Revista Ponto & Vírgula - Ano 9 | Número 13 - Dezembro de 2017

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Maíra Lemos conta sobre a nova fase na carreira

Revista Laboratório do Curso de Jornalismo Ano 9 | Número 13 - Dezembro de 2017

DO CAOS À LAMA... Em ipsustis dip et, vulput nit inisi Henim quat

Dois anos após a maior tragédia ambiental, situação em Bento Rodrigues é de total abandono

Jornalista Em ipsustis entrevista dip et, vulput mulheres vítimas nit inisi de estupro no Haiti Henim quat Capa PeV 13.indd 1

Lenisi Uptat aliquam consenis dolutpat augiam A importância nim dolobor Batalhas poéticas perostrud do nome discutem os social para asdolesequatum problemas del iriure pessoas trans dolorem quis sociais auguero dignis

Revista laboratório do curso de Jornalismo • Ano 9 • nº 13

Em ipsustis dip et, vulput nit inisi Henim quat

Ensaio mostra tragédia em Mariana dois anos depois

Em ipsustis dip et, vulput Revista Laboratório do Curso de Jornalismo nit inisi Ano 9 | Número 13 - Dezembro de 2017 Henim quat

Mulheres do street art ganham os muros

Poesia Slam:

a batalha que usa como arma a palavra para propor a revolução social pela celebração

Em ipsustis dip et, vulput nit inisi Henim quat

Em ipsustis dip et, vulput nit inisi Henim quat

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Diversifique seu cardápio e aprenda com as dicas e receitas de Silvânia Capanema, no quadro Eu na Cozinha, na ConecTV.

Toca o que você gosta de ouvir!

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Ex-aluno de jornalismo da Fumec conta os desafios na carreira profissional Pág. 20

Como a animação pode auxiliar no aprendizado infantil Pág 42

Aluna de jornalismo da Fumec lança livro com história egípcia Pág. 59

PONTO E VÍRGULA

Expediente FUMEC

Fundação Mineira de Educação e Cultura

Presidente do Conselho Executivo Prof. Air Rabelo Presidente do Cons. de Curadores: Prof. Antonio Carlos D. Murta

Reitoria da Universidade Fumec

Reitor: Prof. Fernando de Melo Nogueira Vice-reitor: Prof. Guilherme Guazzi Rodrigues

Faculdade de Ciências Humanas

Diretor-Geral: Prof. Antônio Marcos Nohmi Diretor de Ensino: Prof. João Batista de M. Filho Coordenador do Jornalismo: Prof. Ismar Madeira

Ponto e Vírgula

Editor: Prof. Aurelio José Silva Coordenação Proj. Gráfico: Prof. Aurelio José Silva Técnico e finalização gráfica: Luis Filipe P. B. Andrade Técnico e tratamento gráfico: Daniel Washington S. Martins Revisão de texto: Prof. Dr. Luiz Henrique Barbosa Logotipo: Rômulo Alisson dos Santos Monitores: Catherina Dias Pietra Pessoa Pollyana Gradisse Vitória Marques Gráfica: Tiragem: 2.000

Entrevista Maíra Lemos

Pág. 05

Mulheres no grafite

Pág. 08

Debate sobre nome social

Pág. 12

Batalha poética

Pág. 15

Entrevista Murilo Rocha

Pág. 20

No limite do entretenimento

Pág. 23

Das flores à luta

Pág. 27

Ensaio Bento Rodrigues

Pág. 31

Entrevista Igor Patrick

Pág. 37

Tango no país do samba

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Por trás da animação

Pág. 42

Autonomia do conforto

Pág. 45

Estágio: ingresso para o mercado

Pág. 48

Perfil Maria Cristina Cavalieri

Pág. 50

Profissionalismo no Youtube

Pág. 53

O chamado de Tutankhamon

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Conselho Editorial

Prof. Aurelio José Silva Profª. Dúnya Azevedo Profª. Vanessa Carvalho Prof. Dr. Luiz Henrique Barbosa Profª. Raquel Utsch

COMPORTAMENTO Doença do esquecimento não é barreira para o amor

Foto da capa e contracapa

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Marina Sathler e Leonardo Miranda

Foto: Nimeri Fotos

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Editorial - resistência

RESISTÊNCIA Aurélio José Silva Acreditamos que essa seja a melhor palavra para definir o conjunto de reportagens e entrevistas desta edição. A começar por nossas matérias das capas. Sim, capas. Temos duas nesta Ponto & Vírgula. Na primeira, destacamos como manchete o ativismo sociopolítico e cultural das batalhas de Slam Poesia – uma competição entre pessoas que leem textos poéticos autorais cujos temas trazem críticas à violência policial, à violência contra a mulher, ao machismo, ao racismo, à política entre outros. Também chamada de spoken word (poesia falada), a batalha é travada com a ocupação dos espaços públicos – ruas, teatros, centros culturais, terminais de ônibus e praças da cidade – e tem como armas a denúncia, a arte e a resistência. Na segunda, aproveitamos a contracapa para dar o devido destaque a uma reportagem fotográfica que mostra o descaso e o abandono em Bento Rodrigues, dois anos após a tragédia ambiental causada pelo rompimento de uma barragem de rejeitos da mineradora Samarco. Nesse caso, os instrumentos de denúncia e resistência são as imagens captadas pelas lentes do estudante de fotografia da Fumec Leonardo Miranda, que, no texto autoral da abertura do

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ensaio fotográfico, compara a tragédia mineira ao acidente de Chernobyl, tamanha a devastação encontrada por ele no local. Na edição final, com a devida licença poética, citamos um trecho da música da banda pernambucana Chico Science & Nação Zumbi, que dá título ao álbum que inaugura o movimento Manguebeat em 1990, para a manchete do ensaio. Um tributo oportuno... Entre esses dois temas que abraçam a nossa publicação, os alunos de jornalismo trouxeram à tona outras pautas de cunho social para essa batalha pelos direitos humanos e o bem-estar da sociedade. Na ocupação desse espaço de informação, crítica e reflexão também merecem destaque as reportagens “Elas deixam sua marca no grafite”, sobre as mulheres na street art; “Nasci João, mas me chame de Maria”, sobre a importância da garantia do nome social às pessoas trans; “Das flores à luta”, sobre as mulheres que buscam seu lugar na política; “Autonomia do conforto”, sobre os incômodos causados pelo uso do sutiã; “Pedi desculpas por ser Brasileiro”, entrevista com o jovem jornalista Igor Patrick, que escreveu sobre mulheres que foram estupradas por soldados da ONU no Haiti. Esta edição traz

ainda outros assuntos importantes que irão prender sua atenção e que mereciam ser citados aqui, mas o espaço não permite e queremos também que vocês se surpreendam com os demais temas. Nessa arena conturbada em que se transforma a redação durante o fechamento de uma revista laboratório, contamos com o apoio e dedicação de duas monitoras que chegaram há pouco tempo, mas que mostraram competência, dedicação e compromisso: Catherina Dias e Pollyana Gradisse. Bem-vindas ao Slam Jornalismo! Agradecemos à monitora Pietra Pessoa pela ajuda e empenho para salvar algumas reportagens. Somos gratos também à professora Dunya Azevedo, que nos sugeriu o ensaio de Bento Rodrigues; aos professores Luiz Henrique Barbosa e Raquel Utsch, que nos auxiliaram na correção dos textos, aos técnicos Luis Filipe Pena (diagramação e fechamento) e Daniel Washington (tratamento gráfico). Então, caros leitores, antes de iniciarem sua imersão nesta edição da revista, a equipe Ponto & Vírgula faz uma paráfrase e dá o salve: Reportagem, Sem Massagem Na Mensagem! Slam Jornalismo!

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Foto: Magê Monteiro

Maíra Lemos

- Entrevista

MAÍRA LEMOS TROCA TV PELA WEB Após mais de 10 anos de televisão, a jornalista conta, em entrevista exclusiva, sua decisão de ter seu próprio canal no Youtube Por Juliana Puttini Maíra Lemos, 37, trabalhou como apresentadora do Globo Esporte, em Minas Gerais, e também como repórter do Jornal Nacional e do Esporte Espetacular: todos programas da Rede Globo, maior rede de televisão comercial do país. Na Olimpíada no Rio, em 2016, foi a repórter responsável por cobrir a Seleção Feminina de Futebol para a TV Globo. Também fez a cobertura da Copa das Confederações (2013), das seleções da Argentina e do Chile na Copa do Mundo (2014), além de títulos marcantes, como a vitória do Atlético Mineiro na Libertadores em 2013 e o bicampeonato Brasileiro consecutivo do Cruzeiro (2013/2014). Trabalhou também na TV Record nos programas Hoje em Dia e Esporte Record; na TV Alterosa (STB), na Rede Minas e TV Cultura nas editorias de comportamento e entretenimento. Agora, em seu canal no YouTube, Maíra Lemos se dedica a contar histórias de pessoas e lugares inspiradores. O objetivo é provocar um novo olhar, que valorize a simplicidade e a beleza das pequenas coisas da vida. Jornalista e publicitária, com especialização em comunicação digital, se despediu da televisão depois de mais de 10 anos de carreira para se dedicar a este projeto.

Diagramação: Catherina Dias

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Você ficou conhecida pelo jornalismo esportivo. O esporte era mesmo o seu objetivo ou foi uma oportunidade que apareceu? Eu nunca busquei trabalhar com esporte. Sempre gostei muito de praticar. Comecei a jogar futsal com 11 anos de idade. Então, quando me tornei repórter de TV de outras áreas (comportamento, entretenimento e cultura), me convidaram para um teste para o Alterosa Esporte. Naquela época era raro mulher no esporte. Como eu jogava e entendia, eles me chamaram. Acabou dando certo e acabei gostando de trabalhar na área também.

Você pretende trazer alguma coisa relacionada ao esporte para o seu canal, ou a ideia agora é outra ? Não quero trabalhar com editoria fixa. Não quero me limitar. A ideia agora é valorizar boas histórias, pessoas e lugares. Pode ser do mundo esportivo ou não. Como começo com BH, a ideia é valorizar a cidade, a cidadania, os moradores, boas atitudes, lugares interessantes, enfim... É muito assunto! E a ideia é uma diversidade de pautas sim. Sem excluir o esporte, mas incluindo muitos outros assuntos.

De onde surgiu a ideia de ter um canal no Youtube? E essa transição foi longa/ complicada? Desde que o Youtube/internet surgiu eu já tinha vontade de ter o meu canal. Mas, em todos os canais de TV em que trabalhei eu tinha um contrato de direito de imagem, que me impedia de usar minha imagem, voz ou texto, sem autorização das chefias das TVs. Ou seja, eu só poderia ter o meu canal caso saísse da TV (eles nunca autorizaram isso). En-

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tão, a realização desse objetivo só se concretizou agora, depois de mais de 10 anos de carreira, com experiência suficiente para empreender. Tentei negociar dentro da própria emissora um projeto meu, mudando de área, mas eles não quiseram. Só então parti para o plano da minha saída. Eu fiz uma pós-graduação, pesquisei e li muito na internet, conversei com amigos e empresários. Foram muitas informações, conselhos e estudos que me deram uma mínima bagagem para tomar a iniciativa.

“Tentei negociar dentro da própria emissora um projeto meu, mudando de área, mas eles não quiseram” Maíra Lemos Você acredita que o Youtube é a nova “televisao” para essa nova geração? Não. Acredito que TV é TV e Youtube é Youtube. São muito diferentes em tudo. O Youtube é a cara dos novos tempos, da liberdade de criação, de divulgação. É a pluralidade, é vencer fronteiras, é dar voz a todos, encontrar-se com os iguais, ouvir os diferentes. É democrático. E também inclui os mais antigos! A TV é muito diferente. É limitadora e limitante. Desde os horários, aos padrões estéticos e editoriais, além dos interesses econômicos por trás das notícias. São poucos falando para muitos.

Foto: Magê Monteiro

Entrevista - Maíra Lemos

Qual o maior desafio para quem depois de se consagrar na TV gravar agora atrás das próprias câmeras? Me sinto livre e feliz. Há muito tempo eu trabalhava para grandes empresas. Ao mesmo tempo em que crescia pela minha criatividade, era limitada por ela. Nem sempre minhas ideias eram aprovadas. Não depender da aprovação de uma chefia é libertador. Me faz lembrar o início da minha carreira, quando tudo era experimental. Mas agora trago comigo uma bagagem de todos os lugares que trabalhei, tenho mais responsabilidade e experiência. Me sinto pronta para este desafio. Mas sei das dificuldades e novidades na minha rotina, agora como empreendedora, que tenho que lidar. Tudo na vida tem seu preço não é? Lado bom e ruim. Realidade. Mas estou melhor assim agora.

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Maíra Lemos Eu vi os vídeos do seu canal e as imagens e enquadramento chamaram a atenção. Você tem uma equipe? Se sim, alguém com quem você já tenha trabalhado?

Muito bom. Vejo pessoas se identificando com a ideia do meu projeto de valorizar a cidade e também muita gente se identificando com a minha atitude de mudança de carreira. Espero influenciar muita gente positivamente!

O que podemos esperar desse seu novo projeto? Uma surpresa a cada semana! Porque a beleza está nas pequenas coisas da vidas, nas pessoas que muitos nem enxergam, nos lugares que geralmente não olhamos. É esse tipo de coisa que me atrai e que quero mostrar. Espero abrir os olhos e a cabeça de muitos.

Que dica você daria para quem está fazendo jornalismo e quer seguir carreira na TV e Youtube? Estudo, muito estudo. Prática, muita prática. Trabalho. Muito trabalho, seja onde for! Tudo é experiência e aprendizado. Eu mesma comecei fazendo estágio em um banco. Nada a ver com minha área, mas, foi o início de um caminho que me fez crescer. Temos que estar abertos ao diferente. Nem sempre, aliás, quase nunca, a vida acontece como queremos. E as curvas no caminho nos surpreendem. Podemos aprender a gostar de trabalhos que nunca antes tínhamos imaginado. Aproveitem toda e qualquer oportunidade!

Foto: Magê Monteiro

Tenho pessoas trabalhando comigo sim, na linguagem que eu acredito. Não quero usar os enquadramentos “quadrados” e viciados que geralmente vemos em TV. Quero fazer algo diferente, que traduza o meu olhar, e acredito que estamos conseguindo. Não existe ordem, regra. Cada vídeo é um ritmo, um estilo. Para trabalhar comigo tem que ser sensível demais sabe... Se não, não dá liga! Gosto de valorizar os detalhes e de uma edição caprichosa, que traduza as emoções das histórias para quem estiver assistindo.\

Como está sendo o feedback neste início de trabalho?

- Entrevista

A jornalista Maíra Lemos, que abandonou seu trabalho nas mídias tradicionais para investir em projeto no Youtube

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Cidades - Grafite

Foto: Haka (@hakadigital)

Mulheres da street art falam dos desafios enfrentados para ocupar o seu espaço no muros e como seu trabalho pode impactar de forma direta a vidas das brasileiras Grupo Minas de Minas, formado por Krol, Musa, Nica, e Viber; na parede ao fundo, representação de Elza Soares

Por Fernanda Vasconcelos 8

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Grafite

Foto: Amira Hissa

A street art, espaço de projeção da arte de rua, que até então era dominada e, de certa forma, destinada aos homens, vem ganhando uma visão feminina nos últimos tempos. As mulheres passaram a se arriscar nesse cenário com o objetivo de mostrar que elas também podem ser e já são, em muitos casos, grandes ícones do grafite brasileiro. Com a efetiva atuação das mulheres no grafite, as paredes e muros ganharam mais sensibilidade, estilo e colorido que refletem uma leitura diferenciada do mundo e das problemáticas que envolvem a sociedade. Atualmente, em Belo Horizonte, destaca-se como precursor o crew – ou seja, “grupo” na linguagem do grafite – Minas de Minas. Criado em 2012, o quarteto de grafiteiras formado por Krol, Musa, Nica e Viber tem como objetivo incentivar as mulheres a ocuparem as ruas com arte. No início de agosto deste ano, o Minas de Minas, considerado um dos melhores grupos de street art do Brasil, realizou um projeto cujo lema foi “Nós podemos tudo”, que teve como intuito evidenciar mulheres que fazem ou fizeram história no Brasil. A primeira mulher retratada em grafite foi Elza Soares, negra, feminista, ativista das causas em favor das minorias, cantora e compositora de renome internacional, eleita a voz do milênio pela Rádio BBC de Londres em 1999. A artista nasceu em 1937 na favela de Moça Bonita, no Rio de Janeiro, foi obrigada pelos pais a se casar com 12 anos, ficou viúva aos 21 anos, passou a atuar como cantora aos 27 anos. Enfrentou discriminação, foi xingada, ameaçada de morte e agredida devido ao seu relacionamento com o jogador de futebol Garrincha, acusada pela sociedade da época (década de 1960) de ser destruidora de lares ao ser apontada como o pivô do fim do casamento do atleta. Elza teve, ao todo, oito filhos e

- Cidades

Priscila Amoni, grafiteira mineira e criadora do projeto CURA em BH

quatro são falecidos, inclusive o filho que teve com o jogador Garrincha. Além de possuir uma voz com timbre inigualável, a cantora – descrita como “uma mistura explosiva de Tina Turner e Celia Cruz” pela Time Out, e conhecida mundialmente como a Rainha do Samba – não é apenas um ícone como artista, é também exemplo de coragem e superação diante de todos os problemas e adversidades que enfrentou ao longo de sua vida. O grafite de Elza Soares em um muro na Estação Central do Metrô de Belo Horizonte, além de uma inspiração para quem ali transita, é um dos retratos da mulher contemporânea que “pode tudo” no projeto assinado pelo grupo Minas de Minas. O quarteto tem também um canal no YouTube, o Minas de Minas Crew. Nessa plataforma, as grafiteiras costumam gravar e expor os trabalhos como uma forma de mostrar para quem não tem tempo de acompanhar ao vivo ou para quem ainda não conhece.

