CAPÍTULO 1
1. Introdução 2. Avaliação primária 3. Monitoramento 4. Avaliação secundária 5. Reavaliação 6. Transferência e tratamento definitivo
Abordagem Primária do Politraumatizado
Abordagem primária do politraumatizado
ABORDAGEM PRIMÁRIA PRIMÁRIA DO DO ABORDAGEM POLITRAUMATIZADO POLITRAUMATIZADO
Jovens do sexo masculino; vítimas mais comuns de trauma.
2. AVALIAÇÃO PRIMÁRIA
1. INTRODUÇÃO O trauma representa a terceira causa de morte no Brasil, estando atrás apenas do câncer e das doenças cardiovasculares. Anualmente ocorrem cerca de 140.000 mortes ligadas a traumatismos em nosso país, sendo que para cada óbito ocorrem outras três vítimas com sequelas graves. É um problema que atinge o indivíduo no auge de sua capacidade produtiva e é a principal causa de morte até os 30 anos de idade, reduzindo a vida das vítimas, em média, em 35 anos. Há 3 momentos em que ocorre o óbito. Metade ocorre no momento do trauma e só podem ser evitadas pela prevenção do trauma. Cerca de 35% ocorre nas primeiras horas, sendo este o momento mais crucial da atuação médica, e é sobre a assistência neste período de tempo que trataremos neste capítulo e nos subsequentes. Esta é a chamada hora de ouro. Cerca de 15% dos óbitos ocorre nos dias subsequentes em função de falência orgânica múltipla, sendo muitas evitáveis se as lesões forem minimizadas pela correta assistência nos primeiros momentos. Tomando as estatísticas brasileiras, o país tem gastado mais de 50 bilhões de reais por ano, sendo cerca de 70% custeados pelo SUS. Cada vítima de trauma moderado consome cerca de R$12.500, as com trauma grave cerca de R$74.500 e as que morrem atingem R$66.800. Diante deste quadro é cada vez mais necessária a sistematização do atendimento aos politraumatizados.
Em função da importância do atendimento primário foi criado um protocolo internacional, iniciado nos Estados Unidos na década de 1980 e conhecido como ATLS – Suporte Avançado de vida no Trauma. O ATLS é um programa de treinamento que hoje está presente em mais de 50 países e consegue padronizar e organizar o atendimento às vítimas de traumatismos. Ele visa treinar médicos que não trabalham rotineiramente com vítimas de trauma a prestar o melhor atendimento possível e em tempo hábil, sendo aceito como o padrão de cuidados imediatos. Seu conceito básico é a identificação e o tratamento imediato e prioritário das lesões com maior potencial de levarem o indivíduo a morrer. Tabela 1 – Sequência mnemônica ABCDE
de atendimento no trauma
A
Airway
Vias aéreas e estabilização de coluna cervical – desobstrução e manutenção das vias aéreas
B
Breathing
Respiração e ventilação – corrigir o déficit ventilatório
C
Circulation
Circulação – parar os sangramentos e restaurar a circulação sanguínea
D
Disability
Avaliação neurológica – tratar as lesões neurológicas graves
Exposition
Exposição – Despir o paciente a avaliar todas as possíveis lesões secundárias, muitas delas ocultas pela postura e pelas vestimentas
E
Com propósito didático e de sistematização a que o ATLS se propõe, a avaliação das prioridades e as manobras terapêuticas iniciais são apresentadas em uma sequência mnemônica (ABCDE). Entretanto, os procedimentos terapêuticos podem e devem ser executados simultaneamente.
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Abordagem primária do politraumatizado Por exemplo, ao se perguntar ao paciente o que aconteceu já se avalia o seu estado de consciência, das vias aéreas e da respiração, pode-se obter informações referentes à circulação, observando o pulso, a coloração da pele e das mucosas e o enchimento capilar das polpas digitais. Ao mesmo tempo outros profissionais providenciam os materiais necessários ao suporte ventilatório se for indicado, outros puncionam um acesso venoso para infusão de fluídos e coleta de sangue para tipagem, outros estancam sangramentos externos.
