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Pesquisa retrata evolução

Nutricionistas traçam novo “retrato” do cocho brasileiro

Levantamento da Unesp de Dracena registra evolução tecnológica nos confinamentos, com maior uso de grãos, volumosos e coprodutos de melhor qualidade e manejo mais preciso.

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Mais de 33% dos nutricionistas entrevistados já trabalham com dietas contendo entre 66% e 80% de grãos

Moacir José

Os confinamentos brasileiros continuam avançando no emprego de tecnologias para máximo desempenho, como as dietas de alto concentrado, forragem de melhor qualidade e gerenciamento adequado do trato. Essas são algumas das principais conclusões do quarto levantamento “Práticas nutricionais dos confinamentos brasileiros”, conduzido pelo zootecnista Danilo Domingues Millen, professor associado da Faculdade de Ciências Agrárias da Unesp (Universidade Estadual Paulista), campus de Dracena, noroeste do Estado. O levantamento, realizado entre novembro de 2019 e janeiro de 2020, contou com a colaboração do também zootecnista Antônio Marcos Silvestre, doutorando pela Unesp-Botucatu. Os dados foram levantados por meio de questionários com 96 perguntas, respondidas por 36 nutricionistas, que acompanharam 4,671 milhões de animais, cerca de 90% do total estimado para o País em 2019.

A maioria dos nutricionistas ouvidos atende confinamento pequenos, que alojam entre 1.000 e 5.000 cabeças (52,8% das respostas), percentual semelhante ao do levantamento anterior, feito em 2017 e publicado em 2018. Em seguida vêm os projetos médios, com 5.001 a 10.000 cabeças (19,4%) e os grandes, que engordam entre 10.001 e 20.000 cabeças (11,1%). Pela primeira vez, contudo, foram relatados confinamentos com mais de 20.000 animais (5,6%) e projetos com menos de 1.000 cabeças (11,1%), como mostra o gráfico da página ao lado.

O perfil do gado confinado não se alterou muito em relação aos levantamentos anteriores: 85,8% dos clientes dos nutricionstas entrevistados disseram que confinam Nelore e 52,7% deles também engordam cruzados (todos os tipos incluídos). O peso de entrada dos animais nos confinamentos praticamente não mudou desde 2009. Os machos inteiros, por exemplo continuam ingressando nas instalações com 372-376 kg. Já o peso de saída apresentou aumento expressivo, independentemente da categoria. No levantamento de 2009, os bois inteiros íam para o frigorífico com média de 500,9 kg, hoje vão com 555,8 kg, um aumento de 10,9% (veja gráfico). Como se conseguiu isso? Com mais dias de cocho, que, no caso dos machos inteiros, passou de 83,6 dias, em 2009, para 106,8 dias, em média, no levantamento publicado em 2020.

Mais grãos no cocho

Para produzir animais mais pesados, além de confinar os bovinos por mais tempo, foi preciso incluir mais grãos na dieta, fenômeno já registrado em anos anteriores. No gráfico da página ao lado, é possível ver que metade dos nutricionistas (50%) adota dietas com 51%-55% de grãos, mas aumentou bastante o percentual dos que estão trabalhando com 66% a 80% desses ingredientes – era de 6,5% em 2009, e hoje é de 33,3%. Além disso, 5,6% dos nutricionistas já estão adotando dietas com mais de 80% de grãos. O milho moído fino continua sendo a preferência dos entrevistados (44,4%) mas cresce o uso da silagem de milho úmido, que passou de 3%, em 2014, para 18,89%, em 2020. Millen ressalva, porém, que ainda estamos aquém do que se poderia chegar. “Nos EUA, 90% dos confinamentos utilizam grão úmido ou floculado”, compara.

De qualquer forma, esta fonte energética já é a segunda opção dos nutricionistas brasileiros, o que constitui um grande avanço, na opinião do professor da Unesp-Dracena. Aumentar o percentual de grãos na dieta significa aumentar o percentual de concentrado (que inclui também coprodutos, farelos, núcleo). Em 2009, apenas 19,4% dos entrevistados diziam usar 81% a 90% de concentra

Tamanho médio dos confinamentos (% de respostas)

Nível de inclusão de grãos na dieta (% de respostas)

do, hoje são 63,9%. Consequentemente, o percentual de volumoso nas formulações diminuiu (de 28,8%, no levantamento de 2009, para 16,75%). Millen destaca que essa redução veio acompanhada de uma melhora significativa na qualidade da forragem que está sendo usada. Quase 70% dos nutricionistas entrevistados disse trabalhar com silagem de milho, o que eleva o teor energético da dieta.

O bagaço cru continua sendo a segunda opção de volumoso (11,1% das respostas), a silagem de capim se manteve estável (8,3%), a silagem de sorgo e a cana picada (que chegou a ter 33% da preferência dos nutricionistas 10 anos atrás) sumiram do radar. “Já imaginou ter de usar maquinário para picar a cana todo dia, para 10.000 bois?”, instiga ele. A silagem de sorgo deixou de ser usada porque é um material de qualidade inferior à do milho, que possui de 10% a 12% a mais de energia. “O sorgo sempre foi uma alternativa para regiões de muito veranico. Quem não tem esse risco, fica com o milho. Até porque, se acontecer algum problema, o produtor pode esperar e colher o milho grão, vendê-lo para consumo humano, o que não é alternativa no caso do sorgo”, justifica Millen.