Outra grafiteira que vem mostrando seu trabalho em festivais ou em grandes paredões de forma intensa é Priscila Amoni. Também da capital mineira, ela deixou há pouco tempo uma marca que será lembrada por qualquer um que passar pelo centro de Belo Horizonte. Uma mulher negra (com algumas plantas nas mãos e na cabeça) com cerca de 50 metros, considerada a maior pintura da América Latina, foi estampada na fachada de um prédio localizado na rua Rio de Janeiro, esquina com Santos Dumont. “E isso acaba aparecendo no meu trabalho: a ascensão do poder feminino e o empoderamento também. São plantas de poder, são mulheres ancestrais, são mulheres deusas, são mulheres índias. Enfim, tudo que para mim sempre remeta ao belo e à cura”, afirma. As amigas Priscila, Juliana Flores e Janaína Macruz, recentemente, criaram o projeto CURA – Circuito Urbano de Arte – que nasceu após Priscila ter presenciado, no

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Foto: Área de Serviço

Cidades - Grafite

Arte feita por Priscila em fachada de prédio próximo à Praça da Estação

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Rio de Janeiro, algo parecido. Voltando para a capital mineira, ela reuniu as amigas e deu início ao projeto. “O conceito do CURA é o mirante de arte urbana. A gente quer colocar BH no mapa mundial de festivais de arte urbana.” Priscila, atualmente, encontra-se em Marcoux, na França, com o objetivo de realizar uma intervenção artística em um castelo: Residência Artística Châteu de Goutelas. Mais uma artista que vem fazendo história e apresentou seu trabalho durante o CURA foi Tereza Dequinta. Além de grafiteira é também tatuadora em Fortaleza, no Ceará. Começou a fazer parte desse de universo há cerca de 11 anos. Inicialmente, praticava a arte com um grupo de meninas que acabou criando o Selo Coletivo. O grupo trabalhava mais a técnica do lambe-lambe (o lambe-lambe utiliza cartazes como forma de intervenção urbana). “Fazíamos isso justamente para evitar todo o processo da rua, você fazia em casa e saía para colar. Porque é claro que a gente acaba sendo mais vulnerável e obviamente que é mais confortável para a mulher sair com o coletivo, seja homem ou mulher”. Ela fez inúmeras artes para importantes locais como o Museu da Cultura Popular Djalma Maranhão e a Galeria Contemporarte. Tereza ainda tem um par de projetos, com o seu marido Robézio Marqs. A dupla conta com uma proposta conhecida como Acidum Project – is a collective of urban art (um coletivo de arte urbana). O trabalho das grafiteiras é um desafio para as mulheres tendo a rua como espaço de sua arte. “A rua é um espaço hostil para o corpo da mulher. A mulher, quando sai à rua, é como se o corpo dela se tornasse público, dentro do patriarcado e do machismo”, explica Priscila. As meninas não hesitam em dizer que o início da carreira pode ser perigoso. Muitas vezes, não é recomendado grafitar em alguns locais quando se

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- Cidades

Foto: Viber

Grafite

Grafite realizado pela Crew Minas de Minas, representando a cantora Karol com K, no projeto “Nós podemos tudo”

está sozinha, especialmente, durante o período da noite. “A minha dificuldade inicial era arrumar companhia porque eu precisava e me sentia mais segura. Mas os grafiteiros não chamam. Quando eu chamava, vinham uns amigos, mas quando dependia dos caras, eles nunca chamavam uma mulher”, afirma Priscila. Ela observa que qualquer mulher indo para a rua já se expõe ao risco do assédio, ao risco do desrespeito, da invasão. E dentro do grafite, isso continua. “A gente se coloca em situações de mais risco porque muitos grafites são feitos à noite, e à noite não é um espaço para uma mulher sozinha”. Priscila diz que, ao planejar seu trabalho, pensa no trajeto que tem que realizar para facilitar uma possível fuga ou defesa em caso de assédio. “Como sou uma pessoa branca e de classe média, isso me torna privi-

legiada. Eu sempre penso na mulher preta, que é sempre a mais prejudicada em qualquer situação”. Tereza afirma que, com ela, esse preconceito e assédio nunca aconteceram de forma direta, mas que muitas amigas já contaram algum relato sobre essa questão. “Você acaba escutando muitas piadinhas do tipo: ‘ah, você consegue com mais facilidade a liberação do muro porque é mulher. É só dar um sorrisinho’. Eles pensam que é mais fácil para a gente, mas no final acaba sendo mais difícil, principalmente por causa do esforço físico que o trabalho exige”.

Origens Street art denomina a arte urbana, ou simplesmente uma maneira de se auto-expressar. A arte do grafite tem resquícios ainda no Império Romano, mas, somente em 1968,

com um movimento sociocultural na França e, em 1970, em Nova Iorque, houve o marco formal do início dessa arte. Naquela época, costumava ser uma forma de os jovens deixarem suas marcas nas paredes da cidade. Atualmente, a ideia do grafite ainda é a mesma. Houve apenas evoluções nas técnicas, nos desenhos e nos propósitos. O grafite está diretamente ligado a diferentes tipos de movimentos, como é o caso do Hip Hop. Esse gênero musical, que surgiu na mesma época da arte urbana, também tem como objetivo principal causar impacto. Ambas as artes são realizadas normalmente no espaço público e, na grande maioria das vezes, tentam denunciar alguma questão social, expressar a opressão em que a humanidade vive, ou até mesmo destacar os problemas de grupos minoritários

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Comportamento - nome social

NASCI JOÃO, MAS ME CHAME DE MARIA... A importância da inserção do nome social nas instituições governamentais e nas empresas

Foto: Arquivo pessoal

Por Letícia Gontijo

Laura Zanotty foi ofendida em seu primeiro emprego, hoje é respeitada na empresa Thoughworks

Sentir-se alguém diferente do que o espelho reflete e desejar mudar a imagem não é uma sensação de vaidade mas de total desconforto e estranhamento.Os transexuais têm tal sentimento quando olham para seus reflexos e têm sua identidade de gênero oposta ao que veem. Esse é o início da história dos que nasceram João e se sentem Maria e das Marias que se sentem João. Quando iniciam

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seus processos de transição sexual, essas pessoas se deparam com inúmeras dificuldades, e uma delas é o reconhecimento da sociedade perante sua personalidade que sempre existiu, mas agora toma forma. As características físicas transformadas, a barba que começa a aparecer no rosto dos homens transexuais, a aparição de mamas e o rosto afinando nas mulheres trans passam a entrar em

conflito com os nomes com os quais foram registrados. Aí entra como solução o nome social que, se utilizado, garante o direito e a liberdade de ser homem ou ser mulher de todos nós, independentemente do sexo ao qual nascemos e sim do gênero ao qual nos identificamos e queremos viver. Nome social é aquele que a pessoa transexual ou travesti escolhe a partir da sua identidade de gênero.

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nome social

- Comportamento

...NASCI MARIA, MAS ME CHAME DE JOÃO

Foto: Una Extensão

Assim mulheres transexuais desejam ser chamadas com nomes femininos e homens transexuais por nomes masculinos.Enquanto processos tramitam para que o nome se torne oficial, ou até mesmo sem essa negociação ocorrendo, a intenção do uso desse nome é evitar constrangimentos e preconceitos. Assim o nome social vem sendo cada vez mais aceito pelas empresas e instituições que contratam funcionários transexuais. Para Roberto Reis, coordenador geral do projeto Una-se Contra a LGBTfobia, essa aceitação diz para a sociedade e para as pessoas trans que elas são bem-vindas e reconhecidas naquele local; trata-se de uma lição de cidadania. Um importante passo tomado pelo Governo de Minas Gerais, desde janeiro desse ano, foi decretar

“as competências que uma pessoa apresenta não tem relação com sua orientação sexual...” obrigatória a utilização de nome social para travestis e transexuais em todos os segmentos da administração pública estadual. Laura Zanotti é a mulher transexual que interpretou o papel principal do vídeo do Governo de Minas sobre o respeito às diferenças e faz várias campanhas publicitárias de cunho social LGBT. A militante já trabalhou oito anos num local onde seu nome social não era aceito. Isso afetava seu desempenho completamente. Ela conta que recebia per-

guntas invasivas e em alguns ambientes havia desconfiança se ela era mesmo a Laura de que falavam. Isso ainda ocorre com a paulista que hoje reside em Minas Gerais, nos hospitais e demais locais onde seu “nome no papel”, como ela mesma chama ainda, é o que vale. Trabalhando hoje na Thoughtworks, uma empresa especialista em consultoria de tecnologia localizada no Boulevard Shopping, Laura é reconhecida por seu nome social que foi escolhido anos atrás junto de um amigo. Na empresa Zanotti garante se sentir respeitada e tem certeza de que é julgada pelo seu profissionalismo. “Em alguns locais, se você faz algo de errado, a justificativa é porque você é trans. Como se isso explicasse algo.” – acrescenta. Na empresa há uma colega trans e colegas gays e lésbicas que também são respeita-

“...essa aceitação diz para a sociedade e para as pessoas trans que elas são bem-vindas... Tratase de uma lição de cidadania.” Roberto Reis, coordenador geral do projeto Una-se Contra a LGBTfobia Revista Ponto & Vírgula — dezembro de 2017

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Comportamento - nome social “os funcionários, (...) tendo a oportunidade de conviver com a diversidade, se tornam mais tolerantes, mais abertos ao novo e por consequência mais produtivos”

mou Laura). Quando perguntado se o nome social reduz o constrangimento para a pessoa trans, ele ressalta: “além de diminuir o preconceito e situações de humilhação é uma questão de tratar-nos com dignidade”. Maria Helena Sander, Técnica de Desenvolvimento na Gerência Geral de Gestão de Pessoas e Coordenadora dos projetos de inclusão do BDMG, conta que o estabelecimento visa contratar cada vez mais profissionais diversificados e inclusive um outro funcionário trans já foi selecionado. Sobre as empresas que não contratam transexuais, Maria crê que essas instituições não o fazem por falta de conhecimento e preconceito, e reitera: “As competências que uma pessoa apresenta não têm relação com sua orientação sexual ou gênero, isso parece óbvio, mas, com relação às pessoas trans, esta questão precisa ser insistentemente abordada.”. Ela ainda acrescenta que essa relação é positiva para os funcionários, pois eles, tendo a oportunidade de conviver com a diversidade, se tornam mais tolerantes, mais abertos ao novo e, por consequência, mais produtivos. Além das instituições governamentais e da Thoughtworks , também adotam o nome social, reforçando a dignidade de seus trabalhadores, Banco do Brasil, Carrefour, Santander, PUC Minas, Una, Dupont e Basf Brasil

Fotos: Arquivo pessoal

dos. Por mais que ache que o preconceito ainda é excessivo (Laura tem alguns traumas, como a lembrança de quando quase levou uma pedrada por ser trans), a jovem tem o nome social como a tranquilidade da vida de uma pessoa transexual, sua paz consigo mesma. Além disso, sente-se bem ao ter a certeza de que, ao chegar em um ambiente, ela poderá ser Laura e nada mais, sem necessidade de explicações. Como conhece muitos transexuais que sofrem diante do desemprego, Zanotti finaliza dizendo: “somos uma população que precisa de oportunidades dentro das empresas. Além de oportunidades, necessitamos de equipes prontas e capacitadas para receber-nos.” Hoje Laura Zannotti se define como uma

mulher feliz, forte e determinada e que em breve entrará com processo para retificação do seu nome. O Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), na intenção de disseminar e aplicar internamente a cultura de igualdade no mercado de trabalho, participa do Projeto Pró- Equidade do Governo de Minas Gerais e trabalha quatro vertentes dentro da empresa para reduzir o preconceito; elas são: Travestis e Transexuais, Pessoas com Deficiência, Racismo e o Feminino. Na equipe de funcionários de Comunicação do Banco está Gael Benitéz, um homem transexual que afirma ser completamente respeitado dentro da empresa e nunca ter passado dificuldades para conseguir estágios ou empregos. Porém, no período em que o jovem começou a utilizar seu nome social, ele relata ter passado por situações violentas diariamente que lhe deixavam muito inseguro e angustiado. “Por muito tempo depois de eu já ter me assumido homem trans, as pessoas ainda me liam como uma mulher e isso já não significava mais nada para mim”. Além do Banco, Gael utiliza o nome social em praticamente todos os ambientes, sendo eles físicos ou virtuais e acabou de conseguir seu cartão bancário com esse nome. O único lugar onde o constrangimento ainda ocorre são os departamentos da área da saúde (assim como recla-

A transição de Gael Benitéz: na primeira foto, antes da utilização de hormônios; a segunda, já com a aplicação e a terceira, a sua mais atual

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slam

- cultura

Novo jeito de fazer poesia reúne pessoas de diferentes idades e ideologias para ouvir e compartilhar rimas

Foto: Marina Sathler

Por Bruna Lima e Marina Sathler

Diagramação: Pollyana Gradisse

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cultura - slam Certamente você já viu circulando pelas redes sociais algum vídeo com uma pessoa lendo ou recitando um poema. Se já, imagino como deve ter ficado. Se ainda não, você vai ficar arrepiado ao saber que alguém compartilha das mesmas inquietações que você. Isso se chama Slam Poetry (“batida de poesia”, tradução literalmente do inglês) ou poesia Slam, uma competição entre poetas que pode conter performance e até ritmo, o importante é dar voz e visibilidade às pessoas que são consideradas minorias (e que não são). A regra para poder participar é bem clara, basta ter três poemas autorais de até três minutos cada, inscrever-se no local do evento e pronto: expresse seus sentimentos e emocione o público!

ma, Slam A Verdade Seja Dita, Slam A Rosa do Povo, Slanternas e Slam Ondaka. Depois dos Estados Unidos, o maior número de comunidades concentra-se na França e Alemanha, e estima-se que existam no mundo cerca de 500 comunidades do gênero. Estão entre os países adeptos à nova modalidade: Inglaterra, Itália, Canadá, Austrália, Suécia, Escócia, Rússia, Israel, Zimbábue, Madagascar, Singapura e Havaí. O formato ergue a arte da expressão artística a um novo patamar e traz a poesia nua e crua, sem quaisquer floreios ou meias verdades. Os versos entoados pelo poeta variam, mas geralmente envolvem a temática social. Opressão estatal, repressão policial, segregação, democracia, machismo e racismo são alguns dos

assuntos destacados nas palavras de quem tem muito o que dizer, manifestos que revelam as adversidades de uma sociedade injusta e sombria. Ao longo da interpretação, o corpo do poeta acompanha seus versos que parecem dançar pelo espaço. Palavras de resistência, revolução e também de amor, palavras que unem histórias e costuram caminhos. Criado em 2014, por iniciativa de Rogério Coelho, Slam Master e Articulador do Sarau Coletivoz, o Slam Clube da Luta foi o primeiro a invadir Belo Horizonte. A iniciativa surgiu quando Rogério conheceu o coletivo paulistano Cooperifa, idealizado por Sérgio Vaz, que já realizava Saraus desde 2001, primeiramente no Bar do Zé Batidão, e mais tarde em espaços públicos da

A Poesia Slam Concebida no princípio da década de 1980, na cidade de Chicago (EUA), a chamada Poesia Slam trouxe novos ares ao universo da arte poética. O novo formato, idealizado pelo poeta e construtor civil Marc Kelly Smith, assemelhava-se ao que era feito no “rap”, em termos de competição e conteúdo, e logo conquistou intensa popularidade por sua natureza inclusiva e com caráter de denúncia. O gênero abraça a diversidade, ainda marginalizada por imorais padrões sociais em vigor, e proporciona espaços para a amplificação de suas vozes pelos caminhos da arte. A Poesia Slam logo se estendeu à Europa e só chegou ao Brasil no ano de 2008, através do campeonato ZAP (Zona Autônoma da Palavra), na cidade de São Paulo. Conhecido também como Spoken Word (poesia falada), o novo gênero foi gradualmente ganhando espaço e conta hoje com mais de 50 grupos por todo o território nacional. Em Minas Gerais já somam oito: Slam Trincheira, Slam da Estação, Slam A Rua Decla-

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A história nos mostra que a poesia e a oralidade caminham juntas há algum tempo. Graduado em Letras pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, o professor Glauco Cardoso evidencia isso ao traçar, em sua pesquisa sobre a chamada poesia falada, panoramas históricos sobre essa antiga união. Homero, por exemplo, no século VIII a. C, já entendia do assunto quando caminhava pela Grécia Antiga recitando seus versos. Do mesmo modo, a chamada Literatura Medieval poderia ser compreendida como conceitos estéticos reservados ao modo de falar, por meio de apresentações para uma maioria de público, iletrado. Em tese, é no momento da fala que se determina a plenitude da obra. Glauco revela em seu trabalho que a linguagem, de acordo com o filólogo alemão Hans-Martin Gauger, é constituída de um lado pela oralidade e de outro pela escritura, e que a realização do verbal no interior do escrito seria algo relativo ao fazer poético, à condição poética que todo poeta espera despertar no leitor. Assim, no mundo da poesia falada, o novo formato Slam vem quebrando tabus e ganhando força em todo o mundo.

