Revista laboratório do Curso de Jornalismo Ano 7 | Número 10 - Setembro de 2015
Josino Ribeiro vence a chuva e faz sucesso no esporte
Regina Souza fala da sua pluralidade na música
Cosplay: o sonho de ser super-herói na vida real
Renata e Priscilla, mães de Arthur e Theo, obtêm na Justiça a dupla maternidade na certidão de nascimento dos filhos
Laura Aguiar, exaluna de Jornalismo da Fumec, investe em pesquisa na Irlanda Vídeos na Internet que prometem “orgasmo mental” viram febre Mãe de atriz global conta como se adaptou à rotina da filha após a fama
ÍNdicE Josino Ribeiro
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Dupla maternidade
Pág. 09
Muros invisíveis
Pág. 14
Luta antimanicomial
Pág. 17
Virgem juramentada
Pág. 21
Self healing
Pág. 35
Expediente
Academia ao ar livre
Pág. 39
Universidade Fumec
Regina Souza
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Quadrinhos ácidos
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Cosplay
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Crônica
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Presidente da Fundação: Prof. Mateus José Ferreira Reitor: Prof. Dr. Eduardo Martins de Lima Vice-reitora: Profª. Guadalupe Machado Dias Presidente do Cons. de Curadores: Prof. Pedro Arthur Victer Diretor-Geral: Prof. Antônio Marcos Nohmi Diretor de Ensino: Prof. João Batista de M. Filho Coordenador do Jornalismo: Prof. Ismar Madeira
Ponto e Vírgula
Editor: Prof. Aurelio José Silva Editora: Profª. Vanessa Carvalho Coordenação Editorial: Profª. Vanessa Carvalho Coordenação Proj. Gráfico: Prof. Aurelio José Silva Técnico: Luis Filipe P. B. Andrade Técnico: Daniel Washington Martins Revisão de texto: Prof. Dr. Luiz Henrique Barbosa Logomarca: Rômulo Alisson dos Santos Gráfica: Fumarc Tiragem: 2.000 Foto de capa: Lucas Rodrigues
ENSAIO FOTOGRÁFICO
Conselho Editorial
Ricardo Bastos lança seu olhar sobre as várias paisagens do Vale do Jequitinhonha
Prof. Alexandre Salum Profª. Ana Paola M. Amorim Valente Prof. Aurelio José Silva Profª. Dúnya Azevedo Profª. Vanessa Carvalho
Foto: Ricardo Bastos
editoria editorial
Roda Viva Aurélio José Silva Nenhuma sociedade permanece a mesma por muito tempo. Somos feitos de mudanças. Muitos afirmam que estamos em crise, que “o mundo está ao contrário e ninguém reparou. O que está acontecendo?” Talvez estejamos realmente próximos do fim, mas não do planeta e, sim, dos padrões, conceitos e dogmas em vigor até então. Uma grande mudança toma forma e se pronuncia. Já não somos os mesmos e nem vivemos como nossos pais. Nossos ídolos também não são os mesmos e as aparências enganam sim, mas, em muitos casos, não fazem diferença. Seja homem ou mulher, por exemplo, cada um tem o direito de ser, na verdade, o que quiser. Foi uma longa jornada até aqui. Muitos muros foram derrubados. Hoje mães são pais, pais são mães; a namorada tem namorada e o marido tem marido. A mulher é a chefe e o homem, subordinado. “Igualdade” ainda que desigual, mas em busca de uma equidade. A caminhada continua árdua. Ainda há muitas pedras
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para serem removidas. O preconceito racial, a desigualdade financeira, o monopólio, a violência, o individualismo, o ódio, entre outras pedras no meio do caminho. Mas para você, que ama o passado e que não vê: o novo sempre vem... E nesta edição da Ponto e Vírgula, destacamos para nossos leitores a luta de duas mulheres para serem reconhecidas pela Justiça, na Certidão de Nascimento dos filhos, como Mãe e Mãe; a luta contra os crimes de ódio na Internet; a ininterrupta luta antimanicomial; a dura realidade de algumas mulheres albanesas; entre outros temas da nossa metamórfica sociedade... Convido os que têm medo do novo a um ato de bravura, os resistentes às mudanças a uma rendição e os saudosistas dos tempos imemoriais (como os de ferro) a olhar para o futuro – e convido você, caro leitor, a ir contra a corrente e mergulhar na doce metamorfose ambulante que é a vida. Como diz o músico-poeta: “mas eis que chega a roda viva e carrega o destino pra lá...”
entrevista
hiStÓRiaS do “homEm chUVa”
Foto: Ana Júlia Ramos
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Entrevista - josino ribeiro O jornalista Josino Ribeiro, famoso por protagonizar coberturas em dias chuvosos, conta, em entrevista à Revista Ponto e Vírgula, como conduziu seu sonho de infância e alcançou sucesso na cobertura esportiva Por Ana Carolina Angotti, Ana Júlia Ramos, Ana Luiza Lima, Marina Fernandes e Alexandre Cunha Nascido no interior de Minas Gerais, na cidade de Coronel Fabriciano, Josino Ribeiro se formou no Centro Universitário de Barra Mansa (UBM) em 1999, onde deu início a um sonho de infância: ser jornalista. “Eu vi que tinha a ver comigo a questão do jornalismo de ser um ‘fofoqueiro profissional’, de estar envolvido no assunto”. Josino trabalhou em emissoras de rádio e mídias impressas, mas se encontrou mesmo na TV. É fascinado por conversar com as pessoas e se sente totalmente à vontade na frente de uma câmera. Passou pelas editorias de política, economia e polícia, mas sempre foi apaixonado pelo jornalismo esportivo, área em que trabalhou por mais tempo em sua carreira de 20 anos. Após passar por grandes emissoras de TV como Record, Band, TV Alterosa e Rede Globo/SporTV, hoje Josino trabalha como assessor de imprensa de grandes nomes do futebol e realizou outro grande sonho: abrir sua própria empresa de assessoria.
Por que você escolheu o jornalismo? Teve alguma influência nessa decisão? Eu escolhi porque desde bem pequeno, ainda no interior, sabia que tinha tudo a ver comigo. Sempre participei de peças de teatros, sempre gostei de falar em público, de estar presente, sempre fui orador da turma. Eu vi que tinha a ver comigo a questão do jornalismo, de ser um “fofoqueiro profissional”. Sempre
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gostei de política e de esportes. Se vou ganhar dinheiro eu não sei, mas eu gosto disso. Resolvi fazer e não tive dúvidas.
Desde o início do curso, seu objetivo era ser jornalista esportivo ou passaram outras áreas por sua mente? Eu sempre tive interesse em ser jornalista esportivo, sempre gostei de futebol. Mas eu procurei traçar um caminho diferente. Queria conhecer todas as áreas do jornalismo. Comecei na Band na área policial. Isso me deu uma experiência muito grande. Depois, passei pela política e economia, mas sempre fazendo paralelamente o esporte. Quando eu fui contratado para o esporte da TV Globo, em 2007, já me sentia preparado por ter passado por todas as áreas. A parti daí, fiquei só no esporte.
O que você acha do fato de a sua profissão exigir que você faça muitas viagens? Eu acho uma coisa bem bacana. Te dá o privilégio de conhecer outros países e o próprio Brasil. Você conhece outras culturas, outros povos, outros costumes. Isso para mim foi maravilhoso porque saí de uma cidade bem pequenininha do interior. Eu me lembro de quando era ainda bem pequeno e falava: “poxa, será que eu vou poder viajar um dia? Conhecer a capital?” Estive
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aqui, uma vez, quando era criança e fiquei encantado. Fui à Praça Sete e fiquei deslumbrado com tanta gente. Depois, tive o privilégio de conhecer tantos países e quase o Brasil inteiro. O jornalismo esportivo, principalmente, dá mais oportunidades de viagens. Eu pude conhecer tantos lugares, fazer tantos contatos, que dificilmente teria se tivesse escolhido outra profissão.
Como surgiu essa história de “onde tem Josino tem chuva?” Essa história é bem legal. Foi em um jogo em São Paulo, do Campeonato Brasileiro, que fizemos duas, três horas de pré-jogo – que nós chamamos de ‘ao vivo’ – e estava muito frio. Estávamos eu, Milton Leite, Maurício Noriega, Vanessa Riche, que são personalidades do mundo esportivo, e fui para o gramado. Daí, a Vanessa me chamava e, quando começava a falar ao vivo, começava a chover. Aí, quando eu parava de falar, ia para o caminhão de transmissão esperar minha segunda chamada, e a chuva parava. Eu voltava para o gramado e voltava a chover. Milton me chamava do estúdio e chovia, daí ficou esse negócio. O pessoal começou a brincar com essa história: ‘você começa a falar e chove, depois sai e para’ e essa brincadeira toda foi ao vivo e, realmente, na maioria dos lugares que fazia transmissão chovia demais e eu mal conseguia falar. Eu chega-
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entrevista
va na cidade e estava um sol maravilhoso, quando eu ia para o gramado, chuva. Quando fomos para o mundial, eu fiquei 32 dias no Peru acompanhando a Seleção Brasileira e não chovia há muito tempo na cidade – mas, nesses 32 dias que eu estive lá, não parava de chover. Eu queria fazer matérias e elas caíam porque chovia sem parar. O pessoal que trabalhava nos hotéis que nós ficamos com a seleção saía de terno para tomar chuva. Eles ficavam encantados de ver tanta chuva e, a partir disso, virei ‘o homem chuva’. Até mesmo quem não me conhecia dizia ‘olha lá o homem da chuva’.
Sempre acontecem episódios inesperados na profissão de repórter. Já aconteceu algum que transformou o rumo de sua reportagem? Já aconteceram coisas boas e ruins. No jornalismo você tem muito a questão do imediatismo, do improviso de fazer ao vivo. Eu estava fazendo, ao vivo, um jornal de rede nacional na Record, e a editora passou pelo ponto que tinha dado um problema na parte técnica, que não estávamos mais no ar. Então, parei de falar. Só que estávamos ao vivo ainda para todo o Brasil. Para quem estava em casa vendo o jornal, deu a entender que eu estava perdido, que eu me perdi e parei de falar. Só que não foi nada disso.
Na assessoria esportiva, como você lida com um jogador que não se expressa bem? Bom, para mim, o atleta não tem a obrigação de ter a minha formação. Ele tem obrigação de conhecer coisas que rodeiam a vida dele. Não é só pelo fato de ele receber um salário alto que não tem que saber nada da vida, mas, muitos, de fato, sabem muito pouco. Ele não tem que saber
Foto: Ana Júlia Ramos
Josino Ribeiro, assessor de comunicação de grandes nomes do esporte
se expressar como eu, que sou um jornalista formador de opinião. Eu tenho que estudar e saber das coisas que estão acontecendo no mundo. Eu trato com muita naturalidade. Procuro fazer minhas entrevistas
deixando o atleta bem à vontade e no universo dele. Você não pode fazer uma entrevista com um atleta e perguntar a ele sobre política. Ele não vai te informar sobre isso. Ele não é desse meio.
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Entrevista - josino ribeiro Em qual veículo de comunicação você se sente mais à vontade trabalhando? Eu tive o privilégio, em 19 anos de profissão, de fazer rádio, jornal impresso, criei alguns sites para empresas e, nesses anos todos, fiz televisão. Como já disse, sempre me senti muito a vontade diante das câmeras da TV, esse equipamento bonito que, muitas vezes, deixa as pessoas assustadas. Sempre me senti falando não com um equipamento, mas, sim, com pessoas. Estou conversando com pessoas, dando uma informação, criando vínculos, formando opinião. A TV sempre gerou isso. Todo mundo tem um sonho, quer chegar a alguma empresa, algum tipo de veículo de comunicação e, para mim, foi muito natural. A TV me deu tanta coisa, tanto espaço, abriu tantas portas. Então, sempre me identifiquei muito com a televisão. O imediatismo da televisão sempre me encantou.
Você tem um time de futebol de coração? Se sim, isso pode acabar ou já acabou te influenciando em algum de seus trabalhos? Essa pergunta é muito legal porque me dá a oportunidade de dizer para quem está começando – principalmente para quem quer seguir o caminho do jornalismo esportivo: o meu time do coração é a minha empresa. Claro que eu tenho um time, mas eu nunca expressei porque acho que, quando você está nessa área, cria uma ética não expressando ‘o meu time é o time A, o time B’, Cruzeiro, São Paulo, Atlético Mineiro, América, Corinthians. Poxa, não tem mais time. Eu acompanho um time, acompanho outro, cubro vários campeonatos durante tantos anos – como eu vou torcer para o time A sendo que acompanho o time B e seus respectivos jogadores, que
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também circulam por esses clubes? Criar identificação com uma torcida só não é legal para nós e nem para a nossa carreira – não é legal para vocês que estão começando nem para mim, que tenho 20 anos de carreira. Minha política de trabalho sempre foi essa e, para mim, foi o caminho certo porque eu me dei muito bem em todos os clubes por onde eu passei como jornalista e nunca tive um atleta dizendo: ‘você fala isso porque você torce para o time A ou time B’. Então, eu fui sempre muito respeitado. Quando você entra para o caminho do jornalismo, você pega a camisa do seu time, coloca na gaveta e a deixa lá.
Quando você entra para o caminho do jornalismo, você pega a camisa do seu time, coloca na gaveta e a deixa lá Josino Ribeiro Em seu trabalho de assessor, com quais nomes você já trabalhou ou trabalha atualmente? Eu tenho uma empresa de assessoria com atletas profissionais. Hoje, trabalho com grandes nomes do Cruzeiro, do Atlético, da Seleção Brasileira. O Ceará é cliente da minha empresa, o Talmo, o Marquinhos e o Bruno Edgar do Cruzeiro, o Datlo, o Edcarlos. Tem
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atletas na seleção feminina e masculina. E o porquê disso? Pelo fato de esses atletas, que têm nome, um nome a zelar no mundo esportivo, confiarem que o meu nome, da minha empresa, que a marca ‘Josino Ribeiro’ conduzirá a carreira deles de uma maneira positiva. Hoje tenho atletas com 16 anos, em formação, como tenho atletas renomados que foram campeões de tantas coisas e conquistaram tantas coisas, tantos títulos, mas entregaram a carreira em minhas mãos para que eu possa conduzila. É um trabalho muito legal, muito diferente de tantas coisas que eu fiz. Eu preparo essas pessoas no dia a dia para que possam, da maneira deles, dar o recado do que é ser um atleta de sucesso.
