Revista Ponto & Vírgula - Ano 6 | Número 9 - Novembro de 2014

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Revista laboratório do Curso de Jornalismo Ano 6 | Número 9 - Novembro de 2014

Tinga fala sobre o preconceito no esporte

Animais conquistam likes nas redes sociais

PELA LUZ DOS OLHOS Literatura e erotismo: mistura que atrai leitoras

Miss Minas Gerais 2013 traz à tona debate sobre retinose pigmentar e cria uma ONG para dar maior visibilidade ao problema


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O jornalista Emílio Fonseca conta, em entrevisa, sua trajetória meteórica Mulheres rompem barreiras e passam a integrar equipe de Segurança Pública A estudante Julia Pacheco dá exemplo de solidariedade doando seus cabelos

ÍnDice

expediente Universidade Fumec

Presidente da Fundação: Prof. Mateus José Ferreira Reitor: Prof. Dr. Eduardo Martins de Lima Vice-reitora: Profª. Guadalupe Machado Dias Presidente do Cons. de Curadores: Prof. Pedro Arthur Victer Diretor-Geral: Prof. Antônio Marcos Nohmi Diretor de Ensino: Prof. João Batista de M. Filho Coordenador do Jornalismo: Prof. Ismar Madeira

Ponto e Vírgula

Editor: Prof. Aurelio José Silva Editora: Profª. Ana Paola Amorim Coordenação Editorial: Profª. Vanessa Carvalho Coordenação Proj. Gráfico: Prof. Aurelio José Silva Apoio Técnico: Luis Filipe P. B. Andrade Apoio Técnico: Daniel Washington Martins Revisão de texto: Prof. Dr. Luiz Henrique Barbosa Logomarca: Rômulo Alisson dos Santos Foto capa: Laura Alvarenga Gráfica: O Lutador Tiragem: 2.000

Ivana Moreira

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Desfilando no escuro

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Reportagem solidariedade

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Redução de estômago

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Reportagem saúde

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Fotografar e esquecer

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Emílio Fonseca

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Preconceito no futebol

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Eventos internacionais

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Onde fui roubado?

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Mulheres na PM

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Violência nas escolas

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Os bichos nas redes sociais

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Livros eróticos

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ENSAIO FOTOGRÁFICO

Conselho Editorial

Memorial às vítimas da repressão é um dos destaques em registro do cinquentenário da Ditadura Militar

Prof. Alexandre Salum Profª. Ana Paola M. Amorim Valente Prof. Aurelio José Silva Profª. Dúnya Azevedo Profª. Vanessa Carvalho

Foto: Thaís Costa


editorial

Olhos que enganam Muitos cientistas já dissertaram sobre a maravilha biológica que é a complexidade dos olhos humanos. E diz a sabedoria popular: “os olhos são as janelas da alma”. Por meio deles nos conectamos com o mundo; são nossas frestas para a luz no combate à escuridão. Agora mesmo você está usando-os para ler esse editorial. Mas, apesar de toda a perfeição, nossos olhos podem nos trair. Seja por uma ilusão de ótica, por um golpe de vista, pela ação de drogas lícitas e ilícitas e até mesmo por vários males que acometem nossa visão. Alguns deles podem prejudicar a capacidade visual, outros podem até levar à perda total da visão. Trazemos nesta edição várias reportagens que, de uma forma ou outra, fazem menção direta ou esbarram nessa temática. A matéria de capa aborda o dilema vivido pela mineira Janaína Barcelos, Miss Minas Gerais 2013 e vice-Miss Brasil no mesmo ano. A linda jovem, que enche nossos olhos com sua beleza, simpatia e inteligência, deparou-se, há poucos anos, com uma nova realidade: o diagnóstico de retinose pigmentar, doença hereditária que leva à perda da visão. Em vez de fechar seus olhos e ficar ensimesmada em autopiedade, usou seu título para evidenciar o problema. Fundou o Instituto Holofotes, ONG que põe a doença em evidência e busca entendê-la melhor para alertar a sociedade. Na tentativa de desvendar um tema ainda tabu entre nós, a reportagem com o jogador de futebol Tinga e o artigo de opinião “Preconceito em Campo” abordam a onda de discriminação racial manifestada por torcedores brasileiros a jogadores negros. O que até então era ve-

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lado, ganha visibilidade na mídia e redes sociais. Outro problema que sai da clandestinidade nesta edição é a baixa autoestima de portadores de câncer. Mas, desta vez, em função de uma ação positiva: reportagem mostra a solidariedade de uma jovem que encabeçou uma campanha para doação de cabelos para confecção de perucas. As pacientes em tratamento voltaram a sorrir e a se olhar no espelho. Olhar atento da equipe de reportagem examina os prós e contras nas cirurgias de redução de estômago e quais os limites para um corpo perfeito. No ensaio fotográfico, um passeio diferente pela capital mineira revela os locais usados para a repressão e resistência à Ditadura Militar. Inspirado no roteiro feito pela Belotur, revisitamos vários locais em Belo Horizonte para que os mais jovens não se esqueçam dos anos de chumbo e do cinquentenário do Golpe. Em contraponto, outra reportagem mostra como o ato de registrar tudo o que se vê pela frente, por meio das lentes das câmeras fotográficas, para a postagem nas redes sociais tem se tornado mais importante do que vivenciar o presente, levando-nos ao esquecimento das nossas próprias experiências cotidianas. A violência é outro tema que salta aos olhos nesta edição. Três reportagens focam, em ângulos diferentes, o problema. Na iniciativa de jovens

Revista Ponto & Vírgula — novembro de 2014

estudantes baianos, o site colaborativo Onde fui Roubado? busca descentralizar as informações sobre os crimes e contribuir para aumentar a segurança no país. Confira. Por outro lado, em salas de aula, na capital mineira, registra-se pelo menos uma agressão verbal ou física por mês de alunos a professores. Mas, para aumentar a segurança pública, outra reportagem mostra que as mulheres estão rompendo todas barreiras e passaram a engrossar o contingente de Policiais Militares. Para finalizar essa apresentação, convido todos vocês a vasculharem meticulosamente as páginas dessa publicação e refletirem sobre a seguinte questão: se nossos olhos físicos podem nos enganar, o que dizer dos olhos das nossa consciência? Boa leitura a todos e até nossa próxima edição.

Aurelio José da Silva


opinião

QuanDo o preconceito entra em campo

Por Marcos Fam

Brincadeiras do futebol? Não. Os termos “preto”, “macaco” e “fedido” foram usados agressivamente pela torcida gremista para menosprezar e ridicularizar o goleiro Aranha, do Santos, em Porto Alegre, na partida da Copa do Brasil entre Grêmio e o alvinegro praiano. A atitude teve a consequência, mais do que esperada, da ira e da raiva do atleta. Ele gesticulou e reclamou, juntamente com os companheiros de equipe, mas foi em vão. O árbitro não quis saber e mandou prosseguir a partida. Devido aos avanços tecnológicos, os atos absurdos foram facilmente capturados pelas imagens das emissoras de televisão que cobriam o duelo. Que sorte! Muitos foram os que estavam envolvidos no acontecimento, mas a auxiliar de saúde bucal Patrícia Moreira, que xingava com veemência o goleiro, teve o rosto estampado em todos os jornais e revistas do país. Após ter perdido o emprego e ter visto a casa ser apedrejada pela população, alegou não ter tido a intenção de ofender ou menosprezar o atleta. Mais uma vez, o futebol fica marcado pela guerra moral e verbal entre torcida e jogadores, abrindo espaço para que questionemos os valores e as razões do esporte. É inadmissível que a violência – física ou psicológica – seja escalada para as partidas e entre em campo com os jogadores. Não sabemos dizer o que é pior: vêla entre os atletas ou entre os torcedores. Quem vai a um jogo de futebol deseja ver o espe-

táculo da bola, dos toques inteligentes, das defesas... enfim, da emoção que corre nas veias de todo torcedor apaixonado. Não há lugar mais democrático que um estádio: lá coexistem – e convivem lado a lado – patrões e empregados, chefes e subordinados, crianças, jovens, idosos, brancos e negros. O futebol é o esporte mais popular do mundo, a modalidade que as crianças das favelas jogam, de pés descalços, e que os meninos de classe alta duelam com suas chuteiras coloridas e caras. Essa não é a primeira vez em que o racismo entra em campo no futebol, pois já vimos o jogador Daniel Alves, lateral do Barcelona, receber uma banana arremessada pela torcida rival. O atacante italiano, Mario Balotelli, e Paulão Caveirão, do Internacional, também sofreram ofensas. Todos esses jogadores saíram de casebres em comunidades de baixa renda para ganhar o mundo através da bola. Se eles são brancos, negros, altos ou baixos, não importa; só nos interessa saber que trabalham com amor e venceram inúmeras dificuldades para chegar aonde chegaram. Quanto aos torcedores preconceituosos, é necessário que revejam seus posicionamentos e paradigmas. A torcedora pagou pelos seus atos, assim como o clube gaúcho. No entanto, isso não apaga o que passou. O caso de Aranha não foi o primeiro, mas esperamos que tenha sido o último, pois quem vai a um estádio quer ver um espetáculo de cores

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entrevista

eDitora Que faZ Questão De ser repÓrter

no comando da veja BH, ivana Moreira diz se sentir afortunada pelas oportunidades de atuar em diversas mídias

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Fotos: Larissa Coelho


ivana moreira

- entrevista

Por Larissa Coelho

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vana Moreira é formada em jornalismo pela UFMG, participa da diretoria da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), atuou em grandes redações como Estadão, BandNews, Valor Econômico, Metro e, atualmente, é editorachefe da Veja BH. Ivana Moreira já foi repórter intercambista do jornal norte-americano The Miami Herald e recebeu o prêmio Ayrton Senna de Jornalismo em 1998. A editora, que faz questão de frisar que é repórter até hoje, concedeu uma entrevista à revista Ponto e Vírgula, contando um pouco de sua história e aventuras na sua carreira.

Em qual ano você se formou e como foi a sua primeira experiência profissional? Formei na UFMG em 1993, em uma época que era muito mais difícil o mercado. O estágio não era permitido pelo Sindicato e havia muito poucos veículos. Logo, estava sem perspectiva do que fazer. Só sabia que queria ir para redação, mas não sabia como chegar lá. Brincávamos nesta época que, para entrar no Estado de Minas, era só se morresse alguém e nos chamassem para o lugar (Risos). Para a minha salvação, um professor me falou do “curso de focas” do Estadão que estava abrindo seleção. Aí eu descobri o mundo de oportunidades desses grandes veículos. Entrei na seleção e consegui. Eram três meses, sem qualquer perspectiva de trabalho. Porém, foram meses que mudaram a minha vida. Fui para um mundo muito mais profissionalizado, trabalhava para um jornal grande, que tem um trabalho de texto muito importante e que é a minha praia, já que sempre me senti mais confortável no impresso. Quando acabou o curso, eu acabei ficando. Me chamaram para uma

Fotos: Larissa Coelho

cobertura de férias da Editoria Cidades. Eu nunca tinha pensado em morar em São Paulo, mas eu não tinha nada em Belo Horizonte que fosse melhor do que isso (risos) e assim, acabei ficando mais de seis anos nesse veículo.

Em que momento voltou para Minas? Ter sido repórter de cidades, sem ser da cidade foi muito legal. Depois que você dá conta de fazer cidades, você faz qualquer editoria. Havia uma demanda gigantesca de cidades para BH e eles só tinham um correspondente aqui. Por coincidência, eu estava em um momento em que, por motivos pessoais, precisava voltar para BH e, por isso, ia pedir demissão. Como Minas estava em um momento em que todos os dias aparecia no jornal, Itamar tinha sido empossado e tinha um ex-presidente que só fazia confusão, eles foram legais comigo e me emprestaram para o estado mineiro. Ia ficar só três meses, mas acabei ficando um ano só cobrindo Itamar. Isso acabou me levando para editoria de Política e foi muito interessante porque, independentemente do lugar que os repórteres vão para fazer esta editoria, sempre saem matérias muito diferentes, dependendo do olhar de cada profissional.

Foi convidada para retornar a São Paulo? Fui sim. Venceu o meu tempo em Minas e eu tinha que voltar. Mas eu já tinha casa aqui, sempre gostei de morar em

BH e não conseguia nem arrumar namorado em São Paulo, só arrumava em Belo Horizonte (risos). Eu não queria voltar. Em 1999, o mercado estava muito movimentado no jornalismo, pois estavam surgindo os portais na internet. No RH, era assim: “fui.com.br”;todo dia, um jornalista pedia demissão para trabalhar em algum portal.E, no mesmo período, surgiu o Valor Econômico, que era um grande investimento em uma etapa em que só existia a Gazeta Mercantil. Como eles não sabiam do meu desespero para ficar na cidade, negociaram muito bem comigo e eu me desafiei ao ir para economia. Confesso que eu tinha muito medo, porque eu nunca tinha feito aquilo e já com muitos anos de experiência na profissão, eu fui me sentir “foca” de novo. Lia a gazeta e ficava desesperada, não tinha ideia de como eles conseguiam fazer aquelas notícias. Eu ainda não sabia que existia o mundo das assessorias de imprensa e que, na economia, eles iriam sempre querer me encontrar. Felizmente descobri e isso me deixou 8 anos nessa revista. Qual a importância de ser correspondente para um Jornalista? Ser correspondente foi uma experiência muito rica porque eu podia fazer tudo. De Belo Horizonte pra cima (Em qualquer lugar de Minas), qualquer ideia que eu tivesse poderia emplacar. Além disso, me fez desen-

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entrevista - ivana moreira volver o que é fundamental para todo o repórter: elaborar as minhas próprias pautas. Acredito que essa é uma das maiores riquezas que o repórter precisa e ser correspondente te obriga a isso, porque não tem ninguém para pensar por você. Você sabe que está sozinho em um Estado e precisa cobrir o que acontece ali. Você aprende a pensar o que é noticia no lugar em que você está e que também pode virar notícia para os outros lugares do país ou do mundo.

Você já pensou em desistir? Em 2009, eu estava pensando em sair da redação, montar o meu próprio negócio e fazer alguns freelancers. Isso porque sou muito inquieta e não consigo ficar parada sem nenhum novo desafio. Assim, comecei a fazer umas matérias para a revista Época porque lá é assim: eles não contratam ninguém fichado, mas, se você mandar uma pauta e ela for boa, você é contratado para aquela matéria. Foi bem divertidinho, porém, não durou nada. O Estadão ficou sabendo que eu estava saindo da Revista e me chamou de volta porque precisava de uma força em um momento em que todos estavam apreensivos se o Aécio Neves já iria sair para presidente ou não. Fiquei um ano lá e foi muito bom porque eu adoro o Estadão.

Você trabalhou em outras mídias? Como foi? Trabalhei. Quando eu estava bem “felizinha’ no Estadão me chamaram para uma conversa e lá me convidaram para chefiar um programa da BandNews que era algo que eu achava que eu não tinha a menor condição de fazer. Te confesso que eu matava aula de radiojornalismo na faculdade (risos). Eu só era ouvinte porque precisava escutar rádio o dia inteiro por ser correspondente.

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Mas eles tiveram uma jogada muito legal e eu não tinha nada a perder. Isso foi fatal, porque lá é ótimo. Quando cheguei em São Paulo, falei que a BandNews de BH não era o sucesso que era lá, mas que eu estava super-afim de fazer isso dar certo. E foi uma delicia, aprendi muito. Aprendi todos os macetes do rádio porque eu tinha que fazer um glossário. Por exemplo, as aspas são sonoras, coisas assim que aprendi para me localizar. Vi que se pode fazer jornalismo de qualidade, peguei uma equipe muito legal e eu entrei em um momento em que a Band viveu uma revolução interna de mudança de diretor e eu acabei na TV como diretora interina. Lá, eu acabei com os meus preconceitos de TV porque é difícil pra caramba fazer um texto pra lá, mais do que eu podia imaginar. Eu vi o tanto de coisa

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bacana que dá pra fazer. Fiquei muito pouco tempo na TV, mas criei um grande respeito, até por ser uma coisa muito louca, um monte de gente vendo você informar uma noticia ao mesmo tempo. Também trabalhei no Metro, me chamaram no meio deste turbilhão em que eu fiz um monte de coisas. Fui chamada pra montar uma equipe e fazer o jornal aqui em BH e foi uma experiência divertidíssima. O jeito que ele é feito pode ser comparado a um supermercado. Todos os dias, eu ia com um carrinho e entrava em uma gôndula com matérias que eu poderia tirar de qualquer parte do mundo pra fazer a minha seleção. Isso porque tem gente produzindo matérias para o Metro no mundo inteiro, o Brasil é apenas uma rede, então você pode puxar a página da editora do Rio e pegar para você. Você customiza um pro-

Fotos: Larissa Coelho


ivana moreira duto de cabeças espalhadas. Acho que é um jeito de fazer que eu nunca vi em outro lugar. Além disso, ele é muito correto na proposta que tem, que não é de ser um jornal profundo, é um jornal de minutos pra você se atualizar. Ele foi feito pra isso, até o papel dele é especial para não manchar a roupa das pessoas, então elas pegam quando estão indo para o trabalho e vão folheando enquanto estão no carro ou no elevador. Na hora em que chegam na mesa do trabalho, não veem mais importância nele. Mas o jornal nesse tempo, com essa missão, é fundamental. Por todas as peculiaridades,para mim o Metro é um fenomenozinho.

O que te fez sair do Metro e trabalhar na Veja BH? A Editora Abril resolveu lançar a Veja BH e me chamaram para trabalhar nela, sendo que este tipo de revista sempre foi o meu fetiche. Era tudo o que eu não tinha feito na carreira e que queria ter feito.

Você se considera uma Jornalista Investigativa? Eu não posso dizer que eu fui e sou uma repórter investigativa. Eu fiz algumas investigações, mas não foquei apenas nisso. Às vezes, os produtores são até mais investigati-

Fotos: Larissa Coelho

vos que os repórteres. Investigação é método, mas, muitas vezes, é interpretação. O papel do jornalismo investigativo é fundamental. Vai além da notícia, mostra o que está oculto e aquilo que os jornais diários não conseguem expor.

