Revista Ponto & Vírgula - Ano 10 | Número 16 - Dezembro de 2019

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CONTANDO HISTÓRIAS E QUEBRANDO TABUS

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Venha estudar em uma Universidade que está entre as três melhores particulares de Minas Gerais!

processoseletivo.fumec.br PROCESSO SELETIVO FUMEC 111 2020 CURSOS PRESENCIAIS E A DISTÂNCIA Livro P&V 16.indb 2

INSCREVA-SE 04/12/19 08:21


Foto: Maria Clara Castro

Ensaio fotográfico de alunos da Publicidade da Fumec ressalta o Dia da Consciência Negra

“Quando falamos da história do povo negro, sempre nos lembramos da violência inenarrável da escravidão, mas não devemos nos esquecer de que nas lutas pela sobrevivência e pela superação da violência sempre estiveram presentes a criação de alegria, de beleza e de prazer” Angela Davis, ativista e escritora norte-americana, na sua passagem pelo Brasil em outubro de 2019.

Expediente FUMEC

Fundação Mineira de Educação e Cultura

PONTO E VÍRGULA

Presidente do Conselho Executivo Prof. Air Rabelo Presidente do Cons. de Curadores: Prof. Antonio Carlos D. Murta

De Tereza a Tarso

Pág. 10

Reitoria da Universidade Fumec

Instituto Holofotes

Pág. 14

Dupla maternidade

Pág. 18

Livros-reportagem

Pág. 21

Reitor: Prof. Fernando de Melo Nogueira Vice-reitor: Prof. Guilherme Guazzi Rodrigues

Faculdade de Ciências Humanas

Diretor-Geral: Prof. Antônio Marcos Nohmi Diretor de Ensino: Prof. João Batista de M. Filho Coordenador do Jornalismo: Prof. Sérgio Arreguy

Dias de esquecimento

Pág. 26

Editor: Prof. Aurelio José Silva Coordenação Proj. Gráfico: Prof. Aurelio José Silva Técnico e finalização gráfica: Luis Filipe P. B. Andrade e Lucas Pannain Resende Técnico e tratamento gráfico: Daniel Washington S. Martins Revisão de texto: Prof. Dr. Luiz Henrique Barbosa Logotipo: Rômulo Alisson dos Santos Monitores: Letícia Gontijo e Deborah Lopes Gráfica: Formato Tiragem: 1.000

Consciência Negra

Pág. 29

Sobre os ciúmes

Pág. 33

Mãe, profissão amar

Pág. 37

Monetize seu conhecimento

Pág. 40

Conselho Editorial

Mal-estar dos universitários

Pág. 45

Inclusão pela cultura

Pág. 48

Torcidas do bem

Pág. 51

Sexualidade e religião

Pág. 58

Comunicação e música

Pág. 62

Ponto e Vírgula

Prof. Aurelio José Silva Profª. Dúnya Azevedo Profª. Vanessa Carvalho Prof. Dr. Luiz Henrique Barbosa Profª. Raquel Utsch

Foto da capa e contracapa Reproduções das capas da Revista

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Editorial

PARABÉNS E VIDA LONGA ... Por Aurelio Silva Nesta edição de 10 anos da Ponto & Vírgula, resolvemos comemorar revisitando algumas histórias e personagens que estamparam a capa da revista na última década. Além da missão de acompanhar os assuntos que elegemos como prioritários, decidimos também enfrentar uma das grandes críticas ao jornalismo moderno: seu fascínio pelas novidades e seu quase esquecimento das pautas que outrora ganharam destaque na seleção noticiosa. Com o intuito de explorar os desdobramentos de fatos que foram manchetes nas edições anteriores, procuramos saber das mães que obtiveram dupla maternidade de gêmeos, em 2015, como estão seus filhos hoje e como elas lidam com a preocupação, levantada à época da primeira reportagem, do possível preconceito que as crianças enfrentariam na escola por ter duas mães. Para a reportagem de capa de 2014, que apresentou as perspec-

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tivas da ex-miss Minas Gerais Janaína Barcelos diante do diagnóstico de retinose pigmentar, doença que pode levar à perda total da visão, verificamos como a modelo e jornalista está enfrentando suas limitações hoje, após ter um filho, e como conseguiu transformar o problema em luta por meio de Instituto Holofotes, site que busca auxiliar no diagnóstico precoce e na facilitação das informações sobre a doença. Também conversamos novamente com o ator Tarso Brant que, quando nos deu a primeira entrevista, em 2013, ainda se chamava Tereza Brant. Tarso participou da novela “A Força do Querer”, da rede Globo, e, na trama, sua história de vida poderia se confundir com a do personagem. Tarso inicialmente mudou a aparência e, ao mergulhar no universo masculino, também resolveu mudar de nome. Tereza, segundo ele, foi importante para descobrir seu novo eu. Ainda nesta edição, vamos fa-

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lar de outros temas que são caros à nossa linha editorial. O conflito entre a sexualidade e o sagrado; o amor além da morte; quando o mesmo sentimento de amor se torna ciúmes doentio; os desafios para a mulher criar seus filhos sozinhos; o mal-estar que acomete os universitários; as humilhações a que os funcionários de lanchonetes estão sujeitos; as lembranças em meio ao esquecimento devido ao Alzheimer; entre outros. Paradoxalmente, já que iniciei este editorial falando de esquecimento, o jornalismo é também o lugar da materialização da memória devido ao trabalho quotidiano de seleção e registro dos fatos, histórias e sentimentos, priorizando sempre alguns desses acontecimentos e sentidos e esquecendo outros tantos, de acordo com as configurações do presente. Então, brindemos para comemorar e lembremos para não esquecer o que é realmente importante para a sociedade e, consequentemente, para cada um de nós

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Artigo

- Opinião

ESPIÕES VIRTUAIS Por Gabriel Russo

Diagramador(a): Letícia Gontijo

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Foto:Freepick

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ocê já teve a sensação de estar sendo vigiado ou seguido? Não se engane. De certo modo, tem sempre alguém de olho em você. Seja pela fresta da janela, pelo olho mágico da fechadura e, mais ainda, pelos dispositivos eletrônicos que carrega consigo. Afinal, são aproximadamente 420 milhões de computadores, celulares e outros tipos de aparelhos inteligentes em uso no Brasil. Caso a tecnologia não seja a sua praia, cuidado! Você continua correndo o risco da vigilância alheia. Todos nós já passamos pelo famoso aviso: “Sorria, você está sendo filmado”. Inconsciente do que isto significa, você não percebe que pode estar mais exposto do que gostaria. Seduzidos pela tecnologia, cada vez mais nossas informações saem do analógico e passam para o mundo digital. A segurança de dados ainda não é uma preocupação geral. A maioria das pessoas não tem noção dos perigos aos quais está sujeita e dos cuidados necessários ao visitar websites que solicitam número de documentos, telefones etc. Você já parou para pensar nas possíveis consequências de cadastrar seu CPF em alguma consulta on-line? Ou, até mesmo, registrar o seu e-mail naquele site de testes descontraídos de que todos os seus amigos estão participando? Há casos de eventos recentes em que grandes empresas tiveram suas bases de dados invadidas e milhões de informações foram vazadas. Você consegue se sentir seguro sabendo que a qualquer momento alguém pode acessar seus dados pessoais? Sabe aqueles pensamentos, experiências e até mesmo conhecimen-

tos que você compartilha em sites, aplicativos e redes sociais? Eles já estão sendo utilizados como critérios de análise em diversas áreas, como no processo de aquisição de visto para entrada em outros países (Estados Unidos, por exemplo). Em algumas entrevistas de emprego, responsáveis pela seleção vêm solicitando acesso às redes sociais dos candidatos para análise de posts e, com base neles, tiram suas conclusões sobre o comportamento do entrevistado. Nem só empresas e governos estão suscetíveis a ataques cibernéticos e vazamento de dados. A grande questão é: até que ponto confiar nas instituições às quais entregamos nossos dados? E até que ponto têm o direito sobre nossas informações? Em uma conversa casual com algum amigo, você já comentou que queria comprar algo perto do seu smartphone e começou a receber anúncios desse produto em suas buscas online? Isto, na verdade, é algo bem comum e controverso. Por mais que nenhuma rede social ou site confirmem esta espionagem, em uma enquete feita com 40 pessoas, questionamos se elas creem que seus dispositivos as escu-

tam mesmo quando não utilizados. Grande parte (83%) respondeu que sim. Além disso, perguntamos se elas já passaram pela experiência de receber anúncios após uma conversa e 92% responderam que sim. Nota-se algumas incoerências: se as pessoas têm essas suspeições, por que continuam alimentando sistemas com suas informações? A verdade é que chegamos a um ponto em que já não faz diferença de quem possui as informações, estamos cada vez mais reféns das tecnologias e teremos que aprender a conviver com a ideia de sermos vigiados, além de ter que aceitar que outras pessoas têm acesso aos dados e estamos a mercê de seus interesses. Além disso, tudo aquilo que expomos nas redes pode e será usado contra ou a favor em nossas vidas. Ainda não temos a resposta definitiva se isso é bom ou ruim, mas uma coisa é certa: é preciso ser cuidadoso com o tipo de informações que expomos online e também com os websites em que cadastramos nossas informações. A liberdade de expressão num mundo tecnológico se contrapõe ao risco da exposição. Para você, vale a pena correr este risco?

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OPINIÃO - REPERCUSSÃO 10 ANOS Ponto e Vírgula

Universidade Fumec

20.451 views ponto.virgula Galera, tem festa vindo! #10anosPonto&Virgula Ver todos os 245 comentários Há 2 dias

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Diagramador(a): Lizandra Andrade

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REPERCUSSÃO 10 ANOS

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- OPINIÃO

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SergioArreguy comentou em sua foto: Nesses 10 anos, pudemos ver uma evolução muito grande em seu processo de criação. Hoje temos uma revista ousada, moderna e agradável de ler. A revista é importante para os alunos do curso de jornalismo terem contato com o meio impresso. 15 min LuizHenrique comentou em sua foto: Eu vejo com muita alegria esse veículo completando 10 anos, porque ele tem uma qualidade excelente. Dá pra ver que ela não perde para uma grande revista com relação à parte gráfica, por exemplo, ela é muito bem cuidada. 15 min RaquelUtsch comentou em sua foto: A ponto e vírgula tem um papel fundamental na formação dos alunos porque ela traz a experiência da reportagem em profundidade. Parabenizo a revista pelo trabalho feito e considero um veículo fundamental para a qualidade da formação dos alunos. 15 min IsmarMadeira comentou em sua foto: Quando a saudade bate, lá vou eu, na internet. Ponto e Vírgula está ali, fácil, acessível, como os novos tempos exigem. Também tem a edição impressa: linda, interessante, corajosa nas pautas e nas abordagens. Ela sempre me surpreende. 15 min

Diagramador(a): Lizandra Andrade

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OPINIÃO - REPERCUSSÃO 10 ANOS

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LuizEduardo comentou em sua foto: Uma década da revista Ponto e Vírgula não acontece da noite para o dia, ainda mais uma revista laboratorial, que tem o empenho dos alunos, dos professores, dos técnicos. No geral, só vejo sucesso para essa revista. 20 min LuisFilipe comentou em sua foto: Tive o prazer de trabalhar como Técnico de Jornalismo Impresso durante 9 anos e pude ver todo o caminho da revista: ganhamos cores, valores e aprendemos muito. Toda nova revista implica desafios e com estes todos saem fortalecidos. Que venham mais. 19 min LetíciaGontijo comentou em sua foto: Desde o meu 1° período no curso de jornalismo tive contato com a Ponto e Vírgula e me encantei com a proposta editorial da revista. Ser uma das monitoras na equipe de produção da edição de 10 anos me deixou muito realizada. 17 min PolianaGradisse comentou em sua foto: Fazer parte da história da revista Ponto e Vírgula é maravilhoso! Toda matéria escrita, editada e diagramada por mim teve um sentimento e um apego diferente, ver todo seu esforço pelas páginas tirando sorrisos e elogios das pessoas não tem preço! 19 min

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Diagramador(a): Lizandra Andrade

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REPERCUSSÃO 10 ANOS

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- OPINIÃO

VOCÊ

AurélioSilva comentou em sua foto: Tenho muito orgulho de estar editor da revista Ponto & Vírgula. Coordenar as pautas e a produção da revista é um grande desafio. O barato é ver como os alunos ficam empolgados e se dedicam com criatividade na elaboração dos textos e da diagramação das reportagens. Isso é gratificante. 32 min LucasPannain comentou em sua foto: Para mim, passar a trabalhar no setor responsável pela produção da revista, principalmente em sua edição comemorativa, é algo muito gratificante e enriquecedor. Vivenciar toda a produção, esforço e fazer parte disso traz um sentimento bom. 30 min DanielWashington comentou em sua foto: Minha atuação na revista Ponto&Vírgula iniciou-se na mudança do design gráfico, em 2012. Ela representou um acréscimo significativo ao repertório de produtos do curso de Jornalismo, que só tinha o jornal O Ponto e outros projetos menores. 29 min LizandraAndrade comentou em sua foto: Atuar como monitora do laboratório de jornalismo impresso, que produz o jornal O Ponto e a revista Ponto e Vírgula, durante esses anos de curso, para mim, foi uma experiência enriquecedora Parabéns à revista pelos 10 anos! 29 min

Diagramador(a): Lizandra Andrade

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Entrevista - Tarso Brant

DE TEREZA A TARSO: DUAS VIDAS EM UMA

Créditos: Maria Câmara

Ator revela como sua determinação foi preponderante para torná-lo um homem que faz a diferença no mundo Por Gabriel Russo

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arso Brant (26) é um ator transgênero, natural de Belo Horizonte, nacionalmente conhecido por sua atuação na telenovela “A Força do Querer”, da Rede Globo, que foi ao ar de abril a outubro de 2017, além de sua atuação nas redes sociais em que possui quase um milhão de seguidores. Quando a Ponto e Vírgula entrevistou Tarso pela primeira vez, em 2013, ele ainda mantinha o nome de batismo, Tereza Brant, e afirmava: “Sou feliz do jeito que sou.” Tereza passou por uma transformação da qual, na época, poucas pessoas tinham conhecimento e compreensão.

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Hoje, Tarso Brant, estudante de psicologia, considera-se um homem comum, mas, ao mesmo tempo, tem a consciência de ter vivido duas vidas em uma. Como Tereza experimentou a realidade de uma adolescente como qualquer outra, com sentimentos, ilusões e sonhos. Por outro lado, dividiu corpo e mente com esse “cara” que, hoje, assumiu sua identidade. Nesta edição comemorativa de dez anos da Ponto e Vírgula, conversamos novamente com Tarso, que nos revela como sua determinação foi preponderante para torná-lo um homem que tenta fazer a diferença no mundo.

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Há seis anos, você se chamava Tereza, agora, é Tarso. Por que alterou seu nome? Nesse processo de reconhecimento eu cheguei num ponto em que olhei pra mim mesmo e percebi que quem estava presente não era mais a Tereza. Eu vivi as minhas experiências com ela e, depois, percebi que precisava de uma mudança para poder compreender essa minha nova personalidade. Cheguei à conclusão de que precisava dar lugar a essa nova pessoa. Após um processo de conversas com os meus pais e analisando essa possibilidade, tomei a decisão de oficializar essa mudança do meu nome.

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- Entrevista

Créditos: Maria Câmara

Tarso Brant

Nos vídeos para o Youtube, você sempre falava em se encontrar, que estava num processo de descoberta de quem era o Tarso. Hoje, você já consegue se identificar? Esse processo é uma jornada constante, não só na minha vida. Nós vamos descobrindo nossas características ao longo do tempo e acredito que 100 anos seja pouco para que possamos realmente nos entender completamente. Mas já me sinto EU, consigo identificar que essa é a minha aparência. Consigo entender as minhas qualidades, meus valores e, pelo menos até agora, estou sempre procurando me desenvolver. Sinto-me satisfeito por enquanto. Então, posso dizer que sim, me encontrei.

Diagramador(a): João Vitor Goulart

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Na primeira entrevista à Ponto e Vírgula, você preferia não apoiar causas LGBTQI+. Qual sua visão agora? Antes, estava num processo de me entender. Não me sentia apto a falar por outras pessoas. Hoje em dia eu apoio algumas causas, mas de uma forma humanista. Eu acredito que as pessoas têm que se respeitar e que a violência não leva ninguém a lugar algum. Então, tento guiar as pessoas para que elas se entendam antes de apoiar uma causa. Ainda acredito que as pessoas não precisam de rótulos, só precisam se entender.

Depois de todas essas mudanças, você pensa em fazer o procedimento de redesignação sexual?

Não! Acho que essa cirurgia é muito agressiva. Minha mãe sempre me disse que eu nasci com algo que nem todo mundo têm: talento. Eu concordo com ela. Sinto-me muito bem do jeito que estou. Esse procedimento, além de muito invasivo, é para pessoas que não se sentem confortáveis com seu sexo biológico, o que não é o meu caso.

Você tem um grande número de seguidores nas redes sociais. As pessoas te procuram pedindo conselhos sobre transição de gênero? É o que mais acontece. Na época em que comecei a transição, o normal era me sentir sozinho. Até descobrir que havia outras pessoas em situação semelhante, com as

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EntrEvista - Tarso BranT mesmas dúvidas e as mesmas dificuldades, sentia-me “único” e pensava que esse era um segredo que nunca iria contar a ninguém. Após toda essa exposição, eu descobri que existem várias outras pessoas com as mesmas dúvidas e, agora, elas pedem ajuda e conselhos. Inclusive, um dos meus projetos atuais é fazer um canal de comunicação especificamente para este assunto, para auxiliar essas pessoas. Eu quero dialogar com elas de maneira positiva e de forma a instruí-las neste processo, para que não se prejudiquem tentando fazer essa transição sem uma orientação médica ou sem ajuda de alguém que entenda o que está acontecendo com ela.

Há quanto tempo você faz o tratamento de hormonização e quais são as barreiras para dar continuidade a ele?

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Foi algo bem espontâneo. Depois de aparecer na mídia e fazer a novela, me senti pronto para lidar com toda essa “bagunça” que é estar com sua vida social aberta para outras pessoas. Várias revistas e programas de TV entraram em contato comigo e, depois disso, resolvi fazer aulas de teatro porque sempre gostei dessa área e queria explorar meu lado artístico. Hoje tenho projetos para o Youtube, Twitter, Instagram e Facebook justamente para falar sobre assuntos fora do comum, para que as pessoas tirem da cabeça que elas têm que fazer parte de um único sistema. A mensagem que eu tento passar para o meu público é que ele tem que se conhecer, respeitar a si mesmo e aos outros. Nós não temos controle sobre as outras pessoas e nem deveríamos. Cada um é responsável pelo que faz e também pelo que pensa.

Você pretende fazer algum curso universitário ou quer continuar atuando como ator? Atualmente estou cursando psicologia porque considero que todo mundo precisa de um “plano

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b”. Ainda não recebi propostas para voltar para a TV, mas estou aberto aos convites. Não vou ficar parado esperando, até porque não gosto de ficar parado. Gosto de sempre estar produzindo. Após sair da novela, participei de peças de teatro e acredito que essas experiências ajudaram muito no meu aprendizado como ator. A TV é uma área bem formal, no sentido de você estar sempre dentro do roteiro. Já no teatro, me senti mais livre, com mais opções de expressão e mais à vontade.

Muitos veículos de comunicação usam seu nome de batismo quando noticiam sobre você. Isso te incomoda? Os veículos de comunicação, assim como todos nós, estão num período de adaptação. A Tereza é parte de mim, não acho ruim quando falam dela. Eu gostei de ter vivido em sua pele e nunca vou me desvincular disso. Isso me fez ser um homem completo, ajudou a construir o homem que sou hoje. Essa vivência que tive como mulher e hoje como homem me ajuda a perce-

Créditos: Maria Câmara

Eu comecei a fazer o tratamento com 20 anos. Então, há seis anos estou neste processo, que exige um controle muito rígido da minha alimentação, requer muita disciplina e exercícios físicos. Especialmente agora, estou me readequando ao tratamento. Saí da linha por um tempo, resolvi extravasar e acabei prejudicando minha saúde. Então, estou reajustando as coisas para o caminho certo. Tudo isso requer um equilíbrio mental muito forte. Atualmente, não estou fazendo acompanhamento com psicólogo, mas faço yoga, meditação e a leitura também ajuda bastante a me manter focado na dieta e no tratamento. Tudo isso com o objetivo de que, no fim do dia, eu me sinta bem, saudável e consiga passar isso para quem convive comigo. Gosto de passar uma energia positiva para as pessoas e eu necessito estar bem comigo para fazer isso.