A - Manutenção da permeabilidade das vias aéreas e controle da coluna cervical O primeiro passo é garantir que o paciente apresente vias aéreas pérvias. Se não estiverem, elas devem ser desobstruídas. Entretanto, todo paciente politraumatizado deve ser considerado como tendo uma lesão de coluna cervical. A movimentação excessiva da coluna cervical pode converter uma fratura sem repercussão neurológica em uma fratura desalinhada, com dano da medula espinhal e tetraplegia. Deste modo, a coluna cervical deve ser imobilizada em posição neutra, sem flexão ou extensão, preferencialmente com colar cervical rígido, até que se possa descartar tal lesão.
Colar cervical rígido - possui uma abertura anterior para a permanência de um tubo de traqueostomia caso seja necessário
A obstrução das vias aéreas superiores decorre, em grande parte dos casos, da presença de corpos estranhos ou da oclusão da hipofaringe e pela queda da língua. A adoção de uma das medidas descritas abaixo permite a desobstrução das vias aéreas. A manobra “Chin Lift” (levantar do queixo) consiste de se colocar uma das mãos do examinador sob o queixo, que será tracionado e levantado, anteriorizando o mento. A seguir, o polegar da mesma mão abaixa o lábio inferior, abrindo a boca. O mesmo efeito pode ser conseguido com a manobra “Jaw Thrust” (tração da mandíbula), que consiste da elevação dos ângulos da mandíbula pelas duas mãos do examinador. Depois de realizadas essas manobras o paciente pode voltar a respirar espontaneamente ou pode-se
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introduzir uma cânula de Guedel e iniciar-se a ventilação com máscara e bolsa autoinflável tipo Ambu.
Manobra de abertura não invasivas das vias aéreas: “Chin Lift”
Manobra de abertura não invasivas das vias aéreas: “Jaw Thrust”
Muitos óbitos de traumatizados podem ser evitados pela instituição precoce de assistência respiratória apropriada. Isto requer uma vigilância contínua sobre a respiração durante todo o atendimento. Clinicamente o comprometimento das vias aéreas pode ocorrer de forma súbita ou progressiva, com o paciente apresentando agitação ou letargia. A prevenção da hipercarbia é vital, sobretudo nos casos de trauma cranioencefálico. Pode ser necessária a obtenção de via aérea definitiva neste momento nos pacientes em apneia não obstrutiva, nos casos de fraturas ou queimaduras de face, para proteção das vias aéreas inferiores contra aspiração de conteúdo gástrico e nos casos de TCE grave que necessitarão de hiperventilação. É considerada via aérea definitiva a colocação de tubo traqueal com balonete insuflado, seja por via naso ou orotraqueal ou por meio cirúrgico. Existem cânulas específicas para traqueostomia e cricotireoidostomia, mas na ausência delas pode ser utilizado um tubo convencional. Podem desenvolver insuficiência respiratória no decorrer do tempo os pacientes inconscientes por trauma cranioencefálico, obnubilados pelo uso de drogas ou álcool e os portadores de lesões torácicas como pneumotórax hipertensivo, pneumotórax aberto, e tórax instável com contusão pulmonar. Nestes casos, a entubação endotraqueal, tem por objetivos prover uma via aérea permeável e permitir a instalação de suporte ventilatório. Traumas de face e do pescoço que comprometem o lume das vias aéreas também representam uma indicação para entubação endotraqueal precoce. A decisão de se entubar o paciente na sala de emergência é tomada exclusivamente com bases clínicas. A agitação do paciente sugere hipóxia. A obnubilação denuncia a hipercarbia. A cianose traduz hipoxemia por ventilação inadequada. A emissão de sons anormais como ronco e gargarejo pode estar relacionado à obstrução parcial da faringe e a disfonia resulta da obstrução laríngea. Nos traumatismos da região cervical, a posição da traqueia deve ser pesquisada pela palpação do pescoço. O acesso à traqueia pode ser conseguido pela entubação nasotraqueal ou orotraqueal ou pela
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Abordagem primária do politraumatizado cricotireoidostomia. A traqueostomia é contraindicada nas situações de emergência por ser um procedimento de execução mais difícil e demorada, podendo em alguns casos, resultar em sangramento profuso.
