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O Guzerá Marca S: moderno, mas

Guzerá em sintonia com a modernidade

Toninho de Salvo seleciona a raça com foco no mercado de carne, mas sem abrir mão da dupla aptidão. Defende a descorna e aposta em importação da Índia

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Matrizes têm de ser boas de leite, para desmamar bezerros pesados

Lariss a Vieira, de Uberaba, MG

Raça bovina mais populosa da Índia, com mais de 2,5 milhões de cabeças, o Guzerá (Kankrej, como é conhecido por lá) experimenta uma fase promissora no Brasil. Com a demanda crescente por carne no mundo, deixou para trás os tempos de purismo genético, quando falar em cruzamento industrial era praticamente uma “heresia” para os criadores de zebu. Nos últimos anos, o posicionamento da raça no mercado é ser uma opção para quem busca alto desempenho em cruzamento com outros bovinos de corte, taurinos ou zebuínos, tanto para a produção de cruzados F1 quanto de tricruzados.

Um dos protagonistas dessa atual fase é o pecuarista mineiro Antônio Pitangui de Salvo, o Toninho, cuja família cria Guzerá há nove décadas. Uma história que começou a ser escrita por seu bisavô, Major Antônio Salvo, imigrante italiano que, na década de 1930, se estabeleceu em Curvelo (MG), cidade localizada a 130 km de Belo Horizonte. Lá, ele atuava como invernista, engordando animais Guzerá e Charolês. Na década seguinte, os negócios passaram a ser conduzidos pelo avô de Toninho, Ernesto de Salvo. Foi ele quem deu os primeiros passos para formação do rebanho Guzerá Marca S, em 1942, adquirindo matrizes puras de plantéis pioneiros da época, como o de Christiano Penna, também de Curvelo.

“Meu pai [Antônio Ernesto Werna de Salvo, ex-presidente da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil, CNA] recebeu esse legado e deu iniciou ao trabalho de melhoramento genético do rebanho, em 1956. Em 1958, ele implantou o controle leiteiro na fazenda e, em 1959, o Controle de Desenvolvimento Ponderal, ferramentas que utilizamos ininterruptamente, pois acreditamos no duplo propósito do zebu”, conta Toninho de Salvo, que comanda a Marca S junto com os irmãos Gustavo e Patrícia, além de ser presidente da Câmara Setorial da Carne Bovina, junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

Dupla aptidão

Na Fazenda Canoas, o foco da seleção é uma genética versátil, que pode ser usada para cruzamento com raças de corte, valorizando-se desempenho individual e ganho de peso, mas que também traz benefícios para quem atua na pecuária leiteira, uma vez que, segundo Toninho, também são valorizados atributos como habilidade materna e produção de leite, via controle leiteiro. “Acreditamos no Guzerá da forma que é criado na Índia, com muita força (pois é utilizado para tração animal), porém com boa aptidão leiteira, pois lá as vacas são sagradas e utilizadas para a produção de leite. Somos favoráveis a esse Guzerá natural, mas melhorado por nós, pecuaristas brasileiros”, defende o criador, cujo lema é “Leite para produzir carne e carne para produzir leite”.

Toninho de Salvo explica que as matrizes precisam ter alta habilidade materna, pois precisam produzir um excelente bezerro de corte, ou seja, que tenha capacidade de ganho de peso para transformar o leite recebido da mãe em carne. Outras características priorizadas na seleção das fêmeas são a estrutura corporal, bom ligamento de úbere e tetos pequenos. Aliás, tetos grandes são critério de descarte na Fazenda Canoas, mesmo que a vaca tenha boa produção de leite. Essa é uma característica que vem sendo corrigida no Guzerá, para que a raça tenha cada vez mais aceitação por quem trabalha na pecuária comercial a pasto. Com tetos menores, evita-se problemas de mamada do bezerro, dificuldade na ordenha e lesões causadas pelo atrito com capins altos.

Já em relação à idade ao primeiro parto, a fazenda trabalha para atingir a meta de 30 meses, tendo atualmente uma média de 32 meses. Segundo o produtor, na região

é difícil trabalhar com fêmeas superprecoces (que parem aos 22-24 meses), porque chove pouco ao longo do ano. “Os gastos com suplementação seriam muito grandes para colocá-las em condições corporais adequadas para emprenhar aos 13-14 meses”, justifica Toninho, que, entretanto, é rigoroso quando ao desempenho reprodutivo. Fêmeas que saem da estação de monta vazias são descartadas. Apenas parte das primíparas tem uma segunda chance. Essa tamtém é a única categoria que é ordenhada e participa do Controle Leiteiro Oficial da ABCZ (Associação Brasileira dos Criadores de Zebu).