Quanto à sua carreira, você passou de pessoa notável para youtuber, depois ator e agora é digital influencer. Como foram essas mudanças?

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ber como somos seres múltiplos, e tenho a sorte de ter essa perspectiva mais ampla. Consigo entender de uma maneira melhor como as pessoas pensam. Até mesmo quando recebo mensagens negativas sobre meu comportamento ou meu trabalho, tento entender o lado da pessoa que está me criticando. Pelo diálogo, tento desarmá-la e enviar mensagem positiva em vez de simplesmente ignorar ou responder com outro comentário negativo.

Você pensa em ter filhos? Sim, claro! Um dos meus sonhos é ser pai! Não quero gerar uma vida dentro de mim, mas pretendo criar uma criança e deixar minha “sementinha” do bem. Quero fazer a diferença e instruir meu filho a dar uma guinada neste mundo que anda meio mórbido, cheio de preconceitos e preceitos. Sinto-me bem em pensar que posso deixar alguém com capacidade de fazer a diferença de maneira positiva.

Créditos: Maria Câmara

Tarso Brant

- Entrevista

“Um dos meus sonhos é ser pai! Não quero gerar uma vida dentro de mim, mas pretendo criar uma criança e deixar minha “sementinha” do bem” Tarso Brant

Qual sua mensagem para quem está em um momento de dúvidas e que ainda não se encontrou? Acho que todo mundo passa por isso, não só nas questões de gênero. Pode ser para achar um curso que se identifique ou qualquer outra questão. O caminho que você quer seguir, saber a diferença entre o certo e o errado, tudo isso está ligado a você encontrar sua verdade, encontrar seus valores. A maneira que você procura também é fundamental. Se você quer ser alguém na vida, saiba escolher seus caminhos, respeitar-se e ser você mesmo, independentemente da situação. Muitas pessoas acham que devem estar em alguma tribo para se descobrir, mas não sabem realmente quem são. O meu recado é: seja, mas tenha empatia e saiba respeitar o próximo

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HOLOFOTES EntrEvista - Janaína Barcelos SOBRE A RETINOSE PIGMENTAR

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Cinco anos depois da primeira entrevista à Ponto e Vírgula, a jornalista e modelo Janaína Barcelos conta sobre sua luta contra a doença e a retomada do Instituto Holofotes Diagramador(a): Deborah Lopes 04/12/19 08:21


- Entrevista

Por Déborah Lopes

Janaína Barcelos

Por Letícia Gontijo

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iagnosticada com retinose pigmentar, doença degenerativa da retina que pode causar cegueira irreversível, a ex-miss Minas Gerais, segunda colocada no Miss Brasil 2014 e jornalista formada pela Fumec, Janaina Barcelos, 31, trava uma luta diária contra a doença. Mas essa batalha não tem como front somente os hospitais e diagnósticos médicos e sim a conscientização de pessoas que, como ela, têm essa doença ou qualquer outra que gere baixa visão. Em entrevista a Ponto e Vírgula, em 2014, Janaína Barcelos contou como foi saber que tinha a doença aos 23 anos, como enfrentou o diagnóstico e suas expectativas e projetos. Relembrou como foi participar do concurso de miss com sua visão

Diagramador(a): Deborah Lopes

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reduzida e os truques que usou para ter bom desempenho, mesmo desfilando quase no escuro. Hoje, aos 31 anos, mãe de João Matheus, ainda

“Eu digo que elas não podem desistir da vida por ter baixa visão” Janaína Barcelos desempenha a maioria das funções, embora, à noite, tenha diminuído ainda mais sua acuidade visual. “Não consigo sair com o João, à

noite, sem a ajuda de uma outra pessoa”, conta. Em 2017, Janaína publicou o livro História de uma Missionária, que conta sobre sua missão no mundo da moda. Janaina, que se distanciou das passarelas para se dedicar à vida conjugal e ao filho, vive hoje mais um desafio: retomar com toda energia seu projeto do Instituto Holofotes para ampliar os conhecimentos sobre a doença e ajudar as pessoas que também enfrentam o mesmo problema. “Eu vivo hoje para isso. A gente atende gente do Brasil inteiro, também têm pessoas da Espanha, Amsterdã, Portugal e Estados Unidos”, afirma. É por meio das redes sociais e, principalmente, pelo Youtube, com o programa Instituto Holofotes, que

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Entrevista - Janaína Barcelos

bem e cuidar do emocional e do

Por Déborah Lopes

ela conversa com os portadores de baixa visão sobre tratamentos alternativos que podem retardar a progressão das doenças. Dentre estes tratamentos, estão cuidados com a alimentação, acupuntura, ozônioterapia e selfhealing. Mas a luta maior é pela conscientização das pessoas a procurar um diagnóstico precoce, ou seja, caso perceberem qualquer problema na visão, procurarem ajuda médica. Este diagnóstico precoce também pode retardar as doenças de baixa visão e até paralisá-las. No caso de Janaina, a perspectiva é que a retinose pigmentar a leve à cegueira entre 55 e 60 anos, mas a ex-miss não perde a esperança e se mostra determinada como sempre. “Eu procuro viver o que eu prego para as pessoas. Eu digo que elas não podem desistir da vida por ter baixa visão”, ressalta. Para a idealizadora da Instituto Holofotes, viver

A repórter Letícia Gontijo fotografa Janaína Barcelos no mirante do Parque Professor Amílcar Vianna Martins, ao lado da universidade Fumec Por Déborah Lopes

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Diagramador(a): Deborah Lopes

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Janaína Barcelos

- Entrevista Por Déborah Lopes

espiritual também ajuda a lidar melhor com a doença. Mesmo determinada a não se deixar abater, ela ainda enfrenta alguns desafios em locais como restaurantes, hotéis e aeroportos. A cartela de uma companhia aérea, utilizada por Janaína, ainda possui, segundo ela, informações escritas e não em braile. “Eu ainda enxergo e consegui ler, mas, e quem tem baixa visão ou quase zero?”, questiona. Ao morar no Canadá, Janaína conta que o país possuía muito mais acessibilidade que o Brasil. Além do Instituto Holofotes, a ex-aluna da Fumec já deu palestras na Albânia, Alemanha, no México, no Canadá e em vários locais no Brasil. Ser porta-voz para pessoas com baixa visão é uma grande responsabilidade, mas Barcelos se sente muito grata por essa missão. “Dentro do instituto cada um tem só a acrescentar para o outro”, afirma. Milhares de pessoas descobriram ter retinose pigmentar e outras doenças através do Instituto Holofotes. Basta procurar nas redes sociais (Instagram, Facebook e Youtube) pelo nome Instituto Holofotes e ter acesso ao projeto, que acabou de fechar uma parceria com a Drogaria Araújo.

Site: RetinaBrasil

É um grupo de doenças hereditárias que causam a degeneração da retina, região do fundo do olho. Ela é responsável pela captura de imagens a partir do campo visual.

Site: RetinaBrasil

Visão sem retinose pigmentar

Retinose pigmentar

Alguns tratamentos

Visão com retinose pigmentar

Diagramador(a): Deborah Lopes

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A ozônioterapia para tratar a retinose pigmentar é feita colocando 120 ml de ozônio em seringas, e aplicando nos ouvidos da/o paciente com o auxílio de um estetoscópio. Por ser um tratamento completamente a base de oxigênio medicinal, não tem efeitos colaterais. Self healing é uma técnica que ajuda as pessoas a melhorarem a saúde dos seus olhos e do seu corpo por meio de exercícios, massagens, força da mente e visualizações .

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Reportagem - Dupla maternidade

E AGORA MAMÃES? Theo e Arthur estão na escola e suas mães Priscilla Concer e Renata Batista refletem sobre a homofobia Por Clara Del Amore

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m entrevista realizada pela Revista Ponto e Vírgula em setembro de 2015, o casal Priscilla Concer e Renata Batista, de 37 anos, que obteve na Justiça a dupla maternidade na certidão de nascimento dos filhos gêmeos, Theo e Arthur, afirmou que o maior medo que elas tinham era de que os seus filhos sofressem preconceito no ambiente escolar.

A concessão da dupla maternidade pelo Supremo Tribunal Federal, à época, que julgou procedente a certidão de nascimento ter o nome de ambas figurando como mães dos gêmeos, foi fundamentada na jurisprudência. A vitória judicial foi uma conquista, mas não o fim das batalhas por virem. Após quatro anos, o medo ainda persiste. “Ainda falta um longo caminho pela frente, é só o

início da vida escolar deles”, comenta a agente penitenciária Renata, que afirma que os meninos não sofreram nenhum preconceito até hoje. A escola onde Theo e Arthur estudam foi indicada por um amigo de trabalho. “Chegamos lá e conversamos com a diretora, explicamos quem nós somos e que tipo de família nós temos. Também perguntamos se eles estavam preparados para Fotos: arquivo pessoal

Theo (esquerda), que perguntou por que sua mãe Renata se casou com uma mulher, e seu irmão Athur (direita)

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Dupla maternidade conversa, a profissional mandou um vídeo para ela, mostrando que Theo havia ido para a aula de ballet, com a condição de que Arthur também pudesse participar. Um coleguinha dos gêmeos, que havia pedido para participar da atividade e também tinha sido recusado, está participando juntamente com eles. Mesmo assim, o casal exalta o esforço da diretora em resolver estas questões e elogia o fato de que elas conseguem conversar livremente sobre isso com a responsável pelo ambiente escolar. Em relação a espaços públicos, Priscilla e Renata comentam que também não sofreram nenhum tipo de discriminação nesses ambientes. Renata recorda uma situação na qual elas tentaram fazer uma inscrição em uma Unidade Municipal de Educação Infantil (UMEI). A secretária do local perguntou qual das duas mulheres era mãe e, após Renata responder que eram as duas, indagou quem era a mãe que registrou Theo e Arthur, obtendo a

Fotos: arquivo pessoal

aceitar a gente”, conta o casal, que foi recebido com muito carinho pela profissional. No entanto, Renata observa que há uma falta de habilidade dos profissionais da escola ao trabalhar com novas formas de família. De acordo com Renata, a escola organizou uma comemoração do Dia das Mães, da qual a família participou. Theo segurava um presente, enquanto Arthur segurava outro. “Se eles têm duas mães, o Theo tinha que estar com dois presentes e o Arthur com outros dois. Eles ficaram meio sem jeito de escolher uma mãe para entregar e, para facilitar, cada uma pegou um. Não foi muito legal, porque se fosse apenas um filho, uma mãe ia ficar sem presente”, conta Renata. A comerciante Priscilla destaca também uma ocasião na qual Theo manifestou o seu desejo de dançar ballet, já que os meninos não têm outras atividades na escola. Ao comentar com a diretora sobre o seu interesse, ela recusou a presença do menino nas aulas, por considerar a atividade restrita às alunas. Ao chegar em casa, o menino comentou sobre a conversa com as mães. “Fomos questionar isso com a diretora, querendo saber o motivo de ballet ser só para as meninas. Isso não existe, tentamos desconstruir essa ideia em casa e, aí, a escola reforça essa concepção?”, Priscilla indaga. Após um tempo depois da

Priscilla com Arthur no colo e Renata segurando Theo em um restaurante

Diagramador(a): Déborah Lopes

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- Reportagem

mesma resposta anterior. Ao notar a confusão da trabalhadora, Renata entregou as identidades das crianças. “Falei que eles têm duas mães, duas mães que registraram, duas mães em todos os sentidos. Eles (os trabalhadores) ainda não conseguem entender m u i t o bem, mas é um processo e eu entendo que esses ambientes públicos estão fazendo algum esforço porque, até hoje, não sofreremos preconceito em lugar nenhum e vemos isso como uma forma de avanço”. O apoio de familiares e amigos continua sendo constante na vida do casal e dos gêmeos. “Temos amparo tanto do lado da Priscilla, quanto do meu. A gente nem percebe diferença por sermos duas mães. Nesse caminho, a gente também fez novas amizades fora do contexto LGBT”, diz Renata, que afirma que essa experiência é muito positiva, já que os amigos héteros sabem quem elas são, qual é o tipo de família delas, respeitando-as. Apesar da pouca idade, Theo já entende sobre a sua estrutura familiar e questiona o motivo de Renata ter casado com uma mulher e não com um homem, o que o casal considera muito precoce para uma criança que ainda não havia completado quatro anos. “O Arthur está em uma fase muito imatura ainda e está muito desconectado em relação a isso, não se preocupa e ainda não teve nenhum problema com este assunto”, as mulheres afirmam. Theo também perguntou para

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Reportagem - Dupla maternidade fertilização.

Criminalização da homofobia No dia 13 de junho de 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou a decisão de criminalizar a homofobia como forma de racismo. Sendo assim, o Brasil se tornou o 43º país a considerar estes atos discriminatórios como crimes, de acordo com a Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais (Ilga). Para Renata, a criminalização da homofobia e transfobia possibilita que o comportamento de ódio e condenação vistos durante as eleições de outubro do ano passado diminua. Segundo ela, “no Brasil, parece que as coisas só funcionam se a lei tiver que ser aplicada. As pessoas não respeitam as minorias naturalmente, então, que assim seja: uma lei que proíba as pessoas de falarem e agirem da maneira que quiserem em relação a nós”. A agente penitenciária se sente esperançosa com o resultado obtivo pelos votos do STF e espera que seja uma norma que funcione a longo prazo, que proteja Theo e Arthur quando forem mais velhos. Por outro lado, Priscilla não en-

xerga uma perspectiva de melhora com a criminalização da homofobia e transfobia. Ela conta sobre o preconceito vivido pelo casal, há pouco tempo, por meio de um grupo no WhatsApp. As duas tinham uma casa em construção em um bairro próximo ao apartamento onde vivem e participavam de um grupo na rede social, formado pelos moradores desse bairro, no qual eram postadas muitas piadinhas a respeito de gays e lésbicas. Renata, ao se deparar com essas ofensas, questionou sobre elas, e iniciou uma discussão com, pelo menos, seis pessoas. Segundo Priscilla, Renata gostaria de processar essas pessoas, mas o casal decidiu não morar mais na casa, apesar de terem planejado a moradia. “Era a casa dos nossos sonhos, queríamos mudar para lá. Mas decidimos parar com a construção porque tememos que algo aconteça com a gente no local. Perdemos o amor por ela depois desse ato”, declara. Priscilla também conta que, após esse acontecimento, elas decidiram ir embora do Brasil para criar os filhos longe do preconceito. “A gente quer criar homens de verdade, pessoas do bem, e não esses babacas que andam por aí”, finaliza Foto: arquivo pessoal

Renata se ela não tinha um marido e, ao receber uma resposta negativa da mãe, ele quis saber o motivo. “Tive que explicar da minha sexualidade para o meu filho de três anos, explicar que algumas pessoas amam pessoas do mesmo sexo e eu sou uma delas, que eu escolhi a mãe deles para ser a minha esposa e que a gente tem uma família. Ele disse que queria ter um pai comigo e eu fiquei bem abalada, eu confesso, porque não estava preparada para lidar com isso agora”, ela conta. O casal reconhece que estava se preparando para ouvir esses questionamentos quando o garoto fosse mais velho, mas acolheram os sentimentos dele. “Ele quer muito ter um pai. Disse que ele não precisava se preocupar com isso porque ele não tem um pai, mas tem duas mães que amam ele demais e que desejaram muito ter ele”, diz Renata. Renata e Priscilla buscam explicar para os filhos que eles não têm pai, de acordo com o conhecimento deles, e sim duas mães; mostrando na Internet famílias de todos os tipos de constituição. Elas fazem parte de um grupo que reúne famílias homoafetivas em Belo Horizonte e, com isso, o casal espera facilitar o entendimento dos gêmeos por meio da convivência com os participantes, já que elas consideram a representatividade LGBT reduzida na sociedade. “Eles só veem ao redor deles casais héteros, então acaba que o que está mais próximo é aquela família tradicional e eles acabam buscando este encaixe na família deles também”, comentam. Mesmo que o plano inicial do casal fosse ter dois filhos, Renata declara que gostaria de ter outros. Entretanto, toda a família decidiu que seria inviável aumentá-la devido à rotina pesada das mães e os gastos, tempo e investimentos; preferindo descongelar recentemente os embriões que estavam na clínica de

Theo e Arthur brincam com skate na esplanada do mineirão

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Livros-reportagem

- EntrEvista

ROMPIMENTOS DE BARRAGENS VIRAM LIVROS-REPORTAGEM

Jornalistas aprofundam apurações sobre as duas tragédias que assolaram Minas nos últimos anos Por Guilherme Marrara e Ana Staut Mais de três anos após o rompimento da barragem da Samarco, em Mariana, ocorrida em 5 de novembro de 2015, que deixou 19 mortos, mais uma tragédia socioambiental abalou a população mineira. Em 25 de janeiro de 2019, o rompimento da barragem do Córrego do Feijão,

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em Brumadinho, registrou 256 mortes e 14 pessoas ainda estavam desaparecidas até o fechamento desta edição. Em ambos os casos, a lama prejudicou a vida animal e vegetal, além de poluir os rios em Minas e Estados vizinhos. A Ponto e Vírgula conversou com a jornalista Cristi-

na Serra, autora do livro Tragédia em Mariana: A história do maior desastre ambiental do Brasil; e com Murilo Rocha, um dos autores do livro Brumadinho: a Engenharia de um Crime. Os autores contam como foi o processo de produção dos respectivos livros-reportagem.

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Entrevista - Livros-reportagem “Por que um livro? Porque eram tantas coisas para abordar, investigar, que dificilmente caberia numa cobertura jornalística cotidiana. Foi aí que nasceu a ideia de escrever um livro.” Cristina Serra

O que te motivou a escrever um livro-reportagem sobre Mariana? Cristina Serra: Bom, na época eu era repórter do Fantástico e fui escalada para cobrir o desastre. Então, fui várias vezes a Mariana, na região da barragem, e consegui entrar. Fui integrante da primeira equipe de jornalismo que conseguiu entrar na barragem, após a destruição, obviamente, no que sobrou dela. Cerca de 15 dias depois do desastre, nós conseguimos autorização para entrar na área do complexo industrial da Samarco e mostrar o que sobrou da barragem. Também fiz a primeira entrevista individual, exclusiva com o diretor -presidente da Samarco, à época, o Ricardo Vescovi. Até então, ele não tinha dado entrevistas coletivas e se explicado muito bem, não tinha pedido desculpas à população. Nessa entrevista, foi a primeira vez que ele pediu desculpas aos atingidos, funcionários da empresa, enfim, às populações de Minas e Espíri-

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to Santo. Então, fui várias vezes à região,mostrei o impacto ambiental, fiz um total de seis matérias entre o início de novembro de 2015 e o final de janeiro de 2016. Mostrei o drama das famílias, passei o final de ano com os atingidos. Meu almoço de Natal foi com uma família de Bento Rodrigues. Isso foi uma coisa que teve um impacto muito grande sobre mim. Pude me aproximar dessas pessoas, ver como elas estavam tentando superar todas as perdas e me fez pensar em escrever um livro. Outro elemento motivador foi o começo das investigações, que já apontavam que não tinha sido um desastre, uma coisa acidental.Existiam responsabilidades a serem apuradas, havia, no mínimo, erros na condução da operação da barragem pela empresa. Tudo isso me intrigou e estimulou a pensar que o assunto merecia um livro. Por que um livro? Porque eram tantas coisas para abordar, investigar, que dificilmente caberia numa cobertura jornalística cotidiana. Foi aí que nasceu a ideia de escrever um livro.