dotada de balonete, e o paciente é ventilado. A cricotireoidostomia não deve ser utilizada por mais de 72 horas e nem executada em pacientes com menos de 12 anos (contraindicação relativa). Prefere-se a realização de cricotireoidostomia em relação à traqueostomia em situações de emergência por ser um procedimento mais rápido e tecnicamente mais fácil de ser realizado, mesmo por profissionais não especialistas. A traqueostomia fica então reservada aos casos de trauma grave de laringe (fraturas) e como opção de acesso cirúrgico à via à aérea de crianças menores que 12 anos.
Posicionamento de tubo orotraqueal
A entubação orotraqueal quando indicada antes da obtenção da radiografia da coluna cervical, deve ser realizada de forma criteriosa e com o mínimo de manobras que possam agravar uma lesão na medula. Preferencialmente, a cabeça e o pescoço do paciente são imobilizados pelas duas mãos de um auxiliar. Caso haja uma fratura cervical conhecida ou o risco seja grande, deve-se optar então pela entubação nasotraqueal. A técnica de entubação às cegas pela narina é relativamente simples e bem sucedida em 92% dos casos. Tem uma pequena taxa de complicações e é, quase sempre, bem tolerada. A entubação nasotraqueal pode ser executada sem a extensão do pescoço. A introdução do tubo é guiada pelos sons da passagem do ar no seu interior. A ocorrência de apneia impede a realização do procedimento. A suspeita de fratura da base do crânio ou de face também contraindica o método. A entubação endotraqueal de um paciente hipoventilado pode demandar várias tentativas. Entre uma e outra tentativa o paciente deve ser ventilado por alguns minutos. Como sugestão de regra prática, temos: ao iniciar a entubação, o médico inspira profundamente; quando sentir necessidade de respirar, a tentativa tem que ser interrompida e o paciente ventilado com máscara. É importante que se tenha em mente que quando o paciente se encontre em apneia deve-se optar por uma via aérea de acesso rápido, entubação orotraqueal ou cricotireoidostomia. A cricotireoidostomia é o procedimento cirúrgico de escolha para acesso de emergência às vias aéreas e está indicada quando falham as entubações nasotraqueal e orotraqueal ou na vigência de edema de glote, trauma da faringe e hemorragia profusa da cavidade oral. Com o paciente na posição supina, a cartilagem tireoide é estabilizada com uma das mãos do operador. A pele é incisada sobre a membrana cricotireoidea, no sentido transversal ou longitudinal. A membrana é cuidadosamente incisada e uma pinça hemostática é introduzida para alargar o orifício. Introduz-se uma cânula de entubação ou de traqueostomia (calibre 25F para um adulto médio),
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Realização de cricotireoidostomia cirúrgica: (1) hiperextensão cervical quando não for contraindicado; (2) identificação da membrana cricotireoidea; (3) abertura da membrana (4) introdução da cânula ou tubo na traqueia
Considerando a história do trauma devemos sempre suspeitar da possibilidade de perda da integridade da coluna cervical e a princípio evitar retirar dispositivos envolvidos com a imobilização da coluna cervical, a menos que haja indicação absoluta de acesso à via aérea, nestes casos usar sempre técnica como a descrita acima. No ambiente hospitalar pode-se remover o colar cervical de pacientes que se encontrem alertas, sem dor cervical, com exame neurológico normal e que não tenham sinais de estarem sobre efeitos de drogas ou álcool. Tão logo seja possível, realiza-se uma radiografia de perfil da coluna cervical. A radiografia deve permitir a visualização das sete vértebras cervicais e o espaço intervertebral entre C7 e T1. Para tanto, é necessário a tração dos membros superiores no sentido caudal ou a colocação do paciente na “posição do nadador”. É importante frisar que a radiografia de perfil não exclui por completo a possibilidade de lesão da coluna cervical. Havendo suspeita de trauma de coluna, a imobilização do pescoço deve ser mantida até que as radiografias em diversas incidências possam ser realizadas e o parecer de um ortopedista ou de um neurocirurgião esteja disponível. As lesões de coluna cervical mais comumente relacionadas aos óbitos são as luxações atlanto -occipitais e as fraturas de C1 e C2. As fraturas de anéis mais baixos são menos comuns como causa de óbito. Se existem fraturas de crânio e/ou mandíbula é ainda mais alto o risco de fraturas concomitantes em coluna cervical.
