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Mosca dos estábulos: não dá para
Mosca-dos-estábulos: um grande desafio a ser vencido
Paulo Cançado
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É veterinário com doutorado em parasitologia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e pesquisador da Embrapa Gado de Corte
Thadeu Barros
É veterinário com doutorado em entomologia pela Louisiana State University e pesquisador da Embrapa Gado de Corte C om a aproximação do início da estação chuvosa e a safra de cana-de-açúcar ainda em andamento (termina em novembro), a possibilidade de ocorrência de novos surtos de mosca-dos-estábulos (Stomoxys calcitrans) volta a preocupar os produtores. Há mais de 10 anos, essa praga causa prejuízos ao agronegócio brasileiro. Recentemente, técnicos do Departamento de Desenvolvimento Sustentável da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo realizaram um levantamento sobre sua incidência, cujos dados estão sendo utilizados, inclusive, como ferramenta de Business Inteligence para planejamento de ações de combate ao inseto. Neste levantamento, constatou-se que 13% dos municípios pesquisados tiveram problemas com surtos de mosca-dos-estábulos em 2019.
Trata-se de um percentual expressivo. Na prática, isso significa 16.000 estabelecimentos pecuários e 900.000 animais sob risco de ataque da praga. Segundo o levantamento, cerca de 2/3 dos municípios atingidos pelo problema em São Paulo estão concentrados na região noroeste, onde há forte presença de indústras sucroenergéticas. Produtores de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul também têm sofrido bastante com a Stomoxys calcitrans. O problema ocorre em outros Estados brasileiros, porém em menor intensidade. Hoje, já temos mais de 200 municípios afetados por surtos, dos quais 160 têm relação com usinas.
Prejuízos pesados
A mosca-dos-estábulos se parece muito com a mosca comum. As duas pertencem à mesma família (Muscidae), mas a Stomoxys calcitrans tem aparelho bucal picador prolongado e manchas no abdômen. Trata-se de um inseto hematófago (se alimenta de sangue). Além da picada dolorosa, que gera muito estresse nos animais, essa mosca transmite doenças como a tripanossomose e a anaplasmose. Nas vacas leiteiras, registra-se redução de até 60% na produtividade e, no gado de corte, queda de 20% a 30% no ganho de peso. Em 2014, o prejuízo potencial causado pela mosca-dos-estábulos aos pecuaristas brasileiros foi estimado em US$ 335 milhões por ano.
Esse valor, contudo, pode ser bem maior atualmente, pois não se considerou, na estimativa, surtos da dimensão dos ocorridos nos últimos anos, nem as consequências indiretas do ataque do inseto, como abortos, mortalidade de animais, ausência de cio e queda de vários índices zootécnicos. Também ficaram de fora dessa conta as perdas das usinas. É importante lembrar que, apesar do maior sofrimento ser certamente do pecuarista e dos animais afetados, o setor socroenergético também acumula prejuízos com a mosca. Despesas com pessoal, consultores externos e produtos para controle da praga são facilmente calculados, mas há vários custos intangíveis, difíceis de perceber e medir, como a adoção de manejos que interferem na produtividade da cultura e o comprometimento da imagem da empresa.
Relação com a cana
A mosca-dos-estábulos sempre esteve presente nas propriedades rurais, mas sua proliferação em rebanhos bovinos aumentou nas duas últimas décadas, principalmente associada às usinas de cana-de-açúcar. Mudanças na legislação brasileira voltada ao setor, iniciadas em 1998, determinaram a proibição gradativa da queima pré-colheita dos canaviais e isso levou à posterior mecanização do processo de corte. A palhada, que outrora era queimada, agora permanece sobre o solo e é encharcada com vinhaça usada na fertirrigação, criando um ambiente propício para o desenvolvimento do inseto, antes restrito às propriedades pecuárias.
Bezerro com dorso coberto pela moscados-estábulos (no detalhe), inseto que se alimenta de sangue e causa perda de peso nos animais.
arquivo pessoal paulo cançado
A filtragem do caldo da cana também gera grandes quantidades de torta de filtro, um resíduo com elevado teor de umidade, abrigo perfeito para a mosca.
Somada à mudança na legislação e a consequente alteração no sistema produtivo da cana-de-açúcar, ocorreu uma expansão do setor sucroenergético no País, impulsinonado por incentivos do governo federal à produção de etanol combustível. Muitas usinas foram construídas em regiões que tinham, tradicionalmente, a pecuária como principal atividade. As indústrias passaram a ser vizinhas de fazendas leiteiras, propriedades de gado de corte e confinamentos. A mosca-dos- -estábulos viu-se, então, no “melhor dos mundos”, deslocando-se entre as fazendas de gado (onde se alimenta) e as lavouras de cana-de-açúcar (onde se reproduz em grande número). Vale ressaltar que a vinhaça é usada da mesma maneira nos canaviais desde a década de 1980, não tendo causado problemas por 20 anos, entretanto agora existe o componente palha. Juntas, palhada e vinhaça fornecem condições ideais para a alimentação e desenvolvimento das larvas do inseto.
