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Do chuveiro ao corredor

Desde as primeiras cantorias junto ao Coral do Lar de Meninos São Luiz, o Coral Pequeno Príncipe não parou mais. Participou de festivais nos maiores teatros de Curitiba, como o Teatro Guaíra e o Teatro Positivo. Excursionou Brasil adentro, cantando em hospitais do Rio Grande do Sul, do Rio de Janeiro e de São Paulo, e fez até uma apresentação internacional, no Paraguai.

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“Foi em São Paulo, nós estávamos fazendo uma apresentação em um hospital, e cada vez que eu me lembro desse dia, me volta a emoção. Num corredor, eu fiquei de frente para um pai que estava com uma criança ao colo. Evidentemente, a criança estava internada. E eu cantando para ele, praticamente para ele, porque ele estava focado em mim e eu focado nele. Ele começou a chorar, a criança começou a chorar e eu chorei também. Marca demais e cada vez que eu lembro, ainda me emociono muito.”

Registros da viagem do Coral Pequeno Príncipe para apresentações no Paraguai, em 2012.

“Acho que esta é a fórmula para nossa atividade ser tão duradoura e ganhar tanta importância: a oportunidade de divulgar a música, de dar alento aos pacientes, de levar alegria para todos os que nos assistem, amenizar suas dores e difundir o canto. Com a música, levamos o nome do Hospital Pequeno Príncipe para além de fronteiras.”

Simone, maestra

Além de hospitais, outros espaços de acolhimento de pessoas em condições vulneráveis de saúde também formam palco para o Coral Pequeno Príncipe. Casas de repouso, asilos e instituições para crianças, jovens e adultos com necessidades especiais são os principais palcos do coral, e ficam em festa quando o recebem.

Apesar do gosto em levar a música a tantos outros espaços de cuidado, o lugar preferido do coral é mesmo o hospital onde seus integrantes atuam. No curso desses 10 anos, o coral tem sido convidado para celebrar com suas vozes toda e qualquer data especial para o Pequeno Príncipe. Natal, Páscoa, Dia das Mães, uma visita ilustre, o recebimento de um prêmio ou doação, a comemoração de uma data importante para a saúde ou para a criança: todas as datas convocam os coralistas, que sempre se desdobram para estar presentes e fazer brilhar cada ocasião.

“É emocionante quando cantamos no hospital mesmo, por ser ‘a nossa casa’. A gente começa a cantar nos corredores, aí vê as crianças saindo dos quartos, vindo ao encontro da gente. É sempre muito emocionante. É como se fosse a primeira vez, a primeira apresentação ali no hospital. A gente sempre está ali cantando, mas parece sempre que é a primeira vez. Não tenho como descrever. Muitas das crianças a gente já conhece e acompanha no trabalho voluntário. Então, quando vemos aquelas carinhas, é incrível.”

Dentre tantas apresentações, o grupo não consegue encontrar na memória qual a mais importante de sua trajetória. Segundo os coralistas, cantar para as crianças internadas é sempre um momento único e de emoções inéditas. E o que cantam para elas? Dizem que as crianças gostam mesmo é de “músicas de criança” ou “da moda”. Já para os pais e colaboradores do Pequeno Príncipe, quem arrasa é o rei Roberto Carlos.

No hospital, o coral costuma se apresentar na Praça do Bibinha, localizada no interior do edifício César Pernetta, ou nos jardins em frente a esse edifício, e em muitos outros espaços, solenes ou cotidianos. Mas, quando perguntados sobre o lugar preferido para cantar, a resposta dos coralistas é unânime: nos corredores.

Com a presença do coral, os corredores deixam de ser somente passagem para o leva e traz rápido de macas, cadeiras de roda, soro e oxigênio, abrindo espaço para a música permanecer entre os quartos, para todo mundo ouvir. Crianças e familiares são surpreendidos pelo canto. Às vezes enfileirados, por vezes lado a lado, ou amontoados mesmo, coralistas e maestra conseguem encaixar as vozes no cotidiano hospitalar.

