Uma publicação da turma de Projetos Gráficos do curso de Jornalismo da Universidade Fumec Belo Horizonte, Dezembro de 2017
Cala-te boca
Jornalistas silenciados
Jornalismo
Emprego ou vocação?
Interesse público Interesse do público
Álcool e Tabaco Publicidade e ética
ética em pauta — dez/2017
Editorial
Índice Cala-te Boca: Só em 2016 silenciaram 78 jornalistas no mundo. Ricardo Davidovsk
Bárbara Teixeira
pg. 05
O outro lado da moeda: O direito de resposta.
Ética
Fake News: uma notícia sem compromisso com a verdade pg. 25
Limites do Interesse
Rian Matos e Vitor Hugo
Mariana Zanon e Letícia Tófani
pg. 28
pg. 08
Álcool e Tabaco: Publicidade e Ética.
Ana Staut e Júlia Mazzoni
Inconsequência das quase verdades. Tayenne Paulino Dias
pg. 11
Jornalismo: Emprego ou vocação?
pg. 31
Mídia VS Privacidade Stéfanie Xavier
Sóstenes Mendes
pg. 33
pg. 20
Limites que ultrapassam a informação.
Diego Tadeu e Ivan Duarte
Pedro Fortini
Lava Jato vira discussão sobre Código de Ética Fernanda Alves
pg. 35
Sensacionalismo: Por que ainda o usamos? Clara Reggiani
pg. 16
A integridade no jornalismo.
pg. 38
O julgamento que vem da mídia
Beatriz Moraes
Norah Lapertosa
pg. 19
O questionamento do escondido.
Renato Albino e Jefferson Luís
pg. 23
Fragmentada e, ainda assim, convertida em preceitos sincrônicos: é a Ética. Nesse trabalho organizado pelos alunos de Jornalismo da Universidade FUMEC, na disciplina de “Projetos Gráficos”, foram desenvolvidos textos fundamentados nos princí-
pg. 14
Interesse Público X Interesse do Público
Ana Staut
pios de Ética e Legislação para explorar temas vistos na sociedade jornalística e individual. Agradecemos aos professores e colaboradores pelo apoio e disponibilidade genuína dada aos alunos. À Professora Dunya Azevedo, ao Professor Aurélio José e nosso auxiliador Daniel Martins, oferecemos nossos mais sinceros cumprimentos e considerações. “Ética em Pauta” transpassa um simples projeto de classe, é o conjunto de horas aplicadas e estudos trabalhados com seriedade. Cada matéria foi reali-
pg. 42
Como tratar de ética no jornalismo? Pedro Paiva
pg. 47
zada com o intuito de trazer elementos considerados importantes para a reflexão, e posteriormente, contribuir para a construção de uma sociedade cada vez mais pautada na ética e cidadania. Bon Apetit!
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Cala-te boca Só em 2016 foram silenciados 78 jornalistas no mundo. Para combater tal número, assassinatos contra comunicadores deveriam ser federalizados.
Ricardo Davidovsk O Brasil amarga a 103ª posição entre 180 países no Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa de 2017, divulgado pela RSF (Repórteres Sem Fronteiras) em abril deste ano. Pelo sexto ano seguido, o país está na parte inferior do ranking. No ano de 2016, a RSF
Em 2016, segundo estudo da Unesco, cinco jornalistas foram mortos no Brasil por causa de sua profissão, alçando o país ao sétimo lugar no ranking mundial de nações que são palco de
registrou ao menos três comunicadores mortos em relação direta com sua atividade profissional no país. Nos últimos cinco anos, foram registrados 21 casos de assassinatos de jornalistas. O que torna o Brasil o segundo país mais mortífero para a profissão na América Latina, perdendo apenas para o México (onde só no ano passado tiveram ao menos 10 assassinatos). “Tem sido algo constante”, declara Alessandra Mello, presidente do Sindicato de Jornalistas Profissionais de Minas Gerais (SJPMG). “É incrível que no século 21, com as redes sociais que dão voz à população, ainda tem de se discutir violência contra jornalistas”, ressalta a líder sindical. “Não que o jornalista tenha direitos a mais que o cidadão comum, que também é alvo de violência diariamente, mas um ataque aos comunicadores é sempre um ataque
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à democracia”, diz Alessandra Mello. No próprio Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, especificamente no art. 1º, está expresso que é direito do cidadão informar, ser informado e de ter acesso à informação. Mas, na prática, isso parece não funcionar. Apesar desse quadro de violência, o país segue sem um mecanismo de proteção voltado para os comunicadores em situação de risco. “A impunidade é o fator que garante esse número elevado de casos”, diz a presidente do SJPMG. “Porque as pessoas fazem na certeza de que não vai acontecer nada”, critica. Esse é o caso de Evany José Metzker, que foi assassinato em maio de 2015 na cidade de Padre Paraíso (MG), no Vale do Jequitinhonha, onde investigava traficantes e um esquema de prostituição infantil e até agora ninguém foi punido. Metzker foi encontrado decapitado, seminu e com as mãos amarradas. Alessandra Mello contou que o Sindicato de Jornalistas de Minas Gerais oficiou o governo cobrando uma resposta, mas
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Jornalista não é morto por cidadão comum por causa do exercício da profissão. Ele é morto por poderosos. Por gente que detém poder político e econômico” lessandra Mello
não obtiveram nada esclarecedor: “Fomos informados que o caso tramitava em sigilo e que não poderia ser publicizado. Não deu em nada o caso Metzker!”. Há outro caso: Mauricio Campos Rosa, dono do jornal ‘O Grito’, que morreu após ser baleado em agosto de 2016 em Santa Luzia (MG). “O que esperamos é que não aconteça com o Maurício o que aconteceu com Metzker”, disse Alessandra Mello no ano passado numa entrevista para o Ponte Jornalismo. Felizmente, isso não aconteceu. O caso foi esclarecido em 2017. A prefeita de Santa Luzia, na região metropolitana de Minas Gerais, Roseli Ferreira Pimentel, foi indiciada por homicídio duplamente qualificada e
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Reprodução/Facebook
Reprodução/Facebook
Evany Metzker tinha o blog “Coruja do Vale”, onde denunciava uma série de crimes.
Maurício Campos Rosa era dono do jornal “O Grito“, de Santa Luzia
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pelo uso de verbas públicas para pagar os assassinos e por ocultar as provas do crime. Ela foi presa em setembro, mas conseguiu habeas corpus e está sendo monitorada por tornozeleira. “O que repete o que dizemos sempre: Jornalista não é morto por cidadão comum por causa do exercício da profissão”, diz a presidente. “Ele é morto por poderosos. Por gente que detém poder político e econômico”. Para se ter um combate mais efetivo a crimes contra jornalistas, segundo ela, é preciso federalizá-los. A fim de enfatizar tal proposição ela cita o caso de Rodrigo Neto, morto com dois tiros no dia 8 de março de 2013 em Ipatinga (MG). Ele era especializado na cobertura de notícias policiais e, durante sua carreira, denunciou diversos crimes, inclusive envolvendo policiais militares e civis. Segundo a reportagem feita por Bob Fernandes e Bruno Miranda, realizada pela ABRAJI (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), quem matou foi Alessandro Neves Augusto, conhecido como “Pitote” e o ex-policial civil, Lúcio Lírio Leal. Na reportagem, Durval Ângelo, na época vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da ALMG, diz claramente que quem mandou matar Rodrigo Neto foram policial, delegado e políticos. Ainda fala que o jornalista morto denunciava vereadores de Ipatinga, delegados da polícia civil e ele envolvia um deputado federal na sua denúncia. “Como investigar isso?”, questiona-se Alessandra Mello. “Não dá para isso ser investigado pelas forças policiais do estado onde a pessoa foi assassinada ao exercer a profissão. Tem que ser federalizado!”. De acordo com a RSF, só em 2016 contabilizaram-se 78 jornalistas assassinados em todo o mundo. Quando questionada se ao ver esse nú-
Número de jornalistas assassinados no Brasil desde 2006
mero dá vontade de parar de exercer a profissão ou se isso só aumenta a vontade de lutar pela liberdade de expressão, A presidente declara que em 20 anos de profissão já viu, já sofreu, já ouviu cada tentativa de cercear a atuação da imprensa, de todas as maneiras possíveis, vindo de todos os lados, até do lado que nunca se imagina que tal coisa pudesse acontecer.
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“Temos que resistir!”, diz ela. “Sempre
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falo isso e sempre vou falar, temos que
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defender o jornalismo. É um pilar da democracia. Não podemos desistir!”