Você se sente incomodada com as críticas feitas à Veja? Os próprios jornalistas são muito críticos. Alguns realmente detestam a Veja, falo isso super-confortável e sem drama nenhum. Eles falam que a Veja é isso ou aquilo e que só manipula. Ficamos fomentando entre a gente um debate que desconstrói o trabalho de todo mundo. A Veja erra, mas acerta pra caramba. Como O Globo erra e acerta; a Folha erra e acerta e, nos acertos, a Revista concebe contribuições incríveis. A Veja, que possui uma posição muito crítica sobre este governo, é a mesma Veja que deu a matéria principal para a queda do Collor.

Como foi ganhar o prêmio Ayrton Senna de Jornalismo? Foi bem legal (risos). Acho que tudo foi muito positivo em minha carreira, sou bem apaixonada. Nessa época, o tema responsabilidade social estava começando a ser discutido. A mídia não dava muita bola

- entrevista

pra isso e tinha poucas pessoas fazendo. Ai o Estadão resolveu fazer uma série sobre bons exemplos de projetos que revolucionaram a vida das pessoas. Ganhei com essa série que não teve nenhum trabalho de grande investigação. O trabalho era contar bem as histórias de pessoas que ninguém nunca saberia da existência se um jornalista não fosse lá e contasse. Lembro que, no dia deste prêmio, o meu editor que era fantástico, o Roberto Gazzi, falou que achava muito bacana ganhar com uma matéria do bem já que, geralmente, as matérias que dão prêmio para os jornalistas são as que destroem a vida de alguém ou as de denúncias. Ganhar com uma matéria do bem mostra que o jornalismo tem essa missão também. O jornalismo também é espaço para mostrar o que existe de bom, que serve de estímulo para as outras pessoas. Dou como exemplo a coluna “Belo Horizonte Nota Dez” da Veja BH (briguei muito por ela) que mostra que tem muita gente fazendo coisas positivas pela cidade.

Já correu algum risco? Eu trabalhei para veículos muito grandes e estruturados em que éramos quase blindados. Os momentos em que eu corri riscos foram nas

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entrevista - ivana moreira próprias coberturas, mas eu sempre fui muito corajosa. Teve uma matéria que eu corri alguns riscos, mas fui eu que não avaliei bem.Eu era correspondente do Valor Econômico e eu cantei uma pauta lá falando que os homens que moravam em Serra Pelada ainda estavam lutando pelo direito da lavra para vender para uma mineradora e ganhar dinheiro como membros da cooperativa. Como eu nunca tinha ido em Serra Pelada, não sabia como era. Planejei toda a viagem e só descobri quando eu estava lá que era um lugar perigosíssimo. Lá são duas mulheres para cada homem e noventa e oito homens. Muitos deles eram idosos e alcoólatras porque eles não têm nada pra fazer, eles vivem lá “marcando território” aguardando o dinheiro da cooperativa. Eles vivem dessa fantasia, acho que até hoje (Essa minha matéria é antiga). Então eu vi onde eu fui me meter: sozinha em um lugar, sem celular, sem sinal para conseguir conectar com a redação. Só conseguia falar na redação quando eu voltava para o hotel que era bem longe. Eu só tinha o motorista que foi comigo. Quando eu cheguei no buraco onde era a cooperativa do garimpo, tinha uma placa assim “Cem dias sem mortes!”, o que me deixou aterrorizada. O nível de alcoolismo era tamanho, a violência entre eles era constante e imensa. Eu avaliei mal. Se eu fosse fazer esta matéria de novo não teria ido sozinha, desembestada do jeito que fui.

Qual a matéria de que mais se orgulha? Foi a que mais teve repercussão? Eu fui a primeira jornalista a dar o real motivo da queda do Fokker 100 da Tam em 1996. Costumo dizer assim: se preparar e treinar ajuda, mas jornalista sem sorte não vai pra lugar nenhum. Tem coisa que cai no seu colo. Essa matéria eu tive

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ser muito protegido pela empresa.A matéria foi escondida pelo Estadão, até sair, pois, era tão importante que eles tinham medo da Folha de S. Paulo correr atrás.Não mudou o mundo em nada, mas mudou essa cobertura. Depois disso, o jornal resolveu que eu sabia tudo sobre aviação (risos). Todos os dias que eu chegava e adivinha qual era a minha pauta? Sempre Tam. Passei um ano cobrindo este caso inteiro,

“Eu fui a primeira a dar o real motivo da queda do Fokker 100 da Tam em 1996.”

muita sorte com a fonte que eu encontrei. Acho que, se eu tive algum mérito, foi por ter sabido conquistar e reconhecer a importância desta fonte. Todos querem te ajudar, todo mundo quer bancar um pouco de jornalista e tinha um homem que era diretor de uma escola em que eu fui fazer uma matéria que olhou pra mim e falou: “Você acredita que a minha secretária é casada com o piloto da Tam? Vi que vocês estão dando matérias para esta história.” Depois disse animado para eu ligar pra ela e eu anotei o telefone, por educação, porque não achava que ia ser importante. Mas, eu estava tão perdida na cobertura, já tinha tentado tantas coisas que não estavam resolvendo nada, resolvi ligar. Descobri que ele não era um piloto qualquer,era o treinador do piloto do dia do acidente. Além disso, para minha sorte,ele não era conhecido por ninguém da mídia por

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todas as vítimas, comandantes e outros. Quando fez um ano do acidente, teve a missa e eu recebi flores do grupo “Viúvas da Tam”, que são vítimas do acidente e também um presente do Comandante Rolim. Nesse dia, eu fiquei muito feliz porque os dois lados que se odeiam tinham consideração por mim. Eu consegui contar uma história justa. Por essa matéria, tenho muito carinho. Foi no início da minha carreira e me deu muito aprendizado.

Quais as maiores dificuldades do Jornalismo Investigativo? Acho que administrar o tempo com tudo o que precisamos fazer. É conseguir não deixar esses projetos, já que não dá para parar apenas nesse projeto que pode demorar meses. O jornal precisa fechar diariamente, ou semanalmente. Acredito que o maior desafio ainda é pessoal, é administrar a sua vontade e o seu empenho

Fotos: Larissa Coelho


reportagem

Desfilando no escuro A estudante de jornalismo e Miss Minas Gerais coloca em foco, durante seu reinado, a Retinose Pigmentar: doença considerada rara pelos médicos, mas não pela modelo Por Janderson Silva Selma Jezkova, personagem interpretada por Björk no filme Dançando no Escuro (2000), amava tanto o teatro que, quando visitou o oftalmologista, quis enganá-lo decorando a ordem das letras do exame de visão, aquele em que tapamos um dos olhos com a mão e falamos as letras que vemos ou não. Tudo para não perder a oportunidade de ir aos ensaios do musical A Noviça Rebelde, em que interpretaria a personagem principal. Selma sofria de uma doença de visão hereditária e que a deixaria cega. Seu medo era de admitir sua condição, porém, ao fazê-lo, ela expõe a fragilidade de uma mãe solteira que sabia que Gene, seu único filho, herdaria sua doença dos olhos. Trabalhava em uma fábrica metalúrgica no período diurno e, às vezes, dobrava, passando a noite na máquina de prensar chapas de metal. Quando era hora de voltar para casa, Selma se guiava pelos trilhos do trem.

Fotos: Ruy Vianna

Dessa maneira, equilibrando-se e cantando pelo caminho escuro, a mulher encontrou uma forma de voltar sozinha para casa. À noite, era quase cega. Sua doença ainda não havia chegado ao ápice, mas sua visão periférica estava totalmente comprometida. A obra cinematográfica não faz uma mensão direta ao nome da doença de Selma Jezkova. Assim como a personagem da ficção, a Miss Minas Gerais 2013, Janaína Barcelos, 26 anos, teve que decorar caminhos. Não o de volta para casa, mas o da passarela, durante o concurso em setembro daquele ano, no Minas Centro, em Belo Horizonte. “Na abertura, as meninas desciam as escadas ao fundo, enquanto eu chegava pela lateral. Muitas reclamaram dizendo que também tinham problemas de visão. Elas não entendiam que o meu era diferente. A pista era escura e os holofotes não facilitavam.”

A estudante de jornalismo da Fumec e segunda colocada no Miss Brasil de 2013 descobriu há três anos que é portadora de Retinose Pigmentar (RP), doença considerada rara pelos médicos. Ela prefere ser firme e não dramatizar sobre sua vida. “Não fico pensando nas limitações que a doença pode causar, mas sim em conscientizar as pessoas sobre a existência do problema.” Durante seu reinado, além de divulgar a RP em entrevistas e discursos, Janaína Barcelos fundou a ONG Instituto Holofotes e lançou um website para abordar o tema (saiba mais sobre esse trabalho na próxima página). A Retinose Pimentar é o nome dado a um grupo de doenças oculares hereditárias que provoca alteração permanente na visão, pelo fato de os cones e bastonetes, células fotorreceptoras responsáveis pela captação da luz, se degenerarem. Pessoas com a doença apresentam uma perda gradual da visão, che-

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desfilando no escuro

- reportagem

Janaína Barcelos fotografada no Mirante do Cruzeiro: modelo diz que irá continuar luta contra Retinose Pigmentar

gando à cegueira ao longo de anos, processo que pode variar de acordo com cada situação. A Retinose Pigmentar está dentro de um grupo de doenças não especificadas que contabiliza 21% das principais causas de cegueira no mundo. Segundo dados do World Health Organization, no mundo, 285 milhões de pessoas são portadores de doenças visuais e 39 milhões delas podem ficar cegas, enquanto 246 milhões são vítimas de baixa visão.

ta igualmente homens e mulheres e tem a ver com o histórico familiar; herança autossômica recessiva, também afetando igualmente homens e mulheres, podendo haver pouco ou nenhum registro familiar e a herança ligada ao cromossomo X, esse atingindo principalmente os homens. Há ainda causas sem correlação familiar e, nestes casos, nem sempre é possível identificar quais dos três tipos de herança causaram a RP. O tipo da qual Janaína Barcelos é portadora está no grupo do tipo recessivo e tem o nome de USH2A.

Causas

Sintomas

Segundo documento do Royal National Institute of Blind People (RNIB), as causas geneticamente herdadas para a RP são três: herança autossômica dominante, que afe-

Nos casos mais comuns de RP, os primeiros sintomas aparecem entre a infância e os 30 anos. O primeiro sintoma é a dificuldade para enxergar em baixa quantidade de luz, ao

anoitecer, por exemplo, ou em um quarto mal iluminado. “Percebi que algo estava errado quando chutei um hidrante ao entardecer”, conta Janaína. É a chamada “cegueira noturna”. Uma pessoa que possui RP demoraria o dobro ou mais de tempo para se adaptar a uma condição de baixa luminosidade. O segundo sintoma é a perda da visão periférica ou campo visual. Isso significa que, quando a visão está voltada para frente, o portador da RP não vê o que está ao lado, acima ou abaixo dele. “Se estou olhando para o que está à minha frente, o que fica ao lado eu não enxergo. Não tenho a visão periferial e, sim, de um ângulo mais fechado. Eu preciso virar a cabeça para enxergar o que está do meu lado, por exemplo. Isso dificul-

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reportagem - desfilando no escuro ta muito as atitudes simples como atravessar a rua ou situações que demandam mais atenção, como na hora de dirigir”, diz Janaína.

Cura Atualmente não há cura ou tratamento conhecido para a RP ou distúrbios associados à retina. Muitos dos genes causadores da retinose estão sendo descobertos e mapeados, e esta é a informação necessária para o entendimento da doença e pode permitir que potenciais tratamentos venham a se tornar realidade. Um deles é a Terapia Gênica, que substitui o gene defeituoso por outro sadio. Esse processo faria com que o gene implantado produzisse células novas, recuperando assim toda a parte prejudicada da retina. Mas, por vezes, o gene ou os genes causadores da RP podem não ser descobertos. Outra possível alternativa está no tratamento com células-tronco. Essas células podem se dividir em outros tipos de células, tendo assim o potencial de encobrir os danos ou substi-

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tuir as células da retina que estão em falta. Além dessas, há também o estudo sobre os “fatores de crescimento”, que são substâncias químicas que sustentam as células, ajudando em seu crescimento e recuperação. Há também pesquisas sobre terapia nutricional com ácidos de vitamina A e ácido docosahexaenóico, mais conhecido como DHA. Segundo o presidente do departamento de Oftalmologia da Associação dos Médicos de Minas, Luiz Carlos Molinari, por ainda estarem na etapa pré-clinica de fase IV, os tratamentos para a Retinose Pigmentar ainda não possuem aplicabilidade prática e, por isso, não podem ser liberados.

Instituto Holofotes Para dar visibilidade necessária à Retinose Pigmentar, Janaína criou o Instituto Holofotes da Retinose Pigmentar. “Se hoje temos no Brasil cerca de 200 milhões de pessoas, cerca de 50 mil delas podem ter a doença e não saber. Isso é muita gente!”, afirma a Miss.

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De acordo com a Rare Disiase Europe, na Europa, uma doença é definida como rara quando afeta menos de 1 por 2 mil habitantes. Esse número também é válido para o Brasil. Já para a National Organization for Rare Disiade, qualquer doença que afete menos de 200 mil norte-americanos é considerada rara. Segundo o site Retina Brasil, o número estimado de pessoas afetadas pela RP nos EUA já chega a 100 mil pessoas. Os dados do hospital brasileiro Albert Einstein apontam que 1 em cada 4 mil pessoas tem a doença. O número de afetados pela Retinose no Brasil ainda não pode ser apresentado, mas, segundo a modelo, estima-se que cerca de 50 mil pessoas podem ter a doença e não sabem. Ao fundar o Instituto Holofotes da Retione Pigmentar, a modelo quis promover a divulgação internacional, buscar por investimentos em pesquisas e estudos científicos, cadastro de portadores, dentre outras finalidades. O endereço do Intituto é institutoholofotes.org.br

Print: institutloholofotes.org.br


reportagem

Doação de cabelo resgata autoestima Depois de arrecadar mais de quatro mil mechas de cabelo, é hora de entregar as perucas sem custo para pacientes com câncer

Simone Patrícia, 19 anos, fazendo tratamento contra o cancêr no ovário, entrou na campanha e recebeu uma peruca

Por Bruna Oliveira e Rodrigo Oliveira Depois de uma longa lista de espera, os pacientes que fazem tratamento contra o câncer no Hospital Mário Penna recebem perucas confeccionadas com mechas de cabelo doadas em uma campanha iniciada em setembro de 2013. Simone Patrícia, 19 anos, que luta contra o câncer no ovário, se inscreveu e recebeu uma peruca de cabelos

Fotos: Bruna Oliveira

lisos e castanhos. “Fiquei bastante tranquila e alegre, agora sim posso sair de casa.” Ilka Maria, 54 anos, dona de casa, descobriu o câncer de mama em exames de rotina, afirma que ficou tranquila e aceitou a perda dos cabelos. “O lenço, pra quem está acostumado a usar, é tranquilo, mas pra mim não, acho que o

cabelo vai aumentar mais a minha auto estima.” Geralda Martins, ao fazer o teste de mamografia, recebeu a notícia de que tinha câncer. “Sempre acreditei muito em Deus e não perdi a fé, levei tudo com muita cautela e fiz todos os procedimentos exigidos pelos médicos, que me ajudaram bastante.” Acompanhada do marido e com

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Reportagem - Solidariedade toda a sua atenção, superou a perda de cabelo com mais naturalidade, mas ela não deixa de ressaltar que a peruca a deixou bem mais à vontade, pois sentia muito desconforto de ser diferente das outras mulheres. A campanha “Doe seu cabelo” durou apenas quatro meses, mas obteve uma repercussão enorme tanto na imprensa local quanto no interior de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e rádios em Recife. O hospital chegou a receber mais de 150 mechas por semana, incluindo doações do Acre e de Portugal. Mesmo com uma quantidade enorme de cabelo entregue, a confec-

ção da peruca é demorada e de alto custo. Cada uma custa em média de R$1.500,00 a R$3.000,00 e demora cerca de três meses para ficar pronta. Isso acontece por causa do modo de confecção; as perucas são costuradas fio a fio e há poucos profissionais no mercado que fazem esse tipo de serviço. O Instituto Mário Penna deixa algumas recomendações de como devese doar o cabelo. A mecha deve ter no mínimo 17cm, deve estar presa em uma gominha e não pode estar molhada. Quem seguiu corretamente essas recomendações foi a pequena Victoria Campos, oito anos, que, ao procurar

o instituto para doar o cabelo, na manhã do dia 10 de abril, presenciou a entrega das perucas. “Ela sempre teve uma resistência muito grande em cortar o cabelo e eu sempre a incentivei a fazer o bem sem olhar a quem”, diz Gehysa Campos, mãe de Victoria. Um dia, a própria Victoria tomou a iniciativa e pediu para que cortasse seu cabelo para doar. Gehysa soube da campanha pela internet, e levou os 37cm de cabelo doado por Victoria. Para adquirir uma peruca deve-se entrar em contato com o marketing através do telefone que se encontra no site do hospital (www.mariopenna.org.br).

Perucas disponiveis para os pacientes que foram ao hospital Luxemburgo no dia 10 de abril

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Fotos: Bruna Oliveira


Solidariedade

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Julia Pacheco, quando iniciou a campanha, sendo a primeira pessoa a doar cabelo para o Mário Penna

O início da campanha

A revista Ponto e Vírgula conseguiu falar com exclusividade com a responsável por iniciar a campanha. Júlia Pacheco (26), estudante de Relações Públicas, entrou em contato com o Instituto Mário Penna para saber se eles recebiam esse tipo de doação. Confira a entrevista:

De onde veio a ideia de doar cabelo?

Sempre cuidei e tive muito apego ao meu cabelo, confesso que, se não fosse por uma causa que me comovesse tanto, não teria coragem de cortar. Acredito que, na correria do dia-a-dia, sobra pouco tempo para olharmos à nossa volta e nos colocarmos no lugar das pessoas que realmente precisam de ajuda.

Você imaginava que a campanha iria ganhar uma repercussão tão grande?

