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Amadora-mente
O fotógrafo Ansel Adams (1902–1984) foi considerado o mais primoroso técnico entre os fotógrafos, numa época em que fotografar era pura alquimia, um amalgamado de fenômenos da física e da química. Adams era obcecado em reproduzir com perfeição a realidade em escalas de cinza, nas fotografias em preto e branco. Em um de seus livros, A Câmera, Adams recomenda aos iniciantes que, se quiserem fazer boas fotos, nunca deixem de ser “amadores”, porque amador é aquele que ama! Para o fotógrafo, a câmera não pode ser segurada como um robô imóvel; tudo o que pode ser feito nas fotografias, em termos sensíveis e emocionais, está nos olhos do fotógrafo, não na câmera. Ou seja, para Adams, sem amor, de nada vale o aprendizado da técnica.
A ideia de Adams de “amador” como aquele que se dedica a uma atividade por amor é produtiva para repensarmos os sentidos da palavra. Nas entrevistas para este livro, pipocaram as expressões “coral amador”, “somos amadores”, “sou amador”, “os amadores”, “canto amadoramente”, evocando ora as concepções do fotógrafo, ora a singeleza ou as limitações autoatribuídas ao grupo.
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Os usos da palavra amador ao longo do tempo fizeram com que ela fosse compreendida, no senso comum, só em seu significado de despretensão, de falta de dom ou técnica; algo menor, até porque o amador não recebe por seu trabalho. Mas o termo, como bem chama a atenção Adams, também designa aquele ou aquela que ama. A palavra “amadoramente” é composta por “amador”, ou seja, “quem ama”, e pelo sufixo adverbial “mente”, que vem da palavra latina mens e que significa mente, espírito e intento, e que indica modo e ação. Em síntese, amadoramente é o modo de quem tem a intenção de amar, ou de quem pratica o amor com o espírito.
O amor transborda nos olhos dos coralistas quando falam da música, do coral, dos colegas, da maestra Simone, das crianças e do Hospital Pequeno Príncipe, ganhando, nas apresentações, um sentido expandido pela voz de cada um. Ao que parece, esse amor que move é característico dos corais brasileiros, pois a maior parte deles é amadora; em geral, coralistas e regentes realizam suas atividades por amor à música.
O maestro David Junker, que prefacia este livro e que, em 2021, conduziu uma atividade de qualificação para o Coral Pequeno Príncipe, chama a atenção para o fato de, no dicionário, as palavras amador e profissional não serem antônimas. Amador seria aquele que se dedica a uma arte ou ofício pelo entusiasmo, pelo prazer de realizar.
“Somos todos amadores. É um coral de amadores. A gente se esforça para levar música bonita, mas ainda somos amadores, estamos fazendo o nosso melhor, amadoramente!”
Neuza, contralto
“Cantar é como a preparação de uma parede para receber uma pintura. Temos que passar massa, lixar bem e corrigir todos os defeitos. Feito isso, a pintura é rápida e perfeita. Cantar é a mesma coisa: temos que preparar o corpo, fazer aquecimento, preparar o psicológico e o espírito para a peça que vamos executar. Feito tudo isso, a voz flui naturalmente e sai perfeita. Falo disso com maestria, pois também fiz curso de pintura de parede e aplico exatamente o que vivencio, e o exemplo se encaixa perfeitamente.”