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Que hospital é este?

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Referências

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Além dos diversos sons e cores que habitam o Hospital Pequeno Príncipe, há, sobretudo, o empenho no bem-cuidar. Desde os tempos em que era denominado Hospital de Crianças, os diversos médicos que passam por ali fazem do atendimento aos que mais precisam uma vocação. Não se sabe exatamente quem inventou tal tradição, mas uma vasta documentação atesta desde sempre o gosto pelo cuidado com as crianças de toda e qualquer origem socioeconômica, e a preocupação com as causas das doenças que acometem os pequenos. Essa é uma marca distintiva da instituição.

Médicos como Raul Carneiro, César Pernetta e muitos outros, de ontem e de hoje, empenharam e empenham seu tempo e saberes no cuidado com os pacientes, tendo também certa liberdade para constituir práticas próprias e eficientes.

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O trabalho desses médicos sempre teve resultados impactantes no desenvolvimento de seu campo de atuação. Os frutos são muitos e vão da criação de serviços hospitalares à formação de novas gerações de profissionais, passando pela gênese de tratamentos de vanguarda e, de maneira mais ampla, culminando no desenvolvimento da pediatria como especialidade médica.

Tudo isso já acontecia no Hospital Pequeno Príncipe antes mesmo que os brasileiros tivessem o direito incondicional à saúde, proporcionado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecido e garantido pela Constituição Cidadã de 1988.

Antes do SUS, o atendimento não era universal, ou seja, não era um direito de todos os cidadãos. Havia serviços públicos de saúde desde os anos 1940, mas eram destinados apenas àqueles que estavam vinculados à previdência social, isto é, àqueles que tinham registro em carteira de trabalho e que descontavam seus impostos mensalmente. Os desempregados, empreendedores, mensalistas e autônomos precisavam pagar pelo atendimento. Se não tivessem condições, eram considerados “indigentes” e recorriam aos hospitais de caridade, dependentes de donativos da sociedade civil ou de entidades privadas e governamentais. Esse era o caso dos hospitais mantidos pelas Santas Casas de Misericórdia no Brasil, e também do Hospital de Crianças em Curitiba.

Em 1956, médicos e voluntários que atuavam no Hospital César Pernetta (nome que o Hospital de Crianças passou a adotar em 1951) fundaram a Associação Hospitalar de Proteção à Infância Dr. Raul Carneiro. A partir daí, os recursos para garantir o atendimento aos pacientes começaram a vir, em grande parte, das ações promovidas pela associação, e isso muito antes de o governo estadual ceder-lhe o hospital em comodato, o que só ocorreria em 1979.

De cima para baixo: d. Ety e suas filhas Ety Cristina Forte Carneiro, Patrícia Maria Forte Rauli e Tatiana Forte, ainda crianças; d. Ety.

Na outra página, colaboradores do Setor de Educação e Cultura em atividades educacionais e recreativas com crianças internadas no hospital, em 2006.

Noinício daquela década, mais especificamente em 1971, a associação inaugurara um novo hospital, o Pequeno Príncipe, em terreno anexo ao César Pernetta. Com a cessão deste pelo Estado, a associação passou a administrar e manter ambas as instituições sob um único nome, Hospital Pequeno Príncipe — às vezes referido como HPP.

Tais avanços, fundamentais para a ampliação do atendimento à saúde das crianças de Curitiba e do estado, devem-se principalmente a uma pessoa: Ety da Conceição Gonçalves Forte.

Ety foi voluntária pela primeira vez ainda adolescente, tocando violão em uma instituição de acolhimento de pessoas idosas. Com o passar do tempo, os pincéis, as agulhas, a caneta e o raciocínio tomaram o lugar do violão. O trabalho voluntário passou a ser em período integral e de relevância gerencial estratégica, articulando habilidades artísticas e políticas para tecer parcerias e formar redes de apoio.

Foi no ano de 1966 que Ety, artista visual de cores intensas, assumiu a presidência da Associação Dr. Raul Carneiro, promovendo um ponto de virada na trajetória da organização. Da limpeza do chão no dia de sua posse às parcerias com o poder público e a iniciativa privada, passando pelo acolhimento à arte como forma de expressão necessária à vida, as mudanças operadas por d. Ety, como é carinhosamente chamada, ajudaram a transformar o HPP no que ele é hoje: o maior hospital pediátrico do Brasil, referência em atendimento à saúde integral e em tratamentos de alta complexidade.

