Revista laboratório do Curso de Jornalismo Ano 4 | Número 6 - Agosto de 2012
Caco Barcellos: lições de um vitorioso
As múltiplas facetas da índia Adana Kambeba
ESSE SEXO NÃO É MEU
Em ipsustis Apac abre dip et, vulput portas para nit inisi uma segunda Henim chancequat
Burocracia no SUS adia realização do sonho de mudança de sexo para transexuais
Amor entre irmãos motiva livro sobre superação e Síndrome de Down Sheila Castro fala sobre suas expectativas para as Olimpíadas Pedro Henrique Vieira dá um “show de bola” depois de formado
ÍnDice Caco Barcellos
Pág. 06
Adana Kambeba
Pág. 11
Matéria de capa
Pág. 15
Sheila Castro
Pág. 20
Reportagem Apac
Pág. 24
Frente e Verso
Pág. 31
expediente
Ensaio Fotográfico
Pág. 32
Universidade Fumec
Mano Down
Pág. 38
Câmera Escondida
Pág. 40
Em destaque
Pág. 42
Turbulência no Ecad
Pág. 44
Guia Cultural
Pág. 48
Presidente da Fundação: Prof. Mateus José Ferreira Reitor: Prof. Dr. Eduardo Martins de Lima Vice-reitora: Profª. Guadalupe Machado Dias Presidente do Cons. de Curadores: Prof. Tiago Fantini Diretor-Geral: Prof. Antônio Marcos Nohmi Diretor de Ensino: Prof. João Batista de M. Filho Diretor Adm-Financeiro: Prof. Fernando M. Nogueira Coordenador do Jornalismo: Prof. Ismar Madeira
Ponto e Vírgula
Editor: Prof. Aurelio José Silva Editora: Profª. Vanessa Carvalho Coordenação Editorial: Profª. Vanessa Carvalho Coordenação Proj. Gráfico: Prof. Aurelio José Silva Apoio Técnico: Luis Filipe P. B. Andrade Apoio Técnico: Daniel Washington S. Martins Revisão de texto: Prof. Dr. Luiz Henrique Barbosa Logomarca: Rômulo Alisson dos Santos Gráfica: Rona Editora Tiragem: 1.000
ENSAIO FOTOGRÁFICO A Avenida Afonso Pena ganha destaque pelas lentes da equipe de reportagem da Ponto e Vírgula
Conselho Editorial
Prof. Alexandre Salum Profª. Ana Paola M. Amorim Valente Prof. Aurelio José Silva Profª. Dúnya Azevedo Profª. Vanessa Carvalho
Foto: Raquel Couto
editoriaL
atualizar é preciso!
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cipar ativamente na Ponto e Vírgula. E foi o que eles fizeram: o resultado pode ser visto aqui, nas páginas que ilustram entrevistas e reportagens desta edição. O trabalho revelou uma grata surpresa: a Ponto e Vírgula recriou-se, com perfil profissional e interdisciplinar, seguindo as diretrizes que o Conselho Editorial da revista elaborou. Em resumo, a revista Ponto e Vírgula chega à 6ª edição com um novo projeto gráfico e editorial, com modificações no seu visual, em algumas seções e na forma de apresentação das entrevistas. O logotipo também foi modificado e ganhou um ar mais moderno e adequado ao público. A tipologia das letras foi alterada para tornar a leitura mais confortável. Quanto às seções, a revista – que até o momento priorizava exclusivamente a entrevista no estilo pingue-pongue – a partir de agora vai trazer também reportagens de fôlego, perfis de ex-alunos que encontraram seu espaço no mercado de trabalho, ensaio fotográfico, análises opinativas mais densas e inova com um guia cultural que dá destaque a atrações tradicionais e novas tendências culturais na capital. As entrevistas continuam tendo seu destaque e sua importância indiscutível na linha editorial da revista e a coluna “frente e verso” foi mantida por trazer pontos de vistas antagônicos sobre o mesmo assunto. A unidade gráfica do produto fica evidente por reproduzir tanto o formato quanto as cores do logotipo na diagramação. As seções da revista estão marcadas por tarjas nas cores da logo e o tipo de papel também mudou. A revista ganha ainda mais
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atratividade com cores nas páginas internas. “Por ser um produto laboratorial de uma universidade, é o espaço adequado para experimentar novas propostas na tentativa de responder aos desafios impostos pela modernização do mercado editorial brasileiro e mundial”, afirma o professor Aurelio Silva, coordenador do novo projeto gráfico Boa leitura! Vanessa Carvalho e Aurelio Silva
Foto de capa: Roberto Reis/Divulgação
A reformulação de uma revista é sempre um desafio para os seus editores. Como definir o novo projeto editorial, considerando o perfil do leitor da publicação? O que deve permanecer e quais as lições que as edições anteriores nos deixam? Qual o melhor projeto gráfico para atender aos novos rumos editoriais da revista? Com as dúvidas inerentes a todo processo de criação, mas com muita vontade de acertar na condução de uma nova Ponto e Vírgula, os atuais editores tinham apenas uma certeza: fazer uma revista com a cara de nossos alunos. Afinal, esse é o sentido de uma publicação situada em um campus universitário que abriga um curso de Jornalismo. Não podíamos nos esquecer se tratar de uma revista-laboratório e sua identidade deveria refletir a produção de nossos estudantes. Por esse motivo, tratamos de deixar explícito para os alunos da disciplina Edição Especial em Revista que o futuro da Ponto e Vírgula estava nas mãos deles: eles seriam os responsáveis por todo o trabalho. Portanto, participariam de todas as etapas. Nesse percurso, eles comandaram, com muita energia e criando polêmicas, as definições de pautas e quais seções seriam mantidas, a seleção das fotografias, a apuração e elaboração das reportagens e, finalmente, a programação visual das páginas. Os palpites não eram apenas bem-vindos, mas necessários. A equipe também era heterogênea e criativa: alunos de diferentes períodos do curso, iniciantes e veteranos, revezaram-se na direção da rotina produtiva da revista. Uma única resposta eles recebiam dos editores: sim, vocês devem parti-
espaço do Leitor
é para VocÊ, leitor!
Imagens: Google Images
alunos de
JORNALISMO Público-Alvo A-B
17 - 35 anos
Assuntos de interesse
26%
Comportamento
8%
Qual tipo de jornalismo te interessa 38% Cultural 33% Esportivo 13% Investigativo 07% Celebridades 06% Político 03% Outros
Como se informa 25%
32%
15%
13%
15%
Leitura de revista
32%
16%
14%
11%
8%
O que atrai em uma revista
47%
Reportagem
Fotografia
Prof. Aurelio José da Silva
8%
Tecnologia
17%
Política
18%
Esporte
23%
18%
Seja bem-vindo!
cultural
conectado
classe
Comunicação
de muitas iniciativas que serão desenvolvidas para consolidar os laços da Ponto e Vírgula com os leitores. As pesquisas de opinião deverão se tornar ferramentas constantes de avaliação do trabalho e de feedback dos leitores. Os resultados dessa pesquisa, com retorno de mais de 60% dos participantes, você pode conferir no infográfico que acompanha o texto nesta página. O leitor da Ponto e Vírgula está na faixa etária entre 17 e 35 anos, classe social A e B, universitário, moderno, comunicativo e conectado às redes sociais. Dentre os assuntos que mais lhe interessam, cultura vem em primeiro lugar, seguido por comunicação, esportes e comportamento. A internet é a plataforma mais procurada pelos respondentes para obter informações; e a rede social mais utilizada, atualmente, é o Facebook (63%). O jornalismo cultural é o tipo de produção informativa que mais interessa aos inqueridos. Os participantes da pesquisa apontaram ainda a reportagem como o estilo mais atrativo em uma revista, seguida pelas entrevistas e fotografias. Já o local de lazer preferido são os bares e baladas. Partindo desses dados como refêrencia, reforçamos o convite para que você, leitor, interaja conosco. Sua opinião é fundamental para o sucesso do nosso produto. A oportunidade também é ótima para reforçar nosso pacto: sua fidelidade e colaboração em troca de um conteúdo que é importante para você, do seu interesse, que vai levá-lo a saber o queria saber e até o que não sabia que precisava saber
Cultura
Esse espaço, a partir desta edição, é para você, leitor, manifestar-se. Uma ferramenta em que poderá expressar suas ideias e opiniões. Para isso, acesse o site www.conecta.fumec.br, clique no link publicações e deixe seu recado, ou fale conosco pelas redes sociais. Se a regra número um para os especialistas é que “revista se faz para o leitor”, com certeza, essa publicação laboratorial do curso de Jornalismo da Fumec está preocupada com isso; afinal, a sua existência só tem sentido se houver pessoas com interesse de receber esse tipo de comunicação e interagir com ele. Sendo assim, o primeiro tema abordado nas aulas da disciplina Edição Especial, responsável por discutir e implementar a reformulação gráfica e editorial da revista, no último semestre letivo, foi o leitor. Direcionamos as discussões para tentar entender um pouco mais sobre os receptores da revista. Quem são, o que pensam, como se comportam, quais seus hábitos e expectativas? Para fortalecer esse vínculo, é fundamental conhecer melhor o leitor e mantê-lo sempre em mente, e como prioridade, em todas as decisões editoriais. Conhecê-lo e compreendê-lo é central em toda estratégia editorial. Optou-se, então, por iniciar o processo por uma amostragem desse público, receptores diretos da publicação. Assim, os alunos da disciplina saíram a campo e aplicaram um questionário aos universitários do curso de jornalismo de todos os períodos. Partindo de um modelo de leitor ideal, elaboraram questões e confrontaram essas características com a realidade, buscando entender os interesses, desejos e necessidades do leitor. Essa foi a primeira
PERFIL DO LEITOR
26%
Entrevista
9%
Crônica
Infografia: Vitor Komura
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entrevista - Caco Barcellos
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Foto: Tiago Ferreira
Caco Barcellos -
entrevista
De taxista a contador de histórias “O jornalismo me abriu várias portas”, afirma Cláudio Barcelos de Barcellos, 62, um dos profissionais mais renomados do Brasil e com mais de 30 de atuação profissional na comunicação. Repórter de uma das maiores emissoras de televisão do país, tornou-se modelo de repórter por sua ética e moral. Com vasta experiência no jornalismo – inclusive internacional –, é referência e fonte de inspiração para jovens estudantes que buscam uma formação diferenciada. Por: Laís Seixas e Júlia Falconi Caco Barcellos se especializou em jornalismo investigativo e se tornou autor de obras premiadas como os livros- reportagem Rota 66, que conta a história da polícia que mata em São Paulo; e Abusado, o dono do morro Dona Marta, que retrata o tráfico nos morros cariocas. Atualmente, comanda o programa televisivo semanal Profissão Repórter, em que orienta uma equipe de jovens profissionais a mostrar diferentes ângulos de um mesmo fato, de uma mesma notícia. Mas, antes de ocupar esse lugar de destaque profissional, Caco Barcellos teve que superar muitos percalços. De família humilde, testemunhou ainda na infância, na Vila São José de Murialdo, periferia de Porto Alegre, onde nasceu, a violência e brutalidade de agentes da polícia local e injustiças sociais. Na universidade, Barcellos iniciou sua trajetória rumo ao jornalismo, passando por dois cursos diferentes: Matemática e Engenharia Civil. Após dois anos cursando Engenharia Civil, percebeu que seu interesse e afinidade eram maiores pelo jornalismo. Como já se graduava na área, Caco Barcellos tentou um estágio no
jornal Folha da Manhã, do grupo gaúcho Caldas Júnior. Foi aceito após revelar que trabalhava há cinco anos como taxista. A primeira matéria produzida pelo jornalista iniciante foi uma experiência que teve com um passageiro muito “falastrão” e bêbado que o procurava todos os dias na cooperativa de táxi para contar suas histórias e ganhar sua amizade. Como todo estagiário, Barcellos era alvo de gozações na redação, mas lidou de forma passiva com as brincadeiras dos colegas veteranos. Permaneceu por três anos escrevendo histórias que observava e vivenciava em um dos mais importantes jornais de Porto Alegre. Na mesma época em que estagiava, participou da fundação da primeira Cooperativa de Jornalistas da América do Sul (Coojornal). Entrou para a imprensa alternativa, na década de 1970, escrevendo em um dos mais importantes jornais da categoria, o Versus. Assim que se formou, decidiu viajar pelo mundo e conhecer outras culturas. Por cinco anos, seu sustento foi ob-
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entrevista - Caco Barcellos tido por meio de matérias que enviava ao Jornal da Tarde, em São Paulo. Em 1979, foi morar em Nova York. Lá assistiu à ação de grupos que lutavam contra a ditadura de Somoza. Chegou a pegar um avião para fazer a cobertura da ação, mas foi capturado por sandinistas, feito refém e declarado espião, correndo risco de morte. A ação em Nicarágua resultou no primeiro livro de Barcellos, que conta a história de crianças guerrilheiras. O jornalista foi libertado por ordem de um líder sandinista de apenas 13 anos, que comandava o grupo. Daí o título do livro: Nicarágua: a Revolução das Crianças. O movimento sandinista abordado pelo livro tirou o país das garras do ditador Anastasio Somoza. De volta ao Brasil, um ano depois, Caco trabalhou na revista IstoÉ e, em seguida, na Veja, em São Paulo. Suas matérias ganharam repercussão e serviram de passaporte para seu ingresso na televisão. O convite para trabalhar em uma emissora partiu de Luiz Fernando Mercadante. Mas, Barcellos optou por ficar viajando e voltou para Nova York. Em Nova York, passou a acompanhar os documentários exibidos na programação local e se apaixonou pela televisão. Decidiu aceitar a proposta de uma emissora brasileira. Em sua trajetória profissional, Caco Barcellos ganhou inúmeros prêmios, tais como o “Vladimir Herzog”, pela produção de uma reportagem sobre os vinte anos do atentado militar no Riocentro. Ganhou renome internacional ao receber o “Prêmio Especial das Nações Unidas” como um dos jornalistas que mais se destacaram no mundo nos últimos 30 anos. Em entrevista à Ponto e Vírgula, Caco Barcellos falou sobre sua vida e seu percurso rumo ao êxito profissional. Quanto à sua retidão moral, afirma ter herdado de seu pai e transformado esse princípio em uma das ferramentas primordiais utilizadas no seu cotidiano jornalístico.