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slam capital. Rogério se entusiasmou com a ideia e decidiu executá-la no bar de seu pai chamado Bar do Bozó, localizado no bairro Vale do Jatobá, região do Barreiro. Dada a largada, não demorou muito para que o movimento fosse ganhando território por todo o estado. Em referência ao afamado longa de David Fincher, de 1999, o Slam Clube da Luta revela uma inusitada e generosa concepção de combate que sugere a revolução pela palavra. Seja quem for o campeão da batalha, a grande vitória é da poesia; o verdadeiro horizonte é a sua celebração. Um dos pilares da competição é o profundo e instantâneo envolvimento do público com os versos dos poetas. Notam-se facilmente os olhares atentos do público e os múltiplos instantes de puro reencontro naquelas palavras. As performances, sempre vívidas e carregadas de expressividade, provocam as mais diversas sensações nos presentes, claramente entregues àquele conjunto de versos que tanto revelam. “São palavras que tocam profundamente os sentimentos daquelas pessoas que, mui-

tas vezes, estão se sentindo sozinhas em seus quartos. Então, aqui, elas se reconhecem naquelas palavras e veem que existem várias pessoas na mesma situação. Poesia é o divisor de águas. Quem se sente tocado pela primeira vez, a vida segue em outro curso”, declara a produtora de Saraus Nathália Sol, 32 anos. Os eventos do Slam Clube da Luta são gratuitos e acontecem toda última quinta-feira do mês no Teatro Espanca, localizado embaixo do Viaduto Santa Tereza. Para se inscrever na competição é preciso chegar meia hora antes e ter no mínimo três poemas autorais de até três minutos recitados cada um. O primeiro prêmio do vencedor da noite são os diversos presentes trazidos de casa pelo público, que, no decorrer do evento, deposita no centro do espaço, livros, camisas, abraços, souvenires etc. Além dos brindes, o poeta ganha uma vaga para a final da competição local e a chance de batalhar nas próximas instâncias estadual e nacional, até chegar ao suprassumo da competição: a Copa do Mundo de Slam, em Paris. O slammer que vencer

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o campeonato local terá garantido o seu lugar na disputa estadual de onde sairá o competidor para o Slam BR, em dezembro, na cidade de São Paulo. O campeão desta última será o representante brasileiro na Copa do Mundo de Slam 2018, em Paris. Em 2015, João Paiva, 27 anos, foi o representante do Brasil na França. “Através do Slam Clube da Luta eu consegui levar minha poesia a lugares que eu jamais imaginaria. Conhecer pessoas e lugares de todo o mundo”, diz o slammer, sobre a oportunidade que a poesia Slam trouxe para sua vida. Por romper com os padrões da poesia clássica, o Slam desperta o interesse das pessoas, principalmente dos jovens, em ler e/ou escrever literatura. De acordo com Rogério Coelho, o número de pessoas que tem comparecido aos eventos aumentou consideravelmente. “Nunca foi organizado um evento com menos de 100 pessoas”, diz. Além disso, essa liberdade dos participantes apresentarem o assunto desejado em seus textos faz com que ocorra uma identificação com as pessoas presentes no evento.

“Através do Slam Clube da Luta eu consegui levar minha poesia a lugares que eu jamais imaginaria. Conhecer pessoas e lugares de todo o mundo” João Paiva

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Slammers durante evento no Clube da Luta, que acontece toda última quinta-feira do mês

A essência dos slammers Os slammers apresentam em seus versos situações que causam um desconforto, uma provocação em seu dia a dia. Esse é o caso de Nívea Sabino, 37 anos, formada em Comunicação Social em 2005 que, após perceber que seu tom de pele determinava se ela teria ou não um emprego na sua área, criou o blog “Branca como a neve” (www.brancacomoaneve.blogspot.

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com.br) em 2007. O blog continua ativo e é um espaço digital onde ela publica seus manifestos políticos (maneira como ela denomina seus textos). No ano passado, Nívea recebeu o convite para registrar sua palavra além da voz e do corpo, ferramentas utilizadas durante os eventos. Assim surgiu seu livro “Interiorana”, publicado por uma editora independente cuja proposta era divulgar os poemas escritos por

mulheres presentes nos saraus. O nome foi sugestão de uma amiga, que caracterizou suas poesias como algo que vem de dentro pra fora. Além do fato de ela ser de Nova Lima, interior de Minas Gerais, e trazer temas da cidade pequena para suas poesias, como o hábito de ir à missa, torcer pelo time local, o Vila Nova, o famoso Leão do Bonfim, a vista do pôr do sol e da serra ao abrir a janela.

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slam

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“Minha poesia hoje pede passagem, pra mulherada que não pede o direito à fala, vai pra rua e ocupa escarra tudo, embrulhado a artepra ver se atinge a meta máxima: o dia em que TODAS SERÃO LIVRES !!!” Trecho do poema de Nívea feito para Mostra diversas: feminismo, arte e resistência

Nívea começou a ler seus poemas em 2010, em um sarau do Coletivoz, no Aglomerado da Serra, onde conheceu Rogério Coelho. Quatro anos depois, teve seu primeiro contato com o Slam, sendo jurada na primeira edição do Slam Clube da Luta. Ela conta que não há certa regularidade para escrever os seus textos, que precisa se sentir provocada, incomodada por uma situação do cotidiano. Tomada por esses sentimentos, depois de sua participação como jurada no evento, no trajeto de volta para casa dentro do ônibus, começou a escrever. A partir disso, deu início às participações nas competições. “Por ser negra e lésbica e, durante muito tempo, ser a única mulher a competir num espaço predominan-

te masculino, como até bem pouco tempo era o Slam, faço questão de pautar os reflexos e as minhas percepções sobre a minha rotina e o meu dia a dia na cidade enquanto mulher-negra-lésbica”, comenta a poetisa sobre os temas abordados em alguns poemas. Para o poeta e slammer Oliver Lucas, que promove oficinas socioeducativas de poesia e escrita criativa em escolas, a Poesia Slam chegou de mãos dadas com a arte da escuta. “O Slam veio com a palavra muito clara. O silêncio foi muito grande, já que as ideias eram muito impactantes e de certa forma óbvias. Coisas que víamos acontecendo a todo o tempo, mas que não eram ditas. O silêncio permite que a pessoa fale com muita verdade e vontade. Ele

tem uma enorme importância porque a gente não escuta ninguém. O Slam é onde as pessoas param e escutam umas às outras com atenção, é onde elas falam a palavra consciente sobre o que elas viveram, sentiram e pensaram. É um espaço-laboratório de comunicação e civilidade”, avalia Oliver. Desta forma, é evidente o desejo que os poetas slammers têm em dar visibilidade às lutas sociais que englobam pessoas de diferentes classes, etnias e orientações sexuais, de expressar suas próprias opiniões, compartilhar com o mundo seus pensamentos, suas ideologias e convicções e como isso faz parte de sua rotina. Poesia Slam é o grito e o silêncio algo entre o amor e a opressão, feito a flor que brota no asfalto

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AMOR PELO FUTEBOL E DEDICAÇÃO À POLÍTICA O jornalista e secretário de redação de O Tempo, Murilo Rocha, ex-aluno da Fumec, fala dos desafios e conquistas ao longo de sua carreira profissional Por Thamy Amâncio Formado pelo curso de jornalismo da Universidade Fumec, no ano de 2001, Murilo Rocha, 40 anos, foi chefe de reportagem e é, atualmente, secretário de redação do jornal O Tempo, da Sempre Editora e, também, responsável pela coordenação dos jornais Super Notícia e Pampulha, do mesmo grupo editorial. Iniciou sua trajetória no veículo mineiro no mesmo ano em que concluiu seu bacharelado e percorreu um longo caminho até chegar ao posto de chefia. Foi trainnee, repórter das editorias de Cidades, Política, Esporte e Economia, participou das coberturas das eleições presidenciais desde 2002, atuou como correspondente internacional em 2007, quando morou entre março e outubro em Londres e, em seguida, foi correspondente do jornal em Brasília por três anos. Participou também da cobertura de grandes eventos esportivos, como a Copa do Mundo e o Mundial de Clubes. Venceu, em 2012, o 34º Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos – uma das maiores premiações da imprensa brasileira – na categoria Jornal, com a reportagem “Quando a ditadura entrou em campo”, feita em parceria com os jornalistas Larissa Arantes e Thiago Nogueira. Em entrevista à Revista Ponto e Vírgula, Murilo Rocha fala da sua carreira no jornalismo político e de seus desafios profissionais.

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Foto: Luiz Oliveira

Digramação: Catherina Dias

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MuriLo rocha Por que escolheu o curso de jornalismo? A minha escolha pelo jornalismo não foi pensada com anos de antecedência nem mesmo eu tinha um sonho de fazer jornalismo. Na verdade, foi algo bem fortuito e meio em cima da hora da inscrição para o vestibular. O meu desejo (também não muito concreto à época) era fazer o curso de publicidade e propaganda. Mas, depois de alguns insucessos no vestibular e em razão da relação candidatos/vaga, optei pelo jornalismo. Quase 20 anos depois, acredito ter acertado. Apesar do cenário um tanto quanto obscuro para a profissão nos últimos anos, não me arrependi.

O que fez depois de sair da faculdade? Onde trabalhou? Bem, ainda antes da colação de grau, um professor da Fumec pediu a mim e a mais dois colegas para irmos até o jornal O Tempo e deixarmos nosso currículo lá, além de bater um papo rápido com o diretor de redação. Ainda em dezembro de 2001, dias depois da formatura, fui chamado para começar como trainnee no jornal. Depois fui repórter nas editorias de Cidades, Política, Esportes, Economia, sempre pelo jornal O Tempo, onde também participei das coberturas das eleições presidenciais desde 2002 e fui correspondente do jornal em Brasília entre 2007 e 2010.

Visitando seu perfil no Facebook, percebe-se que você gosta muito de futebol. Por que você não escolheu o esporte? Boa pergunta. Estou rindo aqui. Meu perfil no Facebook é meio infantil. Mas, vamos à pergunta. Quando comecei a faculdade, pensava em trabalhar no jornalismo esportivo justamente por gostar demais de esportes, em especial, o futebol. Mas, com o passar dos anos e o ingresso numa redação, essa visão mudou. Considero o jornalismo esportivo no Brasil, salvo poucas exceções, muito ruim. Uma cobertura acrítica, presa demais às pautas cotidianas oferecida pelos clubes, como treino de jogadores, lesões etc. Há pouquíssimas reportagens investigativas na área esportiva. Também pouco se pauta a gestão e finanças dos esportes. Há muito senso-comum, informações repetidas à exaustão e polêmicas bestas.

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Quando você assumiu o cargo de chefia em O Tempo? Você ainda escreve sobre política? Desde 2011, sou secretário de redação de O Tempo, ou seja, fico responsável mais pela coordenação e planejamento pessoal e editorial do jornal. Também sou responsável pela coordenação dos jornais Super Notícia e Pampulha. Ainda assim, mantenho uma coluna semanal sobre política e, de vez quando, faço matérias e/ou entrevistas para editorias diversas.

Fotos: arquivo pessoal

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Foto: Luiz Oliveira

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“A prática é importante e deve ser desmitificada através das atividades laboratoriais nas faculdades, mas a parte teórica lhe dará formação e clareza”

Você acha que atualmente valoriza-se mais a rapidez com que se dá a notícia em detrimento da qualidade, correção e profundidade da informação divulgada? Não vejo dessa maneira. A busca pelo “furo” jornalístico, ou seja, para publicar alguma notícia relevante em primeira mão, sempre ocorreu e deverá continuar ocorrendo. Ela é essencial, faz parte do jornalismo. Jornalista tem de dar furo. E não necessariamente você precisa ultrapassar os limites éticos, prejudicar terceiros, fazer uma matéria superficial para dar um furo. Reportagens e repórteres ruins, sem escrúpulos, sempre existiram e sempre existirão. Um fenômeno dos dias atuais, e não obrigatoriamente ligado a esse fato, é a questão de matérias menos críticas, mais curtas e palatáveis. Mas isso, em minha opinião, se deve a outros fatores como o desinvestimento das empresas nas reportagens e também na busca por agradar um novo público, o “leitor de Facebook”. Mas essa é uma outra discussão.

Você escolheu a política ou a política te escolheu? Como foi seu ingresso nesta editoria não muito popular entre os estudantes de jornalismo? Na verdade, minha aproximação com a política foi por meio de um convite e não necessariamente uma vontade minha de trabalhar na área. Eu estava há menos de um ano trabalhando no jornal, na editoria de Cidades, quando a editora de Política estava convocando reforços para a cobertura das eleições de 2002. Por alguma razão, ela gostou do meu trabalho e me fez o convite. Eu participei daquela cobertura, quando ocorreu a primeira vitória do ex-presidente Lula e também do ex-governador Aécio Neves, e a partir daí comecei a me interessar bastante pelo jornalismo político. Mas, só de 2006 em diante, me dediquei mais à política, quase exclusivamente, indo morar em Brasília em 2007, onde atuei como correspondente de política do jornal O Tempo. E, entre 2010 e junho deste ano, assinei uma coluna semanal de política.

Quais dicas você dá aos futuros jornalistas que hoje estão nas universidades? Aproveitem a faculdade. Estudem muito a parte teórica. Leiam sociologia, filosofia, psicologia e muito sobre a teoria do jornalismo também. Leiam muita literatura. Enfim, leiam! Isso fará a diferença. A prática é importante e deve ser desmitificada através das atividades laboratoriais nas faculdades, mas a parte teórica lhe dará formação e clareza para exercer de forma mais plena qualquer atividade dentro do jornalismo.

Quais os passos principais devem ser seguidos para uma boa formação como jornalista político? Além do que eu disse na questão anterior, um bom jornalista político deve estar sempre muito bem informado. Ou seja, acompanhe todo o noticiário político de dentro e fora do país nas mais diferentes mídias. Leia entrevistas, frequente seminários e palestras. E, aos poucos, quando começar a trabalhar, vá cativando fontes *Colaboração: Redação Modelo

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No limite do entretenimento

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A personagem Hannah Baker comete suicídio e deixa fitas para aqueles que ela considerava culpados por sua morte

Foto: Divulgação

NO L1MIT3 DO ENTRETENIMENTO A série da Netflix tem como tema principal o suicídio de uma adolescente, e traz o questionamento: até onde uma obra ficcional deve ir ao tratar de tais assuntos? Por Laura Nogueira

Diagramação: Pollyana Gradisse

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Cultura - No limite do entretenimento O lançamento de 13 Reasons Why abriu a discussão não só sobre os temas abordados, mas também sobre a abordagem em si. É sabido que a mídia tradicional reluta em divulgar suicídios, mas o posicionamento da indústria do entretenimento diante desse tema ainda é incerto. Muitos espectadores se identificaram imediatamente com o enredo e se tornaram fãs da obra, alegando que tais assuntos foram tratados de maneira a chamar a atenção do público para os tópicos, que muitas vezes são ignorados não só pelos jovens, mas também pelos pais e responsáveis dentro do ambiente escolar. Por outro lado, especialistas e adolescentes que já viveram situações de depressão e que chegaram a cogitar suicídio relataram que a série possui gatilhos perigosos para quem vive sob tais circunstâncias. Juntamente com os treze episódios, a Netflix lançou um especial chamado 13 Reasons Why, Beyond The Reasons, no qual produtores, atores e diretores da obra relatam suas experiências e opiniões acerca da série. Ao final do especial, Selena Gomez, produtora executiva da série, divulga o site 13reasonswhy. info/ que encaminha os espectadores para centros de prevenção do suicídio no mundo inteiro. Três dias após o lançamento de 13RW, o número de ligações para o Centro de Valorização da Vida (CVV) dobrou, o que indica que a série teve, para alguns, o efeito desejado pelos produtores: pessoas em situações semelhantes à de Hannah perceberam a gravidade da situação e procuraram ajuda. No entanto, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a forma como o suicídio é tratado na mídia pode influenciar a ocorrência de outros suicídios. Um manual publicado pela OMS em 2000, embora seja mais dedicado

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à cobertura jornalística, chama a atenção para o Efeito Werther, intitulado dessa maneira devido à onda de suicídios posterior ao lançamento da obra Os Sofrimentos do Jovem Werther, escrita por Goethe. Na novela, publicada em 1774, Werther se mata com um tiro após um amor mal sucedido. Tal ato foi repetido de maneira assustadora na Europa, causando a proibição do livro em diversos países.

“O suicídio de Hannah é discutido como uma opção, esquecendo que na maioria das vezes a pessoa está aprisionada por um cenário falseado, causado pelo seu estado mental” Luís Fernando Tófoli Heroína ou vilã? De acordo com o psiquiatra Luís Fernando Tófoli, o principal erro da série é mostrar o suicídio de Hannah. “Chega a ser absurdo que os autores ignorem completamente o que indicam as recomendações da Sociedade Americana para Prevenção do Suicídio”, diz. “Há um consenso entre suicidologistas de que o fenômeno sofre contágio pela mídia e que há maneiras pelas quais ele não deva ser tratado. Uma delas, na qual a série falha desgraçadamente, é em não romantizar o ato. Evitar a divulgação de cartas de suicídio é outro ponto, e é desnecessário dizer

que 13 Reasons Why é uma enorme carta suicida”, alega. No entanto, de acordo com o produtor executivo da série Brian Yorkey, o objetivo da representação gráfica e explícita do suicídio de Hannah era que a cena fosse dolorosa de assistir, para que ficasse claro que não há nada que valha um suicídio. A psicóloga Helen Hsu explica que, por mais difícil que seja assistir à cena, ela foi importante para mostrar que não é uma morte bela ou fácil, e que o impacto na vida dos pais e conhecidos da vítima é terrível. Para Tófoli, a série apresenta ainda mais problemas. Segundo ele, a ideia de culpabilização do suicídio de Hannah é prejudicial. “Grande parte da tensão da história gira em torno de quem é a culpa pelo ocorrido. Os especialistas entendem que a busca por culpados é dolorosa e improdutiva”, diz. O psiquiatra ainda alega que o suicídio é um ato complexo, desesperado e ambíguo, e achar que ele possa ter responsabilidade atribuível é equivaler sua narrativa à de um crime. “Embora isso seja compreensível em uma peça de ficção, isso é muito deletério na discussão do tema no mundo real, onde de fato os suicídios acontecem”, completa. De acordo com o Manual Para Profissionais da Mídia veiculado pela OMS, qualquer problema de saúde mental deve ser trazido à tona durante uma cobertura de suicídio, o que 13RW falha em fazer. “Um erro de produção é não tocar na questão do adoecimento mental, uma vez que a maioria das pessoas que se suicidam apresenta transtornos mentais”, diz Tófoli. “O suicídio de Hannah é discutido como uma opção, esquecendo que na maioria das vezes a pessoa está aprisionada por um cenário falseado, causado pelo seu estado mental”, alega o psiquiatra. Para o psicólogo Walfredo Knipp, o tema da série é pertinente.