Para você, pode existir um conflito de interesses entre a profissão de assessor e de repórter? Não existe porque, hoje, eu não trabalho mais como repórter. Encerrei minha carreira como repórter. Tanto é que eu saí da TV Globo para poder conduzir a minha empresa, exatamente para evitar esse conflito. Meu problema não é se trocou de mulher, o que faz na sua vida pessoal, mas, sim, a questão do atleta em si. Nunca criei um grande vínculo de amizade com nenhum atleta. Não teria como fazer isso tendo uma empresa que cuida da carreira dele, isso é muito complicado. Eu jamais trabalhei assim. Por isso, cortei meu vínculo com a reportagem para conduzir essa empresa. Então, hoje faço isso com naturalidade, com segurança, com firmeza de que eu estou fazendo um trabalho que não tem mais vínculo com outra área. Não sou mais funcionário de nenhuma empresa, pois, realmente, ficaria uma coisa totalmente antiética para mim como profissional
Renata segurando Arthur e Priscilla segurando Theo
Theo e Arthur foram gestados por uma mãe com os óvulos da outra mãe; agentes penitenciárias optaram por fertilização in vitro e obtiveram na Justiça o reconhecimento legal de dupla maternidade POR CLARA BARBI, JACKELINE OLIVEIRA E MARIA CLARA GONÇALVES
Foto: Lucas Rodrigues
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comportamento - Dupla maternidade “No nosso primeiro encontro, eu disse que queria ter filhos e, se ela não quisesse, poderia ir embora”, conta Renata Batista, 33. A agente penitenciária esperava que Priscilla Concer, 33, sua colega de trabalho, se levantasse da mesa do jantar e fosse embora. “Ela me assustou um pouco. Eu já havia pensado em adoção, mas era uma ideia vaga, não era uma vontade forte, até que a Renata veio com essa ideia maluca e eu peguei para mim”, conta Priscilla. O relacionamento que ninguém acreditava no futuro, nem mesmo o casal, em abril deste ano gerou Theo e Arthur. “Muita gente tira essa ideia de família da cabeça quando se vê homossexual. Pensa que é impossível ter uma família. Eu não! Me descobri homossexual com 23 anos e, mesmo depois disso, comecei a pesquisar formas até chegar a inseminação e fertilização.” Todas as clínicas que Rena-
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ta procurou, na época, responderam com um “não” porque o casamento entre pessoas do mesmo sexo ainda não havia sido regulamentado. “Apenas uma clínica em Ribeirão Preto (SP) me deu uma resposta positiva, então, já sabia qual seria o meu caminho, só precisava esperar o tempo.” O sonho de Renata, que foi adiado por quase dez anos, tornou-se possível após seu casamento com Priscilla, em 2013, quando já se encontravam financeiramente estáveis. Escolheram a fertilização in vitro, regulamentada pelo Conselho Regional de Medicina (CRM), em que os óvulos são fecundados por espermatozoides manipulados e os embriões resultantes são implantados no útero materno. “Inicialmente, o plano era eu ficar grávida com os meus óvulos, mas, amadurecendo a ideia em algumas consultas, cheguei para Priscilla e falei da possibilidade de pegar os
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óvulos dela porque, aí, todo mundo estava participando. Eu estaria realizando o meu sonho, seria mãe de todo o jeito e ainda com o bônus de ter filhos parecidos com ela. Escolhemos as características do doador de acordo com as minhas características e, com os óvulos dela, esperávamos filhos parecidos com as duas”, diz Renata. No hospital Sofia Feldman, no dia 22 de Abril, pesando 2,2kg e 1,5kg respectivamente, nasceram Theo e Arthur. Priscilla, que antes de se descobrir homossexual esteve em um relacionamento heterossexual – namorou durante seis anos e estava noiva de um rapaz – desistiu de tudo quando, aos 27 anos, se apaixonou por uma mulher. Apesar das inúmeras dificuldades para se aceitar, viveu esse primeiro relacionamento em silêncio. “ Depois de um tempo, peguei as coisas do meu passado, e puxando na me-
Fotos: Lucas Rodrigues e Aquivo Pessoal
mória minha adolescência, percebi que tinha muita coisa que me dava pistas de que era homossexual, mas não entendia.” Renata se descobriu homossexual aos 23 anos, quando se apaixonou por uma amiga da igreja. Ficaram juntas por quatro anos, escondidas de todos. “Todo homossexual tem a sua história. Não é uma coisa que acontece de um dia para o outro, não é fácil se descobrir nesse meio. Eu sempre fui religiosa, era aquela beatinha de igreja, ficava lá 24 horas. Vivi uma situação em que a minha igreja foi completamente contra. Sofri muito com essa descoberta. Passei por esse processo sozinha, não contei com ninguém. Só podia contar com Deus e foi um período terrível.” Antes do encontro com Priscilla, Renata conta que se apaixonou primeiro pela moto da colega de trabalho e, em seguida, quis saber a quem
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pertencia. “Com uma moto dessas, a pessoa só poderia ser muito interessante”, lembra. E não deu outra, quando se conheceram a química aconteceu. Apesar disso, somente após três anos, o namoro engrenou. Foram mais três anos de namoro até que resolveram se casar. Junto com a decisão do casamento, assumiram-se para as famílias que, até então, as viam como amigas. “Foi um passo muito grande, estávamos com medo de falar e nossas famílias nos rejeitarem, mas, na verdade, o preconceito era nosso. Ainda não tínhamos conseguido lidar com essa situação. Só fomos conversar com nossas famílias quando marcamos o casamento. Já chegamos com o convite em mãos”, conta Renata. Diferentemente do que esperavam, a reação dos familiares foi positiva. “A partir do momento em que nos aceitamos, nossas famílias e a sociedade também nos aceitaram”, afirma.
O desejo inicial era de que já saíssem da maternidade com os documentos registrando a filiação para garantir os plenos direitos sobre os nascituros. Infelizmente o documento de Nascidos Vivos foi registrado apenas no nome de Renata. No dia 28 de maio o Ministério Público do Estado de Minas Gerais deu parecer contrário ao pedido de registro de nascimento com parentalidade afetiva, alegando que é possível que os bebês possam passar por situações vexatórias, bem como constrangimentos, por possuírem dupla maternidade em registro. Porém, no dia 21 de agosto, o Supremo Tribunal Federal foi contra o parecer do Ministério Público de Minas Gerais e julgou procedente a certidão de nascimento ter o nome de ambas figurando como mães dos gêmeos. A juíza Christina Bini Lasmar
Fotos: Lucas Rodrigues e Arquivo Pessoal
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comportamento - Dupla maternidade
Arthur passou uma cirurgia de correcão de esôfago e está em acompanhamento médico
ressaltou que os gêmeos são fruto de uma maternidade planejada e determinou que o(a) Oficial do Registro Civil faça constar na Certidão de Nascimento de Arthur Batista Concer e Theo Batista Concer que Renata Batista do Amaral e Priscilla Kellen Concer são, ambas, mães e os nomes de seus genitores constem, ainda, na condição de avós maternos. O caso foi fundamentado na jurisprudência, ou seja, decisão sobre interpretações das leis feitas por tribunais de uma determinada jurisdição, por não existir lei a respeito. “A lei é muito omissa, ela te permite um direito e te exclui um que é paralelo a ele. Não faz sentido ter todos os direitos civis de casados, mas não po-
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der registrar os filhos dessa forma”, diz Renata. A advogada Zaphia Boroni, 26, responsável pelo caso, diz que apesar da regulamentação do casamento de casais homossexuais, eles não conseguem de livre e espontânea vontade registrar as crianças em nome das duas. Apesar do caráter de urgência no processo, os bebês nasceram antes da sentença final. Neste caso, houve uma solicitação de antecipação de tutela, que é uma forma de se antecipar o mérito da questão.
Polêmica “Não existem duas mães. Mas isso é imoral, é pecado, é doença, é perversão. Isso não é natural”. Esta
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frase foi dita pela personagem Lais, na novela das 21h da Rede Globo, Babilônia, interpretada pela atriz Luisa Arraes, no momento em que descobriu que seu namorado, Rafael, interpretado por Chay Suede, foi criado por duas mulheres. Apesar de aparentar uma realidade distante, esse é um dos medos de Priscilla e Renata, ao exporem seus filhos à sociedade. Em entrevista à revista Ponto e Vírgula, elas comentam os temores presentes em suas vidas ao pensarem, que seus filhos podem sofrer preconceitos devido à orientação sexual do casal. “Nosso casamento tem sido só flores, e tenho até medo disso, porque talvez as nossas pedras vão ser
Fotos: Lucas Rodrigues
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Theo que nasceu com 2,2kg e foi para casa dois dias depois de seu nascimento
na educação dos meninos”, comenta Renata. Com o intuito de criarem as crianças preparando-as para futuras situações que elas poderão passar às mães, já pensam em como vão educar e explicar para os meninos, “eles vão viver no mundo, em uma escola, com coleguinhas, pais e mães de coleguinhas que têm pensamentos diferentes dos nossos, e talvez vão ser essas pedras. Porque nós sofremos com o preconceitos por nossos atos, nossa orientação é uma coisa, agora colocar nossos filhos para viver isso por nossa causa é um peso muito grande. Teremos que ter uma clareza muito grande para passar essas informações para eles, desde sempre vão saber como foram concebidos, e
que acima de tudo foram feitos com muito amor”, comenta Renata. O maior receio não é com os colegas, mas sim com os pais deles. Elas têm medo de que na escola ou em festas os colegas não possam brincar com meninos, devido à estrutura familiar de Theo e Arthur; “as crianças não tem preconceitos, quem tem preconceito são os adultos, que os influenciam”, afirma Renata. As duas explicam que, a partir do momento em que Theo e Arthur conseguirem entender a estrutura familiar em que vivem, vão deixar tudo às claras, dando-lhes suportes e instrumentos para saberem lidar com as situações que irão enfrentar ao longo da vida. Com muito diá-
logo, e sem histórias, as mães pretendem deixar os meninos prontos para enfrentarem a realidade. “No futuro, eles podem despertar o desejo de terem um pai. Vamos ter que saber lidar com isso, informálos que a falta da presença paterna é devido a nossa condição. Mas que o fato de eles não terem um pai não quer dizer que eles são menos amados. Afinal se mãe é a melhor coisa do mundo, eles tem duas”, comenta Renata. “Desde que eles consigam nos entender, vamos falar e explicar tudo a eles, e à medida em que forem crescendo, esses questionamentos que os coleguinhas vão fazer não vão fazer diferença”, comenta Priscilla
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mUROS INVIsÍVEIS
Preconceito é a base das novas barreiras sociais do séc. 21
Karoline Marques ao lado do viner Pedro Lucas, que sofreu preconceito nas redes sociais por ser negro
Por Amanda Magalhães e Clara Barbi A internet parece erguer um muro entre nordestinos e o resto do Brasil, entre negros e brancos, entre homossexuais e heterossexuais etc. A geração tecnológica que deveria ser mais tolerante e aberta às diferenças devido à facilidade de debate e vasta diversidade, ao se esconder atrás de um computador, celular, o que seja, acaba por construir um novo muro de Berlim em pleno século 21. O jovem Gustavo Guimarães, de 19 anos, vítima de homofobia nas redes sociais, reconhece que a internet é
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um meio de comunicação extremamente eficaz, que possui inúmeros benefícios. Mas sabe também do lado perigoso. “Um meio tão abrangente e tão acessível reserva perigos ocultos; o conteúdo publicado pode ser acessado por quase todo o mundo, as informações são compartilhadas em alta escala e, portanto, estamos sujeito ao julgamento de outras pessoas de índole desconhecida”, observa. O estudante de engenharia de produção conta que, certa vez, pos-
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tou uma foto em um grupo do Facebook e recebeu comentários preconceituosos em sua foto. Gustavo foi chamado de “frutinha”, “bixa”, “viado”, além de ser comparado ao cantor Justin Bieber com conotação pejorativa. Gustavo Guimarães disse que, naquela época, aqueles comentários o incomodaram, mas que hoje já não o afetam mais. “Me senti mal naquele dia, percebi que a minha foto estava ali aberta a qualquer julgamento possível, vindo de qualquer pessoa, toda essa exposição acabou
Foto: João Góes Ozanan
muros invisiveis
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sendo prejudicial”, desabafa. Ao criar uma sensação de impunidade, as redes sociais estão registrando cada vez mais casos de preconceito entre internautas. Perfis xenofóbicos, homofóbicos e racistas em diversas redes sociais trazem de volta os discursos de ódio, não em proporções como os de Hitler e dos nazistas nos anos anteriores ao muro, mas de alcance suficiente para mudar vidas. Proibido e punível por lei no Brasil, esses discursos parecem não ter controle eficiente nas redes sociais. “As redes sociais são muito ‘boas’ a partir do momento em que quero me preservar, manter o anonimato, esconder qualquer coisa”, afirma a socióloga Astréia Soares. Daniela Brandão, 20 anos, conta que também foi vítima de homofobia nas redes sociais. Um colega de classe ironizou a orientação sexual da estudante em forma de comentários em uma foto no Facebook, porém, ela diz Daniela foi vítima de homofobia na internet que não se sentiu humilhada uma tentativa de proteger as especi“Quem passou vergonha foi ele, pois todos meus amigos o repri- ficidades do seu povo, as tribos falamiram via comentário. Eu apenas o vam mal uma das outras. E, então, bloqueei e nunca mais lhe dirigi a o preconceito prevaleceu até os dias palavra”, disse. A jovem mostra a atuais. “Geralmente quem precisa sua frustração com essa geração tec- praticar esses atos é uma pessoa innológica: “às vezes, me surpreendo segura, que não está satisfeito com com a atitude de alguns jovens. Es- si mesmo, ou não se sente segura no tamos em uma época muito aberta meio em que vive”, afirma. Evaristo à informação, à história. É só olhar Tostes diz ainda não entender o popara o presente, ou para o passado, der das redes sociais na vida de uma para ver quantas pessoas morreram pessoa. “Ainda não temos noção da ou sofreram com esse tipo de opi- abrangência das mídias sociais e do nião que condena por julgamentos nível de sua influência. Dependendo da dimensão que isso tomar e da safalhos”. O psiquiatra Evaristo Tostes con- tisfação da pessoa com ela mesma, o ta que o preconceito vem desde as preconceito pode levá-la a um sofritribos de nossos antepassados. Em mento enorme”, observa.
Foto: João Góes Ozanan e Clara Barbi
O jovem Pedro Lucas Silva, de 22 anos, é conhecido na internet por fazer vídeos rápidos em uma rede social chamada “Vine”. Ele conta que, certa vez, tirou foto com algumas meninas, que num primeiro momento se mostraram resistentes por ele ser negro, mas que, depois, quando postaram as fotos em suas próprias redes sociais, receberam comentários preconceituosos como: “você tira foto com qualquer um? Depois é roubada e não sabe o porquê”. Pedro Lucas diz que esse tipo de coisa não o afeta mais, como um dia já afetou. “Tenho personalidade forte e sei dos meus direitos. Mas me preocupo com as pessoas que são como eu e não têm como se defender”, afirma. “O que vemos, além do preconceito, é o descaso com o outro. Não é um preconceito com todos, o problema é o outro (...) Por exemplo, quando falam do negro, eles falam dos outros negros, não daquele que é meu amigo porque aquele é legal. O problema está no outro”, afirma Astréia Soares. Para ela, o problema vai além do preconceito, pois é também uma crise na percepção da convivência com o outro – que não deixa de ser o fundamento da vida em sociedade. “Essa geração deveria ser mais aberta por ser uma geração mais exposta às diversidades. Mas o preconceito em si não é uma coisa de geração, essa explosão que nós estamos vendo é uma coisa do momento, as pessoas se sentem mais à vontade para exporem seus preconceitos com o advento da internet e das redes sociais”, afirma.