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Quanto tempo levou para concluir o livro? Cristina Serra: Eu comecei a fazer o livro quando ainda era repórter de televisão. É muito difícil conciliar as duas coisas, trabalhar como repórter de TV, na época, no Fantástico, e escrever um livro que me levava frequentemente para Mariana e Belo Horizonte. Eu estava enlouquecendo. Obviamente, não conseguiria fazer as duas coisas por muito tempo. Tentei,na verdade, fazer as duas coisas, mas vi que não daria e parei. Pedi uma licença para Globo e fiquei seis meses fora da tevê. Aí fiz várias viagens a Mariana e BH para entrevistar as pessoas. Tive que voltar para a tevê no primeiro semestre de 2017. Novamente parei a apuração do livro. Tirei uma nova licença no segundo semestre de 2017 e corri com a apuração novamente. Trabalhei intensamente nesses dois semestres e, em 2018, teria que voltar para tevê novamente. Só que não tinha terminado o livro. Faltava pouca coisa, mas eram apurações importantes que eu precisava fazer e, de-

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Livros-reportagem pois, sentar e escrever o livro para entregar à editora. Já tinha escrito uma parte, mas precisava sentar e dar aquela forma final ao livro. Foi quando terminou meu contrato com a Globo e decidi não renovar porque abracei o livro e o livro me abraçou. Queria terminá-lo com calma, capricho, precisava me dedicar. Não queria fazer um livro nas coxas, correndo para entregar no prazo. Fiz a opção pelo livro. Olhei para trás e fiquei feliz com a história que tinha construído na tevê. Achei que tinha feito muita coisa importante e que valia a pena começar uma nova história, um novo caminho com o livro. Não foi uma decisão fácil porque já tinha 26 anos tevê, mas não me arrependo da decisão. Tive até o final de abril de 2018 para finalizar o livro. Ainda fiz algumas viagens e finalmente, no dia 28, entreguei o livro à editora e foi publicado no final de 2018. Eu diria que fiquei dois anos para fazer o livro. Foi o período total, digamos assim, da preparação até o lançamento.

Como foi o processo de pesquisa e apuração para o livro? Cristina Serra : Conduzi essa

reportagem tendo dois eixos principais: um mais humanístico e outro investigativo. O aspecto humanista foi um grande motivador: contar as histórias das 19 vítimas dessa tragédia. Então, procurei as famílias das 19 pessoas e nem todas quiseram falar. Consegui falar com 12 famílias e considero uma boa amostra. Não consegui falar com as outras famílias por diversos motivos. Uma das viúvas me disse que não conseguia falar ainda sobre o assunto. Tenho que respeitar o silêncio das pessoas. Isso mostra os limites do jornalismo. Chega uma hora em que você não pode mais forçar uma entrevista com alguém que ainda está processando a dor das perdas.

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Digo isso na introdução do livro: me curvei a esse silêncio e não falei com todas as pessoas, com todas as famílias dos que morreram. Mas procurei também pessoas que foram atingidas de outras formas, que perderam seus bens materiais, perderam amigos, parentes, que sobreviveram, e integrantes da comunidade de Bento Rodrigues, que possuía cerca de 600 pessoas, e quase todo mundo se conhecia. Procurei atingidos também ao longo do Rio Doce, pessoas que perderam seus modos de vida, seu sustento, populações ribeirinhas, indígenas. Então, eu queria mostrar como o desastre atingiu as pessoas. Essa é a vertente principal do livro. Ela que conduz essa grande reportagem de mais de 400 páginas. A outra vertente importante do livro foi a investigação. Era preciso contar o que aconteceu, o que levou ao colapso dessa barragem. A barragem não caiu por acaso. Ela caiu porque houve uma série de erros na administração daquela gigantesca estrutura. Erros que o Ministério Público Federal, que investigou o caso, considera crime. O livro investiga tudo isso e traz um extenso material.

Como você se sentiu ao se envolver com as histórias das vítimas? Cristina Serra: Não tem como não se envolver com essas histórias, sabe? Foi um contato que me levou a situações de muita emoção. Não é fácil fazer entrevista com pessoas que ainda estão lidando com perdas de tamanha magnitude. Foi muito emocionante não só com as famílias dos que morreram, mas com as pessoas que sobreviveram. Têm histórias de sobrevivência extraordinárias, por exemplo, a do Romeu. Romeu Arlindo dos Anjos é o personagem que abre o

- Entrevista

livro. Ele é funcionário da Samarco ainda hoje e estava no alto da barragem quando ela se rompeu. Ele foi tragado por aquele turbilhão de lama e a história de sobrevivência dele é simplesmente milagrosa. Não tem explicação ele ter sobrevivido. As condições em que ele foi levado por aquele turbilhão e ter sobrevivido, realmente, é extraordinário. É uma das melhores histórias do livro. Então, foi uma entrevista que me emocionou bastante. Para você ter ideia, eu chorei ouvindo o relato dele, chorei na frente dele, fazendo a entrevista. Era para ele estar emocionado e não eu. A gente se emociona também, mas, em geral, o jornalista controla ou consegue controlar sua emoção. Com ele realmente foi uma entrevista muito, muito emocionante. Eu fiquei amiga de muitas dessas famílias. É claro que a gente, como jornalista, costuma se distanciar dos seus personagens para poder escrever com isenção sobre eles, mas nesse caso de Mariana, no processo de construção do livro, eu realmente acabei me envolvendo pessoalmente porque são histórias muito fortes, muito comoventes. Acabei ficando amiga de muitas dessas famílias. Tenho contato com elas até hoje e nos acompanhamos nas redes sociais. Enfim, me tornei amiga delas. Assim que eu lancei o livro no Rio de Janeiro, o segundo lançamento foi na cidade de Mariana porque eu me sentia no dever de devolver para aquelas pessoas as histórias que elas me contaram. Eu costumo dizer que não escrevi esse livro sozinha. Escrevi com o auxílio de dezenas de mãos, principalmente dessas pessoas, dessas famílias que perderam seus entes queridos ou que sobreviveram. Foram elas que escreveram esse livro na verdade. Essa história foi escrita por todas essas pessoas que foram atingidas por essa tragédia.

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Entrevista - Livros-reportagem blog letramento

Lucas Ragazzi e Murilo Rocha, autores do livro Brumadinho: a Egenharia de um Crime

Como o livro surgiu? Murilo Rocha: Eu sou diretor-executivo do jornal O Tempo e do Super, então começamos uma cobertura intensa a partir do dia da tragédia. E durante 1 mês, 40 dias, demos capa de jornal para o assunto. Como editor dos jornais, eu estava acompanhando de perto essa cobertura, mas ainda não tinha pensado na ideia de um livro-reportagem. O Lucas Ragazzi, coautor do livro, estava em Brasília como correspondente político do jornal O Tempo. Em abril, tomamos um café em Belo Horizonte com um dos delegados, Rodrigo Teixeira, que era superintendente da Polícia Federal quando aconteceu o rompimento e coordenou a força-tarefa da PF. Conversando sobre assuntos gerais, o delegado acabou dizendo que estavam com um inquérito sobre o rompimento da barragem bem adiantado, com conclusões interessantes sobre o que aconteceu, uma história meio policial por trás, além da tragédia das vítimas. Ele ainda brincou dizendo: “parece até uma série do Netflix”. Eu

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fui escutando e aquilo me interessou profundamente. Já havia conversado um pouco com o Lucas por telefone, ele também tinha se interessado, e, naquele momento, conversando com o delegado, eu comecei a desenhar e formar a ideia de um livro-reportagem. Comecei a organizar capítulos em minha cabeça, e quando acabou nossa conversa, liguei para o Lucas e perguntei: “você acha que dá um livro-reportagem?”, ele concordou. Decidimos fazer juntos. A partir daquele dia, eu já elaborei um roteiro dos capítulos, um resumo de cada um, na época imaginei 8 capítulos.

Qual foi o processo investigativo utilizado para compor o livro-reportagem? Murilo Rocha: A partir de abril,

iniciamos um trabalho com o Rodrigo Teixeira, para convencer os outros delegados que estavam investigando diretamente a nos conceder entrevistas, ter acesso aos documentos, aprofundar nas informações. Conseguimos outras fontes e os 4 delegados,

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que compõem a força-tarefa da Polícia Federal na investigação do rompimento. Eu e Lucas começamos a trabalhar nas entrevistas, decidimos realizá-las separadamente, cada um reunindo informações e colhendo o que o outro não enxergou e, depois, entrevistaríamos juntos, obtendo o máximo de informações possível. Enquanto trabalhávamos no livro, o Lucas saiu do jornal O Tempo e foi contratado pela Globo Minas, aqui em Belo Horizonte, para o núcleo de jornalismo investigativo, o que facilitou a realização das entrevistas. Sentimos a necessidade de não ficarmos somente no inquérito da Polícia Federal, ou acabaríamos com um relatório. Fomos ao Ministério Público Estadual, na Polícia Civil, encontramos com professores de geotecnia, empresas que trabalham com barragens, com o Corpo de Bombeiros e com as famílias das vítimas. Esse foi processo inicial de investigação, de definição das entrevistas. Logicamente, o que mais focamos se baseou no que a Polícia Federal estava coletando, esse foi nosso eixo, nosso

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Livros-reportagem

- Entrevista

várias informações fragmentadas e soltas. Tivemos acesso a alguns depoimentos prestados também a Polícia, e fomos construindo essa colcha de retalhos.

E como ficaram os desdobramentos das investigações?

fio condutor. Lemos muito sobre o inquérito, corremos atrás do que ele informava.

E por que vocês optaram pelo livro-reportagem? Murilo Rocha:

Jornalisticamente, vimos que era um assunto muito grande e necessário de ser explorado. Uma tragédia de 270 mortes, muito triste, mas muito relevante para o público, o povo. Sentimos uma obrigação, como jornalistas, de contar essa história da melhor forma, o que nos motivou a trazer esse relato de forma aprofundada. Há alguns elementos novos que trazemos das investigações, mas a maior parte do trabalho é a organização das informações. Um jornal explora algo, outro aborda algo diferente, a rádio, a internet... o público acaba absorvendo fragmentos. A imprensa que cobre todo dia compreende a história em detalhes, mas o público normalmente assina um veículo, ouve uma rádio, acaba pegando poucas informações. Penso que o livro-reportagem também tem essa função de organizar a história, de criar para o leitor uma narrativa. Claro que é uma narrativa nossa, jornalística investigativa, não é fic-

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cional, mas que organizamos a partir da investigação da Polícia Federal, os bastidores das operações e os bastidores da Vale, através dos documentos a que tivemos acesso.

Como foi o contato com os representantes da Vale? Murilo Rocha: Tivemos depoimentos, mas não realizamos entrevistas com os funcionários da Vale, da Tüv Süd e das auditoras. Eles estavam blindados por advogados, não queriam falar. Mesmo engenheiros de outras empresas que prestavam serviço pediram para não falar. A solução que encontramos para obter o que a Vale e a Tüv Süd tinham a dizer foi recorrer às Comissões Parlamentares de Inquérito, as CPIs. Houve uma CPI do Senado, uma da Câmara dos Deputados e da Assembleia. Contemplamos bastante as CPIs do Senado e da Assembleia, que já tinham sido encerradas, e, portanto, foram utilizadas de forma maior. As CPIs convocam essas pessoas, e mesmo tendo alguns casos de Habeas Corpus, tivemos depoimentos, principalmente na CPI do Senado. Nós assistimos cerca de 100 horas de depoimentos para construir um quebra cabeça de

Murilo Rocha: O caso ainda está acontecendo. Os inquéritos ainda precisam ser concluídos. Foi necessário realizar um recorte, não é possível abordar tudo em um livro. Ainda falta muita coisa para acontecer. Escolhemos falar sobre as causas, os conjuntos de fatores que concorreram para o rompimento da barragem. O capítulo 7, que considero central para o livro, explica o que ocorreu entre novembro de 2017 a janeiro de 2019, que teria sido os fatores, a hipótese, o que a polícia investigou e concluiu que teriam levado ao rompimento. É o eixo do livro. Mas há várias outras histórias, como a dos resgates, dos bombeiros, dos personagens. Fizemos um capítulo dedicado à legislação ambiental e outros desastres de mineração ocorridos no país. Conseguimos adotar um ritmo, uma dinâmica. Escolhemos o título, a foto da capa, as fotos que entraram no livro, as infografias e os documentos

“Sentimos uma obrigação, como jornalistas, de contar essa história da melhor forma, o que nos motivou a trazer esse relato de forma aprofundada” Murilo Rocha

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Perfil - Esmeralda Campelo Vilela

Foto: Arquivo Pessoal

DIAS DE ESQUECIMENTO

UM FRAGMENTO DE ESMERALDA 26

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Esmeralda Campelo Vilela Por Ana Staut – 5º período A senhora se senta na poltrona cheia de almofadas e arruma os cabelos branquinhos, como neve. Ela afunda no assento, um ninho ao redor de seu corpo, abraçando a forma frágil da mulher. Seus dedos ossudos e a pele manchada mostram a falta de misericórdia do tempo. Quanto tempo se foi e quanto tempo há. A tarde está quente, o ar seco. Ligo o ventilador, posiciono o copo d’água na mesa de centro e espero. “Meu pai se chamava Zacarias Campelo”, ela diz. “O primeiro missionário batista entre os índios no norte do Brasil.” De voz embargada e nariz empinado, ela, Esmeralda Campelo

“Eu queria doze filhos. Sempre quis uma família grande.” Meraldinha Vilela, nascida em Carolina, Maranhão, no dia 1 de abril de 1928, tem os olhos no horizonte. São verdes, como o mineral berilo do qual seu nome se origina. “Minha mãe, Noêmia Falcão Campelo morreu pouco tempo depois que nasci. Meu pai ficou na aldeia e eu fui criada pela minha tia, Manu Campelo.” Uma pausa. Um gole de água. “A minha vida foi Deus que teve um cuidado especial. Do jeito que eu fui criada era pra ser uma louca... desesperada... Quando tinha nove anos fui levada pra um colégio interno.” O Colégio Batista de Pernambuco. Foi lá que Esmeralda foi parar

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depois que a tia se cansou e o pai, no segundo casamento, não acolheu a filha de volta. Seu irmão mais velho, Saulo, também morou com parentes após a morte de Noêmia. Zacarias teve mais filhos. Ana, Lígia, Miriã, Elizafan, Elijá e Panuá. A família de seu pai permaneceu no meio dos índios e Esmeralda foi privada de crescer e conhecer seus irmãos. Não há ressentimento em seu relato, mas meu peito aperta e sinto a angústia de uma criança nos olhos de uma senhora. Sem mãe, sem pai. Ninguém. “O marido da tia Manu chamava Secúndio”, ela contou. “Ele era bom pra mim, meu tio. Manu me batia. Eu era magrinha, era falta de cuidado, sabe, não comia e apanhava todo dia. Mas eu era de natureza magra. Secúndio gostava de mim. E Manu não gostava disso, batia com galho da árvore, ficava só o talo, tirava a roupinha e batia no corpo pelado, tinha que colocar sal com água gelada. E ele ficava aborrecido e falava “Ô Manu, você vai matar a menina”, e ela ficava com mais raiva. Viro o rosto e finjo olhar minhas anotações. Não permito que as lágrimas escapem de meus olhos. Respiro. Engulo minhas emoções. “Severino era um outro, casado com minha tia Ida. Foi ele que me levou de cavalo pro colégio”, continua dizendo “Eu na garupa do cavalo... as perninhas fininhas, não tinha calça, e aquilo (a saia) voando...” De repente sua expressão muda. Esmeralda vai de nostálgica para preocupada em 10 segundos.“Por que deixou ele sozinho? Ele pode tropeçar e cair!” Esmeralda se refere a José Benedito, o Vilela, a quem pertence seu coração. Ela tenta se levantar. Alba, sua filha, pega sua mão e diz:“Mamãe, o papai já se foi”

- Perfil

Esmeralda não se lembra. Indignada, ela confronta e me olha assustada.“Mas eu não vi. Por que ninguém me contou?” Alba me diz para continuar. É a segunda de seis irmãos e com quem Esmeralda atualmente mora. “Quando conheceu seu marido, Meraldinha?”, pergunto. Uso seu apelido antigo, ela parece gostar. “Com 19 anos conheci o Vilela, em São Paulo. Eu estava terminando o curso de professores e ele era o diretor de disciplina na escola. Isso foi em 1947... eu sempre fui a chefe da bagunça... Vilela sempre conversava comigo, um dia, depois do culto da igreja, ele me pediu em namoro. FiFoto: Arquivo Pessoal

Dona Esmeralda, José Benedito e seus filhos

quei um pouco em dúvida pela posição dele no colégio, mas aceitei. Nos casamos em julho de 1948.” Trago mais água. Ela me pergunta por que estou anotando tanto, já que não disse nada importante, mas não espera uma resposta antes de voltar a suas memórias. “Moramos em Belo Horizonte, Monte Sião, Caruaru, Itajubá, Ouro Fino, Itajubá de novo e depois voltamos para BH. Tive meus filhos, Noemi Stela, Alba Lúcia, Dearson, Jarbas, Davi e Carlos. Tirando a primeira, todos nasceram em casa,

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de parto natural. Perdi meu último filho e os médicos fizeram a ligadura. Naquela época se fazia assim, o marido dava autorização e eles não perguntavam para a mulher.” Sei que ela não concordava. Não interrompo.“Eu queria doze filhos. Sempre quis uma família grande.” Hoje, Esmeralda já é bisavó, mas se lembra de querer mais filhos. Lembra-se de terem tirado essa chance de sua vida. Mais uma pausa. Seus olhos ficam vidrados. “Cadê o Vilela?” É um ciclo. Esmeralda tem Alzheimer. Ela não se lembra que o marido, com quem compartilhou 71 anos de casamento, faleceu há mais de dez meses. Não se lembra de ter falado no velório. Não se lembra que mudou de casa e pergunta onde está. Ela olha em volta e a confusão em seus olhos me encontra. Quero tirar sua dor. Quero lhe devolver as memórias que foram roubadas. Alba não se incomoda com a repetição e continua trabalhando em sua peça de crochê, recapitular memórias fugidas faz parte de sua rotina. Ela acorda cedo e cuida da mãe, responde suas inúmeras perguntas, que são sempre as mesmas. Antes de morar com Alba, Esmeralda e Vilela ficavam na casa da primogênita, com Noemi e seu marido. “Esmeralda, o que você ama fazer?” Capturo sua atenção. Ela batuca os dedos no sofá, mostrando seu espírito inquieto. “Desde pequena fiz teatro, poesia. Ganhei um concurso de poesia quando ainda morava em Recife, conheci até o Monteiro Lobato, ele me deu o prêmio... Eu tive um amigo que se chamava Ariano Suassuna, éramos muito amigos. Fizemos teatro juntos. Há alguns anos ele me ligou e disse: Você ainda tem as canelinhas fininhas?” Ela se inclina em uma risada e pergunta se Suassuna ainda está vivo. Esmeralda esqueceu que já la-

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Foto: Arquivo Pessoal

Perfil - Esmeralda Campelo Vilela

Dona Esmeralda e José Benedito, O Vilela, seu marido que já faleceu

mentou a morte do amigo uma vez e o faz novamente. “Na minha época boa eu sabia várias poesias de cor. Me lembro de uma, de um namorado antigo... Quando tinha uns 14 anos... Não me lembro do nome... Antônio, ele chamava Antônio.” Peço que ela recite. Esmeralda respira fundo e declama: Peregrino na estrada da vida, Bandeirante do amor, eu vaguei, Sempre em busca da pedra querida, Um tesouro que eu sempre sonhei. Foi um dia para mim venturoso, Que jamais poderei esquecer, O seu brilho me faz tão ditoso, Contempla-la para mim é prazer. Sua cor é sinal da esperança, Que nos traz o viver, a bonança, Quando passo nas ondas da dor. Minha amada, tu és para mim Esta joia de encanto sem fim, Pois guardei-a no cofre do amor. Esmeralda me diz que Antônio foi seu primeiro amor e depois se arrepende. Toma água. “Preciso ir até o Vilela. Ele vai acordar e não vai me encontrar.” Não sei o que dizer. É a terceira vez que Esmeralda se lembra de Vilela, mas não se lembra de onde está,

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ou quem sou, ou que está narrando sua vida de maneira impecável. Ela já esqueceu tudo o que disse. Diz que quer ir embora, que está ficando tarde.E então começa a cantar uma música, uma recordação. Na luz que existe em teu olhar Eu quero eterno sonhador Sabes por que tu tens ciúmes Se tu resumes a minha vida e todo meu amor Esmeralda sorri.“Como eu lembrei disso? Engraçado.” Seus olhos verdes se perdem na janela. Se ela se lembra de mais algo, não diz. Esmeralda se levanta, recolhe seu copo de água e vai até a cozinha. Sei que nossa conversa acabou. Sua rotina é sistemática. Depois do almoço, ela toma um cochilo, tem o café da tarde, as atividades artesanais, jantar e hora de dormir. O roteiro ajuda e Esmeralda parece se lembrar do que vem a seguir. Espero que ela sente na mesa da cozinha e exija que todos se sentem com ela. Esmeralda não começa o café da tarde até que todos na casa estejam presentes ao redor da mesa. Mas ela para, virando-se para mim novamente. Seus lábios se abrem, a expressão aflita. Aguardo o que ela tem a dizer. “Cadê o Vilela?”