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2006 2007 2008 2009
2010 2011 2012 2013 2014
2015 2016
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O outro lado da moeda O direito de resposta no jornalismo Mariana Zanon e Letícia Tófani O direito de resposta é o direito que uma pessoa ofendida tem de recorrer à matéria ou ao veículo que a publicou, assegurado pelo Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros no Art. 12° número VI, podendo em rádio, TV ou no jornal impresso. Mesmo sendo um direito fundamental assegurado pela Constituição, precisaria de regulamentação desde 2009. A lei do direito de resposta foi finalmente sancionada no dia 11 de novembro de 2015, pela Presidência da República. Ismar Madeira, coordenador do curso de jornalismo da Universidade Fumec e repórter da TV Globo, afirma que esse é um direito fundamental. “Se houver necessidade de recorrer, inclusive à justiça, deve-se recorrer. É um direito
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O ideal seria que o jornalista agisse de maneira que não seja necessário o direito de resposta, ou seja, que essa resposta já esteja contida em seu trabalho”
de todo cidadão, acho que nem precisava estar num código de ética. Porém, é necessário que tenha um código sim, porque é um balizador para o comportamento profissional, a própria justiça como um todo já dá um direito das pessoas se defenderem, de terem uma resposta, mostrarem seu lado. É claro que isso muitas vezes parece subjetivo demais e é por isso que entra a justiça. Se a pessoa acha que foi atingida de uma certa maneira ou que não foi ouvida ela deve sim recorrer. Está correto.” O jornalista também relata que a busca pelo direito de resposta é frequente. “Na verdade, não é raro que pessoas peçam o direito de resposta, mas nada relevante, não consigo me lembrar muito. Por exemplo, se eu pensar em relação à prefeitura, já houve casos de alguém dizer algo durante uma reportagem ou uma entrevista ao vivo, e depois vem o assessor de imprensa daquela secretaria ou daquele órgão pedindo para falar. E o correto é que se coloque a informação da pessoa também”. Uma pergunta que surge é se o direito de resposta limita o jornalismo. Para Ismar não é um limitador e, sim, uma preocupação do jornalista. O que acontece é que, muitas vezes, na correria no dia a dia, no tempo curto que o jornalista tem, pode ser que não dê tempo de ouvir, o que não é ideal, por isso, que o jornalista tem que ter um peso do que ele está colocando, fazer uma
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avaliação crítica daquele material. Não é simplesmente ir colocando qualquer pessoa falando sobre qualquer coisa. É preciso que se saiba que qualquer informação dita em veículo, seja ele jornal, site, internet, vai gerar consequências, daquela pessoa, daquele órgão, sobre o que foi citado. Temos como exemplo, mesmo sem a legislação estar em vigor, mas sendo praticada, o Jornal Nacional que, em 15 de março de 1994, com dois anos de luta na Justiça, recebeu o pedido de resposta do Leonel Brizola, na época governador do Rio de Janeiro. O motivo foi a divulgação de uma matéria no jornal “O Globo” por intitular “Para entender a fúria de Brizola”, que queria impedir a transmissão feita pela emissora do desfile das escolas de samba do Rio
Ismar Madeira, repórter da Rede Globo e coordenador do curso de jornalismo na Universidade Fumec
de Janeiro naquele ano. Após a lei ser sancionada em 2015, tivemos inúmeros casos de direito de resposta que viraram destaque na mídia por se referirem a pessoas públicas, como em 2016, o Jornal Nacional, da Rede Globo, reagiu aos advogados de Lula, que solicitaram direito de resposta via carta, baseada na lei de número 13.188. Na carta, os advogados relatam que nem Lula nem sua assessoria foram procurados para oferecer uma resposta às acusações que lhes foram imputadas pelos promotores. Os advogados alegam: “Registre-se, ainda, que a assessoria de imprensa do ex-presidente não foi instada a apresentar qualquer esclarecimento prévio pela emissora, como seria recomendável e necessário, de acordo com os princípios editoriais por ela divulgados.” A Rede Globo se defende dizendo que em um e-mail enviado às 17h33, um jornalista da emissora pediu ao Instituto Lula nota comentando a denúncia oferecida pelo Ministério
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Público contra o ex-presidente Lula, no caso Bancoop. A resposta chegou à
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Sustentando o pedido de resposta, os advogados afirmam que a reportagem foi ofensiva ao ex-presidente da República”
redação às 20h25, 15 minutos antes do início do jornal. E no espaço para o assunto, dizia: Nota - Teixeira, Martins & Advogados. Esta nota foi divulgada no Jornal Nacional praticamente na íntegra, lida por William Bonner e Renata Vasconcellos, apenas com adaptações para transformá-la em texto jornalístico. Sustentando o pedido de resposta, os advogados afirmam que a reportagem foi ofensiva ao ex-presidente da República. Tratando-se de uma distorção. E reproduzindo as mesmas respostas de Lula e seus advogados. Se os fatos narrados são ofensivos ao ex-presidente, a imprensa não tem nenhuma responsabilidade. Tem, porém, o dever de informar o povo brasileiro dos fatos relevantes, todos os fatos, sobre quem quer que seja. Outro exemplo, também sobre Lula, ainda mais recente, ocorreu em 30 de agosto. Em reportagem exibida no Fantástico, sobre uma sentença do juiz Sérgio Moro, foram citadas as principais provas que o juiz elencou para fundamentar sua
Leonel de Moura Brizola, exgovernador do Rio de Janeiro
decisão. E também foram apresentadas críticas à sentença feitas pelos advogados de Lula. A reportagem ainda informou que o ex-presidente tinha entrado com um recurso contra a sentença do juiz Sérgio Moro. Mesmo com isso, os advogados de Lula pediram à Justiça o direito de resposta, ainda declararam que a reportagem do Fantástico tinha atentado contra a honra, intimidade, reputação e imagem do ex-presidente e representava abuso do direito de informação. O juiz Gustavo Dall´Olio concluiu a sentença dizendo que a condenação por crime contra a administração pública é moralmente desfavorável a Lula e não ao exercício legítimo do dever de informar.
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Crédito: Stoater
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Álcool e Tabaco:
Publicidade e Ética Ana Staut e Júlia Mazzoni O consumo de bebidas alcoólicas e tabaco são práticas comuns no mundo todo. Ainda que o uso seja comum, a realidade conta com uma grande diferença nas propagandas de tais produtos. A questão da dissemelhança na publicidade não é simples e muito menos possui uma resposta imediata. Público, contexto e até mesmo a mensagem a ser transmitida para aqueles que consomem álcool e tabaco, devem ser levada em conta e estudada. Nossa Constituição propõe, nos artigos 220 a 225, os preceitos jurídicos da propaganda televisiva no Brasil. Sendo assim, o art. 220, § 4º, CF assegura restrições à propaganda de tabaco e álcool, expressamente em nome da defesa da família quanto à nocividade de tais produtos e preservação da saúde. Apesar da limitação conferida pela Constituição para a propaganda de tabaco e álcool, a Lei nº 9.294/96, com redação dada pela Lei nº 12.546/11, discorre tão somente sobre a proibição de propaganda de tabaco, além da obrigatoriedade de
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aposição de imagens ilustrativas da nocividade do tabaco nos maços de cigarro. Em contraponto, a lei que completa os preceitos constitucionais não proíbe a propaganda de álcool na televisão. Proíbe-a apenas em estádios de esportes, a venda a menores, venda pela internet e escolas. A permissão de propaganda do álcool na televisão e proibição da propaganda do tabaco são incoerentes. A finalidade da lei e dos princípios constitucionais é proteger a saúde, e não está sendo cumprida. A psicóloga Kelley Soares Santos Jardim, especializada em Terapia de Família e Casal e coordenadora de um Grupo de Estudos sobre Luto e Morte, acredita que a diferença tem a ver com rentabilidade, com o que é mais interessante economicamente. “A venda de cigarros, embora seja bastante lucrativa, onera muito a saúde, pois o uso de cigarro traz prejuízos vasculares e circulatórios, pode ser a principal causa etiológica do desenvolvimento de doenças crônicas, como bronquite e enfisema pulmonar. Sei que a dependência do álcool também pode levar a doenças crônicas, como hipertensão, pancreatite e cirrose hepática, que leva a internações hospitalares e aumenta o índice de mortalidade. Ainda assim, creio que o faturamento do mercado de bebidas alcóolicas seja Kelley Soares Santos Jardim (Foto de seu Arquivo Pessoal)
superior. Não estou certa desse dado, é puro ‘achismo’. Mas, mesmo que o lucro da indústria de bebida alcóolica seja inferior em relação às despesas com saúde, há outros fatores culturais que podem estar relacionados a diferença entre a propaganda de cigarro e bebida. Por exemplo, o cigarro está associado à impotência sexual, numa sociedade em que a potência sexual, a virilidade,
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Mesmo que o lucro da indústria de bebida alcóolica seja inferior em relação às despesas com saúde, há outros fatores culturais que podem estar relacionados a diferença entre a propaganda de cigarro e bebida”
são exaltadas”. Enquanto a publicidade televisiva de tabaco é proibida, um estudo da Universidade Federal de São Paulo, (Unifesp) realizado em 2010, constatou que, em 420 horas da programação dos quatro canais de TV de maior audiência no Brasil, a publicidade de bebidas alcoólicas estava concentrada nos programas de esporte. O tipo de programação veiculada foi frequente nos períodos da manhã e da tarde e com um forte apelo ao público menor de idade, que fica exposto à propaganda de bebida. “Os comerciais de bebida alcóolica são muito sensíveis no sentido de conhecer o perfil do consumidor. Eles apelam para aquilo que, em geral, o brasileiro mais quer: a mulher “gostosa” do lado. Nos comerciais de cerveja, por exemplo, a bebida aparece como a grande responsável por trazer a mulher gostosa e por promover toda aquela sensação de bem-estar. Além disso, a bebida é apresentada com uma característica agregadora, ela é aquela que promove encontros. Não é à toa que ela está nas mesas de festa, está no fim do expediente, está nos momentos tristes e de decepção, está em todos os momentos”, declarou Kelley Jardim. A profissional da saúde, a partir da sua experiência clínica, aborda o pro-
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Crédito: Patrick Brinksma
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blema por um viés mais consequencial do consumo. Segundo ela, enquanto os pacientes que utilizam dos benefícios do tabaco possuem um quadro de ansiedade, busca de relaxamento, diminuição da tensão e do tédio e fuga da solidão; aqueles que consomem bebidas procuram uma “inconsciência”, uma maneira de sair da realidade e se entregar às suas vontades. O cigarro aparece ligado à impotência sexual e ausência de saúde, enquanto a bebida aparece ligada ao prazer (que é uma busca valorizada e encorajada pela nossa cultura). Ter resistência e/ou preconceito – expressa a tendência de um certo modo de pensar, viver e relacionar, além de um ideal do que é viver plenamente. ”O álcool é o principal fator de risco de morte e incapacidade entre pessoas com idade de 15 a 49 anos nas Américas. Quase 40% dos países das Américas não têm restrições ao marketing do álcool e nenhum deles tem uma proibição total de comercialização. Sete países relataram ter códigos de autorregulação, apesar das evidências de que não são eficazes na redução da exposição dos jovens ao marketing do álcool.A autorregulamentação publicitária parece não ser suficiente para evitar abusos e influências de consumo, sendo, então, necessárias restrições à propaganda de álcool tão rígidas quanto as existentes para o cigarro” informou a Organização Mundial de saúde, (OMS), em publicação datada em 18 de abril de 2017. A autorregulamentação publicitária parece não ser suficiente para evitar abusos e influências de consumo, sendo, então, necessárias restrições à propaganda de álcool tão rígidas quanto às existentes para o cigarro.