“Discurso de amor”
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comportamento - muros invisiveis Essas contas, entre outras, criam uma rede de pessoas capazes de disseminar o amor, as diferenças e combater o ódio. Espera-se que possam inspirar muitos outros e que, aos poucos, esse pensamento mude e o “muro de Berlim brasileiro” caia.
O vexame das eleições
Phellipe Wanderley espalha mensagens de motivação pela internet
A letra da música “Quem Planta o Preconceito”, da banda de reggae Natiruts, deixa claro a influência da sociedade preconceituosa em que vivemos na formação do indivíduo: “Crianças não nascem más, crianças não nascem racistas. Crianças não nascem más, aprendem o que a gente ensina.” No Twitter, os perfis que insistem em disseminar o preconceito são combatidos por pessoas que usam as suas contas para expor os preconceituosos, com o intuito de gerar constrangimento ao discurso de ódio. Exemplo dessa ação são os perfis “Não Sou Homofóbico” (@naosouhomofobico) e “Não Sou Racista”(@naosouracista). Essas contas fazem uma crítica àqueles
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que falam, por exemplo, “Não sou racista/homofóbico, até tenho amigos que são.” Já o jovem Phellipe Wanderley criou uma conta no Instagram chamada Coisas Boas Acontecem (@coisasboasacontecem) e a utiliza para espalhar mensagens motivadoras do dia a dia. A descrição de seu perfil é: “Deixe a vida mais positiva e fuja dessa negatividade que esbarramos todos os dias na internet. Dê um regram e espalhe amor!”. Phillipe teve uma de suas imagens espalhada por todas as partes do país, após às eleições, que dizia “O nordeste é lindo, o seu ódio não”. Além disso, o jovem ajuda a disseminar as mensagens no seu perfil pessoal e em seu Facebook.
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Nas eleições de 2014, os nordestinos e nortistas foram novamente alvo de depreciações nas redes sociais. Os discursos retomavam uma discussão antiga no país, eles faziam referência ao interesse de alguns em separar as duas regiões do resto do país. Esse preconceito, no entanto, não é recente. Uma das músicas interpretadas por Elba Ramalho, em 1984, já mostrava esse preconceito: “Já que existe esse conceito, que o nordeste é ruim, seco e ingrato. Já que existe a separação de fato, é preciso torná-la de direito”. O que a cantora escreveu na canção “Nordeste Independente”, há 30 anos, mostra a dificuldade de evolução do pensamento brasileiro. As agressões contra as regiões, dessa vez, se deram devido à quantidade de votos recebidos pela reeleita Presidente Dilma sobre seu opositor Aécio Neves, na região nordeste, e pelo atraso na contagem de votos causada pela diferença de fuso horário em alguns estados do norte. Discursos xenofóbicos causaram grandes discussões na internet. O questionamento gira em torno de até onde vai a liberdade de expressão de cada um e o poder das redes sociais nesses casos de preconceito. Apesar das constantes publicações que atingem os nordestinos e nortistas desde as eleições de 2010, diversas campanhas de valorização das regiões começaram a aparecer, para combater esse preconceito. E então, aparecem pessoas com seus “discursos de amor” que nos fazem acreditar na mudança da geração
Foto: Divulgação/Instagram
sociedade
Integrantes da Associação de Trabalho e Produção Solidária - Suricato
A luta antimanicomial que acontece há 28 anos acende o alerta de como as pessoas que sofrem distúrbio mental devem ser tratadas adequadamente, diferente da maneira dos manicômios Por Marcella Souza, Renata Andrade e Samara Reis Fotos: Renata Andrade
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sociedade - maluco beleza Os manicômios, termo utilizado para denominar os lugares que recolhem os doentes mentais para o tratamento sistematizado, onde ficavam enclausurados em condições desumanas e sem nenhuma tentativa de reinserção social começaram suas atividades no início do século XIX. Mas já havia há internação de loucos em hospícios, asilos, casas, desde pelo menos o século VII. Com o passar do tempo houve uma mudança na sociedade que era necessária e já vem ocorrendo há algum tempo. Apesar das mudanças já vistas, como o tratamento aberto, o professor de psicologia Jacques Akerman reforça que ainda tem uma representação hegemônica de que a loucura é algo terrível e que este estigma é próprio da cultura vivida. A Luta Antimanicomial surgiu em 1987 no encontro de Trabalhadores da Saúde Mental, em Bauru, e tinha como lema “por uma sociedade sem manicômios”. Havia uma resistência nacional, o movimento buscou trabalhar a questão primeira nos Estados do Brasil. Minas Gerais foi um dos Estados pioneiros a aprovar uma lei antimanicomial. O movimento cresceu em outros estados e foi aprovada uma lei federal contra o tratamento manicomial. O movimento acontece anualmente no dia 18 de maio, que é o dia internacional da ação antimanicomial. Dia 18 de maio de 2015, em Belo Horizonte, houve um protesto em prol da luta e trazia o tema, “Para que nunca se esqueça, para que nunca mais aconteça”. O movimento luta pelo direito dessas pessoas viverem em sociedade, sem que sejam isoladas, vencendo assim o preconceito que sofrem. Propõe também inovações no tratamento do cidadão com transtornos mentais, ou seja, tratamentos abertos, auxiliando contra a exclusão do louco e da loucura. De acordo Rafael Júnior de Castro, estudante do 9° período psicolo-
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gia da Universidade FUMEC, é fundamental, a diferença de ordem de tratamento humano. “Os manicômios eram uma reclusão, as pessoas ficavam lá para serem domesticadas, para serem excluídas. Já a assistência aberta, os doentes mentais têm a oportunidade de ter certa autonomia, inclusive espaço físico, essa proposta é para que elas possam circular nos espaços”, comenta. Para o aluno Felipe Duarte, estudante do 8º período de psicologia da Universidade FUMEC, 29 anos,
“A gente participa de todas as reuniões da casa durante a semana, são reuniões de colegiado, como aqui é um coletivo ninguém toma decisão” Diz Valter o que acontcia nos manicômios era totalmente desumano, os doentes mentais eram tratados como animais, não tinham cuidado com eles, além de não haver tentativa de reinserção social. Ele acredita que as pessoas ficam perturbadas nos manicômios. “O indivíduo passa a morar em um local desprovido de vinculo social, então imagino que seja meio psicótico o processo do tratamento”, observa. Com o intuito de reinserir os “loucos” na sociedade surgem alguns núcleos, tais como: os Centros de Referência em Saúde Mental (CERSAM’s), o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e o Centro de
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Convivência. As instituições devem buscar um modo efetivo de reinserir essas pessoas nas relações sociais da sociedade. Os defensores do fim do manicômio como Gisele Amorim, Gerente do Centro de Convivência da zona Oeste, afirmam que manicômios são campo de concentração. “Aquilo não é tratamento, aquilo é punição, o sujeito não precisa ser punido por ter um sofrimento psíquico”, diz Gisele. Já Tereza dos Santos, que trabalhou no ambulatório como psicóloga e depois como chefe de serviço do Hospital Galba Veloso, acredita que cada caso deve ser analisado. “Depende do caso. Há alguns casos, a internação faz-se necessária para a segurança do paciente e de outros que o rodeiam. Porém pensar no tratamento ambulatorial é um objetivo que devemos sempre perseguir”, pontua. Uma questão importante e que também é uma barreira a ser vencida, é a participação da família nos tratamentos. Muitas têm medo, vergonha de reinserir o louco na sociedade, pois esse é associado como perigoso, incapaz, improdutivo. Sem saber como lidar com a situação alguns familiares deixam de visitar os internados, perdendo o contato e dificultando o tratamento, uma vez que a família é essencial nesse processo. Se a família aceita o doente mental, será mais fácil para o mesmo se aceitar, buscando assim levar uma vida normal, comenta Gisele Amorim. É comum que estudantes psicóticos, quando vão escolher a profissão se interessem pela comunicação. Essa escolha se dá devido aos alunos acreditarem que o curso de comunicação ira ensiná-los a como se comunicar com o próximo, diz Jacques Akerman. Percebe-se que a transição dos manicômios para os tratamentos abertos proporcionou aos frequen-
maluco beleza tadores dos Centros de Convivência resultados positivos nos tratamentos fazendo com que fossem inseridos no mercado de trabalho. Um exemplo disso é a Associação de Trabalho e Produção Solidária, Suricato, que está na ativa há 10 anos. O Suricato trabalha com qualificação técnica e conceitual com verba cedida pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador e também com recursos do Ministério do trabalho. A associação é formada, em grande parte, por pessoas portadoras de sofrimento mental, segue a política de trabalho de inclusão social e dá às pessoas a oportunidade de trabalhar em quatro núcleos: culinária, marcenaria, mosaico e artesanato. Para comemorar esses 10 anos, a Associação fundou há 1 ano o Centro Cultural, localizado no Bairro Floresta, Rua Souza Bastos, 175. O Centro Cultural é uma casa que funciona como demonstração e que foi decorada com objetos produzidos pelos doentes mentais e todos os objetos expostos estão a venda. Nele pode-se encontrar também uma loja, com produtos confeccionados pelos 42 integrantes dos núcleos, com idade entre 21 e 80 anos. Segundo Marta Soares, gerente do Centro de Convivência São Paulo e terapeuta ocupacional, todos os objetos e produtos presentes na casa são resultado de muita vontade de acertar, de superar mitos da incapacidade produtiva e da periculosidade, mostrando que não são como esses exageros vistos por aí. A identidade da casa é a alegria, a alegria de estar aqui trabalhando e a espontaneidade que é uma marca da Suricato. O atendimento é diferente os trabalhadores do Centro Cultural recebem as pessoas com um sorissão aberto e as tratam de uma forma diferente, o que encanta todo mundo que frequenta a casa. Os núcleos de serviço e aprendizagem não funcionam no mesmo local que o Centro Cultural. OS quatro
núcleos ficam espalhados pela cidade, que mandam seus produtos de acordo com a demanda. O núcleo de costura conta com uma barraca na feira da Av. Bernardo Monteiro e até pouco tempo atrás também possuía uma barraca na Feira Hippie onde comercializavam produtos da área da marcenaria e do mosaico. A Suricato não distribui as tarefas de modo em que fique centralizadas só em uma pessoa, através de reuniões, através de combinados busca estar sempre dando suporte um ao outro. “A gente participa de todas as reuniões da casa durante a semana, são reuniões de colegiado, como aqui é um coletivo ninguém toma decisão”, diz Valter, produtor do grupo de mosaico, garçom no Centro Cultural e integrante da comissão de comunicação da Associação. Muito dos integrantes da Suricato fazem parte da rede de tratamento mental. Uma das premissas da Associação é estar em tratamento, porque não adianta a pessoa se enquadrar no quesito de trabalhador da Suricato, mas não fazer o tratamento. O tratamento é feito com psiquiatras e
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psicólogos nos Centros de Referência, no Centro de Convivência. A rede de saúde mental de Belo Horizonte hoje é a mais avançada do país é modelo para o pai inteiro, porque possuí essa estrutura de atendimento em liberdade, fora dos manicômios, a nossa luta é antimanicomial. A Suricato é pioneira no Brasil. A Associação recebe visitas de várias pessoas de outros estados do Brasil querendo adotar esse modelo, e do exterior também, porque a gente trabalha nos moldes das cooperativas italianas. A Associação é uma empresa social, e a missão é fazer com que as pessoas que tem distúrbio mental achem no trabalho o que dá prazer, fazendo com os loucos sejam levados de volta para a sociedade através do trabalho. É um trabalho de inclusão social. “Eu gosto daqui, convivo bem com os clientes, com os meus amigos que trabalham aqui, é muito bom”, comenta Alan Albuquerque, 35 anos, garçom e produtor do núcleo de mosaico.
Objetos produzidos pelos doentes mentais e que estão a venda
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sociedade - maluco beleza Loucura na Liberdade Os alunos do curso de psicologia da FUMEC se reuniram no espaço de convivência do prédio FCH duas horas antes de partirem rumo a Praça da Liberdade com o intuito de participarem da passeata da luta antimanicomial. Organizaram uma oficina onde montaram diversos cartazes com frases como “a liberdade é o melhor remédio” e “trancar não é tratar”, decoraram camisas que foram confeccionadas exclusiva-
mente para a Luta Antimanicomial e se enfeitaram com tintas, maquiagens, brinquedos, e outras coisas. O diretório acadêmico do curso também foi todo modificado, com o sofá virado, várias coisas jogadas pelo chão e pouco espaço livre, com a intenção de parecer completamente bagunçado (remetendo ao estado dos quartos de um manicômio). Já na chegada a Praça da Liberdade foi observado um grande movimento. Grupos de diversos centros de convivência estavam reunidos, e
Manifestantes da Luta Antimanicomial
Curiosidade O nome surgiu de um usuário do Centro de Convivência Pampulha, ele sugeriu o nome Suricato pela forma como que esses animais se organizam. Eles sobrevivem a intempéries das Savanas Africanas no sistema de cooperativa, então os mais novos tem respeito com os mais velhos, tem sempre um guarda de prontidão para alertar contra predadores. Eles sozinhos não sobrevivem, só sobrevivem graças a esse sistema de cooperativismo.
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havia tanto os trabalhadores dos centros quanto pacientes. Cada centro trajava roupas diferentes, todas muito trabalhadas, cheias de cores, papéis, desenhos e faixas. Também havia um trio elétrico onde tocava um samba enredo feito exclusivamente para o movimento e que mais tarde desceria com as pessoas rumo a Praça da Estação em um grande desfile. O movimento deste ano foi uma homenagem à Franco Basaglia, psiquiatra italiano, que veio ao Brasil e visitou Minas Gerais
Camisa do professor de psicologia da FUMEC
Internacional
Virgem Juramentada Também chamadas burrneshas ou virgjineshas, mulheres fazem votos de castidade e se vestem como homens para burlar normas e leis machistas na Albânia Por Janaína Barcelos As virgens juramentadas são mulheres que assumem um voto de castidade e passam a usar roupas masculinas para viverem como homens na patriarcal sociedade albanesa do norte. A origem da tradição das virgens juramentadas foi no Código de Lekë Dukagjini, ou simplesmente o Kanun, um conjunto de normas e leis utilizadas principalmente no norte da Albânia e do Kosovo, a partir do século 15. O Kanun dita que as famílias devem ser patrilineares (significando que a riqueza ou herança é herdada por meio de homens de uma família) e patrilocais (após o casamento, uma mulher se muda para a casa da família de seu marido). A partir daí, as mulheres são tratadas como propriedade da família. Elas são privadas de muitos direitos humanos. Não podem fumar, usar um relógio, ou votar em suas eleições locais. Não podem comprar terras e há muitos postos de trabalho em que não estão autorizadas a atuar. A mulher torna-se uma virgem juramentada por meio de um juramento irrevogável, na frente de 12 anciãos. A partir daí, ela deve praticar o celibato. Então, ela tem permissão para viver como um homem. Será autorizada a vestir roupas do sexo masculino, usar um nome masculino, carregar uma arma e freqüentar lugares que só são permitidos para os homens.