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Foto: José Willian Borges
Caco Barcellos -
Ponto e Vírgula: Como você percebeu que era um contador de histórias?
Caco Barcellos: Eu nasci na periferia de Porto Alegre. Sempre vivenciei histórias impressionantes e sempre gostei de escrever. Eu tinha um cachorro que me ajudava muito como jornalista. Como eu tinha que sair para passear com ele, aproveitava esse passeio para conhecer lugares e, depois do passeio, escrevia tudo que eu aprendia. Eu adorava quando tinha algum maluco de rua que parava para conversar comigo. Eles eram ouvintes muito bons. Contava minhas histórias e eles prestavam atenção. Descobri que desde sempre eu era um contador de histórias.
Por que você escolheu o jornalismo?
Talvez pelo fato de eu ter começado na carreira durante a Ditadura Militar. Ao receber uma missão do seu chefe de reportagem para ir atrás de uma determinada história que envolvesse alguém da ditadura, se você procurasse dez, ouviria cinquenta nãos. Mas você tinha que contar a história independentemente disso. Então, acabei desenvolvendo uma coisa muito simples que é contar a história de qualquer maneira, fugin-
“Acho que em vez de contar primeiro, você deve ter seu ritmo para contar melhor”
Quando descobri que era possível contar uma história profissionalmente, fiquei muito encantado e, como tudo na minha vida, foi por acaso. Estava fazendo o jornal do Centro Acadêmico da Faculdade de Matemática; ninguém quis fazer esse jornal. Apareci por lá e, inicialmente, fui o único a fazê-lo. Acabei conhecendo uns hippies que passaram a fazer o jornal comigo. Nós saíamos para vender esse jornal juntos e, um dia, um jornalista comprou e gostou. O veículo desse jornalista estava passando por uma mudança. Era um jornal muito conservador; precisava dar uma renovada na redação. Então, ele convidou toda a nossa redação hippie para ir a uma reunião de pauta. Alguns foram. Eu fui e fiquei. Foi quando eu constatei que ali era uma oportunidade de contar uma história e ainda receber por isso. Eu pensei: “Meu Deus, isso é muito bom.”
do das fontes oficiosas, e, como todo mundo sabe, a ditadura foi uma fase importante da história que envolveu a vida de muita gente. Se as autoridades não querem falar, vamos atrás de outras pessoas envolvidas indiretamente, vítimas da história, por exemplo. Então, eu sempre buscava meios de contar a história. Isso nem se trata de jornalismo investigativo. Qualquer história que você vá contar, se é um profissional dedicado, tem que bater em todas as portas sempre e buscar uma solução. Então, foi isso. Comecei em uma situação adversa e aprendi a desviar da adversidade, ou melhor, coloquei isso a meu favor.
Como surgiu o interesse pelo jornalismo investigativo?
Você é a favor ou contra o uso da câmera escondida? Você acha ético?
Esse passo também foi por acaso.
Ético ou não ético, é um profis-
entrevista
sional que utiliza um equipamento. A câmera pode de fato ter um uso não ético. Digamos que a use para invadir a privacidade dos outros. Claro que não é legal fazer isso. Vai sempre depender. Comparando com a câmera grande, eu acho que ela transforma muito mais a realidade. Não gosto da câmera pequena. Acho a imagem esteticamente feia. Não acho a resolução legal. Não uso; até porque gosto que a gente se apresente para as pessoas como repórter. Tenho orgulho de dizer: “Sou repórter”.
Qual o caminho para ser um jornalista bem-sucedido? Você saber usar seus potenciais, tirar proveito de uma oportunidade que seja favorável a você. Acho que sempre é uma coisa positiva. Se, consciente da trajetória, souber tirar proveito disso, vai trazer uma bagagem pessoal incrível. Depois que vira profissional, então, cada dia você tem um aprendizado na rua diferente. Se você souber ouvir, estiver atento à história de cada um, vai se tornar um grande profissional. Raramente alguém não guarda consigo uma história maravilhosa. Às vezes, não se descobre porque está desatento. Depende dos nossos ouvidos, da nossa sensibilidade; sempre é possível aprender muito com cada pessoa. O repórter é um observador do cotidiano, um curioso eterno. O que a gente busca essencialmente é o equilíbrio. De uma forma ou de outra, a sua opinião está ali.
Quais as ferramentas fundamentais para se tornar um grande profissional? A minha principal ferramenta é o meu princípio moral. Cresci vendo meu pai fazendo uma força enorme para educar os filhos e aprendi o essencial na vida. Isso para mim é um princípio enorme. Não posso tirar a
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entrevista - CaCo BarCeLLos gistrando ao vivo a história, por meio desses equipamentos maravilhosos. Então, é uma mudança incrível. Acho que a principal consequência dessa mudança é a loucura de você correr atrás para contar primeiro. Acho que em vez de contar primeiro, você deve ter seu ritmo para contar melhor. Porque o equipamento não faz história sozinho. Contando melhor, sempre será uma forma de você se destacar. Ser um repórter bem informado sempre será fundamental para a sua carreira. Você tem que saber sobre a história que vai contar.
Com tudo que você vivenciou e com esse longo histórico de reportagens, existe alguma coisa que você vê hoje que o impressione?
Caco Barcellos exibe taxímetro durante palestra em que conta sobre o início de sua carreira como jornalista, quando ainda trabalhava como taxista e ouvia inúmeras histórias de seus passageiros
importância do meu pai. Ele representa tantos brasileiros que têm a trajetória como a dele e foi muito relevante para a minha vida. Eu aprendi um ditado: “Se você avançar sempre, você pode correr riscos, dependendo da situação; mas, em vez de brecar, mude a marcha, vai bem devagar, mas avançando sempre, nem que tiver que dar ré, mas sempre em movimento”. Então, sempre tento seguir a parte daqueles que querem avançar, no sentido de continuar, prosperar na vida. Minha ferramenta é muito mais de ordem subjetiva do que uma microcâmera ou uma câmera grande. É algo maior do que a simples realização de uma tarefa. A minha herança é a ferramenta moral.
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Como você vê os novos jornalistas? Qual o rumo do jornalismo? Houve mudanças? Houve uma grande mudança com a revolução digital. Agora temos equipamentos que nem imaginávamos no passado. Por exemplo: como uma história de guerra seria contada quando eu era jovem como vocês? Eu ia esperar um mês e meio, dois meses para entender o que estava acontecendo. Então, faltavam meios de como chegar à guerra, fazer a matéria; faltavam recursos para fazer a matéria. Hoje, a bomba, antes de cair em determinado local, já tem milhares de câmeras apontadas, esperando por ela, re-
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Quase todo dia. Eu não consigo andar sem me impressionar com cada coisa que eu vejo, em qualquer lugar do mundo. Depende do seu jeito de observar cada história. Para ser bem preciso, já vi milhares de pessoas levarem tiros, já vi a repressão de uma Ditadura Militar, mas, a cada dia, aparece algo novo para me impressionar. E o que me choca muito ainda é que não há direitos humanos respeitados; os direitos trabalhistas não existem. É impressionante demais ver os contrastes sociais. Outra coisa que acho inadmissível é essa violência policial. Como é que a gente pode ter a polícia mais violenta do mundo? E acho também impressionante e questionável o ser humano aceitar passivamente essa tortura
Fotos: Tiago Ferreira
adana KamBeBa -
entrevista
ÍnDia, atriz, atiVista e futura méDica
Flávia Drummond e Aldeci Madeira
Foto: Ismar Madeira
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entrevista - Adana Kambeba Envolvida em projetos multiculturais, a índia Adana Kambeba, par romântico de um dos irmãos Villas Bôas em Xingu, filme do diretor Cao Hamburger, fala à Ponto e Vírgula sobre sua experiência no cinema, a defesa dos povos indígenas e seus planos para conciliar vida artística e acadêmica. Atriz do filme Xingu (2012), do diretor Cao Hamburger, em que faz par romântico de Cláudio Villas Bôas, interpretado pelo ator João Miguel, Adana é indígena do povo Kambeba, da Amazônia, e, atualmente, caloura do curso de medicina da Federal em Belo Horizonte. Circulando entre duas realidades distintas, no encontro com a equipe de reportagem da revista Ponto e Vírgula, Adana deixou explícitas nos seus trajes as influências multiculturais que compõem sua figura forte, porém, reservada. Usando uma calça bege e camiseta preta, estampa suas raízes indígenas por meio de brincos, pulseiras e colares. “Eu digo sempre que pertenço às duas realidades. Tanto a realidade da floresta quanto a urbana, da cidade. Então consigo transitar entre as duas. Compreendo os dois mundos. Às vezes, chego a ser uma tradutora, uma espécie de diplomata, alguma coisa assim entre uma realidade e outra”, explica Adana, que tem como missão, além de ser porta-voz da realidade dos povos indígenas, tornar-se médica e promover o diálogo entre as práticas ocidentais e a medicina tradicional dos povos indígenas. A entrevista ocorreu em uma pracinha da moradia estudantil. Adana pediu para não falar de sua vida pessoal e para priorizar assuntos “relevantes”. Durante o encontro, falou sobre suas origens, sobre os povos indígenas, suas prioridades no momento, suas convicções, sobre a escolha por Belo Horizonte entre quatro cidades para cursar medicina e revelou também que o ingresso no universo cinematográfico aconteceu por acaso, embora seja cantora, compositora e instrumentista, e que sempre manteve uma forte ligação com as artes.
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Antes do filme Xingu, a única experiência de Adana com interpretação foi na minissérie “O auto do boi-bumbá”, dirigida por Cleber Sanches e veiculada em rede de tevê local de Manaus. No filme Xingu, sua personagem, Kaiulu, acompanha de perto o processo de demarcação de terras, envolvese com um dos irmãos Villas Bôas e tem um filho com ele. O longametragem, que retrata um marco da defesa dos indígenas no Brasil, resgata a trajetória dos irmãos Cláudio, Orlando e Leonardo Villas Bôas, na década de 1940, em que coordenaram a Expedição Roncador-Xingu, que tinha como objetivo reconhecer a explorar a região central do país. Responsáveis pelo contato com índios isolados, os Villas Bôas criaram, em 1961, o Parque Nacional do Xingu, onde atualmente vivem mais de 5.000 índios de 14 etnias. No filme, os irmãos são interpretados pelo trio de atores João Miguel (Cláudio), Felipe Camargo (Orlando) e Caio Blat (Leonardo). Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista com Adana Kambeba e confira no site www.conecta.fumec.br vídeo com entrevista na íntegra.
Ponto e Vírgula: Adana Kambeba ou Danielle Soprano, como você gosta de ser chamada?
Adana Kambeba: Na verdade, eu tenho três nomes: em português, é Danielle Soprano Pereira. Meu nome indígena é Adana Kambeba Omagua e o meu terceiro nome é Toteem Kambeba. Danielle foi minha mãe quem me deu. Toteem foi de um grupo indígena com quem
Adana Kambeba -
˜ convivi. Toteem é nome de uma bo˜ neca indígena talhada na madeira e pintada de urucum e carvão. Acharam-me muito parecida com a boneca. Adana Kambeba Omagua também foi escolhido em grupo. Adana é o nome de uma moça de uma lenda indígena. A mais bonita do povo Tupi. Eu pertenço ao tronco Tupi e acharam que eu era muito bonita e me chamaram de Adana Kambeba. Pode me chamar por qualquer um dos três nomes. Todos sou eu e eu sou eles.
Como é o povo Kambeba? Tem alguma característica específica que o diferencie dos outros? Tem sim. Na verdade, o meu povo se chama Omagua, que quer dizer o povo das Águas. Posteriormente, foi apelidado por Kambeba. Kambeba quer dizer cabeça chata. Akanga quer dizer cabeça e Pewa quer dizer chata. Akanga Pewa, cabeça chata. Então, o que aconteceu: Akanga Pewa, Akanga Peva... Kambeba foi se tornando Kambeba, que, na verdade, é um apelido.