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Limites que ultrapassam O grau de confiança que o jornalista deposita em suas fontes e a importância das mesmas para a veracidade dos fatos Diego Tadeu e Ivan Duarte Até que ponto o jornalista pode confiar em suas fontes? É necessário que ele não se restrinja a ouvir apenas uma, pois a mesma pode estar lhe passando
“
“Essa relação é construída quando você recebe uma informação, checa detalhes, verifica com várias pessoas e tudo se encaixa. Aí começa a confiança”
aquela informação para obter interesses pessoais. Portanto, os jornalistas buscam sempre ouvir mais pessoas, visando como objetivo a verdade. O jornalista deve estar ciente da sua responsabilidade e reputação frente ao público. Por trás de todo esse processo de construção de notícia existem apurações para chegar ao entendimento da verdade. Como o jornalista estabelece a confiança em sua fonte? O comunicador busca se atentar para os detalhes, ouvir mais pessoas e apurar todas as informações. “Essa relação é construída quando você recebe uma informação, checa detalhes, verifica com várias pessoas e tudo se encaixa. Aí começa a confiança”, destacou Adilson Martins, repórter setorista do Cruzeiro pela rádio Transamérica. A relação entre o jornalista e a fonte não precisa ser necessariamente de amizade, pode ser uma relação de troca porque, muitas fontes, vão passar informações com o único interesse de informar. “O jornalista não deve dar algum
Adilson Martins, repórter esportivo da Transamérica
retorno financeiro para a fonte, nada disso. E nem relação de amizade. A gente vai conhecendo a fonte e estreitando um relacionamento sério com essa pessoa em prol de uma credibilidade. Você acredita na pessoa porque a fonte te passa uma informação verídica, sempre com informações necessárias e contundentes para que você construa sua reportagem”, salientou Juliano Azevedo, chefe de reportagem da TV Alterosa. A melhor maneira de manter a confiança é essa troca verdadeira, porque
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o jornalista dá a informação, fornece a notícia ao público, a fonte traz essa informação, tendo o cuidado em dar a informação verdadeira, checando com a própria fonte ou até mesmo checando com outras pessoas partindo daquela informação que a fonte te traz. “A relação entre os dois personagens exige muita fidelidade, já que muitas vezes as fontes precisam ser preservadas. E, em caso de notícias investigativas, a informação é primordial para o andamento da investigação, reservando a integridade do jornalista e a de sua fonte”. Concluiu Juliano. Tendo em vista a dificuldade para encontrar pessoas que tenham informações privilegiadas durante a apuração, a observação e atenção do repórter são muito importantes.Algumas informações não são encontradas em fontes físicas, mas, sim, em documentos, cartas, livros, telefonemas e pesquisas na internet, e acabam sendo importantes para uma notícia ou reportagem, podendo o levar o repórter para um caminho cheio de respostas. O jornalista tem de estar ciente que deve haver um respeito por parte dele com a fonte quando ela é testemunha, pois acabou de presenciar um acontecimento, muitas vezes envolvendo a própria família. Muitos jornalistas se aproveitam da situação para tornar a matéria sensacionalista e dotada de comoção social. Essa também é uma relação de respeito, ou falta dele, muito frequente
“ J
A gente vai conhecendo a fonte e estreitando um relacionamento sério com essa pessoa em prol de uma credibilidade” uliano Azevedo
no dia a dia jornalístico. A relação entre o jornalista e a fonte, além da confiança, exige o respeito mútuo, lembrando que nem sempre a fonte quer ser revelada. O anonimato é um direito que deve ser respeitado pelo jornalista, a não ser que ele desconfie que está sendo usado para atender a interesses de outras pessoas. “Muitas vezes, não é do dia para a noite que é possível conseguir essa confiança e respeito. Acontece com o tempo”, afirmou Luciano Dias, repórter dos canais Esporte Interativo. Juliano Azevedo, chefe de reportagem da TV Alterosa
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INTERESSE PÚBLICO INTERESSE DO PÚBLICO Pedro Fortini
Em setembro de 2017, estreou nos cinemas um filme que retrata um pro-
grama de TV que faz de tudo pela audiência. Adam Rogers (Josh Duhamel) é um apresentador de um reality show de casamento em que uma mulher acaba se suicidando publicamente, em rede nacional, ao ter perdido a disputa no mesmo. Embora Adam tenha ficado desolado, sua chefe, Ilana Katz (Famke Janssen), vê a alta audiência no dia do suicídio e propõe um novo reality no qual, em troca de alguma recompensa, os participantes deveriam se suicidar ao vivo. Ela chega a esse ideia porque a morte dos participantes despertaria a condolência do público pelas histórias trágicas ou “românticas” por trás de cada suicídio. O nome do programa (e do filme) é “Esta É a Sua Morte”. Embora o drama extrapole essa ideia do “tudo pela audiência”, ele mantém relevante a discussão de até onde o que é apresentado nas telinhas é de “interesse público” ou se é puro “interesse do público”. Mas qual a diferença? A diferença básica, dentro da Comunicação Social, entre “interesse do público” e “interesse público” é que o primeiro tende a agradar o indivíduo, um tipo ideal para o programa, um certo segmento; já o segundo, de acordo com a doutora em ciências políticas, Ana Paola Amorim, é “formado a partir da mediação de vários interesses. O interesse público não está isento de interesses, mas você confronta o interesse de vários públicos, vários segmentos sociais, para formar algo que é bem comum, para definir algo que seja interesse de todos e de todas, que contribua para construir um bem comum e que deveria, em tese, ter a participação de todas as pessoas”. Logo, em um grande evento, que tem interesses comerciais e de um nicho, como a final de um campeonato
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mundial esportivo, onde a rotina do
Ana Paola Amorim, Jornalista, Doutora em Ciências Políticas, Mestre em Ciências da informação e Pesquisadora do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbrás), do DCP/
trânsito muda, os serviços de transporte público mudam, horários de funcionamento de alguns serviços mudam e uma grande quantidade de pessoas é afetada pelas mudanças; não seria um “erro” dar destaque a esse, por mais que haja outros interesses, ele afeta muito mais que só seu publico alvo. Teoricamente é fácil aplicar esses conceitos, mas o “interesse público” é muito confundido com “interesse do público”, por ignorância ou às vezes má-fé. Na televisão brasileira, vemos muitos programas que usam do sensacionalismo para destacar mais o “interesse do público”. Um programa de alcance nacional que só mostra ocorrências e ações policiais em uma única cidade do país não se qualifica como um programa de interesse público. Uma grade de programação em que o jornal local, que dura entre 20 e 30 minutos, está entre novelas, que somam entre uma hora e meia e duas horas duração, não é uma grade que preza pelo interesse público. Ana Paola explica o porquê de haver pouco espaço de tela para produções regionais: “Isso acontece, essa fragilidade, desse espaço pequeno que uma produção regional e um espaço muito grande de uma produção nacional, por conta da estrutura do sistema de comunicação no Brasil. Nós temos um sistema predominantemente comercial, privatista, oligopolizado, controlado por grandes grupos, antidemocrático e anti pluralista. Se a televisão chega a 98% dos domicílios brasileiros, a produção está concentrada em 10% das cidades brasileiras, então 10% das cidades brasileiras, produzem o que 100% vai ver e vai ouvir, nós não temos uma cultura de comunicação pública no país(...)” Essa “confusão” gera alguns problemas éticos quanto à exposição das pessoas. Embora o caso Isabela
“
Enquanto a gente tiver uma mídia concentrada, oligopolizada e a gente não cumprir o preceito constitucional de organizar a comunicação social no Brasil na lógica da complementabilidade que é público, privado e estatal (...) enquanto não tiver essa pluralidade, enquanto não tiver esse conceito de público, essa visão mercantilista, ela prevalece” na Paola
Nardoni (2008) tenha tido uma co-
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bertura, relativamente, coerente com o código deontológico, o tratamento ao pai (Alexandre Nardoni) e a madrasta (Anna Jatobá), enquanto suspeitos, foi antiético e, também para com a mãe (Ana de Oliveira), invasivo. A nação não tem interesse em saber onde o pai conheceu àmadrasta ou o porquê de ele não ter continuado com a mãe da garota, quem tem esse interesse é um grupo. Mas em todos os noticiários esses assuntos tinham destaque. Outro problema é como é feita a disposição da grade de programação, assuntos triviais para o país recebem muito mais tempo de tela do que programações culturais, educativas e informativas, porém, esse não é apurado por pressão dos grandes meios que tratam qualquer “controle” da programação, mesmo que esse esteja previsto na Constituição Federal, como tentativa de censura. “Enquanto a gente tiver uma mídia concentrada, oligopolizada e a gente não cumprir o preceito constitucional de organizar a comunicação social no Brasil na lógica da complementabilidade que é público, privado e estatal, enquanto não tiver essa pluralidade, enquanto não tiver esse conceito de público, essa visão mercantilista, prevalecerá”, afirma Ana Paola.
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A Integridade no Jornalismo A política de privacidade das fontes é o grande foco nesta matéria, que envolve o direito à informação Diretor de Marketing, 37 anos.
Beatriz Moraes No jornalismo, a questão de colocar em risco a integridade das fontes e dos profissionais com quem se trabalha é algo extremamente difícil de lidar. O próprio conceito de privacidade tem se ressignificado depois das mídias sociais. As pessoas desrespeitam a própria intimidade por algumas curtidas no Instagram e Facebook. Bernardo Rodrigues, jornalista em Divinópolis, Minas Gerais, que atualmente trabalha no ramo de publicidade, cita a dificuldade da atividade, especialmente com a moda das delações premiadas. “Na política, muitas fontes que
risco a integridade das fontes e dos
antes levavam informações para
seus colegas de trabalho, Bernardo
o famoso furo jornalístico acabam
diz que, em seu caso, pessoalmente
guardando suas denúncias para ne-
não. Mas já presenciou uma equipe
gociar penas. Mas, quando uma fon-
de TV trancada numa escola estadual
te revela algo sob sigilo, é preciso
por haver feito uma pergunta julgada
discernimento do jornalista para sa-
como indevida pela assessoria de co-
ber até onde vai o direito de prote-
municação.
ção da fonte, se há limite para isso.
“Tratava-se da Secretaria de Es-
E creio que é um dilema ético com-
tado de Educação. E foi lastimável.
plexo, além da legalidade.”
Nesse caso, os jornalistas foram cons-
Sobre já ter vivenciado algum tipo de experiência em que colocou em
trangidos e impedidos de sair do local sem entregar o material gravado.”
“
Quando fui secretário da cultura de Divinópolis, houve uma denúncia absurda contra mim divulgada sem que eu fosse ouvido. Nem a minha versão dos fatos, que foi provada na justiça, foi apurada na matéria.”, conta. 19
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JORNALISMO Emprego ou vocação?