Fotos: Janaina Barcelos
Os motivos são variados. Pode ser para não se separar dos pais, para evitar o casamento forçado, para se manter dentro de casa,viver e trabalhar com a família e, algumas mulheres, por se sentirem mais masculinas do que femininas. Zoia Kola, a primeira taxista da Albânia, tem 65 anos e trabalha com o táxi desde os 21 anos. Zoia conta que decidiu tornar-se o homem da casa muito nova, pois tinha sete irmãs e ela era estéril. “Me tornar homem foi a única forma que encontrei de sustentar minha mãe e minhas irmãs. Viver como homem me permitiu ter a liberdade negada se seguisse como mulher. Assim, podia trabalhar com meu táxi e ainda porto uma arma comigo”. Segundo Zoia, a vida na
Albania é muito cansativa e difícil. Trabalhar não dá muito dinheiro, mas é o que se pode fazer. A Albânia é um país muito pobre, com um padrão de vida considerado mais baixo e atrasado em relação a outros países do continente europeu. Atualmente, existem virgens juramentadas na Albânia e ainda há prática no norte do país. Acreditava-se que essa tradição teria acabado depois de 50 anos de comunismo na Albânia, mas, pesquisas recentes sugerem que pode não ser o caso, uma vez que muitos homens têm morrido pela vingança de sangue, que tem aumentado após o colapso do regime comunista (1992), o que poderia incentivar o ressurgimento da prática do juramento
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INTERNACIONAL - VIRGEM JURAMENTADA
“Me tornar homem foi a única forma que encontrei de sustentar minha mãe e minhas irmãs” Zoia Kola, 65, taxista
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entrevista
Do jornalismo para a vida acadêmica Ex-aluna da Fumec, Laura Aguiar, pesquisadora da University College Cork (Irlanda), fala sobre a experiência da edição colaborativa que foi objeto de seu doutorado na Universidade de Belfast Por Janderson Silva
Laura Aguiar, diretora do documentário “Nós estivemos lá”
Fotos: Thaís Costa
Laura Santos Lopes de Aguiar (profissionalmente Laura Aguiar), 29 anos, natural de Belo Horizonte. Cidade atual: Cork, Irlanda. Ex-aluna do curso de Jornalismo da FUMEC, ela hoje ocupa o cargo de gerente de comunicação e pós-doutoranda no centro de pesquisa The Keynes Centre, que oferece programas de desenvolvimento pessoal e profissional integrados a executivos seniors e aspirantes na University College Cork, Irlanda. Em maio deste ano Laura esteve na FUMEC para uma palestra sobre o documentário “We Were There: The women of the Maze and Long Kesh prison” (“Nós estivemos lá: as mulheres da prisão de Maze and Long Kesh”), que apresenta experiências únicas de mulheres nas prisões de Maze e Long Kesh, durante o conflito na Irlanda do Norte. Na ocasião, Laura falou como foi sua experiência de trabalhar no documentário. De volta à Irlanda, em uma conversa por e-mail com nossa equipe
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entrevista - laura aguiar da Ponto e Vírgula, ela contou sobre suas experiências profissionais, da importância da FUMEC em sua formação, dos caminhos que trilhou até chegar onde está hoje e ainda deu dicas para alunos que, assim como ela, querem partir mundo afora. Confira
Como foi saltar da FUMEC para o mundo? Muito antes de começar meu curso de Jornalismo na FUMEC, já sabia que o Brasil era pequeno demais para mim. Tive o privilégio (e sorte) de morar na Irlanda aos 15 anos e depois novamente aos 20, quando tranquei o curso por seis meses. Durante o curso fiz bons estágios que expandiram meus horizontes em diversas áreas da comunicação, por exemplo, em design gráfico, em jornalismo e em marketing. Ao mesmo tempo trabalhava como professora de inglês para conseguir me manter e não ficar muito pesado para meus pais, que, graças a Deus, puderam me ajudar nas finanças.
Quais caminhos você percorreu? Quando terminei o curso já sabia que queria construir uma vida fora do país, invés de me inscrever em programas de trainee ou estágios em grandes empresas. Procurei bolsas de estudo no exterior e juntei dinheiro - nem participei da minha formatura! Não achei nenhuma, mas descobri que naquela época o mestrado era gratuito para não-Europeus na Suécia. A lei mudou em 2011 e, infelizmente, hoje em dia somente é gratuito para cidadãos europeus. Na Suécia fiz o mestrado em Mídia e Comunicação pela Universidade de Estocolmo e foi uma experiência incrível. O mestrado era todo em inglês, mas o governo de lá oferece
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curso gratuito de sueco, então pude aprender uma nova língua. Além disso, conheci pessoas do mundo inteiro e aprimorei meus conhecíamos na área de mídia e comunicação.
Você encontrou alguma dificuldade em todo esse processo? A maior dificuldade lá com certeza foi arrumar emprego e me sustentar, já que para qualquer emprego, mesmo os chamados sub-empregos, precisa-se ter sueco fluente. Isso mesmo: fluente! Mas eu tive muita sorte de conhecer pessoas certas na hora certa! Comecei como babá de uma família irlandesa, dei aula de inglês em uma pré-escolinha internacional e depois de 1 ano consegui um emprego como gerente de conteúdo online na Kit Digital, cujos clientes incluía a agência de notícias Associated Press e o canal americano ABC. Eu lembro que nos últimos seis meses lá, enquanto escrevia a minha tese de mestrado, cheguei a trabalhar nesses três lugares ao mesmo tempo! Não sei como eu dei conta!
Muito antes de começar meu curso de Jornalismo na FUMEC já sabia que o Brasil era pequeno demais para mim Laura Aguiar A formação acadêmica em jornalismo te ajudou de alguma maneira? Com certeza a formação jornalística e os estágios que fiz me ajuda-
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ram muito a conseguir esse emprego na Kit Digital. E os três anos como professora de inglês também foram fundamentais para os dois outros empregos. Quando meu mestrado acabou, minhas opções para continuar na Europa eram: fazer um doutorado, casar com um Europeu, ou achar uma empresa que queria muito, mas muito, contratar uma funcionária não-europeia (as leis da União Europeia dificultam a emissão de visto de trabalho: é um processo longo, chato e caro e muito dificilmente empresas querem passar por isso quando se tem a opção de contratar um europeu que faz tudo o que você faz). Resolvi correr atrás da primeira opção: o doutorado. Nunca sonhei com a área acadêmica, mas sempre gostei de dar aula, de estudar, pesquisar e escrever. Muito mais do que trabalhar numa redação de um jornal ou como repórter de TV. Mas foi durante a minha procura por uma bolsa de doutorado que comecei a pensar seriamente em seguir carreira acadêmica. Enfim, entre uma pesquisa no Google e outra, acabei achando uma bolsa na Irlanda do Norte para trabalhar em um projeto fantástico chamado Prisons Memory Archive, na Queens University Belfast e felizmente fui selecionada depois de um longo processo seletivo. O meu doutorado em Cinema foi o que eles chamam de “doutorado prático”, que significa que, em vez de examinar o trabalho de alguém, eu tinha de fazer um filme com o material desse projeto e fazer uma autocrítica do processo inteiro. Eu fiz o filme “Nós Estivemos Lá” sobre as experiências das mulheres no mundo masculino da prisão Maze and Long Kesh durante o conflito na Irlanda do Norte (mais informações: prisonsmemoryarchive.com). Esse doutorado foi uma experiência maravilhosa, tanto pessoal quan-
Fotos: Thaís Costa
laura aguiar to professional. Aprendi muito a ser mais tolerante e entender os outros, incluindo os que chamamos às vezes de “terroristas”. Aprendi também muito sobre o legado do conflito na Irlanda do Norte e vi que ainda está longe de ser resolvido. Aprendi muito também sobre feminismo, algo que antes eu passava longe. Hoje me considero feminista e vejo a necessidade de falarmos mais e mais sobre mulheres, mas também sobre outras minorias. Por fim, esse doutorado me fez questionar muito o papel do jornalista e o nosso papel na entrevista. Também sobre o tanto que a sensibilidade e a transparência são necessárias e tanto que elas são esquecidas no corre-corre das redações. Meu PhD foi sobre práticas colaborativas de edição e exibição, ou seja, as entrevistadas todas se envolveram na edição do filme (escolheram partes das entrevistas delas, deram ideias para os textos, imagens e trilha sonora) e têm participado das exibições (o filme tem sido exibido com discussões depois). E um dos meus argumentos é que práticas colaborativas demandam muito mais tempo e recurso, mas são totalmente necessárias quando trabalhamos com histórias de outras pessoas. Além disso, tive a chance de dar aula no exterior também: na Queens University Belfast fui professora assistente nos cursos Teoria do Cinema e Cinema Documentário e lecionei como docente convidada em universidades na Suécia, Canadá, Inglaterra e Irlanda. E em maio no Brasil também, o que foi maravilhoso! Hoje, Graças a Deus, tenho uma carreira consolidada aqui na Irlanda. Consegui um emprego na Universidade de Cork logo quando terminei o doutorado e estou muito relizada profissional e pessoalmente. A minha experiência profissional e acadêmica tanto no Brasil quanto no exterior ajudou muito, mas também o fato
Fotos: Thaís Costa
entrevista
de em 2012 ter conseguido obter cidadania italiana por parte da minha mãe. Isso com certeza abre muitas portas aqui.
sabe não dá certo? O importante é tentar e se nada der certo, aí vai pro plano B. Mas pra que ir direto para o plano B sem nem tentar?
No que a FUMEC contribuiu para isso?
Como você vê a profissão de jornalista fora do contexto brasileiro?
Os excelentes professores que tive na FUMEC contribuíram 100% para a minha carreira. Naquela época o curso era dividido em dois anos de teoria e dois anos de prática. Isso contribuiu muito para o desenvolvimento de um senso crítico e olhar sensível antes de colocar “a mão na massa”.
Trilhar caminhos diferentes do convencional é muito difícil, mas é muito gratificante Laura Aguiar Quais dicas você poderia dar para alunos que querem trilhar caminhos diferentes do convencional? Trilhar caminhos diferentes do convencional é mais difícil, mas é muito gratificante. Acho que se você correr atrás você consegue sim o que você quer. Em uma das minhas aulas no Brasil, em maio, para uma turma de alunos do terceiro ano, um dos meninos me disse que ele queria trabalhar em Holywood quando crescer, como produtor ou diretor de cinema.A minha resposta foi: “Por que não? Vai ser difícil demais, mas não é impossível! Pega firme no inglês, junta uma grana, procura bolsas de estudo, estágios etc., quem
Eu não sei muito porque já faz uns bons anos que eu estou na área acadêmica, mas pelo o que eu observei, as redações estão ficando cada vez mais enxutas e os salários são um pouco mais justos. Uma coisa que eu vejo aqui e que vejo pouco no Brasil é que os jornais daqui - daqui digo Reino Unido - estão explorando bem a tecnologia digital para contar histórias. O The Guardian, por exemplo, tem feito excelentes documentários interativos, incluindo Firestorm (drama de uma família durante um incêndio na Tasmánia) e um sobre os 100 anos da Primeira Guerra Mundial - este último está disponível até em espanhol! Gostaria de ver uma evolução dessa área no Brasil também, quem sabe não ajudaria a dar uma esperança nas redações daí?