Você sabe quantos são os Kambebas? Não, não sabemos quantos nós somos. O que posso dizer é onde estamos. Porque andei pelas aldeias, visitei meus parentes. O nosso povo está presente na Amazônia peruana e na Amazônia brasileira, até porque
entrevista
a noção de território não existia. Na verdade, não era nem Amazônia, tinha outro nome. Não existia essa demarcação de terra. Em questão de território, estamos presentes no alto, médio e baixo Solimões e também em Manaus, Manacupu...
professor comigo ensinando português e a língua materna, que é o Kambeba, nossa primeira língua.
Você morava em uma aldeia?
Sim. Eu já havia atuado antes numa minissérie local, que faz referência às tradições do Amazonas, que é o Boi Bumbá e tinha inserção de elementos indígenas. Chegar ao filme Xingu foi através de uma amiga minha, Mara Pacheco, que é coreógrafa e bailarina no Amazonas. Ela me ligou e fomos lá, tirei fotos de perfil, de frente, fiz gravação, falei na língua, traduzi. Falei: pronto, estão satisfeitos? Então, tchau. Agora vou cuidar da minha vida... Já não estava nem me lembrando disso, eu estava envolvida com o movimento indígena, articulando patrocínio, uma série de coisas, não estava pensando nisso. Umas três semanas depois, me ligaram: ‘Meus parabéns’. Eu fiquei assustada! O que que foi? O que tá acontecendo? ‘Você passou no filme Xingu. Vai fazer o par romântico do protagonista do filme’.
Não. Eu nasci em Manaus. Lá tem a área urbana e uma área de floresta, bem preservada, com característica rural, com igarapé e rio. Então, eu cresci nesta parte de floresta e, depois, tive que ir para o lado mais urbano, por causa dos estudos. Eu digo sempre que pertenço às duas realidades. Tanto a realidade da floresta quanto a urbana, da cidade. Então, consigo transitar entre as duas. Compreendo os dois mundos. Às vezes, chego a ser uma tradutora, uma espécie de diplomata. Às vezes, os próprios caciques e lideranças indígenas me procuram para pedir conselho, orientações, porque não entendem muitas coisas do mundo urbano. Às vezes, antropólogos, pessoas que estudam os indígenas me procuram para saber como é o mundo indígena para também ter uma noção.
Você fez parte do elenco do filme Xingu. Como foi convidada a fazer parte do elenco? Você já havia atuado antes?
Você trabalhou como educadora?
Você acha que o filme Xingu foi um retrato dos povos indígenas?
Sim. Eu fui alfabetizadora bilíngue do meu povo. Ensinei português e tupi amazônico, que é a segunda língua do meu povo. Havia outro
Como é um filme de época, mostrou o que aconteceu naquela época, que foi justamente o processo de criação e demarcação do Parque
Set de filmagens do filme Xingu
Fotos: Ismar Madeira (esq), Divulgação (dir)
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entrevista - Adana Kambeba Xingu. Sendo assim, ele foi fiel e teve muita participação de nós, indígenas. O diretor, apesar de ter feito cinco anos de pesquisa, ouvia a todos. Tivemos grande participação no enredo da história. Acho que foi bem fiel. Fomos protagonistas na história. Ele quis passar essa imagem porque, antes, apenas os irmãos Villas-Bôas eram tidos como heróis e o filme deixa claro que teve participação indígena e que, se não fosse essa parceria entre indígenas e não indígenas, isso não teria acontecido.
teve uma importância muito grande. Além de ter sofrido, ver a aldeia ser massacrada, ela mostrou resistência, força, se deu a chance de continuar vivendo, inclusive de participar desse processo de demarcação. Porque ela acompanhou os irmãos e acabou se envolvendo com um deles, o Cláudio, e teve até um filho com ele. Eu gostei muito da personagem e tive a oportunidade de conversar com um dos filhos dela e disse para ele que foi uma grande satisfação representar a sua mãe.
Como foi trabalhar com um diretor já consagrado e atores famosos?
Você saiu do Amazonas e veio parar em Minas Gerais. Como escolheu a UFMG? Como foi esse processo?
João Miguel (meu par romântico) é um excelente ator e também uma excelente pessoa. Trabalhar com o diretor Cao Hamburger foi muito bom. Uma excelente pessoa. Muito respeitador, ético, profissional, seguro no que faz e muito sensível para certos assuntos. Outra pessoa talvez não tivesse essa sensibilidade. Para mim, foi uma experiência muito boa conhecer os atores, as atrizes, a forma de trabalhar do diretor e da equipe. Eu fiquei três meses com eles.
Como foi a sua personagem? Minha personagem foi a Kaiulu, do povo Trumai. Ela está viva. Eu conversei com a neta dela um tempo atrás e perguntei como ela está. Ela está sob acompanhamento médico porque é uma senhora de idade. Ela
Eu estava indecisa entre quatro universidades: São Paulo, Rio de janeiro, Paraná e Minas Gerais. Então, fiz um estudo para ver qual das quatro oferecia melhor estrutura física e humana, porque a maioria das universidades oferece, no máximo, uma bolsa de ajuda. E somente isso. E a UFMG, por meio de Fump (Fundação Universitaria Mendes Pimentel) e parceria com a Funai (Fundação Nacional do Índio), possibilita não somente uma bolsa de ajuda, mas também moradia, alimentação, transporte. Temos acompanhamento, dentro da própria universidade, temos uma tutoria que nos acompanha para resolvermos problemas acadêmicos. Então, temos todo um aparato que nos possibilita ficar aqui, continuar aqui. Isso é muito importante.
Você quer retornar ao Amazonas? Devolver para o seu povo o que está aprendendo na faculdade? Sim, quero voltar. Tenho saudade da minha casa. Quero fazer esse diálogo porque, aqui, estou aprendendo a medicina ocidental, mas lá, no Amazonas, existe a medicina tradicional dos povos indígenas. No meu ver, não existe medicina maior ou menor. Então, penso em provocar um diálogo para que ambas possam se complementar, onde pode ter tanto a atuação do médico como também a do pajé. Uma ligação. Um diálogo. Um complemento. Sei que mesmo fazendo uma faculdade de medicina eu também terei, futuramente, que fazer uma preparação para ser pajé. Tem que se estudar para poder ter essa noção.
Quer fazer mais filmes? Eu penso em conciliar as duas agendas. A agenda acadêmica e a artística. Se não conseguir fazer isso, vou optar pela agenda acadêmica. Eu tenho consciência que vou ser muito mais útil sendo médica do que atriz. E não me limito somente à arte cênica. Também sou compositora e cantora do meu povo. Eu componho na língua e canto na língua. Já fiz muitas apresentações em vários lugares do Brasil. Também sou pesquisadora do meu povo. E, como estou fazendo faculdade de medicina, eu não posso executar esse projeto de uma vez só e, sim, de forma paulatina
Em cena do longa com o ator Caio Blat
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Fotos: Divulgação (esq), Ismar Madeira (dir)
reportagem
Esse sexo não é meu Na luta pelo direito à readequação sexual, homens e mulheres enfrentam, além do preconceito, as dificuldades e burocracias para realizar cirurgias pelo SUS Fotos: Roberto Reis/Divulgação
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reportagem - Esse sexo não é meu
Leo Tenório e João Nery (sup.), Aghata Lima (inf. esq.) e Eduardo Barbosa
Por Lais Seixas e Ana Luisa Altieri Sentir-se um estrangeiro no próprio corpo. Esse é o sentimento que impulsiona muitos homens e mulheres a enfrentar os preconceitos e a marginalização e optar pela mudança de sexo. Mas, além de ter que transpor a incompreensão da família, dos amigos e da sociedade, outra barreira se ergue diante desse grupo: conseguir a sonhada cirurgia para a readequação sexual. Embora o registro da primeira cirurgia feita em uma mulher no Brasil
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para mudar de sexo seja do ano de 1977, a discussão é recente no país. João W. Nery, que antes era Joana, foi o pioneiro. Aos 27 anos realizou a cirurgia, mas sua história só veio a público em 1985, quando lançou o livro Erro de Pessoa. Depois da iniciativa de João Nery, feita de forma ilegal – esse tipo de procedimento só foi autorizado em 1997 –, pouco se evoluiu em termos de direitos quando uma pessoa que nasceu no gênero feminino quer
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transformar seu corpo. Quem opta pela mudança hoje precisa escolher entre pagar de R$ 7 mil a R$ 15 mil, em uma clínica particular, ou enfrentar a burocracia e a enorme fila de espera em um dos cinco hospitais universitários que estudam e aperfeiçoam esses procedimentos. Para os homens que buscam um corpo feminino, somente a partir de 2009, o Sistema Único de Saúde (SUS) passou a realizar a operação de readequação sexual e, mesmo
Fotos: Roberto Reis/Divulgação
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assim, poucos hospitais estão capacitados para fazê-la. Em 2011, foram realizados 648 procedimentos ambulatoriais de acompanhamento e administração hormonal e 58 procedimentos cirúrgicos, conforme dados do sistema DATASUS. O diretor-adjunto do departamento de controle de HIV-Aids e hepatite, do Ministério da Saúde, Eduardo Luiz Barbosa, afirma que o SUS não tem preparação para realizar as cirurgias para transexuais, pois esses procedimentos requerem capacitação e o acompanhamento psicológico e hormonal por um longo período. “Hoje não se tem nem uma norma e, portanto, sem norma, o SUS não pode trabalhar. Além disso, teria todo um processo de qualificação do serviço. As próprias meninas (transexuais) falam das dificuldades de conseguir essa cirurgia porque poucos médicos hoje conhecem a prática”. Além das dificuldades técnicas enfrentadas, muitos transexuais dizem sofrer preconceito até mesmo dentro das unidades de tratamento. Na carta de direitos dos usuários do SUS, elaborada pelo Ministério da Saúde, o sistema preconiza que o nome social seja adotado. Então, homens e mulheres que não se identificam com seu nome de batismo podem ser tratados como preferem, mas Barbosa acrescenta: “Outra questão complicada é que na unidade de saúde a pessoa esbarra com a questão da moralidade, né? Seja do guarda na portaria, do atendente no balcão, da enfermeira e até do médico. Então, há uma série de desafios que precisamos contornar e modificar através da capacitação para um tratamento mais qualificado à LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transsexuais)”.