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Sóstenes Mendes Uma das questões relevantes no mercado de trabalho diz respeito a ética. Os profissionais são chamados a servirem a comunidade com um padrão elevado de ações que visam beneficiar a todos, mas há uma discussão sobre como avaliar esse padrão. Os códigos de ética buscam trazer diretrizes ideais, mas nem sempre são seguidos, principalmente quando as circunstâncias demandam posicionamentos conflitantes. Geralmente as pessoas enfrentam o dilema de pôr em risco seu emprego atuando conforme a ética ensinada. A reflexão sobre essas questões e a busca por orientação sábia, já são passos importantes, que todos precisam cuidar. “É certo que a maioria dos Jornalistas têm a intenção de respeitar o código de Ética, que prega aspectos como verdade, neutralidade e independência. Contudo, muitos, ao se depararem com as diferentes
Jornal, Histõria e Ética
correntes editorias que tendem a ter posições ideológicas, políticas e, principalmente, econômicas, acabam por sucumbir às mesmas, abandonando parcialmente ou por inteiro, a ética jornalística”, afirma Asaph Borba (59), que é músico, jornalista e escritor, mora em Porto Alegre e viaja por muitos países para produções fonográficas ou reportagens e pesquisas para seus livros. Asaph afirma que, mesmo diante de desafios editoriais tendenciosos, o profissional deve realizar o seu melhor trabalho, servindo à comunidade com conteúdo preciso, que traz informação. Como jornalista, músico e escritor, ele viaja o mundo com a missão de servir pessoas que sofrem perseguições e problemas por causa da fé que professam. Aprendeu a respeitar as mais
Asaph Borba
diferentes religiões e grupos, empenhando-se para que seu trabalho jornalístico beneficie a todos. Muitos aspectos da responsabilidade social de um profissional são abstratos, questionáveis, ou podem variar de acordo com a moral e deontologia de cada grupo. Mas, verdade, precisão, independência, equidade, imparcialidade, humanidade, prestação de contas, são exemplos de atributos que precisam fazer parte dos valores, não só dos jornalistas, mas de todo aquele que
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quer produzir frutos e fazer diferença na sociedade. Essa visão é apresentada com clareza pela Society of Professional Journalists, uma organização que cuida da ética jornalística nos Estados Unidos desde 1909. Salário ou devoção? A busca pelo salário necessário é justa. Todo profissional precisa e deseja crescer nas conquistas materiais. Porém, há um lugar mais elevado no mercado de trabalho para aqueles que focam em algo maior, mais que só o emprego. Essa visão e as decisões fundamentais são tomadas desde o início da carreira, e até mesmo
“
É evidente que todas as profissões têm seus dilemas e limiares no que diz respeito à ética, responsabilidade social e missão”
durante a formação acadêmica. São sementes e princípios que uma pessoa pode plantar e regar por toda a vida. “Os críticos que se ocupam com problemas éticos e sociais se espantam com o amparo legal de certos exercícios morais da imprensa ou da sua capacidade dispersiva, desagregadora, disseminadora de costumes que negam valores tradicionais, um papel que se torna mais penetrante e perigoso quando estendido ao rádio e à televisão, disparado contra interesses políticos e econômicos conservadores ”, é o que escreveu o jornalista, professor e escritor Juarez Bahia, no seu livro “Jornal, História e Técnica”. É evidente que todas as profissões têm seus dilemas e limiares no que diz respeito à ética, responsabilidade social e missão. No caso do jornalismo, vemos que os meios de comunicação podem ser ferramentas afiadas para construir ou destruir. A responsabilidade do profissional vai além de apenas entregar um serviço bonito. Essa responsabilidade abrange também construir algo de valor na sociedade, servindo a todos com legitimidade, talento e verdade. O jornalista Luciano Correia construiu boa parte de sua carreira na Rede Minas, uma emissora pública. Ele afirma que a discussão sobre a função social
Luciano Correia
do jornalismo sempre fez parte do seu dia-a-dia. “Nem sempre temos como base o código de ética, mas, que lembramos isso sempre, lembramos. Na minha função atual como editor executivo do JM1, faço questão de lembrar constantemente que trabalhamos para o povo de Minas Gerais e temos que honrar com excelência quem financia nosso trabalho por meio dos impostos”. Para Luciano, o jornalismo passa por grandes modificações, e os profissionais precisam deixar o imediatismo e se posicionarem como aqueles que checam informações e atribuem relevância social à mesma: “No mercado, é preciso que o profissional se posicione. Com a revolução tecnológica não deveríamos nos limitar a falar apenas o que as pessoas desejam, mas provocar nelas o desejo por boas informações, checadas e com relevância social. Informação pode ser um serviço”.
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O Questionamento do Escondido Equilíbrio entre a necessidade de investigação e o código de ética, questionando o incontestável interesse público. Renato Albino Júnior e Jefferson Luís Ribeiro É necessário considerar que o recurso de câmera escondida na realização da reportagem possui vários pontos a serem observados, tanto negativo como positivo. Desde os primórdios da utilização deste recurso pelo jornalismo, ainda não existe um consenso entre os jornalistas se é um artificio bom ou ruim para a realização de reportagens investigativas. Existe um posicionamento dentro do jornalismo que afirma que a utilização de câmeras escondidas não é um recurso válido em hipótese alguma.
Crédito: dlbarato.com.br
Essa ação invade a privacidade do indivíduo alvo da reportagem e não é uma conduta justa do entrevistador perante ao entrevistado, portanto, o alvo é enganado pelo jornalista. Outro ponto a ser ressaltado é o perigo que um jornalista, utilizando desses recursos, mesmo que “sorrateiramente” para fazer uma reportagem, corre, como por exemplo o jornalista Tim Lopes, da Rede Globo. Ele foi assassinado dentro do Complexo do Alemão, a mando de traficantes, após ser descoberto fazendo o uso de câmera escondida dentro da favela. Tim investigava o livre comércio de drogas nos bailes funk dentro das comunidades e atos sexuais feitos por menores. Suas matérias estavam indo ao ar pelo Fantástico. Adilson Martins, repórter da rádio Transamérica, não concorda com o uso de equipamentos escondidos. “Tenho um posicionamento to-
Dispositivo usado como botão em ternos
talmente contrário à utilização da câmera escondida, já que na minha opinião, uma boa entrevista precisa de transparência”, afirma. Por outro lado, argumenta-se que, se o dano causado pela utilização da câmera escondida compensar a infração que está sendo investigada e existir relevante interesse público, a ação pode ser considerada correta. Dessa forma, os jornalistas antes de realizarem uma matéria de cunho investigativo e que depende dessas maneiras, têm de fazer um estudo bem aprofundado sobre o artigo, levantando a questão de quando seria um caso
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de incontestável interesse público, assim, não infringindo o Código de Ética. Não existe sigilo em favor do crime. O interesse público permite o uso de todos os instrumentos para revelar o crime cometido. Este recurso jornalístico foi utilizado em crimes recentes como a pirataria, aparelhos de TV a cabo e tráfico em shopping populares. O uso das câmeras escondidas, ocorre, geralmente, na editoria investigativa. O perigo nestes tipos de filmagem, investigação e reportagem gira em torno da descoberta, sabendo-se que a tecnologia diminui os riscos pelo seu desenvolvimento, mas o perigo é ainda constante. Caneta Usada em reportagens com o recurso de câmera escondida
Para Denise Melo, jornalista da Rede Minas e TV Assembleia, o avanço da tecnologia tem ajudado
Crédito: dhgate.com
na confusão quanto ao uso ou não
“
Acontece que, hoje em dia, com a facilitação da tecnologia, vivemos a falsa ilusão de que qualquer pessoa pode fazer um registro por câmera escondida e jogar no mundo virtual” enise Melo
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D
de câmaras escondidas, não só para os profissionais do jornalismo como também para os demais cidadãos. “Nunca usei câmeras escondidas. Acontece que hoje em dia, com a facilitação da tecnologia, vivemos a falsa ilusão de que qualquer pessoa pode fazer um registro com câmera escondida e jogar no mundo virtual, o que expõe a todos de forma desregulada e também perigosa. Esse tipo de exposição deve ser feita com muita cautela”, alerta a profissional. Jornalistas se opõem quanto ao uso da tecnologia, se dividindo em dois grupos, os que são contra e os que são a favor. Contra por invadir a privacidade do público e a favor por mostrar e comprovar ao público. A existência da necessidade de investigação e o relevante interesse público, existe o perigo, a falta de transparência a respeito da conduta dos jornalistas, ao contrário disso o furo de uma denúncia que pode desenrolar em processos graves, tende a aumentar bastante a audiência do canal e com isto a credibilidade do repórter, sendo então interesse público.
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FAKE NEWS
uma notícia sem O que são as notícias falsas e como se disseminam, fique atento a elas
Site Sensacionalista, expecífico em divulgar Fake News
Bárbara Teixeira De acordo com o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, o profissional de comunicação tem a obrigação de passar informações verdadeiras. Atualmente, a principal preocupação dos jornalistas são rápida disseminação das notícias falsas que contrapõem esse princípio. As notícias podem ser definidas como qualquer informação que apresente algo novo ou recente ou que divulgue uma novidade sobre algo já existente. Entretanto, a velocidade pela qual as pessoas recebem informações, faz com que elas se reproduzam e disseminem o que nem sempre é correto. Segundo Filipe Felizardo, jornalista do site SeteLagoas.com.br, “as redes sociais e a
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as redes sociais e a modernidade romperam com a forma de comunicação tradicional, dando às pessoas ferramentas de produção e disseminação, fazendo com que as Fake News tenham mais vida” ilipe Felizardo
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modernidade romperam com a forma de comunicação tradicional, dando às pessoas ferramentas de produção e disseminação, fazendo com que as Fake News tenham mais vida”. As notícias falsas ou Fake News não são exclusividade do século 21. Segundo com Filipe Felizardo, elas existem desde quando a imprensa se formou e, desde então, têm sido desafio para os jornalistas a derrubada de informações falsas. Ainda segundo Alice Wakai, jornalista no iMasters e E-Commerce Brasil, na história antiga existem vários exemplos, como no ano de 1835, quando o jornal The New York Sun publicou notícias falsas usando nomes
“ F
Nossa profissão hoje é o fiel da balança entre o que é boato e o que é uma informação verificada” ilipe Felizardo
reais e inventados sobre a suposta descoberta de vida na Lua, objetivando a venda de jornais. A função da notícia é fornecer informações aos leitores para que os mesmo possam formar suas opiniões sobre assuntos do seu cotidiano e tomar suas próprias decisões acerca dos mesmos. Já as notícias falsas deturpam “com informações especulativas de alto impacto, sem fonte ou com fontes inverídicas que mexem com a emoção das pessoas”, explica Felizardo. As Fake News quando viralizam dão um trabalho maior aos jornalistas para apurá-las, pesquisando e extraindo o que tem de verdadeiro na notícia e publicando como forma de esclarecimento à população. Um exemplo recente é a divulgação e viralização da água contaminada da Copasa em Contagem, Região Metropolitana de Belo Horizonte, caso que não passava de boato. A imprensa da região buscou informações, apurou e chegou à conclusão de que a notícia era falsa, a água não estava contaminada. Filipe Felizardo ainda ressalta o peso da profissão de jornalista para a disseminação de informações. “Nossa profissão hoje é o fiel da balança entre o que é boato e o que é uma informação verificada. Infelizmente, o jornalismo não tem um futuro animador, por conta da constante precarização e acumulação de funções do profissional, mas ela ainda é importante para evitar que as pessoas caiam na
“
...há o risco também da supressão do pensamento crítico e de outras abordagens contrárias à lei de direitos humanos” avid Kaye
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barbárie da boataria enviesada por interesses quem quer que seja”. De acordo com a declaração conjunta feita pelos relatores especiais da ONU sobre liberdade de expressão, as notícias falsas se tornaram uma preocupação global e a solução poderia acabar com a liberdade expressão e chegar à censura, outro ponto que o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros condena. Na entrevista dada à ONU News em março deste ano, o relator especial da ONU, David Kaye, ainda afirma que há o risco também da supressão do pensamento crítico e de outras abordagens contrárias à lei de direitos humanos.