Aferição mais precisa da fibra

A qualidade do volumoso da dieta assume papel crucial, uma vez que o bovino precisa de um nível mínimo de fibra, dada sua condição de ruminante; caso isso não seja atendido, eleva-se o risco de problemas como acidose, timpanismo e laminite, por exemplo. Reside aqui outro avanço apontado pelo professor da Unesp: 80,5% dos nutricionistas consultados adotam o conceito de peFDN (fibra em detergente neutro fisicamente efetiva), usando métodos para medir quanto da fibra fornecida é capaz de estimular realmente a salivação e a ruminação dos animais. “É o parâmetro mais prático que temos hoje, pois permite controlar esse risco.”, define Millen. No levantamento anterior, 48,5% dos entrevistados fizeram uso da técnica e o percentual era de apenas 10,4%, há 10 anos.

Consequência direta da melhor qualidade do volumoso, maior inclusão e melhor processamento dos grãos é a redução na participação percentual de coprodutos na dieta. Ainda preferido por 52,78% dos nutricionistas, o caroço de algodão manteve sua participação na dieta (14%- 15%), mas a polpa cítrica caiu de 33,8%, em 2009, para 27,8%, em 2020, e a casca de soja sumiu no último levantamento (veja gráfico). Em contrapartida, cresceu o emprego de resíduos de destilaria, como o DDG e o WDG, mencionados por 11,1% dos entrevistados e já com 15% na dieta. “É provável que o emprego desse insumo cresça, talvez até ocupando parte do espaço hoje destinado aos grãos na dieta. Vamos esperar para ver”, diz Millen.

No que diz respeito ao manejo dos alimentos, o professor da Unesp destaca mais um ponto positivo do último levantamento: cresceu a participação do descarregamento programado por baia (de 46,6%, em 2009, para 69,47% em 2020), em detrimento do sistrema de “bica corrida”, onde não há controle de quanto de ração foi despejado por baia. “Melhorou muito, pois há maior controle sobre o alimento, que é o segundo maior custo do confinamento”, lembra. Esse avanço, segundo ele, foi possível graças à maior utilização do vagão misturador/distribuidor, que já detém a preferência de 77% dos confinamentos, ante 40,5% 10 anos atrás. É um equipamento que permite uma melhor mistura, que tem balança, supor

Peso de saída do confinamento (kg)

Processamendo dos grãos (1ª opção dos nutricionistas)

Inclusão de concentrado (% de respostas)

te para automação de trato. Enfim, facilita o aumento da quantidade de energia na dieta, acarretando melhor desempenho e maior peso final dos animais”, lista o professor da Unesp. O uso do antigo vagão distribuidor caiu de 41,9% para 4,8%.

Menos desperdício de comida

Buscando evitar desperdício de ração e reduzir custos, os confinamentos brasileiros também estão adotando mais o conceito de “cocho limpo”, ou seja, “acertar na mosca” quanto os animais vão comer, para não ter sobra de um dia para outro. Esse tipo de manejo já é observado em 44% dos confinamentos, quase o dobro do que era 10 anos atrás. “Só consegue fazer isso quem tem distribuição programada por curral, vagão misturador/distribuidor bem ajustado, horário e frequência de trato, controle de uso mínimo de fibra (pe-FDN). Enfim, uma rotina muito bem estabelecida”, diz Millen.

O levantamento feito em 2019 (divulgado em 2020) com os 36 nutricionistas não registrou alteração significativa nas recomendações para o teor de proteína nas dietas (é praticamente o mesmo há 10 anos), tendo o farelo de soja como principal fonte (55,6%). Com relação ao extrato etéreo, os níveis estão subindo devagar, contribuindo para a maior densidade energética da dieta, e a principal

% de inclusão de coprodutos na matéria seca

fonte é o caroço de algodão, usado por 72,4% dos entrevistados. “A gordura protegida caiu para 2,8%, porque é um produto caro, mas continua sendo muito interessante”, comenta Danilo Millen. Com relação aos aditivos, a monensina segue disparada como primeira opção, seguida pela virginiamicina, muito provavelmente em associação com a primeira. “Podemos especular que entre 50% e 60% da monensina utilizada pelos nutricionistas é associada com a virginiamicina”, opina o professor.

Desafios dos confinamentos

Em termos de desafios sanitários dos confinamentos brasileiros, a acidose, citada em 2018 por 36% dos entrevistados, perdeu peso (11,4%), devido à adoção de tecnologia (rações mais bem misturadas, monitoramento de teor de fibra, aditivos). O maior problema continua sendo as doenças respiratórias (71,4% das respostas, ante 51,7% no levantamento publicado em 2015). Segundo Millen, em parte isso se deve ao fornecimento de uma dieta mais concentrada e seca, servida justamente na época seca do ano. “Somente 44% dos confinamentos colocam aspersores nas baias. Então, com muita poeira, se houver por ali bactérias e vírus, eles vão contaminar os animais. A ração muito farelada também pode contribuir”, salienta. Uma saída para diminuir a magnitude do problema tem sido a adição de água na ração, que passou de 12,1% dos clientes (2009) para 43,7% (2020), ou seja, triplicou.

O percentual médio de água incluído na dieta subiu pouco (9% para 12%), mas, segundo Millen, há projetos que colocam até 25% de água na ração. Ele ressalva, porém, que esse é um recurso que tem de ser manejado sob supervisão. “Se você tem uma ração com potencial de fermentação e os animais estão num ambiente muito quente, obviamente que, se for colocada muita água, a ração pode fermentar no cocho. Tem que ser feito um ajuste na proporção de água em relação à matéria seca da dieta. Depende, também, dos ingredientes”, diz. Como principal dificuldade para colocar em prática suas recomendações, os nucionistas apontam a gestão de processos, mais do que maquinário e treinamento de pessoal. n

@GuabiOficial

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