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No limite do entretenimento “É um assunto tabu. São coisas que geralmente não são faladas e são até mesmo negadas. Para mim, o principal ponto positivo de 13 Reasons Why é o fato de ter trazido uma luz ao assunto do suicídio. A série fez as pessoas começarem a falar sobre isso”, diz. No entanto, segundo ele, a abordagem da série traz uma dualidade. “Ao mesmo tempo que a série é benéfica por trazer o assunto à tona para um determinado público, pode ser prejudicial para um indivíduo mais fragilizado, que se sinta impactado pela forma como os temas são abordados”, completa. Segundo Knipp, a cena de suicídio pode ter o efeito inverso ao proposto pelos produtores da série. “A cena pode servir de inspiração para alguém que já está fragilizado e considera o suicídio como uma opção. A série mostra como é fácil morrer”, conclui. Já Christian Kieling, coordenador do Programa de Depressão na Infância e na Adolescência do Hospital das Clínicas, apresenta uma posição

menos crítica do seriado: “É preciso alertar que tem cenas muito fortes, e não recomendaria para alguém que tem problema mental e está passando por um momento delicado. Mas acho que a série traz à tona o debate, e é fundamental que se possa falar sobre suicídio”. Segundo a psicóloga Maria Cavalieri, ao mostrar o suicídio de Hannah como uma vingança, a série adota um posicionamento controverso. “Ao cometer suicídio, Hannah acaba não só com a própria vida, mas com a de todos os envolvidos”, diz. “Para Freud, nenhum neurótico abriga pensamentos suicidas que não consistam em pensamentos assassinos contra outros, que acabam virando contra si”, alega. Cavalieri acredita que, na realidade, a personagem buscava eliminar apenas um sentimento ruim dentro de si mesma, mas sua pulsão de morte acabou sobrepondo a pulsão de vida numa cisão de personalidade. “Por outro lado, a série é uma forma didática de mostrar que as atitudes

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de seus ‘algozes’ já foram, uma a uma, ‘acabando com a vida’ da protagonista que, antes de cometer o suicídio, arquitetou, de forma metódica, sua vingança”, finaliza

“A série é uma forma didática de mostrar que as atitudes de seus ‘algozes’ já foram, uma a uma, ‘acabando com a vida’ da protagonista que, antes de cometer suicídio, arquitetou, de forma metódica, sua vingança” Maria Cavalieri

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Foto: Divulgação

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Especialistas concordam que a cena do suicídio é impactante e pode ser um gatilho para quem sofre de depressão

O reflexo nos jovens Para a estudante de 15 anos A.C, a série faz pensar sobre o impacto das ações na vida das pessoas. “Ela reflete muito nossa realidade. São muitos os jovens que passam por isso e a ideia de que nada tem jeito está bastante presente. Temos que fazer o possível para evitar machucar os outros, pois nunca sabemos qual será o impacto disso em suas vidas. Acho que essa é a grande lição de 13 Reasons Why”, diz. Já para R.L., de 17 anos, que sofre de depressão e já teve pensamentos suicidas, a identificação com a personagem Hannah não foi benéfica. “Me identifiquei demais com a forma como ela vê a vida. Eu também não consigo ver o lado positivo das coisas. Ver aonde isso a levou foi muito assustador. Pensei: e se o

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mesmo acontecer comigo?”, conta a adolescente, que teve crises de pânico e ansiedade e precisou retornar à terapia após assistir à série.

Um tema necessário Mesmo com todas as críticas, a maioria dos especialistas concorda em dizer que a série traz à luz um assunto muito negligenciado. No Brasil, o índice de morte por suicídio perde apenas para homicídios e acidentes de trânsito, matando mais que o HIV. Diante de tais estatísticas, mesmo considerando um aumento do numero de suicídios diante de repercussões midiáticas, 13 Reasons Why pode ser uma forma de introduzir o tema não só dentro da escola, mas também com a família. Em uma época de acesso irrestrito à infor-

mação, na qual os adolescentes não se limitam à programação da TV aberta e não se detém frente à proibição dos pais, é importante que o suicídio seja debatido entre jovens juntamente com quem entende do assunto. Ainda assim, não se pode ignorar que a série contém gatilhos, e devese considerar os cuidados a serem tomados para evitar o prejuízo a pessoas fragilizadas. Mesmo que sejam minoria na população, essas pessoas existem e estão expostas a produções como essa. Luís Fernando Tófoli faz a reflexão: “Será que o meu entretenimento vale a vida de alguém? Será que, ao recusar a olhar os vacilos da produção da série, não estarei contribuindo de alguma forma para o suicídio de alguma Hannah da vida real?”

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das fLores à Luta

- ComportamEnto

Inspiradas, mulheres em luta buscam seu lugar no poder público

Por Amanda Magalhães, Clara Barbi e Jackeline Oliveira

Diagramação: Catherina Dias

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comportamento - das flores à luta

Espertirina Martins, jovem combatente do século XX, em meio a um ato revolucionário, portava um buquê de flores. A cavalaria se aproximou e ela lançou mão daquilo que carregava, jogando-o nos militares. Uma explosão se fez presente e matou metade da tropa que ali estava. Não eram flores, eram bombas, mulheres em luta. Inspiradas pela garra e abnegação de guerreiras, como a jovem Tina Martins, as mulheres avançam na luta pelos seus direitos. Hoje a mulher não cabe mais no papel de esposa, mãe e dona de casa, como lhe foi imposto durante um longo período da nossa história. A mulher conseguiu ampliar significativamente o seu protagonismo na sociedade. No entanto, a discriminação ainda permanece. “Mexo, remexo na inquisição, só quem já morreu na fogueira sabe o que é ser carvão”, trecho da música “Pagu”, de Rita Lee, ilustra essa batalha diária das mulheres, que não se calam e não se abatem diante das imposições misóginas históricas da sociedade. Entre estas, uma das grandes dificuldades da mulher está, diretamente, relacionada à ocupação do poder público. Poder este dominado hegemonicamente por homens e pelo patriarcalismo, o que resulta em pouca assistência diante de assuntos importantes para a qualidade de vida das mulheres e seus direitos. Embora as mulheres representem 52,2% dos eleitores brasileiros, a participação delas na Câmara dos deputados é de 9%, número compatível aos 10% registrados no Se-

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nado. Em 2009 o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou uma cota mínima de 30% de mulheres candidatas nas eleições proporcionais. A intenção era que os partidos convidassem lideranças femininas e preparassem as mulheres para concorrer para valer. Porém, um levantamento feito pela TV Globo, em parceria com a agência de dados Gênero e Número, mostra que a cota de 30% fez o número de candidatas “voto zero” estourar. Eram pouco mais de 1.850 em 2008 e foram quase 14.500 nessas eleições, as mulheres que não tiveram voto algum. Isso dá em torno de 10% de todas as candidatas. Entre os homens, apenas 0,6% ficou sem votos. Sendo assim a pesquisa nos ajuda a concluir que os partidos convidam as mulheres para se candidatarem apenas para cumprir tabela, descumprindo a real intenção da lei, como afirma a doutoranda e mestra em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais Rayza Sarmento: “o que nós precisamos pensar e fiscalizar é quais são as manobras que os partidos estão fazendo para garantir a entrada dessas mulheres; porque muitas vezes os partidos colocam esses 30% de mulheres apenas para cumprir a cota, e preencher por preencher não adianta muito. Nós precisamos de mulheres que de fato estejam na competição eleitoral, mais que isso, candidatas que de fato estejam comprometidas com os direitos das mulheres”. Além da cota dentro de cada partido, existem, também, outras pro-

postas mais diretas para o aumento da representatividade das mulheres. Um exemplo é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 98/2015, que reserva vagas para cada gênero na Câmara dos Deputados, nas Assembleias Legislativas, na Câmara Legislativa do Distrito Federal e nas Câmaras Municipais, nas três legislaturas subsequentes, exceto no Senado. A proposta é da Comissão Especial da Reforma Política. O texto foi aprovado no Senado em segundo turno e prevê a reserva de 10% das cadeiras nas próximas eleições, 12% nas eleições seguintes e 16% nas que se seguirem. A PEC vai agora para a Câmara dos Deputados. “A ideia dessa PEC é fundamental para termos mais essa sub-representação política das mulheres. Eu espero que nós consigamos colocar mais mulheres comprometidas com os direitos das lutas das outras mulheres e com a redução da desigualdade entre homens e mulheres”, afirma Rayza. Já Cida Falabella, a vereadora do PSOL eleita em 2016, em Belo Horizonte, acha que a PEC pode ajudar, mas é preciso que essa mudança ocorra em diversos setores para que as mulheres alcancem os espaços de poder. “A PEC pode ajudar, mas ela não será o único instrumento, porque os partidos e a sociedade precisam mudar. As mulheres precisam votar em mulheres, é preciso haver uma mudança cultural e para isso é preciso empoderar as mulheres para que elas se sintam confiantes para candidatarem”, comenta Falabella.

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das flores à luta

PARA SER OUVIDA, O GRITO TEM QUE SER POTENTE “Desde pequenas aprendemos que silêncio não soluciona, que a revolta vem à tona, pois a justiça não funciona. Me ensinaram que éramos insuficientes, discordei, para ser ouvida, o grito tem que ser potente”. A canção intitulada “100% Feminista”, de duas cantoras brasileiras, Mc Carol e Karol Conka, exemplifica bem a luta para ser ouvida da mulher brasileira e muito dela está relacionada com a representação pública. A falta de presença feminina no eleitorado se reflete diretamente na ausência de políticas públicas para as mulheres, criando barreiras para a descriminalização do aborto, a discussão da socialização do cuidado, entre outros assuntos ligados à vida das mulheres, como conta a vereadora eleita, Cida Falabella: “nós somos a maioria da população e precisamos ter representatividade. Basta olharmos para percebemos que ali no Executivo, Legislativo não estão pessoas que nos representam, que

- comportamento

levariam as nossas pautas feministas adiante. É preciso que existam mulheres brancas, negras, indígenas, mais novas, mais velhas e que elas dialoguem entre si para que todas as mulheres se sintam representadas”. Maria da Consolação, professora da rede pública e candidata do PSOL para a prefeitura de Belo Horizonte em 2016, endossa as palavras da colega de partido e diz que “a importância de ter mais mulheres é, justamente, ter mais mulheres para pressionar, pensar o lugar da mulher. E, mais que isso, é ter mais mulheres, junto de um movimento social, para dizer o que querem dessa sociedade. ”Várias são as explicações para esse baixo número de mulheres em cargos públicos, o machismo mascarado socialmente, liderança partidárias exclusivamente masculinas, o afastamento da política como lugar de mulher pelo pensamento machista, a diferenciação do uso do tempo e as questões relacionadas ao cuidado que são sempre associadas às mulheres, como explica Rayza: “existe um fato que nós nos esquecemos de dizer, mas que é fundamental para entendermos o não recrutamento de mulheres, o uso do tempo diferenciado dos homens. A mulher está sempre preocupada com questões ligadas ao cuidado, cuidado com os filhos, com a casa e isso aparece muito na narrativa de mulheres que já foram eleitas e geralmente não se candidatam à reeleição. ” Segundo Maria da Consolação, essa ideia da mulher dentro de casa anda junto com uma questão política que se divide em econômica e

do cuidado; sendo esse cuidado o direito à escola, à alimentação, à lavanderia etc, que está diretamente associado à mãe. No entanto, Maria fala que essa é uma lógica construída socialmente e que políticas públicas deveriam garantir estes direitos, não a mulher. “Eles tentam nos convencer que fazemos isso tudo por amor (cuidar da casa), mas essa socialização do cuidado deveria ser pensada politicamente”, afirma Maria da Consolação. Segundo ela, essa imagem de mulher “do lar” retira a possibilidade de a mulher ser vista como apta a um cargo político. “Quando são retirados esses direitos de educação, saúde e alimentação, a responsabilidade recai sobre a mulher. Então é uma sobrecarga muito grande! ”, afirma Consolação. Des-

“Nem serva, nem objeto. Já não quer ser o outro, hoje ela é um também” Maria da Consolaçào sa forma, entende-se que há muito mais interferências na representatividade feminina do que a sociedade está acostumada a discutir.

“TCHAU QUERIDA”

Demos tchau a uma parte da política feminina e democrática. Demos tchau à primeira Presidente eleita do Brasil. No dia 31 de agosto, foi deposta Dilma Rousseff, em um pro-

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comportamento - das flores à luta

cesso de impeachment liderado por homens. A presidente afastada foi condenada por ter cometido crimes de responsabilidade fiscal, as chamadas “pedaladas fiscais”. Para a luta do reconhecimento e representatividade feminina foi importante ter uma Presidente mulher, segundo Cida Falabella. “Ter uma mulher, com histórico de luta, que esteve no combate à ditadura; uma mulher bastante capacitada, que havia estado no governo, foi muito importante. Porém, o impeachment dela, eu creio, teve fortes componentes machistas, misóginos. [...] Parte do que a Dilma sofreu no processo tem a ver com esse quadro machista”, argumenta a vereadora. Falabella e Consolação citam em seus depoimentos um adesivo que circulou nos carros, de alguns cidadãos que apoiavam o impeachment, que colocava a Presidente em uma situação constrangedora, com as pernas abertas onde entra o dispositivo de injetar gasolina. “O fato de ela ser mulher fez com que aflorasse o lado machista das pessoas. Não tem dúvidas que há uma misoginia. Um exemplo é esse adesivo que circulou”, afirma Maria da Consolação. Já a cientista política Rayza destacou a faixa que alguns moradores da cidade de Recife levaram às ruas nos dias de manifestações, com os dizeres “Balança que essa quenga cai”, fazendo referência à Dilma. “Não tenho dúvidas que o processo de impeachment foi machista. Ele tem um componente muito forte de descrédito com a nossa Presidente eleita. Dilma sofre com ataques machistas e termos pejorativos sobre a

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sua pratica política desde sua primeira campanha”, comenta Rayza. Apesar deste lamentável caso de misoginia política, em Belo Horizonte, as lutas femininas podem respirar. Mulher, negra, feminista, de baixa renda e de um partido de esquerda, Áurea Carolina (PSOL), de 33 anos foi à candidata mais votada nas eleições 2016 para vereador na capital mineira. Com 17.420 votos, tornou-se a candidata ao cargo mais bem votada da capital nas três últimas eleições. Na celebração de sua candidatura, o jornal Estado de Minas identificou uma fala de Áurea, que disse: “geral, nós vamos construir um mandato popular para as mulheres, para a população negra, as juventudes, a população LGBT, as ambulantes, população de rua, quem rala todo dia nessa cidade, por nenhum direito a menos, por nenhum despejo a mais. É por dignidade, por diversidade, uma política de amor, radicalmente democrática. Tamos juntas! [...]”. No mandato anterior, eram duas vereadoras na Câmara em Belo Horizonte, no entanto, nas novas eleições, foram quatro eleitas. A representatividade ainda é baixa, comparada à proporção de cidadãs da capital mineira, mas já é uma conquista dobrar o número delas falando por todas.

da política institucional, é equilibrar forças dentro da sociedade para ter um mundo de igualdade de oportunidade entre homens e mulheres. [...] Não tem como o mundo se manter onde metade da população, que dá luz a outra metade, seja tratada com tanto desprezo, descaso e violência”, muito bem argumenta Maria da Consolação

EMPODERA ELAS “Nem serva, nem objeto. Já não quer ser o outro, hoje ela é um também”. Essa frase, de uma música da cantora Pitty, ilustra a luta feminina que busca reconhecimento. As mulheres não querem o lugar do homem, elas querem o seu lugar. “Participar da política não é só participar

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- Editoria “DA LAMA AO CAOS, DO CAOS À LAMA” Subeditoria

Fotos: Leonardo Miranda

Bento Rodrigues 20/09/2017

Por Leonardo Miranda O que dizer de Bento Rodrigues? Só indo ao local para se ter a real dimensão do maior acidente ambiental causado pelo homem no Brasil. Bento se tornou uma cidade fantasma, abandonada e consumida pelo tempo. Após dois anos da tragédia, que ocorreu em 05 de novembro de 2015, praticamente nada se resolveu. Moradores sem indenização continuam sendo marginalizados como se tivessem culpa pela negligência da empresa. A cidade lembra o desastre de Chernobyl (maior acidente nuclear do mundo, ocorrido em 26 de abril de 1986, na Usina Nuclear de Cher-

Diagramação: Pollyana Gradisse

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nobyl, na então União Soviética). Após a tragédia mineira, começaram os saques nas casas menos afetadas em busca de objetos de valor. O que chama a atenção em Bento Rodrigues é que a entrada na cidade é controlada por uma cancela. O acesso ao local só é permitido acompanhado por um morador. Durante a execução deste ensaio fotográfico, realizado em 20 de setembro, até telhados e janelas já haviam sido roubados, segundo relatos dos moradores. O cenário é impressionante, vista tamanha destruição. Uma onda de barro de mais de vinte e cinco metros atingiu a cidade destruindo

tudo ao seu alcance. Ainda serão necessários mais alguns anos para a natureza se recuperar, mas ela já vem mostrando sua força. Apesar de toneladas de rejeitos, ela começa a se impor sobre o que sobrou. Na verdade, a cidade hoje mostra exatamente o retrato do interesse de nossas autoridades com seu povo. Tratam Bento Rodrigues como um simples “acidente”. Enquanto nossas autoridades brincam de governar, os moradores aguardam o dia em que serão lembrados pela Justiça brasileira e retomarão a esperança de ter suas vidas de volta. Se é que isso ainda é possível!

