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Um Contraponto Teológico Pastoral Rolf Schünemann

UM CONTRAPONTO TEOLÓGICO-PASTORAL

Rolf Schünemann

A temática da Urbanização e a inserção das igrejas dentro deste contexto têm me ocupado há muitos anos. Inicialmente, gostaria de voltar às nossas motivações para o Seminário de Liturgia, Arte e Urbanidade a fim de olhar se de fato estamos aqui tão desinteressadamente.

Primeiro, nós, provavelmente, não temos claramente verbalizado aquilo que inquieta. No fundo, existe a pergunta pela continuidade institucional, existe a questão da disputa no terreno religioso, existe um medo de que o shopping religioso engula o armazém da esquina. Existem inovações intranqüilizadoras em virtude da fascinação pelo novo e pelo diferente. De modo que, se nós falamos em liturgia, não estamos falando a partir de um vazio. Existe uma grande inconformidade e uma busca. E eu diria que este seminário busca, dentro de uma sobriedade, reconstruir e refazer a vivência celebrativa cristã da comunidade.

Pessoalmente, eu falo do contexto metropolitano do Rio de Janeiro e São Paulo. A partir de uma igreja que é minoritária nesse contexto e, como disse no início, ocupado pessoalmente em polinizar a igreja, a pastoral, a teologia com o projeto de Deus, que é a nova cidade, a morada de Deus entre os seres humanos. Toda vez que nos dispomos a refletir, nós partimos de uma prática comunitária, uma práxis em que o povo de Deus, mediante o Espírito, procura se articular. O Espírito que fala e quer falar, move para o discernimento da vontade de Deus no mundo, na sociedade, nas cidades e nas metrópoles. E, quando se fala em discernimento, nós o devemos distinguir do oportunismo ou do pragmatismo, que se baseiam no critério da vitória fácil, ou seja, de não simplesmente tratar de escolher aquelas coisas que nos favorecem, em função das vantagens que elas podem proporcionar.

E aí, gostaria de referir que a teologia e a pastoral têm como um ponto de partida e um referencial fundamental a teologia da cruz. O ponto de vista daquele que entende que, para ganhar verdadeiramente, é preciso saber perder. Na verdade, existe este escândalo muito bem retratado plasticamente nesta cruz do artista plástico Holney Antonio Mendes.1 Este escândalo está na raiz da fé cristã. A revelação

que acontece sub contrário, ao revés, e, olhando para dentro do contexto, este crucificado no concreto, a não-vida da matéria inerte. Eu menciono, precisamente, esta Teologia da Cruz e quero fazer dela um referencial importante para a pastoral.

O hino cristológico de Filipenses 2 se torna a referência básica, ou seja, a encarnação de Deus em Jesus Cristo, como a motivação da nossa inculturação para dentro do contexto das cidades. Cada vez percebo que não conseguimos ainda incorporar uma consciência urbana de pastoral. Uma consciência que preza mais este contexto. Uma consciência que supera uma visão negativa da cidade e promove uma visão em que a cidade é e se torna o espaço das possibilidades de vida. Do ponto de vista pastoral e teológico, uma cidade como objeto do amor de Deus em que os cristãos são sujeitos e instrumentos de paz.

Para promover esta consciência urbana de pastoral, é fundamental o discernimento e o conhecimento e nós, no seminário, procuramos nos aproximar disso no primeiro dia nos painéis, que apresentaram visões, saberes, conhecimentos acerca dessa realidade. Esta consciência urbana de pastoral, eu gostaria de desdobrá-la numa definição de pastoral urbana, a ação de uma Igreja ou de comunidades que visam atingir – mediante a proclamação e a vivência do Evangelho – pessoas e espaços relacionais (políticos, culturais e do meio ambiente, etc.) com o objetivo de promover valores e princípios que se coadunam com a vontade de Deus, expressa no projeto da nova Jerusalém.

Esta pastoral, por isso, necessita um mergulho profundo na realidade cultural em que está colocada. Ou seja, prescinde da encarnação, da inculturação da fé no contexto urbano. E nesse particular nós constatamos e, quem sabe intuímos, que nas cidades e nas metrópoles existem e coexistem experiências socioculturais muito distintas e que, por isso, o universo de valores e também de princípios se articula de forma diferente. Nós podemos constatar uma cultura pré-urbana, uma cultura urbano-industrial e uma cultura pós-industrial, coexistindo no mesmo contexto. E aí, o desafio pastoral que, por sua vez, inclui a liturgia, exige uma pastoral distinta, uma espécie de pastoral segmentada.

Gostaria de chamar a atenção para aquilo que também o seminário refletiu. Existe uma emergência da subjetividade em que a dimensão pessoal da fé está sendo colocada em evidência. A graça de Deus suscita nas pessoas uma resposta livre e incondicionada dentro do contexto vivencial. As pastorais, conscientes mais ou menos dessa realidade, ou seja, as pastorais, nas suas dimensões litúrgicas, catequéticas, diaconais, precisam considerar as pessoas nesse ângulo, nessa perspectiva, em suas buscas, problemas e crises.