Nunca imaginei que tivesse tanta

Fotos: Arquivo Pessoal

repercussão, para falar a verdade, fiquei surpresa de saber que fui a primeira.

Por que você escolheu doar para o Instituto Mário Penna?

Minha família sempre ajudou o Instituto, então, quando resolvi que queria doar o cabelo, enviei uma mensagem por uma rede social, para me informar se eles recebiam e como teria que ser o processo para a doação.

Como você se sente ao ver que ajudou muitas pessoas?

Percebi que doar o cabelo pode

servir de incentivo para muitas crianças, jovens e mulheres a buscarem mais força e autoestima. Posso cortar meu cabelo de diversas maneiras e em pouco tempo ele cresce, todo cuidado com ele se tornou uma coisa fútil e já não tem tanta importância como eu sei que terá na vida das pessoas que estão passando pelo processo de cura. Ter o cabelo curto não é um problema considerável diante de pessoas que passam por um tratamento tão sofrido, física e psicologicamente, elas perdem o cabelo e passam a se sentir frágeis diante disso tudo. Me sinto muito feliz de ter participado da campanha e principalmente de saber que ajudei pessoas que estão passando por um momento difícil

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Reportagem

dois pesos e uma medida

Redução de estômago:

Por Joice Nunes e Carolina Mercadante O governo tem gasto mais com doenças decorrentes da obesidade. Em 2011, o Sistema Único de Saúde (SUS) gastou R$ 448 milhões com tratamento de doenças associadas à obesidade devido ao fato de o problema, segundo levantamento do Ministério da Saúde, já acometer 51% da população nos últimos cinco anos, sendo a maioria homens. Desse total, R$ 289 milhões (59,2%) serviram para cobrir tratamentos hospitalares e R$ 199 milhões (40,8%) foram destinados a atendimentos ambulatoriais, de acordo com uma pesquisa feita pela Universidade de Brasília (UnB). As cinco capitais brasileiras com o maior número de obesos, segundo o ministério, são: Macapá (21,4%), Porto Alegre (19,6%), Natal (18,5%), Fortaleza (18,4%) e Campo Grande (18,1%). A cirurgia bariátrica, também conhecida popularmente como redução de estômago, hoje é um dos métodos mais utilizados para o emagrecimento e melhora da saúde de pessoas obesas.

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Há dois pontos de vistas quanto a isso. Existem prós e contras e os riscos são, segundo especialistas, enormes. Há casos em que a cirurgia não é bem sucedida. Seja qual for o motivo, o resultado insatisfatório não é positivo para o paciente. Isso se torna um problema constante: as pessoas voltam ao peso com o tempo ou logo após o procedimento. Quando o paciente se submete a uma nova cirurgia, tem outros riscos, diferentes da primeira vez em que foi operado. Tudo deve ser feito como se fosse uma primeira cirurgia. “É preciso recalcular os indicadores de riscos e benefícios e ponderar a indicação: se a pessoa realmente precisa ou não de um novo procedimento”, diz o cirurgião Áureo Ludovico de Paula, em entrevista ao Diário da Manhã. Metade das pessoas obesas que fazem redução de estômago volta a engordar parcialmente, e 5% ganham todo o peso de novo. Por isso, não adianta apenas se submeter à cirurgia bariátrica: é

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preciso mudar hábitos e manter uma reeducação alimentar para o resto da vida. A operação deve ser a última alternativa para quem precisa emagrecer – seja por obesidade mórbida, por doenças associadas ao excesso de peso ou para pessoas com Índice de Massa Corporal (IMC) acima de 40 ou acima de 35 associado a doenças como diabetes, pressão alta, apneia do sono entre outras causadas pela obesidade. O tratamento da obesidade com a cirurgia bariátrica deve ser acompanhado por vários profissionais, como endocrinologista, psicólogo, cardiologista, nutricionistas, verificando assim as condições do possível paciente à operação. “Seguir as orientações, não praticar exageros, comer de três em três horas e consumir pouco volume em cada refeição; não forçar o consumo de alimentos que não são bem tolerados; jamais ultrapassar o volume recomendado no pós-operatório;


redução de estomago

- reportagem

A obesidade tem aumentado os gastos do Sistema Único de Saúde com tratamentos associados ao sobrepeso

é essencial”, diz a nutricionista Luana Rocha. Antes de operar, o paciente deverá, obrigatoriamente, ter pleno conhecimento das características, necessidades, riscos e limitações de cada cirurgia. Ele deverá participar de reuniões com a equipe multiprofissional e com pacientes já operados para poder ter certeza da sua decisão. Depois do processo cirúrgico, o paciente ainda deve continuar com todo acompanhamento médico necessário, pois a cirurgia é apenas a metade do caminho. Após o procedimento, o paciente deve comer várias vezes ao dia com volumes pequenos, iniciando com aproximadamente 30 ml por refeição. Há também restrição de líquidos no pós-operatório. Com o passar do tempo (normalmente intervalos de 1-2 semanas), o volume aumenta aos poucos até estabilizar. A introdução de alimentos novos na dieta deve ser gradativa e com um alimento por vez para que seja possível avaliar sua tolerância. Segundo Jéssica Dalbem, operada há pouco mais de dois anos, ela pode comer de tudo, mas tem consciência

‘Meu maior problema pós-cirúrgico foi por descuido. Precisava entregar uns relatórios, não fiz o repouso necessário’

Jéssica Dalbem

de que certos alimentos lhe fazem passar mal. Por exemplo, os alimentos mais gordurosos, que demoram mais a serem digeridos. Estima-se que, em um ano, seja possível perder até 35% de todo o peso - mas isso só se o paciente conseguir mudar seus hábitos após a cirurgia; caso contrário, ele pode voltar a engordar. Mas, além de se preocupar com a alimentação, a pessoa deve se preocupar com o psicológico. No processo de preparação psicológica, ela passa por avaliações para identificar o grau de compulsão alimentar. A psicologia pode auxiliar o pa-

Fotos: http://commons.wikimedia.org

ciente a conhecer e a compreender melhor a si mesmo, a aderir efetivamente às recomendações médicas, envolvendo-se e sentindo-se responsável pela criação de uma nova identidade, e pela participação efetiva no processo de emagrecimento. “Eu aprendi, na terapia pré-operatória, que eu continuaria com a ‘cabeça de gordo’ e é exatamente como eu me sinto até hoje. Quando vou a algum lugar, alguma festa que tem muita variedade de comida, ou que tem alguma coisa de que goste muito, eu fico tentada a comer mais. E, em alguns casos, eu chego a comer mais que o necessário. Claro que isso não faz bem, e acabo passando mal. Minha família, meu marido, minha mãe, e principalmente minha irmã, que passou pela mesma cirurgia no mesmo período que eu, me apoiam o tempo todo, e isso me fortalece a continuar e conseguir alcançar meu objetivo. Acredito que será uma eterna luta comigo mesma para superar isso”, diz Jéssica Dalbem. Antes da cirurgia, conta que tinha 130 quilos e teve problemas depois da cirurgia por falta de cuidados.

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reportagem - redução de estomago “Meu maior problema pós-cirúrgico foi por descuido. Eu precisava entregar uns relatórios de trabalho e não fiz o repouso necessário. Uma semana depois do procedimento, eu trabalhei e, com isso, acabei tendo uma infecção muito forte, com dores abdominais. No final das contas, tive que dobrar o tempo de repouso e também tomar uma série de medicamentos que não seriam necessários se eu tivesse me cuidado melhor depois da cirurgia.” A cirurgia bariátrica é na verdade o primeiro passo para uma vida melhor, mas, ao contrário do que muitas pessoas acham, não é um milagre. O sucesso desse procedimento está totalmente ligado ao comportamento de cada paciente após a operação. Atividades físicas, reeducação alimentar, até mesmo a maneira de mastigar os alimentos influenciam no processo da perda de peso, que pode ocorrer rapidamente, mas também ser interrompido por algumas paradas, momentos em que o emagrecimento fica estagnado. “Teve um momento em que pensei que não iria mais emagrecer. Fiquei desesperada, pesando que havia me submetido à uma cirurgia tão delicada por nada, pois não havia perdido nem a metade do peso que esperava, mas o meu médico me tranquilizou dizendo que era comum isso acontecer, mas, mesmo assim, não acreditei (risos). Porém, depois de umas duas semanas, voltei a perder peso. Claro que fazendo também atividades físicas.” Seguindo à risca todas as recomendações médicas, a cirurgia é a chave para uma vida mais saudável. “Com toda certeza, foi uma das melhores decisões que tomei na vida. Hoje me sinto outra mulher, com autoestima bem mais elevada, mais extrovertida, de bem comigo mesma, muito mais feliz e muito mais segura, enfim, eu tenho vivido os melhores tempos da minha vida”, concluiu Jéssica Dalbem

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“emagreci 70 Quilos e voltei a engorDar” Em alguns casos, descuidos com a alimentação e com as atividades físicas podem inviabilizar o procedimento e levar à retomadada do peso. Esse foi o caso de Cida Martins, 38, que relata, na entrevista abaixo, como voltou a engordar depois de ter feito a cirurgia.

Há quanto tempo você fez cirurgia? Não lembro exatamente, mas uns 6 anos mais ou menos.

Quanto você pesava quando operou? Estava pesando 158 quilos, era muito gorda mesmo.

ção de pele da barriga, abdominoplastia, mas como eu engordei depois disso, a gordura se localizou muito mais nas coxas, bunda e braços. Engordei um pouco na barriga, mas não tanto quando antes.

E agora você está pesando quanto?

Com o procedimento, você perdeu quantos quilos?

136 quilos. Por isso, voltei a fazer academia.

Perdi mais de 70 quilos, mas voltei a engordar depois de algum tempo.

Você pensa em fazer a cirurgia novamente?

E como isso aconteceu? Eu parei de fazer exercícios físicos e comecei a comer muitas besteiras, pizza, sanduíche, etc. Por causa do procedimento, eu comia pouquinho, mas pouquinho de coisas muito calóricas e, com isso, aumentava meu peso cada dia mais. Quando dei por mim, já havia engordado quase tudo de novo.

Isso foi depois de quanto tempo? Mais ou menos uns 2 anos e meio depois.

Mas você já tinha feito alguma plástica? Sim, eu já tinha feito a remo-

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Eu estou tentando de tudo para não chegar a esse ponto, mas eu sei que se não conseguir emagrecer agora eu vou recorrer a isso. Até porque, com esse peso, eu posso ter vários outros problemas de saúde relacionados à obesidade, né?!

O que você diria a pessoas que pesam em fazer essa cirurgia? Meu conselho a todas as pessoas que conheço é que façam. Eu tive meus problemas, eu engordei muito depois, mas foi tudo por descuido meu, e claro, nunca deixe de fazer exercício físico e se alimentar bem, isso é a receita pra uma vida muito melhor.


reportagem

Qual o limite para o corpo perfeito? A obsessão pela perfeição física pode levar algumas pessoas a extremos e colocar em risco a própria saúde Por Vanessa Schutz Dieta tem que considerar o estilo de vida de cada um

O tema saúde está em alta. A busca obsessiva pela forma perfeita e por uma saúde em dia tem ganhado, nos últimos tempos, grande destaque na mídia. Programas de TV, cadernos em jornais, sites e as redes sociais estabelecem um padrão que, por vezes, pode resultar em excessos se administrados sem responsabilidade. Há pessoas que aderiram à nova onda e não se arrependem do resultado. É o caso da diretora de marketing Marina Guimarães, 34 anos, que segue dieta definida por uma nutricionista e faz exercícios sob orientação de uma professora de Educação Física. “Depois da reeducação alimentar, tive mais disposição e bem-estar e, por

Fotos: Vanessa Schutz

incrível que pareça, não adoeci (gripes/ resfriados) este ano. A alimentação saudável manteve meu organismo imune.” Para a executiva, a preocupação com a saúde e a procura por profissionais não foi desperdício e, sim, investimento. “Na alimentação, a nutricionista prescreve a dieta de acordo com meu estilo de vida, não deixando faltar alimentos essenciais, vitaminas e minerais, buscando equilíbrio e não deixando o corpo com falta de algum elemento. Na parte física, o acompanhamento é essencial para uma execução correta dos exercícios sem prejudicar articulações , tendões , levando a dores musculares etc...”, emenda satisfeita.

O que inicialmente poderia parecer moda, para Marina Guimarães tornou-se sinônimo de disciplina e dedicação. A executiva não deixa de viver socialmente, mas equilibra em favor do seu bem-estar. “Quando quero emagrecer, evito jantar fora, e se vou a algum encontro com amigas, como em casa antes de sair. Também procuro evitar programas sociais no horário da minha ginástica. Deixar de sair em função do bem-estar não quer dizer não viver socialmente, é apenas um equilíbrio para meus objetivos. Viver socialmente também me faz muito bem”, reforça ela, que em um ano perdeu cerca de 9 quilos de forma gradativa e saudável.

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reportagem - saúde Já a administradora Joana Sommers, de 36 anos, que sofre de vigorexia, doença ligada ao excesso de atividade física, mantém-se firme em sua atividade mesmo ciente dos riscos e excessos. “Meu vício é meu prazer. Prefiro falar assim porque é assim que me sinto. Só sei que é demais porque as pessoas falam e não porque me faz mal.” Joana alega que sem malhar se sente mal humorada e que só não vai à academia no horário em que está trabalhando. No mais, no tempo livre, busca praticar alguma atividade. “Não mudei minha vida social tão radicalmente. Eu saio, vou a festas, me divirto, inclusive bebo álcool, em ocasiões especiais. Mas não deixo de malhar por nada. A única coisa que me impede é o trabalho.”

Excessos Durante um período, Joana se sentiu excessivamente cansada e com sintomas de over training, termo usado quando o indivíduo adoece em função de muitos exercícios. Então, repensou e mudou alguns hábitos.

“Não sei se voltei ao equilíbrio. Ainda treino todos os dias da semana, inclusive aos domingos. Só não vou mais duas vezes ao dia como antes e me permito não ir o dia em que o cansaço bate. Antes, mesmo extremamente cansada, eu ia e acabava tendo over training.”

músculo-esquelético, até hipertrofia excessiva do músculo cardíaco, por exemplo. Quando um programa de treinamento é feito sob medida, respeitando as devidas progressões, necessidades individuais e objetivos pessoais, as chances de se obter su-

Riscos e alertas Para a Personal Trainner Celina Toledo, este é o maior risco, o over training, ou seja, o corpo desencadeia vários processos de resposta ao estresse excessivo, como baixa do sistema imunológico, perda de massa muscular, desgaste do sistema esquelético, tendões e órgãos e produção excessiva dos hormônios do estresse. Tudo isso pode levar a lesões, doenças oportunistas e, consequentemente, à queda da performance ou até mesmo ter que abandonar a atividade”, alerta. A professora ainda ressalta os perigos em se exercitar demasiadamente. “Os problemas vão de danos, muitas vezes irreversíveis ao sistema

Joana Sommers: “Não sei se voltei ao equilíbrio. Ainda treino todos os dias da semana, inclusive aos domingos”

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Fotos: Vanessa Schutz


saúde

Uso de substâncias nocivas é comum na busca pela perfeição

cesso aumentam consideravelmente, e o tempo investido até o resultado esperado é, consequentemente, menor. Muitas vezes, as informações que aparecem nas mídias não têm a seriedade e rigor científicos necessários e são destinadas a uma população geral. Como cada corpo é único e singular, fórmulas gerais tendem a um resultado, no mínimo, frustrante”, frisa.

Abusos de substâncias O uso de substâncias, muitas vezes proibidas, é um dos fatores agravantes quando os resultados não estão satisfazendo. Remédios para emagrecimento e anabolizantes são frequente utilizados. Porém, os riscos são inúmeros. Anabolizantes são drogas ilegais, mas facilmente encontradas. Em geral, as fórmulas são derivadas da testosterona, o hormônio sexual masculino, e causam a retenção de líquidos - daí o inchaço da musculatura. Os hormônios do crescimento (HGH), naturalmente produzidos pela hipófise, também têm sido usados como anabolizantes. “Devido à dose extra de hormônios, o metabolismo celular aumenta, surge o inchaço e os exercícios intensos provocam hipertrofia muscular”, relata Dr. Gabriela Pereira, 33 anos, formada em endocrinologia e doutorada em metabologia pela

Fotos: Vanessa Schutz

Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). “Consequências graves sofridas por quem abusa dos anabolizantes são os problemas cardiovasculares. Com a dosagem extra de hormônio circulando na corrente sanguínea, o músculo cardíaco pode ser vítima de fibroses (desenvolvimento exagerado de tecido muscular) devido ao aceleramento do metabolismo. Essas fibroses podem obstruir as veias, impedindo a passagem do sangue e causando ataques cardíacos”, explica. “Sobrecarga de anabolizantes no fígado também pode causar um aumento na produção de enzimas, o que faz o órgão produzir mais colesterol ruim (o LDL) do que o bom (HDL). A gordura se acumula nas paredes das artérias do coração e do cérebro - por isso as veias entupidas podem causar derrame e acidente vascular (AVC)”, completa Gabriela, que ainda lista outros sérios problemas causados pelo uso dessas substâncias: problemas de fertilidade no homem, desequilíbrio hormonal, acne, aumento da agressividade, entre outros. Para o psicanalista e professor de

Peso ideal pode levar a extremos

- reportagem

Jaques Akerman, “ Vivemos hoje em uma sociedade de excessos”

psicologia da Universidade Fumec, Jaques Akerman, o mais difícil nesses casos é a autocrítica. “A pessoa acha que está fazendo algo pela saúde e usa isso como desculpa. Ela acredita que está perto do ideal que, na verdade, nunca chega.” Para Akerman, hoje vivemos numa sociedade de excessos, tanto pela “má forma”, devido à obesidade, colesterol alto, toxicomania, quanto pelos excessos para se obter a “boa forma”. “Tem a questão da cultura narcisista, a sensação do prazer, do gozo e da aceitação. O sujeito fica fixado num determinado padrão e só se reconhece dentro dele. Quanto mais desamparado e frágil em relação aos seus desejos, mais o indivíduo se fecha num círculo vicioso. Isso pode trazer danos não só físicos como sociais. Esses exageros passam a fronteira quando a pessoa não vive mais nada além do ideal da perfeição que ela acredita.” Ainda segundo Akerman, a publicidade e a mídia induzem o sujeito a buscar algo, às vezes, inalcançável, levando os indivíduos a atentarem contra sua própria saúde. “Hoje os alimentos não são mais associados ao sabor propriamente dito. São desdobrados em calorias, vitaminas, conteúdos. Nada mais é um simples café da manhã. É o iogurte pra isto, o pão para aquilo, o suco disto... Uma alienação!”