Quais as oportunidades que outros países oferecem a estudantes brasileiros? Tem muita oportunidade para estudantes brasileiros, o problema é que muita gente tem preguiça de procurá-las e investe pouco na fluência do idioma estrangeiro! Sempre me perguntam como eu “consegui” fazer mestrado e doutorado no exterior e eu sempre digo que foi graças ao Google. Hoje em dia tem muitos mais sites com dicas para quem quer morar fora do que quando eu saí do Brasil, há anos. Acho que a Noruega, Finlândia e Islândia ainda oferecem mestrado gratuito para não europeus e em inglês
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Nos Caminhos do sertão Por Ricardo Bastos Chego bem cedo na cidade de Itinga, desço no ponto do ônibus na beira do asfalto. Pergunto ao motorista onde fica a cidade, ele aponta a direção e diz que fica logo abaixo. Curioso, caminho na manhã serena, busco um lugar para ficar. A cidade, pacata nas primeiras horas do dia, reserva uma infinidade de atividades. Saio em busca da melhor foto que possa representar tudo aquilo que eu iria viver, nesses dois dias, encravado no sertão das Minas Gerais. A paisagem seca do Vale do Jequitinhonha enaltece meu olhar e contrasta com meu estado de ansiedade. Logo que encontro uma pousada, começo a planejar meu dia, conversando com algumas pessoas que se encontram no salão do café da manhã. Fotografar em preto e branco resulta em um ensaio mais realístico, que nos remete a um tempo em que a produção de imagens era mais elaborada e ficava registrada por mais tempo em nossa lembrança. Seu Antero, sertanejo com seus 103 anos de idade, me olha com uma carinha de curiosidade. Apesar da idade, ele ainda trabalha com um entusiasmo frenético de um senhor que viveu toda vida nos sertões de Minas Gerais. Seu Antero observava meus movimentos enquanto fotografava um sujeito carregando toras de árvores, seguido por sua cadelinha; a cena me lembrava “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, no momento em que a obra descreve o convívio entre Juliano e sua cadela Baleia. Começo a entender o quanto essa gente sofre com a seca, as expressões em sua face me intrigam. Seu Antero se aproxima curioso e não tira os olhos de minha câmera analógica, Nikon FM2. Brinco com o senhor, dizendo que ele e a fotografia tem pouco mais que um século de vida
Os caminhos apresentam uma areia branquinha, bem fina. Percebem-se pegadas de gente, animais e pneus. Os caminhos ajudam o vai e vem de uma população, que sofre com clima seco, rumo aos seus destinos no mundão
Fotografar em preto e branco resulta em um ensaio mais realístico, que nos remete a um tempo em que a produção de imagens era mais elaborada e ficava registrada por mais tempo em nossa lembrança
Os animais foram ao poucos sendo substituídos pelas motos, é raro ver pessoas caminhando. Já não é o mesmo sertão. A modernidade da vida cotidiana chegou para ficar
Dois dias na estrada para registrar cenas típicas no sertão do Vale de Jequitinhonha, na esperança de conseguir fotografar o maior número de pessoas que cruzassem meu caminho nas diversas formas de locomoção
Na estrada, escondo atrás de galhos secos à espera de mais um personagem e avisto, de longe, um cão magro e sedento que se aproxima; rapidamente, começo a registrar o momento único
Sentado à beira da estrada, avisto um ônibus escolar; pensei que seria um meio de locomoção de estudantes, mas, pelas manhãs, ele é usado para levar as crianças para escola e, à tarde, é um transporte para todos
De repente, surge um homem pedalando sua bicicleta, desconfiado pela minha presença, agachado no barranco. Curioso, chega mais perto e abre o sorriso. Imagino que, em sua total inocência, não esperava por um fotógrafo
Formas e contrastes compõem o rico cenário que, registrado em preto e branco, ressalta a simplicidade e ingenuidade dos costumes, a tranquilidade e riqueza do contato com a natureza e os hábitos locais
O calor continuava intenso e impiedoso. O sol não dava trégua. Seguia meus personagens aonde eles estivessem indo, tudo faz parte do ambiente da caatinga, árvores curtas, espinhosas e uma luz intensa fere o céu do sertão
O momento exato de clicar só depende de minha experiência: calculo a abertura do diafragma, a velocidade do obturador, que são fundamentais para definir o campo de profundidade
Troncos retorcidos e cascas ressecadas pelo sol escaldante criam uma textura Ăşnica no cenĂĄrio sertanejo; s seca do Vale do Jequitinhonha enaltece meu olhar e se contrasta com meu estado de ansiedade
comportamento
Mental Vídeos que prometem provocar sensação de relaxamento viralizam na internet Por Ruan Nataniel e Marcella Teles
Gentle Whispering é um dos canais mais famosos do YouTube destinado ao ASMR
C
alma... Não é nada disso que você provavelmente está pensando. ASMR (sigla em inglês para Resposta Sensorial Autônoma do Meridiano), ou simplesmente “orgasmo mental” é o termo pelo
qual ficou conhecida uma agradável sensação de formigamento provocada por uma série de vídeos que podem ser encontrados na internet. Vídeos que prometem despertar diferentes sensações em quem os vê. Mas o que é essa tal Resposta Autô-
Fotos: Ruan Nataniel e Marcella Teles
noma do Meridiano? Autonomous Sensory Meridian Response soa como um termo científico, mas não há nenhuma ciência por trás disso. Trata-se de um fenômeno biológico que tem como principal característica uma sensação
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comportamento - orgasmo mental de formigamento, causada por uma série de estímulos visuais e auditivos que podem ser sentidos em diversas partes do corpo, como couro cabeludo, nuca, cabeça e outras extremidades. Mas vale lembrar que nem todos estão sujeitos a tais reações. É algo subjetivo. De acordo com a neurologista do Hospital Vera Cruz Helga Sartori, ainda não é possível explicar exatamente do que se trata a ASMR. A expressão não tem cunho científico e a medicina ainda não encontrou uma resposta exata para esses tais “fenômenos mentais”. Ela admite que esse campo seja pouco explorado. “Não posso afirmar que tais vídeos tenham base científica. Essa área é pouquíssima explorada pela ciência e não há uma base neurobiológica por trás disso. Não existe uma explicação neurológica suficientemente capaz de nos dizer qual é o mecanismo por trás dessas reações cognitivas.” A busca por essa curiosa e diferente sensação já ultrapassa mais de oito milhões de resultados no site de pesquisa Google (https://goo.gl/ tzu5FH). No YouTube, diversos canais destinados ao ASMR podem ser facilmente encontrados. O mais famoso deles, o Gentle Whispering, ultrapassa a marca de 420 mil inscritos e a bagatela de mais de 120 milhões de views. A fórmula “mágica” desses vídeos parece estar nos toques suaves em objetos, movimentos leves, ruídos e sussurros quase hipnóticos próximos a um microfone e tons de voz extremamente delicados e controlados. Vale a pena lembrar que a experiência é mas bem apreciada com o uso de fones de ouvido. Longos minutos do que, em principio, parece ser monótono, garantem para muitos uma sensação de relaxamento ímpar, e propicia uma agradável noite de sono. “Virei fã dos vídeos ASMR. Não existe nada
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melhor para me relaxar e conseguir dormir mais rapidamente”, comenta a funcionária pública, Maria Muniz, de 52 anos. Para a psicóloga do Hospital Dr. Eugênio Gomes de Carvalho, Priscila Gomes, de Belo Horizonte, as sensações proporcionadas por esses vídeos são fruto de um condicionamento de nossa própria mente. “Fixamos nossa atenção única e exclusivamente no que está sendo dito e mostrado. Automaticamente nos privamos do restante das sensações ao nosso redor. Logo, sentimos aquilo que os vídeos nos sugerem sentir. Não há mágica”, explica. Cientificamente provado ou não, há quem defenda com unhas e dentes a prática. Além disso, não custa nada a ninguém e você pode tentar em casa sem medo algum. E caso queira se aprofundar no assunto, existem diversos fóruns na internet destinados ao ASMR
Você pode fazer a meditação guiada diretamente do seu celular
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Fotos: Ruan Nataniel e Marcella Teles
saúde
A BUSCA PELO PODER INTERIOR DE CURA Método desenvolvido por Meir Schneider, há 44 anos, promete reverter até situações de cirurgias
Pacientes se reunem na Praça Rosinha Cadar (Zona Sul de BH) para praticar a terapia de Self-Healing
Fotos: Janaina Barcelos
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saúde - self healinG Por Janaína Barcelos A Associação Brasileira de SelfHealing é um grupo sem fins lucrativos que busca divulgar o Método Meir Schneider - Self-Healing (Autocura) junto à sociedade em geral, e dar suporte aos seus associados. A sede fica em São Paulo e, em Minas Gerais, Alja Lamas é uma das responsáveis pela terapia. Ela é acupunturista, massoterapeuta, consultora de neobiologia e feng shui. Com formação acadêmica em engenharia civil, Alja Lamas aproximou-se das terapias naturais por acreditar que a cura das doenças só é alcançada quando assumimos a responsabilidade pela nossa saúde. Conheceu o Self-Healing em 2004 e, desde então, estuda e aplica este método para a melhoria da saúde, da visão e corpo. Em entrevista à revista Ponto e Vírgula, ela explicou mais sobre o método e suas curas. Alja relata que, para qualquer patologia de visão, por exemplo, é possível conseguir uma boa melhora e, em alguns casos, até a cura. No entanto, independentemente da cura ser alcançada, ela explica que as terapias têm intuito de prevenção e fortalecer o corpo evitando doenças. Além da visão, o self-healing trata bem outras patologias, sendo elas na coluna, problemas no sistema nervoso ou dores neuromusculares. “Para patologias em que a medicina diz não haver mais nada a se fazer, o self-healing contribui com exercícios e relaxamentos. Ainda que não se alcance a cura, garante-se uma melhor qualidade de vida”, afirma a terapeuta. “Vida é movimento, e este é o motor principal da cura e do bem-estar de cada um de nós, desde a respiração, a circulação sanguínea, a mobilização passiva e ativa dos músculos e das articulações até a mudança da mente na percepção do próprio corpo, das emoções e dos hábitos de
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Olhos de Maria Cristina Vilela, portadora de membrana epirretiniana vida”, completa Alja Lamas. Pacientes da terapeuta contam a experiência de praticarem os exercícios com disciplina. Maria Cristina Villela e Maria Amélia são provas vivas dos resultados da terapia de self-healing. Elas explicam como são a rotina, os exercícios e o que foi preciso para que a melhora fosse de fato percebida. Maria Cristina é uma senhora de 70 anos muito alegre e, desde os seus 65, já percebia que sua visão do olho direito estava um tanto quanto embaçada. Em 2011, ela foi submetida a um exame que se chama “mapeamento de retina” e descobriu, então, a presença de membrana epirretiniana, que causa o comprometimento da visão. E por mais que ela não percebesse diferença na visão do olho esquerdo, a doença também o afetou. Cristina conta que recebeu a notícia sentindo um grande desespero. Consultou-se com um cirurgião oftalmologista, considerado o melhor do Brasil, e soube que havia uma cirurgia a ser feita, porém, era de alto risco e só era indicada em casos extremos, ou seja, se ela já estivesse quase cega. Para maior desespero de Maria Cristina, antes de
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passar pela cirurgia da membrana, ela deveria extirpar o canal lacrimal pois corria o risco de infecção. Com a triste expectativa de fazer três diferentes cirurgias para atenuar a perda de sua visão, ela entrou em depressão profunda. Tinha duas opções: deixar a cegueira chegar ou assumir o risco das cirurgias. “Chorava muito e mal conseguia dormir”, se emociona ao lembrar dessa fase.
A Membrana Epirretiniana é uma doença comum que afeta homens e mulheres, sendo mais comum após 40 anos de idade. É caracterizada pela formação de um tecido muito fino que enrruga a mácula (parte central da retina) e vai levando à cegueira. Os principais sintomas são a baixa acuidade visual e a visão deformada (metamorfopsia) e a principal causa dessa doença é o descolamento do vítreo que libera células que proliferam sobre a retina.
Foto: Janaina Barcelos
self healing Mesmo assim, ela não desistiu, seguiu buscando algo que a fizesse se sentir confiante e melhor. Acredita que sua fé em Deus sempre a levará a outros caminhos, assim como aconteceu. Um dia, entrando em uma farmácia, viu o anúncio do jornal Estado de Minas sobre o Self-Healing. Maria Cristina foi, então, em busca da terapeuta Alja Lamas, que era a referência no anúncio. Começando a terapia três vezes por semana, Cristina foi determinada, praticando cinco horas de exercícios diários. Estava ansiosa para ver os bons resultados. Em outubro de 2012, Cristina voltou a um retinólogo conhecido da família e, depois de dois dias de exames minuciosos, ele já não indicava cirurgia, lembrando que envolvia um alto risco. Eles combinaram, então, um acompanhamento de seis em seis meses. Oito meses depois, Cristina voltou ao mesmo retinólogo e, para a surpresa dos dois, seu médico disse não saber explicar sua recuperação, uma vez que esta doença não regride. O médico desaconselhava a cirurgia: “dessa vez, chorei muito, mas foi de pura alegria e gratidão”, disse Cristina. Hoje, após quatro anos de prática de self-healing, Cristina continua com o propósito de nunca perder os resultados que obteve. Ela não pratica mais as cinco horas diárias, recomendadas inicialmente, mas se exercita em três horas, em casa mesmo. Ela não precisou passar pela cirurgia e enxerga muito bem, mas afirma que a fé e a determinação foram fundamentais para o bom resultado de seu tratamento. Maria Amélia é assistente social e se especializou em terapias familiares, individuais e cura reconectiva, tem 57 anos e afirma que sempre gostou de exercícios suaves, de cuidar do corpo e de se conectar com o mundo espiritual. Apesar de sempre praticar atividades físicas, Amélia sentia as costas rígidas, quadris presos, movimento curto das pernas e problema postural da parte esquelética e muscular.
Foto: Janaina Barcelos
Conheceu o self-healing através de emails que foram encaminhados a ela e por causa de sua nora que participou de um workshop com a Alja Lamas (terapeuta) e adorou. Há oito meses, começou as consultas com Alja e ingressou nos grupos de terapia todas as quartas-feiras à noite. “Amo a terapia pois são movimentos leves que trabalham as articulações, alongamentos, fortalecem minha musculatura e, ao mesmo tempo, eu faço tudo com mui-
“Vida é movimento, e este é o motor principal da cura e do bem-estar de cada um de nós.” ta consciência”, afirma Amélia. Pratica em casa quatro vezes por semana com a ajuda de CDs que ensinam as atividades e sente que até a visão tem melhorado com os estímulos dos exercícios. Antes, ela não se alongava, mas adquiriu esse hábito por meio do self-healing. Não conseguia sequer estender as mãos até os
saúde
pés e, hoje, ela já coloca as mãos no chão e as articulações estão bem mais relaxadas. “Só me trouxe benefícios e acho que o mais importante para se conseguir o resultado é a disciplina, acreditar que o trabalho trará bom resultado, ter paciência com o processo e aceitar o corpo como ele se apresenta, aliando a mente ao momento, sempre positiva e determinada.” Maria Amélia sente que, quando faz o self-healing, ela ultrapassa os limites do corpo e acalma a mente. “Sempre saio da terapia muito melhor do que eu entrei”, avalia. A assistente social pratica sempre as atividades e ama ver os resultados com o passar do tempo. Os exercícios de que ela mais gosta são os direcionados para a coluna, por mais que sejam desafiadores para ela. O Self-Healing (Autocura) é um método desenvolvido na década de 70 por MeirSchneider, um ucraniano que, aos 4 anos, foi declarado totalmente cego. Meir era filho de pai e mãe surdos, nasceu na cidade de Lvov em 1954 com glaucoma, catarata, astigmatismo e nistagmo. Não aceitando sua condição, anos mais tarde começou a buscar com fervor
A assistente social Maria Amélia praticando exercício para a coluna
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saúde - self healing
Site da Associaçåo Brasileira de Self-Healing e, na foto, Meir Scheneider
exercícios que fossem estimulantes para os olhos, ligando as técnicas de ioga, auto-massagem e movimento. Amigos de uma biblioteca que ele começou a frequentar foram responsáveis por apresentar a Meir técnicas de relaxamento, estimulação da visão e deram grande incentivo para a virada de sua vida, que deu início aos 17 anos. Dezoito meses se passaram e ele já havia conseguido uma visão funcional. Não tendo todos os recursos necessários em sua cidade, Meir mudou-se para São Francisco, nos Estados Unidos, em 1976, onde trabalhou com o optometrista Ray Gottlieb, que o apoiou durante um ano. Meir foi corajoso e determinado, apesar da descrença dos familiares. Em 1977, fundou o Center For Conscious Health e, mais tarde, em 1980, o Center Self-Healing. Ele havia descoberto exercícios que duran-
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te anos e incessantemente praticou, obtendo resultados inacreditáveis para a própria medicina. Eram exercícios feitos ao sol, com o movimento das próprias mãos, com bolas de tênis etc. Dez anos se passaram e Meir Schneider conseguiu tirar carteira de motorista, sem qualquer restrição, expedida pelo governo do Estado da Califórnia. Aos 30 anos, ele teve permissão para formar alunos no método e funcionar com School for Self-Healing que, traduzido para o português, significa “Escola para Autocura”. Lançou dois livros em 1994, Uma Lição de Vida que foi publicado em quatro idiomas - inglês, francês, húngaro e hebraico - e Manual de Autocura, publicado no Brasil pela editora Cultrix, em 2004. O método Meir Schneider chegou ao Brasil pela terapeuta ocupacional
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Beatriz Ambrósio do Nascimento, que fez parte da fundação do Núcleo de Pesquisa e Ensino em Self Healing no Departamento de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Carlos e fundou a Associação Brasileira de Self Healing (ABSH) que tem sede em São Paulo. Carol Gallup, da Universidade de San Francisco, CA, EUA, é autora da dissertação de mestrado que mostrou resultados, inclusive estatisticamente significativos, em um caso de distrofia e que menciona os demais estudos sobre o método e que foi traduzido por Beatriz Nascimento, terapeuta ocupacional. A pesquisa explica a expressão genética, incluindo a regulação da determinação do fenótipo da fibra muscular, que é influenciada não só pela adaptação ao exercício como também pelos sinais mecânicos no músculo esquelético. “Alongar um músculo em desuso ou aplicar uma leve estimulação elétrica pode reverter a atrofia pelo incremento à síntese de proteínas, mesmo em músculos sem inervação, o que sugere que a mudança não é modulada pelos receptores sensoriais”, explica Carol Gallup. Nos dias de hoje, o self-healing continua crescendo com suas propriedades terapêuticas e educativas, que possibilitam às pessoas o desenvolvimento da consciência corporal, tornando-as os agentes principais de sua recuperação ou da prevenção das boas condições de saúde. A terapia é a técnica de massagem regenerativa dos tecidos ou automassagem, sempre combinadas com exercícios ativos, passivos e respiratórios. Ela tem se mostrado muito eficaz na recuperação e reversão de um bom número de patologias, como esclerose múltipla, problemas de coluna, atrofias e distrofias musculares, osteoporose, artrite e artrose e problemas de visão, considerando o todo sensorial, motor, emocional, cognitivo e espiritual
Foto: Janaina Barcelos
saúde
ACADEMIA AO AR LIVRE Por Ana Beatriz Aleixo e Bruno Miranda Exercícios todos os dias, dietas e caminhadas. Será que não existe outro caminho para conquistar e manter o corpo ideal? Para a professora de Educação Física Heide Sobrinho, existe sim. Segundo ela, o remo é um esporte que pode substituir a academia, já que exercita pernas, músculos abdominais, peito, costas e braços. Quem pratica pode melhorar a postura e combater o excesso de peso. “Uma hora de treinamento pode queimar até 600 calorias”, afirma. Além disso, como a maioria das ati-
Foto: Arquivo pessoal
vidades físicas, ele também traz benefícios como o combate ao estresse, a melhora no sistema imunológico e na capacidade cardiorrespiratória, a prevenção de varizes e até o aumento da expectativa de vida. Muitas empresas também incentivam seus empregados a aderirem ao esporte, já que, além de aumentar a produtividade no trabalho, remar também pode ser uma forma de aprender a trabalhar em equipe. É que, além dos barcos individuais, também existem aqueles que são para duas, quatro e até oito pessoas. Neste caso, é preciso a sincronia e a colaboração de todos para que o barco saia do lugar.
