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Fotografia, Comunicação e Religiosidade Tony Queiroga

FOTOGRAFIA, COMUNICAÇÃO E RELIGIOSIDADE

Tony Queiroga

“A nossa era prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser”

Feuerbach, “A essência do cristianismo” (1843)

Existem coisas que diferenciam a pessoa das demais criaturas da natureza. Uma das mais importantes talvez seja a de que ela conseguiu se afastar da própria natureza por meio do pensamento e da sua capacidade intelectual. O pensamento subjetivo foi capaz de construir todas as formas de conhecimento que temos hoje. Assim, a ciência, a arte e a religião são pontos altos entre as conquistas da humanidade.

A posição de ator da própria vida e destino deu ao humano a possibilidade de exercer um papel ativo sobre o mundo. Para que isso se concretizasse, foi preciso não apenas o avanço individual, mas também um imenso desenvolvimento da organização social – a constituição de sociedades cada vez mais complexas que formam a estrutura da riqueza da vida humana.

A comunicação, principalmente nas formas de sociedade contemporâneas – as sociedades de massa –, tornou-se uma das funções mais importantes do social. Seria impossível termos o tipo de organização atual sem a existência de meios de comunicação maciços. Foi o surgimento da imprensa, ainda no meio do século XV, que fez aparecer a primeira mídia de massa.

Daquela época em diante, com o aumento das populações, a urbanização, a importância cada vez maior da informação, o desenvolvimento da técnica, aparece uma grande variedade de veículos de comunicação. Atualmente, com a rapidez da vida e a necessidade de informar em um ritmo cada vez mais frenético, a imagem passa a ter uma importância muito grande. Ela é uma forma muito eficaz de comunicar; e a televisão é um exemplo acabado disso. No entanto, a primeira técnica da imagem foi a fotografia.

Desde o seu aparecimento, a partir da união entre o antigo fenômeno da “câmera obscura” e o descobrimento das propriedades fotossensíveis de certos sais de prata, a técnica fotográfica apresentava potencial como instrumento para a comunicação social.

A fotografia, como a conhecemos hoje, não teve um único inventor. Ela é resultado de uma série de descobertas e invenções, na física e química, que terminam no aparecimento da técnica fotográfica. Esta técnica consiste em fixar imagens sobre uma superfície determinada. Entre outras coisas, na química, foi o desenvolvimento de materiais fotossensíveis que permitiu surgir o que hoje conhecemos como filme fotográfico; na física, em especial na ótica, foi o desenvolvimento de lentes de qualidade que permitiu que fotos com boa definição fossem tiradas com as modernas câmeras fotográficas portáteis.

Em 1727, o médico alemão Johann Shulze descobriu que compostos de prata escureciam em contato com a luz. A partir desse fenômeno físico-químico, o francês Joseph Nièpce conseguiu pela primeira vez, em 1826, fixar uma imagem em uma chapa de estanho coberta com sais de prata. Foi a primeira fotografia conhecida. Mais tarde, em 1837, seu sócio Louis Daguerre inventou o que seria a primeira das câmeras fotográficas, chamado então de daguerreótipo. Essas imagens eram mais nítidas e de melhor qualidade do que as anteriormente obtidas.

No entanto, foi só em 1840 que o processo fotográfico, como o conhecemos hoje, foi criado. Até então, as fotografias eram positivos obtidos pela sensibilização direta de uma superfície. Isso é, não havia a possibilidade de se fazer cópias a partir de uma fotografia. Cada foto era única. Foi o inglês Willian Talbot que aperfeiçoou o processo fotográfico inventando o método de reprodução em uma folha sensibilizada a partir de um original em negativo. Assim, de um negativo seria possível tirar várias cópias de uma fotografia, tal como hoje conhecemos.

A fotografia é o resultado de várias descobertas que se somam para chegar ao processo de fixação de imagens numa superfície de sais de prata – o filme – que, depois de revelado, dá origem ao negativo, matriz para várias cópias fotográficas.

A fotografia foi então a primeira tecnologia da imagem a ser inventada. Ela é a primeira das imagens técnicas. Depois, com o desenvolvimento tecnológico, vieram o cinema, a televisão e todas as outras formas derivadas. Entre as motivações para a sua criação, estava o desejo humano de representar, copiar, captar a diversidade das coisas do mundo.