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Monumento em homenagem aos mineiros mortos e desaparecidos no período da Ditadura Militar

Um diferente passeio por Belo Horizonte Por trás de prédios históricos, que caracterizam a centenária capital, um olhar atento revela o que um dia foi um cenário de terror. Você imaginaria que no belo edifício Maletta, no coração da cidade, pessoas foram torturadas durante a Ditadura Militar? Passeatas, concentrações, movimentos de rua, tortura, prisões, mortes. O Golpe Militar de 1964 ficou marcado na história do Brasil como “Anos de Chumbo”.

Neste ano, que marca os 50 Anos da Ditadura no Brasil, a reportagem da revista Ponto e Vírgula visitou alguns dos locais usados para repressão e resistência à ação dos militares de 1964 a 1985. Esses pontos foram elencados no roteiro distribuído pela Belotur para resgatar a memória e informar as gerações mais novas o que aconteceu no passado recente. Convidamos você a revisitar alguns desses locais neste ensaio fotográfico.

Ensaio fotográfico: Thaís Costa


1 - Dops: Av. Afonso Pena, 2.531 - Funcionários. Considerado o símbolo da repressão política em Minas, O Dops foi um dos principais locais de violação dos direitos civis em BH na Ditadura. Cenário de torturas e prisões, era o braço de atuação da Polícia Civil contra a oposição ao período militar.

2 - Faculdade de Medicina UFMG: Av. Alfredo Balena, 190 – Sta. Efigênia Promovido pela União Nacional dos Estudantes (UNE), o III Encontro Nacional dos Estudantes foi drasticamente reprimido. O Exército impediu a saída de caravanas dos estados e vetou o acesso de estudantes à capital. O Parque da Gameleira foi transformado em prisão temporária. O Diretório Acadêmico da Faculdade de Medicina já tinha sido invadido, pichado e vasculhado por grupos anticomunistas. Tempos depois, uma bomba explodiu no DA, provocando danos ao prédio.

3 - Edifício Acaiaca: Av. Afonso Pena, 867 – Centro Situado no 11º andar do Edifício Acaiaca, no centro de BH, o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes) produzia material para jornais e revistas, patrocinava edições de livros, mantinha grupos paramilitares e montava cenários para manifestações públicas e marchas de donas de casa e de católicos fundamentalistas.

4 - Pandiá Calógeras: Praça Carlos Chagas – Santo Agostinho Localizada na praça em frente à Assembleia Legislativa de Minas Gerais, a Escola Estadual Pandiá Colágeras serviu de local para o recrutamento de voluntários a favor do golpe militar e de centro de distribuição de material anticomunista. Além disso, foi sede de uma milícia civil chefiada pelo general José Lopes Bragança, responsável por prisões e atos repressivos.

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5 - Edifício Maletta: Esquina da Av. Augusto de Lima e Rua da Bahia Principal ponto de encontro de escritores, boêmios, atores, teatrólogos, jornalistas e intelectuais da capital, o Edifício Maletta era local obrigatório de debates. Bares e livrarias do Maletta foram importantes locais de resistência à ditadura militar.

6 - Teatro Marília/Galeria Guignard/ Stage Door: Av. Alfredo Balena, 588 – Sta. Efigênia O Teatro Marília foi construído pela Cruz Vermelha brasileira e alguns anos depois se tornou núcleo de resistência intelectual e artística. No local, funcionaram também a Galeria Guignard e o bar Stage Door, pontos de encontro de artistas, boêmios e intelectuais.

7 - Convento dos Frades Dominicanos: Rua dos Dominicanos, 26 - Serra A Igreja Progressista foi uma das mais atingidas pela repressão. Integrantes da igreja foram presos, assassinados e torturados. Templos foram invadidos e depredados e religiosos estrangeiros foram expulsos do Brasil.

8 - Teatro da Ami: Rua da Bahia, 1450 - Lourdes O Teatro da Associação Mineira de Imprensa – AMI, em Lourdes, reunia artistas, jornalistas, intelectuais e estudantes nos anos 1970. Os jovens desafiavam as forças policiais, por tentarem impedir as apresentações e produções se opunham à ordem política.

9 - Colégio Estadual Central: Rua Fernandes Tourinho, 1020 – Lourdes O Colégio Estadual Milton Campos, o Estadual Central, foi um dos maiores formadores de líderes estudantis mineiras que se opuseram à ditadura militar. Foco de resistência ao regime autoritário, foi palco da estruturação do movimento estudantil secundarísta de BH e um dos mais ativos formuladores das ações de protesto que ganharam as ruas da capital.

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10 - Centro Clandestino de Triagem: Esquina das ruas Sergipe e Santa Rita Durão-Funcionários A casa, localizada no bairro Funcionários, funcionava como centro de detenção clandestina durante o regime militar.


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reportagem

Fotografar e esquecer

Exposição “Visões na Coleção Ludwig” no Centro Cultural Banco do Brasil, em Belo Horizonte

Ato de registrar tudo o que se vê pela frente tornou-se algo comum e, segundo especialistas, mais importante do que vivenciar o presente Por Ana Luisa Altieri e Bruno Miranda 30

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Fotos: Ana Luisa Altieri


fotografar e esquecer

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que era considerado um hábito exótico da cultura japonesa – fotografar tudo o que se vê pela frente – hoje é uma febre mundial. Fotografa-se tudo e se posta na Internet; desde locais turísticos até pratos de comida para exibir aos amigos nas redes sociais. Só no Facebook são mais de 350 milhões de fotos compartilhadas na web por dia. Sim! Isso mesmo que você leu. São 350 milhões de fotos, em meio a 4,5 bilhões de curtidas a cada 24 horas, de acordo com informações divulgadas pelo site Mashable (http:// mashable.com/). Para entender essa vontade de registrar tudo que está ao redor, o artista holandês Erik Kessels teve uma ideia: ficar 24 horas imprimindo todas as fotos que iam sendo postadas no Flickr pelos internautas. O re-

sultado ficou surpreendente! Foram um milhão de fotos impressas, que foram espalhadas e amontoadas em vários cômodos de uma casa. Todas essas fotos fizeram parte de sua exposição o Photography in Abundance e permitiu que visitantes tivessem uma visão global do quanto representa a fotografia em suas vidas. O imenso conteúdo digital em apenas um site como o Flickr dá certamente a noção da relação entre o internauta e a fotografia digital. Antigamente, na hora de tocar uma música de uma banda, acendiam-se um mar de isqueiros. Hoje, já é diferente. Quando você vai a um show musical, um objeto é indispensável: a câmera ou celular. O que se vê é a plateia toda iluminada pelos visores digitais, pois o que se quer é que, além de curtir a música

- reportagem

do ídolo, conseguir o melhor ângulo de foto para postar nas redes sociais. Fotografar compulsivamente algo é contestável e podemos dizer: incomoda e muito quem está sendo fotografado. E não é que existem artistas que reclamaram e pediram para fixar cartazes solicitando aos espectadores aproveitarem mais o show e deixarem de lado a câmera? Isso aconteceu no show da banda americana Yeah Yeah Yeahs, que, ao ver milhares de pessoas fotografando compulsivamente, mandou colocar o seguinte cartaz: “Por favor, não assistam ao nosso show através da tela de sua câmera. Essa atitude também é uma cortesia para quem está assistindo ao show atrás de você”. O fotógrafo inglês Martin Parr tem documentado vários pontos turísticos famosos no mundo, como

Novo Mineirão é usado como mirante para fotógrafos e turistas em Belo Horizonte

Foto: Ana Luisa Altieri

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reportagem - fotografar e esquecer

Germano Schüür

GUILHERME TORRES

é biólogo e fotógrafo. Como bíólogo atua na Universidade de Caxias do Sul É professor de Fotografia em diversos cursos da área da Comunicação (Jornalismo, Relações Públicas e Publicidade e Propaganda) e no Curso Superior de Fotografia.

é estudante de Medicina da UFMG. Descobriu a fotografia aos 16 anos e a vida de viajante mochileiro aos 18. Da união das duas paixões, surgiu a vontade de mostrar ao mundo suas trilhas e caminhos não convencionais por meio das lentes.

Machu Picchu e a praia de Copacabana, por exemplo. Segundo ele, o turismo é a maior indústria do mundo. Martin registrou o momento “foto da foto” e percebeu que as pessoas tinham uma foto de si mesmo em frente a um determinado local e seguiam em frente. Com câmeras de celulares e fotografia digital, toda a visita é documentada. Atualmente, é muito difícil ele ver alguém tirar uma foto e não postar em uma rede social. O fotógrafo percebeu que o registro fotográfico quase destruiu o olhar da beleza do local, já que o desejo de fotografar se tornou avassalador. Ver uma foto da Mona Lisa na Internet é uma coisa. Mas tê-la em sua frente é uma oportunidade única, não é mesmo? Nas viagens é possível ver milhares de pessoas fotografando para todo lugar, tudo por um clique. E não é que um fotógrafo brasileiro explorou essa nova dimensão da fo-

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eugÊNIO SÁVIO

é estudante de Arquitetura e Urbanismo da PUCMinas. A fotografia entrou em sua vida quando ainda estava no ensino médio. Hoje, Fernando utiliza a fotografia como instrumento de trabalho e pesquisa, ao retratar as belas paisagens belohorizontinas ou até mesmo os FERNANDO GÓES desastres sociais.

tografia? Ele é Fábio Seixo, carioca, formado em jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e apaixonado pela fotografia. Em suas viagens, Fábio notou que, quando se tira uma foto, está mais para comprovar a presença, como forma de marcação de território – segundo ele, uma experiência narcisista. Então, ele considera que a fotografia é um instrumento de memória, um dispositivo do esquecimento, que já não mais serve para registrar o momento e sim para se poder esquecer. Por exemplo, a experiência de uma viagem vem somente depois, revendo as fotos, colocandoas nas redes sociais. Fábio Seixo percorreu várias cidades como Rio de Janeiro, Londres, Paris, Nova York, Cidade do México, Roma, Veneza, Cuzco e registrou a compulsão dos turistas no momento da foto. Esta experiência fez surgir em 2008 o projeto “Photoland”. O

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é formado em Jornalismo pela UFMG. Eugênio trabalha com fotografia há mais de 15 anos. É professor de fotografia na PUCMinas e o criador do Foto em Pauta, evento que promove encontro de grandes fotógrafos, que já circulou por doze estados brasileiros.

resultado ficou impressionante, nele é mostrado que “o ato de fotografar tornou-se mais importante do que a vivência do momento”. Dunya Azevedo, professora dos cursos de jornalismo e publicidade da Universidade Fumec, disse concordar sobre o ponto de vista do fotógrafo Fabio Seixo. Ela lembra que os japoneses sempre têm essa fama, de não viver e sim fotografar, “de visualizar o mundo sempre através da mediação da câmera”, enfatiza a professora. Diante isso, Dunya comenta sobre a popularização da fotografia no dia-a-dia das pessoas, pois na medida que há um excesso de produção de imagens, isso causa uma certa cegueira. “Quanto mais imagens no mundo, mais opaco fica o mundo. Por outro lado, a fotografia serve como uma forma de construção de identidade. Temos a possibilidade de construir uma memória a partir da construção destas

Fotos: Arquivo pessoal


fotografar e esquecer imagens”, destaca a Dunya, que tem como tema de doutorado a fotografia documental sobre catástrofes, sejam naturais ou guerras. Ela disse que este tipo de fotografia tinha espaço na mídica nas décadas de 1960 e 1970, mas hoje migrou para as galerias de artes, livros e sites. Pensando no tema, a revista Ponto e Vírgula conversou com dois fotógrafos profissionais e dois amadores. Confira!

Vocês acreditam que há necessidade de se vivenciar, por meio da foto, a experiência do presente?

EUGÊNIO SÁVIO: É um tema interessante porque revela esse momento contemporâneo, onde primeiro todo mundo está com uma câmera na mão. O celular se tornou uma câmera com qualidade bem aceitável e traduz essa sensação que a gente tem hoje e o que a gente acha interessante, a gente quer guardar. Hoje se produz uma imagem, às vezes de uma forma incontrolável que torna isso um pouco insustentável. As celebridades, por exemplo, estão com uma vida terrível, porque qualquer lugar que se anda tem alguém pronto para poder clicar. O trabalho do Fabio Seixo é um ensaio interessante que mostra isso mesmo, que as pessoas em vez de olhar com os olhos estão olhando com a câmera. GUILHERME TORRES: Ainda que concorde em parte com o exposto, vejo um ponto de vista um pouco restrito, que peca pela generalização. Temos de entender que uma sociedade imagética como a nossa naturalmente usará da fotografia como modo de manutenção de status, mas nem por isso o fato de se fotografar – ainda que compulsivamente – restringe o fotógrafo de viver o que lhe envolve. O fato de se tirar fotos não exime da vivência do momento. O que define é o Olhar. Saber olhar o momento além do objeto físico ao seu alcance. O Olhar sobre diferen-

Fotos: Instagram/ Divulgação

tes nuances de um determinado momento. Há quem vivencie e não consiga fotografar; há quem fotografe e não consiga viver; há quem vivencie e fotografe, e há quem não consiga fazer nenhuma das duas coisas. Uma questão variável e absolutamente individual. GERMANO SHÜÜR: Achei uma dissertação sobre um assunto muito coerente com o que penso sobre o assunto. É lógico que existem muitas variáveis que interferem no fenômeno, muito além do narcisismo. Na minha opinião, pensando no fotógrafo turista, há duas variáveis predominantes; a democratização do uso das câmeras compactas digitais que fez o produto ficar extremamente banalizado e a globalização da experiência do deslocamento turístico. FERNANDO GÓES: Isto revela a sutil diferença entre os fotógrafos amadores e os profissionais. Para a maioria das pessoas, o ato de fotografar se tornou um hábito corriqueiro e sem grande complexidade. Somente os mais experientes conseguem compreender o quanto a fotografia pode ser complexa. Isso me faz repensar no valor que damos aos momentos felizes de nossas vidas, muitas vezes se tornando menos importantes que o próprio ato do registro.

- reportagem

os celulares estão ficando com uma qualidade melhor. Obviamente tem algum momento, algumas pessoas exageram, mas independentemente disso acho positivo demais esse momento que a gente vive. GUILHERME TORRES: Tivemos um incremento na qualidade, uma diversificação de técnicas – tanto de fotografia quanto de edição, e o mais importante, uma universalização da arte fotográfica. Mais pessoas que se interessavam pelo tema puderam entrar em contato com o mundo das lentes. Por outro lado, o significado da fotografia perdeu um pouco de seu valor. Qualquer pessoa com um celular com câmera, hoje, pode instalar um aplicativo de filtros e banalizar todo o conhecimento secular associado à fotografia. GERMANO SHÜÜR: Os legados positivos: Aumento da qualidade tecnológica dos mecanismos de cap-

Qual é o maior legado que a era digital trouxe para a fotografia?

EUGÊNIO SÁVIO: A fotografia digital tem uma característica interessante, porque primeiro acho que, quando associada à internet, essa fácil difusão, fácil circulação, essa troca está cada vez intensa. Então, as pessoas fotografam mais, elas conseguem trocar informações através das imagens. O que eu acho muito bom, muito positivo, é que estão experimentando muito mais, principalmente agora que

Registro fotográfico feito durante voo

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reportagem - fotografar e esquecer

Memorial da Vale do Rio Doce, na Praça da Liberdade, mantém exposições fotográficas como memória

tar a imagem fotografada por um custo quase inexistente, provocando um crescimento exponencial dos cliques que gravam imagens. Quando vejo um fenômeno natural inusitado e rápido como, por exemplo, um relâmpago, me vem à cabeça: Alguém certamente fotografou! Os legados negativos: A banalização da Fotografia. A maioria dos cliques deixaram de ser o resultado da “criação do espírito” que, para mim, é o melhor conceito de arte. Muitos usam a câmera como uma copiadora “sem espírito” (tipo xerox). FERNANDO GÓES: A era digital trouxe possiblidades nunca antes imaginadas! O uso da internet, somado à grande disseminação de máquinas fotográficas, possibilitou que todas as pessoas do mundo possam de fato estarem conectadas. Com poucos cliques podemos acessar fotos de pessoas em países remotos por exemplo. A era digital democratizou a fotografia, tornando-a acessível a quem tenha interesse.

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O acesso às câmeras digitais e o crescimento das redes sociais banalizaram o momento da foto?