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Consciência Negra

- Ensaio

Fotografia por: Eduarda Padrão Mattos e Victória Maria Medeiros de Carvalho

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Ensaio - Consciência Negra

Fotografia por Leonardo Ferreira Godinho e Stephanie Meneses Carvalho

Fotografia por: Isabela Bertulino do Nascimento e Pedro Mendes Chaves

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Diagramador(a): Letícia Gontijo

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Consciência Negra

- Ensaio

Fotografia por: Isabela Bertulino do Nascimento e Pedro Mendes Chaves

Fotografia por: Gabriel De Filippo, Mauro Neto e Kevliin Michael

Diagramador(a): Letícia Gontijo

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Ensaio - Consciência Negra

Fotografia por: Gabriel De Filippo, Mauro Neto e Kevliin Michael

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Diagramador(a): Letícia Gontijo

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Ciúme doentio

- Reportagem

INSEGURANÇA OU WW DOENÇA? Relações influenciadas pelo ciúme: a realidade que não te contaram Por Ivan Duarte e Diego Domingues

O

s versos da rainha da sofrência, Marília Mendonça, se encaixam perfeitamente na vida de muitos corações que batem lado a lado por aí: “É uma ciumeira atrás da outra, ter que dividir seu corpo e a sua boca, tá bom que eu aceitei por um instante, a verdade é que amante não quer ser amante.” Não passa das sete horas da manhã e chega no celular aquele que parece ser o maior gesto de carinho entre duas pessoas: “Bom dia, amor da minha vida! Dormiu bem?”. Esse é o começo de um dia com muitas mensagens recebidas em qualquer um desses aplicativos de conversas presentes no nosso cotidiano, que aparentemente diminuem a distância entre dois corações e aumenta a ansiedade entre dois pensamentos. Desde cedinho, ao despertar, até a hora de dormir aparecem vários recados como “está fazendo o quê, amor? ” Ou até mesmo “com quem e onde você está? ” E em um cenário repleto de medo de perder a amada, ou amado, para um concorrente, alguns apostam em dizer para aque-

Diagramador(a): Rebecca Soares

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la pessoa não começar um projeto novo no decorrer do dia, não ficar até mais tarde no trabalho, entre outras coisas que alimentam a falsa ilusão de que você estará mais seguro com o seu par se ele tiver menos contato com outros possíveis parceiros. Se você já se relacionou com alguém, há uma boa probabilidade de ter passado por situações como essa, nas quais o jogo de sedução é o disfarce para possuir e controlar as ações do outro. As relações são tomadas por insegurança, medo de perder e várias paranoias criadas no subconsciente. Isso tudo causado pela emoção que atormenta a vida dos casais: o ciúme. A pesquisadora Solange Maria Rosset afirma que o ciúme romântico possui pluralidade de entendimentos, manifesta-se de forma mais singular e com intensidades diferentes. “O ciúme desenvolve-se, muitas vezes, quando há a percepção de que o parceiro não está tão estreitamente conectado com o próprio indivíduo da maneira que este gostaria. Dessa

forma, podemos conceber que o ciúme surge quando um relacionamento valorizado é ameaçado devido à interferência de um rival. Pode envolver sentimentos como o medo, a desconfiança, a angústia, a ansiedade, a raiva, a rejeição, a

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Reportagem - Ciúme doentio

Foto: Arquivo pessoal

WW

Doutora Ãngela Mathylde, psicanalista e neurocientista

indignação, o constrangimento e a solidão, dentre outros, dependendo de cada pessoa”, relata em seu livro O Casal Nosso de Cada Dia, publicada no ano de 2004. Se para alguns pensadores existe o chamado ciúme romântico, pautado no medo de perder pelo fato de se sentir inferior e que algumas pessoas romantizam como se fosse um gesto de carinho, para outros autores não é bem assim que funciona. O ciúme é entendido como uma emoção que pode atingir formas doentias para aquele que está vivendo o ápice do turbilhão de sentimentos do amor, tanto no aspecto físico quanto psíquico, desencadeando uma das maiores brutalidades que acompanhamos neste sécu-

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lo: alto número de acontecimentos violentos entre casais, como declara Luisa Izidoro Porto, em sua dissertação de mestrado: “Um monstro dos olhos verdes: reflexões sobre o ciúme sob a perspectiva da psicanálise freudiana”. “O ciúme se faz presente nas crescentes ocorrências de acontecimentos violentos e constitui uma problemática atual e frequente no contexto clínico, tanto individual quanto em terapias de casal. Assim, são várias as teorias criadas para explicar as motivações do ciúme e nortear a atuação do terapeuta”, explica a mestra. A neurociência, área da biologia que estuda o sistema nervoso, busca explicar essas teorias sobre o ciúme. A doutora Ångela Mathyl-

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de, psicanalista e neurocientista com mais de 35 anos de experiência, afirma com todas as letras: “o ciúme é uma doença. Em muitos casos, relacionamentos patológicos são encarados como relacionamentos de extremo amor. Mas é uma doença. Esse tipo de patologia tem que ser acompanhada por medicação, terapia e muitas vezes por afastamento rápido, para não acontecer uma tragédia. Os sintomas são tudo aquilo que você não consegue elaborar e conter, e tudo aquilo que você não consegue conter é patologia”, esclarece. Patologia significa um desvio anatômico ou fisiológico em relação ao comportamento de uma pessoa normal e, por isso, é constituído como doença. Para entendermos melhor essa questão é preciso compreender como o nosso cérebro se comporta perante os sentimentos e as emoções e, para isso, vamos diferenciar esses dois fenômenos. Nesse sentido, podemos definir o sentimento como constante. Ou seja, alguém tem sentimento por uma pessoa, logo ela cativa isso constantemente e alcança

Diagramador(a): Rebecca Soares

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Ciúme doentio o amor. Já a emoção não é assim. É como o medo, o prazer e a insegurança, por exemplo, que chegam, mas são passageiros. Tratamos o ciúme como as emoções. Elas são configuradas como reflexos de uma ação e podem ser caracterizadas em três instâncias: básicas, secun-

“Em muitos casos, relacionamentos patológicos são encarados como relacionamentos de extremo amor. Mas não, é uma doença.” Dr. Angela Mathylde dárias e terciárias. Por exemplo, o amor é uma emoção básica. Já a paixão é uma emoção secundária desencadeada a partir do amor. Essa emoção secundária nos leva à terceira instância, a dependência. É aqui que está o grande risco, pois, quando a pessoa tem uma patologia, como o ciúme, que mexe com as emoções, ela tem reações que encorajam e podem ser benéficas ou problemáticas, alcançando casos como de violência e feminicídio. É neste momento que o sistema nervoso, uma das partes mais importantes do nosso cérebro, controlado pelos neurotransmissores, entra em ação. Eles atuam como uma espécie de mensageiros químicos e são responsáveis por equilibrar e estimular sinais nos neurônios humanos, enviando comandos de ações. Um dos neurotransmissores mais importantes com relação às sensações é a serotonina. Respon-

Diagramador(a): Rebecca Soares

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sável pelo equilíbrio, pela felicidade e a intensidade das emoções. Quando a pessoa está extremamente deprimida, por exemplo, a serotonina diminui,e abaixando, ela perde a autoestima e acaba se tornando vulnerável a qualquer emoção secundária ou terciária, o que é menos comum. É neste momento que acontecem as tragédias como suicídio e assassinato. Quem está com baixo nível de serotonina não consegue sentir amor por si próprio e não tem o prazer pela vida, que é a mensagem que esse neurotransmissor em questão tem como objetivo passar ao corpo humano. Seguindo adiante, nem só de serotonina vive o ser humano. São vários os neurotransmissores, como a ocitocina, por exemplo, conhecida como o hormônio do amor e da felicidade. Durante e após a gravidez ela tem uma função primordial, atuando como facilitadora durante o parto e também na amamentação. A ocitocina ainda pode ajudar o desenvolvimento do apego e também da empatia, características que estão em falta no século 21. Além disso, promove o aumento do prazer sexual entre casais. Há também um neurotransmissor chamado noradrenalina. Sabe quando você está flertando com alguém, marca um encontro com a pessoa e quando o horário se aproxima, às oito da noite, e você começa a suar, tremer, o coração acelera e os arrepios aparecem, significa que o amor está no ar, não é? Não, não está. É só o seu cérebro liberando noradrenalina, sinto em informar. A Dra. Ãngela explica que todos os neurotransmissores são importantes para o sistema nervoso e que não é possível afirmar que um é mais significativo que o outro, uma vez que todos são essenciais

- Reportagem

para o funcionamento do sistema nervoso. “Não tem um mais importante, sabe por quê? Cada um é responsável por uma área cerebral. Então, eu não posso dizer isso resolve tal coisa e isso resolve outra não. São todos os neurotransmissores trabalhando a favor do sistema nervoso central. O sistema nervoso central é o cume de tudo, esse é o principal. A medida das questões que eu preciso, ele libera. Ele vai liberando. Então, por exemplo, eu estou fazendo exercício físico e a noradrenalina me manda energia. Isso me dá prazer, ou seja, serotonina. A ocitocina fala eu vou voltar amanhã para poder fortificar”, concluiu. Ainda segundo a doutora, o cérebro humano é dividido em três momentos, cada um deles representa uma fase de comportamento do nosso juízo. “O primeiro momento, é o cérebro primitivo, primata, que significa a dependência. É a biologia pura. Eu preciso comer, eu choro para ter comida. Aí eu vou evoluindo um pouquinho, e entro no cérebro límbico, que é a pirraça, eu quero, eu faço força e aí eu vou brigando por isso. Mas depois, na adolescência, eu ganho um cérebro mais maduro e esse cérebro está ligado com o amadurecimento do córtex cerebral, e quando o córtex cerebral está maduro, ele me leva a fazer opções. Ou seja, eu sei refletir, que é a flexibilidade cognitiva, eu sei que eu quero, mas eu não posso. Então, agora eu começo a pensar, eu tenho dúvida, mas eu tenho que ver se é real. Esse é o cérebro maduro. E esse é regido pelo córtex cerebral mais aprimorado. Então, agora, eu saí de lá: do primata, do que eu quero e tem que ser agora. Eu saí de uma questão infantil, que eu faço pirraça para continuar naquele primeiro momento e, agora, eu sei das consequências das minhas

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Reportagem - Ciúme doentio escolhas, que é o córtex cerebral”, explicou. O sentimento é uma característica natural do ser humano, uma das mais belas, inclusive. Um cérebro apaixonado, quando equilibrado, não mede esforços para agradar, fazer o parceiro sorrir e colecionar momentos juntos. Sentir amor, paixão, desejo é essencial para nós, mas quem poderia imaginar as reações orgânicas que são desen-

‘‘Os sintomas são tudo aquilo que você não consegue elaborar e conter e tudo aquilo que você não consegue conter é patologia.’’

Mouro de Veneza” o quanto é perigoso e arriscado estar apaixonado. Nesta obra, Otelo é um general mouro que serve o reino de Veneza, um ser leal, muito corajoso e repleto de nobres atitudes. Ele se casa com Desdêmona, filha de um rico senador veneziano. Influenciado por Iago, vilão que queria ser promovido a tenente e não conseguiu, uma vez que jovem Cássio foi promovido ao cargo, Otelo é induzido a acreditar que sua esposa o

traía com o próprio Cássio que, por sinal, era muito belo e inteligente. Iago consegue arruinar o casamento e prejudicar o seu superior hierárquico. Bem articulado, lotado de inveja e muito audacioso, o vilão faz o general acreditar na traição. Depois das mentiras inventadas, tomado por ciúme, um dos sentimentos mais incontroláveis do ser humano, Otelo mata sua esposa e suicida em seguida

Dr. Angela Mathylde cadeadas em nosso corpo a partir desses sentimentos e emoções. Liberação de hormônios, alterações no estado psicológico e psíquico, no humor e no desejo. Contudo, como definiu o filósofo Paulo Freire, amar é um ato de coragem. Não há como prever a forma com que os relacionamentos vão terminar, nem quando tudo vai muito bem ou quando vai muito mal. Willian Shakespeare escreveu a história de romance mais conhecida mundialmente, que é Romeu e Julieta. E conseguiu demonstrar muito bem em sua peça “Otelo: O

William Shakespeare, autor de Romeu e Julieta

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Foto: Divulgação

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Mães solo

- Reportagem

MÃE, PROFISSÃO AMAR A luta de mulheres guerreiras que enfrentam desafios e preconceitos para criar seus filhos sozinhas por Letícia Tófani e Fernanda Alves len, que conta também como foi a reação dos filhos: “Leo era muito apegado ao Marcos. Derramou uma lágrima e não chorou mais. Lucca já externou seu sofrimento intensamente, chorava muito e dormia agarrado com a foto do pai. Amanda era muito pequena e não tinha tanta noção, mas via eu ou Lucca chorando e chorava também.” A mulher, que havia começado a se relacionar com o então esposo com 13 para 14 anos e planejado uma vida com ele, agora teria que encarar a dura realidade de

Arquivo Pessoal

Onze de agosto de dois mil e seis. Sábado. Véspera de dia dos pais. Por volta de uma hora da tarde, o telefone toca. Helen Abreu, aos 32 anos, perdia o marido Marcos Braga e se tornava viúva com três filhos para criar: Leonardo (9), Lucca (6) e Amanda (2). “Foi muito difícil falar com eles sobre o falecimento do pai. Estávamos esperando ele chegar para irmos a uma festa e também havíamos ido ao shopping um dia antes comprar o presente para comemorar seu dia. Estavam ansiosos para entregá-lo, relata He-

ser mãe viúva. “Casei em janeiro e fiquei grávida em outubro. Meu marido queria tudo rápido. Queria estar novo e aproveitar os meninos ao máximo. Falava que iria aposentar com 45 anos e daí seria só viajar. Aí Deus, eu entrei nos sonhos dele e vivemos intensamente”. Helen é uma das mais de 9 milhões de mulheres, no Brasil – segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – que criam seus filhos sozinhas, convivendo com o medo constante de não saber como criá-los e passar pelas dificuldades. “Senti necessidade de afastar dos nossos amigos, porque todo final de semana, todo churrasco era o mesmo assunto. Eu sofria, os meninos sofriam. Era muito ruim perceber os olhares de dó voltados para a gente. Eu tive que abrir mão de alguns sonhos para viver o que vivi e hoje eu estou realizando um deles.” A ajuda de Adail Abreu, avó das crianças, foi essencial em todos os sentidos. Ela ajudava a cuidar de Leonardo, Lucca e Amanda, para que Helen pudesse se distrair e descansar um pouco. Meire era a responsável por cuidar da casa e das crianças quando os outros responsáveis precisavam trabalhar.

Festa de aniversário de Leonardo, um dos filhos de Helen Abreu

Diagramador(a): Bernardo de Castro

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Reportagem - Mães solo PRECONCEITO “Quanto ao preconceito, sim sofri. ‘Quem vai querer assumir 3 filhos?’ Isso eu escutei muito dentro da minha própria casa. Meu pai conversou com meu primeiro relacionamento sério após a fatalidade e disse que, se quisesse só diversão, era melhor não se envolver. Mas, se quisesse algo sério, deveria respeitar os meus filhos”, conta Helen. O preconceito é algo que as mulheres sofrem desde o início da humanidade por motivos diversos, e criar um filho sem a presença de um homem – mesmo que isso aconteça por uma fatalidade – agrava ainda mais a situação. Existe uma preocupação social de um rapaz solteiro assumir uma mulher com filhos, pois sociedade acredita que ele obrigatoriamente vai assumir despesas que não são de sua responsabilidade, por

Arquivo Pessoal

A nova família de Helen Abreu

ele não ter oportunidade de criar sua própria família e ter de encarar um grande problema, como são vistas as mães solteiras. Familiares e amigos demonstram o preconceito escondido atrás de uma falsa preocupação com o futuro. E com a Helen não foi diferente. Quando falamos de homens que são pais solteiros e que representam apenas dois em cada

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dez casos de pessoas que criam os seus filhos sozinhos – segundo dados do IBGE – a história muda um pouco, já que são vistos como homens íntegros e “super pais”, principalmente quando comparados a casos em que a mulher cria o filho sozinho porque o pai os abandonou. Além de que, uma mulher, em teoria, não ajudaria nas despesas de seus filhos. “Ele faleceu no sábado dia 11. Uma data difícil por ser véspera do dia dos pais, todo ano tinha esse agravante ainda. Pesava ainda mais. Hoje nem tanto.” – relata Helen. Ao ser questionada sobre a relação na escola, Helen conta à nossa equipe que a primeira coisa que o Leo pediu foi para nunca falar na escola que ele havia perdido o pai. Desde então, não estudou, engordou muito, e ela acredita ter sido uma forma de retaliação com ele mesmo. Helen conta que o primeiro relacionamento após a perda do marido foi complicado, e ela precisou obrigar os filhos a aceitarem. “Eles, aceitando ou não, se eu tiver que namorar, vou namorar e pronto. Diante dessa imposição minha, errada ou não, eles foram aceitando. No segundo relacionamento, eu já tive mais cautela para introduzi-lo na família e, graças a Deus, foi mais tranquilo. ” Atualmente é mais tranquilo, e Bruno, atual namorado da Helen, é muito querido por Léo, Lucca e Amanda. Falamos novamente sobre os sonhos e Helen conta que está fazendo arquitetura e agora, aos 45 anos, é que está correndo atrás de suas realizações pessoais. Na época do ocorrido, foi convidada a trabalhar em um cruzeiro e teve que abrir mão porque os filhos eram muito pequenos. Mais tarde foi convidada, por uma amiga, para trabalhar na França, mas também não teve coragem de ir. “Pode não parecer, mas não tenho estrutura para ficar longe deles.”

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ABANDONO Veronica Nieman, 22, por sua vez, foi abandonada pelo namorado e pai de seu filho Bernardo (5). “Comecei um relacionamento aos 14 anos com o pai do Bernardo e aos 16 descobri a gravidez. Meu namorado era constantemente ausente nos momentos importantes e delicados da gravidez. Mesmo após o nascimento, a atitude perante a situação em si, a responsabilidade e até mesmo o afeto com ele não tiveram grandes mudanças”, relata Veronica. Após sofrer diversas traições, ela se separou e o rapaz nunca mais procurou seu filho, que é autista. “Tenho que planejar todos os meus dias para dar conta de tudo e não esquecer nada. E ainda assim, depois de um dia cansativo, ter um tempo para brincar, cuidar, ensinar um dever de casa”. E completa dizendo que sempre teve apoio em todos os quesitos. “Nunca me faltou estrutura emocional e financeira. Ninguém se importa em como você se sente com toda responsabilidade em cima de você, como mãe e como mulher também.” Segundo ela, as pessoas só ficam com dó e questionam o porquê de o pai não estar presente.

Nova geração de mães solo A constituição de uma mãe solo pode ser dada por diversos fatores. Dentre eles pode ser por meio do processo de escolha, no qual a mulher opta pela reprodução independente, excluindo a figura paterna da vivência da criança. O processo de fertilização, que ainda é caro, é feito em uma clínica e, ao optar por esse método, a mãe tem ciência de que ela ou qualquer outra pessoa, incluindo a criança, jamais poderão procurar pelo doador do sêmen. Um exemplo da escolha desse tipo de reprodução é o da atriz Karina Bacchi, que aos 40 anos resolveu ter um filho dessa

Diagramador(a): Bernardo de Castro

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maneira e tornou pública a sua história, inspirando diversas mulheres. Outra maneira é como no caso de Veronica. A mulher fica solteira pela forma como aconteceu a gravidez, por não ser planejada, decorrente de descuidos nas relações sexuais, em que não há o uso de preservativos. Nesse caso, muitas vezes o pai abandona o filho e a mãe. Ser mãe solteira é algo que sempre existiu. Entretanto, esse fenômeno vêm crescendo juntamente com o processo de modernização da sociedade. A mulher vem se tornando cada vez mais independente e cada vez menos submissa ao homem. Por isso, muitas mulheres têm optado por seguir o exemplo da atriz Karina Bacchi e ter filhos sozinhas, sem a presença de uma figura paterna

- RepoRtagem

Arquivo Pessoal

Mães solo

Veronica e seu filho Bernardo

5,5 milhões

No Brasil de crianças não possuem o nome do pai na certidão de nascimento.

Segundo o IBGE no Censo Demográfico de 2010 sobre Família de

famílias monoparentais Domicílio, as

são predominantemente constituídas pela figura materna.

Diagramador(a): Bernardo de Castro

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53,5% das mulheres que possuem filhos, não tem um cônjuge.