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Como identificar Cheque a fonte da fonte: para identificar Fake News dessa maneira, basta clicar no site da fonte e, se puder ler no idioma original, conferir a publicação para saber se houve erros na tradução ou se o próprio site que gerou a notícia é confiável. Aprenda sobre o site que está visualizando: se nunca ouviu falar do site que está lendo uma publicação, procure a página Sobre, se possui informações de contato e quem são os responsáveis pelo jornal online ou canal e sua reputação. Evite sites conhecidos por sensacionalismo: procure conhecer quais sites são esses e leia-os com dez vezes mais ceticismo que o comum. Ou evite-os caso reportagens sensacionalistas não sejam seu objetivo. Leia a matéria completa, não apenas sua chamada: ou seja, quanto mais impressionante for uma chamada, maior deve ser sua suspeita em relação à sua veracidade. Preste atenção à URL: alguns sites mal-intencionados possuem nomes semelhantes a grandes sites como G1, Exame e Época. Por isso, ao clicar na notícia, confira a URL principal do site e certifique-se de que é a mesma do site oficial. Cheque outras notícias do mesmo site: antes de confiar na veracidade de uma notícia em questão, leia outros artigos desse mesmo site e cheque se já foram desmentidos em algum momento no passado. Confirme a confiabilidade do autor: vale também fazer uma checagem sobre o autor em questão. Ele costuma publicar notícias consideradas falsas com frequência? O nome que usa para assinar uma matéria é o mesmo de sua identificação? O autor realmente existe? São perguntas que deve responder antes de compartilhar uma notícia.
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Limites do interesse Qual o limite do interesse pessoal em um profissional? O que um trabalhador é capaz de fazer para conseguir algo do seu interesse particular? Foto: Pixaby
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Rian Matos e Vitor Hugo Todas as áreas são regidas por uma ética, condutas a serem seguidas, e esse seguimento vai de acordo com cada profissional. No jornalismo, o jornalista pode buscar no código de ética como deve agir de acordo com cada situação, o que pode ser feito e o que não pode. No Artigo 11 do capítulo lll desse código, a norma ressalta que: O jornalista não pode divulgar informações: I - visando o interesse pessoal ou buscando vantagem econômica. E os jornalistas que descumprirem o Código de Ética estão sujeitos às penalidades de observação, advertência, suspensão e exclusão do quadro social
Isabelly em uma noite de trabalho. Foto: Mourão Panda/ América-MG
do sindicato e à publicação da decisão da comissão de ética em veículo de ampla circulação. (Art. 17.) Por mais importante que seja a pauta, o jornalista deve procurar respeitar as normas buscando investigar o que é de interesse público, podendo assim ter um comportamento baseado no que preza o código de ética. “Nunca burlei os meus princípios por uma pauta, ou uma fonte, nada do tipo. Eu sempre tentei ir aonde eu acreditava que dava pra ir, mesmo que eu tivesse a oportunidade de fazer uma grande matéria”, ressaltou Isabelly Morais, repórter esportiva da rádio Inconfidência. Para que uma reportagem tenha sucesso, seja de qualquer editoria, precisa existir um limite entre o jornalista e a fonte, além, claro de uma relação de respeito. A fonte pode passar uma informação para atender interesses pessoais ou simplesmente por querer informar a sociedade. E o jornalista carrega consigo toda a responsabilidade de uma publicação, sendo necessários muita apuração e seguimento de seus princípios e convicções para não aceitar qualquer palavra de uma fonte. “É muito complicado isso. Entender os limites do seu interesse, e conciliar os seus interesses pessoais com os profissionais. O que fica de dúvida pra mim é qual o limite da pauta. Eu nunca deixei a ética da profissão de lado e nem os meus princípios para conseguir ou descobrir alguma coisa. Pelo contrário, já me ofereceram certos tipos de situação em troca de uma entrevista ou uma pauta, não vou citar o nome do atleta mas é um jogador muito renomado, muito conhecido, muito respeitado, é um dos principais jogadores da história do futebol brasileiro que fui entrevistar e ele usou a palavra “favores”. Ele perguntou se seria de graça, ou se eu trocaria favores com ele por essa entrevista.
“
É muito complicado isso. Entender os limites do seu interesse, e conciliar os seus interesses pessoais com os profissionais. O que fica de dúvida pra mim é qual o limite da pauta” sabelly Morais
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Acho que pode acontecer sim, com outras pessoas, outros veículos, porque não existe nenhuma profissão que é cem por cento de pessoas com caráter, que colocam a questão profissional á cima de tudo”
Era uma situação complicada, era
matéria investigativa pode-se fazer
uma grande entrevista e eu acabei
necessário o uso de uma câmera es-
conseguindo falar com ele porque fui
condida, o que não é correto de acor-
muito firme e ele acabou me dando a
do com o código de ética, salvo ex-
entrevista. Deu super certo o que eu
ceções de extremo interesse público.
queria, mas foi uma situação compli-
Mas como julgar o que é de interesse
cada quando ele falou, porque se eu
público? Alguns jornalistas preferem
tivesse aceitado em troca de favores,
seguir o código de ética e não se ar-
aí nem é tanto da ética profissional
riscarem.“ Jamais, nunca fiz isso. E
mas é questão de extrapolar certas
eu acho que a gente nunca sabe, mas
situações por uma pauta, por uma
tenho quase certeza que nunca irei
entrevista. Ai é uma situação con-
fazer isso, porque isso é uma questão
trária também, se eu extrapolo um
de caráter Acho que pode acontecer
interesse pessoal por um interesse
sim, com outras pessoas, outros ve-
profissional”, concluiu Isabelly.
ículos, porque não existe nenhuma
No caso da Isabelly, houve um inte-
profissão que é cem por cento de
resse que poderia ser de ambas partes
pessoas com caráter, que colocam a
se ela tivesse aceitado a proposta com
questão profissional acima de tudo”
interesse do jogador, que buscava
Afirmou o repórter do Globoesporte.
algo em benefício de uma entrevista.
com, Guilherme Frossard.
Necessariamente, não é preciso
A relação da ética e a pessoa es-
alguém te oferecer algo em troca, o
tão relacionados no pensamento de
próprio profissional pode deixar de
cada indivíduo, princípios e compor-
lado sua ética para ir atrás de um
tamentos a serem feitos de acordo
conteúdo de seu interesse.
com normas implantadas por algum
Alguns jornalistas prezam muito por seus princípios e, muitas vezes, dizem jamais ir contra o que acreditam. Mas qual o limite? Em uma
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órgão superior ou até mesmo a própria pessoa.
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INCONSEQUÊNCIA
das quase verdades Tayenne Paulino Dias O acesso à informação é direito fundamental garantido no art. 5º, XIV da Constituição Federal de 1988, o que faz com que a atividade jornalística seja revestida de relevante interesse público desde que se paute pela veracidade dos fatos. O compromisso fundamental do jornalista será sempre com a verdade dos fatos minunciosamente averiguados antes de sua divulgação. Por vezes, acontece dos profissionais terem acesso à informações em que suspeitas fortalecidas pelas evidências parecem adquirir status de verdade, porém, não o são, pois estas outras são irrefutáveis. É comum, nestes casos, o profissional e/ou o veículo de comunicação, na ânsia de divulgar um furo de reportagem, agirem de forma diversa do prescrito no Código de Ética do jornalismo e se enquadrarem na tipificação penal da Calúnia (art. 138 CP) quando imputam erroneamente crime a alguém que não o cometeu ou da difamação (art.139 CP) quando o fato imputado ainda que não criminoso gere desonra para a vítima. A presunção de inocência deverá prevalecer até o transito em julgado da sentença e o anonimato de menores delinquentes e vítimas de crimes sexuais preservado, isto a fim de amenizar a exposição e evitar contribuir para sua humilhação e dor. No interior de Minas Gerais, no município de Bambuí, ocorreu um caso em que um indivíduo foi denunciado como possível suspeito de abuso contra uma adolescente. A matéria foi publicada em um dos sites de notícia da cidade sem identificação do suspeito, no intuito de preservar a vítima. Isto provocou uma intensa cobrança da população, mas, o mais surpreendente, é que o próprio suspeito passou a se utilizar do site nas redes sociais para se defender e conquistar o apoio da opinião pública fazendo-se de vítima. Questionado como procede nesses tipos de casos, o jornalista Marco Antônio, proprietário da TV Bambuí, diz que “em situações em que o crime é bárbaro, optamos por não divulgar a identidade do suspeito/autor no intuito de se evitar problemas futuros dentro da empresa. Preferimos não divulgar o autor por
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“ (
Expondo o autor também estamos expondo a vítima, e até que o caso noticiado seja julgado não há autor, mas apenas suspeito” Jornalista Marco Antônio, proprietário da TV Bambuí)
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um simples motivo, expondo o autor
da apuração dos fatos, pensando
também estamos expondo a vítima, e
também sobre o que pode acon-
até que o caso noticiado seja julgado
tecer com a pessoa caso os fatos
não há autor, mas apenas suspeito.”
divulgados não sejam verdadeiros.
Explica ainda que “a TV ainda é
A imprensa sem ética pode acabar
uma empresa pequena. Bancar um
com todo trabalho da vida de uma
advogado somente para auxiliar es-
pessoa ao divulgar fatos noticio-
sas questões ficaria um pouco caro.
sos, portanto, antes de divulgar
Eu prefiro não identificar quem são
um fato, tem que se ter a certeza
os envolvidos. A única circunstância,
de que esse fato é verdadeiro. Após
onde divulgamos os nomes, é quan-
verificada a veracidade da notícia,
do a matéria passa para o judiciário,
é dever da imprensa comunicar à
quando começa o julgamento da pes-
sociedade o ocorrido, doa a quem
soa.”
doer”.