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Editoria - Subeditoria

Vista geral de bairro em Bento Rodrigues, dois anos depois de ter sido devastado por lama e rejeitos da Samarco

Interior de uma Ponto construção em ruínas, que conserva ainda parte da lama seca e os restos da mobília abandonada 32 Revista & Vírgula — dezembro de 2017

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- Editoria

Casa totalmente destelhada e arruinada por desastre ambiental, considerado um dos maiores ocorridos no país

Da escada, no interior de uma residência, observa-se o rastro de destruição pela lama de rejeitos de mineiro 33 Revista Ponto &causado Vírgula — dezembro de 2017

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Editoria - Subeditoria

Parede de uma casa em ruínas mostra, através de janela, que a natureza, apesar da agressão, luta para sobreviver

34 cenário No de devastação, uma boneca, roupas de e outros Revista Ponto & Vírgula — dezembro 2017 objetos revelam que não houve tempo de salvar quase nada

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Subeditoria

- Editoria

Casa lembra cenário de destruição causada por explosão de usina atômica em Chernobyl, na então União Soviética

Chinelos, documentos e outros objetos perdidos em avalanche de lama que&invadiu Rodriguesde há2017 dois anos 35 Revista Ponto VírgulaBento — dezembro

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Editoria - Subeditoria

Em muitas residências, segundo moradores, registrou-se saques de objetos e material de construção como janelas e telhas

Ruínas da Escola Municipal de Bento Rodriguesde que, atualmente, está totalmente invadida por um matagal 36 Revista Ponto & Vírgula — dezembro 2017

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Igor Patrick

- Entrevista

“PEDI DESCULPAS POR SER BRASILEIRO” Jornalista e correspondente internacional, Igor Patrick lança livro que conta histórias de mulheres violentadas por soldados da ONU no Haiti Por João Eduardo

Foto: Aurélio Silva

O jornalista e correspondente internacional do portal russo Sputnik News Igor Patrick, 24 anos, é natural de Diamantina e, apesar da pouca idade, já trabalhou em vários veículos de comunicação como os jornais Estado de São Paulo, O Tempo, Hoje em Dia e Rádio CBN, além dos sites HuffPost Brasil e HuffPost México. Ganhador de prêmios como Délio Rocha, Vivo Universitário de Jornalismo e reconhecimento da III Conferência Mundial da Paz em Haia, Igor lançou em outubro, pela Páginas Editora, “Aquilo que resta de nós”, livro que traz entrevistas com mulheres violentadas sexualmente por soldados da ONU em Cité Soleil, a maior e mais perigosa favela Do Haiti. Sobre os detalhes deste trabalho e a profissão de correspondente internacional, o jornalista conversou com a equipe da Revista Ponto e Vírgula.

Igor, você disse a uma de suas entrevistadas – vítima de estupro por soldado da ONU no Haiti – que tinha vergonha de ser brasileiro. O que te levou a esse sentimento? O jornalista Igor Patrick durante a divulgação de seu livro em BH

Diagramação: Pollyana Gradisse

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No momento em que Martine

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Entrevista - Igor Patrick (uma das personagens do livro) disse que foi estuprada por um soldado brasileiro, em 2007, ela descreveu a violência com uma riqueza de detalhes muito grande e, quanto mais ela contava, mais eu me sentia envergonhado. A circunstância em que se deu o abuso também me comoveu: ela havia procurado o soldado para conseguir biscoitos, pois ainda não tinha se alimentado naquele dia. Ela repetiu em português a frase dita pelo soldado no momento do estupro: “se você não calar a boca, vou te matar!” Martine me apresentou seu filho e, no momento em que eu o olhei, disse: “Porra! Esse menino é brasileiro”. Naquele momento, pedi desculpas a ela em nome dos brasileiros, pois existem alguns idiotas que cometem essas atrocidades, mas existem também muitas pessoas boas.

De onde surgiu esta pauta? Quem financiou sua ida ao Haiti para a apuração destes casos?

“Eu fiquei num hotel considerado quatro estrelas e a rua onde se localiza não é nem mesmo asfaltada, e a energia elétrica só funcionava três vezes por semana. Foi um choque muito grande” Igor Patrick

ir por conta própria para o Haiti justamente pelos temas que estavam sendo abordados como a cólera, doença levada pelos soldados para o Haiti, dentre outros. Para ter mais liberdade na apuração das pautas, decidi ficar em um hotel em Porto Príncipe em vez de nas instalações da ONU. A viagem foi financiada pela Agência de Notícias Sputnik, que é de origem russa e está presente em mais de 34 países, vendendo conteúdo para outros jornais e produzindo grandes reportagens. É o veículo em que trabalho atualmente.

Qual foi sua primeira impressão ao desembarcar em Porto Príncipe, capital do Haiti? Eu fiquei muito chocado para falar a verdade. A conexão do voo em que estava foi em Miame, com aquela beleza plástica, quase falsa. Chegando em Porto Príncipe, tive a impressão que as montanhas de lá pareciam chorar devido à erosão. Quando se chega à cidade, não se vê nada além de enormes conjuntos de favelas. Eu fiquei num hotel considerado quatro estrelas e a rua onde se localiza não é nem mesmo

Fotos: Igor Patrick

Esta pauta foi uma ideia minha. Ela surgiu de uma maneira descompromissada, pois, no início, o obje-

tivo era somente ir ao aeroporto filmar os soldados que retornavam ao Brasil após a Minustah (missão). Em seguida, a assessora-chefe da Secretaria de Comunicação Internacional, Roberta Ribeiro, mencionou a ideia de irmos ao Haiti. Cumpri toda a burocracia para poder entrar nas instalações da ONU. Já no Haiti, enquanto aguardávamos a liberação da ONU em Nova York, decidimos

Filho de Martine, sentado em seu colo, é também, segunda a haitiana, filho de um soldado brasileiro

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Igor Patrick asfaltada, e a energia elétrica só funcionava três vezes por semana. Foi um choque muito grande. Depois, percebi que, naquela “bagunça”, eles se organizam e, por isso, parei de pensar no lugar como um “poço de miséria”. Há muitas coisas boas sendo feitas lá.

Qual era a sua rotina de trabalho no Haiti? Acordava por volta das sete da manhã e tomava o café no próprio hotel. Lá não existem serviços de táxis ou de ônibus, ou seja, ou se contrata um motorista particular ou se anda de tap-tap (o mesmo que pau-de-arara). Contratei os serviços de um motorista do próprio hotel onde estava hospedado. Saíamos cedo e rodávamos muito, e o motorista me esperava no carro. Algumas entrevistas foram demoradas, por exemplo, a com Martine, que durou mais de seis horas seguidas. Não conseguia almoçar e o motorista acabava buscando coisas para eu comer entre uma entrevista e outra. Todos os compromissos já estavam pré-agendados. Retornava para o hotel por volta das dez da noite e, pelo fato de o sinal de internet ser instável no país, perdia as formas de comunicação. Quando chegava ao hotel, recebia centenas de mensagens da redação, com o pessoal do Brasil preocupado comigo.

Qual o momento mais marcante de sua visita ao Haiti? O fato de conhecer o filho da Martine, mulher haitiana que foi estuprada por um soldado brasileiro. Foi um dos momentos mais emocionantes. Também, o momento em que sai da casa dela. Várias mulheres me esperavam na porta com fotos de soldados e crianças no colo afirmando também terem sido violentadas. Quando vi essa situação, tive vontade de continuar com eles.

De onde surgiu a ideia de escrever um livro sobre este assunto? A ideia do livro aconteceu antes mesmo que eu embarcasse para o Haiti. A tradutora já tinha realizado a pré-apuração e já tinha me repassado a maioria dos casos, e a agência já havia repassado o número máximo de caracteres por matéria. Logo vi que não conseguiria contar tantas histórias de peso com aquele número de caracteres. Antes de ir, já havia conversado com a Leia (Leida Reis, jornalista e responsável pela Páginas Editora) porque pensei: uma mulher abre a casa para um jornalista homem, conta a ele a história de como foi estuprada e tem sua história reduzida? Escrevi o livro com dez dias e ele está aqui.

- Entrevista

Você decidiu doar os direitos autorais de seu livro para uma instituição do Haiti. Que instituição foi escolhida e por quê? Desde o início, eu tinha a consciência de que não conseguiria lucrar com histórias tão tristes. Isso é uma decisão que tomei antes de chegar ao Brasil, pois pensei que, talvez, a exploração dos relatos de forma capitalista pudesse diminuir o peso das histórias. Aí conheci os Médicos sem Fronteiras e decidi fazer a doação. Não vai mudar a vida das mulheres que já foram violentadas, mas esse dinheiro poderá fazer a diferença na vida daquelas que ainda poderão sofrer violências.

Enquanto correspondente internacional, o que você sugere aos estudantes que desejam seguir este caminho? A primeira coisa é saber falar fluentemente o inglês e, se possível, outra língua. Outra coisa é ler muito sobre relações internacionais, complementando o conhecimento teórico desta área. Também é importante mostrar o trabalho em premiações, fazendo com que o seu nome circule no meio jornalístico e, o principal, jamais desistir. Sabemos sempre que já temos o “não”

Mulheres haitianas que acusam soldados da ONU de abuso sexual, durante missão de paz Revista Ponto & Vírgula — dezembro de 2017

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cidades - tango

TANGO

NA TERRA DO SAMBA Espetáculos a preços promocionais divulgam a música e a dança portenhas em Belo Horizonte Por Silvania Capanema Fotos: Paulo Marcos de Mendonça Lima

Apresentação do espetáculo “Nuestro Baile” no Teatro Bradesco em 2016

Todo produtor conhece a sensação de frio na barriga diante do pânico de, ao abrir das cortinas, vislumbrar poltronas vazias na plateia. Mas, certamente, Navir Salas, produtor e um dos principais bailarinos da companhia El Abrazo, não teme decepcionar o público. O sotaque portenho de Navir, a notável performance do corpo de baile e dos músicos e ainda o luxo dos figurinos podem dar margem à suposição de tratar-se de um grupo argentino. No entanto, El Abrazo é uma companhia de tango genuinamente mineira.

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Tudo começou em 2004, quando Navir veio de Buenos Aires para Belo Horizonte. Apaixonado por tango e percebendo um mercado virgem, passou a dar aulas esporádicas em academias da cidade. Passados dois anos, já dando quinze aulas por dia, decidiu deixar a profissão de arquiteto para abrir uma escola de tango no bairro do Carmo. A moda pegou. Desde então, cresce o número de alunos espalhados por mais de cem escolas e academias que, entre outros ritmos, oferecem o aprendizado de tangos e milongas, como a Mimulus, a 7&8 e a Dança e Arte.

Porém, segundo Navir, não há uma comunidade tanguera na cidade, como também não há em Buenos Aires. Existem pequenos guetos, cada um com seu microclima particular, talvez porque a dança não deixa de ser autoral – cada par desenvolve seus próprios passos dentro da miríade de possibilidades que o tango oferece. Na tentativa de agregá-los, a El Abrazo abriu, em 2015, um salão de tango na Savassi, onde oferece aulas coletivas diárias. Com alunos entre 15 e 80 anos, o estilo de música varia bastante, dos tangos tradicionais aos de batida eletrônica.

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tango

Nos bailes, mensalmente realizados, muitos têm o seu primeiro contato com o tango e, efetivamente, os diversos grupos têm uma real oportunidade de intercâmbio. Conforme Aurora Lubiz, professora argentina convidada a apresentar seminários de aperfeiçoamento de tango, em BH, Rio de Janeiro e São Paulo, bailes são o melhor cenário para divulgação da dança. “Sou bailarina de formação e foi através do convite de um milonguero de rua que, há trinta anos, pisei pela primeira vez em um baile de tango. Apaixonei-me”, conta Aurora. “Desde então, para aprender a dança, passei a frequentar clubes de periferia que eram, na época, onde se bailava tangos e milongas. Daí formamos pequenos grupos e juntos começamos a estudar como sistematizar o ensino, em duas frentes: para amadores e profissionais. Minha geração foi pioneira, abrimos as primeiras escolas. Se hoje existem milhares de pessoas apaixonadas pelo tango na Argentina e em todo o mundo, cito o esforço de colegas como Graciela Gonzalez e Milena Plebs. O ritmo vem se modernizando, a grande virada foi o eletrotango, há cerca de dez anos, que cativou a molecada. Hoje o tango, em Buenos Aires, faz parte do currículo de algumas faculdades públicas e privadas, onde também se realizam seminários para sua divulgação e aprendizado, sendo reconhecido como patrimônio nacional”. Foi com a abertura democrática da Argentina, em 1983, que ressurgiu o tango, tido, desde a última década do século XIX, como a expressão popular da alma portenha. Porém, curiosamente, a primeira música aceita como um tango genuíno, “Olhos Matadores”, foi composta e executada no Brasil, em 1871, por Henrique Alves Mesquita. Os primeiros tangos argentinos

apareceram a partir de 1880, ganhando, nos prostíbulos de Buenos Aires, um contorno erótico e dramático nos elaborados passos sempre executados por um par de bailarinos, passando a ser conhecida como a mais sensual de todas as danças. Dois momentos marcantes do tango foram, na década de 1920, a consagração internacional do cantor Carlos Gardel e, na década de 1940, a excepcional beleza da música de Astor Piazzola, colocando o tango definitivamente como um dos ritmos dançantes mais valorizados no mundo. Em 1992, o já famoso ator Al Pacino, encena na película “Perfume de Mulher”, um cego bailando um tango de tirar o fôlego de qualquer mocinha apaixonada. A partir do sucesso do filme, companhias de dança argentinas passam a se apresentar nos palcos pelo mundo afora. Aurora Lubiz lembra, que “nessa época, o mundo começou a se interessar pelo tango. Desembarcavam pessoas de todas as nacionalidades em Buenos Aires e ficavam simplesmente enlouquecidas ao entrar em um salão de tango”. Nas décadas passadas, interpretado por bailarinos sisudos, de terno escuro e cabelo engomado, o tango tradicional, de melodia solene e dramática e letras “de dor de corno”, passava longe da preferência do público abaixo de trinta anos. Recentemente, o tango eletrônico tem atraído milhares de jovens para as milongas, surgindo como uma nova tendência nos espaços de dança das capitais mais trepidantes do mundo, incluindo Tóquio, onde o gênero é bastante apreciado. Em Minas Gerais, os espetáculos de dança do grupo El Abrazo têm sido de fundamental importância para a divulgação do tango. Desde 2010, a companhia tem seu próprio corpo de baile. Só em 2016, com o espetáculo “Nuestro Baile”, foram quinze apre-

- cidades

sentações no interior do estado e duas temporadas em BH. Fazendo parte, desde 2010, do Festival Anual de Verão da Campanha de Popularização do Teatro, organizada pelo SINPARC, a companhia tem conquistado um público crescente. Com a formação de um corpo de bailarinos bastante jovem, provenientes do balé clássico, e de uma banda composta por competentes músicos mineiros, todos apaixonados pelo tango, este ano Navir decidiu inovar. Para o novo show, aposta no ritmo do batuque com percussão, marcante tanto nos primeiros sambas como nas primeiras composições de tango brasileiras, para criar um espetáculo leve, divertido e, ao mesmo tempo, empolgante

Navir Salas e Débora Ambrosiano, bailarinos da Escola de tango El Abrazo

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Cultura - Por trás da animação

Até que ponto filmes de animação com temas mais polêmicos podem interferir no aprendizado infantil? Por Lucas Chalub

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Diagramação: Lucas Chalub e Rachel Silveira

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Por trás da animação Com o avanço da tecnologia nos meios de comunicação, principalmente na internet e na televisão, temas que antes não eram discutidos e não estavam em pauta estão ganhando maior espaço na mídia. Pode-se afirmar também que isto acarretou uma maior facilidade para crianças e adolescentes terem acesso a esses conteúdos, próprios ou não para sua idade. No cinema não é diferente. Estamos vivendo um período quando várias animações estão sendo produzidas com enredos mais reflexivos e sérios. Vamos usar como exemplo o último Oscar de 2017. Na categoria “Melhor Filme de Animação”, o vencedor foi Zootopia: Essa cidade é o bicho. O filme conta a história de uma coelha de família humilde que sonha em se tornar policial na cidade de Zootopia. Neste lugar ela sofre preconceito, presencia formas de racismo e machismo. O longa aborda questões também c o m o abuso de poder, mesmo sendo uma história contada através de personagens caracterizados como animais. Já no Oscar de 2016, levou a estatueta Inside Out (Divertidamente). O filme conta a história de uma garota e suas emoções. Seus sentimentos viram personagens em sua cabeça, como por exemplo o Medo a Raiva e a Alegria. A jovem precisa lidar com algo bem comum, a mudança de cidade, acarretando a perda de amigos e difícil adaptação a uma nova realidade. O principal tema abordado pelo longa é a depressão, assunto bastante discutido e difícil para contar em uma tela. A

mensagem da animação no final é a necessidade do sentimento da Tristeza em nossas vidas, tão necessária quanto a Alegria. Recentemente, a emissora americana HBO foi multada em R$ 2 milhões por passar durante sua programação o filme Festa da Salsicha no período da manhã e tarde. O longa é uma animação para maiores de 18 anos que n ã o tem nada que

possa influenciar positivamente no processo de aprendizado infantil. O filme conta a história de alimentos que são caracterizados como órgãos sexuais. Para entender melhor sobre o assunto, conversamos com a cineasta Yara Torres e o professor de cinema Savio Leite.

- Cultura

Qual a importância de filmes de animação, desenho, curtas que têm em seu gênero temas como a homossexualidade, suicídio, morte, relação sexuais, entre outros, no processo de educação e reflexividade das crianças? Yara: Nós estamos vivendo uma era de informação e de desconstrução em várias áreas sociais, onde estão em evidência temas como o papel da mulher na sociedade, a representatividade negra, a militância LGBT, uma maior atenção e cuidado com as doenças mentais e transtornos emocionais. O cinema de animação, no meio disso tudo, tem um papel muito importante como meio de informação e disseminação de ideias como respeito, igualdade, empatia, cuidado. Coisas que devem ser ensinadas desde cedo às crianças para que elas entendam que existe um mundo, com bilhões de pessoas e que essas pessoas são diferentes, com pensamentos diferentes, costumes e crenças diferentes e que, independente do meio que essa criança for criada, ela tem que saber que por uma pessoa ser diferente do meio que ela cresceu e foi ensinada, não significa que ela é pior ou inferior e sim que existe uma outra forma de viver e que não há nada de ruim ou errado nisso. Savio: Importância nenhuma. Nenhum destes temas são voltados para reflexividade e processo de educação das crianças. Pouquíssimos ou nenhum filme com estes temas pode ajudar uma criança, somente irá ajudar para um público mais adulto que tem um domínio maior sobre o tema.

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Cultura - Por trás da animação É possível afirmar que através das animações, temas como preconceito e racismo, entre outros, podem ser tratados de maneira igual, ou semelhante a longas com personagens ou baseados em fatos reais? Yara: É complicado afirmar isso porque existem diversas variáveis. Um diretor, seja de animação ou não, pode querer retratar um tema de inúmeras formas e jeitos e acaba que o resultado final do filme, assim como a maioria das artes, é interpretado de maneira subjetiva por quem assiste, justamente por existir pessoas com pensamentos diferentes e opiniões diferentes assistindo. Mas a animação é vista por grande parte da massa como um veículo infantil e por diversas vezes é usada como meio didático para esse público, então creio que esses temas podem ser tratados de forma semelhante aos filmes live action sim, em questão de resultado e forma de atingir o público, porém com uma abordagem completamente diferente. Sávio: Sim, muitos filmes que tocam nestes assuntos pertinentes, como preconceito, racismo, xenofobismo, podem ser representados através de animações. Um exemplo claro é o filme Persepolis de Marjane Satrapi que conta a história dela saindo do Irã e indo estudar na França, evidenciando o choque cultural de duas culturas, uma mais

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avançada e outra mais fechada.

