Revista PRANTO DA TERRA #03

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FLAUTA DE Pã Canto sem Lar Aerute, primavera 2004, E.C.

A Cidade está morta E não tenho mais lágrimas Para derramar por Ela. A Cidade tossiu e cuspiu De suas fachadas crespas e turvas Em suas calçadas sujas e desniveladas Por onde se derramam álcool, bile, sangue de cachorro, fezes e cacos de vidro.

Sem notar que às suas costas seus cães e filhos devoravam-se, ambos disputando a última sombra de marquise (tantos tetos e tão poucos lares!) para protegerem-se do orvalho negro de marte que lhes escurece a pele inteira. Pois se aqui, o sol já não bate E escuros como as sombras devem ser Todos os homens. Aqui o céu é baixo Os pilares intransponíveis Aqui o ar tornou-se pardo Os homens, insensíveis, Aqui não há o silêncio E não nos deixam ser felizes.

A doença que A matou Queimou primeiro seus estreitos e Verdes pulmões, Descascando-os, A Cidade está morta! desfolhando-os, Tu já bem sabes Tornando débil a Sua voz e “Mas como morreu”, você Fraquejando Seus vis pergunta, apelos “Se ainda mata os meus Por uma vida que Ela pais, mesma Se ontem matou meu Não poderia suportar. irmão?” E seus homens, ah, Os homens da cidade, Defecaram em suas próprias Camas, E do concreto verteu sujeira E eles, cegos e sem norte (Sapatos gastos deslizando no asfalto), perguntaram-se: “Que perfume novo é esse que nossa Amada tem vestido?”

Editorial Chegamos ao número três! Um número mágico! Como as três faces da Deusa. Estamos às vésperas da Primavera/Ostara e do evento interreligioso Aldeia Sagrada! Evento este em que nós do Coven Chuva Vernal estaremos participando, com tenda e tudo(!). Mantivemos em nosso boletim a organização em seções, e dedicamos esta edição à Primavera, à fertilidade e à renovação da Terra, depois de um frio e trabalhoso Inverno. Lembramos nas matérias principais a importância da comunicação real e viva em oposição ao comodismo; fazemos uma “convocatória wiccana” a todos e que não caiamos nas armadilhas do consumismo “fácil” de apetrechos pretensamente “úteis” e “wiccanos”, quando na verdade não o são. A Magia está em nós e em todo lugar. Quem nos acompanha no Pranto da Terra, notará o forte acento ecológico deste número. A proposta sempre foi essa; um boletim wiccano e ecológico. Esta é a tendência e a cada vez isto está a se enraizar! Não é possível ser wiccano hoje sem ser ativamente um “ecologista profundo”. O espírito primaveril/juvenil está aí excitando a todos... portanto, ao êxtase! Saiamos de nossas casas! O tempo frio já passou! Aqui fora há luz, calor e alegria! Neste número três, o poder é do três vezes o três! Que assim seja que assim se faça!!! Mogly Hekura, editor y Coletivo editorial

Nº 3-Ano II- Primavera de 2004 E.C.-Território Tamoio-RJ

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E eu respondo, porque é simples: A Cidade mata por que ignora (pobre demente) que ela mesma já não vive Mais.

“Quando você muda o seu olhar, o seu mundo também muda.” “Amar é deixar Livre” -Assim miou ZeroHum

Carlos Castañeda


A Wicca para quem é de Direito: às Filhas e Filhos da Terra No mundo atual, cheio de tecnologia, asfalto e fumaça fica difícil entrar em sintonia com a natureza. As pessoas esqueceram dela? Talvez uma boa parte sim, mas aqueles que se consideram filhos da terra, ainda persistem e existem em seus milhares, espalhados por todo planeta levando seus conhecimentos através das gerações. A vida de um wiccano não é tão perigosa como era na Antiguidade; entretanto, praticar bruxaria hoje em dia possui seus contratempos. Nos dias de hoje, você não precisa se preocupar com alguém perseguindo e tentando te matar por causa da sua religião (por enquanto!); afinal, vivemos numa época “liberal” onde as pessoas respeitam mais, ou melhor, desrespeitam menos os diferentes. Mas o preconceito ainda existe, e o termo “diferente” é bem aplicado, levando em consideração que a Wicca não tem nada haver com a religião e os “padrões” existentes/vigentes na sociedade. O Conhecimento, pelo menos, é menos restrito, porém um tanto banalizado. Hoje se vê qualquer revista tola e fútil falando de feitiços e mostrando como fazê-los. Isso é muito preocupante, porque está tornando a magia uma “moda” e atraindo um público muito grande de pessoas supérfluas e irresponsáveis, que nós podemos chamá-las (carinhosamente) de “bruxos de revista”. Eles não entendem e nem pretendem entender a responsabilidade que é ser um praticante da arte; eles artificializam a imagem da Wicca e banalizam de forma estúpida e cruel o culto à Deusa (e isso é profundamente irritante!) Mais um contratempo importante de lembrar seria a acessibilidade a certos tipos de coisas necessárias dentro da Wicca, que geralmente são requeridas que para os desavisados são caras. Não querendo dar uma ênfase as coisas materiais (até porque o verdadeiro poder está no próprio bruxo) todos tem, pelo menos, a pretensão de ter seu próprio punhal/athame, e outros instrumentos, além de ter uma quantidade farta de velas, ervas, óleos,etc... Então, como hoje tudo gira em torno de dinheiro para alguns de visão elitista e estreita, se você é de classe média pra baixo certamente terá cada vez menos coisas no seu Sabá. Caso simplesmente queira se fazer um ritual meramente estético e mecânicodesprovido de sentido e o mais importante e fundamental de FÉ!!! Lembrem-se: no imaginário wiccano/pagão, a nossa filosofia religiosa tem como princípio-meio-e-fim a reconexão com a Mãe Natureza, e não foi ela que inventou o dinheiro. O paganismo remete, no seu mito de