Segundo dados do IBGE de

86,5% das crianças com menos 2015,

de 4 anos tem como primeiro responsável a mãe.

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Reportagem - Invista em você

MONETIZE SEU CONHECIMENTO Mercado online cresce e possibilita a abertura de novos negócios, via internet, a partir de suas prórias habilidades Henrique Galvão, Mariana Zanon e Vitor Hugo

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operante do negócio fizeram com que a consultoria online se adaptasse bem às agendas atarefadas. Ela diminui muito o tempo gasto pelo cliente e consultor, baixando muito os custos e ficando mais viável para o pequeno negócio ter um investimento na área; bem como a comodidade para os dois lados. Afinal, a consultoria online permite que você tenha clientes de qualquer lugar do

mundo.” Com base na divulgação pelas redes socias, Luciana atinge mais de 3.500 pessoas diariamente, com 12 mil acessos semanais, tudo isso em seis meses de trabalho. Apesar de não conseguir se sustentar somente com o negócio, o objetivo é ampliá-lo para outros serviços e opções de vistos consulares. Quanto aos desafios iniciais, ela diz que foto: arquivo pessoal

Ter um hobbie, desenvolver habilidades ou dominar alguma atividade. Muitas pessoas compartilham esses dons extras e, por meio deles, resolvem problemas, ajudam amigos ou familiares e prestam serviços específicos. No entanto, nem todos ganham dinheiro com isso. Você sabia que pode monetizar suas habilidades e conhecimentos? Várias atividades da economia atual convivem com a informalidade. Em um momento de mudanças na estrutura do trabalho, desde as leis até o surgimento e desaparecimento de cargos, quem ganha força é a internet. O mercado online passou a ser um dos determinantes na economia mundial. Em diferentes níveis, a população se adapta à nova realidade, buscando formas de ofertar suas expertises. Luciana Silva encontrou um espaço nessa nova tendência. Ela tem ampliado sua renda graças a um trabalho pouco difundido, mas de grande valor para seu público-alvo: a consultoria para vistos de viagem aos Estados Unidos. Com experiência em viagens ao país, ela orienta candidatos em entrevistas, organiza documentação e indica os melhores caminhos para a aprovação de entrada e permanência – tudo de acordo com as leis imigratórias. Ela conta como percebeu uma lacuna e investiu no negócio. “A constante falta de tempo das pessoas e o modo

Luciana Silva, que dá consultoria online de vistos para viagens aos EUA

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Diagramador(a): Cristiano Bueno

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Invista em você definir o produto a ser vendido, elencar o público a ser atingido e formar carteira de clientes são os primeiros passos. “O melhor caminho seria buscar a maior quantidade possível de informações sobre o produto, clientes, publicidade e propaganda. Conhecer bem o mercado, elencar uma referência na área e seguir em frente.”

Plataforma online

foto: arquivo pessoal

As redes sociais são os principais meios de divulgação dos conhecimentos, mas existem espaços mais específicos para esse trabalho. A Hotmart por exemplo, é uma empresa de Belo Horizonte e tem se destacado internacionalmente. Com mais de 150 mil produtos cadastrados na rede, foram sete milhões de usuários registrados, entre produtores, afiliados e compradores. A Udemy, outra grande empresa deste mercado, tem 30 milhões de alunos, 100 mil cursos disponíveis, 42 mil instrutores e cursos em mais de 50 idiomas. Se Luciana está no início de sua caminhada, Sabrina de Oliveira já mudou totalmente sua vida profis-

sional. A professora, formada em Biologia, abandonou sua carreira de 10 anos no sistema de educação tradicional. Após diagnosticar a dificuldade dos alunos em se organizarem e estudarem de uma forma eficiente, ela resolveu encarar um novo desafio. “Pensando em novas formas de ajudar esses alunos, nunca havia cogitado ser empreendedora. Fiz um curso de especialização na UFMG por dois anos. Fui para Tampa, nos Estados Unidos, onde fiz um curso sobre aconselhamento de adolescentes e uma formação em coaching. Juntando tudo isso à experiência que eu já tinha trabalhando com pesquisas em neurociência e o meu dia a dia com os alunos, desenvolvi um método bem prático para ajudar os estudantes a terem mais resultados a partir de uma melhor organização, produtividade e estratégias de aprendizagem”, comentou. Sabrina ministra quatro cursos virtualmente, dois pela plataforma Leadlover e dois pela Hotmart. Os cursos têm temas específicos, mas todos giram em torno do desenvol-

A professora Sabrina de Oliveira, que ministra quatro cursos virtuais

Diagramador(a): Cristiano Bueno

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- Reportagem

vimento pessoal e da metodologia de estudo. “Dois cursos são na plataforma Leadlovers, mas quem os coordena são dois sócios que tenho no Rio de Janeiro. Então, neste caso, sou responsável pelo conteúdo, mas não pela gestão do curso online. Os outros dois são na plataforma da Hotmart, eu que faço a gestão.” Além disso, hoje ela trabalha com cinco escolas de referência e tem uma equipe de oito pessoas. No entanto, não é só de pontos positivos que o trabalho online vive. A professora também explica os desafios da profissão. “Sair do emprego formal e ir para o online para ser empreendedora representa uma mudança não só na forma, mas também no planejamento financeiro. Por exemplo, tenho um filho de dois meses e não tenho licença maternidade e uma série de outros benefícios. Mas é uma opção que fazemos.”

Disciplina O trabalho online exige mais disciplina, mas também dá mais liberdade. E é nisso que acreditamos, disciplina é liberdade. À medida que fomos crescendo online, uma coisa que nos ajudou muito foi a flexibilidade de local. Consigo atender pessoas de fora de BH, fazer o trabalho em casa, no escritório e, às vezes, até em lugares menos usuais. Mesmo assim, consigo entregar o serviço sem perder a qualidade, e isso é muito bom.” O exemplo da Sabrina é só mais um entre milhares de pessoas que estão sabendo monetizar seu conhecimento e crescer como empreendedoras. Não existe nada mais democrático que a educação a distância. Ela sempre existiu, desde as correspondências, passando pelos VHSs até os DVDs. Mas, a revolução que acontece hoje é algo nunca visto antes. Usufruí-la é aproveitar de uma liberdade jamais imaginada na história

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RepoRtagem - Agressão A Atendentes

HUMILHAÇÃO NAS REDES DE FAST FOOD Por Clara Del Amore e Júlia Mazzoni Andrew Herashc

Funcionários de lanchonetes sofrem com intolerância de clientes durante atendimento

A

falta de canudos no balcão de condimentos foi motivo de agressão contra uma funcionária do McDonald’s em São Petersburgo, na Flórida. Na cidade, o Legislativo votou pela proibição de canudos a partir de 2020 e restaurantes vão apenas distribuí-los aos clientes quando eles pedirem. Um vídeo filmado por outra cliente viralizou na internet, no qual Daniel Taylor começa a gritar com os funcionários do estabelecimento ao não ver canudos expostos no balcão. A atendente Yasmine James explica que, por causa da lei, os objetos não devem ficar mais disponíveis no es-

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paço. Em seguida, ao afirmar que a norma não existia, o homem a puxou pela gola de seu uniforme para agredi-la. James revidou às agressões e Taylor, ao ser separado dela por outros trabalhadores da rede, também agrediu a funcionária Tateona Bell antes de sair do restaurante. O acusado foi sentenciado a 60 dias de cadeia por duas acusações de agressão e a uma multa de 1.000 dólares, aproximadamente R$ 4.106,90 reais. Por mais que pareça ser algo exagerado da parte de Daniel, essas agressões são comuns em diversos ambientes de trabalho. Segundo uma pesquisa realizada

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pela rede de televisão britânica BBC, metade dos trabalhadores passou ou está passando por agressões morais no trabalho. A pesquisa foi realizada com cerca de 4.975 profissionais de todas as regiões brasileiras e apontou que 52% dos entrevistados sofrem ou já sofreram bullying em seu ambiente de trabalho e 34% já presenciou situações ofensivas. A estagiária em direito Franciely dos Santos, de 30 anos, trabalhou durante 3 anos e 9 meses em uma rede Arcos Dourados do McDonald’s em São Paulo. Em um dia normal de trabalho, no qual a ex-funcionária fazia a limpeza, pós-

Diagramador(a): Juliano Alvarenga

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Agressão A Atendentes

Diagramador(a): Juliano Alvarenga

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“Limpe o chão, seu fodido. Lambe o chão”. Os xingamentos, acompanhados de risadas, foram direcionados a um funcionário da fast food Bob’s, que limpava o chão de Arquivo pessoal

-venda e rotas nos banheiros do restaurante, foi agredida verbalmente. Na época que Franciely estava trabalhando na rede, o descarte dos lixos úmidos e dos secos estavam entrando em vigor. Passando pelas mesas, ela notou que um homem, acompanhado da esposa e duas crianças, havia deixado o copo de refrigerante ainda cheio. “Perguntei se havia algo de errado com a bebida e ele me olhou de cima a baixo, falando que não. Voltei para minhas funções e ele me pediu para levar as duas tortas que estavam na nota de pagamento, só que elas tinham acabado de sair da fritadeira e estavam quentes”, ela conta. Ao ser informada pelo cliente que ele iria levar as tortas para casa, Franciely as empacotou e avisou que elas estavam muito quentes para ser consumidas imediatamente. “Ao me virar, uma das crianças pediu a torta e o pai entregou. A criança queimou a língua e o pai começou a gritar comigo, dizendo que a culpa era minha. Eu estava ao lado da lixeira quando eles estavam indo embora e, ao descartar o lixo, o homem jogou todo o refrigerante no chão. Ele me disse que foi um acidente e, em seguida, falou para a esposa que ‘gente assim só serve para limpar’. Na hora, meu mundo desabou de vez e fui para o quartinho chorar. Enquanto isso, o mesmo cliente foi reclamar com o gerente que a filha tinha queimado a boca, que eu era a culpada e que deviam contratar pessoas mais bonitas”, ela relembra. Franciely afirma que contou com o apoio de seus colegas de trabalho e superiores, que a ajudaram e a ampararam. A estagiária disse ainda que procurou a justiça para denunciar a agressão verbal que sofreu, mas não levou a causa a diante por falta de conhecimento das leis e de seus trâmites. Casos de agressões são comuns em outras franquias.

Franciely dos Santos

seu ambiente de trabalho, no Rio de Janeiro. Os xingamentos proferidos por Júllia Rodrigues e Thaís Araújo foram gravados em um vídeo que viralizou nas redes sociais. Júllia, antes de deletar a sua conta no Instagram, gravou um vídeo se posicionando, no qual afirmou “não é porque o menino era preto não, porque ainda tem pretos bonitinhos, mas ele é um preto feio e horroroso”. O ex-funcionário das franquias Bob’s e American Burger, Marlon Rosalino, de 20 anos, relembra o episódio no qual uma mulher ar-

- RepoRtagem

remessou um copo contra ele, que tinha 16 anos na época. “Eu estava tendo uma fase muito boa, pois tinha acabado de subir para o cargo de monitor. A senhora se queixava de que havia algo em seu refrigerante. De pronto, percebi que ela já havia consumido quase toda a bebida e havia colocado algo no copo que parecia orégano. Ela me pediu outro e questionei se ela só percebeu que havia algo errado no fim da bebida, explicando também que não tinha a possibilidade de entrar nem poeira pela máquina. Em seguida, ela soltou bem alto ‘nojo de gentinha assim’ e arremessou o copo”, conta. De acordo com Marlon, as agressões não prejudicaram o seu rendimento durante o trabalho pois ele encarava esses acontecimentos como “ossos do ofício”. “Como era meu primeiro emprego, minha primeira experiência no mercado de trabalho, eu tentava sempre tirar proveito, acreditando que estava adquirindo experiência. Mas claro que, como qualquer outro ser humano, nem todos os dias acordamos bem para bater de frente com essas situações e aí que vem o cansaço mental que chega a ser maior que o físico”, pondera. Ele afirma não ter acionado a Justiça, pois, na época, não tinha a informação de que esses atos são plausíveis de um processo de danos morais. Segundo o sociólogo Leandro Carvalho, há uma relação de trabalho (relação do funcionário com o seu superior, patrão, gerente, encarregado) e uma relação de consumo (relação do trabalhador com o cliente). “Nessas duas relações estão colocadas uma situação de assimetria entre esses personagens, em que um tem a capacidade de comando, de controle ou, então, tem o dinheiro para consumir; sendo a outra parte, aquela que obedece ou serve”, ele explica. “Mesmo que o trabalhador te-

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Reportagem - Agressão a atendentes Arquivo pessoal

nha consciência de que essa relação de assimetria está colocada, muitas vezes ele interioriza um esquema mental que sugere o se-

“Na minha opinião, nós temos que melhorar nosso interior, lembrar que quando nós vamos a um fast food ou restaurante quem está ali atrás de um balcão é um ser humano, igual a ti, que merece respeito como qualquer outro” Marlon Rosalino guinte: as coisas não vão mudar, as coisas não podem mudar, as coisas são desse jeito, Deus quis assim. Então, ele vai inventar uma série de argumentos que justifiquem isso na cabeça dele e que façam com que ele não se levante contra essa situação. E a mesma coisa acontece tanto com quem manda quanto com quem tem dinheiro para comprar, só que ele vai projetar na sua consciência o argumento pela via contrária. Vai pensar o seguinte: se tenho dinheiro, é porque eu mereci; se tô mandando é porque eu mereci, as coisas são como são e, portanto, eu tenho, naturalmente, o direito de me fazer superior a

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esse funcionário que tá me servindo ou sobre quem eu mando etc”, exemplifica Leandro. De acordo com o sociólogo, esse tipo de discriminação não só é muito prejudicial para o trabalhador que está sofrendo esse tratamento, mas também para as empresas, já que interfere na produtividade e no lucro delas. “Se você parar pra pensar, um funcionário que está sendo ridicularizado, inferiorizado, posto em uma situação de humilhação, fatalmente vai produzir menos, com menos qualidade em um tempo superior”, esclarece. Uma saída que o sociólogo considera para melhorar essa relação

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é uma revisão do processo produtivo, sobre a lógica que preside o modelo de produção capitalista, de superação de determinadas relações nocivas até para o mundo do trabalho, para o mundo da produtividade. “O que me parece importante é rever os princípios que fundamentam o mundo do trabalho, que fundamentam o mundo da produção, a gente se questionar como civilização mesmo, para que produzimos, com que finalidade, com que objetivo nós produzimos, e quem está se beneficiando dessa produção, de que modo está beneficiando dessa produção”, Leandro conclui

Diagramador(a): Juliano Alvarenga

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Vida universitária

- Reportagem

MAL-ESTAR DOS UNIVERSITÁRIOS

A PRESSÃO QUE OS UNIVERSITÁRIOS SOFREM Ansiedade, estresse e sofrimento

Por Sóstenes Mendes Tornam-se cada vez mais comuns os casos em que jovens universitários, em função das pressões da vida acadêmica e da expectativa por sucesso profissional, têm sido diagnosticados com quadros de depressão, estresse e ansiedade. Conforme pesquisa da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior no Brasil, a Andifes, realizada este ano, pelo menos

83% dos universitários das federais brasileiras enfrentaram algum tipo de problema emocional na vida acadêmica. A pesquisa está disponível no site da Andifes (www.andifes. org.br). Embora a reportagem não tenha encontrado uma pesquisa semelhante feita recentemente pela Associação Nacional das Universidades Particulares, a Anup, relatos comFoto ilustrativa: Débora Lopes

Sentimentos de angústia e nervosismo são comuns entre os univerisitários

Diagramador(a): Lizandra Andrade

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partilhados entre os próprios universitários apontam que, nas instituições de ensino superior privadas, o quadro pode ser tão grave quanto nas federais. Muitos estudantes expressam seus sentimentos de frustração e inadequação. Juntam-se a essas sensações o desânimo, a falta de estímulo, a aflição, a angústia, o nervosismo, a insegurança, a dificuldade de concentração, o cansaço, a irritabilidade. Esses sintomas são agravados pelo aumento das responsabilidades, natural nessa fase da vida do jovem, que começa a ser cobrado para ingressar no mercado de trabalho ou mesmo nos estágios obrigatórios para a conclusão dos cursos superiores, fora a cobrança para compensarem o esforço dos pais com a manutenção da faculdade. As pressões só se intensificam. Nesse contexto preocupante, as atenções também se voltam para um quadro ainda mais grave: a depressão, a ansiedade e o uso excessivo de medicamentos são gatilhos para o aumento do número de suicídios no meio acadêmico em todo o Brasil. A Organização Mundial da Saúde (OMS) declara que o suicídio gera 800 mil mortes por ano no

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Reportagem - Vida universitária mundo e é a segunda maior causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos. A depressão está se tornando o problema de saúde mental mais comum nos dias de hoje. O alarme foi disparado. Ricardo Valença é estudante de Direito e está quase largando o curso por causa de uma depressão. Sua família tem se esforçado muito para pagar a faculdade, mas ele não está tendo boas notas e se sente culpado. Marisa Soares cursa Psicologia, mas luta para vencer complexos que dificultam sua comunicação com os colegas e com os familiares. Todos os dias ela tem que lidar com as expectativas das pessoas sobre seu desempenho no curso. Pedro Riguieri não conseguia levantar-se da cama. Sono, cansaço e desânimo. A vontade era de sumir, viajar, abandonar tudo. Mesmo assim, esforçou-se e foi para a faculdade. Era dia de prova e ele já havia estourado o limite de faltas. Respondeu chutando, não sabia a matéria. Foi embora sabendo que as coisas iam ficar complicadas com o pai, que paga as mensalidades com

dificuldade. Thiago Sampaio deixou a Fumec. Ele não conseguia apresentar os trabalhos diante da classe, conversar com outras pessoas ou expor seus pensamentos publicamente. Trocar de curso o ajudou. Ele está se sentindo muito melhor porque se identificou com uma nova profissão e, agora, não sofre tanto para apresentar resultados.

Autorresponsabilização A psicóloga de família Ana Flávia Galante afirma que “a maior incidência de conflitos, nesta fase, está ligada à pouca vivência progressiva de autorresponsabilização pelas próprias ações durante a infância e adolescência. A faculdade é um marco da transição para a vida adulta e, muitas vezes, mostra-se um desafio grande demais para aqueles que não experimentaram fazer escolhas e assumir as consequências na década anterior.” Muitas vezes, a crise tem como gatilho a pouca habilidade para enfrentamento e baixa resistência à frustração. Pessoas com dificul-

dades são privadas do diálogo e do aconselhamento, buscam recompensas em curto prazo e acabam por ver qualquer desafio como um problema intransponível e opressor. A professora e psicóloga Hérika de Mesquita Sadi afirma que grande parte dos jovens se desorganiza com facilidade por falta de uma construção familiar sólida. Outra questão destacada por Herika Sadi é a pressão profissional do mercado. Todos são obrigados a dominar muitas ferramentas e tecnologia. A cobrança é maior nos dias de hoje e muitos não desenvolveram recursos comportamentais e emocionais para lidarem com os desafios e pressões. “Encare os desafios e seja recompensado com a alegria de não ter desistido, de olhar para si e se perceber capaz. Identifique pessoas que trazem inspiração, converse sobre as angústias com quem é de sua confiança, busque apoio terapêutico profissional sempre. Tenha atitudes favoráveis, positivas, para evitar crises diante da pressão característica dessa fase da vida”, aconselha a professora e psicóloga. Foto ilustrativa : Débora Lopes

Estudantes se queixam de pressão sofrida pelas cobranças da academia e também do mercado de trabalho

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Vida uniVersitĂĄria

- RepoRtagem

VIRE O JOGO !!! Cuide do sono A baixa qualidade do sono e poucas horas de descanso, inevitavelmente, produzem a sonolência e lentidão para raciocínio e memória. Uma pesquisa da Fundação Nacional do Sono, nos EUA, publicada no Journal of the National Sleep Foundation, concluiu que: o funcionamento de uma pessoa durante o dia e seu desempenho acadêmico dependem de uma boa noite de sono. A sonolência vai afetar diretamente a qualidade do conhecimento e o resultado das provas. Dalva Poyares, professora da Universidade Federal de São Paulo/

ritos, s, t a s o a a Resolv egue mĂĄgo r r nĂŁo ca eridas ,f fardos

Unifesp, afirma que o organismo trabalha com ritmos. A secreção de melatonina, a redução da temperatura corporal e o preparo para o sono chegam no horårio de costume. Se você não dorme, o organismo se desorganiza. Ele passa a não saber quando tem que trabalhar ou quando tem que dormir. Essa confusão produz insônia. Por isso, aconselha: evite TV e Celulares antes de dormir, se acordar no meio da noite, levante. Procure evitar bebidas estimulantes antes de dormir, não pratique esportes antes de dormir e cuide do ambiente aconchegante no quarto.

a famĂ­lia, oas da su s s e p s a ldaverbo com . Confessar as dificu Rasgue o is ea profissiona orro. A Fumec oferec u o s o ig am e soc atendiiliza alĂ­vio ologia com ento ic s P e des jĂĄ viab d o ola do curs tação, aconselham ClĂ­nica Esc en um tuitos. Ori as vezes, ra it g u s m to ; n ia e p m tera r fim Ă s o e psico l pode da a n io s psicolĂłgic s sse fi ro m usar e nselho p simples co Aqueles que deseja o da ClĂ­nies. ordenaçã dificuldad da curar a co ro p m e 3 (ao lado v 1 e 1 d S B o rs la u a c re –S 28-3004 io da FCH fone 32 le te ca no prĂŠd lo ou pe cantina)

Diagramador(a): Lizandra Andrade

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Não tenha medo de mudanças. Se fo r preciso, mude o rumo e foque na sua alegria.

