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Desafios para a Liturgia Terry MacArthur

DESAFIOS PARA A LITURGIA

Terry MacArthur

Acredito que tivemos mais do que suficientes desafios à liturgia neste seminário. Eu me sinto desafiado. Por isso, não estou certo de que quero acrescentar ou-tros ao número já existente. Mas gostaria de lembrar alguns deles e, de certa maneira, reencená-los.

Remetamo-nos à quarta-feira de ma-nhã, quando diversas imagens das cidades no Brasil foram apresentadas. Imagens de cidades grandes e pequenas; do interior. Houve lugares e descrições que eu não conhecia. Estou vivendo com uma dessas imagens desde aquele momento. É a que se refere aos bóias-frias na carroceria de um caminhão e enquanto andam, olham para trás.1 Essa imagem foi conectada com uma pintura de Klee chamada Angelus Novus, uma pintura que retrata o movimento de ir para o futuro olhando para trás. Não é esta uma descrição da liturgia? O que é que significa caminhar para o futuro olhando para trás? Que impacto isso tem sobre nosso culto? Significa que eu só vejo os sinais depois de ter passado por eles... Talvez eu nem mesmo possa lê-los. Vejo-os somente por trás. Não estou certo para onde vou, mas vejo o que me passou e a liturgia tem a ver com esse olhar para trás: para onde eu estive.

Eu gostaria que vocês pensassem por um momento e lembrassem: quando foi, na vida de vocês, o momento em que Deus esteve realmente presente; quando a comunidade realmente existiu; quando o culto teve força?” Qual era o cheiro daquele momento? Que quadro estava na parede? Vocês lembram...?

Tive um professor no seminário (era professor de homilética) que disse que o papel da liturgia era o de nos lembrar aquilo no qual cremos primeiro. O papel da liturgia é nos lembrar aquilo em que primeiro acreditamos.2

Trabalho no Conselho Mundial de Igrejas, que reúne diversas famílias protestantes e ortodoxas. Em se tratando de liturgia, os ortodoxos lembram de um passado bastante remoto. Mais de mil anos; às vezes quinze séculos. Afirmam que a liturgia de São João Crisóstomo vem até nós através dos séculos quase sem ter sofrido mudanças. E aquilo que valorizam não é o novo, empolgante e diferente, mas o velho. Realmente velho. E muitas vezes suas liturgias são celebradas em línguas que o povo mesmo não entende. É muito misterioso. O povo vindo, indo... Muito drama... E muito mistério. No entanto, oferecem uma opção para a Igreja na cidade: um espaço totalmente diferente, com

uma linguagem diversa embora envolvido por todos os santos, de todos os tempos e lugares. Então, é possível ver os sinais há muito deixados para trás e também ouvir os sons dos séculos. E assim eles cantam cantos antigos, como o Kyrie Eleison.3

Esta é a primeira imagem.

A segunda imagem vem de Jaci Maraschin. Mãos vazias.

Jaci traz uma perspectiva que desconecta a liturgia de perguntas como: “o que é?” e “para que serve?” Ele diz: “O coração da liturgia é: fazer alguma coisa que é boa para nada”. Esta é uma frase incrível.4 Jaci afirma que a Igreja deve abandonar seus hinários antigos e seus modos padronizados de fazer as coisas; deve entrar para a pós-modernidade estabelecendo uma ruptura radical com o passado. Essa proposta deixa-nos de mãos vazias. E eu pergunto: este “vazio” se constitui para nós num espaço de liberdade ou de medo?

A terceira imagem talvez seja um novo desafio.5 NÓS. Gostaria de perguntar hoje: quem é nós? Isso não soa bem em português. Vocês não devem sair por aí dizendo quem é nós, mas eu gostaria de perguntar: quem é este nós?

Na Igreja da minha infância (cresci em uma fazenda), nós era um nós muito pequeno. Depois de muitos anos voltei lá, fui ao culto e descobri que naquela Igreja, com exceção do presidente dos Estados Unidos, nós não orávamos por ninguém que não conhecíamos pessoalmente. Oramos pela tia Susie, pela avó, pelo tio Clarence, que estava no hospital, e oramos por chuva, pois havia uma seca naqueles dias. NÓS era uns tantos colonos e o presidente dos Estados Unidos. Um NÓS bastante pequeno.

Meus amigos ortodoxos falam que a Igreja existe por todo o tempo e em todos os lugares e, quando celebramos a liturgia juntos, estamos com todas as pessoas de todos os tempos e todos os lugares, e, também, com todos os animais e plantas e tudo o que existe. Mas, eventualmente, se formos a uma Igreja Ortodoxa e participarmos das suas orações, vamos perceber que parte delas são orações por todos os cristãos ortodoxos. E quase sempre, quando as orações mencionam apenas cristãos, se tem a impressão de que quem foi mencionado era um ortodoxo. Que tipo de NÓS é esse? Quem é NÓS?