origem, ao modus vivendi de populações camponesas, caçadoras, pescadoras e coletoras; pessoas “pobres” no sentido econômico e simples na sua maneira de viver, que utilizavam na espiritualidade humilde e cotidiana elementos/instrumentos que estavam a sua disposição, tanto no meio ambiente quanto no seu modo de sobrevivência e trabalho. A Wicca não é uma “macumba de rico” e sim um modo de vida, uma filosofia, uma religiosidade de pessoas que querem se reconectar com a natureza, respeitando os valores ecológicos. A Wicca é para pessoas que REALMENTE trabalham, e lutam no seu diaa-dia por um mundo mais bonito, justo e que apreciam o bem-viver. Portanto, é importante ver que nem a vida de um wiccano é fácil como deveria, afinal, nós podemos ter tudo aquilo que desejamos (e isso é verdade!). Mas, existem certas coisas que não são para serem desejadas, e sim, para serem conquistadas...

Elysíos y Coletivo Editorial

Convocatória Wiccana Na era da informática enfrentamos um sério dilema, um problema na concepção do sentido da informação, do diálogo e da discussão em si. Devo admitir que a internet tem um valor considerável do ponto de vista da agilidade da comunicação. Porém o que posso identificar é um movimento de retração das relações humanas e uma segregação de um público ainda muito numeroso que não tem acesso à net. Por isso devo alertar que os praticantes da Wicca e de outras religiões da Terra não devem se isolar em listas de discussões, páginas da internet e simples troca de e-mails. Nosso contato nunca poderá se restringir a toques em um teclado! Temos que ouvir as vozes, sentir o cheiro, olhar nos olhos e tocar a pele. Somos os filhos e filhas da Mãe Terra e temos que nos organizar para melhor protegê-la! O Coven Chuva Vernal se propôs a escrever o boletim Pranto da Terra com o objetivo de informar e aglutinar e aproximar os irmãos e irmãs para a prática coletiva da Arte. Esperamos que mais boletins sejam escritos, mais covens sejam formados e que o pré-conceito contra nossa e todas as demais religiões sejam expurgados do coração de todas as pessoas! E que possamos construir um movimento pagão livre, ecológico, ousado, consciente e forte! Pelo amor à Vida! Pelo amor à Deusa e ao Deus! Que assim seja e assim se faça! Viva a Primavera e tudo aquilo que reluz na Terra e nos Céus do Equinócio Vernal! Pé-de-Planta

LIVRO DAS SOMBRAS Prece da Entrada da Primavera Pelos Deuses e Deusas antigos, pelos Espíritos de Nossos Ancestrais, Pela Alma Viva da Terra em que vivemos: Que a Primavera nos traga, pelo perfume das flores e das ervas, Pelo canto das aves e o zumbido dos animais, A percepção de um mundo único, sagrado. Pelos Deuses e Deusas antigos, pelos Espíritos de Nossos Ancestrais, Pela Alma Viva da Terra em que vivemos: Que a primavera nos traga, pelo murmúrio dos riachos e nascentes, Pela brisa suave que nos traz as vozes das árvores, A noção de que o Amor entre as criaturas da Terra é o Caminho para que todos cresçamos. Pelos Deuses e Deusas antigos, pelos Espíritos de Nossos Ancestrais, Pela Alma Viva da Terra em que vivemos: Que a Primavera nos traga, pelo calor confortável do sol sobre nossas cabeças, Pela luz brilhante a refletir nos lagos e na relva úmida, A ciência de que somos responsáveis por tudo o que nos rodeia, e pela restauração da Vida. Pelos Deuses e Deusas antigos, pelos Espíritos de Nossos Ancestrais, Pela Alma Viva da Terra em que vivemos: Que a Primavera nos traga, pelo contato suave das flores e folhas, Pela pelagem macia dos animais recém nascidos, A sensação de que tudo na Vida se renova, e nada é finito. A Vida jamais se extinguirá, desde que cuidemos Dela. A Primavera nos traz de volta à infância. A Primavera é a Infância dos Deuses. E mesmo depois, quando Ela se for, Resta a certeza de que, daqui a um ano e um dia, Seremos todos crianças novamente! Cláudio Crow Quintino - Primavera 2001 E.C.


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