reportagem
Exemplo de superação dessas dificuldades é a vida de Leonardo Tenório, um trans-homem que nasceu em corpo feminino, mas se identifica com o gênero masculino. Léo, como é mais conhecido, é militante na luta pelos direitos de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Transexuais e Simpatizantes (GLBTS). “Nós precisamos que o Ministério da Saúde estabeleça um serviço mais amplo, abrangente, menos psiquiatrizante, menos patologizante, que preserve a autonomia do indivíduo trans, que aceite pessoas transgêneras que não são transexuais, pessoas com menos de 21 anos, que não entram no grupo beneficiado, e que o Conselho Federal de Medicina e o Conselho Federal de Psicologia se posicionem para que isso possa acontecer logo.” Segundo o Conselho Nacional da Saúde, os transexuais sentem falta de mais estabelecimentos para a cirurgia. O acesso à saúde e a utilização de receitas falsas para a compra de hormônio são algumas das dificuldades enfrentadas. O Brasil tem apenas quatro hospitais credenciados e especializados localizados no Rio de Janeiro, São Paulo, Goiás e Rio Grande do Sul. Portanto são poucas as possibilidades. A mudança de sexo ocorre há 15 anos na rede pública de saúde. A cirurgia para a população transmasculina não é disponibilizada pelo SUS e, para Tenório, isso é uma forma de preconceito social “Nós compreendemos que a falta da cirurgia para homem-trans é uma forma de machismo porque, biologicamente, nós nascemos com o corpo feminino e quem nasce com o corpo feminino na sociedade tem menos direito de se dispor sobre o próprio corpo, um corpo que desde
“As próprias meninas (transexuais) falam das dificuldades de conseguir essa cirurgia”
Fotos: Guilherme Vilela/Divulgação
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o nascimento é destinado a procriar e ser objeto de desejo da masculinidade heterossexual. A cirurgia só pode, na verdade, ser feita através de pesquisa científica a titulo experimental, e no mundo não funciona dessa forma; o mundo ainda não acordou para a realização de cirurgias de homens transexuais.” Enfrentar um corpo que não é psicologicamente o seu é a maior barreira que um, ou uma, trans tem que passar, ter vergonha de seu físico, não se ver como realmente é. Agatha Lima é trans e conta como fazia para driblar a sua própria imagem: “Muitas meninas se automutilam para conseguir passar na frente na fila de espera do SUS. Essa eu digo que é a transexual 100%, né, que o órgão dela causa um constrangimento tão grande, que ela não consegue se olhar no espelho inteira, que nem eu, por exemplo, sempre tive um espelho no meu quarto de dois metros. Só que do chão até um metro, eu colocava uma toalha, porque eu não queria me ver de frente; de qualquer maneira eu ia me ver. Então, quando eu virava de costas, eu tirava a toalha. Então algumas, em momentos de desespero, chegam a automutilações, mas isso é muito problemático
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é muito perigoso, porque muitas vezes prejudicam as próprias cirurgias, complicando ainda mais o processo, mas acontece muito sim no Brasil.” Transexual, gay, lésbica, homossexual, bissexual. Os termos são inúmeros para representar esses grupos. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) constatou que, em 2011, 60 mil casais do mesmo sexo já moravam juntos no Brasil e para grupos militantes o número de gays é estimado entre 6 a 10 milhões de pessoas no país. O dia 17 de maio é considerado o Dia Internacional contra a Homofobia, pois foi nesse dia que, em 1990, a Assembleia Geral da ONU retirou essa classificação e declarou: “a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão”. Resta saber até quando essa população terá de suportar os preconceitos da sociedade, mesmo conhecendo seus direitos. Com a reforma sanitária iniciada há poucas décadas no Brasil a partir da criação do SUS, muito já avançamos na efetivação do direito humano à saúde. Atualmente, a população brasileira sabe e reconhece a importância do SUS. Hoje, 80% dos brasileiros(as) se beneficiam exclusivamente do SUS na atenção à saúde,
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e 100% da população se beneficia das ações coletivas como a vigilância sanitária (controle dos alimentos, bebidas, remédios e ambientes de trabalho) e epidemiológica (vacinas e controle de epidemias). Não há como negar a evidência dos dados. No entanto, se o SUS é reconhecido como um dos melhores sistemas de saúde do mundo, por outro lado, sua implementação ainda deixa muito a desejar e encontra grandes problemas. É preciso, por exemplo, melhorar a cobertura e a qualidade da atenção básica - especialmente através da Saúde da Família, ampliar o acesso à alta e média complexidade, a organização da referência entre os serviços e a assistência farmacêutica. O enfrentamento desses problemas não depende de soluções mágicas ou de ações de curto prazo. Exige ações estruturais de médio e longo prazo que deem conta de enfrentar uma herança histórica brasileira que, durante séculos, impediu o reconhecimento dos direitos da grande maioria da população. O direito à Saúde, por exemplo, só foi reconhecido na Constituição de 1988 e isso exige mudanças culturais profundas
Foto: Roberto Reis/Divulgação
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Reportagem
glossário Lésbica: Mulher que é atraída afetivamente e/ou sexualmente por pessoas do mesmo sexo/gênero
Androginia: Qualquer indivíduo que assuma postura social, especialmente a relacionada à vestimenta, comum a ambos os gêneros
Crossdresser (CD): Indivíduo que, sendo de um sexo, veste-se e age como os do sexo oposto, mas não assume publicamente uma identidade social feminina. Portanto, geralmente não faz uso de hormônios e não faz cirurgias corretivas em seu corpo, pois, em sua rotina diária, tem uma vida social masculina
Drag queen: Homem que se veste com roupas femininas, de forma satírica e extravagante para o exercício da profissão, em shows e outros eventos
Bissexual: Pessoa que se relaciona afetiva e sexualmente com pessoas de ambos os sexos/gêneros. Bi é uma forma reduzida para denominar os bissexuais
Intersexual (hermafrodita): Pessoa que nasce apresentando uma anatomia sexual (com os dois órgãos reprodutivos) que não se ajusta às definições típicas do feminino ou do masculino
T-Lover: Pessoas que sentem atração por travestis e/ou transexuais. Em geral, essas pessoas assumem a identidade heterossexual ou bissexual
Ilustração: Luis Filipe Pena
Homossexual: Pessoa que se sente atraída sexual, emocional ou afetivamente por pessoas do mesmo sexo/gênero
Transformista: Indivíduo que se veste com roupas do gênero oposto movido por questões artísticas
Drag king: Versão “masculina” da drag queen, ou seja, trata-se de uma mulher que se veste com roupas masculinas para fins de trabalho
Transgênero: Pessoas que transitam entre os gêneros. São pessoas cuja identidade de gênero transcende as definições convencionais de sexualidade
Pansexual: Pessoas cujo desejo sexual é abrangente, podendo se dirigir inclusive a objetos
Transexual: Pessoa que possui uma identidade de gênero diferente do sexo designado no nascimento. Homens e mulheres transexuais podem se submeter a intervenções médico-cirúrgicas para a adequação dos seus atributos físicos de nascença, inclusive genitais
Travesti: Pessoa que nasce do sexo masculino ou feminino, mas que tem sua identidade de gênero oposta ao seu sexo biológico, assumindo papéis de gênero diferentes daquele imposto pela sociedade
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entrevista - sheila castro
Eu falei: é ouro! Por Vitor Komura Mais de 200 atletas representaram o Brasil nas Olimpíadas deste ano, com sede na capital inglesa, Londres. Uma das modalidades esportivas que mais vêm se destacando no cenário mundial é a praticada por Sheilla Castro, 28, atleta que brilhou na conquista do bi nos Jogos Olímpicos deste ano. A Seleção Brasileira de Vôlei já alcançou sete medalhas de ouro em competições desde 2005. Dedicação e habilidade são atributos que, certamente, definem Sheilla Castro. Acreditar no trabalho de equipe é, segundo a atleta, um dos principais ingredientes do sucesso do grupo. Em manifestação emocionada no dia 11 de agosto deste ano, após partida do título contra os Estados Unidos, em um vídeo gravado para seu blog oficial ( http://esportes.terra.com.br/jogosolimpicos/londres-2012/sheillacastro/blog/2012/08/11/bicampeas/ ), a atleta reafirma essa máxima: “Olha, eu falei né, e é ouro. Eu sei que os fãs acreditaram, mas muita gente não acreditou. A gente acreditou, correu atrás. O Brasil é superação, é tudo. Não tem nem o que falar.” Com boa impulsão, aliada com técnica e potência, Sheilla joga na posição diretamente oposta ao levantador, priorizando o ataque. A entrevistada desta edição da revista Ponto e Vírgula foi também campeã olímpica em Pequim, em 2008, e uma das líderes da equipe na conquista do Pan (veja relação
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Sheila Castro
Nome: Sheilla Tavares de Castro Nascimento: 01/07/1983 Natural de: Belo Horizonte - MG Altura: 1,85m Títulos: Campeonato Mineiro pelo Minas Tênis Clube (2002 e 2003); Campeonato Carioca pela Unilever (2011 e 2012) Superliga pelo Minas Tênis Clube e Unilever (2001/2002 e 2010/2011); Campeonato Italiano pelo Pesaro (2008); Grand Prix com a seleção brasileira (2005, 2006, 2008 e 2009); Pan-americano com a seleção brasileira (2011); Olimpíadas com a seleção brasileira (2008). Olimpíadas com a seleção brasileira (2012).
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Fotos: Divulgação/Assessoria de Imprensa
sheila castro -
entrevista
das conquistas). A jogadora, recém-contratada pelo Sollys/Osasco, é considerada uma das melhores em sua posição no mundo e uma das maiores atletas de todos os tempos no Brasil. Tem no currículo quatro Grand Prix (competição internacional) e duas Superligas, principal competição nacional. Nesta entrevista, a atleta fala sobre sua carreira, convivência com a cultura italiana e o vôlei no Brasil.
P&V: O começo de sua carreira foi complicado?
Sheila Castro: Como a maioria dos atletas, foi tudo complicado. Comecei de maneira bem informal. Comecei no colégio com incentivo de um professor. Fui evoluindo e pegando jeito e fui indicada, por ele, indo jogar no Mackenzie, clube tradicional na cidade. Cresci e evolui bastante por lá.
Por que escolheu o vôlei? Desde criança, sempre fui muito alta e magra. Sempre me diziam para praticar esportes, principalmente vôlei. Tive apoio de professores e treinadores. Evolui muito e fui percebendo que era isso mesmo que eu queria para minha vida.
Depois do Mackenzie, você atuou no Minas Tênis Clube. Dali, você foi jogar na Itália. Como foi sair de BH e lidar com a distância da família? Isso trouxe muito amadurecimento, sem dúvida. Fui para a Itália muito nova, sem conhecer nada do mundo e tive que crescer na marra. Mas, hoje em dia, digo que foi uma grande lição de vida. As saudades da família eram grandes em diversos momentos, mas priorizei e me dediquei 100% ao voleibol, o que foi ideal para minha carreira.
Seleção brasileira foi campeã das Olimpíadas, Pan Americano e Grand Prix
E como é conviver em outra cultura? Como foi seu período de adaptação? Sempre é complicado, principalmente no começo. Mas, na cidade em que fiquei [Pisaro], fui super bem recebida e não tive muita dificuldade de aprender a língua. A cultura italiana é fascinante. Dentro do time, todos tiveram paciência para me ajudar.
“Olha, eu falei né, e é ouro. Eu sei que os fãs acreditaram, mas muita gente não acreditou” Qual é o seu ídolo no esporte? A Fofão (ex-levantadora da seleção brasileira, atualmente no Rio de Janeiro). Ela é batalhadora, se esforça em treinos e sempre foi um exemplo de profissional para mim. Tive a honra de atuar com ela no Minas Tênis, São Caetano e seleção. Até hoje, mesmo com 42 anos, ela mostra ótimo voleibol e se dedica muito.
Foto: Divulgação/Assessoria de Imprensa
Você já está acostumada a disputar competições internacionais, mas, mesmo assim, ainda há aquele “frio na barriga” antes de cada jogo ou decisão? Apesar da rodagem, sempre há ansiedade. Gosto de desafios, jogos difíceis são como batalhas. Transformo ansiedade em motivação. Entro ainda mais concentrada e querendo dar o meu melhor.
Na última temporada, no Unilever, vocês passaram de invictas a questionadas e irregulares. Como foi essa transição? Como o atleta lida com isso? É natural. Ninguém consegue jogar 100% por muito tempo. Fizemos uma campanha irretocável, com 18 vitórias seguidas. Ser derrotado é muito difícil de assimilar, ainda mais nessa situação. Para nós, atletas, foi difícil entender, porque tínhamos um grande time, mas, na decisão, o Osasco foi superior. Temos que pegar os erros e transformá-los em acertos. Todo atleta é competitivo, mas é preciso tirar lição de tudo de errado que foi feito.
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entrevista
Sheilla Castro (número 13) comemorando o título Pan-americano. Com praticamente o mesmo grupo, a seleção disputou as Olimpíadas 2012, em Londres.
Nosso país passou a ser referência no esporte, devido aos títulos olímpicos e mundiais, tanto no vôlei masculino, como no feminino. Você, como atleta, acredita que isso aconteceu por qual motivo? A conquista do ouro olímpico em 92 foi crucial para o vôlei. Dali, várias pessoas passaram a se interessar pelo esporte e a jogar. Com isso, tivemos uma boa safra de atletas, muito investimento na base, com trabalho forte e sério, investimento em mais equipes, o que tornou os campeonatos mais competitivos. Acredito que essa soma de fatores foi ideal para essa geração vitoriosa. Além disso tudo, a dedicação de todos os atletas também foi fundamental. O voleibol, ao longo dos anos, está sendo tratado de maneira bem profissional, o que gera um alto nível.
Como é para você participar com uma equipe dos jogos olímpicos?
A seleção foi campeã na ultima edição. Como foi a pressão por um novo título?
É um sonho. Todo atleta sonha com isso; é a principal competição mundial. Alto nível de competitividade. A dedicação, suor e trabalho árduo de toda sua carreira são compensados quando vejo o nome na lista de convocadas para qualquer competição, mas, para as Olimpíadas, é uma sensação indescritível.
Em toda competição que o Brasil entra, o time é visado. Temos um elenco formado há muito tempo e essa pressão é normal. Temos de pensar em como lidar com isso. O grupo se conhece bem e a união é importante.
Como foi a conquista do seu primeiro título olímpico, com seleção de vôlei em 2008, em Pequim? Foi um momento mágico. É um objetivo de vida cumprido. Lembrome de tudo: das partidas, dos lances e da cerimônia de premiação. Foi emocionante. (a seleção também ganhou o último jogo por 3 a 1 contra as norte-americanas) Só de lembrar me emociono. É incrível a energia e a atmosfera das Olimpíadas.
Fotos: Divulgação/Assessoria de Imprensa
O treinador da seleção, Zé Roberto Guimarães, mantém praticamente o mesmo grupo há anos. Os títulos conquistados e a força do grupo foram importantes armas para competir e enfrentar os fortes adversários? Sem dúvida. A união e a força do conjunto são fundamentais, além da experiência e maturidade. Tudo isso conta a nosso favor. O voleibol vem evoluindo a cada dia e está cada vez mais difícil de vencer, principalmente pela estatura e força dos adversários
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Liberdade no cárcere
Modelo APAC de prisão oferece programa de humanização e habilitação para detentos e traz à tona discussão sobre direitos humanos, execução penal e as precárias condições das cadeias públicas
Por Duda Ramos , Florence Botinha e Alexandre Carvalho
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Fotos: Duda Ramos
reportagem
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reportagem - Liberdade no cárcere
Jackson Antônio conta sua história de vida na prisão comum e, hoje, na APAC de Nova Lima.
