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O Nelore de José Humberto Villela Martins

Nelore construído com “olho” e números

José Humberto Villela Martins não abre mão de aliar fenótipos à avaliação genética. O resultado é a liderança no mercado de leilões, com obtenção de preços recordes.

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Seu Zé Humberto na porteira da Fazenda Camparino, em Cáceres, MT: 55 anos de dedicação ao Nelore.

Larissa Vieira

Já é noite em Cáceres, região sudoeste do Mato Grosso, quando o pecuarista José Humberto Villela Martins atende ao telefone, na sede da Fazenda Camparino. A labuta havia sido grande durante o dia, afinal de contas, a propriedade abriga cerca de 10.000 cabeças de gado e negócios diversificados, que incluem pecuária seletiva de Nelore, Sindi e Gir Leiteiro, pecuária de corte comercial, e ainda belos cavalos Quarto de Milha. Esta repórter explica que a Revista DBO gostaria de mostrar o trabalho de seleção de zebu da Camparino e “Seu” Zé Humberto já avisa: “Ih, é muita história para contar numa conversa só...” Mas logo emenda a frase, enumerando o que levou o criatório a se tornar referência nacional na produção de touros melhoradores da raça Nelore.

Mineiro de Ituiutaba, Martins está há quase 30 anos no Mato Grosso, mas contabiliza 55 anos de seleção da raça, o que lhe garantiu, nos últimos tempos, espaço previlegiado no mercado de reprodutores, inclusive quando o evento acontece na praça mais concorrida, a ExpoZebu, de Uberaba, MG. Em sua última participação na mostra, no “2° Leilão Terra Brava, Camparino e Genética Aditiva”, realizado no dia 30 de abril deste ano, o touro Don Juan FIV Camparino teve cota de 50% vendida por R$ 723.000. Foi o exemplar mais valorizado da ExpoZebu. Valor maior ainda ‒ R$ 810.000 ‒ foi obtido por Calibre FIV Camparino, na mesma condição (cota de 50%), na mostra mineira de 2019.

“A concorrência no mercado de touros é muito grande hoje em dia. Você liga a televisão e sempre tem um leilão. Apesar disso, estamos conseguindo boas médias, resultado que atribuo ao fato de conhecer a fundo o que o mercado pecuário quer. Sou produtor de boi de corte e uso essa minha experiência para produzir touros capazes de atender às reais demandas da indústria frigorífica”, sintetiza o selecionador, que oferta, anualmente, 600 touros Nelore, além de contar com 25 animais em centrais de inseminação.

De mãos dadas

José Humberto explica que a seleção do plantel Camparino é trabalhada tanto com ajuda de ferramentas científicas (avaliações genéticas, genômica) quanto empíricas – o velho “olho do dono”. Andam juntas, “de mãos dadas”. Todas as fêmeas Nelore PO são genotipadas, assim como os touros direcionados às vendas em leilão. O trabalho é lastreado nos programas de melhoramento genético da ANCP (Associação Nacional de Criadores e Pesquisadores) e da ABCZ, através do Programa de Melhoramento Genético de Zebuínos (PMGZ). Mas é o olho do criador, calibrado por 55 anos de seleção, que bate o martelo nos acasalamentos, feitos vaca por vaca, buscando principalmente fertilidade e boa habilidade materna.

O plantel de 1.200 fêmeas PO é direcionado à inseminação artificial por tempo fixo (IATF) e cerca de 1.000 receptoras recebem embriões obtidos por Fertilização in Vitro (FIV). Mesmo satisfeito com o desempenho de seu plantel nos programas de melhoramento, o criador conta que não abre mão de uma forte pressão de seleção. As fêmeas que não emprenham ao final da estação de monta são descartadas e menos de 50% são reservadas para a Camparino a cada safra.

Segundo ele, quando o assunto é planejamento genético, deve-se acompanhar o que o mercado quer, mas com certa cautela para não acabar produzindo um animal fora do padrão racial. “Para fazer um gado branco com avaliação genética, basta um computador e um bom ar condicionado. Agora, fazer Nelore é outra coisa. A seleção da raça nos últimos tempos focou demais em números, que são importantes, mas precisam ser combinados com o fenótipo”, pontua.