Por isso é importante que as práticas tenham um caráter significativo, original e criativo. E a rotina, muitas vezes, não consegue corresponder ao imperativo sociocultural. Vamos dizer assim, ela não favorece. Percebemos dentro do universo cultural moderno, em que o indivíduo é valorizado e em que o pluralismo está presente, que esse universo ainda não foi digerido para nossa pastoral dentro do contexto das cidades.

Neste sentido eu gostaria de apontar para a comunidade cristã, para aquilo que ela pode representar como espaço importante no contexto das cidades e das metrópoles. Espaço de gratuidade em que nós vivenciamos e experimentamos

a presença de Deus, em nome do qual a comunidade, as pessoas estão reunidas. Espaços de acolhimento, espaços de construção e reconstrução da identidade perdida. Espaços da tolerância e do respeito, do não-autoritarismo. Apoio no desamparo e no desolamento. Espaço inclusivo, onde Deus conosco, Deus presente é experimentado. Espaço de consolação e promoção de esperança. Precisamos estar atentos para a construção e possibilidade desses espaços como veículos e meios no processo de inculturação, quais sejam, expressões artísticas, expressões importantes para vivenciar esta revelação.

Um ponto que gostaria de resumir aqui é o que se refere a uma pastoral localizada dentro de modelos de Igreja ou modelos de comunidade diversos. Por um lado, nós temos na história das Igrejas uma perspectiva, um modelo que é o da determinação geográfica – a velha paróquia que coexiste no território. Por outro lado, temos um desdobramento mais próximo no tempo de um modelo de Igreja onde o pluralismo e o respeito à individualidade estão acontecendo. E é precisamente na exacerbação desse modelo ou no seu aprofundamento, hoje, onde a individualidade e o pluralismo são bastante fluidos. As relações e os compromissos das pessoas são provisórios. Os vínculos são precários. Eu diria que esse modelo, que está se gestando, é o que corresponde à realidade psicossocial, descrita no primeiro dia deste evento tanto pelo psicanalista Joel Birman como por Regina Novaes – esta precarização das relações e dos vínculos. A vida é marcada pela efemeridade e provisoriedade (residência, rua, trabalho e relações humanas). E nesse aspecto quero mencionar que facilmente nós nos tornamos reféns e presas fáceis da visão meramente psicossocial, quando não podemos ignorar que ela tem uma base material que a compõe, a saber, o quadro econômico excludente que nós vivenciamos nas cidades. Outrossim, reflete também uma visão de classes. Os pobres sempre viveram esta experiência. Parece que somente quando os setores médios são afetados pelo medo, ansiedade, violência, intolerância e concorrência é que elas se tornam reais.

Por isso, aponto para o fato de que essa dimensão da materialidade não foi tratada com muita veemência neste seminário até o momento; no entanto, ela não pode ser descuidada quando nós abordamos o tema “Igreja e Sociedade Urbana”. Vale dizer que a base material e o compromisso pastoral dentro desta realidade nos levam para uma ação muito bem sublinhada ontem2 – a uma fé cidadã, uma fé comprometida com a cidadania. As Igrejas com sua pastoral e sua liturgia ao ir para a rua, para a vida, têm um compromisso com os desamparados e desolados e celebrará a presença da graça de Deus junto a eles, dando espaço a seus dramas e a suas esperanças.

Finalmente, eu gostaria de abordar uma questão que esteve presente no seminário sobre a qual quero dar a minha perspectiva – a questão do espaço sagrado. Ela foi mencionada tanto pelo arquiteto quanto por teólogos e pastoralistas. Eu parto da perspectiva do evangelho de João, de que o Espírito Santo sopra onde quer em sua liberdade. E, dentro do diálogo mencionado no primeiro dia – da mulher samaritana com Jesus e a resposta de Jesus de que os verdadeiros adoradores vão

adorar em espírito e em verdade –, eu diria que dentro do evangelho de João, onde isto aparece, existe uma disputa por hegemonia do espaço religioso. A comunidade joanina é aquela que discute e vive a perda do templo e está junto com os fariseus disputando a legitimidade da tradição remanescente.

Jesus, se nós olharmos um pouco esta questão do sagrado, relativiza o sagrado enquanto espaço (templo), enquanto tempo (sábado), enquanto pessoa (sacerdote na parábola do bom samaritano). A sua crítica ao tempo, sábado, o leva precisamente para o julgamento. Esta relativização do sagrado tem como critério norteador a vida. Ou seja, uma tradição religiosa, não estando a serviço da vida, pode perfeitamente ser relativizada. A letra mata, mas o espírito vivifica. E, para concluir, diria então, como o apóstolo Paulo, que nós somos chamados a submeter todas as coisas ao discernimento, praticar aquilo que é bom e afastar aquilo que não edifica.

TERRY MACARTHUR

é pastor da Igreja Metodista Unida dos Estados Unidos e trabalha como missionário na Comunidade Metodista Latino-Americana em Genebra e na Igreja Luterana Evangélica de Genebra, Suíça. Durante doze anos foi o Consultor para assuntos de Culto e Liturgia do Conselho Mundial de Igrejas.

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