EUGÊNIO SÁVIO: Acho que popularizaram o momento da foto, mas banalizar acho que é para alguns grupos, algumas pessoas, mas ao mesmo tempo valorizou. Eu não sou pessimista, não vejo com maus olhos. Eu acho que a fotografia é uma forma de comunicar, uma forma eficiente e interessante. Obviamente tem suas limitações. Da mesma forma que tem gente que escreve mal, tem gente que fotografa mal. Mas eu entendo que, quando a gente está nesse excesso de informação que a gente vive hoje, quem aprende a se comunicar através da imagem consegue se comunicar de uma forma eficiente. Por isso que a gente vê nos jornais e revistas e mesmo na televisão a importância que a imagem tem para passar informação. Na internet também, nas redes sociais a gente acaba sendo mais atingido por um

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post de um colega que pôs uma foto do que alguém postou um texto. Banalizar é uma forma de ver, mas ao mesmo tempo valorizou. Há banalização, mas também valorização ao mesmo tempo. GUILHERME TORRES: Para a fotografia popular, sim, houve uma banalização. Há algum tempo, o momento da fotografia era um pequeno evento: todos se aprontavam, reuniam, faziam suas poses, sorriam e esperavam ansiosamente pelo resultado – e pode-se dizer, a fotografia popular se aproximava da Fotografia Arte. Hoje, há fotos de tudo e de todos o tempo inteiro. A necessidade de se expor e manter os vínculos em redes sociais fez fotos surgirem como uma febre, fervilhando muitas vezes por dia, apenas pelo fato de que, em uma cultura de exposição, é preciso ser visto. GERMANO SHÜÜR: Pensando no fotógrafo turista, há duas variáveis predominantes: a democratização do uso das câmeras compactas

Fotos: Ana Luisa Altieri


fotografar e esquecer

Turistas fotografam a fachada do Palácio da Liberdade na capital mineira

digitais, que tornou o produto extremamente banalizado e a globalização da experiência do deslocamento turístico. Os pacotes turísticos de preços facilitados fazem de qualquer pessoa curiosa um “marcopolo em potencial”, mesmo aqueles que não tiveram oportunidade de uma formação que lhe desse mais bagagem cultural. Turista moderno, na sua grande maioria, estuda onde esteve após o retorno do passeio. FERNANDO GÓES: Sim. Hoje em dia qualquer pessoa pode ter uma câmera, mas esse não é o ponto chave. A necessidade que as pessoas têm em mostrar tudo o que fazem nas redes sociais tornou a fotografia um instrumento desse padrão de comportamento. A fotografia serve de “bode-expiatório” para que o

narcisismo alheio encontre uma válvula de escape. As pessoas aos poucos vão descobrindo que as redes sociais são ferramentas poderosas de autopromoção, e, dependendo da aparência que você apresenta, cria-se um pré-julgamento conforme suas fotos e imagens.

- reportagem

GUILHERME TORRES: Fotografia para mim? Uma pergunta difícil, como seria pedir a definição de um sentimento. Minha fotografia é o resultado do meu olhar sobre o mundo. É a expressão do que vejo, do que sinto, das minhas percepções sobre lugares e pessoas, sobre culturas e feições. É meu momento de liberdade, em que saio da realidade por alguns segundos para traduzir o que meus olhos veem, mas que as palavras não definem. GERMANO SHÜÜR: Fotografia é a utilização de determinadas técnicas para codificar em imagem o mundo pessoal daquele que fotografa. E a foto arte exprime justamente isso, o sentimento do fotógrafo sobre as pessoas, a natureza e o mundo que o cerca. Para tirar uma boa fotografia, em primeiro lugar é essencial sentir a emoção de viver e ter a criatividade de procurar todos os melhores recursos técnicos para poder registrá-la. FERNANDO GÓES: A fotografia para mim é um poderoso meio de mobilização. Gosto de como ela é capaz de denunciar nossas mazelas sociais. Um bom fotógrafo descobre que muitas vezes é preciso perceber coisas indiferentes às outras pessoas

O que significa fotografia para você?

EUGÊNIO SÁVIO: A fotografia foi a forma com que eu encontrei para me comunicar de uma forma mais plena, pura, rápida. Eu me interessei por fotografia já desde jovem, quando estava na faculdade, estudando jornalismo. Eu percebi que essa era uma linguagem, talvez não tivesse essa dimensão que ocuparia espaço em nossa sociedade, mas pra mim fotografar significa me expressar. Jovem relata seu cotidiano no Instagram

Fotos: Ana Luisa Altieri / Hariana Meinke Divulgação

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entrevista

Um caminho feito de escolhas Por Thiago Drummond Guimarães dos Santos Dedicação, empenho e sabedoria para aproveitar as oportunidades no momento em que elas batem à sua porta. Os substantivos na abertura deste texto podem até soar redundantes, mas, coincidentemente ou não, insistem em aparecer nos perfis de profissionais que começam suas carreiras com o pé direito. Caso do ex-aluno de Jornalismo da Fumec, destaque desta edição, Emílio Fonseca, 28 anos. Formado em 2011, começou sua carreira antes mesmo de se formar, saiu do curso empregado, não se acomodou e, em pouco tempo, construiu um currículo invejável. Integrou, em estágio, a equipe de Assessoria de Imprensa da Copasa e foi monitor no Laboratório de Rádio Jornalismo da Fumec, quando ficou encarregado da edição do programa Prosa de Minas, feito em parceria com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). De estagiário da Globo Minas, enquanto finalizava seu bacharelado, passou a contratado assim que se formou e atuou como assistente de relações externas, ficando responsável tanto pela comunicação com o telespectador quanto pela produção e edição do material institucional da emissora para diversas plataformas. Logo recebeu mais uma proposta de emprego e, por algum tempo, passou a fazer parte da comunicação interna do Serviço Social do Comércio (SESC). Mas, devido ao seu profissionalismo e competência, foi

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Emilio enquanto trabalhava na Rede Globo Minas

novamente chamado para trabalhar na Rede Globo, só que agora atua na emissora do Rio de Janeiro. Em entrevista à Ponto e Vírgula, conta um pouco da sua trajetória.

Foi difícil seu ingresso no mercado de trabalho? Qual foi sua estratégia para sair da faculdade e ser empregado imediatamente? Para aproveitar a oportunidade,

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a pessoa deve estar preparada. Para conquistar uma vaga na Comunicação da TV Globo Minas, acredito que a força de vontade foi determinante. Durante dois anos de estágio, sempre busquei aprender o máximo e entregar as melhores soluções e os melhores resultados. Quando fiquei sabendo que tinha uma vaga, estava no último período do curso. Conversei com o chefe, deixei bem claro que meu objetivo era ser contratado

Fotos: Arquivo pessoal Emilio Fonseca


emilio fonseca e continuei trabalhando com dedicação e empenho. Fiquei feliz quando ele me deu a notícia de que eu seria contratado. Senti que encerrava um ciclo importante na vida: missão cumprida. Mas era só o começo. Ainda tem muito desafio pela frente!

Você acredita que o estágio seja fundamental para o início de carreira de um recémformado?

O estágio é essencial e obrigatório. É o momento em que o aluno pode colocar em prática tudo que aprendeu em sala de aula. A teoria é importante e ganha força quando é integrada ao mercado de trabalho. Os estudantes têm a obrigação de arregaçar as mangas e botar a mão na massa! Vale lembrar que as oportunidades estão em todo lugar, inclusive dentro da própria universidade. Meu primeiro estágio, por exemplo, foi como monitor do laboratório de Radiojornalismo.

Como foi sua escolha pela área de informação nas redes sociais e web jornalismo?

Foi natural. Acredito no potencial da união entre comunicação e tecnologia. Hoje em dia todo mundo está conectado. E a informação tem que chegar onde o povo está. Então não há outro caminho para o jornalismo senão abraçar essa realidade.

Sua formação na faculdade foi suficiente ou precisou de uma especialização?

Aprendi muito com o curso de Jornalismo na Fumec, mas resolvi fazer uma pós-graduação em Mídias Digitais na PUC Minas logo depois que concluí a graduação. E já estou pesquisando um MBA em gestão estratégica do ecossistema Big Data aqui no Rio. Acredito que é sempre importante reciclar e atualizar o co-

Fotos: Arquivo pessoal Emilio Fonseca

nhecimento, não importa a área de atuação nem a profissão.

Como foi sua experiência trabalhando na Globo Minas?

A TV Globo Minas foi uma escola para mim. Uma grande oportunidade de estágio, a primeira oportunidade de emprego. Por essas e outras, tenho muito carinho pela empresa e pelos amigos que fiz lá. A Globo é uma fábrica de sonhos, com padrão de qualidade exemplar. Aprendi muito com meus colegas globais mineiros.

“O diferencial para uma carreira de sucesso é a garra e a determinação de cada um.” A maioria dos estudantes quer trabalhar na Globo. O que te fez sair de lá?

É natural que todo estudante queira trabalhar em uma das maiores empresas de comunicação do mundo. Mas cada lugar tem seu valor. E comodismo não faz parte do meu vocabulário. Participei de um processo seletivo para a Comunicação do Serviço Social do Comércio (Sesc), fui selecionado, recebi uma excelente proposta e resolvi sair da zona de conforto e apostar em novos caminhos, novas possibilidades. Considero importante deixar portas abertas e pensar sempre no futuro.

- entrevista

família. Pai, mãe e irmão: todos são ligados ao Direito. Então, fiz vestibular e entrei no curso da Milton Campos. No quinto período (dois anos e meio!), decidi que queria mudar. Mas fazer o quê? Apostei no jornalismo e hoje sou muito feliz com minha escolha.

O que você gosta além de jornalismo?

Gosto de tocar violão, praticar esportes (peteca, corrida, natação e bike), comida japonesa, vinho e música ao vivo.

O que você fazia no Sesc?

Fazia parte da equipe de Comunicação Interna do Sesc em Minas. O desafio foi grande, já que a instituição tem milhares de colaboradores e unidades em todo o estado.

Quando e como recebeu a proposta para voltar para a Globo?

Trabalhar na TV Globo do Rio de Janeiro sempre foi um sonho, um símbolo de ascensão profissional. Então, finalmente, recebi um convite que soou como música para meus

Você sempre quis se graduar em jornalismo?

Jornalismo não foi minha primeira opção. Mesmo antes de concluir o ensino médio, eu já queria ser advogado, por influência da minha Jornalista à passeio na serra

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entrevista - emilio fonseca ouvidos. Era uma sexta-feira de manhã, em junho de 2014, quando a minha chefe confidenciou o plano: ‘Topa?’. Como era uma grande mudança, pedi para pensar até o fim do dia... fim do dia? Espera aí! Liguei de novo para ela e pedi para refletir durante o fim de semana. Na segunda-feira, dizer sim foi fácil. Então, faltavam detalhes tão pequenos, como um apartamento para morar. Com o apoio da minha família e a conspiração do universo, deu tudo certo.

Como é a sua rotina hoje, no Rio de Janeiro, no local onde trabalha? Meus colegas cariocas são altamente capacitados e o ambiente é agradável, com trabalho em equipe e bom humor. Sou responsável pelo relacionamento com o assinante da GloboNews, meu desafio diário é organizar e transformar centenas de elogios, críticas, pedidos e sugestões em informações relevantes para os profissionais do canal. Não existe mais aquele cara que senta no sofá e assiste à programação passivamente. As pessoas querem participar, nós temos que ouvir.

Tem saudades de BH? Quer voltar para cá algum dia? Ou vai do Rio para o mundo? Sim e não. Morro de saudade de todas as pessoas de Belo Horizonte, mas a terra da Bossa Nova tem uma magia diferente, que sempre chamou minha atenção. Quando visitava o Rio de Janeiro como turista, pensava ‘um dia ainda vou morar aqui’. A hora chegou, aqui estou, animado com a aventura e ansioso pelas cenas dos próximos capítulos. Sobre dominar o mundo, não vou esconder que essa é uma opção interessante. Tive a oportunidade de passar um ano na Austrália, um dos

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“A hora chegou, aqui estou, animado com a aventura e ansioso pelas cenas dos próximos capítulos”, diz Emilio. melhores momentos da minha vida. A vida é muito dinâmica, não vou fazer planos por enquanto. Há quatro meses (praticamente ontem!), eu ainda morava em BH, pagava o plano anual da academia e tinha montado um apartamento para morar sozinho... uma das minhas frases preferidas é “enquanto a gente faz planos, Deus ri.”

Qual sua opinião em relação à polêmica envolvendo a legalização do diploma de jornalismo?

Sinceramente? Acredito que o diploma não muda muita coisa. O diferencial para uma carreira de sucesso é a garra e a determinação de cada um. Obviamente, o diploma valoriza a profissão de jornalismo,

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mas quem seleciona é o mercado. E a exigência de grandes empresas vai muito além do diploma. Para conquistar uma vaga, o estudante e o profissional têm que buscar a excelência.

Qual é a dica que você deixa para os estudantes de jornalismo?

Leia bastante livros, sites, jornais, revistas, bula de remédio etc. Ninguém sabe de tudo, todos sabem alguma coisa. Então é importante acreditar no próprio potencial e ter curiosidade e humildade para perguntar. Busque, produza e compartilhe o conhecimento. Aproveite o tempo da faculdade para aprender, errar e crescer. E boa sorte! A gente se vê por aí

Fotos: Arquivo Pessoal Emilio Fonseca


comportamento

Somos Todos iguais! Atos de preconceito chamam atenção para o esporte, cujos maiores atletas da história são negros Por Filipe Diniz, Guilherme Antunes e Pedro Maia “Minha vida e da maioria dos brasileiros é muito difícil. Imagina se todo mundo deixasse de viver pelas dificuldades e injúrias que sofre na vida. Não andaríamos, pois em todo tipo de profissão existe algum preconceito e não foi a primeira vez que passei por isso”, afirma Paulo César Tinga sobre o preconceito. O esporte, visto como maneira de unir as populações, vem chamando a atenção por outros motivos. Os estádios e arenas vêm presenciando casos preconceituosos constantemente. Nos últimos meses, vários relatos ganharam proporção. Uma situação que chamou muita a atenção foi a que ocorreu com o jogador Tinga, do Cruzeiro, em partida válida pela primeira rodada da fase de grupos da Copa Bridgestone Libertadores da América, no dia 12 de Fevereiro de 2014, no Peru, na cidade de Huancayo, quando, ao entrar em campo, no segundo tempo, torcedores locais entoavam gritos semelhantes aos de macacos. Antes do jogo, o estádio não possuía água nem eletricidade para que o Cruzeiro pudesse se preparar para a partida. O caso tornou-se notícia no mundo inteiro por se tratar de um pais vizinho, de origem indíge-

Fotos: Filipe Diniz

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Comportamento

Tinga em entrevista a equipe do Ponto&Vírgula

na e, portanto, era inesperado um ato racista por ter uma população em que existe uma grande mistura de raças e etnias, sendo elas: “73% de população indígena, 15,10% de população europeia e 11,90% de população africana’, segundo pesquisa realizada pela Universidade de Brasília. Logo depois do ocorrido, várias celebridades e jogadores, em apoio ao jogador Tinga, criaram uma hashtag, “FechadoComOTinga”. A Presidente do Brasil, Dilma Rousseff, apoiou o jogador. Recebeu-o no Palácio do Planalto juntamente com o árbitro Márcio Chagas da Silva que também foi discriminado em jogo do campeonato gaúcho entre Esportivo e Veranópolis. No dia 02 de Março de 2014, ao final da partida, Márcio Chagas se

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dirigiu ao estacionamento privativo do estádio, onde só a equipe de arbitragem e funcionários do clube têm acesso. Ele encontrou seu carro com a lataria arranhada e bananas em cima do veículo. Segundo o árbitro, os jogadores do Esportivo ainda disseram que esse tipo de atitude é comum quando o time não está em boa fase. Mesmo depois de toda a mobilização para apoiar Tinga e Marcio Chagas, o esporte brasileiro ficou manchado por mais duas cenas de racismo. No dia 06 de Março de 2014, o volante Arouca do Santos, e no dia 30 do mesmo mês, o zagueiro Paulão do Internacional de Porto Alegre foram ofendidos por torcedores de clubes adversários. O zagueiro que chegou a discutir com o torcedor que o chamou de maca-

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co reagiu: “Que bonito. Esta é a tua contribuição para melhorar a sociedade?” Quem recentemente foi vítima de ofensas racistas por parte de alguns torcedores do Grêmio, em Porto Alegre, foi o goleiro Aranha, do Santos, que ao final do jogo estava chateado. Segundo o jogador, não foi a primeira vez que isso ocorre na arena do Grêmio e cobrou punição com rigor. Imagens do canal ESPN mostram uma torcedora gritando “macaco” e o tima foi eliminado da Copa Brasil. “Da outra vez que viemos jogar aqui pela Copa do Brasil (no ano passado) tinha campanha contra racismo acontecendo. Não é à toa. Sei que torcida pega no pé, é normal, mas começaram a me chamar de “preto fedido”, a gritar “cambada

Fotos: Guilherme Antunes


comportamento de preto”. Fiquei nervoso, mas me segurei. Mas começaram o coro de macaco, eles imitando. Fizeram rapidinho, para não dar tempo de filmar. Fico nervoso com essas coisas”, afirmou à imprensa. Essas ofensas também ocorrem de torcedor para torcedor. O estudante de publicidade e propaganda Rafael Moreira, 20 anos, não esquece quando foi ao Mineirão assistir à final da libertadores entre Cruzeiro e Estudiantes. Quando o jogo terminou, após o Cruzeiro ser derrotado, três

torcedores na saída do estádio estavam criticando o jogador Ramires, chamando-o de “preto mercenário”. Ao escutar as críticas, Moreira entrou em defesa do jogador. Ao perceberem que ele defendia Ramires, outros torcedores não pouparam xingamentos: “Falou o outro macaquinho. Está defendendo o irmão?”, conta Moreira, que relembra o fato e não contém as lágrimas. Para a psicóloga Lisa Antunes Cordeiro, quando membro de algum grupo, o ser humano manifesta

“Todos podem ser vitimas de alguma forma de preconceito”, afirma Tinga

Fotos: Guilherme Antunes

mais facilmente os seus pensamentos, uma vez que acredita que não responderá individualmente por eles e sim que o grupo responderá. “O homem, sentindo-se parte de um grupo, acredita que será acobertado por este”, afirma. No Brasil, de acordo com a Lei Nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, serão punidos os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. No caso que ocorreu com Tinga, o time do Real Garcilaso foi punido em 12 mil dólares. Perguntado sobre o valor da multa, Tinga disse que “nem se fosse 1 milhão estaria de bom tamanho”. Um novo caso repercutiu no Peru, onde foi registrada uma ocorrência de preconceito em uma partida de futebol. O lateral esquerdo Luís Advíncula, do Sporting Cristal, foi vítima de racismo durante o jogo contra o León de Huánuco. Gritos racistas voltados ao jogador que havia marcado um gol no confronto foram entoados ao final do jogo. O árbitro pediu que fosse anunciado nos alto-falantes do estádio que o racismo não é permitido em nenhum lugar do Peru. O preconceito no esporte não é só racial, como citado nos últimos casos. O jogador Richarlyson do Esporte Clube Vitória, mesmo confirmando sua heterossexualidade, sofre com preconceitos homofóbicos desde que jogava no São Paulo. Em jogo válido pelo campeonato brasileiro de 2005, Richarlyson, ao marcar um gol contra o Palmeiras, comemorou fazendo a “dança da bundinha”. Desde então, sofre. “Se sou homossexual ou heterossexual, isso não interfere no meu futebol”, disse Richarlyson em coletiva de despedida do São Paulo. Outro caso de homofobia ocorreu no voleibol brasileiro. O atleta Michael Pinto dos Santos, quando atuava pelo Vôlei Futuro, em jogo

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comportamento

Campanha de Tinga: Chutando o Preconceito

válido pela semifinal da superliga de 2011 contra o Sada Cruzeiro, foi hostilizado por gritos homofóbicos que ecoavam entre os cerca de 2.200 torcedores presente no Ginásio do Riacho, Contagem (MG). “Não era um ato isolado de dez pessoas. Era um ginásio inteiro. Eu via famílias, mulheres, avós, crianças me ofendendo. Será mesmo que todo mundo é preconceituoso ou está seguindo o ritmo de alguns, sem perceber?”, indagou Michael, em entrevista ao O Globo. O também jogador de vôlei Wallace Leandro de Souza, que defende o Sada Cruzeiro, foi vítima de preconceito, mas, desta vez, racial. Em jogo pela superliga contra o Vivo/ Minas, após um ponto do atleta, foi hostilizado pelos torcedores rivais que o teriam chamado de “macaco”. Depois da partida, o jogador preferiu não comentar nada sobre o acontecimento, mas sua queda de rendimento foi visível. “É muito revoltante escutar uma coisa dessas,

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não dá para aceitar. Foi até melhor eu não ter conseguido ver a pessoa, pois eu podia ter perdido a cabeça na hora. Isso me tirou um pouco do jogo”, disse Wallace ao site oficial de sua equipe.