Seleção dos touros

Com um rebanho de 1.500 animais puros e uma produção de 500 bezerros PO e 400 mestiços por ano, a Fazenda Canoas trabalha com uma pressão de seleção forte também nos machos. São usados, nos acasalamentos, apenas touros jovens, com idade entre dois e três anos. A bateria é renovada com frequência. Na terceira monta, os reprodutores já são comercializados. A seleção dos touros segue uma regra matemática estabelecida pela própria fazenda. À desmama, os bezerros são avaliados com base em uma escala de 100 pontos, que leva em consideração as seguintes características: produção de leite da mãe (20 pontos); peso à desmama, levando-se em consideração o mês de nascimento do animal e a idade de sua mãe (40 pontos); conformação (10 pontos); padrão racial (10 pontos), fertilidade da mãe, incluindo idade ao primeiro parto e intervalo entre partos (20 pontos).

O temperamento é outro quesito avaliado, podendo aumentar ou reduzir a pontuação final do animal. Se forem muitos mansos, os bezerros recebem um A (10% a mais na nota); se estiverem dentro do padrão normal, um B; se forem muito reativos, recebem um C (10% a menos na nota); e, se forem muito bravios, são marcados com um D e, obrigatoriamente, descartados. “Não adianta termos uma raça rústica, com grande velocidade de ganho de peso, se ela não tiver facilidade de manejo”, salienta Toninho. Após a pontuação final, é aplicado um fator de desvio padrão, para se decidir quais machos ficarão no plantel. A média final tem variado ano a ano, pois depende do grupo contemporâneo, mas tem se mantido alta.

Toninho de Salvo: alinhamento com uma pecuária produtiva, sem perda de habilidade materna.

Na média, os bezerros são desmamados aos 205 dias, pesando 247 kg. Os classificados como superiores seguem para uma prova de ganho de peso a pasto, na própria fazenda e oficializada pela ABCZ. São testados entre 100 e 150 machos. Os melhor classificados ainda passam por exames andrológico e de ultrassonografia. Após essa peneirada, faz-se a avaliação visual para definir quem fica no time da Marca S. “O olho do zebuzeiro tem de atuar, mas em cima do que as avaliações já apontaram, ou seja, dos animais já classificados zootecnicamente como elite”, esclarece Toninho.

A Canoas também participa de provas intrarrebanhos, como o Teste de Desempenho de Touros Jovens, realizado pela Embrapa Cerrados, que é composto de prova de ganho de peso e teste de consumo alimentar residual. Na edição encerrada em maio deste ano, um dos quatro touros classificados como elite era da fazenda. O ganho médio diário (GMD) desse reprodutor, em 224 dias de prova, foi em 853 g, acima da média da raça, de 749 g/cab/ dia. Atualmente, oito animais da Marca S participam da 23ª edição do Teste de Desempenho da Embrapa, que começou em 29 de julho e vai até 19 de maio de 2021. “A pecuária do século 21 demanda animais que sejam mensurados em provas confiáveis e zootecnicamente corretas. Cada vez mais, o produtor rural brasileiro está saindo à procura de animais avaliados”, prevê.

Polêmica da descorna

Os machos da Canoas já são descornados há seis anos e as fêmeas desde 2019. Daqui a cinco anos, a fazenda não terá mais animal de chifres. Segundo o criador, este é um assunto polêmico, mas que precisa ser mais bem aceito pelos criadores da raça, pois a pecuária moderna está à procura de animais de fácil manejo. “Veja o exemplo da indústria de automóveis americana, que teve de fabricar carros mais econômicos após a crise do petróleo. Com o zebu é a mesma coisa. O Guzerá tem essa arma natural porque vivia solto na Índia e tinha de se defender de predadores. No Brasil, os chifres só dificultam o manejo. Respeito quem quer manter essa tradição, mas, no nosso caso, o que queremos é melhorar as características produtivas da raça”, afirma.

Na busca por precocidade sexual, acabamento de carcaça e maior velocidade de mamada dos bezerros, a Canoas importou da Índia 390 embriões de Guzerá, que devem chegar ao Brasil em 2021, caso sejam resolvidos os entraves burocráticos. A propriedade já conta com três exemplares indianos: um macho e duas fêmeas, provenientes da primeira leva importada, em 2008. A fazenda também faz integração lavoura, pecuária e floresta (ILPF) em 1.600 ha, produzindo sorgo, milho irrigado, eucalipto e gado (PO e comercial). É unidade de referência tecnológica da Embrapa, participa do projeto “Carne Carbono Neutro” e pretende fazer uso desse selo nos próximos anos. Os Salvo ainda compõem, junto com as famílias Joaquim Martins Ferreira e Geraldo Melo Filho, o grupo Seleção Guzerá Agropecuária Ltda. n

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