“Eu passei 20 anos no sistema carcerário comum e não foi fácil porque, infelizmente, eu tive que matar para defender a minha vida. Passei por nove rebeliões e sou um dos poucos presos que restaram do caso da Ciranda da Morte. Não foi fácil vencer esses 20 anos porque eu nunca fui respeitado, nem pelos presos, nem pelos policiais. Ninguém acreditou em mim. Os policiais me viam como um monstro, os presos me viam como um monstro... A coisa mais difícil é você querer ser do bem e não conseguir. Eu tive que passar por muitas coisas... Tentei o suicídio, perdi a minha juventude, mas hoje eu sei que tinha que passar por esse sofrimento para ser o Jackson que sou e estar neste lugar. Hoje eu sou muito grato à casa e uso a ruindade do passado para transformar em amor.” O sincero relato acima é de Jackson Antônio da Silva, 41 anos, que matou seis pessoas, quatro delas em cadeia do sistema penitenciário comum. O local ao qual ele diz ser grato e chama de “casa” é o sistema alternativo prisional Amando ao Próximo Amamos A Cristo (APAC),
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situado em Nova Lima, região metropolitana de Belo Horizonte. Jackson Silva, que está na APAC há um ano e três meses, é um dos 494.598 presos no país, mas deixou de ser apenas uma estatística para se tornar uma promessa de superação. O modelo APAC nasceu em 1972,
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em São José dos Campos – interior de São Paulo -, por iniciativa do advogado paulista Mário Ottoboni que, juntamente com um grupo cristão, buscou uma alternativa para as aflições vividas pelos detentos dentro das penitenciárias do estado paulista. Ottoboni iniciou o que está
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se tornando uma das entidades civis mais discutidas e estudadas na atualidade. Vivendo de doações, e excepcionais contribuições do governo, as APAC´S – hoje com unidades em vários estados – também contam com o auxílio de cidadãos que, quando interessados, envolvem-se em atividades com os reabilitandos. Nesse sistema, os detentos são divididos em três regimes: fechado, semiaberto e aberto. Cada regime corresponde a um nível de maturidade de cumprimento de pena, ou seja, o detento assume as responsabilidades e liberdades de acordo com seus méritos, comportamento e disciplina. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, perdendo apenas para os EUA e para a China. O país de dimensões continentais também expande sua grandeza para as grades, cadeados, algemas e gastos com esse sistema que, em tese, deveria assegurar aos cidadãos menos violência e o direito à reabilitação. As más condições das prisões de segurança máxima, a superlotação e a falta de programas de inclusão social dos detentos são motivos de críticas no âmbito dos direitos humanos, instigando uma discussão que fez nascer da iniciativa privada um modo revolucionário de lidar com a prisão no país. A ousadia do modelo APAC surge para se contrapor à realidade atual, em que homens de baixa, média ou extrema periculosidade vivem em prisões que valorizam a violência, ou seja, a força e a coerção, para conter a própria violência. Para o advogado criminalista Virgílio de Mattos, a reabilitação do detento na APAC recebe influências incisivas do cristianismo. “Uma crítica que se pode fazer ao método é quanto à constitucionalidade da medida, que relega para um tipo de religião - a cristã - a administração de penas privativas
de liberdade em um Estado laico.” ao ingressar em uma APAC, identificam-se, por todos os cantos, símbolos do cristianismo. Mattos pontua essa presença, mas reitera: “É questão importante, mas que não diminui a ‘humanidade’ do método. Punir privando de liberdade faz desaparecer a ‘humanidade dos humanos’. No mé-
reportagem
todo APAC, não há um processo de ‘animalização’ do preso, sem ar, sem espaço, sem dignidade”, afirma o criminalista que é também membro do Fórum Mineiro de Saúde Mental, do Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade. A carência por prisões mais humanas é tratada com certa dualida-
Reabilitandos mostram instalações da APAC.
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reportagem - Liberdade no cárcere
Reabilitandos mostram os trabalhos realizados na Apac
de por Mattos: “Toda cidade onde houvesse presos deveria contar com o método APAC. É um absurdo que não se tenha na capital do estado, uma APAC.” Por outro lado, para o advogado, a construção de prisões não é algo benéfico. “Prisão não traz benefícios em nenhuma hipótese, só malefícios. Qualquer prisão só está condenada a atestar a falência da sociedade mesmo se a pensássemos, como foi inicialmente no século XVIII, como algo para retirar a pena do corpo do condenado. A prisão, a pena privativa de liberdade, nasce com o capitalismo e se desenvolve com ele. Enquanto houver exploração do homem pelo homem, haverá necessidade de prisões; isso é inerente ao capitalismo.”
Novos Rumos A missão de promover o reencontro do criminoso com o seu lado humano mobiliza um programa
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chamado Novos Rumos, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Para o desembargador e coordenador do programa, Joaquim Alves, carências básicas geram a criminalidade no país. “A pobreza, o desamparo e a falta de oportunidade de se aperfeiçoar intelectualmente transformam a pessoa em uma presa fácil para o crime”, afirma o desembargador. “A dignidade da pessoa depende de ter o apoio de uma mão amiga e íntegra que a ajude na reabilitação. E eu tenho visto isso acontecer”, alerta. Seu gabinete, com vista ampla de 23° andar, localizado em um edifício no centro de Belo Horizonte, não fica muito distante do Fórum
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Lafayete, onde se encontram o primeiro e o segundo fórum do júri. Lá são julgados os crimes contra a vida. Em uma saleta no subsolo do Lafayete, sem janela, sem peso de papel ou de cristal e com pilhas e mais pilhas de processos, estão quatro funcionários trabalhando freneticamente. São 11h45 de uma manhã de terça-feira e a sessão começa às 13h. Duas becas indicam a presença de promotores no recinto. Sobre o tema APAC, Patrícia Habkouk é a única a se manifestar com uma fala curta e exaltada. A promotora reconhece o método APAC e valoriza seu trabalho de reabilitação do presidiário, mas refuta sua abrangência para todo tipo de execução penal. “O nosso público-alvo é muito violento. Aqui eles matam e comemoram. Ou seja, não dá pra pensar em método APAC para um criminoso que nem reconhece o seu ato.” A promotora de Justiça usa como exemplo os delinquentes da Pedreira Prado Lopes que, segundo ela, desafiam e desrespeitam a polícia, oficiais e todo tipo de autoridade. “Eles nos peitam, xingam e, até o último minuto, apesar das provas, negam os crimes mais atrozes.” Saindo dos porões do Fórum rumo à Câmara dos Vereadores da Capital, o discurso adquire um tom mais político. O vereador Adriano Ventura, também professor da PUC (Pontifícia Universidade Católica), defende a necessidade de incentivos do município para a implantação de uma APAC feminina. “Hoje já existe uma movimentação por parte da comunidade civil, pressionando o esta-
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do a oferecer recursos à construção de uma APAC só para mulheres.” O vereador frisa, porém, que a existência dessa pressão tem origem nos entraves políticos que a atual gestão da prefeitura coloca. A APAC de Nova Lima, fundada em julho de 2002, enfrentou protestos devido ao preconceito da população, que ficou aflita com a vinda dos criminosos. A apreensão, por não conhecer o sistema, é normal. Mas, quando se visita o local, as impressões são outras. A equipe de reportagem da REVISTA PONTO E VÍRGULA foi ciceroneada por João Carlos Silva, recuperando do regime semiaberto, que mostrou cada canto de forma séria e minuciosa, sempre enfatizando o amor. “Aqui o amor é que comanda tudo. Nós damos e recebemos carinho, atenção e autoestima para tirar o pensamento ruim do criminoso.” O sistema prisional alternativo conta hoje com 70 detentos em regimes aberto, semiaberto e fechado. No regime aberto, o recuperando já está pronto para enfrentar o mercado de trabalho, podendo sair para trabalhar durante o dia e retornar à APAC depois da jornada de trabalho. Os dormitórios possuem de beliches, e os presos são responsáveis pela limpeza e arrumação diárias. No refeitório, os procedimentos são os mesmos: todos se alimentam e são obrigados a prezar pela higiene e bons modos. Segundo João Carlos Silva, o regime aberto é o último passo para a recuperação total do detento. Já no regime semiaberto, o foco é a profissionalização. O homem é preparado para exercer seu papel de cidadão, fazendo cursos de alfabetização, de marceneiro, padeiro, bombeiro hidráulico, pintor, entre outros. Esses ofícios são executados dentro da APAC para que o recupe-
rando possa, assim, dar sustento à sua família e ajudar a entidade. O tempo nunca é ocioso. Todos levantam às seis da manhã, tomam café e iniciam as atividades que lhes são designadas para o dia. Os recuperandos fazem redes esportivas, enfeites, refazem carteiras escolares, e têm uma padaria com produtos feitos por eles mesmos. Cristovam Márcio, recuperando da ala semiaberta, marceneiro, ressalta a impor-
Celas com portas abertas na Apac
tância do trabalho na APAC. “Aqui, o trabalho nos dá oportunidade de crescer na vida e ser uma pessoa de bem. Temos respeito e dedicação de todos.” Embora a APAC seja uma alternativa mais humana ao sistema comum, ela ainda mantém seu caráter de prisão. É no regime fechado que essa realidade de privações se faz mais presente. Nesse regime primário do sistema, as ações são voltadas para a interiorização e espiritualidade. O
reportagem
recuperando tem tempo e condições de rever suas atitudes. Eles são submetidos a aulas de valorização humana, terapia individual, conversas com pedagogos, assistentes sociais e psicólogos. O esforço nesse estágio é trazer para o universo do recuperando temas mais positivos e o cultivo dos bons pensamentos.
Convênios A APAC tem convênio com diversas empresas. A confecção de redes esportivas é mais um exemplo dessa logística. A empresa fornece o material e um instrutor para ministrar cursos aos recuperandos, que se tornam aptos ao trabalho. O reabilitando Guido Neves, responsável pela produção, ressalta, além do valor terapêutico, o valor financeiro dessas práticas. “É uma renda boa, pois podemos ajudar nossas famílias lá fora. Quando sair, quero trabalhar com isso.” A metodologia de recuperação do ser humano é visível e bem diferente do sistema tradicional. Enquanto nos presídios comuns o preso sobrevive, na APAC ele recebe condições de se recuperar e tem uma perspectiva de ser reintegrado à sociedade. Jackson, João, Guido e tantos outros homens da APAC estão reconquistando sua autoestima. Na APAC, Jackson diz ter renascido das cinzas. Ali encontrou a parcela de paz que jamais sentiu durante o difícil caminho que sua vida trilhou. Como dizem que as coisas boas atraem outras coisas boas, durante a visita da reportagem à APAC, Jean Carlos da Silva, um dos reabilitandos que cumpria detenção no regime fechado, recebeu a notícia da sua progressão: passou para o regime semiaberto. De joelhos, com os outros detentos todos ao seu redor, cantando com as mãos para o alto, Jean agradeceu essa mudança e chorou
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Novo portal de conteĂşdo multimĂdia do curso de Jornalismo da Fumec
Acesse, informe-se e compartilhe!
Foto: Arquivo pessoal
Polêmica voltou à tona após o cartunista Laerte Coutinho, 60, que se veste com roupas de mulher desde 2010, ter sido proibido de usar o banheiro feminino em pizzaria de São Paulo
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Bacharel em Relações Públicas pela PUC Minas e pastor pela Igreja Pentecostal Mistério do Povo
Pastor Ricardo Relci
Infelizmente, vivemos em uma sociedade onde em todas as instâncias temos falcatruas e enganadores. Pessoas que podem se aproveitar da situação e tirar proveito do momento, ameaçando a segurança das mulheres. Como teríamos um controle para saber se o “homem” foi “realmente” transformado em mulher? É uma situação muito difícil de controlar. Não podemos saber o que realmente se passa na mente das pessoas. Agora, para que o transexual não se sinta incomodado e até mesmo constrangido, fica a opção que normalmente já existe nos banheiros públicos masculinos: o uso dos boxes fechados com portas, que garante a privacidade e já é normal nos banheiros em geral. Em síntese, acredito que se uma lei for criada garantindo o uso dos banheiros por mulheres e transexual juntos pode sim vir a causar problemas futuros envolvendo pessoas de má índole, que, aproveitando da situação, venham gerar transtornos maiores e até mesmo atos perigosos à vida das mulheres.