O jornalista Sérgio Rosa Bernar-
Segundo
o
jornalista
Fábio
des, proprietário da Bambuí News,
Willians Salvador, caso não seja uma
frisa o dever moral da imprensa de
situação flagrante, deve-se preservar
resguardar a imagem do acusado,
a imagem dos envolvidos divulgando
independentemente do poder que
apenas as informações substanciais a
ele exerce sobre a sociedade; “a éti-
fim de manter a sociedade informa-
ca da imprensa começa na isenção
da sem, no entanto, influenciar suas
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Mídia VS Privacidade
O jornalismo de celebridade avança e coloca em pauta os limtes entre o que é notícia e o que é invasão da intimidade do outro Stéfanie Xavier Em agosto de 2017, uma foto tirada por um papparazzi de um suposto beijo entre o ator Reinaldo Gianecchini e um amigo em Ibiza, durante as suas férias, gerou grande repercussão na mídia, que colocou em debate a orientação sexual de Reinaldo Gianecchini. De acordo com o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, é dever do profissional da informação respeitar o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem do cidadão. Mas, por que isso, em casos de pessoas públicas como celebridades e políticos, não acontece? O jornalista Marco Antônio Astoni afirma que “esse tipo de imagem vende, gera audiência e há uma demanda”. O mundo das celebridades é um universo
Foto: Pixabay
de glamour e desperta no público dessas estrelas uma curiosidade sobre as
A privacidade no mundo das pessoas públicas deixa de ser algo mantido a sete chaves
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suas vidas, não só profissional, mas também particular. Segundo o jornalista Guilherme D’Assumpção, “hoje, o jornalismo de celebridade tem público, gente que gosta de fofocas e veículos de comunicação que fazem tudo por um click.” O espaço dado na pauta do dia para esse tipo de notícia entra em uma questão importante do Jornalismo, a diferença entre interesse do público e
“
interesse público, o jornalista deve ter seu foco principal naquilo que interes-
É premissa básica de o Jornalismo checar todas as informações e ouvir todos os lados envolvidos na história. Neste tipo de notícia, isso acaba não acontecendo e aí começa o problema” arco Antônio Astoni
sa à maioria e não no que traz audiência. A audiência As estudantes Brenda Campos e Jéssica Novais fazem parte dessa audiência. A primeira afirma que “é inevitável querer saber o que os famosos fazem. A vida deles parece um sonho.” Sonho esse, estampado nas colunas de fofocas de jornais e revistas, que chamam a atenção das pessoas. Jéssica diz que “quando aparece uma notícia eu acabo olhando por curiosidade, mas se for de algum artista que eu gosto, eu vou querer saber o que está acontecendo com ele.” A consequência A invasão à privacidade do cidadão pode criar situações irreversíveis, ainda mais quando feita por um jornalista, que tem o poder de destruir a
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“o maior exemplo disso é o acidente que gerou a morte da princesa Diana, em Paris. É premissa básica de o jornalismo checar todas as informações e ouvir todos os lados envolvidos na história. Neste tipo de notícia, isso acaba não acontecendo, e aí começa o problema.”
Fonte: Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros
“ B
É inevitável querer saber o que os famosos fazem. A vida deles parece um sonho” renda Campos
imagem de uma pessoa em segundos. Sobre isso, Marco Antônio Astoni diz
O jornalista deve Divulgar os fatos e as informações de interesse público Buscar provas que fundamentem as informações de interesse público Lutar pela liberdade de pensamento e de expressão Valorizar, honrar e dignificar a profissão Respeitar o direito à intimidade, à privacidade e à imagem do cidadão Defender os princípios constitucionais e legais, base do estado democrático de direito Promover a retificação das informações que se revelem falsas ou inexatas e defender o direito de resposta às pessoas ou organizações envolvidas ou mencionadas em matérias de sua autoria ou por cuja publicação foi responsável
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Lava Jato vira discussão sobre Código de Ética Fernanda Alves A Operação Lava Jato, que acontece no Brasil desde 2014, envolvendo políticos e empreiteiras, é provavelmente a maior operação contra corrupção do país. Por conta de sua dimensão e envolvidos, já foi alvo de muitas polêmicas. Um assunto bastante relevante abordado sobre a operação é o fato de que algumas coisas, como os grampos realizados em conversas entre políticos, deveriam estar “protegidos” por segredo de justiça e, como sabemos, não é o que tem acontecido. O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros prevê em seu artigo 2°que “o acesso à informação de relevante interesse público é um direito fundamental”, tornando obrigação do jornalista trazer a público essas questões. A investigação e posterior revelação devem, antes de tudo, recorrer aos meios normais, como entrevistas com imagem, áudios e todos os recursos autorizados, porém, se o jornalista perceber que o entrevistado não quer de forma alguma ceder a uma entrevista e a pauta for de relevante interesse público, podem ser usados recursos como as câmeras escondidas, mas respeitando sempre, e antes de tudo, as leis previstas tanto no Código de Ética quando as próprias leis do Estado. O problema aparece quando o Código de Ética não define o que é de fato o interesse público, como diz a repórter Alessandra Dantas, de Belo Horizonte, professora da Universidade Federal de Minas Gerais: “Entender o que seria interesse público é algo muito complexo, pois em nosso código de ética não há uma determinação nítida sobre o conceito de interesse público.” Ela completa dizendo que, “apesar disso, nós, jornalistas, utilizamos amplamente esse termo para justificar nossas escolhas de pautas e técnicas empregadas para se obter determinada informação. Dessa maneira, mesmo sendo uma justificativa que tem um peso muito grande, não podemos esquecer que, mesmo em se tratando de informação de interesse público, é preciso agir eticamente. Pensando em interesse público como algo que tenha impacto na vida e realidade de muitas pessoas, quando esgotadas TODAS as outras possibilidades de apuração, o uso da câmera escondida ou outro equipamento como microfones ocultos seria uma opção viável”.
Alessandra Dantas, professora da Universidade Federal de Belo Horizonte
“
Entender o que seria interesse público é algo muito complexo, pois em nosso código de ética não há uma determinação nítida sobre o conceito de interesse público” 35
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Nesse conflito sobre o que de fato é interesse público é que surgem as dúvidas a respeito dos vazamentos de áudios dos políticos supostamente envolvidos em escândalos de corrupção, como os ocorridos na Operação Lava Jato. Para Alessandra, ‘”se esse interesse público for o direito do cidadão se informar, é importante que o interesse público se sobressaia ao sigilo de justiça porque o que também está em jogo, e vale destacar, é o direito à liberdade de imprensa. O dever do jornalista não é preservar o sigilo de justiça, mas, sim, por meio de investigação e apuração aprofundada, revelar aos cidadãos o que de interesse público está presente no que intitulam de processos judiciais que correm sob sigilo de justiça”. Thales de Oliveira Moreira, repórter do Folha da Manhã, já é mais direto quando o assunto são políticos. Para ele “se o processo envolve um agente público, em algum momento o sigilo deve ser quebrado, em especial nos casos de políticos que estejam em julgamento. Isso porque, desta forma, seria algo que a população necessitaria saber, visto se tratar de um representante escolhido pelo povo. As únicas exceções seriam processos nos quais a divulgação de alguma informação possa colocar em risco a segurança nacional”. Os jornalistas entrevistados concordam, portanto, que em casos como o dos áudios dos políticos, a imprensa deve ser soberana e fazer prevalecer o interesse público, visando aquilo que é necessário para a sociedade saber e o que a afeta diretamente. Em sua entrevista Thales ressalta: “Infelizmente, o que tenho visto, por vezes, são jornalistas que usam do argumento de interesse público para diThales de Oliveira Moreira, repórter do Folha da Manhã
vulgar algo que, no fim das contas, não se encaixa ali. Claro, isso não é geral, no entanto, tem sido prática recorrente, especialmente se o jornalista considera aquilo um furo que possa ajudar a alavancar sua carreira profissional”. Alessandra lembra que “a liberdade de imprensa é uma das premissas de um Estado democrático. Se houve apuração e investigação sobre determinado acontecimento, é legítimo que seja publicado. Uma vez que é dever do jornalista apurar e investigar informações que sejam de interesse público e divulgar o quanto antes, o repórter não é guardião de nenhum segredo de justiça e, por isso, não deve ser punido quando, por exemplo, consegue obter informações repassadas por fontes.” Devemos tomar cuidado apenas para que, por sigilo judicial, a população não seja prejudicada por falta de informação e que, ao mesmo tempo, a imprensa também não sofra qualquer tipo de censura. Alessandra acredita que, de toda forma, “é importante pensar que, mais do que usar o argumento de autolegitimação do jornalismo que é o interesse público, é preciso não esquecer da verificação. Acredito que a essência do jornalismo não seja exclusivamente o uso do argumento de servir ao interesse público, mas também de perseguir
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http://g1.globo.com
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incansavelmente o valor da verificação e apuração dos fatos.” Assim, consegui-
Pedaço do grampo vazado dos ex-presidentes Lula e Dilma
mos não só transmitir o que é de necessidade e interesse do público mas também uma informação com bastante precisão, coesão e veracidade, requisitos importantíssimos para qualquer tipo de matéria.
Vale lembrar... O juiz Sergio Moro vazou o grampo de uma conversa telefônica entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a então presidente Dilma Rousseff. O áudio que faz parte das investigações da Operação Lava Jato, gerou bastante discussão a respeito do rompimento do sigilo judicial e referia-se à ex-presidente nomear Lula como ministro para que tivesse direito a foro privilegiado nas investigações que estava sofrendo.