Casos Internacionais

O preconceito no esporte não é algo apenas do Brasil. O jogador de futebol Samuel Eto’o, em um jogo do campeonato espanhol entre Barcelona Fc e Real Zaragoza, foi hostilizado pela torcida adversária, que gritou “macaco” e atirou objetos no jogador a cada vez que ele tocava na bola. Eto’o quis abandonar o campo aos 30 minutos do 2º tempo, quando o árbitro paralisou a partida para transmitir ao 4º árbitro os ataques racistas. Apoiado pelos colegas, ele se manteve em campo. Na Itália, em Arsizio, jogando pelo A.C Milan, o jogador ganês Kevin Prince Boateng abandonou um amistoso ao receber insultos racistas. Ele foi acompanhado para o vestiá-

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rio pelos seus companheiros e pela equipe adversária. “É uma vergonha que essas coisas ainda aconteçam... #StopRacismForever”, escreveu o jogador em seu twiter. O Milan também se manifestou após a partida, defendendo a postura de Boateng e pediu desculpas aos demais torcedores e prometeu retornar à cidade de Busto Arsizio. Diferentemente de outros acontecimentos, os atos contra Boateng foram punidos de maneira exemplar. Os agressores foram punidos com 40 dias a dois meses na cadeia, além de serem multados em € 10 mil euros. A promotoria, no entanto, havia solicitado penas de quatro a seis meses aos acusados. Depois do caso, Boateng tornou-se símbolo na luta contra o racismo no futebol, apesar das críticas de alguns dirigentes à sua atitude, incluindo o Presidente da Fifa, Joseph Blatter. O ganês se tornou membro na força tarefa criada pela Fifa para discutir a questão, ao lado de Jozy Altidore. A entidade aprovou regulações mais rígidas para casos do tipo. O companheiro de luta contra o racismo de Boateng, Jozy Altidore, foi hostilizado quando jogava pelo AZ Alkmaar, em goleada fora de casa por 5 a 0 em cima do Den Bosch, da segunda divisão. O time se classificou para as semifinais da Copa da Holanda, porém, a partida ficou marcada pelos cânticos racistas ao atacante por parte da torcida anfitriã, e o jogo quase foi interrompido. O árbitro cogitou terminar a partida no primeiro tempo devido aos gritos da torcida. Altidore pediu para que a bola continuasse rolando. Por meio do Twitter, o AZ disse que a torcida do Den Bosch proferia “sons de selva” direcionados a Altidore. “É terrivelmente triste para nós, envolvidos no futebol e amantes do jogo, que isso possa ocorrer na Holanda. Você ouve isso e se pergunta o que diabos está acontecendo”, criticou Earnie Stewart, diretor do AZ.

Fotos: Instagram TingaChutandoOPreconceito


comportamento Brasileiros Na Europa Jogadores brasileiros também sofrem com preconceito na Europa. O pentacampeão Roberto Carlos, quando atuava pelo Anzhi Makhachkala em partida contra o Krylia Sovetov, foi alvo de uma banana atirada no gramado por um torcedor. “Estou indignado com o comportamento do torcedor que

ofendeu não apenas a mim, mas a todos os jogadores presentes. E não apenas os jogadores, mas todo o futebol russo”, desabafou o lateral ao Sport-Express. Em abril deste ano, o também lateral brasileiro Daniel Alves teve uma banana arremessada em sua direção, em jogo disputado contra o Villarreal, no Estádio

El Madrigal. Surpreendentemente o jogador pegou a banana e a comeu. A atitude repercutiu no mundo inteiro. Grandes personalidades do esporte e da mídia, como a cantora Ivete Sangalo, o apresentador Luciano Huck e os jogadores Marta, Sergio Agüero e Mario Balotelli se sensibilizaram e apoiaram o jogador

‘Problema de educação’ Paulo César Tinga, 36 anos, jogador que passou por clubes como Grêmio, Internacional, Borussia Dortmund – ALE, Cruzeiro, e já atuou na Seleção Brasileira, não tem dúvidas: preconceito é algo que se combate desde a escola. Em entrevista à Ponto e Vírgula, ele fala da experiência com o racismo no esporte. Na sua opinião, serão necessárias punições educativas para que aumente a conscência das pessoas.

O mundo inteiro testemunhou a cena lamentável de racismo que você sofreu no Peru. Como você avalia essa situação? Isso é uma pura falta de educação. O racismo ou qualquer tipo de preconceito está ligado completamente à educação. Isso deveria ser mais abordado nas escolas. Se isso fosse tratado ao longo do tempo com mais frequência, talvez não teríamos uma boa parte nos dias de hoje.

O Real Garcilaço foi punido com uma multa de 12 mil reais. Foi de bom tamanho? Nem se fosse um milhão estaria de bom tamanho. Acredito em uma punição educativa, que gere um movimento que as pessoas tomem consciência do acontecido. E também,

que faça o clube jogar sem ‘patrocínio. Isso iria ser uma b’oa punição.

Depois do ocorrido no Peru, várias pessoas adotaram a hashtag #FechadoComoTinga, mas isso não adiantou. Logo depois, o árbitro Marcio Chagas da Silva foi alvo de racismo. Você acha que o preconceito irá acabar? Isso sempre aconteceu. Depois da minha situação, foi uma coisa que mobilizou o mundo inteiro e muita gente de fora, que as pessoas perceberam. Mas isso acontece todo dia. A gente vê vários tipos de preconceito com cadeirantes. Hoje temos vários tipos de preconceito, ou seja, é uma coisa que não está perto de acabar.

Qual o recado que você daria aos torcedores peruanos que praticaram o ato? Meu recado é: da mesma maneira que eles agiram, eles podem vir a sofrer o preconceito em outra área. Uma pessoa que fala do negro, ela pode ser um pouco gordinha e sofrer com isso, uma pessoa mais nova ou mais velha na área de trabalho também pode vir a sofrer o preconceito.

Com sua experiência hoje,

você soube lidar melhor com a situação do que no jogo entre Inter x Juventude. Na sua passagem pela Europa você também sofreu preconceito? O que aconteceu comigo em Caxias, eu fiquei três ou quatro dias muito triste. E agora, no Cruzeiro, consegui não me abalar com isso. Como eu falei, jamais vou desistir ou ficar de cabeça baixa por isso. Em relação à Europa, quando assinei com o BVB, todos me questionaram como seria difícil. Mas, por incrível que pareça, foi um dos lugares que mais aprendi como ser humano. Vivi lá quatro anos e nunca vi nem um pingo de preconceito. Saí de um grande clube, onde fizeram uma festa linda.

Você recebeu várias homenagens da torcida do Cruzeiro mesmo sem estar em campo. Como você se sentiu? Foi a coisa mais diferente que vivenciei. Não sou uma pessoa que se importa com mídia. Vários jogadores gostam de sempre estar aparecendo, mas eu sou diferente. Nem mesmo recebendo o apoio do governo ou de outras entidades importantes, nunca me senti tão feliz. Foi um presente, jamais vou esquecer. Mas é claro, que não gostaria de passar por isso.

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entrevista

Eventos internacionais impulsionam jornalismo Copa do Mundo e Olimpíadas abrem portas para novos profissionais da área de comunicação Por Bruno Costa Com o Brasil sediando grandes eventos esportivos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, a revista Ponto e Vírgula foi atrás de jornalistas mineiros para saber suas opniões sobre o futuro do mercado de jornalismo esportivo. Somente em obras de infraestrutura, os investimentos deverão alcançar R$ 33 bilhões, entre estádios, mobilidade urbana, portos, aeroportos, telecomunicações, energia, segurança, saúde e hotelaria segundo o próprio Ministério Público. Será que eventos como esses abrirão portas para jornalistas? O primeiro entrevistado foi Marcos Guiotti, coordenador de Jorna-

lismo e Esportes das rádios Globo e CBN. Formado em jornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora, em 1986, já fez cobertura jornalística de Copa do Mundo, Jogos Olímpicos, Jogos Pan-americanos, Fórmula 1 e diversos campeonatos mundiais de outros esportes, como vôlei, natação e basquete.

Os grandes eventos no Brasil trazem um avanço para o jornalismo esportivo em Minas Gerais?

Guiotti: Sem dúvida alguma, o sonho de qualquer jornalista era cobrir uma Copa do Mundo. O evento no nosso país deu oportunidade

a todos os jornalistas fazerem isso. Os veículos contratam mais pessoas, pois a demanda é maior.

Agora que a Copa acabou, quando as Olimpíadas terminarem, o jornalismo esportivo tende a cair seguindo uma “oferta e demanda”?

Guiotti: Esses eventos dão oportunidade para a nova safra de jornalistas aparecerem e se apresentarem para o Mundo. Eu acredito que muitos jovens profissionais vão se dar bem após as Olimpíadas e acarretar o ingresso de mais estudantes para a área.

O governo está evitando as aparições e declarações públicas ao vivo devido às vaias. Na sua opinião, qual é o motivo desse protesto?

Guiotti, coordenador de Jornalismo e Esportes das rádios Globo e CBN

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Guiotti: No início, quando nós fomos selecionados para sediar a Copa do Mundo, tudo foi festa, mas com inúmeras falhas, e a falta de explicação para os gastos absurdos, o povo acordou. O governo Brasileiro achou que trazendo a Copa para o Brasil seria a maior alegria do povo, daria um grande presente para a população porque o Brasileiro sempre se mostrou um apaixonado pelo evento, mas não passou de um “pão e circo” em que eles acharam que íamos receber o que queríamos em troca de aceitação.

Fotos: Eric Bezerra


eventos internacionais Se pudéssemos voltar em 2006, ano em que o Brasil se candidatou para ser país-sede desses eventos, acha que seria diferente?

Guiotti: Acho que nada acontece por acaso. Era pra acontecer sim essas manifestações, discussões e polêmicas, só faltava o estopim para acordar o povo brasileiro. A FIFA se arrependeu quando viu a preparação para a Copa mas não tinha mais como voltar atrás. Acontece...

Mulheres no Esporte

No Brasil, temos várias jornalistas na área esportiva que não deixam a desejar, por exemplo, Fernanda Gentil (da Globo Rio), Renata Fan (Rede Bandeirantes), Maíra Lemos (Globo Minas), Aurora Bello (SporTV).

As mulheres em geral acreditam que há algum tipo de preconceito com personagens femininos no jornalismo esportivo. A aluna de jornalismo da PUC, Mariana Campolina, falou sobre o assunto: “Existe sim um preconceito com mulheres no jornalismo esportivo, menos do que antes, mas ainda existe. Principalmente porque, quando se fala em esporte, logo se pensa em futebol e existe o clichê de que mulher não entende de futebol. No entanto, acho que, como em todas as outras áreas, o que mais conta é a experiência, qualidade no trabalho e disponibilidade. Se você passa segurança e está disposta a aprender, dará certo. Basta ser boa de serviço.” A reportagem ouviu outra profissional consagrada no mer-

- entrevista

cado mineiro e nacional: Adriana Spinelli. Formada em jornalismo pela PUC (MG), Adriana carrega passagens por grandes veículos como Globo, Alterosa e TV Manchete, foi uma das primeiras jornalistas mulheres a cobrir esportes e hoje é dona de uma empresa de Assessoria Esportiva.

Existe preconceito em relação a mulheres que trabalham com o jornalismo esportivo?

Adriana Spinelli: Eu não sei, eu questiono muito isso. Fui uma das primeiras, pelo menos em televisão, apresentando o Globo Esporte local. Foi uma aposta da emissora para ver como seria uma mulher nessa função. Inverter e colocar uma mulher foi uma mudança radical demais.

Da esquerda para direita: Marcos Guiotti, Adriana Spinelli, Rogério Correa e Pequetito

Fotos: Eric Bezerra

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entrevista - eventos internacionais Por ser uma das pioneiras, quais problemas enfrentou?

Adriana Spinelli: Passei por vários, mas um deles é mais marcante. Antes as entrevistas pós-jogo de futebol eram mais liberais, alguns jornalistas podiam entrar nos vestiários e fazê-las lá dentro. Eu, como a única mulher, tentavam barrar a entrada. Mas trabalhar é trabalhar, então disse aos seguranças: “Se um jornalista pode entrar, eu mulher posso entrar também!”. Não estava preocupada com homem pelado ou não, só queria fazer o meu trabalho; Conclui Spinelli. O ingresso de mulheres no jornalismo esportivo pode ser algo que vem aumentando no mercado a cada ano. Entramos em contato com a editoria de esportes da Rede Globo no estado de Minas Gerais. O diretor da redação esportiva Armando Bastos confirmou o aumento da procura feminina: “As mulheres cada vez mais se interessam por esporte por ser uma geração mais saudável, e os veículos também as procuram para trabalhar. Acho que as mulheres possuem uma abordagem e um gancho diferente de algumas matérias em que o repórter é homem. Mas o fator chave sempre foi e sempre será ser bom naquilo que faz”, disse Armando.

Esperança para estudantes Estudantes de jornalismo que desejam seguir carreira no segmento esportivo devem ficar animados. Com a realização de grandes eventos como a Copa do Mundo e Olimpíadas, setores como a mídia esportiva serão fortalecidos. A chegada da emissora americana Fox Sports, a abertura do canal de TV por assinatura SporTV 3 e o alto investimento da Rede Bandeirantes, que estreou no dia 20 de maio uma rádio com conteúdo esportivo 24 horas por dia, são fatores que contribuem para o aquecimento desse mercado.

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Exemplos de profissionais que ingressaram rapidamente no mercado de jornalismo esportivo são os jovens mineiros Cadu Doné e Felipe Torres, formados pela Universidade FUMEC. Comentarista esportivo da rádio Itatiaia, Doné também passou pela rádio 98FM como colunista de política e cultura. Já Torres teve sua primeira experiência na área de esportes em um intercâmbio profissional para Cabo Verde, na África. Atualmente, trabalha no Jornal Hoje em Dia e cobriu sua primeira Copa do Mundo este ano.

Como foi seu ingresso na área de trabalho?

Cadu: Foi através de estágio. Meus primeiros trabalhos não foram necessariamente no jornalismo esportivo, não entrei fechado com essa ideia. Estava aberto a possibilidades de cultura, de política, de economia. Eu gostava muito de música, então escrevia mais sobre isso. Como também era bastante fanático com futebol, as discussões internas dos amigos da rádio eram sempre bacanas. Até que um dia fiz um programa como convidado e acabei ficando por lá.

pra uma rádio do povo. Por outro lado, tem elogios por falarem que sou um cara estudado e não um exjogador de futebol.

O que inspirou você ser jornalista?

Felipe Torres: O futebol. Eu escolhi o jornalismo para poder trabalhar com futebol. E minha família, meu avô por exemplo, sempre foi muito apaixonada pelo esporte. Os trabalhos acadêmicos que fiz, todos eram relacionados ao futebol.

O que fez você ligar o Curso de Comunicação ao futebol? Você sempre foi uma pessoa comunicativa?

Felipe Torres: Na verdade, eu sempre fui muito tímido, mas o futebol pra mim sempre foi uma diversão. Portanto, fazendo jornalismo, eu pude conciliar o trabalho com a diversão e isso pra mim foi muito bom. Quando eu não estou a trabalho, eu sempre vou aos jogos do Atlético e do Cruzeiro, porque é um prazer para mim. Eu pude conciliar uma coisa que eu gosto e que eu sei fazer bem, que é escrever

Com editorias diferentes, como foi a chegada no jornalismo esportivo, já que você veio de uma área cultural?