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Fotos: Arquivo pessoal
Travestis e transexuais devem usar o banheiro das mulheres? Se-
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Mestranda em Psicologia Social pela UFMG Integrante do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT - NUH/UFMG Rede Universitária de Diversidade xual - RUDS/MG
Rafaela Vasconcelos Freitas
Eu sou completamente a favor que cada pessoa, independente da sua orientação sexual ou identidade de gênero, sinta-se à vontade para escolher o espaço que vai frequentar. Acho que não existe uma prescrição. Não sei onde está escrito que banheiro feminino ou masculino se refere ao sexo ou ao gênero da pessoa. Mesmo assim, se fosse, tem diversos autores aí que vão questionar: o que é sexo, o que é gênero e o que é a construção dessas duas coisas? Então, eu sou totalmente a favor de que cada pessoa, independentemente da sua forma de vida, escolha o espaço que está mais a vontade para usar. Outra coisa, que as pessoas parem de se preocupar com o uso do banheiro e comecem a se preocupar se essas pessoas estão na escola, se elas estão perdendo direitos, se elas estão apanhando nas ruas e por que elas estão vivendo dessa forma. Nosso pensamento está tão errado que não conseguimos enxergar isso.
verso
De segunda a segunda, 24 horas por dia, a vida pulsa em uma das principais avenidas de Belo Horizonte: a Afonso Pena. Em linha reta, com 4,3 km de extensão, começa na Praça Rio Branco, em frente à rodoviária, cruza as principais avenidas do hipercentro da capital mineira – como a Amazonas e a do Contorno –, e termina na Praça da Bandeira, aos pés da Serra do Curral, outro cartão-postal de BH. Inaugurada à época da fundação da capital de Minas, a avenida é hoje o coração econômico e um dos referenciais urbanos dos belo-horizontinos. É pontuada por praças, monumentos, pontos turísticos e culturais. Entre eles, o obelisco – o famoso pirulito da Praça Sete –, o monumento a Tiradentes, na praça de mesmo nome, o Palácio das Artes, o Museu dos Brinquedos - localizado em uma casa do patrimônio histórico - e o Teatro Francisco Nunes, no interior do patrimônio ambiental mais antigo da cidade: o Parque Municipal – verdadeiro oásis da natureza em meio às grandes construções. A Afonso Pena surpreende pelas suas peculiaridades. Única avenida da capital a oferecer táxis lotação em toda a sua extensão, é também um corredor onde ocorrem as mais importantes manifestações políticas de Belo Horizonte. Nas noites, profissionais do sexo oferecem seus serviços. Durante o dia, nos largos canteiros centrais, a natureza se faz presente por meio de flores e árvores nativas - como quaresmeiras, ipês, sibipurunas, paus-ferro, dentre outras - que completam a paleta de cores digna de uma pintura de Monet. Este ensaio fotográfico, com participação de Joanna Del’Papa, Raquel Couto, Lucas Cruz, Marcelo Tito e Isabela Resende, busca retratar alguns desses aspectos que fazem da Afonso Pena um singular cartão-postal e um ícone para os mineiros. Seja do carro, como pedestre, ou do alto dos prédios, a visão desse corredor rumo à Serra do Curral é sempre um motivo de prazer para o observador.
olhares na afonso pena
ensaio
Joanna Del’Papa
Isabela Resende
Raquel Couto
Isabela Resende Isabela Resende
Raquel Couto
Lucas Cruz Raquel Couto
Isabela Borges Lucas Cruz
Raquel Couto Lucas Cruz
Marcelo Tito Raquel Couto
A
Hashtag
é
a
revista
digital
Publicidade e Propaganda da Universidade do curso de
editada semestralmente. Fumec Servindo como ponte de mão e o dupla entre os alunos mercado publicitário, a Hashtag trará informações do mercado e levará a produção dos alunos para
além dos limites da Universidade.
Pesquisas
dos professores do curso, questões importantes e polêmicas na área de comunicação,
marketing
campanhas
e
publicidade,
bem-sucedidas
ou
censuradas, eventos, feiras, seminários voltados para a área são temas abordados na revista.
Boa leitura!
entrevista - leonardo gontijo
Por Alexandre Carvalho e Vitor Komura
Mano Down é o cara Eduardo Gontijo, ou simplesmente “Dudu”, é ator, músico, namora, tem 21 anos e tem síndrome de Down. Se isso poderia parecer um fator limitador, ao contrário, ele se destaca em várias atividades, sobrepondo-se a currículos de muitos que não tem a síndrome. É uma pessoa encantadora e transmite seu amor e carinho. Toca pandeiro, cavaquinho, tarol e faz parte de um grupo de samba que se chama Trem dos Onze. Buscando vencer obstáculos e conscientizar as pessoas, seu irmão Leonardo Gontijo resolveu escrever o livro Mano Down.
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O livro apresenta uma história de amor entre dois irmãos especiais e descreve as etapas da vida do Dudu, seu relacionamento com os pais, irmãos, familiares, professores e amigos. Além disso, à medida que o autor menciona as experiências vividas e as dificuldades encontradas pela família e por ele próprio, também esclarece ao leitor alguns dados e informações a respeito da Síndrome de Down. Leonardo e Dudu vêm cada vez mais mostrando que temos que aprender com a diversidade, lidar com as diferenças, que somos
Revista Ponto & Vírgula — agosto de 2012
todos parte de um todo e que, no fundo, queremos ser aceitos. Diante disso, eles vem ministrando palestras com os temas trabalho em equipe, motivação, perseverança e comunicação, com objetivo de levar às pessoas e às organizações uma mensagem de determinação e coragem. A partir do conceito de “Inclusão”, eles contam, por meio de falas e músicas, o percurso de dois irmãos em busca de superação. Em entrevista à revista Ponto e Vírgula, Leo Gontijo conta um pouco dessa linda história de amor incondicional.
Fotos: Divulgação
Leonardo gontijo -
1. Como surgiu a idéia de escrever o livro Mano Down? Surgiu da vontade imensa de declarar ao mundo inteiro meu amor pelo Dudu. Antes do livro já havia escrito cartas, músicas para ele, porém o livro foi uma forma que encontrei para presenteá-lo no seu vigésimo primeiro aniversário. Antes era somente uma ideia, mas depois fui concretizando e me empolgando cada vez mais. Quando comentava sobre o livro com meus amigos, parentes, todos apoiaram incondicionalmente. A cada página escrita, eu tinha mais motivação para realizar esse sonho.
2. Quais foram as maiores dificuldades para escrever o livro? Preconceito? Foi a minha falta de habilidade com a escrita. Costumo dizer que o amor pelo Du é tão grande que fez um aluno mediano em português escrever um livro. Além do tempo e concentração necessária. Vivemos em um mundo preconceituoso em que todos não aceitam o diferente e ainda por cima discriminam sem razão alguma. Mas o orgulho e o amor que tenho pelo meu irmão me deu muita força pra superar isso.
a cabeça das pessoas. Vários projetos estão sendo realizados e eu procurei ter muito cuidado para que o Dudu se torne um exemplo para todos.
4. Como foi a reação dos seus pais na época que o Dudu nasceu? Na época não existia tantos exames e o despreparo dos médicos ao dar a notícia foi muito grande. Penso que esse tipo de notícia, independentemente da forma como é dada, é um momento de dor. No caso do meu pai, essa dor foi amenizada por ele já ter outros três filhos. O sonho de um filho perfeito, com saúde, vai por água abaixo. Depois vem o sentimento de culpa, tanto do pai, quanto da mãe, por não ter conseguido gerar um filho saudável. Segundo conta meu pai, após o período de negação, ele enxergou o Dudu como uma pessoa especial, que lhe ensina todos os dias o sentido da vida.
Ele percebeu logo que nada se pode fazer contra o destino, a não ser aceitá-lo e vivê-lo da melhor forma. Minha mãe, Marina, mais religiosa, com seu instinto maternal, aceitou bem a notícia e ajudou muito a manter a família unida, envolvendo todos no desenvolvimento do Dudu.
5. Você acha que os professores estão preparados para lidar com pessoas com Síndrome de Down? Abordo um pouco disso no livro. Penso que nossa sociedade de uma forma geral não esta preparada. Não aceitamos os diferentes. (Costumo dizer que como são inteligentes as pessoas que pensam como nós e como perdemos com isso.) O ser humano precisa abrir a cabeça. Hoje em dia os professores estão um pouco mais preparados, mas mesmo assim ainda existe muito amadorismo.
6. Você pensa em escrever outro livro sobre alguma outra paixão que você tenha? Qual a mensagem que o livro deve passar para os leitores?
3. Você acredita que o livro desempenhe uma função social ao tratar da Síndrome de Down? Penso que sim, apesar de que quando escrevi, não planejei desempenhar isso, pois a intenção era declarar para todos o meu amor incondicional pelo Dudu. Pelo que tenho recebido de retorno, com certeza, vem desempenhando uma função social para sociedade e em especial para os pais e comunidade down. O livro está abrindo
Foto: Divulgação
entrevista
Carta escrita por Dudu sobre o livro escrito por seu irmão, Leonardo
Por tudo que está acontecendo, penso sim. Precisarei de tempo; de toda forma, já tenho material e inspiração para o Mano Down 2. Quem sabe no aniversário de quarenta anos. A mensagem que procuro passar é que o amor é tudo, que quem tem limite é município e que temos que aprender com a diversidade, com o diferente que somos todos parte de um todo e que no fundo todos queremos ser aceitos
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reportagem - câmera escondida
É ACEITAVEL GRAVAR SEM SER NOTADO? O uso de câmeras escondidas e microfones ocultos em produções jornalísticas é um verdadeiro dilema ético Por Raquel Couto É um tema que gera polêmica e opiniões diversas. O fato é que a tecnologia está facilitando cada vez mais a exploração desses instrumentos. As imagens são sedutoras para quem assiste e facilitadoras para quem grava. O código de ética dos jornalistas é ambíguo quando trata essa questão, pois, ao mesmo tempo em que considera a pratica inadequada, abre uma “brecha” para o seu uso. “O jornalista não pode divulgar informações obtidas de maneira inadequada, por exemplo, com o uso de identidades falsas, câmeras escondidas ou microfones ocultos, salvo em casos de incontestável interesse público e quando esgotadas todas as outras possibilidades de apuração”, afirma o código. Nesse caso, o dilema é saber o que pode ser considerado interesse público e o limite entre o necessário e o abusivo. Fica então nas mãos do jornalista avaliar todos os fatores: o interesse da sociedade em ter informações, o direito legítimo de todo cidadão à privacidade e o fator principal que envolve esse tipo de
Para Marcos Barbosa Lima, que já atuou como repórter investigativo, locutor de rádio e trabalhou em assessorias de comunicação, é válido gravar sem ser notado, mas o profissional alerta: “Sou a favor da utilização desses aparatos tecnológicos quando feito com consciência e segurança para todos”. O repórter justifica a utilização desses recursos se houver interesse público envolvido, mas alerta que, “quando há exposições dos fatos, põe-se em risco a integridade física de pessoas, locais e até mesmo a dos repórteres investigativos”. Mas reforça: “é impossível prever todos os efeitos colaterais de uma ação como essa, não podemos nos esquecer do caso TIM LOPES e de vários outros casos ou descasos do jornalismo investigativo. O código faz agir o livre arbítrio sobre o que publicamos. No entanto, responsabiliza o jornalista se algo der errado. Minha experiência mostrou que devemos ter cautela com tudo que publicamos justamente por não saber, ou poder prever, por
O premiado jornalista Lucas Figueiredo afirma que já usou microfone escondido, já se apresentou com nome falso e já usou gravador escondido mais de uma vez
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ação, a segurança. Afinal, é de extrema responsabilidade do jornalista a proteção das fontes, a sua e a de sua equipe. Mantém-se o dilema ético: É aceitável gravar sem ser notado?