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CAPÍTULO 2
1. Introdução 2. Lesões específicas
Trauma Torácico
Trauma torácico
TRAUMA TORÁCICO 1. INTRODUÇÃO O trauma torácico ocupa o terceiro lugar (25%), atrás dos traumas das extremidades (34%) e cranianos (32%) nos acidentes automobilísticos. No entanto, o maior interesse no estudo do trauma de tórax está no fato de que quase um quarto das mortes nos pacientes vítimas de politrauma acontece devido a lesões torácicas. Isso significa um importante agravo naqueles pacientes politraumatizados. A rápida abordagem das lesões é fundamental, sabendo que grande parte das mortes acontece após a chegada ao hospital e que poderiam ser evitadas por medidas mais imediatas. Em 85% das vezes o procedimento necessário é considerado simples e pode ser realizado por profissionais não especialistas. Em apenas 15% das vezes o trauma é de tratamento cirúrgico. No estudo do trauma de tórax devemos considerar o trauma como contuso ou fechado e aberto. É muito importante lembrar que no tórax o trauma aberto se subdivide em penetrante e transfixante. O trauma torácico fechado pode mecanicamente lesar por golpe direto, esmagamento ou desaceleração. As fraturas de ossos da parede torácica são as lesões normalmente causadas por golpe direto ao tórax. As contusões pulmonares e cardíacas podem ser causadas também por golpe direto, mas junto com a ruptura de aorta representam as lesões causadas por desaceleração. O esmagamento acontece quando o tórax é literalmente esmagado por algum acidente e a lesão mais comum decorrente de esmagamento é a ruptura do diafragma. O trauma penetrante na maioria das vezes causa lesão pulmonar periférica enquanto que o trauma transfixante tem maior risco de lesar estruturas mediastinais nobres como coração, esôfago, traqueia e os grandes vasos. Assim como com outras causas de morte por trauma, os óbitos devido ao trauma torácico ocorrem em três momentos: (1) no momento do trauma ou em segundos após ele, neste caso decorrente de lesões cardíacas ou de grandes vasos; (2) de minutos a horas após o trauma, nestes casos em decorrência de obstrução das vias aéreas, pneumotórax hipertensivo, contusão pulmonar, tamponamento cardíaco; (3) dias a semanas após a ocorrência do trauma, nesta fase os óbitos se devem a complicações pulmonares tardias como infecção sobre uma contusão pulmonar, SARA (síndrome da angústia respiratória aguda), sepse ou a lesões não diagnosticadas previamente. Três consequências diretas ao organismo acontecem comumente devido às lesões torácicas: hipoxemia (contusões pulmonares, ruptura diafragmática, pneumotórax hipertensivo), hipovolemia (lesões do coração, grandes vasos etc.) e insuficiência miocárdica (contusão cardíaca). É importante lembrar
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ainda que, felizmente, a grande maioria dos traumas de tórax é de tratamento conservador ou que necessitam de abordagem simples. Analgesia adequada, higiene respiratória (fisioterapia e aspiração), suporte ventilatório (ventilação mecânica ou oxigenoterapia) e drenagem torácica são suficientes para resolver 85 a 90% dos casos e somente a minoria vai requerer toracotomia de urgência.