Por isso, a Camparino tem colocado no mercado um Nelore de biótipo funcional, de tamanho mediano, boa ossatura, precoce, fértil, com área de olho de lombo, e acabamento adequados, sempre dentro do padrão racial. “É um animal que se comporta melhor no pasto e dá mais rendimento de carcaça na hora do abate”, assegura. Caçando defeitos – quando precisa definir quais touros vai usar na estação de monta seguinte, como fará a partir deste mês de agosto ‒, literalmente “coloca o pé na estrada”. Precisa ver pra crer se o reprodutor é tudo aquilo que apontam as avaliações genéticas. “Prezo a linhagem do touro. Por isso, puxo a ‘capivara’ toda dele, até a terceira geração, para ver se não tem um ‘lobisomem’ ou um ‘saci pererê’ escondido na genealogia dele”, brinca seu Zé Humberto, fazendo referência ao fenótipo da linhagem a ser usada.

Uso de touros jovens

Outra tendência na Camparino é usar sêmen de reprodutores jovens, de dois a três anos de idade, sejam de produção própria ou de criatórios criteriosos na seleção de Nelore, e recém-colocados no mercado. “A pecuária é uma atividade de ciclo longo. Por isso, se você usa um touro que está na crista da onda hoje, daqui a três anos todo mundo tem essa genética e seu produto fica sem ter um diferencial no mercado. Gosto de ser o primeiro a colocar uma safra do animal no mercado”, confesssa. A exceção para uso de touros de até cinco anos só é aberta para aqueles produzidos na Camparino, mas representam 10% do total usado na estação.

Há três anos, Seu Zé Humberto vem apostando firme nas precocinhas, novilhas submetidas à IATF com 12-14 meses de idade. Elas já são responsáveis por cerca de 40% dos nascimentos de Nelore na Camparino. O criador se mostra animado com os resultados: “Neste ano, o peso dos bezerros das precocinhas foi somente 20 kg inferior ao dos produtos da vacada. Isso comprova o conceito de que as novilhas precisam ser as melhores mães do rebanho”, destaca.

A média da Camparino, nesta categoria, tem sido de 270 kg, peso ajustado aos 210 dias, 30% maior do que os 212 kg de 24 anos atrás, época em que transferiu os negócios para o MT. A fertilidade também vem melhorando ano a ano, com a taxa de natalidade geral girando em torno dos 80%, acompanhada por uma redução da idade ao primeiro parto, atualmente na casa dos 23 meses. O selecionador alerta que, apesar dos bons

números, as precocinhas são uma categoria que merece um manejo especial. Quando são desmamadas, em maio, seguem para um pasto próprio, onde recebem, também, ração balanceada. São inseminadas por IATF (podendo fazer até três protocolos) na estação de monta que vai de 1° de novembro a 28 de fevereiro.

Nelore de raiz

A taxa de prenhez da categoria fica em torno de 70% e a de natalidade é de 65%. A estação de monta na Camparino, que já foi de 90 dias, hoje ocorre em 120 dias, devido às condições climáticas de Cárceres, que tem chuvas bastante irregulares, não superiores a 1.200 mm/ano. Na próxima estação de monta, a expectativa do selecionador é obter uma produção de 2.000 bezerros. “Na cabeça da estação, fazemos até quatro protocolos de IATF; do meio para o fim, no máximo duas”, explica.

Aos 78 anos de idade, completados no último dia dia 28 de julho, José Humberto Martins nem pensa em parar. A pecuária é um negócio que está em seu sangue e produzir um “Nelore de raiz”, seu desafio diário. “Vivo só de fazenda e não brinco de criar gado. Por isso, meu slogan é ‘O zebu é que paga a conta’”, diz ele, que destaca o papel importante desempenhado por sua equipe, composta por 20 funcionários, nessa empreitada. “Quem aponta a direção da estrada da seleção de Nelore na Camparino sou eu, mas tenho uma equipe grande e muito competente que trabalha aqui há anos”, destaca o pecuarista. n

A fêmeas passam por forte pressão de seleção. Todas as vazias são descatadas e apenas 50% das restantes são mantidas na Camparino.

Touros da grife, que vendeu 50% de um reprodutor na Expozebu por R$ 810.000 na Expozebu 2019

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