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Foto: Arquivo Pessoal
câmera escondida -
reportagem
completo, quais efeitos as notícias aspectos éticos e, muitas vezes, igno- gem de um limite entre o que é legal podem causar”. ram até mesmo os princípios jorna- e o que não é legal, que, mesmo com O premiado jornalista Lucas Fi- lísticos. Nós não temos a obrigação todas as dificuldades para encontrar gueiredo, que já teve reportagens de garantir a informação a qualquer á informação, não ha uma justificaveiculadas em mais de vinte jornais, custo, temos a obrigação de garan- tiva para o repórter utilizar desses revistas e rádios do Brasil e do exte- tir a informação de qualidade e nem mecanismos como câmera oculta e rior e é autor dos livros-reportagem sempre a câmera oculta é garantia microfone oculto”. Morcegos negros, Ministério do si- de qualidade.” Para o jornalista e cinegrafista lêncio, O operador, Olho por olho e O Código de ética traz também Saulo Luis, essas ferramentas devem Boa ventura! afirma que já usou mi- um dilema quanto aos deveres do ser usadas estritamente para o bem crofone escondido, já se apresentou jornalista. Ao mesmo tempo em que social. Saulo é de origem humilde, com nome falso e já usou cresceu na periferia de Belo gravador escondido mais Horizonte e, agora, como de uma vez. Mas concorjornalista, se ve no papel da com Lima quando se de Robin Wood moderno, pede “cautela” no uso dos com o dever de ajudar os equipamentos e reforça: desfavorecidos. Com mais “Essa é uma ferramende 25 anos de profissão, o ta que você deve usar em jornalista já registrou muiúltimo caso, é sempre um tos flagrantes com a câmera grande perigo quando o escondida, sempre fazendo jornalista se arvora de um denúncias e destacando poder como esse de usar problemas sociais. Recenuma câmera escondia, por temente participou de uma exemplo. Por isso eu acho série de reportagens sobre que você só pode usar eso crack em Minas Gerais, ses instrumentos quando que foi ao ar no MGTV e existe um assunto de inJornal Nacional, da Rede teresse público, altamente Globo. “Depois de esgotarelevante, ou seja, um caso das todas as possibilidades de corrupção, desvio de de gravarmos a reportagem dinheiro, que a sociedade O jornalista Saulo Luis defende o uso de microcâmera de maneira convencional, precise tomar conheciadotamos o último recurso mento daquela informação... mas ele deve “divulgar os fatos e as infor- possível que é o uso da microcâmera. não podemos banalizar esse tipo de mações de interesse público; comba- Tenho 25 anos de profissão e nunca vi ferramenta, que só deve ser usada ter e denunciar todas as formas de essa ferramenta prejudicar uma pessoa em casos extremos, e com acompa- corrupção”, deve também “respeitar inocente. Em todas as oportunidades nhamento dos chefes, da direção do o direito à intimidade, à privacidade, em que atuei, foi sempre o malfeitor órgão de imprensa. Tem que ser uma à honra e à imagem do cidadão”. que foi flagrado por nossas reportadiscussão sempre colegiada.” Hugo Teixeira, diretor executivo gens. Vivemos sobre a batuta de um Ana Paola Amorim, professora da Rede Minas, jornalista, professor estado de direito lento, burocrático e de Ética e Legislação do curso de universitário na Fumec, considera que não acompanha a velocidade e jornalismo da Universidade Fumec, que não há justificativa para o re- demandas da nossa sociedade”, afirconsidera um abuso o uso desses pórter utilizar esses mecanismos e mou Saulo, mostrando que suas ações instrumentos e afirma: “Não po- ressalta: “O jornalista nunca terá au- são pautadas por um ideal de jornalisdemos ficar acima da lei. Grande torização da Justiça para utilização mo romântico. parte daqueles que usam câmeras desses recursos, porque o jornalista Essa polêmica parece não ter fim. escondidas desconsidera e passa por não está investido dessa autorida- Você é capaz de responder a indagacima de questões legais e de questões de que o estado concede; portanto, ção: É aceitável gravar sem ser notaéticas. Eu acho um abuso a câmera quando ele faz uso disso, ele nunca do? Fica o dilema Veja vídeo-reportagem no portal escondida, principalmente quando o fará com autorização judicial. Eu se ignoram os aspectos legais e os acho que há uma certa ultrapassa- Conecta: www.conecta.fumec.br
Foto: Franco Serrano
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em destaque - Pedro Henrique Vieira
Nas ondas do rádio
Ex-aluno da Fumec encontrou seu lugar no jornalismo esportivo Todo universitário recém-formado sente um frio na barriga quando acaba seu curso superior e é preciso pensar na sua colocação no mercado de trabalho. A angústia nos primeiros meses pós-formatura parece inevitável. Pensando em minimizar essa ansiedade, a Ponto e Vírgula inaugura este espaço para localizar e desvendar quais caminhos percorrem os recém-formados do curso de jornalismo da Fumec que conquistaram seu lugar no tão concorrido mercado profissional. A coluna “Destaque” trará o perfil desses exalunos e pretende mostrar, aos atuais estudantes, as dicas e estratégias desses profissionais. Nesta edição, o
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destaque é o jornalista Pedro Henrique Vieira, formando da turma de 2009. Contratado assim que se formou, como promoção após estágio na TV Horizonte, Vieira encontrou nesse espaço a oportunidade de mostrar as competências e conhecimentos adquiridos ao longo do curso, aliado s à sua personalidade e background cultural. Jornalista factual em alguns momentos, comentarista esportivo em outros; essa é a vida de Pedro Vieira hoje, depois de três anos de formado. Atuando na rádio Globo e CBN , iniciou sua trajetória profissional no programa televisivo Aqui Esportes,
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da TV Horizonte. É pesquisador da área futebolística e professor do ensino superior, e em 2008, publicou o livro O coração da Massa. Como estudante de jornalismo, procurou aproveitar ao máximo as oportunidades de infraestrutura oferecidas pela Universidade. O que contribuiu muito em sua aprendizagem, segundo ele, foi o insistente aproveitamento dos laboratórios da Fumec. Bem humorado, - ele conta: “Eu era piolho de laboratório; ficava lá até umas cinco da tarde. Os técnicos não aguentavam mais olhar para minha cara”. Foi monitor voluntário do jornal O Ponto e do laboratório de telejornalismo e lembra
Fotos: Ana Clara Maciel e Isabela Resende
Pedro Henrique Vieira -
com carinho dos professores que o incentivaram durante o curso. Antes de começar a carreira focada no futebol, estagiou no Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG) e na Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de Minas Gerais (Fapemig). Pedro afirma que, independentemente da área ou função, a experiência de estagiar é sempre válida, já que é sempre possível absorver novos conteúdos. Como exemplo, fala da sua atuação no TRE: “Quando comecei a trabalhar na área futebolística eu percebi que não cheguei tão cru no que diz respeito a normas jurídicas do esporte”. Nos últimos oito meses de curso, ele estagiou na produção do programa Aqui Esporte, da TV Horizonte, onde ganhou seu passaporte para
o mundo esportivo. Assim que se formou, foi efetivado na emissora e atribui essa contratação a sua determinação. “Comecei a mostrar meu trabalho no estágio e fui crescendo e alcançando meu espaço”, conta Pedro. Nessa fase, conquistou a admiração de profissionais renomados da área que o indicaram para seus próximos trabalhos. Inserido na área jornalística, ele expõe uma nova questão aos estudantes. A importância de o profissional ser multimídia, ou seja, saber dominar todas as áreas do jornalismo. “A concorrência é acirrada, já tem pouco mercado, quem não sabe fazer uma ou outra coisa perde espaço para o concorrente. Então, quem sabe fazer texto, tem uma boa dicção, grava bem, domina os programas e ainda consegue agregar co-
em destaque
nhecimento é considerado um profissional completo para o mercado atual”, avalia Pedro. Na sede da Rádio Globo, Pedro Henrique Vieira reconhece que todo o esforço valeu a pena. “Meu sonho era ser jornalista. Tive a oportunidade de conquistar meu espaço e me consolidar na área. Tem que ter raça e disposição porque se trabalha muito, mas o jornalismo é gratificante. Somos formadores de opinião, e é muito legal você se sentir importante para a sociedade”, conta, mostrando que dedicação e carisma foram, para ele, as características fundamentais para o sucesso profissional
Por Ana Clara Maciel e Isabela Resende
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opinião
o preço Da mÚsica
Após uma série de denúncias e cobranças indevidas (e absurdas), o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição entrou na pauta e evidenciou a problemática política de direitos autorais existente no Brasil. Repudiado por alguns, abraçado por outros, o Ecad vive uma fase turbulenta e perigosa – porém, reveladora. Por Izabela Linke 44
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Ilustração: bbstormwallpapers.com
o preço da música -
U
m blog de design, sete colaboradores, nenhum fim lucrativo. O Caligraffiti é um entre muitos blogs, tumblrs e sites que surgem a cada dia como uma reunião de amigos que querem escrever sobre seus interesses e dividir suas experiências e gostos com o resto do planeta. Querem visibilidade – ainda que modesta –, querem espaço e possibilitar encontros. Enfim, querem compartilhar. Mas, como o Caligraffiti descobriu no final do mês de fevereiro, o compartilhamento tem um preço. Pelo menos para o Ecad, que decidiu cobrar R$ 352,59 mensais dos donos do blog pelos direitos autorais de vídeos do Youtube e do Vimeo que figuravam no site. Depois da confusão e do susto levado pelos blogueiros, a notícia caiu na rede e o boca-a-boca se espalhou. O problema é que a tal cobrança é ilegal. Como a Google e o Ecad já têm um acordo assinado que prevê o pagamento dos direitos autorais pelos vídeos hospedados no Youtube, cobrar dos usuários pelo compartilhamento dos vídeos constitui uma dupla cobrança pelo mesmo produto. “Na prática, esses sites não hospedam nem transmitem qualquer conteúdo quando associam um vídeo do YouTube em seu site e, por isso, o ato de inserir vídeos oriundos do YouTube não pode ser tratado como ‘retransmissão’. Como esses sites não estão executando nenhuma música, o ECAD não pode, dentro da lei, coletar qualquer pagamento sobre eles”, afirma Marcel Leonardi, diretor de políticas públicas e relações Governamentais do Google Brasil, em nota oficial publicada no blog do Youtube Brasil. Não foi a primeira vez que o órgão de arrecadação passou por uma situação parecida. Depois de cobrar R$1.875 reais pelas músicas que seriam tocadas em uma festa de casamento, o Ecad foi processado pelos
noivos e condenado a indenizá-los em R$5 mil reais, além de devolver a quantia paga na ocasião do casamento. Relatos de fiscais interrompendo cerimônias para cobrança de direitos autorais não são tão raros quanto se pensaria. A burocracia cheia de brechas e uma política defasada e sem fiscalização permitem ao Ecad uma liberdade quase sórdida para realizar suas atividades. Instituído por uma legislação de 1973 e mantido pela Lei de Direitos Autorais, de 1998, o órgão não é fiscalizado desde 1990, quando o Conselho Nacional de Direitos Autorais (CNDA) – juntamente como Ministério da Cultura – foi dissolvido pelo governo Collor. Isto é, há mais de 20 anos o gato não está; portanto, os ratos fazem a festa.
Para quem esperava com sede por um momento de mudança e avanço nas políticas culturais do país, o que se pode assistir, por enquanto, é uma marcha para o retrocesso. O Escritório Central de Arrecadação e Distribuição é uma instituição privada, administrada por nove associações de música. Conta com 27 unidades, 840 funcionários, 52 escritórios de advocacia e 110 agências autônomas espalhadas pelo Brasil. São 3.225 milhões de obras catalogadas, 1.194 fonogramas, 81 mil boletos emitidos por mês, 443 mil “usuários de música” cadastrados e 540.526.527 de reais de arrecadação no ano passado. (Os dados
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são do site oficial do ECAD) Sem fiscalização externa, o órgão goza de total liberdade administrativa, tendo todas as suas regras e decisões definidas em uma assembleia geral formada por membros das associações que compõem o próprio ECAD. São elas a Abramus (Associação Brasileira de Música e Artes), Amar (Associação de Músicos, Arranjadores e Regentes), Assim (Associação de Intérpretes e Músicos), Sbacem (Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Escritores de Música), Sicam (Sociedade Independente de Compositores e Autores Musicais), Socinpro (Sociedade Brasileira de Administração e Proteção de Direitos Intelectuais), UBC (União Brasileira de Compositores), Abrac (Associação Brasileira de Autores, Compositores, Intérpretes e Músicos) e Sadembra (Sociedade Administradora de Direitos de Execução Musical do Brasil). Por ter como base uma lei que data de 1998, uma época anterior à onda da internet no Brasil, uma reestruturação na política dos direitos autorais se faz mais do que necessária. Em pauta nos mandatos dos ex-ministros Gilberto Gil e Juca Ferreira, a reforma da Lei de Direito Autoral deveria ser debatida em caráter de urgência, mas não é o que se vê diante do atual cenário do Ministério da Cultura, regido agora pela ministra Ana de Hollanda. Aliás, o que se vê é o contrário, e é exatamente por isso que algumas dúvidas sobre as relações entre o MinC e o ECAD começaram a surgir. Assim que assumiu a pasta, uma das medidas tomadas pela ministra foi remover do site do Ministério o selo do Creative Commons – projeto que licencia obras intelectuais e vai de encontro à política do ECAD. Depois disso, ela nomeou Márcia Re-
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opinião - O preço da música Em tempos de redes sociais, financiamento coletivo, formatos digitais e compartilhamento constante, não cabemos mais naquela lei de 1998.