O que traz sentido para a sua vida? Como você pode canalizar os talentos e sonhos que tem? Não permita que ninguÊm roube suas oportunidades e não se isole debaixo de culpa e medo. Trazer luz para suas questþes, compartilhar com alguÊm que pode ajudar, para muitos, Ê o divisor de åguas. Todos nós recebemos talentos, habilidades, podemos desenvolver senso de competência, coragem para enfrentar os desafios. Se em algum momento, passou pela sua cabeça desistir de tudo, fale com alguÊm. O Centro de Valorização da Vida (CVV) Ê um serviço sigiloso e funciona 24h. Os voluntårios do CVV prestam apoio pelo site, via chat ou pelo telefone 188. Pagar contas, enfrentar dificuldades e desafios profissionais, organizar o tempo, buscar ajuda; tudo isso faz parte da vida de todos. Desenvolver garra, competência, aprender a caminhar Ê o caminho da vida! O tempo da faculdade Ê um tempo de formação. Você estå sendo formado para vencer e prosperar. Vai vencer

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RepoRtagem - Inclusão socIal

ONG APOSTA NA INCLUSÃO SOCIAL PELA CULTURA

Foto: facebook ONG Contato

Foto: facebook ONG Contato

Há mais de 20 anos no mercado, ONG Contato já beneficiou mais de 25 mil jovens das periferias de Belo Horizonte Por Bárbara Teixeira Ser a ponte entre a periferia e a capital mineira. Essa é a missão da ONG Contato, que busca a interação entre os jovens de diferentes origens e regiões de Belo Horizonte e da região metropolitana. Por meio da cultura, a ONG nasceu para “compreender a realidade dessas pessoas e buscar alternativas para construção de diálogos utilizando a cultura como mecanismo de trabalho de inclusão social”, classifica o co-fundador da ONG Contato, Helder Quiroga, sobre o trabalho realizado nas periferias de Belo Horizonte. O projeto social realiza suas atividades desde 2001 junto às comunidades que não têm muito acesso aos produtos oferecidos pela ONG. Isto é, através de projetos, ela forma produtores culturais, ce-

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ramistas, artistas plásticos, cineastas, músicos e gestores de projetos sociais. Além disso, desenvolve atividades de cooperação internacional e articulação de redes de movimentos sociais em Minas Gerais e no Brasil. Além de oferecer atividades em sua sede fixa, no bairro Serra, região Centro-Sul de Belo Horizonte, a ONG desenvolve projetos na periferia de Belo Horizonte, de Contagem, de Betim, de Ribeirão das Neves e de outras cidades fora do estado desde 2001. “Ao longo de 17 anos de atuação da ONG Contato em Minas Gerais e no Brasil, já atendemos mais de 25 mil jovens de diversas regiões da cidade e muitos deles hoje são parceiros da instituição em projetos diversos”, diz De Hel-

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der Quiroga. Um dos parceiros da entidade, nascido e criado no Aglomerado da Serra, membro da banda belohorizontina “Chama o Síndico”, Vinícius Ribeiro, conheceu a ONG em 2004 por meio de um curso remunerado de vassouras e cerâmica. Desde então, ele começou a trabalhar, fez faculdade de Artes Plásticas, foi um dos criadores de um estúdio musical da ONG e hoje virou um artista de sucesso.

Apoio educacional Citando uma frase de Gilberto Gil, “O povo sabe o que quer, mas também quer o que não sabe”, Quiroga afirma que grande parte da sociedade belo-horizontina “aceita e apoia iniciativas voltadas ao combate às desigualdades e for-

Diagramador(a): Bárbara Teixeira

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Inclusão social

Foto: arquivo pessoal

mação cidadã. Cultivar a cultura como uma prática de cidadania também não há muito o que questionar, o que falta mesmo é difundir mais estas práticas que, no dia a dia, fazem a diferença na vida das pessoas e permitem que tenhamos uma cidade mais humana, mais justa e com oportunidades para todos”. A ONG Contato tem sua atu-

Helder Quiroga, cofundador da ONG Contato

“Ao longo de 17 anos de atuação da ONG Contato em Minas Gerais e no Brasil, já atendemos mais de 25 mil jovens de diversas regiões da cidade e muitos deles hoje são parceiros da instituição em projetos diversos” Helder Quiroga Diagramador(a): Bárbara Teixeira

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ação pautada na educação transversal em defesa dos Direitos Humanos e do Meio Ambiente e pela Democratização dos Meios de Comunicação. Desta maneira, os voluntários do projeto dão apoio levando esperança às comunidades por meio de atividades, oficinas, informação e interação, partindo do princípio da educação cultural voltada para pessoas de 16 a 70 anos. Alguns dos projetos de mais destaque realizados pela ONG são o Circuito Cinematográfico de Periferia (CCP) - que oferece oficinas, promove ações e atividades no campo do audiovisual para a capacitação da população periférica e a mais nova produção da ONG - e a revista Eclipse - lançada recentemente com o intuito de alcançar o mercado audiovisual brasileiro com reportagens e artigos direcionados ao público especializado na área. Foi por meio do CCP que Marcelo Lin, cineasta da nova geração do cinema da capital mineira, e Oderval Junior, criador do Noite de Cinema – que exibe filmes gratuitamente em BH -, começaram a se destacar no mercado cinematográfico. O curta “Abdução”, de autoria de Lin, é um dos projetos de maior destaque da ONG, uma vez que ele foi totalmente feito no Aglomerado da Serra com o intuito de mostrar a realidade e o cotidiano daquela população. Além disso, o curta flerta com o novo cinema, a ficção e o documentário.

Meio ambiente Além de levar atividade culturais às periferias, a Contato se destaca no campo socioambiental. Em 2019, a ONG lançou uma campanha de valorização do meio ambiente em BH. Motivados pelo desaparecimento de árvores e jardins na cidade, eles promovem um

- Reportagem

conceito de reflorestamento urbano partindo das periferias da cidade. Segundo Quiroga, “o objetivo é criar um cinturão verde nestas comunidades que cercam a cidade para impulsionar a formação de uma rede de solidariedade urbana na capital mineira”. Para implementação desta iniciativa, eles contam com a organização internacional ICLEI - Governos Locais pela Sustentabilidade, que auxilia nas metodologias de plantio e em ações de educação ambiental nas comunidades. Eles também contam com a parceria da Cemig, Copasa e Bauminas. Foto divulgação

Participantes de atividades na ONG

Voluntariado e doações A ONG conta com voluntários para a realização das ações. Eles também recebem doações para manutenção do trabalho oferecido nas periferias. Quem quiser se voluntariar ou fazer alguma doação pode entrar em contato com os representantes da entidade pelo e-mail ongcontato@gmail.com, pelo telefone (31) 2557-1946 ou por meio do site ongcontato.org.

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Reportagem - Inclusão social

Olá, sou Vinícius Ribeiro dos Santos, Vini Ribeiro, tenho 34 anos, nasci e cresci no Aglomerado da Serra. Em 2004 ouvi falar sobre a ONG Contato através de um primo que ficou sabendo sobre um espaço perto do Morro que havia curso remunerado de vassouras e cerâmica. Fiz o curso e por causa do meu conhecimento sobre as ruas e vielas do Morro, fui convidado a trabalhar como motorista da ONG. Depois de um tempo como motorista e com uma boa relação nas atividades que aconteciam na casa, eles me convidaram

Foto: divulgação site Chama o Síndico

Vini Ribeiro, baixista da banda “Chama o Síndico” e exaluno da ONG

para ser o coordenador de um novo projeto chamado “Cooperativa de jovens da Serra”. Após cerca de três anos de atividade da cooperativa, os núcleos foram se transformando em laboratórios de pesquisa e a oficina de cerâmica passou a ser um ateliê aberto; a oficina de vassouras perdeu bastante participantes para outras atividades que aconteciam na casa, como a formação através de arte e cultura, ao mesmo tempo em que começava o Circuito Cinematográfico de Periferia, em 2009, se não me engano. Por volta de 2007/2008, entrei para o curso de educação artística com licenciatura em artes plásticas pela Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG - Escola Guignard). Me formei na faculdade como professor de arte e pude trabalhar em diversos projetos da ONG. Minha relação com a música começou desde criança. Na ONG, em 2010, fui um dos criadores do “Estúdio Aberto”, um espaço de experimentos de músicas e som de forma geral. Com a criação desse estúdio, fizemos nossa primeira residência criativa de música e reunimos mais 42 músicos de BH para participar do projeto. Depois dessa residência, participei de outra residência musical na ONG Cultura e Pensamento, mas dessa vez como músico convidado. Em 2012, fui convidado

a participar de uma residência em Moçambique, na África. Em 2013, participei de uma residência na Colômbia. Em 2014, já não trabalhava mais em atividades da ONG, mas participava de ações no estúdio de música e no laboratório de filmes. Por meio de todos os contatos que pude fazer nas ações que aconteciam na ONG, principalmente no setor cultural, me tornei músico e professor. Ainda em 2014, criei com outros amigos a banda Zevinipim e fizemos três turnês na Europa, de 2016 a 2018, passando por Portugal, Espanha, Suíça e mais de 43 cidades na Itália. Desde de 2016, sou professor de música do ensino fundamental da escola Balão Vermelho - Colégio Mangabeiras. Em 2017 participei do disco da cantora portuguesa Sara Tavares e, em 2018 concorremos ao Grammy na categoria Músicas de Raiz. Também gravei e produzi uma música do rapper mineiro Djonga. Hoje sou um dos fundadores do bloco de carnaval “Magnólia”, faço parte da banda e do bloco “Chama o Síndico”. Também trabalho com grandes nomes da música independente de BH. Há cerca de um mês, lancei um disco com Lucas Faimblat, chamado “Noite de Estreia com Grandes Músicos de MG”, com a participação do Djonga em uma faixa produzida por Thiago Delegado

Fotos: divulgação

A banda e bloco de Carnaval “Chama o Síndico”

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Diagramador(a): Bárbara Teixeira

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Torcidas organizadas

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TORCIDA DO BEM Ações de cunho social contrastam com as de violência e vandalismo em estádios Por Renato Junior, Tayenne Dias e Jefferson Ribeiro Quando o assunto “torcidas organizadas” é abordado, o senso comum breve sobre o tema, na maioria das vezes, nos remete a brigas, confusões e atos de vandalismo em estádios que envolvem polícia e membros de facções de clubes. Contudo, existe um lado importante e que é pouco comentado sobre as torcidas organizadas, as ações sociais que são feitas fora dos estádios durante boa parte do ano. No contexto sociocultural em que estão inseridas, as torcidas organizadas são muito importantes. No interior do estado, como, por exemplo, na cidade de Bom Despacho, região

central de Minas, torcedores do grupo ‘’Galoucura’’, maior movimento de torcida organizada do Clube Atlético Mineiro, têm funções bastante colaborativas. Além de ajudar na organização de caravanas, que possibilitam uma experiência ao torcedor comum de frequentar estádios de futebol, as organizadas realizam diversas ações sociais durante todo o ano, que ajudam pessoas de classes sociais mais baixas e regiões mais simples do município. A “Caminhada da Torcida”, expressão usada pelos próprios membros da Galoucura, faz referência ao cronograma de ações feitas pelo

grupo durante o ano, que tem início em fevereiro. A volta às aulas escolares tem grande significado para a comunidade de Bom Despacho, que recebe kits escolares para colégios de baixa renda. A contribuição conta com 70 conjuntos (que incluem cadernos, lápis, borrachas, etc.) que são entregues nas escolas Wilson Lopes e CAIC, do ensino primário. Todos os alunos beneficiados são de classe social baixa e não possuem condições financeiras para material escolar novo no início do ano, já que a prioridade dos pais é a alimentação da família, como diz Elton Gontijo, Sub-sede Galoucura Bom Despacho

Estudantes de escola pública de Bom Despacho seguram os kits escolares doados por membros da Galoucura

Diagramador(a): Daniel Fagundes

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Reportagem - Torcidas organizadas

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Equipe da Galoucura com ovos de Páscoa para distribuir às crianças

“Sou morador do bairro São Vicente onde é o colégio Dona Ducca, e na semana da ação social de páscoa, as crianças aqui do bairro só falam disso, esperando a torcida chegar com os ovos. É uma alegria sem tamanho, além de afastar um pouco o tráfico das crianças” Rafael Gontijo, membro da torcida Sub-sede Galoucura Bom Despacho

vice-presidente da Galoucura. A ação social seguinte que a torcida disponibiliza em seu calendário é realizada na Páscoa, em abril. Nela, as crianças recebem ovos e doces de chocolate que são distribuídos pelos integrantes da torcida. Em 2019, cerca de 120 ovos de chocolate foram distribuídos no colégio Dona Ducca, tornando a Páscoa das crianças da comunidade mais feliz. Assim como no movimento de volta às aulas, a realização da ação é feita por meio da contribuição de cada integrante da organizada, que doa entre 15 e 20 reais para a compra e, posteriormente, distribuição dos ovos para a comunidade. Ainda sobre as ações sociais da torcida ‘’Galoucura’’ ao longo do ano, no mês de julho é promovida a campanha do agasalho. Nesta ação, roupas, cobertores e agasalhos são arrecadados e encaminhados para bairros carentes da cidade. Essa ação chama a atenção por normalmente contar com a ajuda de muitas pessoas que não possuem sequer ligação com a organizada, mas que estão dispostas a ajudar na época mais fria do ano. Moletons, calças jeans e mantas estão entre os itens mais arrecadados. No total, mais de 20 famílias foram ajudadas na campanha do agasalho deste ano, dos bairros Dona Branca e JK, que ficam em uma das regiões carentes da cidade. Em outubro, o grupo uniformizado contribuiu com o dia das crian-

Sub-sede Galoucura Bom Despacho

A ação de volta as aulas possibilita que alunos que não têm condição de ter um material escolar bacana, tenham um

Torcida com o “kit agasalho” e mãe com seus dois filhos

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Diagramador(a): Daniel Fagundes

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Torcidas organizadas

Sub-sede Galoucura Bom Despacho

Crianças com integrantes da torcida, que distribuiram chocolates na escola Sub-sede Galoucura Bom Despacho

ças. No dia 05, sábado, a torcida distribuiu 170 sacolinhas surpresa para as crianças, com balas, pirulitos e chocolates, no colégio Miguel Gontijo. A exemplo das ações de volta às aulas e de Páscoa, que também envolveram uma certa quantia financeira, o evento de Dia das Crianças não foi diferente. Cada torcedor tirou do próprio bolso um valor para contribuir na compra dos ‘’presentes’’ dados às crianças. Por fim, além das quatro ações sociais descritas, a torcida organizada ‘’Galoucura’’ ainda realiza, por meio dos integrantes, doações de sangue no Hemominas. O sangue doado é direcionado para a própria instituição e a pessoas que se encontram em hospitais. A torcida uniformizada também atua durante o Natal, distribuindo brinquedos para diversas crianças carentes dos bairros de Bom Despacho no dia 25 de dezembro. A reportagem da Revista Ponto e Vírgula fez contato com a torcida organizada do Cruzeiro Esporte Clube, solicitando uma entrevista. Até o fechamento desta edição, os responsáveis não deram retorno

- Reportagem

Integrante da torcida organizada e as crianças mostram os kits surpresa

Fonte: https://www.twipu.com/tog_oficial84/tweet/1108745443222142976

Diagramador(a): Daniel Fagundes

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Reportagem - Driblando a morte

Foto: Pedro Fortini

PARA SEMPRE TE AMAREI A dificuldade de o ser humano dizer “adeus”

Pedro Fortini e Ricardo Davidovsk

... Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, até que a morte nos separe”, são os votos dos recém-casados. Mas há quem burle a morte anos depois, ou, pelo menos, tenta, fazendo o possível e o impossível para continuar a ter o amado ou amada por perto, mesmo após o eterno fechar dos olhos. Há

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dezenas de casos desse tipo espalhados pelo mundo, casos que fogem do que se julga normal e que são capazes de fazer qualquer sujeito em sã consciência arregalar os olhos e arrepiar a espinha. Um deles, que por ser o mais antigo talvez seja o mais famoso, é o caso que ficou conhecido como “a Noiva

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Cadáver dos Estados Unidos”. O fato aconteceu em 1930. De acordo com o site UOL, o médico Carl Tanzler não conseguiu superar a morte de uma jovem paciente, removeu-a do túmulo e fez dela a sua esposa. Vários outros casos também ganharam grande atenção da mídia. O primeiro deles se passou no Vietnã, em

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- Reportagem

Foto: Pedro Fortini

Driblando a morte

Cova vazia no cemitério Bonfim

“Amor é uma afeição por alguém. E loucura seria uma condição humana caracterizada por pensamentos e atos considerados anormais pela sociedade”, definiu a psicóloga. Jaqueline não usaria o termo “loucura”. Para ela, é uma condição mental em que a pessoa está em total negação da situação em que se encontra. Para entender melhor, segundo a psicóloga, é interessante pensar um pouco sobre os cinco estágios do luto. São eles: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação.

Corpo de Marcel H encontrado em bom estado na sua cama

Diagramador(a): Luiz Felipe Fonseca da Costa

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Na primeira fase, a pessoa se nega a acreditar que perdeu o ente querido. Com a raiva, no segundo passo, o sujeito acaba se tornando uma espécie de metralhadora, culpando Deus, o mundo e os médicos. É a fase onde a pergunta “por que isso aconteceu comigo?” surge. O terceiro estágio é também conhecido como a negociação da dor pela perda. A pessoa passa a ser mais reflexiva: “vou ser uma pessoa melhor, irei ter uma vida mais saudável”, ela insiste. Sobre a fase quatro, diz ser a fase em que o

Foto: Reprodução do site Jornal Extra

2005: segundo o portal de notícias Vietnamnet.vn, Le Van desenterrou o corpo da esposa, morta a quase dois anos e criou uma “roupa” de argila e tecido para abrigar os ossos dela. Ele a levou para casa com a intenção de dormir abraçado com a esposa outra vez. No ano de 2012, mais um caso semelhante. As informações são do portal “Daily Mail”, da Inglaterra: uma viúva belga, de 69 anos, dormiu durante um ano com o cadáver do marido na cama do casal. No entanto, não é necessário ir tão longe. Aqui no Brasil também há alguns casos que ficaram famosos. Um exemplo é o do homem que furtou o corpo da ex-namorada no cemitério de Dois Irmãos de Buriti, no Mato Grosso do Sul, de acordo com o G1. “Eu vim te buscar, meu amor!”, repetia ele enquanto furtava o corpo. É amor ou loucura? Muitos acham loucura. E talvez, leitor, você também ache o mesmo. Jaqueline Maia, psicóloga especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental, nos ajuda a esclarecer a questão.

