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Fêmea que sai
ESPECIAL
Genética e Reprodução Menos correria, mais prenhez
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Escores de velocidade de saída das fêmeas do tronco de contenção após a inseminação permite avaliar o manejo e melhorar índices reprodutivos
Fêmeas que saem calmas do tronco após IATF emprenham mais
O estresse impacta mais as fêmeas jovens”
Ricardo Cézar, da Criafértil
Azul Águ zend Arquivo: F
Renato Villela
Apesquisa já esmiuçou os efeitos negativos do estresse sobre o ganho de peso, a qualidade da carne ou a produção de anticorpos (imunização) em animais recém-vacinados, mas o veterinário Ricardo César Passos, sócio-proprietário da Cria Fértil, de Goiânia, GO, decidiu mensurar o impacto do manejo estressante no curral sobre a eficiência reprodutiva das matrizes. Para isso, desenvolveu um método de fácil adoção, que consiste em avaliar o comportamento das fêmeas após o processo de inseminação artificial, medindo sua velocidade de saída do tronco de contenção por meio de escores ou notas: 1 (andando), 2 (marchando) e 3 (correndo). Constatou uma correlação direta entre o comportamento do animal (em decorrência do manejo) e a taxa de prenhez, o que lhe permitiu afirmar que as matrizes menos estressadas durante o processo emprenham mais. “A partir da leitura de dados, começamos a utilizar a velocidade de saída do brete como ferramenta de gestão do manejo”, conta.
A avaliação inicial foi realizada na estação de monta 2013/2014 na Fazenda Rio Preto, no município de Canabrava do Norte, MT. Foram analisados os dados de primíparas e multíparas, num total de 469 animais. Na primeira categoria, 40% saíram caminhando (nota 1), 36% marchando (nota 2) e 24% correndo (nota 3). O índice de prenhez chegou a 65,5% para as fêmeas com nota 1, ante 57,3% das que deixaram a instalação marchando. A diferença que salta aos olhos, no entanto, está justamente nas matrizes que saíram em disparada, comportamento indicador de insegurança e estresse. Somente 29,6% das primíparas que receberam nota 3 emprenharam, 35% a menos em comparação com as de nota 1. “O gado que saiu correndo certamente teve um dia mais agitado, o que se reflete em seu comportamento no tronco de contenção e, consequentemente, em sua taxa de prenhez”, explica.
Em função do menor índice de prenhez no lote de primíperas sob estresse, o custo médio por IATF ficou em R$ 168,7, mais do que o dobro do valor registrado pelas fêmeas mais tranquilas, que emmprenharam mais (média de R$ 76 por IATF). O estudo levantou ainda o desempenho reprodutivo das multíparas. O índice de prenhez das fêmeas dessa categoria que receberam nota 1 foi de 64,7%, ante 48,7% das avaliadas com escore 3. “A diferença é menor porque o estresse tem impacto maior nos animais mais jovens”, justifica o veterinário. Com os resultados de campo, Passos fez um trabalho junto à professora Eliane Vianna, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e Adriane Zart, da Personal Pec, para comprovar, na fisiologia do ciclo estral, o que já se sabia na prática. “Coletamos sangue de fêmeas prenhes e não prenhes e constatamos índices maiores de cortisol (hormônio indicador de estresse) no último grupo”.
Sem gritaria, nem confusão
Há seis anos, o produtor Marco Aurélio Teixeira Sampaio vendeu as terras que possuía em Goiás para se estabelecer em Tocantins, na Fazenda Água Azul, município de Pium. Disposto a “começar do zero”, adquiriu um novo plantel de matrizes. “Mais de 90% das fêmeas foram apartadas por temperamento”, afirma. Um ano após a compra, o consultor Ricardo Passos, que auxiliou na apartação, foi até a propriedade conferir o manejo reprodutivo. E não gostou nada do que viu. “Ele chegou no curral e estava aquela confusão. Gritaria, vaqueiro correndo de um lado para outro”, relembra o produtor. A cena acendeu um alerta. “O Ricardo me disse: investimos muito para comprar o que tinha de melhor em seleção por temperamento, mas o manejo inadequado pode pôr tudo a perder”. Os índices mostram que a situação não era mesmo boa. Na estação de monta de 2015, a fazenda registrou
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taxa de prenhez de 48% na IATF. “Muitas vezes visito currais e a turma tá animada, correndo de um lado para outro, gritando. Confundem barulho e velocidade com eficiência de trabalho. É um erro”, salienta Passos.