Indicações de toracotomia de urgência no trauma Tabela 1 -
1. Hemotórax volumoso (>1500 ml); 2. Sangramento pelo dreno torácico (>200ml/h por >3 h); 3. Ferida mediastinal transfixante; 4. Grande pneumotórax aberto com contaminação da cavidade pleural; 5. Grande escape de ar pelo dreno torácico, levando à instabilidade respiratória; 6. Lesão vascular no estreito torácico com instabilidade hemodinâmica; 7. Lesão esofágica; 8. Evidência radiológica de lesão dos grandes vasos; 9. Suspeita de lesão traqueal ou de brônquios; 10. Empalamento torácico Sempre que se tem um choque não responsivo à reposição volêmica no trauma torácico, devemos lembrar-nos de lesões clássicas, mas que às vezes tem diagnóstico diferencial difícil: pneumotórax hipertensivo, contusão cardíaca, tamponamento pericárdico e embolia aérea para artéria coronária com infarto extenso e choque cardiogênico.
2. LESÕES ESPECÍFICAS Lesões Parietais As lesões mais comuns em traumas torácicos são as fraturas de costelas. A grande maioria delas é de tratamento ambulatorial e requer apenas analgesia adequada. Nem sempre são acompanhadas de acometimento dos órgãos intratorácicos, mas, se este acontece, existe indicação de observação hospitalar cuidadosa. A analgesia é a ferramenta mais importante no tratamento dos traumas de parede torácica e por várias vezes deve ser prolongada. Quando não há controle de dor com analgesia oral e venosa, medidas como bloqueio intercostal ou às vezes epidural podem ser utilizadas. A dor leva à limitação respiratória e de tosse, podendo levar principalmente ao acúmulo de secreções, atelectasias ou infecção pulmonar. Quando acontecem fraturas de duas ou mais costelas em pontos diferentes e essas fraturas levam a um movimento respiratório paradoxal, esse quadro é denominado de tórax instável. Apesar de
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Trauma torácico grave, o tórax instável raramente se encontra isolado, normalmente é acompanhado de lesões intratorácicas mais graves, uma insuficiência respiratória inicialmente pode ser devido a estas outras lesões. Hemotórax e pneumotórax frequentemente estão presentes. Lesões intra-abdominais estão presentes em aproximadamente 15% dos pacientes. A movimentação paradoxal leva a uma limitação respiratória e consequentemente a uma hipoventilação alveolar. A insuficiência respiratória como consequência única e exclusiva do tórax instável costuma ser tardia. Um quadro de insuficiência respiratória muito precoce, em paciente com tórax instável, deve se atribuído a outras lesões associadas. Nunca é demais lembrar que a analgesia adequada é a mola mestra do tratamento, mas em situações mais graves o suporte ventilatório é necessário. Estão contraindicadas imobilizações feitas externamente com uso de fitas ou coletes. As fraturas de esterno devem ser avaliadas com cuidado, principalmente porque são decorrentes, na maioria das vezes, de traumas de alta energia e podem estar acompanhadas de lesões graves em órgãos mediastinais.
Tomografia de tórax mostrando fragmento de costela completamente solto de seu eixo natural, esta situação é a causadora do fenômeno de respiração paradoxal
Reconstrução tridimensional mostrando várias fraturas no mesmo paciente.
Contusão Pulmonar A contusão pulmonar é anatomicamente representada por sangramento pulmonar intraparenquimatoso, isto é, há sangramento dos vasos do parênquima pulmonar para o interior dos alvéolos. Frequentemente associada a trauma contuso, geralmente com múltiplas fraturas costais, mas não há obrigatoriedade de haver fraturas de costelas para ocorrer contusão pulmonar, uma vez que os mecanismos das lesões são diferentes. A contusão é a mais letal das lesões pulmonares traumáticas. A piora ventilatória devido à contusão pulmonar, comumente, ocorre nas primeiras 48 horas, mas pode ocorrer em até cinco dias após o trauma. A contusão pulmonar pode levar ao quadro de SARA e são comuns as complicações infecciosas. As alterações radiológicas são normalmente tardias e o diagnóstico deve ser essencialmente clínico, no entanto as imagens mais comuns são consolidações pulmonares irregulares em vários locais do parênquima. Além disso, a presença de hemoptise ou sangramento
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no tubo endotraqueal é sinal importante de contusão pulmonar.