gina Barbosa para o cargo de diretora de Direitos Intelectuais, por indicação de um advogado do ECAD e nomeou ainda um ex-fiscal do órgão para seu assessor especial no Rio de Janeiro. Pode-se dizer que essas “coincidências” são, no mínimo, curiosas. Matérias dos portais dos principais veículos questionaram também essa estreita relação entre Ana de Hollanda e o ECAD. O jornal O Globo publicou uma troca de e-mails entre os diretores das associações que compõem o órgão, indicando uma grande proximidade com a atual gestão do MinC. O Estado de S. Paulo, Estado de Minas, Folha de S. Paulo, G1, Carta Capital, o Observatório da Cultura, dentre outros, não deixaram o assunto amornar. Não fosse o bastante, o ECAD ainda sofreu denúncias de formação de cartel e exacerbação de competência legal. O caminho que se seguiu a partir daí foi algo esperado. O Senado Federal recebeu um pedido de abertura de CPI para investigar o escritório de arrecadação, assinado por 28 senadores, inclusive o autor do pedido, senador Randolfe Rodrigues (PSOLAP). O pedido foi aceito e a CPI foi instalada e apresentou seu relatório final no último dia 26 de abril. A investigação concluiu que houve cartelismo, formação de quadrilha e pediu o indiciamento de 15 diretores ligados ao órgão por apropriação indébita, falsidade ideológica, agiotagem e crime contra a ordem econômica, além de sugerir que o escritório passe a ser fiscalizado pelo Ministério da Cultura. O ECAD publicou em seu site uma resposta oficial (www.respostadoecad.org.br) às acusações e à imprensa, alegando que o foco econômico e político é que motivou essa investigação, o que nada tem a ver com a causa da arrecadação e dis-
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tribuição dos direitos dos músicos. Afirmou também que a CPI não apresentou documentos que comprovem suas acusações e que não se preocupa com a fiscalização externa. “O ECAD é uma instituição privada que jamais recebeu subvenções por parte do governo e não necessita de tutela pelo Estado. Contudo não teme qualquer tipo de supervisão que venha a ser realizada, desde que seja técnica, sem viés político, dentro dos limites constitucionais, e que preserve o direito do autor de fixar o preço pela utilização de sua obra. A instituição entende que tal supervisão poderá, inclusive, atestar o profissionalismo e a transparência com que vem sendo conduzida a gestão dos direitos autorais no Brasil”, afirma o documento oficial redigido pela própria instituição. De acordo com matéria publicada na Carta Capital, “Ana de Hollanda poderia ser indiciada por ‘advocacia administrativa’, quando funcionário público patrocina, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário”. Para quem esperava com sede por um momento de mudança e avanço nas políticas culturais do país, o que se pode assistir, por enquanto, é uma marcha para o retrocesso. Em vez de abraçar o progresso tecnológico e tentar criar, ou reformar, políticas que incorporem o novo panorama cultural e social em que vivemos, o que se vê é uma falta de compreensão e rejeição das novas possibilida-
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des. Depois de afirmar que “a pirataria vai matar a produção cultural brasileira”, Ana de Hollanda deu a entender que se o que esperamos é progresso, talvez tenhamos que esperar mais um pouco. As críticas à ministra não param. E vem de todos os lados. Foi feita uma carta aberta pedindo a saída de Hollanda e sugerindo um novo nome para a pasta – Danilo Miranda, diretor do SESC –, assinada por milhares de artistas e encabeçada por ninguém menos que Fernanda Montenegro. De Marilena Chauí até os coletivos de produção independente do Brasil, o consenso é o visível despreparo e atraso do MinC. Além dos abaixo-assinados que circularam vastamente pela internet e ganharam assinaturas de todas as classes, profissões e lugares, a rede também abriga blogs e sites de repúdio à gestão de Ana de Hollanda, ao MinC e ao ECAD. Um exemplo é o ‘Fora Ana de Hollanda’ (foraanadehollanda.blogspot.com.br), um blog que reúne matérias, notas, artigos de opinião, vídeos, críticas e outras postagens sobre a gestão da ministra. O blog faz questão de ressaltar que ”não é contra a pessoa Ana de Hollanda, mas à sua política desastrosa e conservadora” e afirma que defendem “irrestritamente a liberdade do ACESSO UNIVERSAL à cultura e ao conhecimento”. Outro exemplo é o tumblr que foi criado após a vergonhosa atuação no ECAD na cobrança a noivos e blogs, o ‘Porra, Ecad!’ (porraecad. tumblr.com). De autoria de Gabriel Meissner, o tumblr conta com o apoio da Revista Entremundos. Lá se pode acompanhar a postagem de links para centenas de matérias, entrevistas e declarações sobre o ECAD e a política de direitos autorais do Brasil – além de poder mandar suas perguntas ou protestos.
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se faz urgente.
Creative Commons Criado pelo Professor Lawrence Lessig, da Universidade de Stanford em 2001, o Creative Commons é um projeto que visa o licenciamento de obras intelectuais de uma maneira livre. O CC permite que o direito autoral seja mantido, porém que a obra tenha mais permissões de uso e compartilhamento. A sua missão, como definida pelos próprios criadores e desenvolve-
dores, é a de maximizar a criatividade digital, o compartilhamento e a inovação. Mantido através de doações (que qualquer um, inclusive, pode fazer), o CC propõe seis tipos de licenças que vão desde a abertura total até o seu oposto. No Brasil o Creative Commons é dirigido pelo Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro e coordenado por Ronaldo Lemos. A organização é muito apoiada pelo ex-ministro da cultura, Gilberto Gil
Informações tiradas do site oficial do Creative Commons
A reforma se faz necessária. Em tempos de redes sociais, financiamento coletivo, formatos digitais e compartilhamento constante, não cabemos mais naquela lei de 1998, há muito ultrapassada e que só serve para proteger os interesses de um órgão arbitrário como o Ecad. O artista que paga para tocar suas próprias músicas não é uma figura rara no Brasil. No palco ou na plateia, não importa. A insatisfação é coletiva e não tem medo de mostrar a cara - finalmente. A reforma
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Foto: creativecommons.org.br
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GUIA CULTURAL Por Giulia Mendes e Marcela Xavier
Para dançar lista amiga e R$ 20 sem o nome na lista. Bebidas são vendidas no bar montado no evento. Classificação: 18 anos. Saiba mais: www.facebook.com/sextabasica “Eu gosto da Sexta Básica, porque além de acontecer em um lugar totalmente inusitado e agradável, o Mercado das Borboletas, tem também o som incrível que os Djs tocam, trazendo sempre tudo que é bom para a pista ferver”. Érico Ricardo, 21 anos, estudante.
Alta Fidelidade
Roodboss O Roodboss Soundsystem é um um projeto que leva aos espaços públicos de Belo Horizonte a música e a alegria jamaicana. Ao som de ska, rocksteady e reggae, o grupo transforma qualquer lugar em festa. Durante seus quase 5 anos de existência, já passaram pelo evento 10.000 pessoas. A festa é gratuita e as datas e os locais são informados no site do Roodboss. Classificação: nenhuma. Todos são bem vindos. Saiba mais: www.roodboss.com. “O Roodboss sempre faz bom uso do espaço público e toda edição é uma grande festa alegre e
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cheia de gente”, Juliana Vallim, 23 anos, estudante.
Sexta Básica Há mais de um ano, os Djs JJBZ, Fael, Thiagão e Yuga se reúnem mensalmente no Mercado das Borboletas, local onde a festa nasceu e ganhou sua personalidade. O público médio gira em torno de 750 pessoas por edição e é muito variado. A Sexta Básica sempre conta com Djs convidados e intervenções artísticas. Cada edição é um pouco temática. No som, um bocadinho de tudo, mas prevalecem brasilidades, funk, soul, hip hop e rock. O preço de entrada é R$ 15 com nome na
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A Alta Fidelidade é uma festa mensal que acontece em Belo Horizonte há 3 anos. A proposta é simples: Os Djs Deivid, Fael, Garrell, JJBZ e Kowalsky se revezam nas picapes ao longo da noite, todos munidos de seus discos de vinil. Não existe regra para os estilos musicais, na Alta FIdelidade rola todo e qualquer estilo de música boa: funk, soul, reggae, rock, disco, rap, brasilidades e o que mais der na telha dos Djs. As festas acontecem em locais variados, de acordo com a disponibilidade das casas e interesse dos Djs. Os preços variam entre R$ 25 e R$45, dependendo da edição. Os ingressos devem ser comprados antecipadamente nos postos de venda. Bebidas são vendidas no local. Classificação: 18 anos. Saiba mais: www.altafidelidade.org “Os Djs da Alta Fidelidade usam vinil, o que dá outro astral pra festa, de exclusividade. Não perco uma e a cada festa é mais divertido”. Julia Boynard, 21 anos, estudante.
Foto: Divulgação
GUIA CULTURAL
para SENTAR e CURTIR Bar do Orlando Na ativa desde 1919, a antiga loja de artigos para pesca hoje é um botequim. As prateleiras acomodam itens de mercearia que vão desde sabão em pó a papel higiênico, cachaça e enlatados. Sem frescura, o bar não conta com nada em especial, além da simplicidade de poder degustar o tira-gosto e a cerveja nos banquinhos da praça ali em frente, em Santa Tereza. Uma estufa armazena o famoso torresmão, especialidade da casa. Classificação: todas as idades.Endereço: Rua Alvinópolis, 460 – Santa Tereza. Saiba mais: (31) 3481-2752 “O bar do seu Orlando é gostoso para se tomar uma cerveja, pois fica de frente para uma praça onde os bancos viram mesas do bar. Facilmente encontramos amigos, um violão e um bom samba por lá”. Eduardo Zica, 24 anos, estudante.
Café Arcângelo O Café Arcângelo é referido por seus frequentadores como “a varanda mais charmosa da cidade”. Situado no edifício Maletta, o Arcângelo funciona como café e bar, e conta com um espaço interno aconchegante e uma varanda que fica de frente para a rua da Bahia, cartão postal da cidade. O atendimento é feito por uma equipe extremamente amigável, e, no cardápio, além de drinks exclusivos e elaborados por um barman competente, o cliente encontra também petiscos de bar, drinks à base de café e chás.Classificação: todas as idades. Endereço: Rua da Bahia, Foto: Divulgação
1148, sobreloja 02, Centro. Saiba mais: https://www.facebook.com/ arcangelocaffe “O Arcângelo trouxe de volta o charme do centro da cidade. O ambiente é super gostoso, com a vista para o Centro de Cultura. O atendimento e o cardápio também colaboram para que o lugar se torne mais agradável”. Glico Gênio, 25 anos, designer gráfico.
Godofrêdo Bar O bar Godofrêdo é um reduto dos amantes da boa música. Quase na esquina onde foi formado o Clube da Esquina, em Santa Tereza, a casa recebe a presença de músicos renomados em um repertório que mescla chorinho, canções dos Beatles e sucessos do Clube da Esquina. O clima aconchegante fica completo com o chop gelado, os petiscos de boteco e a simpatia de Luciane Mendes, sócia do local.Apresentações no piano com Gabriel Guedes e Rodrigo Borges acontecem todas as sextas. A entrada varia de R$ 8 a R$ 15, dependendo do dia da semana. Classificação: todas as idades. Endereço: Rua Paraisópois, 738 – Santa Tereza. Saiba mais: (31) 3483-6341 e www.godofredog.com “Existe em Belo Horizonte um bar e restaurante musical com agradáveis surpresas traduzidas em notas que merecem uma visita. Esse lugar se chama Godofrêdo”. Marco Aurélio Prates, 38 anos, fotógrafo.
Rodrigo borges e Gabriel Guedes no Godofrêdo Bar
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GUIa cultural
PARA quem gosta de rock Lord Pub O Lord Pub faz sucesso, há seis anos, com a fórmula: cerveja gelada, gente bonita e shows ao vivo de rock nacional e internacional das bandas mais tradicionais de BH. A decoração da casa remete ao clima medieval, com quadros e guitarras de ícones da música. O estabelecimento possui dois andares e capacidade para 450 pessoas. A noite começa com o agito do VJ, com os melhores clipes de rock and roll de todos os tempos. Sushi bar e espaço lounge com petiscos e bebidas para todos os gostos. A entrada varia de R$ 12 a R$ 15, de acordo com o dia da semana e as atrações. Classificação: 18 anos. Endereço: Rua Viçosa, 263 - São Pedro. Saiba mais: (31) 3281-4166 e www.lordpub.com.br
Espaço reformulado do Lord Pub
“Lord Pub é uma casa noturna muito atrativa, que abriu há alguns anos, sempre se destacando com bandas descoladas de rock. No local ocorreu uma exuberante reforma, principalmente no quesito tecnológico, como a renovação da decoração, a modernização do ambiente e
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o isolamento acústico. Sempre uma boa pedida”, Mário Henrique Coelho, 39 anos, diretor escolar.
Jack Rock Bar
Jack Rock Bar: tradicional em BH
O Jack Rock Bar abriu em 2003 e desde então se consolidou como uma das principais casas noturnas de Belo Horizonte a oferecer música boa para os fãs do gênero. Do nome à decoração do local, tudo remete ao rock. O Jack tem também um palco, que conta com a apresentação de duas bandas por noite nos fins de semana. O bar conta com uma variado cardápio de comidas e bebidas. O preço de entrada varia entre R$ 12 e R$ 15. Classificação: 18 anos. Endereço: Av. Contorno, 5623 – Funcionários. Saiba mais: (31) 3227-4510 www.jackrockbar.com.br “O Jack é um lugar bem legal para escutar rock and roll. A cerveja é gelada, o ambiente é agradável, o atendimento é bom e a sinuca é um atrativo a mais”. Romulo Santos, 27 anos, estudante.
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Circus Rock Bar Totalmente inspirado no filme “The Rolling Stones Rock and Roll Circus”, de 1968, em que Mick Jagger e outras lendas do rock faziam uma festa icônica no picadeiro de um circo, Circus Rock Bar conta com dois andares e um espaço que acomoda até 600 pessoas. O primeiro piso tem um palco em formato de picadeiro e lá acontecem shows de bandas e performances cênicas. No segundo andar fica o sushi bar e um espaço lounge. Classificação: 18 anos. Endereço: Rua Gonçalves Dias, 2010 – Lourdes. Saiba mais: (31) 3275-4344 / 3223-0090 e www.circusrockbar.com.br “O Circus Rock Bar é referência quando se fala em casas de show em BH. Um padrão interessante de balada de rock, com estrutura, tamanho, atendimento e instrumentos de muita qualidade. Bom para os músicos e para os clientes também”. Kicko Campos, 37 anos, músico.
Circus Rock Bar aposta em decoração de picadeiro
Fotos: Divulgação