O remo é um esporte antigo, pouco divulgado, mas que pode trazer muitos benefícios para a saúde de quem pratica, é o que afirma Augustus Ligório. Professor de remo desde 1960, ele revela que sua paixão pelo esporte foi herança do seu pai, Afonso Ligório, que trouxe o remo para Minas Gerais, em 1942, e que também foi o fundador do Clube de Regatas Afonso Ligório (CRALMG), que até hoje é a única escola de remo registrada no estado. As atividades começaram na Lagoa da Pampulha, mas, por causa da poluição no local, elas acabaram mudando para a Lagoa dos Ingleses, onde a escola está localizada desde 2000. O pai de Au-
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saúde - academia ao ar livre gustus remou até os 73 anos. Depois que faleceu, o filho assumiu a direção do grupo. É ele mesmo quem fabrica e reforma os barcos. Sobre o esporte, o professor esclarece que a idade mínima é 12 anos, mas que a idade máxima não existe. Prova disso é Jeferson Bandeira, que tem 70 anos e até hoje faz aula de remo pelo menos três vezes por semana. Ele conta que começou a praticar o esporte aos 22 anos, no final da década de 1960, quando as atividades ainda eram permitidas na Lagoa da Pampulha. Quando se mudou para o Rio Grande do Sul, ele parou de praticar o esporte e só voltou em 2007, na Lagoa dos Ingleses. “Meu médico me recomenda, faz muito bem ao coração, pois movimenta os músculos”, conta. Em geral, a faixa etária dos alu-
nos do Grupo Regata é de 40 a 45 anos, mas a escola também tem muitos jovens matriculados. É o caso de João Ferretti, de 14 anos, o aluno mais novo de Augustus, que faz aula
“Uma hora de treinamento pode queimar até 600 calorias” uma vez por semana, sempre aos sábados. Ele revela que conheceu o esporte por meio de uma propaganda de televisão nas últimas Olimpíadas. Atualmente, o professor tem cerca de 30 alunos. Cada aula dura 1 hora,
sendo que os primeiros 15 minutos são reservados para o alongamento. Qualquer pessoa pode praticar remo, desde que saiba nadar e esteja saudável. Basta usar uma roupa adequada para atividades esportivas e deixar o resto com o professor. Os equipamentos são emprestados pela própria escola. O valor da inscrição é R$ 150, já a mensalidade varia de acordo com o número de aulas por semana: quem pratica apenas uma vez por semana paga R$ 200 por mês, duas vezes R$ 260 e três vezes R$ 320. Mas quem quiser também pode fazer uma aula avulsa como experiência ou até mesmo como lazer, custa R$ 75 reais. Dependendo do caso, os preços podem até se igualar aos de uma academia. A CRALMG funciona no Iate Clube Lagoa dos Ingleses, localiza-
CRALMG, situada na BR-040, é a única escola de remo registrada em Minas Gerais, funcionando desde 2000
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Foto: Ana Beatriz Aleixo
academia ao ar livre -
Saúde
A idade minima do esporte é de 12 anos; na foto, João Ferretti, de 14 anos, o aluno mais novo da escola de remo
do na BR-040, Km 559, Lagoa dos Ingleses, Município de Nova Lima.
A Lagoa dos Ingleses A Lagoa dos Ingleses fica localizada em Nova Lima, na BR-040, sentido Rio de Janeiro. Ela faz parte do Complexo do Rio do Peixe e ajuda a formar um importante reservatório de água para a Região Metropolitana. Foi criada em 1932 para armazenar água da chuva que seria usada para gerar energia elétrica para a Mina do Morro Velho. A Mina era propriedade de um grupo de ingleses, o que justifica o nome da lagoa. Por causa da beleza do local, a região passou a ser muito explorada pelo mercado imobiliário. Em 1998 foi construído o clube Minas Náutico em uma parte da lagoa. Augustus
Foto: Arquivo pessoal
também dá aulas no Minas Náutico. Os preços são os mesmos, a diferença é que para fazer aula lá é preciso ser sócio do clube. Em 1999 foi inaugurado o condomínio Alphaville Lagoa dos Ingleses, considerado um dos mais luxuosos de Minas Gerais. No final de 2013 um grupo financeiro negociou uma área grande da região com a proposta de torná-la independente da Região Metropolitana de Belo Horizonte, oferecendo trabalho, lazer e serviços públicos e privados na mesma região. O projeto está em andamento.
A seca na lagoa A lagoa também sofreu com a seca que atingiu Minas Gerais no segundo semestre do ano passado.
Para agravar a situação, em outubro, a Copasa precisou utilizar o Complexo do Rio do Peixe para ajudar a abastecer a região da capital mineira durante o longo período de seca que atingiu o estado, o que aumentou de forma considerável a vazão da Lagoa dos Ingleses. As chuvas do início do mês de novembro não foram suficientes para elevar o nível da água na lagoa. Para quem vai até o local, a seca ainda é visível. Mesmo assim, o professor de remo garante que isso não impede a prática das atividades aquáticas no local. O que houve foi uma adaptação no início da aula: em um barco maior, Augustus transporta os alunos e os barcos até uma região mais profunda da lagoa, onde eles podem ter a aula normalmente
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eNTREVISTA
Da música ao teatro Em entrevista à Ponto e Vírgula, Regina Souza - cantora, atriz e compositora - conta como construiu uma carreira plural
Por Débora Zilah, Gabriela Ferrari e Letícia Morais
Com 24 anos de estrada, a artista Regina Souza é uma importante referência na cena cultural mineira
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Fotos: Ana Julia Ramos
regina souza A família Souza é pródiga em talentos. E a sua prodigalidade é descrita na acepção mais generosa da palavra: diz-se daquele ou daquela que produz em abundância, fértil. Três de seus filhos marcaram a história do Brasil: o músico Chico Mário, o cartunista Henfil (Henrique Filho) e o sociólogo Herbert de Souza, mais conhecido como Betinho, que foi exilado durante a ditadura, tornou-se símbolo do movimento da Anistia e, na volta, criou o Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), uma ONG voltada a desenvolver projetos de combate à desigualdade social. A artista Regina Souza formou sua sensibilidade nessa árvore. Nascida em Belo Horizonte, filha da irmã do Henfil - Zilah - com ___ Sposito, Regina é uma artista de muitos dons. Cantora, compositora e também atriz, tem 24 anos de palco e rua, três discos autorais e participações em CDs, musicais e espetáculos como O homem da gravata florida, O homem que sabia javanês, A Zeropeia, Os Gigantes da Montanha. Em entrevista à Ponto e Vírgula, ela conta um pouco de sua trajetória, suas influências e alguns de
seus tra- balhos. Foi uma conversa marcada pela descontração, mas também pelo afeto, pois na equipe de reportagem estava o olhar - não menos curioso e não menos atento e rigoroso - de uma de suas sobrinhas.
Quando e como surgiu seu interesse pela música? Desde criança meu passatempo
era brincar de teatro. Como toda criança nessa idade, as habilidades florescem nas brincadeiras. E nessas brincadeiras eu já gostava de cantar e atuar com os meus irmãos. Desde então, eu soube que era isso que eu queria fazer da vida, mas até chegar aqui foi um longo caminho.
Você era tímida quando começou a cantar? Eu sou até hoje. A maioria dos artistas quando vão apresentar para uma plateia sentem um frio na barriga. E isso é importante para firmar o corpo, buscar o estado de concentra-
É muito emocionante saber que um trabalho que a gente fez conquistou tantas pessoas. Regina Souza ção e poder fazer o que tem que fazer. O frio na barriga é importante para buscar um estado de concentração. Diante do público a gente se expõe. Como a minha trajetoira vai da música ao teatro, estou sempre no limiar: ora eu, ora um personagem. Isso tudo foi construindo minha carreira de forma muito plural. As pessoas têm até dificuldade: cantora, atriz ou compositora? De certa forma, por um tempo isso até me prejudicou um pouco, porque eu não me sentia tão dentro da música porque tinha um pé no teatro; nem tão dentro do teatro porque tinha um pé na música. Mas hoje, depois de 24 anos de profissão, as coisas estão mais claras na minha cabeca. Demora pra gente se encontrar. Da
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escolha à maturidade profissional é um longo caminho.
Os seus pais a apoiaram quando você decidiu seguir carreira musical? Meu primeiro show profissional foi aos 15 anos. Meu pai se assustou um pouco e na época ele falou: “filha minha não canta em bar”. Na época esse era o caminho do artista, do cantor. Isso fez com que eu me retraísse um pouco e fui fazer faculdade. Primeiro de química; fiquei dois anos, não dei conta, saí e fui fazer comunicação. Eu me formei em RP e montei uma escola de canto com a Babaya. Ela tinha uma salinha onde dava aula de canto e queria montar uma escola. Fiquei lá sete anos – eu gerenciava, era produtora – e lá eu alternava o trabalho de RP com o de cantora e tive minhas primeiras experiências no palco até que chegou uma hora em que larguei tudo e fui viver de arte.
Quais são suas influências musicais? A primeira influência foi da minha família. Tenho um tio que era cantor e compositor, o Francisco Mário. Um tio cartunista, o Henfil, e o Betinho (Herbert de Souza), sociólogo (criador do Ibase e de uma campanha cívica contra a fome), mas com ligação muito forte com a música. Isso do meu lado materno. Entao, eu tive desde cedo um contato grande com a arte e com a política. Quando eu tinha uns 13 anos, o Chico vinha a BH – ele morava no Rio – eu o acompanhava nas rádios e TVs e comecei a ter contato com a comunicação e com o palco. Claro que na genética, se o brasileiro for pesquisar, já tem isso na ancestralidade. No meu caso tinha isso, do lado materno e também do lado paterno. Por parte de pai, meu tio-avô era escritor, meu avô gostava muito
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entrevista - regina souza de música clássica. No lado materno, tinha ainda o gosto pela seresta. Eu nunca fui muito de escutar música americana – a não ser clássicos de jazz – meu último disco é um disco só de versões de clássicos americanos. Mas o rock e o pop nunca foram minha praia.
De onde surgiu a ideia de produzir esse CD cantando em hebraico com a parceria de Marina Machado? E como foi o processo de aprender a cantar em hebraico? O hebraico foi um projeto da fotógrafa Márcia Charnizon, que é judia e passou um ano em Israel. Lá ela tirou fotos e, ao voltar, queria fazer uma exposição e queria que tivesse música. Primeiro ela chamou a Marina (Machado), que havia feito um show muito bacana, no Teatro Alterosa. Mas o repertório era para duas cantoras, que cantavam em iidiche – uma mistura do hebraico com o alemão. Eu e Marina nos conhecíamos da escola da Babaya, fazíamos aulas juntas e ela me chamou para cantar. Aí comecamos a aprender. E foi muito louco porque tinha o iidiche, o hebraico, o ladino – mistura do hebraico com espanhol – e a gente pegava aquilo, ouvia e escrevia o que estava ouvindo, da forma como estava ouvindo. Foi uma questão de treino e, à medida que a gente ia fazendo, ia se tornando natural.
O sociólogo Herbet de Souza, o Betinho, havia escrito um livro para as crianças chamado A Zeropéia. Você teve a ideia de transformá-lo em um CD para a campanha Natal Sem Fome, e teve uma tiragem de 4.000 cópias que se esgotou rapidamente. Qual foi a sensação de ver o trabalho concluído e fazendo todo esse sucesso?
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Eu fiz três discos para a campanha da fome. O primeiro foi Prato Feito, de 1997, no ano em que Betinho morreu. Foi um CD que tinha só composições que tratavam da fome. O segundo foi o Ação pela vida, com o mesmo enfoque. O Zeropeia foi o terceiro. Era uma história que o Betinho havia escrito e, lendo a história dele, tive a ideia de transformá-la em CD, mas não fazia ideia do alcance que teria e tem até hoje. Várias escolas trabalham o CD com as crianças; tanto usando só a música quanto interpretando.
A música “Quem sou eu” no seu CD Outonos diz um pouco sobre a sua árvore genealógica. O que a motivou a escrever esta música? Me inspirou um trabalho terapêutico de constelação familiar e, por isso, eu comecei a pensar o que é que é isso, o que eu trago da minha mãe, do meu pai, da minha avó, dos meus antepassados e aí fui escrevendo essa música, tentando descobrir, nesse mundo todo, quem eu sou e o que trazemos, qual a nossa função e trajetória na Terra. É um trabalho sério de terapia. E eu comecei a pensar: o que trago da minha mãe, pai, avós, antepassados? Fui buscando e veio isso. Nisso tudo, quem sou eu? Nesse mundo todo, estamos aqui, achamos que estamos parados, mas estamos girando, a terra está girando, nunca somos os mesmos. É uma pergunta que a gente faz a vida inteira e a gente só deve saber lá do outro lado.