Com base na avaliação da metodologia criada pelo consultor fica fácil entender como o manejo estava causando estresse nos animais. Das 1.087 multíparas inseminadas, 34% (377) saíram correndo do tronco de contenção, ante 21,7% (235) das que caminharam calmamente. O primeiro grupo registrou taxa de prenhez de 43% e o segundo, de 63,4%. A partir desse resultado, a fazenda promoveu uma série de mudanças para reverter o quadro. Uma das principais foi introduzir a aclimatação dos animais (veja quadro abaixo). A mão de obra também recebeu atenção especial. “Capacitei toda a equipe para trabalhar com o manejo Nada nas Mãos e contratei novos vaqueiros”, conta o produtor. Os números mostram que as ações surtiram efeito. Na última estação de monta, das 1.156 multíparas avaliadas, apenas 7% (83) receberam nota 3, das quais 39,7% emprenharam. Em contrapartida, 67,3% (778) saíram do tronco caminhando, o que se refletiu em uma taxa de prenhez de 70,5%. “Mesmo em vacas de bom temperamento o manejo ruim interfere, principalmente se forem novilhas”, diz o produtor.
Mantenha a disciplina
Os cuidados com o manejo devem se estender por toda a estação reprodutiva. Pode parecer uma recomendação óbvia, mas na prática não é bem assim que a coisa funciona. “Em algumas fazendas notamos que os va
Azul Águ zend Arquivo: F
queiros começam bem o trabalho, mas depois relaxam no manejo. Do meio para o final da estação de monta, o número de fêmeas que saem correndo do tronco de contenção aumenta e os índices de prenhez começam a cair”, afirma. A explicação para esse “relaxamento” não está, segundo Ricardo Passos, no cansaço do vaqueiro. “Trabalhar com calma cansa menos. A questão é manter a disciplina do começo ao fim”, adverte.
Outro ponto importante é que não adianta manejar os animais com calma somente dentro do curral. Passos relata o caso de um veterinário que adotou a metodologia de velocidade de saída do tronco de conteção, mas não notou diferenças significativas nos índices de prenhez entre fêmeas avaliadas com notas 1 e 3. “Identificamos que o vaqueiro da fazenda manejava bem o gado dentro do curral, mas na hora de conduzir os animais de volta para o pasto, colocava-os para correr. Por isso os índices caíram. A vaca que estava tranquila no curral emprenhava muito próxima da que não estava. O manejo calmo deve começar na hora da reunião dos animais e terminar quando eles são levados de volta ao pasto”, afirma. n
Marco Aurélio Teixeira Sampaio, proprietário da Fazenda Água Azul, em Pium, TO, investiu em treinamento para ajustar manejo no curral
Aclimatação ajuda
Algumas categorias, como novilhas e primíparas, mesmo submetidas a manejo adequado, costumam ter um comportamento mais arredio no curral, ficam irrequietas e correm de um lado a outro. “São mais ansiosas, porque não sabem o que vai acontecer, já que, na maioria das vezes, passaram por por poucos, diferentemente das multíparas”, explica a veterinária Adriane Zart, consultora da Pesonal PEC, com sede em Campo Grande, MS. Para acalmá-las e ensiná-las a caminhar dentro do curral, surgiu a ideia de promover o que se chama de “aclimatação”.
A técnica busca estabelecer uma relação de confiança entre o animal e o vaqueiro. “O primeiro passo é acalmar o gado, acostumá-lo à presença dos manejadores. Em seguida, treinamos as fêmeas para que aprendam os comandos de ‘pressão e alívio’ que serão utilizados para conduzi-las no manejo do curral”, explica. Segundo Adriane, a aclimatação, que segue os preceitos básicos do manejo “Nada nas Mãos”, pode ser feita em uma remanga, onde normalmente é realizado o rodeio dos animais ou em um canto do pasto. “O fundamental é que o local seja espaçoso para que os animais se sintam confortáveis”, diz. A partir do momento em que o gado está “pronto”, ou seja, apto a obedecer os comandos e caminhar com tranquilidade (duas a três repetições costumam ser suficientes), inicia-se o próximo passo: levar as fêmeas até o curral. “Neste primeiro contato breve, o vaqueiro as ensina a passar devagar pela porteira e percorrer a instalação, que deve estar toda aberta, como se fosse um local de passagem”, afirma. No procedimento seguinte, as fêmeas ficam presas no tronco de contenção individual, mas sem o uso da guilhotina, dispositivo que prende o pescoço do animal. “Espere uns 10 segundos e solte”, ensina. Na última passagem, os animais devem ser presos no mecanismo. Entre uma operação e outra, Adriane recomenda um intervalo de duas semanas, ao menos.
“Quando chegar o dia do manejo reprodutivo, essas fêmeas já terão passado pelo curral de três a quatro vezes. Não ficarão estressadas e, por isso, a tendência é de que os níveis de cortisol se mantenham baixos”, explica. Conforme a veterinária, não há regra quanto ao momento de se iniciar a aclimatação antes da estação reprodutiva. “Isso depende do tamanho do plantel de matrizes e do manejo adotado. O ideal é montar um programa para cada realidade”. O que vale para todos é que a técnica depende essencialmente dos vaqueiros para ser bem-sucedida. “O gado somente muda de comportamento quando as pessoas também mudam”, diz.