Cite dois exemplos de animações que têm em seu roteiro uma história que pode ser objeto de estudo no aprendizado infantil. Yara: In a Heartbeat é um curta de animação onde um menino descobre estar apaixonado por outro menino. Esse filme está sendo bastante comentado e como esperado, também criticado pelos pais por acreditarem que isso possa ser uma influência para que as crianças se tornem gays, mas na verdade é uma ótima forma de demonstrar que é possível sim dois garotos se apaixonarem. Falta entender e aceitar que as pessoas não escolhem ser homossexuais, elas nascem assim, igual os heterossexuais. Savio: O menino e o mundo, filme de 2014 que ganhou uma notoriedade incrível para o cinema de animação brasileiro, sendo indicado até para o Oscar. O filme trata de maneira lúdica a perda do pai, a busca de referências, sociedade de consumo, entre outros. Outro filme é Uma História de Amor e Fúria, de Luiz Bolognesi, que toca em assuntos pertinentes como colonização indígena até a escassez da água. Servindo ou não como objeto de estudo, o cinema tem um papel importante pelo simples fato de ser um meio de comunicação, o que gera a criação de opiniões e pensa-

mentos através de diferentes tipos de interpretação. A solução cabe ao receptor, como ele irá lidar, receber a mensagem transmitida pelo longa e passar para frente, de forma correta ou não. Já no que diz respeito ao processo infantil, caberá às produtoras e órgãos responsáveis definir a classificação do filme. Outro assunto também importante é a participação dos pais, os quais tem o poder, na maioria das vezes, de escolher o que o filho pode ver ou não. Como infelizmente ainda vivemos em uma sociedade machista, racista e preconceituosa, o cinema pode ser mais um dos vários meios onde se tem o objetivo de conscientizar as pessoas para melhorarem culturalmente com respeito ao próximo

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sutiã

- ComportamEnto

AUTONOMIA DO CONFORTO O uso da peça que aperta, aumenta e deixa marcas está sendo posto em xeque Por Catherina Dias e Pollyana Gradisse

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Foto: Catherina Dias

comportamento - sutiã

Marca deixada pelo uso contínuo da peça causa desconforto nas mulheres

As mulheres passaram por muitos instrumentos que modelam o corpo ao longo dos anos, dos que proporcionam curvas, volumes, até aos que intervêm de nitidamente para alcançar o tão desejado realce. O sutiã é na verdade uma modificação feita a partir do espartilho, que passou em 1914 a ser uma versão apenas e exclusivamente utilizada para de sustentar os seios femininos, deixando de lado as pregas que iam até a cintura. Na década de 50, a peça ganhou elasticidade e resistência, mas foi na década de 60 que se tornou um símbolo da força feminina, após um grupo de feministas queimarem sutiãs em protesto contra um concurso de miss na cidade de Atlantic City, nos EUA. A partir daí se tornou popular, ganhando uma dimensão mundial indescritível. Atualmente, as roupas traduzem conforto, no qual se resume em liberdade corporal. As mulheres têm colocado de lado a vergonha do

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corpo, das curvas, formas e principalmente aderindo cada vez mais ao empoderamento, descartando o sutiã e seu uso obrigatório. O tabu de usar sutiã para esconder socialmente uma parte do corpo feminino para se portar com respeito. Maria Eduarda Ramos, 22 anos, teve seu contato com a peça por esse respeito obrigatório. “Eu sempre me sentia na obrigação de usar sutiã quando estava perto de outros homens, é como se eu estivesse sendo “desrespeitosa” se não usasse. Mas, ao longo da minha desconstrução, vim trabalhando em mim que tudo bem não usar sutiã quando eu quiser e, há 2 anos, ve- nho usando cada vez menos, mas ainda me sinto meio “obrigada” a usar em certas ocasiões, como no trabalho”. Tudo se inicia na pré-adolescência, com conceitos sendo repassados por gerações. “Por volta dos 11/12 anos, comecei a me sentir incomodada porque meus seios começaram a ganhar

forma, percebia os olhares, cochichos dos meninos na escola, ficava com vergonha, vi algumas meninas usando sutiã, aquilo parecia deixá-las mais “adultas” e eu quis usar também”, diz Maria. Bernardo Cruz, design formado pela Parsons School of Design, tem uma visão diferente das peças obrigatórias. Afirma que no ramo da moda não existe um padrão a ser seguido e sim tendências que na verdade são um ciclo, vão e voltam à tona, sempre com uma nova modificação. Para o jovem, o uso ou não de qualquer peça íntima fica a critério de cada pessoa. “Ultimamente, o mundo tem vivido um padrão de vida Kardashian, no qual deixou de existir a garota padrão, estamos vendo pessoas que estão aderindo a peças confortáveis e que mostram as curvas do corpo, fazendo com que qualquer garota, possa se sentir bonita”, completa o jovem.

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sutiã

A mulher cresce ouvindo que o sutiã é o que sustenta e dá firmeza ao seio, passa uma vida ouvindo que para estar perfeita esteticamente seus seios devem ter volume excessivo e ela não pode ter marcas, como as famosas estrias que afetam homens e mulheres igualmente, porém, na mulher pode ser considerado um desleixo com o corpo. A gineco-logista Vanessa Gomes conta que recebe muitos casos de mulheres se queixando de dores nas costas causada pelo uso excessivo do sutiã, e que não usar a peça pode trazer sim benefícios para a saúde como, por exemplo, o enrijecimento dos seios e o retardamento da acidez. Alerta para o uso das peças apertadas que deixam marcas quando não estão no tamanho ideal. “Vejo o problema como cultural, essa coisa machista da mulher esconder o corpo do mundo, subordinação ao longo dos anos. Agora, falando clinicamente, não há mal algum em não usar, é confortá-

- comportamento

vel, é bom, e sempre as aconselho de evitar usar e, quando for necessário, usar uma peça leve, porque essa coisa que mulher tem que sofrer para ser bonita já era, é passado. A mulher é linda naturalmente, confortavelmente”, completa a médica.

“No ramo da moda não existe um padrão a ser seguido” Bernardo Cruz Apesar de estarmos vivendo em uma sociedade democrática, o que usamos ou deixamos de usar ainda interfere na visão do outro em relação às nossas escolhas, o conforto e liberdade são uma escolha pessoal. A jornalista Raquel Utsch

que também é adepta ao não uso do sutiã afirma, que o corpo ainda é tratado como uma vergonha, principalmente em relação à culpabilização das mulheres em relação às situações de violência que costumam serem justificadas pelo tipo de roupa usada. “Nessa visão machista, a violência seria uma consequência da atitude irresponsável da mulher, ou seja, uma reação esperada diante da provocação feminina”, completa Utsch. A mudança de pensamento e comportamento é perceptível, mas é apenas o começo de uma enorme re- volução entre conceitos e principalmente o respeito, com seu corpo e com o outro. A adoção dos instrumentos para a beleza está em transição, como a própria beleza. A liberdade do conforto está em alta, e tudo indica que veio para ficar, sentir-se bem faz bem. Desconstrua os conceitos, seja único a sua maneira

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Comportamento - Estágio

ESTÁGIO Uma porta de inserção para o mercado de trabalho Por Bárbara Teixeira e Danielle Lopes O estágio é um período em que o jovem adquire experiência, é obrigatório para a formação acadêmica e serve como preparatório para o mercado de trabalho. Para Tadeu Sampaio, psicólogo e fundador do setor de estágio da Universidade Fumec, saber se relacionar com o outro e em grupo é muito importante no meio profissional e o estágio fornece uma amostra para o jovem do que ele irá encontrar pela frente. “Para você ter sucesso na carreira, precisa ter 50% de capital intelectual, ou seja, estudar bastante, e 50% de capital social, que hoje vocês chamam de network, ou seja, relacionamentos” acrescenta. Muitos jovens universitários estão em busca dessa primeira oportunidade. O estudante de Engenharia Mecânica, Fernando Aires, 25, diz estar tendo dificuldades na busca de um estágio e percebe que o mercado está sempre exigindo qualificações dos candidatos. “Sempre que tiver oportunidade, faça um curso em sua área de interesse. É muito importante buscar mais conhecimento e nos atualizar para o mercado”.

Outro programa de incentivo é o “Jovem Aprendiz” que, de acordo com Maria Claudia Dias, profissional na área de Recursos Humanos, é uma oportunidade para os jovens a partir de 14 anos terem um primeiro contato com o mercado profissional. Esse programa é adotado por diversas empresas como bancos, universidades, seguradoras e etc., tendo como objetivo auxiliar o jovem nessa trajetória. O estudante Gustavo Júnior, 20, utilizou esse programa através da ASSPROM, associação profissiona-

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lizante do menor, para ingressar no mercado. De acordo com o mesmo, a ASSPROM oferece cursos profissionalizantes que mostram ao jovem como funciona o mercado de trabalho e preparam para futuras experiências. “A maioria dos jovens que entra nesses programas está cru, e a ASSPROM prepara esse jovem para o mercado ao mesmo tempo que o prepara teoricamente”. Percebe-se a importância do estágio, mas quais as características que as empresas buscam nos candi-

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datos? Maria Claudia Dias afirma que a proatividade, entusiasmo e vontade de aprender são requisitos que as empresas realmente levam em consideração. Outro ponto relevante, abordado por Tadeu Sampaio, é o interesse do candidato à vaga. Tadeu fala sobre a importância da pesquisa aprofundada sobre à empresa, ver do que ela se trata e buscar o maior número de informações possíveis. Isso mostrará a empresa seu interesse e poderá ser o diferencial para conquistar a vaga

Diagramação: Sóstenes Mendes

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estáGio

- ComportamEnto

Dicas de Tadeu Sampaio para se sair bem em uma entrevista e ser um bom candidato a futuras vagas: . Estar apresentável e usar vestimenta adequada para a vaga que será ocupada; . Estar informado sobre a empresa que se candidatou; . Ser atento e bem informado; . Ser crítico e mostrar interesses de liderança.

“O estágio me fez sair da minha zona de conforto e está sendo uma experiência maravilhosa” Bruna Lima, 19 anos

“O estágio ajuda você a aprender a administrar melhor o seu tempo, além de abrir muitas portas” Maria Rita Pirani, 22 anos

“Quando entrei na faculdade, não tinha nada em meu currículo. Hoje estou estagiando na assessoria de comunicação de um hospital, logo no início do curso, o que foi realmente muito bom para meu aprendizado” Catherina Dias, 20 anos

“Estagiar é muito bom porque você coloca em prática tudo aquilo que aprendeu na faculdade. É uma troca de conhecimentos e, com determinação, você pode se destacar” Pietra Pessoa, 18 anos

“É muito bom sentir que você está sendo útil, que seu trabalho está sendo reconhecido. Eu nunca tinha trabalhado então tudo é aprendizado” Laura França, 21 anos

“A experiência de que mais gostei no meu estágio foi aprender a me comunicar com pessoas diferentes, engenheiros, administradores, políticos etc.” Letícia Gontijo, 19 anos

“Sempre que tiver oportunidade faça um curso em sua área de interesse. É muito importante buscar mais conhecimento e nos atualizar para o mercado” Fernando Aires, 25 anos

“Com o estágio eu estou aprendendo a lidar com prazos e cobranças. É legal estar em um ambiente sério onde várias decisões são tomadas” Beatriz Pacheco, 20 anos

Catherina Dias, Maria Rita Pirani, Bruna Lima, Beatriz Pacheco, Laura França, Pietra Pessoa, Letícia Gontijo

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Perfil - Maria Cristina Cavalieri França

A MUDANÇA QUE VEIO DE FORA Por Laura França

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Diagramação: Catherina Dias

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Maria Cristina Cavalieri França Quatorze anos depois, com lágrimas em seu rosto e de mãos dadas com o autor daquele livro, Cris ainda sentia na pele as emoções vividas no ano de 1994. As imagens daquela época continuavam vivas em sua mente. Foi um aborto espontâneo. Aos 24 anos, Cris Cavalieri França teria que fazer uma cirurgia que a deixaria entediada e de repouso por trinta dias e, a fim de preencher as horas ociosas após o procedimento, foi até a Livraria Excalibur escolher os títulos que a acompanhariam durante o pós-operatório. Ao entrar na loja abarrotada de livros, Cris foi recebida por uma vendedora que lhe indicou um livro, dizendo que ele mudaria sua vida. Mas, para sua decepção, o único exemplar da loja já estava reservado para um cliente residente em Sete Lagoas, mesma cidade onde Cris morava. Certa de que era apenas uma coincidência inocente, ela abaixou os olhos e observou com cuidado a capa do livro Os Semeadores de Vida, escrito por Carlos Paz Wells. A jovem acertou com a vendedora, então, que voltaria no dia seguinte para buscar seu exemplar, já que uma nova remessa seria encomendada. No dia seguinte, Cris Cavalieri voltou à livraria com seu marido, Jacques, que havia chegado em Belo Horizonte para acompanhá-la em seu procedimento cirúrgico, que aconteceria em seguida. Ao notar a loja completamente vazia, Cris fez um barulho que a fez ser percebida por uma senhora que começou a descer as escadas, trazendo consigo mais uma coincidência. A senhora logo reconheceu Jacques, ele havia sido seu aluno de português. Enquanto os velhos conhecidos conversavam, Cris procurava, sem sucesso, pela outra vendedora que havia lhe indicado o livro. A senhora, chamada Angelina, foi solícita quando

a jovem a perguntou sobre a outra vendedora que a atendera na véspera. Ela garantiu que era dona da loja e a única pessoa que trabalhava ali. Confusa, Cris tirou da bolsa o cartão de visita da loja e conferiu o endereço. Era o mesmo lugar. Aflita para entender o que estava acontecendo, ela se dirigiu ao balcão e apontou para o livro dizendo: “é aquele!”. Angelina, proprietária da livraria, respondeu que aquele estava reservado para uma pessoa de Sete Lagoas. Mas disse que ela poderia levar um exemplar, pois uma caixa deles acabara de chegar. Cris ficou aliviada, pois essas partes da história encaixavam. O casal saiu da loja e Cris, ainda abalada com o que havia acontecido, carregava o livro com força, apesar dos tremores. A cirurgia correu bem e, ainda muito intrigada com o episódio da livraria, Cris pôs-se a ler a obra de C. R. P. Wells. Ao longo da leitura, as emoções se confundiam tanto, que a jovem pensou várias vezes em abandonar o livro. Mas a atração era grande demais. Genuína demais. Apesar da formação católica recebida, que a impedia de questionar seus valores, Cris continuou se deliciando com o universo totalmente novo a que ia sendo apresentada a cada página. Concluída a leitura, Cris encontrara o caminho que queria seguir. As dúvidas, comentários e discussões referentes ao livro não saíam de sua cabeça e ela tanto insistiu, que seu marido acabou lendo também. Ainda de repouso, a jovem passava grande parte de seu tempo assistindo TV, ainda tentando digerir tudo que havia lido. Em um desses momentos reflexivos, ela escutou: “A seguir iremos conversar com Carlos Paz Wells, que nos traz um assunto polêmico através de seu livro Os Semeadores de Vida!”. Mais uma coincidência. Assistindo atenta à mesa redonda, a certeza de

- Perfil Fotos: Clara Luz

Cris Cavalieri contempla a natureza

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Perfil - Maria Cristina Cavalieri França

Foto: Roni Adame

Cris crescia. Ela queria fazer parte daquela proposta de transformar o mundo em um lugar melhor. Decidida, ela anotou o telefone do autor que passava na tela da TV Cultura. Dois dias depois, lá estava Carlos Wells novamente, desta vez entrevistado por Jô Soares. De volta a Sete Lagoas, já recuperada da cirurgia, Cris foi com seu marido, Jacques, ao encontro de Orestes*, o cliente que havia reservado o exemplar recomendado à Cris na livraria. No canto da mesa repleta de papéis estava o livro “Os Semeadores de Vida”, para alívio do casal. Eles se apresentaram e deixaram seus contatos, juntamente com o telefone de Carlos Wells, fornecido no programa de TV. Alguns dias depois, o casal foi convidado para a primeira reunião, marcada por Orestes, do que se tornaria o primeiro grupo do Projeto Rama de Minas Gerais. Após esse primeiro encontro, os integrantes iniciais trabalharam juntos por sete anos, com encontros semanais com três horas de duração. Ao longo desse período, eles foram orientados por instrutores do Projeto que se dirigiam até Sete Lagoas e também participaram de muitas práticas de campo e encontros de grupos realizados no Parque Nacional de

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Itatiaia. Administrada por Cris Cavalieri há 16 anos, a Missão Rama, como agora é chamada, desenvolveu uma metodologia em conformidade com comunicações recebidas dos Guias Confederados e checadas no plano fenomenológico usando como referência o livro Os Semeadores de Vida. A Missão Rama se define como “um grupo de pessoas que dedicam suas vidas a realizar um Programa de Treinamento para se tornarem Cidadãos Cósmicos, aperfeiçoando-se a cada dia para conquistar a internalização da Ética Universal”. Aquele livro contava a experiência e o envolvimento do autor com extraterrestres e suas mensagens a respeito da situação caótica atual do planeta Terra. Viajando através de portais energéticos, Wells, juntamente a um grupo de jovens, começa a estabelecer relações diretas com guias extraterrestres e busca, a partir de então, agir no intuito de melhorar o planeta. Segundo o autor, os Guias Confederados estão presentes desde 1974 se comunicando com humanos, e essa conexão deu origem à RAMA, uma organização que busca instituir uma comunidade compromissada com as regras da vida e promoção do bem comum desenvolvendo, assim, habilidades para viver em harmonia. RAMA tem como

princípios a ajuda, o compromisso, a humildade, a entrega, o amor e a impessoalidade. O mistério daquela tarde só seria resolvido sete anos depois quando, durante uma meditação dirigida para entrar em contato com habitantes do planeta APU, a “vendedora” do livro entrou em contato com Cris. A mulher era alta, com cabelos loiros abaixo dos ombros e olhos grandes, e se apresentou como Xênia Zah. Disse que já havia estado com Cris Cavalieri e explicou karmicamente sua relação com a jovem, justificando então a razão de tê-la direcionado para o trabalho que faria após a leitura do livro. Mesmo com tantas evidências, Cris ainda não descartava a possibilidade de ser tudo alucinação. Elas marcaram, então, um avistamento, momento em que se olha para o céu e se avista uma nave, para que o encontro entre as duas fosse confirmado. Somente nesse momento, em 2001, Cris entendeu o que tinha realmente acontecido naquela loja. Mesmo antes de ter certeza do que a teria guiado, no entanto, ela seguiu seu caminho e sua alma para integrar um grande e belo projeto de integração cósmica e autoconhecimento *Pseudônimo

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youtube

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PROFISSIONALISMO NO YOUTUBE O YouTube e a produção de um conteúdo relevante Por Bruno Riccelli e Franklin Bellone Borges Nos dias de hoje, a popularidade do YouTube cresce cada vez mais a um ritmo acelerado, hoje em dia o site possui mais de um bilhão de usuários ativos, e versões locais ativas em mais de 88 países, podendo ser acessado em até 76 idioma. O site foi criado em fevereiro de 2005, e desde a sua criação permitia o compartilhamento de vídeos e conteúdo para a rede. Em 2006 foi comprado pela Google. Graças a seu sistema de criação de canais, o site permite que várias pessoas tenham a oportunidade de criar a sua própria identidade e fazer uploads de vídeos de sua autoria. Devido a esta função, várias pessoas buscam se profissionalizar dentro do meio, na tentativa de assim se tornarem influenciadores de opinião. Em uma matéria lançada pela Exame (Editora Abril), no dia 8 de outubro de 2016, foi revelado pelo próprio YouTube, em um evento realizado em São Paulo, que até aquele momento o tempo de visualização do site no país havia crescido em 70% com relação ao ano anterior. Também foi revelado que até aquela data cinco das dez celebridades mais influentes entre adolescentes brasileiros eram youtubers. O Brasil, assim como o restante dos países ao redor do globo, pos-

Diagramação: Pollyana Gradisse

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sui uma grande variedade de canais e personalidades, sendo alguns deles grandes influenciadores de opinião em diversos aspectos dentro de sua nação.