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Existem projetos futuros na música e no teatro? Eu acabei de lançar um disco chamado Inversões e irei fazer um show de lançamento desse CD, e estou preparando também um musical novo que se chama A Mesa, que é sobre a relação das pessoas em volta de uma mesa, o que se passa em volta dela, apresentando músicas que falam da comida e fazendo uma pesquisa sobre ela, sobre a arte e as relações com o alimento
comportamento
Tina exibe arquivo feito a partir de recortes de matérias de jornais e revistas sobre a carreira da filha na mídia
Mãe de estrela Tina Trindade, mãe da atriz Erika Januza, conta como foi se adaptar à ausência da filha – que se mudou de Contagem para o Rio – e a rotina depois que a jovem ganhou fama Por Marcella Souza e Samara Reis
Fotos: Bruna Oliveira
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comportamento - mãe de famosa
S
er mãe de famoso não deve ser nada fácil. A rotina de trabalho e as viagens constantes dos artistas distanciam os genitores de sua prole. Principalmente quando os pais não abandonam suas vidas pessoais para agenciar a carreira de seus pupilos. Esse é o caso de Ernestina Trindade, 50, mãe da atriz Erika Januza, 29, a Conceição de “Subúrbia”, minissérie da Globo que foi ao ar no final de 2012 e lançou Erika ao estrelato. Por enquanto, Tina, como prefere ser chamada, continua morando na mesma casa e no mesmo bairro em Contagem – MG, a aproximadamente 444 KM de Erika, que hoje mora no Rio de Janeiro. Durante uma conversa bastante descontraída com a equipe da Revista Ponto e Vírgula, Tina falou sobre as conquistas de sua filha, como ela começou sua meteórica carreira artística e a batalha intensa para alcançar esse sonho. Tina define sua filha como uma lutadora. “Tenho muito orgulho dela, sempre muito batalhadora. É uma pessoa muito boa’’. Segundo a mãe, a filha tinha o sonho de ser modelo. Erika se inscrevia em todos os concursos de beleza possíveis e sempre contava com a inseparável companhia da mãe. Tudo começou quando uma amiga avisou a Erika que estavam fazendo testes para um comercial e que seus requisitos se encaixavam no perfil solicitado. Sem saber exatamente de que se tratava, a aspirante a atriz embarcou nessa aventura e foi à luta. Ela passou na primeira fase e foi informada que teria que ir para o Rio de Janeiro para dar continuidade ao processo seletivo. Quando chegou à Cidade Maravilhosa, Erika Januza descobriu que o teste era para um papel na minissérie Subúrbia, de Luiz Fernando Carvalho. Quando voltou para Belo Horizonte, ficou um mês na expectativa, até que recebeu um telefonema
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que confirmava sua atuação como protagonista da minissérie. Para a mãe foi uma grande alegria ver a felicidade da filha, que teve seu sonho realizado. As coisas começaram a se transformar, Erika mudouse para o Rio de Janeiro. Com o coração despedaçado ao ver sua única filha partir, Tina a apoiou e disse que não adiantaria pedir que ficasse, pois estava muito empolgada. Apesar da distância, a relação mãe e filha não se abalou, uma vez que a as duas se comunicam pelo telefone todos os dias. Tina mostra o quarto da filha, que mantém intacto. Erika ainda usa quando vem passar uma temporada com a mãe. Embora procure manter o mesmo ritmo de vida, Tina já se deparou com algumas mudanças em seu cotidiano. No início da carreira da jovem, a mãe conta que era abordada na rua para ser parabenizada pelo sucesso da filha. Disse ainda que, desde então, elas não conseguem sair tranquilamente, pois os fãs sempre pedem autógrafos e poses para fotos. Segunda ela, Erika já perdeu alguns voos para atender aos fãs no aeroporto. “A fama não pode subir à cabeça. A gente tem que saber de onde veio”, pontua. Impressionada com a fama alcançada pela filha, Tina relembra a viagem que fizeram à Argentina e como Erika foi assediada nas ruas porque, na época, a novela “Em Família” estava sendo exibida naquele país. Na trama de Manuel Carlos, a jovem interpretou Alice, fruto de um estupro. Na novela, a mãe de Alice foi violentada numa van por três bandidos. No desenrolar da trama, a jovem se torna uma policial e passa a combater esse tipo de crime. Teledramaturgia à parte, na vida real a relação entre mãe e filha sempre foi muito forte. O apoio aos ideais da Erika sempre foi uma constante na família. Além da mãe, que sempre esteve presente na constru-
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ção da sua carreira, o pai da atriz, que morreu há 12 anos, também apoiava os sonhos da filha. “Ele sempre a acompanhava em todos os concursos. Ficava andando com o jornal debaixo do braço para mostrar aos amigos dele”, recorda Tina. Hoje, a maior fã de Erika continua a recortar jornais e revistas e a guardar em uma pasta tudo o que sai sobre a filha. Como toda mãe cautelosa, Tina acompanha atenta as notícias. Quanto às especulações veiculadas na mídia, afirma aos risos: “Eu ligo e pergunto se é verdade ou não’’. Além do assédio, a fama de Erika também rendeu a Tina algumas realizações. Ela já acompanhou a filha em festas, no Carnaval e em eventos e gravações no Projac. Conheceu diversos famosos e conta, aos risos, que teve que se conter ao ver alguns artistas para não se exceder no assédio também. Relembra do show de final de ano do Roberto Carlos em que se emocionou bastante. “Deu vontade de ficar chorando. Foi bom demais. É muito melhor assistir à gravação ao vivo do que na TV”, conta
Tina no quarto de Érika, que mantém intacto
mídia
O mundo com doses de acidez Tirinhas de Pedro Leite têm como proposta rir de si mesmo Por Clarice Chacon e Isadora Marques Bem-humorado, irônico e irreverente, características que tanto descrevem o criador e suas “criaturas”, no caso, Pedro Leite e seus quadrinhos. No ar desde 2013, os “Quadrinhos Ácidos” são tirinhas publicadas em seu site oficial e também no Facebook, que já possuem mais de 200 mil assinaturas e também já foram indicadas a prêmios nacionais, chegando a ganhar o “30º Troféu Angelo Agostini”. Mas o que tem de tão especial nestes quadrinhos? Com uma abordagem realista, e sarcástica, o objetivo principal do projeto é rir de si mesmo, abraçando as críticas da sociedade moderna e suas peculiaridades. Além dos quadrinhos disponíveis, na loja online é possível adquirir um “fanzine” com várias tirinhas inéditas da série de quadrinhos ácidos. A palavra fanzine vem da contração da expressão em inglês fanatic magazine, que significa em português revista de fãs. Fanzines são publicações feitas por pessoas e para as pessoas que gostam de um determinado tema em comum, sejam elas amadoras ou profissionais.
Em entrevista a revista Ponto e Vírgula, Pedro contou como esse mundo de quadrinhos se desenvolveu:
Você sempre teve essa paixão pelo humor e pelo desenho? No colégio eu sempre tive preguiça de desenhar, só quando me formei em publicidade que eu realmente percebi que teria que investir mais nos desenhos.
Como surgiu a ideia da primeira tirinha? Ela surgiu para extravasar o meu sentimento na época. Eu a criei como um teste para ver se o público iria aceitar e, ao perceber que deu muito certo no Facebook, resolvi continuar com esse padrão e criar a série.
Você imaginava que suas tirinhas fossem fazer tanto sucesso? Como você vê tantas pessoas curtindo a página do
Facebook e acompanhando o site? Eu já esperava que a série iria dar certo por causa do teste anterior. Mas não pensei que seria tanto. Hoje em dia, a série tem mais ou menos 250 mil seguidores no Facebook
Suas tirinhas são bem críticas em relação a sociedade. Você já recebeu algum comentário negativo? Os “Quadrinhos Ácidos” vive nas redes sociais, então eu sempre recebo críticas e elogios diretamente dos leitores. É muito bacana isso, pois, mesmo sendo uma crítica, sei que é uma maneira de crescer com aquela opinião.
Você tem alguma tirinha predileta? Ou que te remeta a uma história engraçada? Eu gosto bastante das que são mais críticas a sociedade, mas adoro também as de fumantes porque são as tirinhas que deixam o pessoal mais furioso. É muito divertido
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comportamento
Ricardo Assis, participante do concurso com o cosplay de Coringa
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comportamento
Quem nunca quis ser um super-herói ou algum personagem de quadrinhos ou de desenho animado? Para que isso aconteça, não é necessário de uma mega produção, apenas conhecer as pessoas certas Por Ingrid Vieira, Bruna Oliveira e Danielle Dias
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comportamento - cosplay A fábrica de cosplays Muitas crianças já sonharam ser super-heróis ou personagem de algum filme. Atualmente, existem pessoas que vivem para transformar esse sonho em realidade: os cosmakers, profissionais responsáveis pelo processo de transformação de pessoas comuns em personagens da ficção, os famosos cosplays. Era uma vez uma cosmaker chamada Eva Maria da Conceição, 51. Eva trabalha com cosplays há três anos. Começou a costurar aos 11, fazendo suas próprias roupas, já que as costureiras não faziam da forma que ela queria. Aos 22, apostou nisso como profissão, começou a ganhar dinheiro e depois não parou. Trabalhou em facção durante um tempo, mas nunca sentiu prazer em exercer esse tipo de trabalho. “Eu não fiquei muito tempo trabalhando com isso porque é extremante repetitivo”. Eva não imaginava um dia trabalhar como cosmaker, mas já possuía
uma grande bagagem de conhecimento e experiências que havia adquirido em seu passado, que foram essenciais para o desenvolvimento de seu trabalho na atualidade. Aprendeu a trabalhar com couro no colégio. Trabalhava na fabricação de sandálias e rasteirinhas e, quando adolescente, fez curso de bordado e corte e costura. De acordo com ela, parecia que algum dia iria encontrar alguma utilidade para todo esse aprendizado. O início de seu trabalho foi repentino. No mês de novembro de 2012, faltando exatamente três dias para o Anime Festival, o vizinho Vinicius Henrique chegou desesperado em seu ateliê pedindo para que ela fizesse um casaco para um determinado personagem. Mesmo em cima da hora, Eva, com atenção e carinho, conseguiu fazer o casaco. “Ele trouxe umas medidas erradas, mas consegui comparar com a tabela de medidas e ficou legal!” Depois da entrega e do resultado positivo, poucos dias depois o cliente voltou e realizou
Eva Maria da Conceição, cosmaker, confeccionando fantansias para cosplay
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mais pedidos, e assim começou sua trajetória no mundo dos cosplays. Atualmente ela produz em média 35 a 40 cosplays por evento, e não apenas em Belo Horizonte. “Atendo clientes no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, no Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Brasília e Vitoria”, conta Eva com orgulho. Sempre preocupada com suas peças, seu objetivo é combinar qualidade e preço. Algumas vezes chegam clientes vindos de outros cosmakers, insatisfeitos com o valor extremamente caro ou com o acabamento sem qualidade. “Hoje em dia a maioria dos clientes são universitários e adolescentes, que dependem do dinheiro dos pais ou têm que arcar com despesas da faculdade. Um cosplay de 400 ou 500 reais se torna caro, então tento facilitar o máximo.” São tantos clientes satisfeitos, que às vezes ela não consegue atender todos. Eva já chegou a dispensar uma média de 10 a 20 clientes, por não ter tempo para produzir mais. Ela conta ainda que, com mais ou menos 300 cosplays produzidos, apenas três não ficaram satisfeitos com seu trabalho. A produção de um cosplay é demorada, são em média 3 a 4 meses, dependendo do material utilizado e de algumas peças que merecem maior cuidado. “Teve peças que, quando eu achava que estava acabando, surgia um detalhe ou outro”, conta Eva rindo. Com o envolvimento tão forte na confecção de cosplays, até sua família ingressou nesse mundo de fictício. “Eles gostam bastante, o meu filho não usa, mas sempre está nos eventos, a minha filha é cosplayer e ama. Meu irmão acabou se tornando um armeiro cosmaker”. Eva divulga seu trabalho pelo seu perfil no facebook, fanpage, e agora possui seu próximo site. Lá tem o link para mandar o email e entrar em co ntato. “Basicamente o cliente manda o modelo, a imagem,
Fotos: Fotos: Bruna Oliveira e Ingrid Vieira
cosplay
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e faz o orçamento. Se confirmar, eu o convido para vir até minha casa para tirar as medidas, ver os detalhes e desenharmos a roupa, só então eu começo a fazer. Geralmente, é por ordem de chegada, ou seja, quem deixa para pedir mais no final receberá por último.” Alguns casos de encomendas feitas para festas à fantasia tiveram até lojas interessadas em comprar peças para serem revendidas. “Houve um grupo de amigas que ano passado fez as Paquitas e os Minions, uma delas neste ano fez um traje para o carnaval”. Além de produzir os cosplays, Eva possui uma equipe chamada Frota Estelar, que tem como missão organizar eventos para arrecadação de alimentos não perecíveis, que serão doados para um orfanato em Ribeirão das Neves. Os olhos de Eva brilham ao falar e mostrar algumas de suas peças. “Para mim, fazer cosplay é brincar de casinha e tem gente que me paga para isso. Tudo que você faz na sua vida tem que fazer com amor, para conseguir o resultado que você quer.”