Antes, essa tarefa de retratar a realidade cabia aos artistas, principalmente aos desenhistas e pintores, que tinham na habilidade manual praticamente o seu único instrumento de trabalho. Não sem razão, muitos dos primeiros fotógrafos eram pintores que passaram a utilizar a nova técnica na sua antiga arte.

Mas a substituição da mão do artista pela máquina, pela câmera, não foi assim tão simples. Ela representa uma grande mudança não apenas no modo de se fazer a imagem, como é evidente, mas também no seu significado.

Antes de tudo, a fotografia nasceu com uma relação muito forte com o real, com o mundo. Se o artista era uma presença insubstituível na produção das imagens pré-técnicas por deixar sua marca em toda a construção da imagem – no traço, na pincelada, no estilo, nas escolhas estéticas etc. –, com a fotografia ele saiu de

cena e deu lugar à máquina que conseguia de forma “objetiva” reproduzir aquilo que os olhos humanos viam.

Claro que não podemos entender a fotografia como uma cópia exata do real – toda uma crítica sobre essa visão já foi desenvolvida –, mas o que importa aqui frisar é que, pelas suas características de mimetizar o mundo, a leitura das imagens fotográficas estava, e ainda está, muito ligada ao real, à verdade. Ainda hoje, como no mito da caverna de Platão, as pessoas tomam as sombras como objetos reais.

Por sua pretensa objetividade, pela sua grande iconicidade, pela crença que temos nas imagens, as fotografias passaram a ser um instrumento muito importante para a comunicação e memória social, seja no fotojornalismo ou na fotodocumentação, como também nos simples registros da vida cotidiana.

Hoje, vivemos numa civilização onde a imagem técnica é praticamente onipresente. A velocidade de produção e circulação das imagens tomou uma proporção tal que a maior parte da comunicação no mundo contemporâneo se dá através delas; seja a própria fotografia, seja o cinema, mas principalmente a televisão, o meio de comunicação de massa que me-lhor sintetiza a nossa época. Somos cada vez mais uma cultura da imagem.

Independente de uma crítica sobre essa característica da nossa civilização – que preço pagamos por estar cada vez mais expostos e suscetíveis às imagens? –, é impossível pensar na comunicação atual sem perceber a importância da imagem na nossa cultura. Em outras palavras, em um mundo onde a circulação da informação se tornou tão importante, a função das imagens como instrumento de comunicação social é essencial. Dessa forma, não podemos pensar na questão da comunicação sem pensar no papel das imagens técnicas, em particular, aqui, no papel da fotografia, como instrumento cada vez mais indispensável para todo e qualquer interlocutor social.

Com o constante aumento das trocas simbólicas em todos os níveis da sociedade, a imagem se torna uma forma muito eficiente de se comunicar. A informação que as imagens transmitem está em sintonia com o ritmo do nosso tempo graças ao impacto visual, a sua relativa universalidade, simplicidade de produção e distribuição. Entender as suas características para melhor utilizar seu potencial passa a ser fundamental no processo comunicativo.

Durante o Seminário Liturgia, Arte e Urbanidade, foi discutido, entre outros temas, como formas de comunicação através da arte poderiam ser inseridas na prática religiosa. Entendo que, como já exposto acima, prescindir desses instrumentos audiovisuais como forma de comunicação é limitar o potencial dos fenômenos sociais. Inclusive a religião.

Se um dos objetivos das práticas religiosas é criar vínculos entre seus integrantes, o que é sobretudo uma forma de comunicação, acredito que a utilização da fotografia – e outras tecnologias – como ferramenta é importante para o sucesso dessa missão nos dias de hoje. Sobretudo porque esse uso pode se tornar uma experiência artística – um aprimoramento individual –, bem como permite que a comunicação seja expressa segundo a sensibilidade (visual) contemporânea. Ao verbo juntamos a imagem.

É evidente que compreender a importância dessas formas de comunicação não significa que não se deva ter uma forte preocupação com o uso correto desses meios, que não se deva desenvolver uma postura crítica. Em um mundo onde, como disse Feuerbach ainda no século XIX, preferimos a aparência à essência, fazer uso das imagens sem a consciência dos limites pode ser tão enganoso quanto condenar o seu uso a priori.

MAURICIO LISSOVSKY

é Professor da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro

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