Mecanismos de monitoramento
Quando ocorreram os primeiros grandes surtos de mosca-dos-estábulos em propriedades pecuárias, na segunda metade dos anos 2000, não havia muito conhecimento sobre o problema. Não sabíamos claramente as causas da multiplicação acelerada da mosca e tampouco como controlá-la. Com o passar dos anos, após muita pesquisa e muito esforço, conseguimos avanços significativos no conhecimento técnico e na geração de soluções para controle dessa praga, que causa tantos prejuízos. As alternativas para combatê-la, contudo, são complexas e têm eficiência variável. Existe carência de profissionais especializados nesse trabalho, principalmente para atuar junto ao setor de cana-de-açúcar.
A Embrapa já desenvolveu e divulgou diferentes mecanismos para monitoramento, manejo preventivo e controle do inseto, mas as peculiaridades de cada situação exigem a participação de um especialista, ajudando a definir quais medidas devem ser adotadas e quando. O monitoramento populacional nas usinas e fazendas é imprescindível para viabilizar o controle da mosca-dos-estábulos. Com essa informação em mãos, as indústrias sucroenergéticas podem adotar técnicas de manejo da palhada e do solo, com intuito de reduzir o acúmulo excessivo de umidade, que favorece a multiplicação do inseto.
Também é importante garantir a qualidade máxima no armazenamento, distribuição e aplicação de vinhaça, evitando vazamentos e acúmulos desse material. O uso de inseticidas e larvicidas é caro e, se usado de forma inadequada, pode gerar resistência (leia o QR Code e veja o artigo da Embrapa sobre o tema). Por isso, seu emprego deve ficar restrito a situações específicas recomendadas por especialistas no combate à praga. Ao pecuarista cabe estreitar o diálogo com as usinas, tanto
Dicas práticas para prevenir a disseminação da mosca-dos-estábulos na fazenda
1 Limpeza semanal de instalações (cochos, piquetes, currais), com remoção dos dejetos animais e restos alimentares. 2 Manejo dos resíduos orgânicos: empilhar e cobrir com lona escura por 40 dias e usar esse material como adubo. 3 Manter a silagem totalmente coberta com lona plástica, para evitar a exposição do material e o desenvolvimento das larvas. 4 Controle de moscas com armadilhas tipo bandeiras de cor azul e preta tratadas com inseticida ou cola entomológica. Instalar preferencialmente ao redor de currais, leiterias e piquetes próximos.
Curral limpo, sem acúmulo de dejetos
Fotos: Arquivo Volare Material orgânico coberto com lona Placa com cola entomológica
no sentido de alertar sobre situações de risco quanto no intuito de colaborar com ações preventivas. Como os inseticidas disponíveis no mercado possuem limitada eficiência no controle dos surtos, resta aos produtores adotar ações preventivas, principalmente direcionadas à eliminação de potenciais locais de criação da mosca em suas propriedades, como os resíduos de cochos e áreas de armazenamento de suplementos alimentares (silagem, feno etc).
Atenção às chuvas
As ações preventivas promovidas por produtores são especialmente importantes nos meses mais chuvosos do ano, quando ocorre a entressafra da cana-de-açúcar (dezembro/abril) e a população de moscas se mantém nas fazendas. Ações colaborativas e comunicação frequente, com envolvimento de sindicatos e associações de produtores têm se mostrado de grande valia no combate à praga. Por outro lado, a falta de comprometimento e o enfrentamento ostensivo entre os setores (pecuário e sucroenergético) já se mostrou ineficiente para ambas as partes. Nos municípios onde há diálogo entre pecuaristas e usinas de cana-de-açúcar, as ações de prevenção e combate aos surtos parecem mais rápidas e eficientes.
A pesquisa científica já trouxe várias respostas sobre o tema e alternativas estão disponíveis. É importante termos consciência de que a mosca-dos-estábulos é uma praga que vai permanecer no convívio dos pecuaristas e das usinas por anos. Não há um produto ou solução mágica para eliminá-la. A convivência equilibrada com essa mosca, contudo, requer planejamento, monitoramento e ações articuladas de curto, médio e longo prazos, de ambos os lados. n
Bandeira bicolor (preta e azul)
Baixe o PDF do folder sobre a mosca-dos-estábulos imprima e fixe no mural de sua fazenda
Artigo sobre resistência da praga a inseticidas