Agora é a hora Depois de dar uma passadinha na casa da Eva, encomendar o cosplay é hora de transformar o sonho em realidade. Mas como sair na rua vestido de um personagem sem que as outras pessoas o olhem torto ou riam da sua cara? É assim que surge um evento que acontece quatro vezes ao ano, durante um final de semana por mês, para que você possa se sentir à vontade de ser o que quiser ser, o Anime Festival. Thays Gabriella Miranda, 19, estudante de artes, compareceu ao evento no domingo de Zatanna Zatara, personagem da DC Comics. Thays conta que conheceu a personagem pelo desenho animado da
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Desfile de cosplay no domingo do Anime Festival, de Zatanna Zatara
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comportamento - cosplay Liga da Justiça e voltou a encontrála nas histórias em quadrinhos Hellblazer, de John Constantine. Thays também conta que não é o primeiro cosplay que ela faz, ela já entrou na pele de Fionna do desenho animado Hora de Aventura, entre outros personagens de animes tradicionais. Quando pedimos algum comentário sobre seu cosplay ela conta a seguinte história: “Teve um senhor que tava com o filhinho dele, e me falou assim: ‘Zatanna fala pra ele comer legume?’, e eu falei, ‘Olha você tem que comer legume, se não eu vou te transformar num sapo’, ele começou a chorar, eu fui e disse que não ia fazer isso, mas que ele tinha que comer legumes, ele me abraçou e agradeceu.” Ricardo Assis, 31, é recepcionista e modelo, mas no dia do Anime Festival ele era o Coringa, o vilão do Universo do Batman. Ricardo conta que está nessa área há muito tempo e que tem uma lista enorme de cosplays prontos. “Uma vez eu estava em um evento vestido de Superman, um menino chorou quando me viu. Ele virou pro pai e disse que eu era o Superman de verdade, não consigo me esquecer dele.” Ricardo tem um canal no youtube no qual faz curta metragens de cosplays oficiais e não oficiais, making of e tudo relacionado a esse universo. Leonardo de Moura Brito, 25, venceu a última edição do concurso Anime Festival com o cosplay de Tusk do jogo Defense of the Ancients 2 (DOTA 2). O cosplay ficou em torno de 700 a 1000 reais. Leonardo conta que escolheu esse personagem para fugir um pouco da moda do jogo concorrente, o League Of Legends (LOL) que estava acontecendo no Anime Festival. Não é o primeiro prêmio que Leonardo ganha, ele já ganhou o 3° lugar na apresentação livre com o cosplay de Luigi Bros, do famoso jogo Mario Bros, 1° lugar com El Cid do anime
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Leonardo de Moura Brito, vencedor do consurso com o personagem Tusk
Cavaleiros do Zodíaco. A atração principal do evento é o concurso cosplay, quando os personagens desfilam para os jurados. O concurso é dividido em quatro fases: o desfile tradicional, que ocorre nos dois dias, as apresentações tradicionais, apresentações livres, e o concurso cospobres, os cosplays que foram improvisados, que acontecem apenas no domingo. Além do concurso de cosplay, o Anime Festival tem outras atrações. “Todo evento de anime tem que ter um grande atrativo, e o atrativo é o cosplay que fica andando. Depois
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nós fomos pesquisando o que seria mais interessante ao Anime Festival, então surgiu a ideia das gincanas, quem não quer ir a um evento e voltar de lá com alguma coisa que ganhou? Pensamos também nos dubladores porque, se você é fã de algum anime, séries ou filmes, é fantástico conhecer a voz por trás do personagem. E assim é montada a programação do evento”, conta Fernanda Ayuki, 25, apresentadora de palco do Anime Festival. O Anime Festival também serve como ponto de encontro. Thays conta que conheceu a maioria dos
Foto: Bruna Oliveira e Ingrid Vieira
cosplay seus amigos no evento. “Eu comecei a ir ao Anime Festival em 2013, quando saí de Janaúba para morar em Belo Horizonte. Na época, não conhecia ninguém. Então, ia sozinha. Era assim que eu fazia amigos. Porque, na verdade, a gente acaba indo pro Anime Festival mais para ver as pessoas caracterizadas do que para competir.” O Anime Festival acontece há 11 anos e reúne pessoas de várias idades em um local que podem falar, comprar e encontrar tudo relacionado a series de televisão, jogos online, animes, mangás e filmes. Sua primeira edição ocorreu no colégio Marista Dom Silvério. Os organizadores não esperavam por muitas pessoas por ser o primeiro grande evento de anime e mangás de Belo Horizonte, mas, no final de dois dias, compareceram mais de 1.500 pessoas. Fernanda conta um pouco sobre o primeiro evento, “se parar para pensar em 11 anos atrás, o objetivo era trazer o mundo do anime pra cá, porque antigamente a gente fazia grupo pra poder assistir em VHS, a ideia do evento era justa-
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mente pra isso, aproximar o anime dos mineiros.” Nem sempre é fácil manter um evento de grande porte e, segundo os organizadores, aumentar o valor do ingresso não é uma opção. Afirmam que é difícil fazer um evento de qualidade com um preço razoável. Mas isso não abala o pessoal do Anime Festival, o principal foco é fazer um evento agradável para o público e todos trabalharem com o que gostam.
“Comecei a ir no Anime Festival em 2013. Na época, eu não conhecia ninguém. Então, ia sozinha. Era assim que eu fazia amigos” Thays Gabriella
São esperadas cerca de 2 mil pessoas por dia de evento. Fernanda ressalta que BH é um dos lugares que mais tem evento desse gênero. “No início era um evento por ano, no mês de outubro, aí o dono viu que estava tendo uma procura maior e foi aumentando.” O evento conta também com stands que vendem produtos relacionados a esse universo: lojas de roupas como a Cia do Ponto, que possui uma loja física na Avenida Augusto de Lima, stand de revistas em quadrinhos como a Comix, que sempre fica com filas enormes para poder entrar no espaço onde estão localizados os produtos, acessórios e muito mais, além da área de alimentação, com algumas comidas relacionadas ao universo oriental. Antes de começar o desfile de cosplays de domingo, o Anime Festival contou com a participação especial do Conselho Jedi de Minas Gerais. Agora, o que é Conselho Jedi? É um fã-clube mineiro de Star Wars ou Guerra nas Estrelas que possui membros fantasiados de vários personagens dos filmes da saga.
Moldes de capacetes dos personagens de Star Wars
Foto: Bruna Oliveira e Ingrid Vieira
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editoria comportamento - cosplay
O responsável pelas armaduras de Star Wars do Conselho Jedi é Marciano Pereira Gonçalves, 50, mais conhecido como Marte. “Desde menino tinha muita habilidade para trabalhos manuais, e nessa época eu tinha acabado de descobrir tinta para tecido, então eu estraguei todas as minhas camisas. Comecei a fazer para mim, mas foi um inferno na escola com a camisa do Superman, porque não exitia a cultura de super-hérois, e eu fiquei indignado. Marte cresceu e junto com ele seu amor e fascínio por quadrinhos e filmes. Formou-se em comunicação visual, hoje conhecido como design gráfico. Trabalhou em agências publicitárias, onde descobriu um pouco dos efeitos especiais causados pela maquiagem, entrando assim no mercado de cenografia. Aprendeu muito com o teatro, aperfeiçoando cada vez mais suas técnicas. “Sempre fui fascinado em filmes, principalmente de terror. Fui fazer um curso no Teatro Universitário (TU) de efeito especial em maquiagem, mas eu percebi que não era a minha vertente, foi aí que eu acabei caindo em cenografia”. Ele percebeu que poderia fazer mais, trabalhou com diversas pessoas que o ajudaram a crescer e aperfeiçoar, entrando assim no mundo dos cosplays, dedicandose inteiramente à Saga Star Wars. Quando questionado,
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Marte conta como encontrou sua inspiração. “Minha paixão por Star Wars começou em 78, quando vi o primeiro filme, Episódio IV: Uma nova Esperança. Tinha por volta dos meus 15 anos, e o mais engraçado é que as pessoas me perguntam como fiquei sabendo dos filmes, mas eu não me lembro, porque não existia internet nem nada disso.” Tudo começou na sua primeira experiência com a armadura do Darth Vader, feita de papel machê quando ele tinha 17 anos. “Eu era só nerd até então. Quando eu assisti a transformação do Anakin em Darth Vader, eu cismei que ia fazer uma roupa. Fiz meio pessimamente o capacete dele, mas acabei fazendo a roupa toda e fiz só por diversão. Na época meu filho devia estar com seus 16 anos e eu o usei como modelo. Um amigo dele me perguntou se conhecia o Anime Festival, eu disse que não. Fomos ao evento, nos vestimos no banheiro e quando saímos simplesmente paramos o evento.” Com a empolgação que estava surgindo, Marciano decidiu entrar no mundo das armaduras Stormtrooper. Levou cerca de dois anos só de pesquisa e mais um ano para desenvolver os moldes, sem contar o tempo para a criação da máquina. “Foi começar do zero, foi muito tempo gasto em processo de pesquisa, entender como é processo de montagem da armadura original, materiais envolvidos, o processo vacuum forming. Eu não tinha dinheiro para comprar minha própria máquina, então eu fiz a minha com ajuda de alguns amigos. Foi assim que surgiu o primeiro Trooper, que estava totalmente errado. Eu fiz e refiz várias vezes essa armadura, atualmente deve estar na 4° ou 5° versão”. Em 2006, ele participou da JediCon em São Paulo, com sua primeira armadura, o que fez com que seu trabalho explodisse no país inteiro. Tão bem conceituado no mundo Star Wars, Marte foi homenageado neste
Fotos: Bruna Oliveira e Ingrid Vieira
cosplay mesmo evento em 2009. “Foi muito gratificante, me pegaram de surpresa, veio uma galera do Rio e de São Paulo, do nada eu estava sendo homenageado. Vou ficar agradecido a eles pelo resto da vida.”. Hoje ele faz parte do 501st americano, o primeiro e maior fã clube de Star Wars, que, para poder ingressar, o membro tem que passar por uma seleção e já possuir uma armadura licenciada. O meio mais fácil de ingressar no fã-clube é possuir uma armadura confeccionada por ele, pois seus modelos são aprovados. Marte fala do seu amigo Vinicius Ayres, que é o fundador do 501st no Brasil. “Foi meu maior incentivador e o cara que mais me ajudou nesse meio de pesquisa. Ele era o único que tinha uma armadura no país, que era importada. Ele tirava fotos, o que foi me dando referências para moldar as minhas.”. Com o amor pelo seu trabalho tatuado na pele, brilho nos olhos e arrepios nos braços, Marte conta um pouco sobre o que é o 501st e como é participar de missões especiais que lhe são designadas. “O 501 é a coisa mais fantástica que um fã de Star Wars pode participar, é uma grande família, uma irmandade de soldados. Você tem um registro real, que é o IDTK, o meu é pro resto da vida, nem quando eu morrer vai existir outro TK 6265. É isso que faz com que você exista nesse universo. O 501 no Brasil é uma unidade de comando, eu costumo dizer que é uma brincadeira séria porque, quando a gente participa de missões, consta nas atas do 501 americano. Você é obrigado a participar de pelo menos uma missão oficial por ano pra ser considerado ativo.” Essa brincadeira séria surgiu há um tempo com Albin Johnson, que tinha uma filha, Katie, que foi diagnosticada com leucemia. Para arrecadar fundos para o tratamento da menina, ele e alguns amigos se ves-
Fotos: Bruna Oliveira e Ingrid Vieira
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tiram de Troopers e saíram pedindo ajuda. A campanha ficou tão séria que até George Lucas, o criador da Saga, entrou na brincadeira para ajudar. Infelizmente a garota não sobreviveu, mas foi imortalizada com o droid rosa nomeado de R2KT. Como o mundo inteiro havia se comovido com a história, Johnson resolveu criar um exército destinado a ações filantrópicas, surgindo assim o 501st. Não ficando apenas na área de armaduras Toopers, Marte fez alguns outros modelos, como a mochila dos caça fantasmas, os arcos do arqueiro verde e gavião, escudo do Capitão América e o martelo do Thor. Fez também a armadura do Homem de Ferro, a primeira feita em fibra no Brasil, com a qual ele ganhou o prêmio do melhor cosplay no Anime Friends em 2008. “Participar do Anime Friends foi uma loucura, eu estava muito empolgado por causa do filme que tinha acabado de assistir. Botei na cabeça que iria fazer e fiz.”. Ele tem um motivo especial para não participar de concursos, “Foi muito legal, mas depois eu não participei por causa do tempo. E também porque eu não acho legal, o cara gasta a noite fazendo cosplay lá no quarto dele para participar do evento, e eu chego com meu trabalho profissional.” Seus projetos e lutas não param por aí, hoje ele tem uma escola de artes, Stúdio A4, que tem sede em Contagem e foi fundado com um pequeno investimento. Marte pediu férias do trabalho e em uma semana a escola estava pronta. Algo que era para começar pequeno, apenas com ele dando aula, se tornou um enorme estúdio com diversos professores renomados. “O Stúdio A4 surgiu de um projeto engavetado; meu filho deu o nome e eu fiz a marca. Disse que queria algo que lembrasse um lugar para desenhar, desenvolver ta-
lentos”. Teve ajuda de grandes nomes, como Eddy Barrows, desenhista da DC Comics, que apadrinhou a escola e a fez como ela é hoje. Marte busca a motivação nos fãs, além de trabalhar com o que gosta. “Quando recebo um email de alguém falando do meu trabalho ou ligam falando que a armadura chegou, é a realização de um sonho. Eu já recebi telefonema de um cara de 35 anos, chorando porque tinha recebido a armadura, além dos outros que querem buscar pessoalmente.” Marte pensa em manter a linha Star Wars, com os Mandalorianos, Darth Vader e mais alguns projetos
Armadura completa de Stormtrooper
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E a cUlpa? É dE QUEm? Por Sara Lacerda
Há pouco mais de três anos, o livro A culpa é das estrelas, sexto romance de Jhon Green, foi publicado. Desde então, a maioria dos leitores e dos que assistiram ao filme tempos depois carregam a incessante dúvida a respeito do nome escolhido pelo autor para sua obra. Há quem diga que o título se deve ao champanhe que os protagonistas tomam no jantar da viagem a Amsterdã. Em uma conversa de Hazel e Gus, o garçom lhes oferece um champanhe e diz: “Vocês sabem o que Dom Pérignon disse após ter inventado o champanhe? ‘Venham, rápido’, ele disse, ‘eu estou saboreando as estrelas!’” Em seguida, Gus responde: “Algo me diz que nós vamos precisar de um pouco mais disso” Bom, se isto se relaciona de alguma forma ao título, eu realmente não sei, entretanto em caso de dúvida toda hipótese é válida. Poderia haver forma melhor de desvendar mistérios se não com que os criou? Em entrevista, John fala mais sobre o que tanto intriga seus leitores: “Bem, na frase de Shakespeare, ‘estrelas’ significam ‘destino’. No texto original, o nobre romano Cássio diz a Bruto: ‘A culpa, meu caro Bruto, não é de nossas estrelas / Mas de nós mesmos, que consentimos em ser inferiores.’” Ou seja, não há nada de errado com o destino; o problema somos nós. Bem, isso é válido quando estamos falando de Bruto e de Cássio. Mas não quando esta-
mos falando de outras pessoas. Muitas delas sofrem desnecessariamente, não porque fizeram algo de errado nem porque são más ou sei lá o quê, mas porque dão azar. Na verdade, as estrelas têm muita culpa, sim, e eu quis escrever um livro sobre como vivemos num mundo que não é justo, e sobre ser ou não possível viver uma vida plena e significativa mesmo que não se chegue a vivê-la num grande palco, como Cássio e Bruto.” Em alguns depoimentos, John fala acerca de uma menina chamada Esther que inspirou o livro. A garota, fã e amiga do autor desde 2009, teve câncer e morreu em agosto de 2009. Em entrevista, ele afirma que Esther, apesar de muito diferente de Hazel, inspirou cada palavra. O autor diz que tentou escrever a história por 10 anos, mas, após conhecer Esther, ele teve uma nova visão sobre a história e a construiu. É interessante pensar que John foi genial ao construir uma história emocionante, um título inteligente, uma circunstância de inspiração arrebatadora até mesmo com a trilha sonora tão bem escolhida. A música “Not about Angels – Birdy” parece ter sido criada especialmente para a história. Trechos traduzidos que dizem coisas como “A nossa sorte é tão injusta” fazem com que estejamos ainda mais inseridos na obra e ainda mais inspirados com gostinho de “quero mais”