Fisiologia
Da atmosfera para a planta: FBN - a simbiose da agricultura A pesquisa recomenda o uso adequado da inoculação em soja, e sugere inovadoras técnicas de coinoculação com outra bactéria. Fernando Bonafé Sei *
A
* o autor é engenheiro agrônomo, mestre em Ciência do Solo e doutor em Manejo do Solo, e Gerente Técnico da Microquímica.
té quando a soja brasileira vai continuar a perder produtividade devido ao mau uso de inoculantes? É incrível pensar que após quase 50 anos da expansão da maior cultura do país ainda sejam cometidos erros básicos no uso de uma tecnologia que começou junto às primeiras variedades melhoradas para nosso cultivo. O processo de fixação biológica de nitrogênio (FBN) ocorre na relação da planta de soja com bactérias do gênero Bradyrhizobium, que se associam às raízes formando nódulos e fornecendo de forma biológica todo o nitrogênio que a cultura precisa (o ar que respiramos contém 79% de N, porém em uma forma não aproveitável pelas plantas). Mas será que a soja precisa de muito nitrogênio? Sim, ele é o elemento exigido em maiores quantidades pela cultura, 2,5 vezes mais do que o potássio, por exemplo. Para cada tonelada de grãos produzidos são necessários por volta de 83 kg de N, então para uma produção de 60 sacos são necessários cerca de 300 kg do nutriente, ou seja, quase 700 kg de ureia. Portanto, produzir soja com a utilização de adubos nitrogenados, sem o uso das bactérias, é certamente um caminho inadequado para a sustentabilidade econômica e ambiental da produção. O grande potencial produtivo da soja tem sido demonstrado de forma bastante clara nos campeo-
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Coinoculação no Tratamento de Semente e Sulco de Plantio na Soja (Média de 3 safras de cultivo)
Fonte: Trabalho realizado no Instituto Federal Goiano - Rio Verde, GO
natos da CESB, com valores entre 127 a 149 sc/ha nas últimas safras. Mas quando olhamos para nossa média nacional de 55,5 sacos/ha, ficamos com a pergunta do por que dessa enorme diferença. O que pode estar limitando a nossa produtividade? Certamente diversos fatores interferem na produção das culturas, como controle de doenças e pragas, genética, clima, formas de cultivo e tipo de solo. Porém, quando observamos as necessidades da soja, observamos que alguns erros básicos, como a falta de correção adequada do solo, a compactação e o mau uso dos inoculantes são uma realidade na produção no Brasil. Um levantamento realizado pela Microquímica, com mais de 2 mil amostras de folhas de soja, entre
2015 e 2017, mostrou alta ocorrência de deficiência de N, encontrada em 55% delas. Estes resultados comprovam que, apesar da utilização do inoculante ser uma realidade nas propriedades, a forma como ela está sendo realizada não está proporcionando o suprimento adequado de N para as plantas. O processo de inoculação deve levar em conta que o inoculante é um produto VIVO e que devemos tomar todos os cuidados para garantir a menor mortalidade das bactérias, tomando as chamadas “Boas práticas de inoculação”, fomentadas pela Embrapa e que indicam cuidados como: • O uso de produtos registrados e recomendados para cultura
• Respeito à validade do produto • Armazenamento e transporte adequado • Uso das doses mínimas de inoculante (100 ml/50 kg de sementes) • Cuidados nas misturas com defensivos e nutrientes • Atenção com o tempo entre o tratamento e plantio. Lamentavelmente, na lavoura se observa que esses pontos críticos não são plenamente conhecidos e aplicados, o que eleva a mortalidade das bactérias e reduz a eficiência da FBN. Além da falta de cuidado no uso, existem produtores que não realizam a inoculação todos os anos, a reinoculação, o que comprovadamente proporciona incrementos médios de 8% na produtividade. Ou seja, a cada 12 safras de uso contínuo do inoculante, o produtor ganha a colheita da 13a safra, com a resposta da tecnologia. O uso do inoculante com Bradyrhizobium foi à única recomendação de microrganismos para cultura da soja no Brasil por muitos anos. Até que, em 2014, a Embrapa apresentou a tecnologia da coinoculação, o uso conjunto de Bradyrhizobium e Azospirillum brasilense. Esta nova tecnologia
mostrou ganhos de outros 8% em relação à inoculação padrão. Estudos apresentados recentemente na Relare, realizados pelo Instituto
do, reduzindo necessidades de um novo tratamento após 24 horas, como hoje se recomenda para os inoculantes.
Para cada tonelada de grãos produzidos são necessários por volta de 83 kg de N Federal Goiano nas últimas três safras, mostraram incrementos ainda maiores, de 15% com o uso da coinoculação no tratamento de semente e 17% no sulco. De modo que, tanto nossos mais importantes órgãos de pesquisa agropecuária quanto as empresas fabricantes têm comprovado um melhor retorno para o produtor sobre o investimento em “Bactérias do Bem”. Mas um problema sempre se apresenta com relação ao uso dos inoculantes, a necessidade de se compatibilizar estes com os defensivos e fertilizantes no tratamento de sementes. Porém, isso fez as empresas buscarem soluções, que culminaram na disponibilização ao mercado de protetores biológicos dos inoculantes. Estes permitem a aplicação dos inoculantes no mesmo tratamento que os defensivos e fertilizantes, além de viabilizar o tratamento antecipa-
Fertilizante/ Protetor Biológico no Tratamento de Semente de Soja (Média de 2 Safras de cultivo)
Fonte: Trabalho realizado no Instituto Federal Goiano - Rio Verde, GO
Os recentes trabalhos divulgados pela Microquímica mostram também um acréscimo de produtividade obtido com o uso de protetores. Na média de duas safras de soja, com uso de inoculante e protetor juntos no momento do plantio, se obteve produtividade de 4.242 kg/ha (70,7 sc/ha, sem complementação mineral), superior à inoculação padrão em 15%, ou 9,4 sc/ha adicionais, hoje R$ 775,50 a mais de receita (com base numa cotação de R$ 82,50/sc de soja em Rio Verde/GO). Além disso, o uso do inoculante com protetor biológico, feito 10 dias antes do plantio, resultou numa produtividade de 3.731 kg/ ha, estatisticamente igual à inoculação feita no momento do plantio (3.676 kg/ha), comprovando a viabilidade do tratamento antecipado, mesmo na presença de defensivos e micronutrientes, desde que sejam mantidas as condições ideais de armazenamento das sementes tratadas. Em resumo, a tecnologia dos produtos biológicos tem avançado de forma consistente e segura. Porém, a adoção pelo produtor depende da compreensão da importância dos efeitos destes produtos e de sua valorização, em vista do alto retorno sobre o investimento. Reinoculação, Coinoculação e o uso dos protetores biológicos são meios para novos saltos produtivos na cultura da soja no Brasil, levando o país à posição de maior produtor mundial do grão, utilizando tecnologias naturalmente avançadas, que trazem da atmosfera a tão desejada rentabilidade da atividade agrícola. outubro 2018 – Agro DBO | 29