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Reportagem - Driblando a morte

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O médico Carl Tanzler Von Cosel

uniu os ossos com fios e cabides e trocava a pele apodrecida por seda empapada com cera e gesso. Substituiu o cabelo desgrenhado e enfraquecido por uma peruca feita com fios da própria Helen. A fim de manter o torso e o abdômen em forma, preencheu-os com trapos. Vestiu-a com um lindo vestido, apoiou-se em luvas para disfarçar a mão cadavérica e encheu-a de joias, borrifando nela a melhor linha de perfume existente. Por fim, usou e abusou de desinfetantes e conservantes para tentar enganar o cheiro forte. Isso durou sete longos anos. Até que, em 1940, a irmã de Helen descobriu que ele estava fazendo sexo com o cadáver. Ele foi preso. Crédito: Reprodução site Uol

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ralmente parou a vida por causa da jovem Helen, sua amada. Carl Tanzler Von Cosel foi um microbiologista e bacteriologista na Flórida, Estados Unidos. Em 1930, ele conheceu Maria Elena Milagro de Hoyos (Helen), de apenas 22 anos. A diferença de idade dos dois era enorme. Mesmo assim, o médico ficou obcecado pela jovem. Segundo ele, no decorrer de sua infância, teve visões da Condessa Anna Constantia von Cosel, uma ancestral distante, e ela sempre lhe mostrava a imagem do amor de sua vida: uma mulher de cabelos negros que lembrava Helen. A Helen da vida real foi diagnosticada com o mal do século: a tuberculose. Tanzler fez de tudo para salvá-la, usando todo seu conhecimento. Visitava-a todos os dias e levava para ela presentes caros e bonitos. Porém, todo seu esforço foi em vão. Imediatamente, ele pediu aos pais da falecida para pagar os gastos do funeral e construir um mausoléu para ela. Os pais aceitaram. Desde então, ele a visitava todos os dias. Mas aquilo não era o suficiente. Impulsionado pela paixão e saudade, ele removeu o corpo do túmulo e o levou para casa. Durante esse tempo, ele burlou a morte, tentando contornar os problemas da decomposição:

Crédito: Reprodução

indivíduo toma consciência da perda e que não há como voltar atrás, a pessoa costuma se isolar totalmente do mundo e do convívio social. Com a aceitação, vivida no quinto estágio, vem também a paz e a tranquilidade. O sujeito não nega mais nada, a raiva já se foi, não há negociação e a depressão é substituída pela aceitação. A frase “a pessoa está em um lugar melhor que aqui” é bastante comum. É claro que a duração em cada estágio varia de pessoa para pessoa, mas, em geral, as cinco fases são sempre vividas. Nos casos relatados nesta matéria, segundo a psicóloga, é como se o indivíduo se negasse a cruzar a porta do primeiro estágio. Como no exemplo ocorrido na Bélgica, em que a viúva se manteve tanto em estado de negação que nem ao menos cuidou do velório do marido. Em 2013, a polícia foi ao apartamento do casal belga após uma denúncia do proprietário da residência. A queixa dele era o não recebimento do aluguel desde o ano passado. Quando chegou lá, o segredo da viúva, cujo nome não foi divulgado pela mídia, foi revelado. O corpo de Marcel H, de 79 anos, foi encontrado em bom estado de conservação na cama que dividiu durante toda a vida com a esposa. Para o Daily Mail, um jornal britânico, Philippe Boxho, patologista do Centro Forense de Liege disse: “Um corpo pode mumificar em um ambiente seco e quente. É preciso, pelo menos, uma semana para chegar a tal estado. Neste caso, o corpo tinha apodrecido na cama e seus órgãos internos haviam derretido”. Quanto ao odor, o patologista afirmou que o cheiro da decomposição pode ter sido confundido pelos vizinhos como acúmulo de sujeira. “É como se a vida de quem ficou também tivesse acabado”, disse a psicóloga. Foi exatamente o que aconteceu com Carl Tanzler. Ele lite-

O médico Carl Tanzler Von Cosel e Maria Elena Milagro (Helen)

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Driblando a morte Fisiologistas e patologistas que analisaram o corpo acharam um tubo de papel instalado onde ficava a vagina da moça, permitindo de fato que o ato sexual acontecesse; depois da análise, o corpo finalmente pôde descansar em paz. Em sua defesa, Tanzler alegou que toda vez que visitava o túmulo de sua amada, o espírito dela aparecia e pedia para ser retirada de lá. Ele foi tido popularmente como louco, mas exames disseram não à loucura. Apesar de toda bizarrice da situação, o médico foi solto. E viveu sozinho até 1952, junto de uma esfinge de Helen esculpida por ele mesmo. Ele faleceu em 3 de julho daquele ano, o seu corpo só foi encontrado três semanas após a morte. Há boatos que o acharam morto abraçado a tal esfinge da amada, mas de concreto mesmo é que sua obsessão finalmente chegou ao fim. A de Le Van, porém, nunca terminou. Ele conseguiu, de certa forma, eternizar a esposa. A esposa faleceu em 2003. Com muitas saudades dela, ele passou a dormir em cima do túmulo durante vinte meses, passando frio e tomando chuva. Para evitar tais condições, ele cavou um buraco ao lado da cova e dormiu lá. Um dos filhos, descobriu a atitude do pai e o proibiu de ir ao cemitério. Inconformado, ele furtou o cadáver. O vietnamita colocou os ossos da amada dentro de uma boneca de argila com tamanho real, e desde então dorme com ela. E assim foi durante cinco anos. Até que em 2009, um repórter da Vietnamnet.vn descobriu o caso e publicou a notícia. Com a repercussão do fato, as autoridades do país o obrigaram a enterrar a esposa. Le Van não o fez, pois não havia nenhuma lei que o obrigasse a fazer tal coisa. “Eu definitivamente vou dormir com ela até o dia que eu morrer”, disse ele. Depois de se inteirar sobre os casos, Jaqueline Maia salientou a importância dos cinco estágios do luto.

Todos nós temos que vivê-los, disse ela. E é bastante comum as pessoas se agarrem em alguma fase, o que não deve acontecer é o indivíduo permanecer lá para sempre. Em casos mais extremos, como os citados acima, a melhor forma de tratamento seria o psiquiátrico. A belga de 69 anos, por exemplo, foi levada para um especialista da área. Uma boa forma de tratamento, segundo a psicóloga, seria usar algumas técnicas da terapia cognitivo-comportamental. Carta de despedida ao falecido, dando o adeus definitivo. Uma visita ao cemitério onde a pessoa está enterrada, para que não haja mais dúvidas e que a ficha caia. E, por último, o planejamento de novas atividades. Sobre a última técnica, há pessoas que param a vida para cuidar de um ente querido e, depois da perda, a pessoa se vê sem uma vida para tocar. Por tanto, planejar novas atividades é essencial para o sujeito ir em frente. Manter ou roubar o corpo da pes-

A morte não se supera. Com a morte se convive soa que ainda se ama não vai trazê-la de volta. Se manter preso no luto não é saudável para a cabeça. Nada disso faz com que se entenda o que pode ser a morte. Imagine se as pessoas não morressem mais? José Saramago imaginou essa situação em “As Intermitências da Morte” e, posso afirmar, não é uma história feliz. Somente a fé ou a razão podem fazer da morte parte da vida, sem que se recorra a medidas extremas para tentar superá-la. A morte não se supera. Com a morte se convive

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- Reportagem

A morte no MUNDO: Como as culturas lidam ao redor do mundo com a morte é muito diversa.

MÉXICO

No México há uma grande celebração anual pelo “día de los muertos“, que ocorre nos dias 01 e 02 de novembro. Famílias inteiras se reúnem para homenagear seus entes queridos, e tais reuniões envolvem muita música, comida e festa. As pessoas costumam pintar seus rostos ou usar máscaras e se vestir como caveiras, numa alusão aos mortos.

BOLÍVIA

Na Bolívia, no “día de los ñatitas” há o costume de fazer desfiles folclóricos com restos mortais de pessoas, incrementados com muitas flores e até mesmo “oferendas”. O povo acredita que os falecidos podem trazer todo tipo de sorte à família, por isso costumam manter os restos mortais dos entes falecidos dentro das casas.

JAPÃO

No Japão, existe o Obon. O o costume é limpar e adornar discretamente os túmulos e depositando alimentos como forma de agradar os espíritos de seus antepassados. Também é comum que se coloque flores e se façam pequenas lanternas de papel, que são colocadas nos túmulos, como forma de “dar boas-vindas” aos espíritos. Os rituais tem forte ligação com a religião mais proeminente do país, o budismo.

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Reportagem - Entre a fé e a sexualidade

Créditos: arquivo pessoal

A jornada de um LGBTQI+: da opressão à liberdade religiosa

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Entre a fé e a sexualidade

- Reportagem

Por Stéfanie Xavier

A

va imundo, havia papéis pelas arquibancadas e garrafas de bebidas pelo gramado antes delas. Por isso, decidimos conversar em um café no Via Shopping Barreiro, a 10 minutos dali. Temendo não poder sentar sem consumir algo, fomos até o caixa. Escolhi capuccino de chocolate, ele mousse de maracujá. A atendente do caixa tinha os olhos baixos de quem passara noites sem dormir. Marcos Souza, ‘Marquin’ para os íntimos, em um olhar cúmplice, mostrou-me que também tinha notado o cansaço e indagou, sem dar voltas: “Nossa, gata! Você está virada, hein?!” A resposta ao questionamento, com indícios de afirma-

ção, foi uma risada curta e o relato de quem não dormia direito há três dias porque não dispensava uma cervejinha no final do expediente. Com os olhos brilhando, Marcos confidenciou que compartilhava da mesma filosofia. “Eu posso estar o pó, mas não deixo de balançar a minha raba.” “Desde que me entendo por gente, eu era da igreja. Todos os dias, ia com a minha mãe a um templo conservador, cantava, adorava a Deus. Quando era criança, eu gostava muito.” De culto em culto, as pernas de Marcos foram espichando, assim como os ouvidos que começaram a não só captar, mas a entender os ver-

Créditos: arquivo pessoal

conversa foi marcada às 9h na Pista de Skate do Barreiro. Marcos Souza chegou por volta das 9h30 porque, como declarou em um aplicativo de mensagens, “o ônibus demora mais que um trem.” De primeira, ele não me viu, pois eu estava sentada no banco do ponto de ônibus em frente ao local marcado. Recebi uma mensagem perguntando onde eu estava. Virei para trás e o cumprimentei. Ele vestia uma bermuda jeans e uma regata cinza estampada com a logo da banda norte-americana Guns N’ Roses. Nos pés usava chinelos. O traje combinava com o clima de Belo Horizonte, em pleno inverno registrava-se mais de 30°C. O nosso ponto de encontro esta-

Por mais de três anos em cima do altar da igreja, Marcos adorou a Deus e embalou os membros do templo que frequentava

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Reportagem - Entre a fé e a sexualidade sículos que o pastor bradava do altar. “Quando também um homem se deitar com outro homem, como com mulher, ambos fizeram abominação; certamente morrerão; o seu sangue será sobre eles” (Levítico, 20:13). “Quando escutava passagens da bíblia como essa, me sentia a pior pessoa do mundo. Realmente culpado. Com a visão que tenho hoje, isso é deturpar a cabeça de uma pessoa, isso é machucar, isso é causar trauma. Na época, pensava: ‘quando morrer, vou sofrer? Vou sentir dor eternamente? Vou ser queimado? Não vou mais conhecer a luz?’” A homossexualidade e a igreja travam uma batalha muito tempo antes de Marcos ter se juntado à religião. Em 390 D.C., na Roma cristã, o imperador Teodósio O Grande condenava homossexuais à morte pública em fogueira. Mais para frente, na cidade italiana de Florença, foi criado um cargo de vigilante nada usual. Esse profissional espreitava os moradores pela noite, buscando “comportamentos irregulares”. O resultado da empreitada foram 3 mil pessoas sentenciadas por sodomia (relações sexuais com o mesmo gênero). As informações estão no livro Sexo, desvio e danação - As minorias na Idade Média, do autor Jeffrey Richards. Puxando a corda para o Brasil recente, chegamos às eleições presidenciais de 2018. Entre as fake news compartilhadas na corrida eleitoral, uma das mais contadas foi a do “Kit Gay”. Um material criado no Governo Dilma, para educar adolescentes sobre a diversidade sexual e de gênero, o Escola Sem Homofobia, composto por vídeos e guia de orientação aos professores, teve seu propósito deturpado. Apesar do aval da Unesco, o projeto não foi para frente. Por quê? Por causa da bancada evangélica e de Jair Bolsonaro. Na última corrida presidencial, ambos resgataram

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a cartilha para atiçar o “homem de bem”, que pela família faz tudo, inclusive oprimir um grupo já excluído da sociedade, temendo que seus filhos se tornem homossexuais ao verem um beijo ou ouvirem que não há nada de errado em ser LGBTQI+. Antes do cenário atual, com os olhos marejados, Marcos continuava a sua luta interna. “A minha resistência começou quando eu tinha 10 anos e se intensificou aos 16. Até comecei a namorar uma menina.” Quanto mais pensava, a visão tornava-se mais embaçada. A mãe era pastora, Marcos, líder de lou-

“Eu cheguei a entrar em depressão. Como eu já entendia que o meu comportamento não era aceito pela igreja, fiz de tudo para reprimir os meus desejos” Marcos Souza vor. Em alguns momentos, enquanto cantava no altar, avistava um rosto atraente na plateia e seus pensamentos viajavam. Todos condenáveis ao inferno. Quem eu sou? Onde ia, as pessoas desconfiavam da orientação sexual de Marcos. “Todos tentavam me decifrar. Por exemplo, minha mãe. Eu rio agora, mas me incomodava. Ela me xingava quando eu ficava cantando músicas da Ana Paula Valadão porque fazia uma voz fina. Ouvir ‘larga de

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bichagem!’ era comum.” Na igreja, escutava com frequência: “Fala mais grosso!”, “Vira homem!”, “Não anda rebolando, não.”, “Rebolar não é coisa de homem.” Em meio às equações matemáticas, colegas de turma exclamavam: “Viadinho! Ô, viadinho!” “Mesmo sabendo que era gay, eu negava. Às vezes, acreditava nessa mentira.”

Liberdade Marcos decidiu assumir a sua orientação sexual em 2016. Assim como o restante da família, ele se divertia no Réveillon daquele ano, na casa de “Vó Geralda”. “Estava bebendo e dançando. Do jeito que sempre fiz, bundinha para cá, bundinha para lá. Tudo corria bem, até que minha mãe reclamou do meu comportamento. Nós brigamos e ela ameaçou ir embora.” “Eu sou homossexual!” A sala barulhenta ficou em silêncio, os olhos abertos encaravam cada rosto no cômodo, enquanto dizia “Eu preciso de respeito, não estou pedindo por aceitação. Já me aceitei e isso basta.” A revelação não foi novidade para a mãe, Célia. Há alguns meses, Marcos dizia a ela que estava tendo “recaídas” e era gay. A resposta era sempre a mesma: “Deus vai te curar.” Após o acontecimento, as relações com a família não mudaram, em especial a de Marcos com Dona Célia. “A gente diz que se ama frequentemente, se abraça. Conversa. Ela está começando a aceitar a minha orientação sexual, apesar de estar fazendo um curso sobre cura na igreja”. De volta ao café, na parede atrás de Marcos estava pendurado um quadro com a afirmação: “A vida começa depois do café”. Para ele, a jornada iniciou-se em 31 de dezembro de 2016. Mas, agora, uma nova experiência mudaria a perspectiva de Marcos.

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EntrE a fé E a sExualidadE “Igreja de gay” A placa informava Igreja Cristã Contemporânea. Passando pelas portas do templo, mãos cumprimentavam, desejando boas-vindas. Paredes brancas, cadeiras da mesma cor e Marcos e seu namorado, Wellington, sentados na segunda fileira em frente ao altar. Sobre o palco, estavam as bandeiras de Brasil, Israel e Minas Gerais. No nosso país, um LGBTQI+ morre a cada 23 horas. Segundo dados do Grupo Gay da Bahia, de janeiro a maio de 2019, 126 membros da comunidade foram assassinados e 15 consumaram suicídio. No Oriente Médio, Israel é o único país onde lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queers, intersexuais são aceitos pelo governo e possuem leis de proteção. Em Minas, o número de denúncias de assassinatos de LGBTQI+ triplicou entre 2016 e 2017. É o que informa o Atlas da Violência, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Um papel de parede de céu azul recheado de nuvens, daqueles que desenhamos quando crianças, se impunha atrás do altar. As músicas de louvor ditavam os ritmos aos presentes, Marcos cantava diferente, um tom acima da plateia, como se envolto em seus dias de ministro. Ele sabia todas as canções e só se sentou quando o Pastor Reinaldo falou ao microfone: “Irmãos, podem se assentar. Hoje vamos falar sobre fé. Crer no tamanho de um grão de mostarda. Quem sabe qual versículo da bíblia fala sobre isso?” Marcos respondeu baixinho “Mateus, 15”. O pastor não ouviu, mas corrigiu: “Ninguém? É Mateus, 17:20”. Esse foi o primeiro e último engano do visitante. Durante o restante do culto, Marcos completou trechos da Bíblia, antes mesmo de Reinaldo terminá-los, falou versículos de cor e me contou spoi-

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lers dos próximos tópicos a serem abordados pelo pastor no sermão. Tudo, com os olhos cheios de curiosidade. Movido pelas dúvidas, Marcos abordou o Pastor Reinaldo ao final do culto. “Pastor, queria saber algumas coisas sobre a igreja…”

O culto é sempre assim? Achei interessante vocês não falarem sobre homossexualidade. “Olha, estamos aqui para servir a Deus. Nós não vamos ao altar para declarar nossa orientação sexual, mas que estamos aqui para servir. Seguimos o que está na Bíblia e acreditamos que há pecados bem maiores do que ser gay”.

Mas e quando alguém quer conversar sobre ser LGBTQI+? “Recebemos pessoas em várias situações. Algumas já são assumidas, outras ainda lutam contra a orientação sexual delas. Se esses indivíduos querem compartilhar questões acerca disso, nós estamos mais que abertos para ouvi-los. Mas o foco da nossa igreja não é este. Estamos aqui para servir a Deus”.

- RepoRtagem

íamos a karaokês cantar músicas como ‘Aquarela’. Ela mora em São Paulo e, quando vem me visitar, sempre pede para fazermos o que fazíamos no passado. Eu não nego, vou e não me sinto culpado porque esse momento me traz lembranças boas. O que é diferente de eu ouvir um funk com letras que rebaixam as mulheres.” A conversa durou mais de uma hora e acalmou o coração de Marcos, que estava mais preocupado em estar vestindo calças rasgadas na igreja do que com a presença de seu namorado. No caminho de volta para casa, dentro do carro de duas portas de Wellington, Marcos soltou “Eu saí da igreja porque não me sentia aceito pelos dogmas dela, pela interpretação que as pessoas faziam da Bíblia. E hoje, eu estou me sentindo aceito, estou me sentindo parte de alguma coisa. Me deu vontade de ir lá na frente, me deu vontade de fazer o que eu fazia, me deu vontade de cantar.” Olhando para o namorado, ele suspirou: “Eu estou feliz, preto. Eu estou feliz.”

Em relação a bebidas, música secular…. Como funciona? “Não há nada de errado em tomar uma taça de vinho, eu faço isso com o meu marido. Assim como é dito na Bíblia, o errado é se embebedar porque isso nos deixa fora de controle e uma das coisas mais prezadas pela nossa religião é o domínio próprio. Sobre músicas seculares, na minha casa optamos por colocar apenas canções evangélicas para tocar porque a gente acredita que a música tem poder. Mas por exemplo, eu tenho uma filha e quando ela era criança nós

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Reportagem - Comunicadores na música

Encontro entre as profissões de comunicador e músico é uma combinação cada vez mais frequente Por Letícia Gontijo O que Paulo Ricardo, Kid Vinil e Nelson Mota têm em comum, além de serem músicos e famosos? A comunicação. Paulo Ricardo, antes de explodir na década de 1980 como vocalista do grupo RPM cursou jornalismo. Kid Vinil foi jornalista e radialista e também protagonizou a cena musical nos anos 1980 com a banda punk Verminose e, depois, com o grupo Magazine, cuja sonoridade era mais voltada para o new wave. Nelson Mota é jornalista, compositor, escritor, roteirista, produtor musical, teatrólogo e letrista, autor de mais de 300 músicas com parceiros como Lulu Santos, Rita Lee, Ed Motta, Cidade Negra,Guilherme Arantes, Erasmo Carlos e a banda Jota Quest. Produziu espetáculos de artistas como Elis Regina, Marisa Monte e Gal Costa. Além desses exemplos, existem muitos outros. Pode parecer coincidência, mas o fato é que vários comuni-

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cadores têm um pé, às vezes os dois, na música e vice-versa. Essa atração, sem uma explicação aparente, não é de agora e parece não ser um modismo passageiro. É comum encontrar nas escolas de comunicação músicos aspirantes ou profissionais.