Cadu: O meio do esporte é muito, muito diferente do meio da literatura e do meio da filosofia. Ajuda em alguns aspectos, pelo fato de eu ter feito uma faculdade e falar de esporte, porque, infelizmente, hoje em dia, muitos falam do futebol e não estudaram para isso. Às vezes tem certo preconceito, tem gente do futebol que gosta de um comentário mais tosco, mais grosseiro, não com conteúdo, mas com jeito de falar. Às vezes, chegam mensagens falando que eu falo muito difícil e que não sou

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Felipe Torres, jornalista esportivo

Fotos: Eric Bezerra


reportagem

Onde você foi roubado? Jovens estudantes desenvolvem projeto inovador com a finalidade de tornar o país mais seguro, auxiliando a população e a polícia. Raquel Couto Você já foi assaltado? Provavelmente sim, ou pelo menos conhece alguém que já passou por essa situação. As estatísticas assustam e os números são crescentes. Você tem medo ao parar o carro, no sinal, de vidro aberto? Sente insegurança ao caminhar por uma rua mais deserta? Esse sentimento acompanha muitos belo-horizontinos e o que não faltam são tristes exemplos. Muitos relatos estão agora disponíveis online no site colaborativo “Onde fui roubado”. A plataforma mostra um mapa com marcações de furtos e assaltos registrados por internautas de qualquer lugar do Brasil. Uma iniciativa que pode ser muito útil para as autoridades de segurança em Belo Horizonte e que está repercutindo nas redes sociais. Belo Horizonte ocupa o segundo lugar do ranking por número de denúncias registradas e o celular é o líder de objetos mais roubados. Márcio Vicente e Fillipe Norton procuravam por um projeto de site colaborativo que pudessem gerenciar juntos. A ideia da plataforma é simples e interessante: se você for roubado, você pode marcar o ocorrido no mapa, detalhar o crime e também alertar outros internautas sobre o perigo em um determinado local. O site combina recursos de mapas e geolocalização para que os usuários possam denunciar os lugares onde sofreram algum tipo de violência em

Fotos: Divulgação/ Arquivo pessoal

Márcio Vicente e Filipe Norton desenvolvedores do site “Onde fui roubado”

suas cidades. Em entrevista à revista Ponto e Vírgula, os idealizadores do projeto falam da proposta de descentralizar as informações sobre a violência que, hoje, são controladas pela polícia, numa tentativa de democratizar a informação por meio da internet. A intenção, segundo o grupo, é contribuir para aumentar a segurança do país.

Qual a ideia da plataforma? Como funciona? Nossa ideia é tornar pública uma informação que hoje não é pública. Hoje todos os dados relativos à segurança pública ficam apenas com os órgãos responsáveis e não são compartilhados com a população. A ideia é bastante simples, a vítima do crime

entra no site, preenche um formulário simples e automaticamente isso fica disponível pra qualquer pessoa visualizar, em qualquer parte do país.

Como surgiu esse projeto? Surgiu através da ideia de um dos fundadores, de querer criar algo que conseguisse atingir todas as esferas da população, sem distinção de faixa etária, classe social ou tipo de atuação. Uma plataforma global, que, hoje, de civis a policiais podem usála.

Vocês esperavam essa repercussão do site?

Sim, mas não dessa forma. Por se tratar de um assunto polêmico, almejávamos que teria essa repercussão, mas não tão rápida.

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reportagem - onde fui roubado O projeto é rentável? vocês ganham dinheiro com o site?

Quem está envolvido na criação e administração da plataforma? Dois estudantes de Ciência da Computação da Universidade Federal da Bahia (UFBA) são os responsáveis pela criação e idealização. Há pouco tempo mais um estudante foi acoplado à equipe, responsável pelo desenvolvimento mobile do aplicativo.

O aplicativo já está funcionando? Ele tem algum diferencial em relação ao site? Não, o aplicativo está em desenvolvimento e vai ter uma grande diferença do site, podendo também ter uma interação maior com o usuário, aproveitando recursos do próprio celular, exemplo do GPS.

Tentar tornar o país mais seguro, passar informação clara pra o cidadão. O site já coleciona milhares de relatos de assaltos. “Estava aguardando minha carona chegar, quando fui abordada por um cara estranho pedindo informação. Como fui andado pra trás, ele disse que era um assalto e para eu passar a bolsa”, esse furto ocorreu na rua Augusto Silva, no bairro Liberdade, em Belo Horizonte. O relato acompanha data, local, roubos de carro, assaltos à mão armada, furto de celular no ponto de ônibus... e até assalto em frente à igreja. São inúmeros relatos arquivados em todo o Brasil, sendo que, nos últimos 90 dias, ocorreram 369 crimes em Belo Horizonte. A capital mineira ocupa a segunda posição no ranking de número de denúncias que foram registradas. São Paulo ocupa o topo da lista

* Data de acesso 18/08/2014

Ainda não estamos ganhando dinheiro com o site, apesar de termos recebidos algumas propostas de cunho comercial. Estamos analisando e vendo o que é melhor para que o site continue sendo uma ferramenta de auxílio à população e à polícia.

Qual a finalidade e a principal intenção com a criação da plataforma?

Algum relato no site lhes chamou atenção em especial? Alguns relatos em Brasília nos chamam a atenção. Como forma de protesto, alguns usuários informam que estão sendo lesados pelos políticos, e acabam marcando o Congresso como o local do crime. Mesmo sendo uma forma de protesto válida, não é o nosso objetivo, logo desativamos essas denúncias falsas.

61%

O site tem (ou pretende) alguma parceria com a Policia ou órgão do governo? Estamos abertos a diversos tipos de parceria. Hoje estamos trabalhando independentes de órgãos ou empresas.

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39% Mapa mostra locais onde se concentram os assaltos, arrombamentos, roubos, sequestros, entre oustros crimes cometidos na capital mineira.

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Infográficos: http://www.ondefuiroubado.com


comportamento

O sexo frágil está armado Após 25 anos do fim da supremacia masculina na PM, milhares de mulheres são agora responsáveis pela segurança dos cidadãos

Glícia segura escopeta ao lado do carro tático móvel da Polícia Militar, utilizado para rondas ostensivas

Fotos: Rachel Duarte

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comportamento - mulheres pms Por Júlia Braga e Rachel Duarte A farda militar é semelhante, mas as curvas e formas femininas das policiais militares mostram uma nova realidade. As mulheres romperam uma das últimas barreiras das corporações machistas nacionais, embora os números ainda sejam frágeis. Elas representam 8% de um total de 45.489 policiais no Estado, segundo a última Pesquisa Perfil das Instituições de Segurança Pública, divulgada pelo Ministério da Justiça e Secretaria Nacional de Segurança Pública, realizada em 2011. Com muita preparação, técnicas de defesa pessoal, aulas de tiro e muito exercício, elas conseguem se destacar neste universo até pouco tempo dominado pelos homens. As policiais encontram pela frente o desafio da conquista de patentes altas e a confiança da população. Em Minas Gerais, foi somente no dia 20 de Maio de 1981 que entrou em vigor o decreto 21.336, que criou as primeiras vagas femininas para Policial Militar no Estado. Esse foi

mais um passo importante na luta dessas mulheres pela igualdade de gênero. Em Minas elas representam 8% do total de PMs, enquanto em Amapá são 18%; já no Rio Grande do Norte elas representam apenas 2%. A respeito de altas patentes, como Coronel, Tenente Coronel, Major e Capitão, elas representam 17% do total em MG. Em 2013, a coronel Cláudia Romualdo foi a primeira mulher, nos 238 anos de história da PM mineira, a assumir o comando de policiamento da capital, a quarta posição mais importante na hierarquia da corporação. São muitos os motivos que levam mulheres a se tornarem Policial em Minas Gerais. A carreira é tão arriscada para elas quanto para os homens, mas, por representarem um número menor dentro das corporações, elas precisam estar em uma corrida diária contra os preconceitos e usar de pulso firme para conquistarem o respeito diante de seus colegas e da sociedade. Para se tornar uma policial mili-

tar, é preciso passar por um concurso público e estar de acordo com as exigências físicas determinadas por lei para que se possa participar da seleção; são elas: ser brasileira, ter entre 18 e 30 anos, segundo grau completo e mais de 1,60m de altura. As PMMG’s Ayanne Christine e Glícia Araújo fazem parte do cenário de segurança policial em Belo Horizonte, e ambas não tiveram influência direta da família para ingressarem na profissão. São as primeiras policiais em suas famílias e são apaixonadas pelo que fazem. Nossas personagens atuam em áreas distintas dentro da corporação e também levam vidas diferentes do lado de fora. Ayanne, 24 anos, noiva, mãe de um filho de 7 anos e estudante de direito, conta que entrou para a PMMG em 2008 e, nesta época, as mulheres já eram bem aceitas na PM, portanto, ela não teve problemas em seu ingresso. Ela trabalha na unidade de Choque da PMMG cujas escalas não são fixas e são muito

PM Glícia e seus colegas de trabalho em frente ao 18º Batalhão da Polícia Militar em Contagem

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Fotos: Rachel Duarte


mulheres pms

- comportamento

PM Glícia com o fantoche do boneco Zé Pedal, projeto do 18º Batalhão dedicado a crianças das escolas locais, que visitam a transitolândia e assistem a palestras sobre comportamento no trânsito variadas (noite, dia, madrugada). O trabalho não é fácil, pois ela tem uma família para cuidar e também estuda. Mas tem conseguido levar da melhor forma. Ayanne trabalha com eventos e manifestações, e conta que, nos dias em que não tem eventos, realiza patrulhamento e recobrimento em áreas de risco. Ela relata que o trabalho é um pouco tenso, mas utiliza de técnicas e táticas no dia-a-dia para conseguir diminuir os riscos da profissão e melhor controlá-los. “É intenso e tenso levar uma vida na qual a gente não sabe se voltará para casa, se o abraço no filho e na mãe serão o último ou se vamos chegar pro jantar, mas é tudo isso que me anima, que me dá adrenalina e faz eu gostar do que faço.” E completa dizendo: “Tive uma experiência que me marcou muito. Na Copa das Confederações, quando aconteceram vários confrontos nas manifes-

Fotos: Rachel Duarte

tações, o serviço durou mais de 15h. Muito cansaço, estresse, mas valeu a pena chegar em casa com a certeza do dever cumprido”. Ela ainda tem o sonho de realizar o Curso de Operações Especiais da PMMG, mas gostaria que fossem tratadas como mulheres e que houvesse vagas específicas, pois, apesar de o edital não proibir mulheres para realizar o curso, elas terão que competir de igual para igual com homens e ela não acha isso justo. Questionadas sobre como funciona o trabalho dentro das academias e se existem obstáculos por serem mulheres, as PM’s informaram que isso depende do ponto de vista. Mas existem sim dificuldades, pois em algumas situações elas são cobradas fisicamente da mesma forma que os homens e isto se torna uma grande dificuldade. “As mulheres não tem a mesma compleição física que a deles”, relatou Ayanne.

Glícia, 28 anos, é formada no Curso de Formação de Oficiais (CFO), graduação da UEMG – Bacharelado em Ciências Militares com Ênfase em Defesa Social e trabalha na administração da PMMG com assessoria de Comunicação Organizacional do 18º BPM, mas participa de algumas operações de segurança. Ela informa que o fato de estarem fardadas já impõem riscos e o tempo todo existe a possibilidade de um embate. Para ela, o momento mais marcante em seu trabalho foi quando houve um assalto em uma fazenda onde três infratores armados fizeram os moradores reféns. A operação foi um sucesso, ela e sua equipe conseguiram chegar ao local, surpreender os bandidos e libertar as vítimas com segurança. Sobre trabalhar em um ambiente em que predominam os homens ela se mostra indiferente e diz que a Polícia Militar é como uma empresa e, na maioria delas, também predomina os homens. Ela faz sua parte e sua única observação é que, para serem reconhecidas, acabam tendo que fazer o dobro do esforço deles. Apesar de realizarem as mesmas tarefas, ela conta que são levadas em consideração as limitações fisiológicas em testes físicos, mas que são tão empenhadas quanto os homens.

“É intenso e tenso levar uma vida na qual a gente não sabe se voltará para casa, se o abraço no filho e na mãe será o último.”

PM Ayanne

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comportamento - mulheres pms

Glícia, sem o colete, com seus colegas; as policiais dizem que é preciso pulso firme para conquistar respeito

A respeito das discriminações e machismos, nenhuma relata alguma situação diretamente ligada a elas. Como todo ambiente predominado por homens, existem piadinhas e que ocorrem de forma velada, mas são taxativas em dizer que, ao provar uma situação em que houve discriminação ou preconceito, há sim uma punição.

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Elas finalizam contando por que escolheram essa profissão e o que ela tem de melhor. “A satisfação de servir a sociedade e garantir a ordem pública. Eu acredito no que faço e tenho o ideal de sempre melhorar. É um enorme prazer garantir a diversão dos outros (nos casos de eventos), eu amo o que eu faço, e sou completamente

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realizada profissionalmente”, diz Ayanne. “Agrada-me trabalhar numa Instituição tradicional, com mais de dois séculos de existência. Uma Instituição séria, que prima pela hierarquia e disciplina, que trabalha com objetivo de servir e proteger a sociedade mineira”, conta Glícia

Fotos: Rachel Duarte


reportagem

Educação à mercê da violência

Em Belo Horizonte, registra-se pelo menos uma agressão verbal ou física por mês de alunos a professores Por Maria Clara G. Souza e Rafael Augusto “Professor é agredido por estudante em BH”, “Aluna tenta agredir professora”, “Docente morre após ser esfaqueado em universidade da capital”. Essas são algumas das manchetes que se leem em jornais nos últimos anos. São preocupantes as notícias de violência em escolas de Belo Horizonte, agressividade que se manifesta de forma verbal ou física e influi diretamente no comportamento de toda uma comunidade. Dados divulgados pela Prefeitura de BH, em seu site oficial, são de 2012 e apontam 1,3 ocorrência de agressão a professores por mês. Na escola estadual São José, situada no bairro Flores, em fevereiro deste ano, ocorreu uma agressão simplesmente porque o professor chamou a atenção do aluno. Já na Escola Municipal Ana Guedes, em Contagem, a diretora suspendeu aulas após uma aluna tentar agredir uma professora. Notícias como essas se tornaram corriqueiras. “É difícil analisar a questão da violência nas escolas porque são muitos os fatores envolvidos. É uma junção de acontecimentos que está provocando essa mudança de comportamento”, afirma Doresdei Garcia, Diretora da Escola Estadual Santos Anjos. Com as notórias mudanças em relação à autoridade nas escolas, é normal que também mudem os comportamentos e atitudes dos alunos.

Fotos: Rafael Augusto

Doresdei Garcia, diretora da Escola Estadual Santos Anjos.

“O aluno chega à sala e pensa que o mais importante é ele”, diz Simone. O problema é quando essas atitudes passam dos limites. “A questão da autoridade, da referência, mudou muito. Hoje os meninos não veem os professores como a figura do saber. O professor que está a minha frente é igual a mim. A re-

lação é de igualdade e é isso que gera os conflitos”, diz a psicóloga Simone Maria da Fonseca que faz o acompanhamento do Instituto Sagrada Família. Entre outros fatores citados por docentes e especialistas ouvidos pela reportagem está a influência da TV, que a cada dia traz para os telespectadores novas gírias, novas brincadeiras e uma nova maneira de agir. “As crianças aprendem por imitação, e se veem na televisão uma atitude agressiva elas estão

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reportagem - violência sujeitas a imitá-la e hoje os pais não têm restrições do que os filhos devem ver”, afirma Simone. E completa dizendo que o individualismo também é um fator importante, “o aluno chega à sala e pensa que o mais importante é ele, e se ele não pode ser atendido naquele momento já se irrita.” Para o professor Alexandre Mendes, da escola Estadual Santos Anjos, o principal problema é a ausência dos pais em casa; por meio da agressão, o aluno busca uma forma de chamar a atenção. “Hoje o trabalho de educar foi terceirizado para as escolas e a educação que os filhos recebem de casa é à base do grito e da violência e por isso repetem nas escolas essas atitudes.” O professor afirma que também os docentes têm culpa por às vezes já chegarem nervosos na escola e se irritarem com mais facilidade com os alunos. A estudante Clara Graciano Silva, de 14 e Luísa de Paula Nascimento ambas de 14 anos, alunas da escola Estadual Barão de Macaúbas concordam com o professor e dizem que atitudes que também influenciam os alunos é o modo como o professor conduz a situação, não impondo limites na sala de aula em casos de agressão verbal partindo do aluno, que se excede com ele. “Se o professor não coloca limites, o aluno acha que pode fazer o que quiser. Eu acho que a culpa do professor vem ai, quando ele deixa a sala muito livre”, diz Clara. Luísa completa falando sobre o lado em que o professor não tenta um diálogo com o aluno e acaba tratando-o mal, “Professor é autoridade, mas o respeito tem que ser recíproco”. Para a diretora Doresdei, a falta de um líder público que nos dê exemplos de cidadania é o que falta para que aconteça uma diminuição nas agressões. “O Brasil não tem

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modelo de referência de liderança e autoridade, aí fica todo mundo solto. Você vê policiais em meio ao tráfego, deputados, líderes políticos em ações criminosas. Pessoas de poder metidas em escândalos, e por que você acha que o aluno vai achar em meio a isso que o professor é uma autoridade?”. “Quando se fala de agressão ao professor, a situação está cada vez mais difícil, porque hoje o professor tem que ministrar a aula diante de uma turma de 40 alunos, existe o Estatuto da Criança e do Adolescentes, um regimento interno, uma família por trás e todos cobrando do professor, sabendo que eles se unem para poder comprometer o espaço da aula. Eu acho que vai muito além de agressão. Esse assunto devia ser exposto de forma diferente, o Professor pode colocar tudo que ele sofre?”, questiona a coordenadora de série do Instituto Sagrada Família, Denise de Castro Chaves. A manicure Solange Amadeu Vicente Cecotte, 48 anos, tem 2 filhos alunos da Escola Estadual Quinto Alves Tolentino e concorda que os alunos têm uma maior parcela de culpa, mas assegura que é uma atitude conjunta: pais, alunos e professores são culpados. “Os pais devem ensinar os valores e exigir respeito dos filhos para com os professores, os professores, por sua vez, devem procurar entender e conversar com os alunos”. Questionada sobre a agressão que ocorreu na sua escola, Luísa nos responde com um apelo, “a sociedade não se manifesta como deveria, tratamos como só mais um caso que a gente lê no jornal. Na minha escola ocorreu o ano passado, o caso foi delicado. Um dia depois do fato, a direção reuniu todos os alunos para uma conversa, a maioria dos alunos desinteressados. Mas eu me manifestei.