D. Ety pinta como se arranjasse um concerto de muitos naipes, tanto nas telas e na cerâmica quanto nas diretrizes de atendimento do hospital. A partir de sua gestão, o hospital consolida sua vocação, amplia seus horizontes e se enraíza em princípios igualitários. Com ela e com as muitas gestoras e os muitos gestores que vieram depois, a competência administrativa definitivamente vira cúmplice das artes, que nunca mais deixaram de ecoar nos corredores da instituição. E a música, como parte dessa paleta, entrou pela porta da frente.

No decorrer das gestões e dos anos, voluntariado e filantropia continuaram sendo importantes peças, e não mais apenas no hospital, mas em todo o Complexo Pequeno Príncipe, formado também pela Faculdades Pequeno Príncipe e pelo Instituto de Pesquisa Pelé Pequeno Príncipe.

O complexo congrega uma comunidade nacional e internacional de apoiadores, muitos deles voluntários, graças também aos nós mais fortes dessa rede: as continuadoras do trabalho de d. Ety, suas filhas Ety Cristina Forte Carneiro, Patrícia Maria Forte Rauli e Tatiana Forte, que ocupam hoje, respectivamente, as funções de diretora-executiva no hospital e de diretora e diretora de extensão nas faculdades.

Herdeiras do espírito audaz e inovador da mãe, com elas as artes se estabeleceram definitivamente e ocupam todos os espaços do hospital, assim como permeiam as atividades do instituto e das faculdades. Arte e cultura não são vistas como acessórias; sua presença em um lugar que pode, em princípio, parecer inusitado é orientada pela consciência do direito das crianças à educação e à cultura, mesmo quando em restrição de mobilidade devido à situação de internamento. Com base nessa orientação, a partir de 1987 as crianças internadas passaram a ter aulas em seus leitos, programa oficializado em 2002 com a criação do Setor de Educação e Cultura. O setor também oferta sistematicamente atividades artístico-culturais.

Essas iniciativas foram implantadas no HPP antes se tornarem políticas públicas, pois só em 1988, por exemplo, a Constituição passou a assegurar, em seu artigo 215, que “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”. O direito à educação tornou-se uma diretriz das Leis de Diretrizes e Bases da Educação apenas em 1996, quando já fazia nove anos que o Pequeno Príncipe garantia o acompanhamento escolar aos seus pacientes.

O acesso à cultura é libertador, muda trajetórias e oferece um desvio de destinos previstos e inscritos apenas na condição social. Às vezes, tais momentos podem mesmo oferecer novas perspectivas de vida aos pequenos que passam por lá. Por um lado, é triste que muitas crianças só venham a se encontrar com a cultura no momento da doença; por outro, esse encontro pode tornar menos aflitivos os períodos, longos ou curtos, de tratamento e de internamento.

Tanto quanto ter acesso à educação, entrar em contato com a música e outras artes proporciona aos sujeitos uma disposição estética e ética.

Atividades artísticas e culturais nos diversos espaços do Pequeno Príncipe.

Nessas ocasiões em que o hospital se transforma em palco, o Coral Pequeno Príncipe é uma das principais e mais duradouras atrações, algo que só se conquista quando a cultura e a arte são vistas de forma estratégica pela gestão institucional. Não por acaso, uma das ações comemorativas do centenário do hospital, celebrado em 2019, foi a homenagem do coral às iniciadoras de toda essa história de virtuosismo. O figurino das coralistas para a apresentação compôs-se de vestidos azuis modelados ao estilo dos anos 1920. Com essa evocação, o voluntariado do século XXI reconheceu os esforços das elegantes “damas” dos grêmios femininos da aurora do século XX, que tanto fizeram, voluntariamente e convocando a música, pelo início e manutenção das atividades da instituição.

Da esquerda para a direita: fachada do edifício histórico do Pequeno Príncipe no espetáculo comemorativo do centenário da instituição; apresentação do Coral Pequeno Príncipe no espetáculo dos100 anos.

Em 2019, o Hospital Pequeno Príncipe comemorou seus 100 anos com diversas ações celebrativas. Teve livro histórico, festa em praça pública com apresentação do Coral Pequeno Príncipe e, para encerrar o ano, espetáculo com atores, orquestra e novamente o coral, tudo acompanhado por uma projeção mapeada nas fachadas do prédio do antigo Hospital César Pernetta.

Com as celebrações do centenário, o coral declarou seu amor à casa que é também porto e estação de encontros para afetos que transbordam e ecoam pelos corredores. Foi uma dupla dádiva, para o coral e para o hospital, os coralistas serem protagonistas do espetáculo que celebrou esse aniversário.

Acesse para ver o video desse espetáculo

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