conduto que legitima todo a seu arsenal de preconceitos, antes reprimidos pela ascensão das chamadas minorias, e, dessa maneira, saem pelas ruas a destilar as suas várias camadas de ódio e intolerãncia em formato de linchamentos. E essa turma não está sozinha. De um lado, encontra-se a peça chave dessa engrenagem – o judiciário. Nas últimas semanas, assistimos de muito perto aos graves sintomas de um magistrado que se pretende deus; uma espécie de Olimpo para acerto de contas, em que juízes encobertos por capas pretas e mandatos vitalícios, se apresentam como super-heróis da nação, dispostos a moralizar o país quando necessário, nem que para isso os tanques venham se juntar às togas.
- Opinião
61
27/03/19 10:12
AnuncioFumec-02.pdf 1 16/11/2018 13:35:57
C
M
Y
CM
MY
CY
CMY
K
USE SUA NOTA DO ENEM E GANHE BOLSAS * DE ATÉ 100%
Provas agendadas INSCREVA-SE
*LEIA O REGULAMENTO COMPLETO EM:
VESTIBULAR.FUMEC.BR PARA MAIS INFORMAÇÕES: 0800 0300 200 | fale@fumec.br
Anuncio2.indd 1
28/11/18 09:54
contracapa.indd 1
29/11/18 10:52
Bharbixas FC - CampeĂľes da Primeira Champions Ligay Foto: Champions Ligay