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Não defendi o professor, defendi o que ainda defendo, o respeito! Entre alunos e funcionários, funcionários e professores e professores e alunos. Se esse valor não for defendido atualmente, a onde vamos parar?” Existem alguns projetos para auxiliar os professores e alunos que sofreram com as agressões. Mas, quando os estudantes, mães, professores e psicólogas foram questionados sobre uma proposta de solução para essas atitudes, a resposta foi que medidas preventivas devem ser tomadas para estabelecer um bom relacionamento com os alunos e um vínculo de confiança, isso consequentemente reduzirá o número de agressões. “O professor tem que ser sempre o primeiro a intervir para retomar isso de forma que gere um diálogo. Ele é o adulto, ele é o maduro. Castigar, penalizar, suspender é muito fácil; na próxima aula o aluno volta para sala e o problema continua”, afirma psicóloga

Alunas Clara Silva e Luisa de Paula

Fotos: Arquivo Pessoal


Reportagem

Por Júlia Braga

Melhores amigos do homem conquistam seu espaço na web, impulsionados por seus donos que são loucos por eles Que os vídeos com animais nas mais diversas situações fazem sucesso na internet todos já sabem. É difícil não se encantar com a fofura desses bichos de estimação fazendo festa para seus donos ou aprontando travessuras diversas. Mas você, caro leitor ou leitora, já adicionaram um desses “melhores amigos” nas redes sociais? Não? Você conhece ou já ouvir falar de Yamandú? Sua página do facebook já tem mais de 2.500 curtidas e ele é seguido por 6700 pessoas no Instagram . Esse Golden Retriver, de 3 anos, é um pop star das redes sociais.

Foto: Ana Slika

O seu sucesso, na verdade, não vem de hoje. Há mais ou menos dois anos, ele foi diagnosticado com uma doença grave, a babesiose, também conhecida como doença do carrapato. Ela é causada pelo protozoário Babesia canis, que infecta e destrói os glóbulos vermelhos e se não for tratada, pode ser mortal, o que deixou sua dona, a fotógrafa Ana Slika, 30, de cabelo em pé. Seu tratamento envolveria ir ao consultório pelo menos uma vez ao dia, deixando o tratamento realmente muito caro, custo com o qual ela não poderia arcar.

Andando pelas ruas da Savassi, coisa que ela faz todos os dias com Yamandú à tiracolo, ela começou a perceber o quanto ele era querido por todos e acabou tendo uma ótima ideia. Ela decidiu apelar para o carinho que muita gente demonstra por esses bichos de estimação e pensou: Quem sabe eles não poderiam ajudar? Com esse pensamento, ela resolveu fazer uma rifa colocando como prêmio uma sessão de fotos com ela. O sucesso foi tão grande que a rifa chamou a atenção de vários outros colaboradores que acabaram doan-

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reportagem - bichos nas redes

Pagina do Yamandú no facebook

Para você que adora filmes com animais! O amor por bichos de estimação já ganhou as telas da Sétima Arte várias vezes! Exibido pela primeira vez em 1943, histórias com a collie Lassie também encantam gerações atuais. Os emocionantes “Marley e eu”, “Cavalo de Guerra”, “Sempre ao seu lado” e o divertido “101 Dálmatas” são sucesso de público e crítica.

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do outros prêmios, dentre eles, vale compras e até corrida de táxi! Com o sucesso da rifa, ela conseguiu arrecadar o dinheiro para pagar o tratamento do Yamandú. E não é que o danadinho se curou? Dessa forma, ela resolveu criar o perfil do facebook como uma maneira de agradecer às pessoas que o ajudaram e para continuar dando notícias do progresso de Yamandú. Sua página na rede social é muito mais do que um local para depósito de fotos do cotidiano do cão. A fotógrafa aproveita o espaço e a diversas situações flagradas por sua câmera para transformar as postagem em atos politizados. Ambos se manifestam pelos direitos tanto dos animais quanto das pessoas, ajudam cães desaparecidos e, claro, espalham mensagens de amor e tolerância aos internautas. Em entrevista à revista Ponto e Vírgula, a fotógrafa Ana Slika,

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“mãe” de Yamandú, conta sobre a repercussão de seu cão nas redes sociais.

Por que vc resolveu colocar seu cão nas redes sociais? Alem de divulgar o meu trabalho, fiz como uma forma de agradecimento às muitas pessoas que me ajudaram, para eles verem como estava o Yamandu.

Você sente que o seu cachorro é da sua familia? Sim, claro! Ele demonstra gostar de mim mais do que muita gente da minha família.

Qual foi o maior exagero que já cometeu pelo Yamandú? Acredito que o amor não tem exagero, a gente acha tudo normal, é o que ele merece. Mas já fiz festa de aniversário com tudo que ele merecia!

Foto: Ana Slika


bichos nas redes

- reportagem Além do perfil de Yamandú, existem vários outros bichinhos nas redes sociais. Mas se você procura perfis que tratem o tema de forma mais ampla, há páginas que reúnem diversos tipos de animais. Perfis como “Prefiro bicho do que gente” ou “Animais, os melhores amigos do homem” trazem mensagens emocionantes, prestam serviços de busca de cães desaparecidos, ensinam como adotar, como cuidar, e também ajudam os bichos mais carentes fazendo campanhas para doações de alimentos.

Yamandú e sua dona Ana Slika

Você acha que é mais feliz com a presença do animal? Fiquei muito doente há 3 anos, uma depressão muito forte. Ele me ajudou muito nisso. Sempre do meu lado..

Como o Yamandú entrou na sua vida e por que esse nome? Ele era do meu sobrinho, e já veio com esse nome. Mas estava muito mal tratado, minha cunhada falou que

queria doa-lo. Eu trouxe pra minha casa e nunca mais devolvi.

Vc já enfrentou algum tipo de preconceito por andar sempre com seu cão?

Como se imagina sem seu melhor amigo?

Acho que se tem, a pessoa tem medo de mim, e não falou nada.

Melhor nem pensar nisso!

Antes do Yamandú, você tinha outro bicho de estimação? Já tive uma tartaruga!

Qual o retorno que você teve dos internautas? Eles amam o Yamandu, sempre deixam recados fofos. E, alem disso eles sempre ajudam quando ele pede!

O ‘‘ativista’’ Yamandú lutando pelos nossos direitos

Foto: Ana Slika

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reportagem

a nova era da literatura erótica Por Rafaela Borges e Tatiana Campello

Procure na estante os livros eróticos e se delicie com um novo mundo que irá surgir para você

Leitura da saga Cinquenta Tons se torna um hobby para jovens leitoras

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Revista Ponto & Vírgula — novembro de 2014

Fotos: Clara Barbi


literatura erótica Basta entrar nas livrarias ou consultar a lista dos mais vendidos do mundo para ver a posição de destaque que os livros de literatura erótica ocupam nas prateleiras modernas. Sempre existem temas que conseguem obter o interesse do público. Isso aconteceu com vampiros, com os anjos e agora, para a surpresa de muitos, vieram os livros com a temática erótica. Mas se engana quem pensa que tudo começou em 50 Tons de Cinza. A famosa trilogia de E. L. James ganhou o público descrevendo em minúcias as relações de seus protagonistas. Mas, há cerca de 4.000 anos, livros com teor igualmente erótico já estavam sendo escritos. Podemos citar o clássico Decamerón, de Boccaccio, ou personagens como Justine e Juliette, criadas por Marquês de Sade, de cujo nome surgiu o termo “sadismo”. Porém, não se pode negar que o cenário da literatura erótica atual foi dividido em dois momentos: antes e depois da trilogia 50 Tons de Cinza. Depois dele, vários outros apareceram e o público, que é cada vez mais variado, teve grande aceitação. O mundo do erotismo não exclui o da boa literatura. Autores renomados estão hoje investindo nesse tema. Vários escritores estão colocando isso à prova e conseguindo abrir a mente de leitores que, antes, somente liam esse tipo de livro em grande privacidade. Talvez o sucesso se deva, entre outros fatores, ao fato de se colocar o erotismo em um patamar diferente do que a maioria das pessoas está acostumada. A valorização do prazer feminino comprova que a sexualidade da mulher nunca foi colocada em um plano tão importante na história. Silvia Fernanda, autora da história Trinta dias com Camila, da editora Schoba, publicou recentemente

Fotos: Silvia Fernanda /Divulgação

seu livro que, assim como a trilogia de E. L. James, no início, tratavase de uma fanfic: uma ficção criada por fãs. Silvia conta como foi ter levado sua história, baseada na Saga Crepúsculo, para um livro: “É uma emoção única, meses de preparação, negociações, pesquisas de mercado. Finalmente pegar o livro em mãos foi um sentimento que não teve igual. Dar meu primeiro autógrafo me deixou meio anestesiada.”

- reportagem

Para ter seu livro publicado passou por grandes obstáculos. Antes disso, Silvia, assim como muitas outras autoras, viveu a experiência de publicar sua história primeiramente na internet. A autora de 30 dias com Camila conta que foi seu público online o maior incentivador: “Na verdade, eles se tornaram meus assessores de imprensa. São meus melhores e maiores incentivadores”.

Livro 30 dias com Camila, editora Schoba

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reportagem - literatura erótica Outra autora que também já tinha seu público na web, conta como foi ver a ideia de sua fanfic ser transformada em livro. “A ideia veio especialmente de pedidos das meninas que acompanharam O Senador desde o começo. A cada comentário elas me incentivavam a levar minha historia a diante.” Fernanda Terra irá publicar seus livros em breve. Serão três no total: O Senador, O Deputado e O Presidente. Perguntada sobre como é publicar seu livro, Fernanda conta que é uma sensação incrível, “E uma sensação de friozinho na barriga. Estamos ainda envolvidas com buscas de editoras, revisões, que são muitas. Fiz aulas particulares, querendo me aprofundar e dar o melhor para esses romances. E agora, vendo o primeiro dos três livros pronto para enviar para as editoras, a única coisa que sinto é a sensação de dever cumprido”. Sedução e sexo sempre tiveram o seu público e, claro, os seus críticos. O erótico sob a sua forma literária acompanha gerações e, possivelmente, continuará acompanhando. Essa antiga arte muitas vezes não cria personagens ou situações com lógica ou até verossimilhança. Excitar é sempre muito relativo, e, personagens irreais e até mesmo egoístas como o poderoso e belo Christian Grey são ícones desse gênero. Achar que personagens assim podem influenciar ou mesmo trazer “ideias ruins” às leitoras pode ser um tanto exagerado. A literatura em sua essência brinca mais com a fantasia do que com a realidade. Nos resta esperar que muitos leitores saibam disso, já que essa explosão de eróticos tem cada vez mais tomado conta das prateleiras nas livrarias com guias de sadomasoquismo e erotismo em geral. E tudo isso já está sendo muito abor-

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“A ideia veio de pedidos das meninas que acompanharam “O Senador” desde o começo”

Trilogia baseada na Saga Crepúsculo. O Deputado, O Senador e O Presidente

dado, comentado e lido, por isso pode ficar repetitivo. Será uma fase ou não? O tempo responderá essa pergunta. A única certeza é que quem se dedica a matar essa curiosidade sobre esse universo descobre, além de uma paixão por meio das palavras,

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um desejo sem limites de continuar vivendo aquela fantasia despertada em seu interior. Agora, para você que conseguiu despertar essa curiosidade, aí vão dicas de histórias que irão esquentar o clima e que não podem deixar de serem lidas!

Fotos: Divulgação


literatura erótica

- reportagem

fanfic O que são fanfics? Como elas surgiram? São perguntas como essas que um leigo vai se fazer ao escutar que a famosa trilogia Cinquenta tons de cinza é uma história baseada em uma fanfic do filme Crepúsculo. O nome real, na verdade, é fanfictions, e o próprio nome já diz: fan (fã em inglês) fictions (ficções). São ficções, histórias, criadas pelos fãs para um determinado ídolo, determinado livro ou até mesmo determinada banda. Estas já se tornaram mundialmente famosas por meio de sites que as publicam, blogs, fóruns e etc.

Você já pensou em poder mudar o final daquele livro de que você tanto gostou? Poder dar uma continuação ao livro que você não queria que acabasse? Ou poder definir a personalidade do seu personagem favorito? Já pensou em poder ler novas histórias, com novos universos, com seus personagens favoritos? Em uma fanfic, você poderá fazer isso e muito mais. Várias autoras, antes desconhecidas, estão hoje publicando seus livros baseados em outras histórias. Elas pegam os personagens de um livro que gostam muito e os mudam,

colocando-os com outras características. Nasce ai então uma fanfic, uma historia alternativa de uma ficção já criada. Se a autora consegue prender a atenção dos leitores, fazendo com que eles até mesmo se esqueçam da historia original, ela pode ter um tesouro em mãos. Existem sites em todo mundo. Pessoas de todas as idades leem e escrevem pelo simples fato de gostar de uma história, sem compromisso e muitas vezes sem nenhum tipo de público, elas escrevem querendo e imaginando um final alternativo para sua história favorita

Trecho de O Deputado, livro que anteriormente era apenas uma fanfic, da autora Fernanda Terra

Fotos: Fernanda Terra / Divulgação

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conto

a transcenDência Da lua Por Iara Araújo Abaixo de seus pés, as estrelas. Ela caminhava lentamente com seus pés pálidos sobre o manto negro estrelado. Seus olhos azuis, como o mais belo céu em uma manhã de verão, possuíam um ar transcendental, algo puro e mágico. Não era uma deusa, não era um anjo. Estes seres, meros seres, pareciam impuros e imperfeitos demais para alcançar aquela mulher que caminhava com a leveza de uma brisa. Ela suspirou e lançou seu olhar para baixo. Abaixo daquele oceano brilhante, ela via apenas uma face além de todas as outras. Como que, em um encantamento, ela se sentia realmente flutuar enquanto se debruçava sobre suas filhas, causando risadas doces e incomparáveis. A pureza explodiu em uma aurora de todas as cores existentes enquanto um sorriso tão brilhante quanto aquele que a iluminava surgia em seu rosto delicado. Todos os seus gestos, seus trejeitos... Era uma criatura inefável, sem dúvidas.O céu jamais tocaria na terra, assim como ela jamais poderia tocar naquele humano. Ele continuaria lá, distante, inalcançável. Parecia um pouco engraçado, na realidade. Pessoas a observavam de longe, admirando sua beleza e grandeza, mas no fim das contas, ela que era a pequena e frágil. A imagem abaixo de seus pés tremulou e ela se colocou sobre uma das pedras de seu mar, observando o homem de cabelos dourados encarando o nada. Assim como ela, ele era tão solitário. Ela não podia se aproximar, apenas ele podia o fazer. Quando era sua vez, ele lhe tocava gentilmente em seu ombro, com sua mão quente e aconchegante, com seus lábios enfeitados do mais belo e brilhante curvar. Eram distantes. Ela jamais deveria falar com ele. Ele, o mesmo.Não sabia quando aquela lei fora criada, era algo que vinha desde a aurora dos tempos, quando aquele universo nem mesmo existia! Não deveria. Olhou novamente para baixo. O rapaz, pálido e franzino, sorria abertamente para sua irmãzinha. Ela riu, levando a mão aos lábios enquanto estendia a outra mão, como se pudesse tocar na sua imagem. Mas, novamente, a imagem tremulou e ela o fez junto. Tremia de frio com a queda de sua temperatura, tremia pelo repentino afastamento do Sol. Ele estava longe, assim como seu amado. Em um espírito de insubordinação, ela colocou o pé direito na água, seguido do esquerdo após alguns segundos de hesitação. Os pequenos diamantes brilharam e dançaram a sua volta, como milhões de vagalumes, enquanto ela afundava mais e mais em meio a sua inconsciência e torpor. Seus cabelos brancos se misturavam a estranhas cores, tomando tons que jamais poderiam ser descritos.Ela novamente se divertiu e riu. Mergulhou mais e mais, nadando sem vontade de voltar. Aquele era o maior pecado de um astro, a mais proibida de todas as leis para as quais deveria se curvar. Estava sendo infantil e mimada. Mas precisava do apoio de seu irmão e só se molhando nas águas celestiais poderia lhe tocar sem se queimar. Quanto mais afundava, mais se aproximava da superfície áurea onde ele habitava. Ao seu redor não havia mais estrelas, existia vida, luz, calor! Ao seu redor, não eram mais suas filhas que brincavam e riam e sim sereias, como naqueles estranhos livros lidos, à noite, pelos pais humanos para seus filhos adormecerem sob sua luz. A guardiã dos sonhos se repousava junto às camas, aguardando pelas histórias que vinham a seguir, admirando a criatividade daqueles seres mortais. Ela então sonhava, junto daquelas pequenas criaturas esperançosas, aproveitando os incríveis cenários que existiam nos corações deles. E foi em uma destas noites que conheceu ele. Ele sonhou com ela. Sonhou que flutuava por entre as nuvens e tocava a superfície lunar, sentindo a sua pele - ele a havia mantido como um pedaço de rocha, como acreditavam os humanos que ela era - delicadamente e sorrindo, dizendo que era a coisa mais bela que ele já vira. Alguns anos mais tarde, ele finalmente tomou uma decisão: seria astronauta. Poderia então ficar junto de sua amada lua. Mas seus sonhos foram esmagados. Ela podia sentir a dor dele, naquele dia, quando não fora aceito no exame. Ele desistiu. Eram sonhos infantis se quebrando enquanto ela própria se quebrava, escondendo-se dentro da negritude de seu derredor

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GRADUAÇÃO: s !DMINISTRA¥ÎO s !RQUITETURA E 5RBANISMO s "IOMEDICINA s #IÐNCIA DA #OMPUTA¥ÎO s #IÐNCIAS !ERONÉUTICAS s #IÐNCIAS #ONTÉBEIS s $ESIGN .OVO s $ESIGN DE -ODA s $IREITO s %NGENHARIA !ERONÉUTICA s %NGENHARIA !MBIENTAL s %NGENHARIA "IOENERGÏTICA

s %NGENHARIA "IOMÏDICA s %NGENHARIA #IVIL s %NGENHARIA DE #OMPUTA¥ÎO s %NGENHARIA DE 0RODU¥ÎO #IVIL s %NGENHARIA DE 3ISTEMAS s %NGENHARIA %LÏTRICA s %NGENHARIA -ECÊNICA .OVO s %NGENHARIA 1UÓMICA s %STÏTICA s *ORNALISMO s .EGØCIOS )NTERNACIONAIS s 0SICOLOGIA s 0UBLICIDADE E 0ROPAGANDA


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