Contusão pulmonar à tomografia computadorizada
Contusão pulmonar à radiografia simples
O tratamento neste caso se baseia principalmente no suporte respiratório adequado, muitas vezes sendo necessário o uso de ventilação mecânica. Não está indicado o uso de corticoides ou antibióticos profiláticos. Deve-se tentar evitar estados de hiper-hidratação. Medidas de suporte hemodinâmico como cateter em artéria pulmonar podem ser benéficos para se ajudar no controle da infusão de líquidos.
Traqueia e Brônquios A lesão de traqueia torácica também é causada comumente por desaceleração, quando ela é comprimida entre o esterno e a coluna. As lesões de traqueia cervical são inicialmente mais sintomáticas que aquelas de traqueia torácica. As lesões cervicais simulam quadros de obstrução das vias aéreas e levam a uma hipoxemia que não melhora com a administração de O2. As lesões de traqueia torácica são usualmente próximas à carina, a uma distância de até dois centímetros. O brônquio fonte direito é mais comumente lesado que o esquerdo. As lesões traqueobrônquicas se dividem em lesões para o mediastino ou para a pleura. Nas lesões que drenam para a pleura, acontece um grande escape aéreo, com colapso pulmonar que não melhora com a drenagem pleural. Quando a lesão é para o mediastino, o que comumente ocorre é um pneumomediastino, que pode às vezes se manifestar de maneira subclínica, e a lesão pode passar inicialmente despercebida, principalmente se for menor que 25% do diâmetro da traqueia. Broncoscopia é o melhor exame para o diagnóstico e deve ser realizada se houver suspeita clínica e o paciente estiver estável. Nos pacientes vítimas de trauma torácico em que estiver ocorrendo atelectasia pulmonar ou pneumonia de repetição, a presença de lesão de via aérea deve ser investigada. O tratamento emergencial consiste na colocação de um tubo traqueal, seletivo ou não, com o balonete posicionado distal à lesão, que possibilite a ventilação pulmonar adequada. O tratamento definitivo é cirúrgico.
Pneumotórax
Sempre que acontece acúmulo de ar na
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Trauma torácico cavidade pleural, estamos diante do pneumotórax. Pneumotórax é uma lesão comum no trauma de tórax e é de etiologia variada, incluindo: ferimento penetrante no tórax, laceração da parede torácica com lesão pulmonar e ruptura pulmonar por ventilação mecânica. No trauma é importante dividir o pneumotórax em aberto ou fechado, principalmente porque o tratamento dessas duas lesões é diferente, principalmente em sua fase inicial. O pneumotórax fechado pode tornar-se hipertensivo, quadro extremamente grave, e que deve ser diagnosticado e tratado rapidamente em virtude do risco iminente de óbito. O pneumotórax torna-se hipertensivo porque a lesão que causa a saída de ar dos pulmões não permite o retorno do ar aos pulmões, funcionando como uma válvula. À medida que o ar se acumula na cavidade pleural, vai ocorrendo um aumento da pressão naquela cavidade acompanhado de um colapso pulmonar. No pneumotórax hipertensivo acontece, também, a compressão das estruturas vasculares mediastinais, levando ao deslocamento do mediastino para o outro lado e consequentemente a um aumento da pressão contralateral. O quadro leva à insuficiência respiratória devido à compressão pulmonar e também à insuficiência cardíaca devido à compressão das estruturas do mediastino com redução do retorno venoso e do débito cardíaco. Tabela 2 - Manifestações clínicas atribuídas
ao pneumotórax hipertensivo
• Grave dificuldade respiratória • Hipotensão • Ausência unilateral do murmúrio vesicular • Distensão das veias jugulares • Cianose • Hipertimpanismo à percussão Ainda, é importante ressaltar, que a ventilação mecânica é um complicador dos pacientes com pneumotórax, já que se usa pressão positiva. Sendo assim, todos os pacientes com pneumotórax que estejam em ventilação mecânica devem ser drenados, mesmo que não se trate de um pneumotórax hipertensivo no primeiro momento.