Montalvão Alves, e a sua vida como produtor de conteúdo no YouTube E para falar com mais propriedade sobre a questão do profissionalismo no YouTube, conversei com Montalvão Alves, que é formado em Administração de Empresas e com pós-graduação em Audiovisual e Mídias Digitais. Ele trabalha atualmente com produção de conteúdo

em um canal de games no YouTube, com mais de 1.700.000 inscritos. Devido a sua experiência com a plataforma, conhece os altos e baixos de se trabalhar com vídeos, e as possíveis estratégias para vencer as dificuldades. Em entrevista, Montalvão Alves conta que começou a produzir vídeos para o YouTube com o intuito de promover a sua loja de games, pois considera os anúncios muito caros, e passou a utilizar a internet para a publicidade de sua loja. Além do YouTube, o antigo Orkut e o re cém-chegado na época, o Facebook, também ajudaram na divulgação.

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comportamento - youtube

Montalvão Alves em um de seus vídeos promovidos pelo Youtube

A partir desse momento, ele decide misturar o útil ao agradável, por gostar de games e se divertir com o público junto com a divulgação de sua loja.“E depois que eu vi que alguns youtubers estavam conseguindo fazer uma fanbase legal, e eu sempre tive vontade de ser radialis-

“O meu objetivo a cada gravação é colocar um sorriso no rosto de quem está assistindo” Montalvão Alves 54

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ta, eu decidi arriscar.” Hoje em dia ele trabalha inteiramente com o YouTube, porém, até um certo tempo, tinha sua própria agência, para fazer fotos, vídeos e produzir campanhas para seus clientes. Com sua mudança de cidade, não foi possível continuar com a agência. Monta, como é carinhosamente chamado por seus fãs e inscritos do canal, em sua maioria crianças e adolescentes, se considera um influenciador que leva entretenimento com as gameplays, com um intuito principal de colocar um sorriso no rosto de cada um que lhe assiste, e também levar uma mensagem positiva. Os jogos fazem com que os seus amigos, como ele mesmo chama, se sintam parte do canal, pois

todo sucesso desse projeto é graças a eles. “O meu objetivo a cada gravação é colocar um sorriso no rosto de quem está assistindo”, afirmou.

A produção de conteúdo no YouTube Quando perguntado sobre o que é produzir um conteúdo relevante, ele vê como um paradigma, pela diversificação de conteúdos que podem ser encontrados no YouTube (resenhas de filmes ou livros, aulas de fotografia, entretenimento com humor, entre outros temas). Então o conteúdo passa ser relevante quando ele cumpre o objetivo que foi pretendido no início, seja informar, fazer sorrir ou ensinar, desde que seja feito com responsabilidade, buscando entender como esse conteúdo será absorvido

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youtube pela sociedade. Ainda mais quando é um público muito jovem, deve-se ter a responsabilidade de não transmitir conteúdo sexual e expressões de baixo calão, tirando assim a inocência dessa criança. Sobre o mercado para quem deseja iniciar uma carreira no YouTube, ele o vê competitivo mas também satisfatório, porque é um mercado em que mais pessoas então buscando e acessando conteúdo na internet. Percebe que as pessoas não buscam informação por leitura, o que faz o audiovisual crescer bastante. Por ser um mercado competitivo, o nível de profissionalismo é bem grande, em questão de qualidade de áudio e imagem, e por esse motivo não daria para se ter um sucesso apenas gravando a tela do computador para fazer as gameplays. É difícil ter um canal com informações gravadas com celulares antigos, embora os atuais sejam melhores em áudio e vídeo, mas a concorrência é com outros canais com equipamentos de nível profissional. Então tem que se sobressair com o conteúdo e informação de qualidade.“O teu conteúdo tem que ser muito mais relevante, tem que chamar muito mais atenção, do que simplesmente o fato superficial, como lente, áudio e afins. Competitivo é, mas tem espaço.” A plataforma do YouTube está em constante mudança, principalmente na forma de como os canais vão lidar com o público e o conteúdo. E isso afeta o trabalho dos produtores diretamente, pois eles precisam saber qual é o novo algoritmo, entender a database da pla-

- comportamento

taforma e como continuar relevante nela. Monta também aponta que a geração dos espectadores muda em determinado período de tempo: “O público de 5 anos atrás não é o consumidor do conteúdo de hoje, então estamos em constante transformação com nosso próprio conteúdo”. Ele ressalta a importância de um perfil empreendedor, devido a uma queda nos últimos meses no valor pago por visualizações aos canais monetizados após uma queda na publicidade no YouTube. Dessa forma, é preciso buscar outras formas de publicidade para conseguir manter e aumentar a monetização do canal.

“O teu conteúdo tem que ser muito mais relevante, tem que chamar muito mais atenção, do que simplesmente o fato superficial, como lente, áudio e afins. Competitivo é, mas tem espaço” Montalvão Alves Afinal, ser influenciador é uma carreira ou não? “O influenciador pode ser sim uma carreira profissional que você

pode seguir, eu conheço influenciadores que sua fanbase é bem maior no Instagram, outros no Facebook, e também conheço gente no YouTube, como o meu caso. Então, se você tiver um bom conteúdo, algo para passar, ensinar ou entreter, seja qual for o seu objetivo, pode ser dito que é uma das profissões que era do futuro e hoje faz parte do presente. A internet nos trouxe novas mudanças no mundo, e essa nova carreira é uma delas”. O YouTube se tornou uma grande meio de comunicação em massa em todo o mundo, perguntei a ele quais seriam as diferenças sobre o conteúdo brasileiro dos demais países. Ele respondeu que no Brasil as pessoas aceitam muito mais um conteúdo com apelo sexual, ostentação de bebidas e do estilo de “vida loca” como vemos por aqui. Ele não está afirmando que no exterior não exista esse tipo de conteúdo, mas não encontra com tanta facilidade. “Lá fora eu encontro a galera conversando sobre tecnologia, que mostra muita fotografia, faz uma viagem, e demonstra essa viagem com boa música e boa fotografia. E que existe canais assim aqui no Brasil, como, por exemplo, André Pili, a Dani, canal ‘Cadê a chave?’.” E então ele termina dizendo que “o que define você ser um youtuber ou um profissional de jornalismo não é o que você veste ou fala, antes de tudo temos que lembrar que somos seres humanos e que tudo isso aqui é superficial, o que vale mesmo é o que está no nosso coração”

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Foto: Nimeri Fotos

NEM O ALZHEIMER VENCE O AMOR

Às vésperas de se casar, noivo descobre doença e sua companheira faz votos de cuidado e amor incondicionais Por Fernanda Alves e Tayenne Dias

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Diagramação: Pietra Pessoa

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aLzheiMer

Foto: Nimeri Fotos

A tarefa de cuidar de alguém está longe de ser fácil, mas existem razões que fazem com que algumas pessoas se dediquem à função de cuidadoras. O amor é uma delas. Foi isso que aconteceu com Antoniete de Fátima Alves, de 65 anos, e Márcio José Bueno, de 74 anos, que depois de namorarem 20 anos e estarem prestes a casar, descobriram que o noivo tinha Alzheimer. O Alzheimer é uma doença progressiva e incurável. Ela é responsável pela demência ou perda das capacidades cognitivas (memória, orientação, linguagem e atenção), causada pela morte de células cerebrais. Esta enfermidade, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cresce todos os anos no Brasil. Em 2016, o número de pessoas com a doença já atingia cerca de 1,2 milhões. Apenas metade delas se trata, e, a cada ano, surgem 100 mil novos casos. A estimativa é de que esse número dobre até 2030, segundo a Associação Brasileira de Alzheimer. Além disso, a cada duas pessoas com a doença, apenas uma sabe que a tem. A Organização Mundial da Saúde (OMS) prevê que até 2050 o número de casos aumente em até 500% em toda América Latina. A partir dos 65 anos, o risco de desenvolvimento da doença duplica a cada cinco anos; sendo assim, uma pessoa de 70 anos tem o dobro de chances de desenvolver Alzheimer em relação a uma de 65. Márcio Bueno e Antoniete Alves, desde que começaram a namorar, sempre foram um casal muito feliz. Faziam viagens, se divertiam e, depois de 20 anos juntos, decidiram se casar. No entanto, em meados de 2011, Bueno teve os primeiros sintomas da doença. Com uma viagem para a Europa marcada para agosto e às vésperas de seu casamento, a preocupação se tornou ainda maior, principalmente, pela mudança com-

- ComportamEnto

Antoniete e Márcio se divertem em uma de suas viagens à Europa

pleta de rotina que aconteceria a partir dali. O casal, até então, morava separado. Para as pessoas que convivem todos os dias, ver as mudanças de comportamento é mais fácil. Antoniete conta que começou a perceber que havia algo errado quando pequenas coisas do cotidiano mudaram como, por exemplo, o fato de que todas as vezes que saíam de carro, ele andava sempre à esquerda, esquecimentos, confusões, entre outros. Num certo dia, Márcio Bueno teve uma crise de pressão alta. Ela então comunicou às filhas dele e o levou ao médico. Após a consulta, seu noivo saiu chorando e, de acordo com Antoniete, esse foi o momento mais difícil, uma vez que nunca havia visto Márcio chorar. Nesse meio tempo, fizeram também uma tomografia. O médico disse que era coisa normal da idade e, então, procuraram um geriatra, que fez um teste rápido. Esse exame imediato acendeu a “lanterna amarela” e o médico pediu para que se encontrassem em seis meses. Preocupada com a viagem agendada, Antoniete diz que perguntou

ao médico o que ele achava dessa mudança, e ele lhe alertou sobre os riscos de sair da rotina, que poderiam implicar no agravamento das confusões. Mesmo assim, o casal fez a viagem. O problema foi que, quando chegaram ao destino, ela percebeu o desespero do noivo. Ele deu um “tilt” e essa foi a confirmação. “Eu fiquei sem chão, liguei para as filhas e falei que ia cuidar dele até o último dia da minha vida. E, enquanto eu estiver respirando, vou cuidar, porque ele é uma pessoa saudável a não ser pela confusão mental”, relembra a noiva.

“...falei que ia cuidar dele até o último dia da minha vida. E, enquanto eu estiver respirando, vou cuidar...” Antoniete Alves

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Comportamento - Alzheimer A saúde, certamente, é um fator que preocupa muito quem está descobrindo a doença. Por isso, ter depressão é algo comum, porque a pessoa sabe o que tem, ainda está consciente e, à medida que o tempo passa, ela se vê regredindo até ser completamente dependente. Contudo, tomando os medicamentos certos, tendo uma dieta balanceada e bons cuidados, o único problema decorrente da doença será a confusão mental. Quando perguntada sobre o que mudou em sua vida, a cuidadora afirma: “O que mudou é que eu vivo pra cuidar dele”. Mesmo com as filhas, Bueno hoje vive com sua mulher e, segundo ela, um é o porto seguro do outro, o ponto de referência e, quando ela não está, ele fica nervoso, estressado e ansioso. Fazer adaptações foi inevitável, mas demorou muito tempo para serem necessárias mudanças físicas na casa. “Só que é no dia a dia, na rotina, que você tem que ficar mais vigilante. Por exemplo, se eu estou fazendo uma coisa aqui, eu tenho que estar sempre atenta, porque como ele foi só regredindo, já saiu duas vezes e nós tivemos que ir atrás dele porque ele perde a noção. Cada dia é um dia que você vive, é uma surpresa”, conta Antoniete de Fátima.

Ela ainda explica que, na realidade, pra quem vive com a doença de Alzheimer, a maior dificuldade é ver a situação, ver como a pessoa era antes e, hoje, como se torna tão dependente. “Isso é doído”, admite. O casal viajava cerca de duas vezes ao ano, passeavam sempre aos finais de semana, mas ela teve que abdicar disso para, de acordo com suas palavras, dar o apoio que ele precisa e merece. “O Márcio só tem a mim, entende? Ele sabe que tem as filhas, mas ele não as reconhece. A verdade é que a rotina do cuidador muda tanto quanto a do doente, e o cuidador passa a ser seu ponto de referência. Isso é companheirismo, porque ele já me proporcionou tantas coisas boas e ainda se preocupa comigo, mesmo doente ainda sabe das coisas”, explica Alves. À medida que a pessoa vai regredindo e precisando cada vez mais de ajuda para fazer tarefas básicas, como ir ao banheiro e saber o que é o vaso, quando a vida toda foi ativa, é também uma dificuldade, assim como a falta de apoio e interesse da família. “A gente passa a ver a vida pelos quatro ângulos, passa a dar mais valor às coisas, a agradecer mais e a pedir força e saúde para continuar cuidando”, pontua ela.

Mesmo com todas estas dificuldades e com todos os excessos de esforços, Antoniete Alves se casou com Márcio Bueno em 2016 e ressalta que não se sente cansada por cuidar dele. Na verdade, ela sente muito por ele ter perdido a própria dignidade. “Ao mesmo tempo em que eu sinto tristeza de ver ele assim, depois que a gente já viveu tanto, eu vejo que ele é muito bacana comigo. Só de eu pegar a mão dele e segurar de noite já faz diferença. Por exemplo, ele acorda assustado e pergunta se eu tô lá, eu pego a mão dele e ele se acalma. É gratificante cuidar do meu marido, ele é uma pessoa boníssima e ele nunca fez nada pra falar ‘hoje o Marcio me aborreceu’. O que eu queria mesmo era que ele ficasse bom”, confessa. Por fim, Antoniete Alves deixa uma mensagem para quem acabou de descobrir que algum ente querido possui Alzheimer. “Quando você descobrir, o que precisa é dar muito apoio, é ter companheirismo, é ficar por perto, vigilante, não deixar sair sozinho, não deixar ir nem no portão sozinho. Inclusive, eu tenho usado até um crachá nas costas dele para caso ele sair e se perder. É preciso ter, principalmente, paciência porque eles não sabem nada”

Foto: Nimeri Fotos

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o chaMado de tutankhaMon

- Cultura

Um relato pessoal de como se inventa e se escreve uma estória passada em outros tempos. Três anos de pesquisa: horas sem fim na internet, uma pilha de livros e viagens a cinco países. A companhia constante, na imaginação, de Tutankhamon e dos outros personagens. E uma criatividade sem limites Por Silvania Capanema

Você já pensou em escrever um livro? A ideia da criação de uma obra pode ficar latente, durante anos, em nossas mentes, esperando uma oportunidade de vir à tona, como um sonho a realizar. Por vezes, lemos um livro que, por algum motivo, nos toca a alma e, momentaneamente encantados, sentimos um vago desejo de escrever algo. Pode até ser que interrompamos a leitura de algum livro porque, iludidos pela aura do marketing, esperávamos ser bem melhor. E pensamos presunçosos: eu escreveria melhor! Amigos me contam que têm muita

Diagramação: Pollyana Gradisse

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vontade de escrever mas não sabem como começar. No fundo, têm receio de não conseguirem se expressar como imaginam, medo da inevitável crítica, uma quase certeza de que não teriam quem se interessasse pela obra. Há uma ideia romântica, divulgada em filmes, do escritor isolado do mundo para escrever, refugiado em uma cabana à beira de um lago. Esse escritor idealizado parece sacar ideias de sua cabeça até que, exausto, entra em pânico porque “deu branco”. Esse é o maior receio dos que sonham em escrever uma obra mas nunca iniciaram qualquer trabalho.