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Sensacionalismo: Por que ainda o usamos? Clara Reggiani Mesmo sendo repudiado tanto pelo Código Deontológico do Jornalista português quanto pelo Código de Ética dos Jornalistas brasileiros, o sensacionalismo é utilizado em várias mídias. Contudo, não é algo novo no Jornalismo. O autor Mitchell Stephens, em seu livro “A History of News”, acredita que o sensacionalismo já existia desde quando os seres humanos aprenderam a contar histórias. A persistência em sua utilização mostra que os lucros obtidos pelo sensacionalismo são cada vez maiores. Segundo a Agência Nacional dos Jornais (ANJ), durante os anos 2014 e 2015, o jornal Super Notícia teve uma média de circulação de 249.297 impressos, superando os jornais O Globo e Folha de São Paulo. Jornalistas priorizam temas que muitas vezes não são de interesse público para aumentar o interesse por parte dos leitores/ telespectadores. Os leitores/ telespectadores, por sua vez, exibem um grande fascínio por esse tipo de matéria, pois eles querem ser entretidos. Há uma grande demanda por filmagens feitas em locais em que crimes hediondos foram cometidos; e as pessoas buscam comprar publicações cada vez mais baratas que exibem
Capa do jornal Notícias Populares, 1975
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desde fofocas sobre celebridades até graves delitos em suas capas. Estudando notícias de primeira página que datam desde 1700 até 2001, uma pesquisa realizada pela Human Behavior and Evolution Society (HBES) chegou à conclusão de que, independentemente do período de tempo, casos de mortes, ferimentos, roubos e assassinatos dominavam as manchetes das publicações. Outra pesquisa, feita em 2007 pelo “Pew Research Center”, mostra que a preferência das pessoas por notícias que apresentam algum tipo de infortúnio se tornou inalterável nos últimos 20 anos; sendo as guerras, o terrorismo e os crimes as manchetes mais populares desde 1986. Isso sugere que as pessoas apresentam uma inclinação natural a acontecimentos trágicos ou macabros, e os jornais sensacionalistas sabem disso - daí a origem da frase “If it bleeds, it leads”, que significa, em tradução livre, “se espirra sangue, é manchete”. Segundo o jornalista especialista em automóveis e colaborador dos jornais O Tempo, Super Notícia e Pampulha Raimundo Couto, o sensacionalismo pode ser definido como toda e qualquer forma de chamar atenção sem o fundamento necessário. Apesar de não ser uma regra na profissão, existem publicações no Brasil e no mundo que dependem de manchetes sensacionalistas para
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O compromisso das coberturas sensacionalistas é com a repercussão em números de acessos e vendagens, não com a ética e com a prestação de um bom serviço jornalistíco e informativo” ntônio Nicoliello, psicólogo e formado em Relações Públicas
A
Capa do jornal Meia Hora, 2011
vender suas edições; e se existem publicações com este perfil, é porque há uma demanda por este tipo de abordagem jornalística. Raimundo acredita que matérias bem apuradas, bem redigidas e escritas de forma clara e objetiva também podem atrair o interesse dos leitores. Ele afirma que o sensacionalismo pode ser utilizado desde que não envolva mentiras e nem falsas informações. Em relação ao interesse/costume dos leitores em escolher matérias exageradas, o jornalista considera o jornal líder em circulação no Brasil, que é a Folha de São Paulo, um quality-paper de reconhecida credibilidade; e o segundo lugar, um popular, de Belo Horizonte, o Super Notícia, que, com uma linguagem direta e simples,
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atraiu um novo tipo de leitor que não consumia jornal antes. Mas, segundo a Associação Nacional de Jornais (ANJ), o jornal Super Notícia foi o mais vendido em 2015, enquanto o segundo e terceiro lugares foram preenchidos pelos jornais O Globo e Folha de São Paulo, respectivamente. Antônio Nicoliello, formado em Relações Públicas e Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) afirma que o sensacionalismo trata-se, nos meios de comunicação de massa, de certo posicionamento editorial que prioriza eventos que atraiam a atenção do público, seja pelo viés exagerado da cobertura ou que venha de fontes duvidosas, com o intuito de criar impacto e grande audiência. O psicólogo acredita que o compromisso das coberturas sensacionalistas é com a repercussão em números de acessos e vendagens, não com a ética e com a prestação de um bom trabalho jornalístico e informativo; e além do mais, a sociedade extremamente midiática prefere a versão ao fato, se a versão melhor lhe servir e tiver mais repercução. Segundo Antônio, outros motivos para os jornalistas optarem pelas matérias exageradas são a pressão dos empregadores, que por sua vez são pressionados pelos anunciantes, e a falta de formação ética, que pode advir também de uma formação acadêmica deficiente. Uma forma de atrair o interesse dos leitores sem recorrer ao exagero é a utilização de textos com cobertura de qualidade e compromisso, que apesar de darem mais trabalho e serem menos “sensacionais”, constroem reputações e dão legitimidade aos veículos. Na concepção de Antônio, o sensacionalismo nunca deve ser usado, pois ou não se é honesto com o retratado ou não se é honesto com o público, que “leva gato por lebre” em coberturas sensacionalistas. Pensar, refletir e ponderar dá trabalho e gasta tempo. O público e alguns profissionais da área jornalística estão viciados em rapidez e impacto, mas não percebem como isso esvazia a credibilidade dos meios de comunicação a longo prazo. Nesse sentido, os meios são formadores de seu público e se rebaixam a qualidade do que oferecem, rebaixam a oportunidade da população de contatar material de qualidade, sendo um ciclo vicioso. Ele conclui que grande parte do trabalho de mudar essa equação cabe aos Capa do jornal Super, 2016
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meios de comunicação e seus pro-
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fissionais, que devem administrar esse negócio a longo prazo: a escassez da verdade que hoje muitos praticam vai tornar os meios banais e, por sua vez, desnecessários. Dos 90 a 100 jornais de menor preço que a comerciante e jornaleira Lúcia Morais vende por dia, a maioria vendida é o jornal Super Notícia. Lúcia, de 64 anos, acredita que seus clientes se separam em dois perfis: as pessoas que buscam notícias em um jornal mais barato e as pessoas que compram até 20 jornais para absorver a urina de seus animais (perfil que está prevalecendo em seu comércio). Para ela, os jornais mais caros apresentam mais informações sobre política e economia, enquanto os mais baratos são mais populares, mais apelativos. A jornaleira acredita que a maioria de seus clientes compram esses jornais por causa do preço acessível e por causa do interesse pelo caderno
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Meus clientes se separam em dois perfis: as pessoas que buscam notícias em um jornal mais barato e as pessoas que compram até 20 jornais para absorver a urina de seus animais”
esportivo, portanto, segunda-feira é o dia em que os jornais são mais vendidos, devido aos resultados dos jogos. Segundo Lúcia, a venda de jornais mais baratos atrai mais clientes para a loja.
Lúcia Morais, jornaleira e comerciante
Segundo o vigia e jornaleiro Antônio Maurício, de 59 anos, o jornal Super Notícia é o mais vendido na banca que ele divide com a esposa, Maria de Fátima (cerca de 40 – 45 jornais vendidos por dia). Em segundo lugar, vem o jornal Aqui, sendo vendidos 10 exemplares por dia. Os jornais Estado de Minas, O Tempo e Hoje em Dia vendem menos por causa de seu preço e porque não exibem matérias “resumidas” como os jornais mais baratos, apresentando mais páginas. Alguns clientes apenas pegam o jornal em busca de notícias que ocorreram no cotidiano e vão embora, enquanto outros gostam de conversar sobre esportes, principalmente sobre futebol. O preço acessível estimula a venda desses jornais, que apesar de não trazer lucros para banca, traz novos clientes.
O assunto tratado no cinema O filme “O Abutre”, do diretor Dan Gilroy, exemplifica bem a relação entre a preferência do público em optar por assistir apenas programas sensacionalistas na televisão e o “dever” do jornalista de apresentar matérias chocantes. O protagonista do filme, Louis Bloom, aprende que pode ganhar uma boa quantia em dinheiro se vender vídeos feitos de cenas sangrentas para emissoras de televisão, passando a vasculhar a cidade de Los Angeles durante a noite em busca de acidentes e/ou crimes que acabaram de acontecer, sem nem aguardar a chegada da polícia. A ambição de Louis logo se torna uma obsessão e ele começa a alterar as cenas em que ocorreram os incidentes, visando ganhar mais dinheiro e prestígio na emissora para qual a personagem passa a vender seus vídeos. O filme também apresenta uma crítica ao jornalismo de nossa época, pois atualmente qualquer pessoa pode filmar e divulgar uma cena sem mesmo precisar ser um jornalista de fato.
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O julgamento que vem da mídia uma pessoa responde a um processo, ela tem o status de inocente até que o processo se encerre com uma condenação sem a possibilidade de recursos e ela tenha que cumprir a pena estabelecida. Somente quando isso acontece, a pessoa pode ser considerada culpada. O jornalista precisa observar tanto o Código de Ética como a Constituição para exercer sua profissão com ética e responsabilidade. Segundo o advogado, Deputado Federal e presidente da CCJ Rodrigo Pacheco, que é especialista
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O jornalista deve primeiramente observar a condição jurídica da pessoa a quem se atribui a prática de um crime. Não deve haver juízo de valor sobre a culpa de alguém, afinal quem define isso é a Justiça.” Rodrigo Pacheco
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em direito penal, o jornalista deve
Norah Lapertosa Na cobertura de um crime, o jor-
primeiramente observar a condição
nalista deve ser cuidadoso e respon-
jurídica da pessoa a quem se atri-
sável. Tanto o Código de Ética quan-
bui a prática de um crime. A pessoa
to a Constituição Federal impedem
pode ser investigada, se estiver na
o jornalista de fazer qualquer jul-
fase de inquérito, acusada, quando
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já responde a um processo, ou pode
haja de fato uma sentença conde-
ser condenada em primeira ou se-
natória por parte da Justiça. Deve
gunda instância com a possibilidade
haver responsabilidade pela corre-
de haver algum recurso. O jornalista
ta apuração dos fatos, pelo sigilo e
deve ser fiel a essa condição jurídica
pelo cuidado com as fontes de in-
e narrar o fato segundo as informa-
formações. A presunção da inocên-
ções que possui. Não deve haver juí-
cia é definida pelo Código de Ética
zo de valor sobre a culpa de alguém,
como um fundamento da ativida-
afinal quem define isso é a Justiça.
de jornalística e como uma lei pela
A não observância do artigo 5o da
Constituição
Constituição, ou seja, estabelecer
Federal.
Enquanto
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não comprovado ou presumir a culpa de alguém que ainda é juridicamente inocente, pode fazer com que o jornalista tenha que responder a um processo por danos morais ou materiais. Se for condenado, ele terá que indenizar a vítima. Em casos mais graves, o jornalista pode responder por calúnia, difamação e injúria. A não observância do Código de Ética ou da própria Constituição pode gerar graves consequências ao profissional. O jornalista Ismar Madeira ressalta que além das consequências legais, existem também as consequências éticas, como o jornalista saber que alguém pode ter sido prejudicado por uma falta de cuidado ao fazer uma reportagem. Deve haver uma grande preocupação com as pessoas, afinal, o jornalista trabalha contando histórias de vidas, do cotidiano e do que vem ocorrendo na comunidade em que estamos inseridos. Qualquer publicação a respeito de pessoas pode ter consequências muito graves. Portanto, o jornalista deve considerar esse fato, independente das consequências jurídicas. Para fazer uma reportagem sobre um crime, o jornalista tem que apurar o que efetivamente aconteceu e ouvir todos os lados da situação, como, por exemplo, as pessoas ligadas à vítima, a polícia, o advogado ou o próprio suspeito. Ismar diz que já se deparou várias vezes com situações em que a polícia afirma que alguém é culpado de um crime e o suspeito se declara inocente. Nesses casos, é importante ouvir o suspeito ou o seu advogado se eles se dispuserem falar. O jornalista tem que trabalhar com os fatos e não é seu papel julgar a culpa ou inocência de alguém. Por isso, ele não pode tratar um suspeito como criminoso. Segundo Ismar, assim como é preciso ter cuidado para não culpar
O código de ética dos jornalistas brasileiros
Artigo 5o, inciso 57: Ninguém será considerado culpado senão após sentença penal condenatória transitada em julgado.