Radiografias de tórax com a demonstração clássica de um pneumotórax hipertensivo. Perceba o deslocamento das estruturas mediastinais para a esquerda e a ausência de trama pulmonar do lado direito. Uma radiografia destas nunca deveria ser vista no pronto socorro, o diagnóstico desta entidade é clínico e o tratamento deve ser imediato. Ao lado, a mesma paciente após a drenagem em selo d’água
O tratamento de pneumotórax varia de acordo com a gravidade do quadro, um pneumotórax pequeno oligossintomático com o paciente estável, pode ser conduzido conservadoramente. O pneumotórax hipertensivo deve ser rapidamente abordado. A imediata descompressão com agulha calibrosa é o tratamento emergencial de escolha para o pneumotórax hipertensivo. Ela deve ser realizada no segundo espaço intercostal na linha medioclavicular ou no quinto espaço intercostal na linha axilar anterior. Isto converte o pneumotórax hipertensivo em um pneumotórax simples. O tratamento definitivo, na maioria das vezes, é a drenagem fechada em selo d’água ou com o emprego de válvula unidirecional. Se existe uma comunicação entre a cavidade pleural e o meio externo então temos o pneumotórax aberto. Do ponto de vista fisiológico, o problema do pneumotórax aberto está no fato de que a respiração funciona por pressão negativa, portanto se há uma ferida aberta na parede torácica, o ar pode entrar tanto por ela quanto pela árvore respiratória e, quando o ar passa pela ferida, ele se acumula na cavidade pleural e impede a respiração adequada. Se a ferida torácica é de diâmetro superior a 2/3 do diâmetro da traqueia, então a cada inspiração o ar passa pela ferida na parede ao invés de passar pela traqueia, devido à menor resistência. Isto leva a uma hipoventilação grave, normalmente acompanhada de hipoxemia. A ferida que sopra, acompanhando a respiração do paciente, no momento de sua admissão no pronto-socorro, é a representação didática do pneumotórax aberto. O tratamento consiste no suporte respiratório, inclusive com entubação caso o paciente esteja instável, e o tratamento específico é a oclusão da ferida com o clássico curativo de três pontas. Este funciona como uma válvula que permite a saída do ar e impede a sua entrada. A drenagem torácica deve ser realizada oportunamente e com colocação do dreno longe da ferida inicial. A existência de lesões intratorácicas associadas ao pneumotórax aberto é um quadro relativamente comum, portanto, a necessidade de toracotomia para tratamento destas lesões deve ser sempre considerada.
Hemotórax O acúmulo de sangue na cavidade pleural é chamado de hemotórax. No trauma, isto ocorre devido a uma lesão vascular que leva ao extravasamento de sangue para dentro da cavidade pleural. Os vasos mais comumente lesados são os intercostais e os mamários. Cada hemitórax pode comportar até três litros de sangue,
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Trauma torácico mas felizmente na maioria das vezes o sangramento é autolimitado. Geralmente, os sangramentos muito volumosos e que não param espontaneamente são decorrentes de lesões de grandes vasos e do hilo pulmonar. Clinicamente, o paciente pode apresentarse oligossintomático ou até estar em franco choque hipovolêmico. A jugulares podem estar vazias devido à hipovolemia ou túrgidas devido à compressão do retorno venoso causado por um pneumotórax de tensão associado ou, raramente, pelo sangue intratorácico acumulado, portanto é difícil fazer o diagnóstico preciso de hemotórax na avaliação clínica inicial. Mas é de fundamental importância que sempre se suspeite da presença de um hemotórax quando se tem um paciente chocado na avaliação inicial e com presença de trauma torácico. O hemotórax massivo é descoberto quando um paciente chocado apresenta redução do murmúrio respiratório e macicez à percussão. Tabela 3 - Sinais clássicos de hemotórax