Enquanto entoam as notas, os cantores notam as portas se abrirem devagarzinho. Olhos brilhando saltam entre os vãos e as crianças e famílias ocupam os corredores também. Aos poucos, a música toma todos os sentidos — até os olhos ficam marejados em algumas ocasiões. Pacientes, acompanhantes e colaboradores se misturam aos coralistas e todos viram cantadores.

Cantam juntos o que conhecem. Batem palmas para os novos ritmos. A maestra faz par com a enfermeira. O tenor rodopia as crianças de pijama. A religiosa volteia sem se preocupar com o que os outros vão pensar. O médico, sempre ocupado, solta um rebolado. Sopranos cantam sorrindo com os olhos. Dançam o que é de dançar e também o que não é. O concerto vira baile, vira festa, vira riso e choro de emoção. Às vezes os coralistas se jogam no chão, ou se fazem de bichos para acompanhar a canção.

“Teve um menino, Nicolas, ele era de Paranaguá, ficou muito tempo internado. Em todas as apresentações que nós fazíamos nos corredores, ele estava lá. E tem uma música que fala de passarinho. Ele estava com traqueostomia e não se podia ouvir a voz dele, mas quando se falava em passarinho, ele fazia o som. E aí, durante as apresentações nós passamos a fazer o mesmo som, lembrando do Nicolas, e ele estava lá sempre. Quando ele teve alta, a mãe dele fez questão de tirar foto com todo pessoal do coral, para mostrar que ele teve um acolhimento e se divertiu enquanto se recuperava. Então, não há dúvida de que a música é extremamente importante.” Roseni, soprano.

Quando as apresentações acontecem na Praça do Bibinha, a fã de carteirinha é Ety Cristina, que ama acolher o coral e toda arte que houver. Ela tem lugar garantido na primeira fila. Canta, dança e bate palmas como ninguém!

Outra reação observada nas apresentações é a curiosidade das crianças, que se levantam para tocar nos coralistas ou em algum instrumento. A contralto Fabiola, que tem mobilidade reduzida e se locomove com auxílio de muletas, lembra de ter sido “alvo” do interesse de uma pequena paciente. Numa das apresentações de corredor, conta que uma menininha não tirava os olhos dela e a perseguiu por toda a apresentação, mesmo quando mudaram de andar. Ao final, a pequena pediu um abraço, disse que a achou linda e que gostaria de ser igual a ela quando crescesse. Fabíola se disse muito “chocada” e emocionada com a declaração: “ela não enxergou minhas limitações físicas”.

A dança espontânea, os arrepios e os choros incontidos desfilam nas frestas que se abrem na dor e na doença. A música toca aquilo que nós não vemos. O neurocientista Daniel

J. Levitin oferece uma explicação para isso a partir da observação das reações do nosso cérebro às emoções, dizendo que os compositores e cantores manipulam nossas emoções com suas interpretações.

A maestra Simone sabe disso e sempre busca repertórios inspiradores para a interpretação dos coralistas, pois o entusiasmo deles afeta o público. A neurociência confirma que somos capazes de sentir e imitar a emoção do cantante, como se fosse possível almas se tocarem e se contagiarem pela emoção emitida na voz do coralista.

Dos que sonharam o Coral Pequeno Príncipe até aos que a ele se uniram com sua voz e dedicação, o grupo segue transformando, por meio da música, lugares de cuidados com a saúde em espaços de afeto e ninho.

“Cada apresentação é um momento único. Um alimento para a alma, que também nos permite viver, vivenciar, se entregar para emoções que estão lá, guardadinhas, e que, de repente, através de um som, de um ritmo, afloram e nos permitem ter contato com o outro. Muitas vezes, nas apresentações, a gente chora, a gente dá risada, se sente próxima dos outros. Se sente tão perto e tão longe, tão longe e tão perto. É algo que mobiliza mesmo.” Ety Cristina, diretoraexecutiva do Hospital Pequeno Príncipe.

“A música ajuda o paciente e toda a equipe, traz alegria, comunicação consigo mesmo e paz. O paciente sai da doença e tem um momento de conexão. Muda a energia de tudo.”

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