De músico a comunicador Juliano Alvarenga, 20, está no quarto período de jornalismo e é um dos vocalistas da banda Daparte. Além dele, o conjunto é formado pelos músicos João Ferreira (guitarra e voz), Túlio Cebola (baixo e voz), Bê Cipriano (teclado e voz) e Daniel Crase (bateria). A formação da Daparte se deu quando a primeira banda de Alvarenga, a Twig, acabou, e ele juntou os amigos que também tocavam em bandas que haviam acabado. Com o nome inicial de Seu Zedd, a primeira apresentação dos músicos ocorreu no festival St Patricks Day de 2016, evento que

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contou com 9 mil pessoas. O nome Daparte surgiu como sugestão do baixista Cebola e é inspirado em um apelido que os integrantes do Clube da Esquina,uma das referências da Daparte, brincavam de se chamar. O vocalista conta que no dia do show, no festival, houve um certo nervosismo por parte do grupo, mas que, ao final, o resultado foi positivo. Além do Clube da Esquina, a banda tem inspirações variadas, que vão dos Beatles e Oasis aos novos cantores

“Música e jornalismo andam juntos, o músico atento às notícias é um cara mais antenado.” Juliano Alvarenga Diagramador(a): Letícia Gontijo

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Comunicadores na música

- Reportagem Foto: André Greco Amaral

Juliano Alvarenga (de casaco roxo), estudante de jornalismo e os demais integrantes da Daparte

brasileiros como Tiago Iorc, Ana Vitória e Lagum. Quando o assunto é jornalismo, Juliano conta que todas as pessoas, desde a família até o pessoal da escola em que estudou, apoiaram sua escolha pelo curso. “Além da música, todos acreditavam que ir para a universidade acrescentaria muito”, relata. O cantor acredita que o jornalismo ajuda na carreira musical, assim como a música pode ajudar na profissão de jornalista. “Música e jornalismo andam juntos, o músico atento às notícias é um cara mais antenado, que tende a escrever mais sobre as críticas sociais da atualidade”, afirma Alvarenga, que também é compositor. O single “Aldeia” da Daparte, que tem participação de Mariana Nolasco, foi uma composição dele com o colega de banda, João.

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O jovem ressalta ainda que tem vontade de trabalhar como jornalista na área de crítica musical, mas que sua maior dedicação é direcionada ao crescimento da banda. A área da comunicação social preferida de Juliano é o radiojornalismo, e o porquê é muito claro: “Quando entramos lá sempre tem música, e a rádio fala de tudo, do trânsito ao entretenimento”, afirma. Uma experiência que marcou Alvarenga, por ter conectado tanto com a música quanto com o jornalismo, foi a participação da Daparte no Altas Horas. Ao ver como um programa de alcance nacional e internacional é organizado, o músico e futuro jornalista se interessou por estagiar um dia nessa área. Para a banda, foi uma chance de apresentar suas músicas para outros estados do

Brasil além de Minas Gerais. Além da aparição no Altas Horas, um momento marcante da banda foi o show de aniversário de três anos que ocorreu no Distrital em Belo Horizonte, e teve um público de mais de mil pessoas. “Nos sentimos abraçados”. O show que eles fizeram numa praça de Belo Horizonte também marcou a banda, de acordo com o cantor e compositor. Juliano é filho do vocalista da banda mineira Skank, Samuel Rosa. Quando perguntado se ser filho de músico facilita a sua vida como artista, Alvarenga respondeu que em parte. “Ajuda na questão de contatos, acesso a certas coisas, mas não garante o sucesso da Daparte. Algumas pessoas ouvem e outras deixam de ouvir por saber que sou filho do Samuel, mas o que

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Reportagem - Comunicadores na música importa na verdade Ê a música, se ela Ê boa ou não, como ela toca as pessoas, se elas ouvem e se lembram de alguma experiência, de algum amor, o que vale Ê a expressão da alma�, finaliza.

MĂşsico e publicitĂĄrio Em 2018, Pedro Calais (23), vocalista da banda Lagum, formou-se em Publicidade e Propaganda pela Fumec. A Lagum, que vem conquistando sucesso nacional, ĂŠ formada, alĂŠm de Pedro, pelo baixista Francisco Jardim, o guitarrista OtĂĄvio Cardoso e o baterista Tio Wilson. Em 2019, a banda mineira estĂĄ em turnĂŞ pelo Brasil, divulgando seu segundo ĂĄlbum “Coisas da Geraçãoâ€?. Eles tambĂŠm tĂŞm apresentação confirmada em Portugal. Quando perguntado sobre como ĂŠ a sensação de lotar casas de show pelo paĂ­s, Pedro responde satisfeito: â€œĂŠ uma realização. É como fazer uma prova sabendo que vocĂŞ estudou pra caramba, tirar

10 e mostrar pra sua mĂŁe. AĂ­ ela fica muito orgulhosa e ĂŠ sĂł alegriaâ€?. O Pedro publicitĂĄrio acredita que nĂŁo hĂĄ separação entre o profissional de comunicação e o mĂşsico. Para ele, os dois sĂŁo a mesma coisa e um ajudou na construção do outro. Segundo Calais, quando a banda vai lançar alguma mĂşsica, ele tem uma visĂŁo publicitĂĄria sobre ela, essa visĂŁo que vem do curso de publicidade tambĂŠm aparece na hora de compor, assim como o jornalismo estĂĄ presente nas composiçþes de Juliano. “A comunicação social me ajudou principalmente nisso, como passar a mensagem, como comunicarâ€?, afirma Calais. AlĂŠm desta relação, Pedro tambĂŠm percebeu como a mĂşsica ĂŠ extremamente presente na publicidade, por meio das trilhas e efeitos sonoros das propagandas. Lidar com a carreira e a faculdade era difĂ­cil, mas, quando a Lagum começou a crescer, tanto os colegas

quanto os professores passaram a entender suas dificuldades para lidar com a vida dupla. “Quando a banda começou a aparecer na TV e rĂĄdios ficou mais fĂĄcil explicar e mostrar. Depois disso, meus colegas e professores abraçaram meu sonho e me ajudaram muito a concluir o curso e a seguir com a carreiraâ€?, conta. A Lagum jĂĄ marcou presença em programas como o “SĂł Toca Topâ€?, da Globo, e o Top TVZ, do Multishow. Desde criança, Pedro gostava de imaginar este caminho em que vive agora, mas seu primeiro contato com a mĂşsica de fato foi aos 17 anos, quando compĂ´s sua primeira mĂşsica. Sobre os momentos marcantes da banda, o vocalista conta que cada conquista marca de uma forma: os primeiros lançamentos, primeiros shows e as primeiras viagens. “Acaba que a nossa carreira ĂŠ construĂ­da degrau por degrau. NĂŁo ĂŠ uma coisa que acontece de repenFoto: letras.mus.br

Pedro Calais (de jaqueta jeans) e os demais mĂşsicos da Lagum; a banda mineira toca em Portugal em 2019

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Comunicadores na música te, de uma vez. Vai acontecendo aos poucos e cada conquista Ê muito marcante�, finaliza.

Entre os dois caminhos

Formado pela Fumec em jornalismo, no ano de 2010, Felipe Izar (34) hoje trabalha tanto com mĂşsica quanto com jornalismo. Morando em Vila Velha, no EspĂ­rito Santo, Izar divide sua vida profissional entre a assessoria de imprensa e sua carreira solo como mĂşsico. AlĂŠm de assessor da senadora Rose de Freitas, do Podemos, ele mesmo administra sua agenda de shows e gravaçþes. Em 2018, Felipe lançou seu primeiro disco solo, chamado O Amor, a EscuridĂŁo e a Esperança, jĂĄ em 2019 ocorreu o lançamento de seu single “NĂŁo Solte a MĂŁo de NinguĂŠm.â€? Como jornalista, ele jĂĄ trabalhou em diversas assessorias de comunicação enquanto morava em BH e tambĂŠm passou um tempo no jornal impresso, trabalhando em A Tribuna do EspĂ­rito Santo. Diante da atuação nos dois caminhos, Felipe afirma que o jornalismo e a mĂşsica, a todo momento, se encontram. Esta interseção se dĂĄ durante a divulgação de seus shows, jĂĄ que o prĂłprio Izar ĂŠ quem escreve os textos a serem enviados para a imprensa. AlĂŠm disso, assim como Juliano Alvarenga, ele registra a presença do jornalismo no processo de composição de suas cançþes. Durante o curso de jornalismo, o cantor compĂ´s “O Mundo me Chamouâ€?, mĂşsica que fala da evolução do meio online e das redes sociais. AtĂŠ no trabalho de conclusĂŁo de curso, Izar foi transportado para o mundo da mĂşsica. ApĂłs escrever um livro reportagem intitulado Sob os Olhos de Katrina, que conta a histĂłria de uma brasileira sobrevivente do furacĂŁo Katrina, ele escreveu uma mĂşsica inspirada nesta histĂłria. A mĂşsica estĂĄ no disco O Amor a

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- Reportagem

EscuridĂŁo e a Esperança. Diferentemente das pessoas que defendem a necessidade de um foco Ăşnico na vida, o cantor e jornalista conta que pretende seguir assim, dividindo-se entre os dois caminhos. “Eu defini para minha vida que eu quero levar as duas coisas, e vou me desdobrar para que isso aconteça. O meu foco ĂŠ melhorar como jornalista e tambĂŠm como mĂşsico.â€?

Da comunicação Ă mĂşsica Desde pequena, BĂĄrbara Rodrigues (31) sempre gostou de cantar. Foi na escola que ela teve seu primeiro contato com a mĂşsica, ao participar do coral escolar e fazer aulas de flauta. Mas, na hora de escolher um curso universitĂĄrio, os pais a aconselharam a nĂŁo cursar mĂşsica naquele momento, pelo fato de ela ainda nĂŁo cantar profissionalmente. Sempre comunicativa, Rodrigues escolheu o jornalismo porque jĂĄ escrevia alguns textos e poesias. Ao se formar, em 2009, a jovem jornalista foi trabalhar como assessora de comunicação na ĂĄrea empresarial, cuidando das redes sociais e fazendo contato com a imprensa. AtĂŠ que, em 2014, ao ser demitida de um emprego como assessora em que ela nĂŁo estava muito satisfeita, BĂĄrbara conta que a “ficha caiuâ€?. Daquele momento em diante, era necessĂĄrio investir mais no curso de jornalismo ou partir para outra. Passando por terapias e muitas conversas com vĂĄrias pessoas, ela percebeu que a mĂşsica era algo que sempre quis. A partir daĂ­ decidiu que estudaria e se dedicaria Ă carreira musical. Rodrigues optou pelo curso de canto popular da UFMG. E nĂŁo foi um caminho fĂĄcil: era preciso passar pela prova do Enem e ainda fazer exames teĂłricos e prĂĄticos. Em meio a tanto esforço, em 2016, a jornalista entrou para a Escola de

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Reportagem - Comunicadores na música

Foto: Ademir Ribeiro

Foto: Fernando Prates- w

Felipe Izar e Bárbara Rodrigues formaram-se em Jornalismo na Fumec e deslancharam suas carreiras musicais

Música da UFMG. Com este passo dado, a carreira de cantora começou a tomar forma. “O fato de estudar música me deu confiança para trabalhar como música”, conta Bárbara. A estudante passou a cantar em barzinhos e eventos como casamentos. Já em 2017, mais um passo é dado: agora ela se tornara professora de canto por meio de estágio da faculdade. Atualmente, Rodrigues trabalha dando aulas particulares e segue cantando em eventos. Quanto à in-

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fluência do jornalismo em sua carreira musical, ela comenta que sua maior herança do curso de comunicação está na forma de lidar com o público, de abordá-lo. “Tudo que eu vivi na faculdade de jornalismo e nas empresas que trabalhei ainda está aqui em mim, tanto na vida pessoal quanto profissional, é algo que trago comigo”. Rodrigues também conta que, durante a época em que tocava em bares, a escolha do repertório e a maneira de tentar chamar atenção de um público disperso têm

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influência do jogo de cintura que aprendeu enquanto jornalista. Muitas pessoas questionam Bárbara sobre como a vida financeira de jornalista lhe daria mais estabilidade que a música. A cantora acredita que, atualmente, ambas as profissões estão passando por uma desvalorização e se mostra disposta a enfrentar as barreiras por sua carreira musical: “Eu tenho um encantamento pela música que supera qualquer problema financeiro” , reforça Rodrigues

Diagramador(a): Letícia Gontijo

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Pós-Graduação MBA e Especialização Lato Sensu

Mestrado e Doutorado Stricto Sensu

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querem e para onde vão os tablóides Super Notícia e Aqui. (Págs: 13 a 15)

orgia de salários Indiferente à miséria de seus municípios, prefeitos mineiros ganham salários superiores aos do presidente Lula e do governador Aécio Neves. (Págs.: 8 e 9)

Foto: Pedro Gontijo

Faculdade de Ciências Humanas e Sociais

Adair Pedro, vende 500 jornais/dia.

As drogas, sempre elas, aliciam, degradam, geram violência e fortalecem a economia

Acima de tudo e de todos, a propaganda é o Diabo travestido de Deus. (Págs. 24 a 27)

o carma dos

Patrimonialismo e apatia social: origem e sequela da corrupção brasileira

“adêvogados” Fisiologistas, acima de tudo, os partidos políticos no Brasil, mantidos com dinheiro público, estão distantes dos eleitores

À revelia da ética e sem o menor pudor, os “adêvogados” crescem Ano 3 • Número 5 • Agosto de 2011 como ervas daninhas, Belo Horizonte • Distribuição gratuita maculando a profissão. (Págs. 6 a 8)

Revista laboratório • Curso de Jornalismo

Favelas

Inconcebível

Enfermo, o SUS se agarra onde e como puder para não cair de quatro em praça pública

Santificadas ou endemoninhadas, o número de favelas continua crescendo e desafiando Deus e o Diabo

Faculdade de Ciências Humanas, Sociais e da Saúde

Revista laboratório • Curso de Comunicação Social e Propaganda

Fonte: Jornal Estado de Minas Jornalismo / Publicidade

Ano 2 • Número 4 • Fevereiro de 2011 Belo Horizonte • Distribuição gratuita

Vade retro!

Precatórios

Banalização?

Novo código de ética é o fim dos erros médicos? Cuidado: a esperança nem sempre é a última que morre. (Págs. 22 e 23)

Inadimplência e indiferença do Estado deixam mineiros a pão e água. A OAB-MG que o diga. (Págs. 18 e 19)

Shows sertanejos, sorteios de brindes e assistencialismo marcam comemorações no Dia do Trabalho. (Págs: 20 e 21)

Revista laboratório do Curso de Jornalismo Ano 4 | Número 6 - Agosto de 2012

o mundo assiste, de quatro, o avanço no consumo de Cruel verdade! Brasil! Até quando? Se pode destruir, para que- preservar? temos, seu à quepoder Mesmode depois de 22 anos, a drogas à frenteDao educação crack que - com destruição Vandalismo toma conta da região central de Belo Horizonte. (Págs: 16 a 19)

precisamos, resta o simulacro, agravado pela cumplicidade. (Págs. 20 a 23)

[Sob inspiração do Lulismo]

luta antimanicomial, no Brasil, é refém de seus próprios erros. (Págs: 28 a 32)

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Faculdade de Ciências Humanas, Sociais e de Saúde Oj Simpson

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Desconhecendo qualquer limite e vaidosos ao extremo, os falsos ídolos acabam por derrapar, quase sempre sem volta, no lamaçal das grandes tragédias. Algozes e vítimas, eles não entendem ou fingem não entender: o mundo fashion que os idolatra é o mesmo que os condena

Goleiro Bruno

Universidade Fumec Universidade Fumec

Ponto & Vírgula - Revista laboratório do Curso de Jornalismo - Ano 5 | Número 7 - Fevereiro de 2013

MMA põe em cheque o limite entre esporte e Ponto & Vírgula 04.indd 1 violência

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Revista laboratório do Curso de Jornalismo Ano 5 | Número 8 - Setembro de 2013

Foto: Franco Serrano

Revista laboratório do Curso de Jornalismo Ano 5 | Número 7 - Fevereiro de 2013

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Ponto & Vírgula - Revista laboratório do Curso de Jornalismo - Ano 7 | Número 10 - Setembro de 2015

Governo lança diretrizes para incluir pessoas Josino Ribeiro com Down vence a chuva e faz sucesso no esporte

Apac abre portas para uma segunda Tinga fala chance sobre o preconceito no esporte

Mazzili revela sua trajetória da medicina às artes

Revista laboratório do Curso de Jornalismo Ano 7 | Número 10 - Setembro de 2015

Revista Laboratório do Curso de Jornalismo Ano 8 | Número 11 - Maio de 2016

Em resposta ao apelo da boliviana Sonia, 11 anos, vítima da doença de Chagas, a reporter Eliane Brum, prometeu à menina: “vou contar tua história ao mundo”

“a dor e a delícia de ser o que é”

Revista Laboratório do Curso de Jornalismo Ano 9 | Número 12 - Março de 2017

Parto normal e cesariana em debate Página 11

Praia na praça une tribos em Belo Horizonte

Regina Souza fala da sua pluralidade na música

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DO CAOS À LAMA... Dois anos após a maior tragédia ambiental, situação em Bento Rodrigues é de total abandono

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Revista laboratório do curso de Jornalismo • Ano 9 • nº 13

ustis vulput

Em ipsustis dip et, vulput Revista Laboratório do Curso de Jornalismo nit inisi Ano 9 | Número 13 - Dezembro de 2017 Henim quat

Mulheres do street art ganham os muros

Garotas usam internet para vender prazer Página 38

Os desafios e conquistas da Reforma Psiquiátrica

Poesia Slam:

Jornalista ustis entrevista vulput mulheres vítimas de estupro no Haiti quat

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A agressão é uma grave violação dos direitos humanos. Seu impacto traz consequências físicas, sexuais e mentais às mulheres, mas o problema ainda é tratado com descaso pela sociedade. Página 8

Angela Davis inspira luta contra o preconceito Equipe de futebol LGBT joga contra a homofobia

a batalha que usa como arma a palavra para propor a revolução social pela celebração

Em ipsustis dip et, vulput nit inisi Henim quat

Desigualdade de gênero

Lenisi Uptat aliquam consenis dolutpat augiam A importância nim dolobor Batalhas poéticas perostrud do nome discutem os social para asdolesequatum problemas del iriure pessoas trans dolorem quis sociais auguero dignis

Literatura e erotismo: mistura que Alice Lavynne atrai leitoras luta para registrar seu nome social

Revista Laboratório do Curso de Jornalismo Ano 09 | Número 15 - Abril de 2019

Revista Laboratório do Curso de Jornalismo Ano 9 | Número 14 - Junho de 2018

Maíra Lemos Ensaio mostra Renata e Priscilla, mães de Arthur conta sobre a tragédia em e Theo, nova fase na Mariana dois carreira a dupla maternidade anos depois obtêm na Justiça na certidão de nascimento dos filhos

PELA LUZ DOS OLHOS Miss Minas Gerais 2013 traz à tona debate sobre retinose pigmentar e cria uma ONG para dar maior visibilidade ao problema

Lei garante o direito de amamentar em público

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Revista Laboratório do Curso de Jornalismo Ano 9 | Número 13 - Dezembro de 2017

Burocracia no SUS adia realização do sonho de mudança de sexo para transexuais

Animais conquistam likes nas redes sociais

A belo-horizontina Tereza Brant põe em debate os padrões da formação da identidade sexual de cada um e cada uma

Sergio Utsch e a vida de correspondente internacional

3/7/13 10:08:57 AM

ESSE SEXO NÃO É MEU

6/29/11 8:45:11 AM

O relato de um soldado judeu torturado 11:33:01 AM por sua tropa

Giramundo prepara reabertura de museu

Cosplay: o sonho de ser super-herói na vida real

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Revista laboratório do Curso de Jornalismo Ano 6 | Número 9 - Novembro de 2014

Michael Jackson

Ídolos às avessas: dignos de dó?

12/20/10 7:44:39 PM

As múltiplas facetas da índia Adana Kambeba

"NÃO ME DEIXE MORRER"

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Caco Barcellos: lições de um vitorioso

12/20/10 7:42:05 PM

Amy Winehouse

LULA, O BIG BOSS, INVENTA E REINVENTA DILMA, A CANDIDATA

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na produção Lenisi Uptat aliquam literária consenis dolutpat augiam nim dolobor perostrud dolesequatum del iriure dolorem quis auguero dignis 24/11/17 12:52

Estudo e trabalho mudam vida de detentos

04/12/19 08:22


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