• Choque hemorrágico • Ausência ou diminuição do murmúrio vesicular • Macicez à percussão • Veias jugulares vazias (é o mais comum, mas elas também podem estar ingurgitadas – ver descrição no texto) • Opacificação do hemitórax à radiografia. Radiologicamente, no trauma, todo derrame pleural deve ser considerado como possível hemotórax. Coleções de sangue pequenas, menores que 300 ml de sangue, dificilmente são vistas à radiografia de tórax. Para as coleções maiores que 300 ml a radiografia de tórax é o exame de escolha para o diagnóstico. O tratamento inicial do hemotórax massivo consiste na restauração do volume sanguíneo e, simultaneamente, a descompressão por drenagem da cavidade torácica. O recurso de auto-hemotransfusão é uma boa opção se estiver disponível. É importante que se tenha sempre sangue disponível para transfusão antes de se descomprimir o hemotórax pelo dreno. Também devemos lembrar, que a drenagem imediata maior que 1500 ml de sangue ou a drenagem persistente maior que 200 ml/h por 3 horas são indicações de toracotomia pelo hemotórax. Isso vai acontecer em menos que 15% das vezes. Na maioria, a drenagem torácica em selo d’água será o único procedimento necessário para o tratamento do paciente. O coagulotórax é uma complicação comum e deve ser tratado de forma mais precoce possível. Nestes casos a drenagem não costuma ser suficiente para esvaziar a cavidade pleural adequadamente, sendo a toracoscopia uma boa opção cirúrgica.
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Contusão miocárdica A contusão miocárdica é uma lesão traumática mais comum do que se imagina, sendo, na maioria das vezes, não diagnosticada. Devemos nos preocupar com a presença de contusão miocárdica sempre que estivermos diante de trauma grave, principalmente se houver fratura de esterno ou tamponamento cardíaco associado a trauma contuso. O sangramento difuso no tecido cardíaco é a lesão do ponto de vista anatomopatológico. Do ponto de vista clínico, é importante saber que o miocárdio contundido tem uma pior função contrátil e uma incapacidade de transmissão do estímulo elétrico. Portanto, é comum a ocorrência de insuficiência cardíaca e arritmias associadas à contusão miocárdica. A ocorrência de FA aguda, alterações novas no traçado eletrocardiográfico, taquicardias, ou mesmo a ocorrência de insuficiência cardíaca no paciente com trauma torácico, devem levar a suspeita clínica de contusão miocárdica. O ecocardiograma transtorácico ou transesofágico é um bom exame para diagnóstico da contusão miocárdica, uma vez que avalia a contratilidade cardíaca. A câmara cardíaca mais comumente afetada é o ventrículo direito. Dosagens de CPK ajudam no diagnóstico, mas não estão necessariamente relacionadas a um pior prognóstico. O tratamento deve seguir os protocolos para tratamentos de doenças cardíacas agudas. As arritmias são tratadas de acordo com os protocolos do ACLS, pacientes com alterações isquêmicas ou níveis elevados das enzimas cardíacas são tratados como infarto agudo do miocárdio e, se o paciente apresentar sinais de insuficiência cardíaca aguda, pode ser realizado o monitoramento invasivo. A contusão miocárdica não é contraindicação às cirurgias que venham a ser necessárias devido às lesões traumáticas.
Tamponamento Cardíaco O tamponamento cardíaco é a síndrome ocasionada pelo acúmulo de sangue na cavidade pericárdica, levando a uma compressão das câmaras cardíacas. Esse fenômeno leva a um aumento das pressões de enchimento do coração (pressão atrial direita e esquerda), e, consequentemente, há uma redução progressiva do retorno venoso e do débito cardíaco, levando ao choque cardiogênico. O pericárdio é uma cavidade de menor espaço que as demais cavidades do organismo, por isso o volume de sangue necessário para causar sintomas e levar ao tamponamento é pequeno quando comparado com o hemotórax por exemplo. Uma coleção da ordem de 200ml de sangue é suficiente para levar a um tamponamento grave, enquanto que um hemotórax com apenas 200ml de sangue pode até não dar sintomas.
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Trauma torรกcico
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