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Cultura - o chamado de tutankhamon Soltando as amarras Eu tinha tudo isso me aprisionando até o dia em que libertei-me. Estava na Gare du Nord, esperando pelo trem que me levaria de Paris a Rotterdam, onde passaria um mês com minha filha, que lá estudava. No quiosque da estação, procurava algo para ler na viagem quando me deparei com uma edição especial da revista Le Point, com a famosa máscara de ouro de Tutankhamon estampada na capa. Senti uma atração imediata, como se aqueles olhos lânguidos do faraó menino quisessem me dizer algo importante. Quando terminei de ler as oitenta páginas do encarte, sobre as novas descobertas arqueológicas no Egito, já estava apaixonada por Tutankhamon e a história do Egito Antigo, percebendo ter, enfim, um grande tema para escrever meu primeiro livro. Nesse mesmo período de férias, visitei a seção egípcia do Museu do Louvre e li todos os livros que encontrei sobre o assunto. Voltando ao Brasil, iniciei uma vasta pesquisa sobre o tema na internet. A todo o tempo, parecia ouvir o pedido de Tutankhamon para que escrevesse sua verdadeira história. Nas férias do ano seguinte, incluí Londres e Bruxelas no roteiro de viagem, justamente para poder visitar as coleções permanentes sobre cultura egípcia, expostas nos museus e comprar mais livros. A esta altura, já muito bem informada sobre a história do Egito Antigo, percebi que os romances que havia lido sobre Tutankhamon eram assustadoramente desprovidos de fundamento histórico e geográfico. Foi quando me julguei capaz de tentar escrever uma estória diferente sobre a fantástica história da queda, em menos de dezessete anos, do maior império da Antiguidade.

Perdi o rumo Deixando a pesquisa de lado, ou-

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sei delinear o corpo da minha estória. Seria contada em dois tempos: a descoberta da tumba de Tutankhamon, em 1922, e a história do faraó, que viveu, presumivelmente, entre 1364 e 1345 A. C. Certamente não seria mais um livro a contar, linearmente, sobre como Howard Carter, bancado pelo milionário inglês Lord Carnarvon , descobriu o maior tesouro arqueológico já achado no mundo. Esse assunto já tinha até uma famosa série da BBC. Nem seria mais um romancinho vulgar sobre as aventuras do faraó menino. Eu queria contar a história de um modo diferente, fora do comum, só que ainda não sabia como. Tutankhamon haveria de inspirar-me. Comecei então a juntar as informações em bloco, por ordem cronológica. Mas os dados colhidos eram tão contraditórios que, a este ponto, eu já sabia que teria grandes dificuldades em escrever uma estória que retratasse, da forma mais correta possível, os verdadeiros acontecimentos. A única certeza que tinha era a de querer basear meu relato em fatos comprovadamente registrados por historiadores e arqueólogos competentes. E a falta desse tipo de informação foi justamente o que me fez interromper o primeiro rascunho. Havia tantos buracos na história que cheguei a desistir de escrever sobre o tema. O projeto foi posto de lado e comecei a escrever um outro romance, que não dependesse de nenhuma pesquisa (claro que não foi bem assim).

Tempo para me deixar levar Sem o compromisso de escrever, deixei de lado a pesquisa e passei a imaginar os personagens, colocando-me no lugar deles. Decidi então dar um caráter mais pessoal à estória, imaginando-a escrita na primeira pessoa. Mas, sendo mulher e pensando como tal, soava-me estranho assumir ser Carter ou Tutan-

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o chaMado de tutankhaMon khamon. Então criei Lauren, uma esperta garota londrina que seria uma espécie de secretária particular de Carter e testemunha ocular da grande descoberta. Todavia, uma moça não poderia viver tal situação no Egito de 1922 (nem hoje). A solução foi travesti-la de homem, aliás um assunto bem atual. Para contar a estória antiga escolhi Ankhesenamon, uma misteriosa princesa riscada da história por alta traição. Ninguém melhor do que ela para recontar as desventuras de sua família e o infortúnio de Tutankhamon, seu irmão caçula que veio a tornar-se seu marido. Porém, as duas estórias estariam distantes e sem ligação, se não fosse o artifício que inventei para uni-las. E foi esse lance que deu à estória a sonhada originalidade: é Lauren quem vive as duas vidas. Porém ainda havia um outro problema: como uma estória escrita em 1923 poderia ter sobrevivido ao tempo e chegado, inédita, aos dias de hoje? Foi quando surgiu a parte mais emotiva do romance-ficção. Lauren é a verdadeira autora mas como, em 1923, não pôde publicar sua fantástica estória, deixou-a, como herança, para sua neta Laura. Essa mineira de Belo Horizonte, hoje na faixa dos trinta anos, é quem, após certificar-se da veracidade da estória, decide traduzi-la e publicá-la.

Retomada frustrada Tendo incorporado Lauren e Ankhesenamon e sentindo-as à flor da pele, como para escrever minha própria estória, iniciei uma nova narrativa, sem me ater à pesquisa. Ledo engano! A toda hora tropeçava em situações nas quais, para descrevê-las a meu contento, teria que haver morado em Londres e em várias localidades no Egito. As pesquisas pela internet revelaram-se insuficientes. Mais umas férias à vista e resolvi voltar à Londres, até porque,

no outro romance que escrevia em paralelo, parte da estória se passa na Inglaterra. Inspirada pelos ares da capital britânica, percorrendo os lugares por onde Lauren e seu tio Sidney andaram, retornei à narração. Porém, volta e meia, deparava-me com novas dificuldades. Uma delas, por exemplo, foi a de descobrir qual navio fazia, no verão de 1922, a rota entre Londres e o Egito. Essa, importante; outras menos, como saber, nessa época, qual o restaurante e o drink da moda em Londres. Houve coincidências incríveis, como descobrir que o castelo onde se passa a série Downton Abbey (que eu acompanhava na época) era a moradia de Lord Carnarvon em 1922. Fatos, normalmente, ficam registrados por historiadores ou jornalistas. Porém, o registro fotográfico não era comum em 1922, causando-me dificuldade para descobrir como era o verdadeiro cenário onde os fatos contados na estória se passaram. Além de visitar vários locais em Londres, precisei ver filmes e ler alguns romances ingleses para poder descrever costumes e vestuário da época. Dando por bem adiantada a primeira parte do livro, que conta as dramáticas, para não dizer divertidas, peripécias de Lauren em Londres e no Egito, iniciei a parte que conta a estória de Tutankhamon. De cara, um grande problema: a total falta de confiança nas fontes. Mais uma vez, deixei o livro de lado. E fui passear no Canadá.

- Cultura

vi os olhos de Tutankhamon pousados em mim. Sim, me olhavam lá da capa de um livro, largado num balcão de coisas de segunda mão. Senti que ele me cobrava haver desistido de contar a sua história. O livro, da egiptóloga inglesa Joyce Tyldesley, é um descritivo real da descoberta da tumba, um levantamento arqueológico do que restou dela no Vale dos Reis e ainda suposições sobre a genealogia de Tutankhamon. Com um detalhe: o livro foi publicado antes da edição extra da revista Le Point. E aí está o ponto nevrálgico da história: enquanto Tyldesley deixa a entender que Nefertiti não poderia ser a mãe do faraó menino, o grande furo da revista foi justamente o resultado dos então recentes exames de DNA, comprovando a filiação. Nesse ponto, tive de decidir o grande passo que daria em seguida.

O olhar de Tutankhamon Admito que achei muita informação sobre a história que cerca Tutankhamon porque fui à procura. Entretanto, desta vez eu estava bem distante de seu mundo: lá no oeste do Canadá. Entrei em uma lojinha de conveniência, na beira de uma estradinha que serpenteia pelas montanhas, para tomar um café, quando

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Cultura - o chamado de tutankhamon

Nefertiti entra na estória Se assumisse que Nefertiti era a mãe legítima de Tutankhamon, meu livro seria o primeiro nessa linha. Inédito, contrariando todos os outros livros de ficção já escritos. Chegara a hora de um posicionamento. Decidi ir ver a mãe e o filho. Havia ainda uma série de problemas no livro, motivados pela total falta de dados de alguns aspectos. O mais grave era não ter indícios do cenário onde a segunda parte da estória acontece: Amarna, varrida do mapa logo depois que uma série de desgraças se abateu sobre a cidade (a Brasília de seu tempo) construída pelo pai de Tutankhamon, proscrito e abolido da história egípcia até recentemente. Outro ponto importante, aliás fundamental para amarrar a parte ficcional da estória, era um buraco no teto da tumba de Ramsés VI. Sonhei com essa passagem entre tumbas e cismei de colocá-la no livro. E como, tanto a parte histórica como a geográfica estavam tão bem fundamentadas, um buraco inexis-

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tente poderia colocar a credibilidade da estória a perder (embora seja uma ficção). Pois bem, decidi que precisava ir a Berlim e ao Egito. E tive que aguardar uma oportunidade para fazer a viagem. Outra parada no livro. Meu coração quase saiu pela boca quando vi Nefertiti. Incorporei mais uma personagem, agora eu deslancharia no romance. Contudo, uma surpresa maior me aguardava. Saindo do Neues Museum, vi que havia uma fila imensa e então descobri que haviam acabado de inaugurar uma exposição, no mesmo museu, sobre a cidade de Amarna! Estava ela inteira ali, à minha disposição, para percorrer todos os seus caminhos e recontar, por certo com muita imaginação, todos os admiráveis acontecimentos que ali se passaram. Agora tinha o cenário completo para a segunda parte do livro!

Reverência ao faraó embalsamado Parti para o Museu do Cairo. Ti-

nha urgência de conferir a impressão que me passara o semblante de Nefertiti com o sentimento que a face de Tutankhamon me proporcionaria. Seriam mesmo mãe e filho, apesar de toda a controvérsia? Pois ao ver a máscara de ouro do faraó, a mais linda obra de arte que já vi, tive plena certeza, pois têm idêntica harmonia de proporções e revelam a mesma doce melancolia. Pouco me importa se foi ou não (acredito que sim) o mesmo escultor que moldou ambas as peças, inclusive são únicas e profundamente diferentes de qualquer outras obras de arte da época. Enfim, a visita ao museu proporcionou-me algumas informações valiosas que me faltavam e também uma sensação de imersão na vida cotidiana da família real. Acertara na decisão de ir ao Egito, fiquei totalmente mergulhada na estória: revivi as situações e visitei todos os lugares (ainda existentes) onde Lauren vivera em 1922. Ansiava por sentir a sensação de subir de barco o Rio Nilo, tal qual

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o chamado de tutankhamon Tutankhamon e Ankhesenamon haviam feito. Só assim poderia ser capaz de reproduzir a emoção de estar no seio do Egito, em um cenário praticamente igual ao de 3.360 anos atrás. Foi uma viagem de recolhimento e, quem sabe, de retorno a uma vida passada no Egito. Preparou-me o coração para, no Vale dos Reis, sentir a delicadeza e a fragilidade da múmia do faraó morto aos 19 anos, humildemente exposta em sua tumba original. Senti que Tu-

tankhamon confiava que eu daria conta de sua incumbência e agradeci a confiança em mim depositada. Havia uma última coisa a fazer no Vale dos Reis, mas a tumba de Ramsés VI estava fechada para visitas no dia em que lá estive. Burlei a segurança e entrei sozinha na tumba. Não precisei de guia, conhecia-a de cor, pois é o cenário onde acontece uma cena importante do romance. As luzes automáticas foram se acendendo à medida que fui percorren-

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do o longo corredor tumba adentro. Até que cheguei ao exato ponto em que imaginei haver um buraco. E lá estava: exatamente como o descrito no final da primeira parte do livro! O ciclo da estória se fechava. Depois dessa viagem eu estava pronta para terminar o livro – foi como se eu realmente houvesse presenciado todos os fatos que nele descrevo. Quando terminei, senti um grande alívio pela missão cumprida. Mas até então, o livro era só meu.

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Cultura - o chaMado de tutankhaMon A hora da coragem Original pronto, revisado, layout da capa escolhido. E o título? Tutankhamon, sem dúvida. Porém há dezenas de livros no mundo com esse nome e eu precisava de algo que o diferenciasse dos demais e também que despertasse interesse. Há na mente das pessoas uma relação entre múmia e maldição. Existe um anel, tanto na história (hoje, em alguma coleção particular) quanto no romance, que é o elo entre Ankhesenamon e Lauren. Portanto, a escolha foi : Tutankhamon: a maldição do anel. Hora de publicar. Nenhuma editora, nem chances. Todas as portas fechadas. Nenhum editora aceita envio de originais pela internet para análise e avisam que se ousar enviá-lo em papel, pelo correio, que picam e jogam fora. Coloquei o livro,

em versão eletrônica, à venda na Amazon.com. Mas brasileiro não se interessa pelo assunto nem lê livro eletrônico. Publicado em português, o livro tem mínimas chances de ser lido no exterior. Teria certamente público nos EUA, no Reino Unido e na França, onde tudo o que diz respeito a Tutankhamon desperta interesse. Aqui não, o brasileiro comum nunca ouviu falar no personagem. Passei três meses sonhando em ver o livro publicado em papel, com a bela capa que minha filha e eu criamos. Fiz as contas e tomei coragem de mandar publicá-lo por conta própria. Marquei o dia da noite de autógrafos, sem nenhuma publicidade, convidando apenas amigos, e fiquei ansiosa à espera do grande dia, ou seria um fiasco? Para minha grande surpresa, foram mais de trezentas pessoas no lançamento e só

com a venda da noite paguei a revisão, a impressão e ainda sobrou dinheiro para pagar a tradução (o livro acaba de ser traduzido para o inglês, vai para a Amazon por esses dias e vamos ver no que dá). Tenho recebido entusiasmadas críticas positivas, todas as pessoas vêm me dizer que começaram a ler a estória e não conseguiram parar, que amaram a forma de contar o enredo e os personagens, sobretudo a louquinha da Lauren, que “mudava de sexo” como se muda de roupa. Além disso, há um enorme desafio: descobrir o que é fato histórico e o que foi inventado. Verdadeiramente, não tenho nem ideia se o livro tem mérito literário, só sei que me esforcei muito para escrever bem e pouco me importa se segue ou não os estilos da moda. Quem leu, gostou – é isso o que vale!

Nota: O livro “Tutankhamon: a maldição do anel” foi lançado, em Belo Horizonte, em maio de 2017 e pode ser adquirido, de preferência, nas Drogarias Araújo das praças Tiradentes e da Bandeira, ambas na Av. Afonso Pena. (venda em benefício do Hospital da Baleia). O e-book pode ser comprado pela internet na www.amazon.com - veja o SUMÁRIO neste site.

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Crônica

OSMAR E RAMSO Por Pollyana Gradisse

Seu nome é Osmar José da Silva e seu nome é Osmar José da Silva. Não! Isto não foi um engano ou um erro gravíssimo, apenas o destino se encarregando de marcar dois indivíduos com o mesmo nome e sobrenome, colocá-los também na mesma cidade, e por que não no mesmo bairro? Pois sim, Osmar e Osmar moram em Minas Gerais, mais precisamente em Igarapé. Artimanha? Talvez! No mínimo curioso tamanha coincidência. Mas a forma como se descobriram homônimos ainda sim consegue ser mais façanhoso. Já dizia o ditado popular “sorte no amor, azar no jogo” ou vice-versa, e foi por meio do jogo que tudo aconteceu. Osmar sempre confiou na sorte, apesar de não a ter muito presente, apostava em um jogo tradicional da cidade com uma variedade de prêmios e sorteios semanais. Em uma dessas semanas a sorte sorriu para ele, que não ganhou o prêmio máximo, mas faturou diversos utensílios para casa, carro, além de uma certa quantia em dinheiro, para

Diagramação: Pollyana Gradisse

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o recém-casado não havia prêmio melhor. Porém, a surpresa se deu na entrega dos prêmios. “Bom, cheguei lá, me apresentei como o ganhador, e a mocinha que trabalhava na recepção me disse que já havia entregado o prêmio para o Osmar. Fiquei sem entender, porque sabia que aquele prêmio era meu! Insisti perguntando se ele havia apresentado o bilhete premiado, a mocinha ficou muda, pensou um pouco, depois me pediu inúmeras desculpas, pois só havia pedido documento com foto e o CPF. No momento só fiquei matutando comigo mesmo quem era o cara com o mesmo nome que o meu, outro Zé da vida, além da minha grande falta de sorte, parecia até ser pegadinha do Malandro”. Logo após o mal-entendido, o responsável pelo jogo foi até a casa do falso ganhador resgatar os prêmios para aquele que de fato tinha ganhado. “Fomos juntos, porque minha curiosidade era enorme. Quando chegamos lá, não acreditei que ele ainda morava perto de mim. Assim

que o vi, caímos na risada, já nos conhecíamos como ‘xarás’, mas ser homônimos era novidade. Já tinha conhecimento também sobre a fama de malandro dele, quase meu gêmeo do mal. Levei meus prêmios para casa e achei que tinha ficado tudo certo, tal situação não iria se repetir, mas não passou de um engano meu”. Os homônimos se cruzam em histórias cotidianas recentemente, seja em contas de energia elétrica, senhas bancárias, ou até mesmo em processos jurídicos. “Meu maior medo não são os processos ou continhas bobas, é ele mexer com mulher dos outros e o Osmar José da Silva que apanhar seja eu, e pior ainda, sem saber o motivo”. Engraçado ou não, o destino se encarregou bem de entrelaçar esses dois nomes, essas duas histórias, esses dois opostos de uma forma divertida. Não sendo um caso único, os homônimos se descobrem mundo afora sempre de maneira inusitada, uma coincidência nominal que sempre rende boas memórias

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Diversifique seu cardápio e aprenda com as dicas e receitas de Silvânia Capanema, no quadro Eu na Cozinha, na ConecTV.

Toca o que você gosta de ouvir!

radio.fumec.br Capa PeV 13.indd 2

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Maíra Lemos conta sobre a nova fase na carreira

Revista Laboratório do Curso de Jornalismo Ano 9 | Número 13 - Dezembro de 2017

DO CAOS À LAMA... Em ipsustis dip et, vulput nit inisi Henim quat

Dois anos após a maior tragédia ambiental, situação em Bento Rodrigues é de total abandono

Jornalista Em ipsustis entrevista dip et, vulput mulheres vítimas nit inisi de estupro no Haiti Henim quat Capa PeV 13.indd 1

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Revista laboratório do curso de Jornalismo • Ano 9 • nº 13

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Ensaio mostra tragédia em Mariana dois anos depois

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Mulheres do street art ganham os muros

Poesia Slam:

a batalha que usa como arma a palavra para propor a revolução social pela celebração

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