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Deve haver uma grande preocupação com as pessoas, afinal, o jornalista trabalha contando histórias de vidas, do cotidiano e do que vem ocorrendo na comunidade em que estamos inseridos” smar Madeira
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Artigo 4º: o compromisso fundamental do jornalista é com a verdade no relato dos fatos e ele deve pautar seu trabalho na precisa apuração dos acontecimentos e na sua correta divulgação. Artigo 5º: é direito do jornalista resguardar o sigilo da fonte. Artigo 7º: o jornalista não pode expor pessoas ameaçadas, exploradas ou sob risco de vida, sendo vedada a sua identificação, mesmo que parcial, pela voz, traços físicos, indicação de locais de trabalho ou residência, ou quaisquer outros sinais. Artigo 9º: a presunção da inocência é um dos fundamentos da atividade jornalística. Artigo 10º: a opinião manifestada em meios de informação deve ser exercida com responsabilidade. Artigo 12º: o jornalista deve tratar com respeito todas as pessoas mencionadas nas informações que divulgar. é preciso ouvir sempre, antes da divulgação dos fatos, o maior número de pessoas e instituições envolvidas em uma cobertura jornalística, principalmente aquelas que são objeto de acusações não suficientemente de-
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um suspeito, é preciso ficar atento para não expor uma vítima. Pode acontecer de as vítimas quererem falar sobre o ocorrido, mas não ser prudente expô-las na mídia. Elas podem sofrer ameaças ou serem vítimas de violência. Esse cuidado vale especialmente para casos que não estejam resolvidos. É importante lembrar também que as vítimas podem estar psicologicamente abaladas e emocionalmente envolvidas com o fato. Portanto, o jornalista deve ter cuidado com a maneira com que as informações chegarão ao público. O caso Escola Base Existe um caso clássico de mal exemplo de conduta jornalística, o caso Escola Base, que ocorreu em 1994. O caso se resume em uma suspeita de abuso sexual infantil pelos professores da escola, onde a polícia garantia a existência do crime, haviam depoimentos de crianças e pais de alunos, além de laudos corporais e psicológicos das crianças. Porém, era apenas uma suspeita. A imprensa desconsiderou esse fato e publicou as reportagens como se o fato fosse comprovado e verdadeiro. No final, nada foi provado e os professores foram considerados inocentes. Devido a dimensão do caso, os educadores tiveram sérios e irreparáveis prejuízos morais e financeiros. A imprensa foi processada e condenada a indenizá-los. Faltou prudência, responsabilidade e ética jornalística. Certamente o artigo 5o da Constituição e o código de ética dos jornalistas não foi observado. Foi mais importante ter audiência e vender jornais do que aguardar a investigação ou buscar mais fontes de informação. O sequestro de Eloá Outro caso clássico de má conduta da imprensa foi o sequestro da meniO Caso Escola Base
na Eloá Pimentel, em 2009. Ela tinha apenas 15 anos e ficou refém de seu ex-namorado Lindenberg Alves de 22 anos, que estava inconformado com o término do namoro. O sequestro durou cinco dias até que Eloá foi morta pelo rapaz. Durante esse período, a imprensa expôs o caso e interviu no sequestro através de filmagens e perguntas ao sequestrador. Toda essa exposição teve uma interferência psicológica em Lindenberg e pode ter contribuído para a morte de Eloá. Faltou cuidado e responsabilidade por parte da imprensa. Isso também fere o códi-
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go de ética dos jornalistas. Segundo a professora e jornalista Raquel Utsch é importante aguardar o desenvolvimento dos fatos e classificar as pessoas como supostos agentes de crimes e não como culpados. Deve haver também a busca pelo jornalismo investigativo, procurando informações idôneas, com fontes seguras e com credibilidade para que não se cometam injustiças. Além disso, o jornalista tem que respeitar a lei, que dá direitos para a pessoa se defender e não ser tratada como culpada enquanto o processo ainda não for julgado. Raquel enfatiza que o jornalismo é o campo de disputa de sentidos, controvérsia entre as fontes e do respeito às instituições legais que dão o procedimento jurídico aos crimes. A função do jornalista não é a do julgamento e sim da repercussão no plano das ideias, da tradução das fontes de informação e do debate jornalístico. A presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais Alessandra Mello, enfatiza a importância da garantia da presunção da inocênwcia. Segundo ela, hoje em dia, a notícia
O sequestro de Eloá Pimentel
se propaga de maneira muito rápida na internet e nas redes sociais. Dessa forma, se o jornalista coloca uma notícia que incrimina uma pessoa de forma errada, é muito difícil corrigir o erro. O reconhecimento do erro nunca tem o mesmo alcance e impacto da primeira notícia. O Reitor da Universidade Um caso muito emblemático que aconteceu foi o do reitor da Universidade de Santa Catarina que se matou após ser acusado de desvio de re cursos. Luiz Carlos Cancellier, o reitor afastado da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) após uma investigação da Polícia Federal, foi encontrado morto em um Shopping, em Florianópolis. Segundo a Polícia Militar, ele teria subido até o sexto andar do prédio e se jogado no vão central. Dias antes do fato, Cancellier havia sido preso e libera-
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do em seguida. Ele foi acusado de supostos desvios de recursos no programa da UAB (Universidade Aberta do Brasil), destinado a cursos de formação de professores à distância. Ele se matou por não aguentar a pressão de ser tratado como um criminoso antes da conclusão do processo legal. A pior consequência da não obediência ao artigo da presunção da inocência é o prejuízo à honra e ao nome da pessoa acusada. Além disso, tanto os supostos crimonosos quanto as vítimas de crimes devem ser preservadas, tratadas com respeito, cuidado e bom senso para que não sejam expostas de maneira indesejável e indelicada. A profissão de jonalista é de uma responsabilidade enorme e pode impactar a vida de uma pessoa para o bem e para o mal. Existe um código de ética que fala sobre a presunção da inocência, o compromisso com a verdade, a correta apuração dos fatos e o tratamento adequaO caso do reitor da Universidade
do das vítimas de um crime. Há também uma lei que destaca o princípio da não culpabilidade. Além disso, o jornalista também tem a sua ética pessoal e profissional. Todos esses fatos são mais do que suficientes para que o jornalista trabalhe com cautela, respeito e responsabilidade. O bom jornalismo é feito de muita investigação para que haja uma apuração precisa dos fatos. Também deve haver a busca de diferentes fontes de informação que devem ser mantidas em sigilo, se necessário, e tratadas com respeito. Por isso, a opinião manifestada em meios de informação deve ser exercida com muita responsabilidade.
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Como tratar de ética no jornalismo? Pedro Paiva A função fundamental do jornalismo é a informação. Para tanto, o jornalista deve assumir, antes de tudo, uma postura de neutralidade diante dos fatos informados. Ao tratar de um assunto, não deve deixar que impressões pessoais, ideologias e emoções interfiram na matéria. A postura ética de um jornalista deve ser elemento primeiro de sua atuação profissional. No noticiário, deve ser objetivo e claro, nas reportagens, deve apresentar a análise dos fatos a partir de elementos que fundamentam
Blogueiro do portal UAI, Eduardo de Ávila na Câmara dos vereadores de Belo Horizonte em uma sessão
a sociedade e a cultura em que está inserido. O jornalista não deve atuar como formador de opinião, mas sim como aquele que apresenta fatos que possam levar o público a tirar suas próprias conclusões, segundo seus valores pessoais, buscando sempre o bem comum e a harmonia social. Deve visar a preservação da cultura e da sociedade, buscando tornar o grupo social ciente de seu papel. O jornalismo é, antes de tudo, um veículo de desenvolvimento social, de organização e de formação de uma sociedade mais justa e solidária. Sem dúvida nenhuma, fatos relevantes são notícias que o povo quer ver, mas nem sempre o que as emissoras de TV, rádios, jornais e revis-
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tas divulgam, são necessariamente verdades jornalisticamente éticas e incontestáveis. No atual contexto, em que o capitalismo dita as regras da economia, tudo passa a ter seu valor mercadológico, inclusive a notícia. Até aí, tudo bem. Mas notícia como mercadoria pode e deve ser tratada dentro dos princípios da conduta ética e profissional, tendo como objetivo, acima de tudo, oferecer boa
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Ter ética é divulgar os fatos tais como ocorreram. Sem dosarpara o exagero ou omissãoinformando ao leitor/ouvine a realidade apurada”
qualidade de informação e satisfazer às necessidades de consumo dos leitores com um produto fidedigno. E este aprendizado sobre o que é ético e o que não é começa nas escolas de jornalismo. O Código de Ética rege a conduta profissional do jornalista e dos veículos de comunicação. No entanto, a cada dia que passa tem-se a nítida sensação que esta cadeira parece ter sido abolida na prática profissional de alguns jornalistas e responsáveis por meios de comunicação atualmente integrados ao mercado de trabalho. Não é raro abrir um jornal ou ver na TV notícias tendenciosas, pejorativas, que visam beneficiar uma das partes ou mesmo mascarar a verdade dos fatos. Como você trata a ética no jornalismo que pratica? Deixei redação faz algum tempo. Hoje me dedico a trabalho de assessoria e a um blog futebolístico. A questão da ética, num e no outro caso, é a base da relação e convivência profissiobal. Enquanto trabalhei em veículos sempre respeitei o comportamento das assessorias. Apuração é função e missão do jornalista de redação. Trabalhar a imagem da instituição que assessora, da mesma forma não sugere ao profissional entrar na apuração do colega.
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O mundo globalizado e os avanços tecnológicos com as redes sociais criaram uma realidade cruel”
A ética faz um jornalismo melhor? A ética resulta num bom jornalismo. Ter ética é divulgar os fatos tais como ocorreram. Sem dosar, para o exagero ou omissão, informando ao leitor/ouvinte a realidade apurada. Seja positiva ou não a informação. Tudo é justificável em prol do interesse público? O interesse público deve e merece ser á prioridade no trabalho jornalístico. Como você acha que deve ser a relação entre fonte e entrevistador? De total e absoluta confiança, sem interesses ocultos ou subliminares. Preservadas sempre que necessário. O que você acha das reportagens feitas através de câmaras e gravadores escondidas? Um desrespeito à privacidade e até a boa fé de pessoas que acabam se transformando em vítimas. O mundo globalizado e os avanços tecnológicos com as redes sociais criaram uma realidade cruel. Ninguém tem privacidade nem em momentos de intimidade. O mundo era mais feliz sem essa evolução e tantas ferramentas tecnológicas.
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Diversifique seu cardåpio e aprenda com as dicas e receitas de Silvânia Capanema, no quadro Eu na Cozinha, na ConecTV.