Um dos desafios é: como fazer com que este NÓS torne-se maior e ainda mantenha um sentido de identidade?

Há um projeto no qual estou trabalhando em Genebra. Existe uma Igreja no centro da cidade que está vazia. Juntamente com um grupo de outras pessoas, estou tentando iniciar na igreja um culto eucarístico no sábado à noite, quando as lojas estão fechadas. Essa é uma maneira de levar a sério a cultura urbana e popular. Este seminário é exatamente do que eu precisava neste exato momento. Elaborei um plano para os cultos com música rock; tínhamos gente fazendo mímica, palhaços, etc. Eu apresentei isso para o pequeno grupo de pessoas que estava me ajudando e me disseram: “O povo ama Genebra, a cidade de Calvino, mas eles não vão entender aquilo que você está propondo. Não sabem nada sobre o que está falando. Você menciona uma estória e eles não conhecem a estória. Até mesmo comunhão eles não sabem o que significa”. E um dos jovens do grupo disse: “Fui perguntar aos meus amigos – estudantes da escola internacional, gente bastante inteligente que acaba indo estudar em Harvard,

3 Neste momento o público cantou o Mt. Athos, Kyrie eleison. 4 Terry pega alguns livros e hinários antigos e, enquanto fala, vai lançando-os ao chão. 5 Terry ergue um cartaz com a palavra NÓS escrita em maiúscula.

Yale, Oxford – se eles sabiam o que é comunhão. E eles não sabiam; não tinham a mínima idéia”.

Agora, como é que nós criamos um NÓS com pessoas que não sabem aquilo que nós sabemos? Que tipo de NÓS podemos ser com aqueles que não se importam ou que não entendem?

Há algo no NÓS que diz que devemos fazer liturgia não para o povo, mas com o povo. A não ser que estejamos dispostos a estar com o povo, provavelmente não seremos capazes de tornarmo-nos este NÓS. Como tornarmo-nos um NÓS com o povo daquela cidade? E como pode-mos nos tornar NÓS com os drogados que se sentam nas escadarias daquela Igreja onde iremos celebrar essa liturgia? Como nos tornarmos um NÓS com o adulto totalmente indiferente, para quem a Igreja não significa nada, não conta, é boa para nada? Como nos tornar um NÓS com gente que é muito inteligente e ainda assim não entende ou não percebe a questão da fé?

Freqüentemente nós oramos pelos pobres, doentes e cativos a fim de afirmar que nós não somos pobres, doentes ou cativos. Como criamos um NÓS suficientemente amplo, que saiba que quando oramos NÓS não o fazemos para marcar diferenças ou pelo fato de sermos a favor ou contra alguma coisa ou pessoa, mas por causa do que somos intrinsecamente?

Por exemplo, uma Igreja, para cumprir sua missão, precisa incluir as pessoas portadoras do vírus HIV no NÓS. O slogan “A Igreja Tem AIDS”, do Conselho Mundial de Igrejas, é uma tentativa de fazer isso. Mas ainda não chegamos lá. Que tipo de Nós nós somos? Como acolhemos o mundo?

Quero concluir cantando, pois o canto é uma das maneiras pelas quais aprendi a ampliar este NÓS. É uma canção malawi que fala da bondade de Deus e cujo refrão repete a frase: “Salte por Jesus”. A razão pela qual quero cantá-la é a maneira que me ensinaram a saltar. Não lembro todas as palavras, mas posso me lembrar das ações.6

Njo, njo, njo mwa Yesu mkuli moyo halleluja! 2x Tikondwerere hallelujah 2x Tisangalale hallelujah 2x Tibvine bvine hallelujah 2x Tisekerere, hallelujah 2x

Salte com alegria pela vida eterna de Jesus. Aleluia! Cante com felicidade. Aleluia! Alegremente louvando. Aleluia! Dançando nossos louvores. Aleluia! Gritando com risos. Aleluia!

VÍTOR WESTHELLE

é professor da área de Teologia Sistemática na Escola Luterana de Teologia em Chicago, EUA. É autor de inúmeros artigos e capítulos publicados em livros e revistas ao redor do mundo e dos livros Teologia latino-americana, cultura e protestantismo (México) e Religião e representação - um estudo das teorias críticas de Hegel do Vorstellung e sua relevância para o hegelianismo e a teologia (EUA).

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