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O canto voluntário

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Amadora-mente

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O Coral Pequeno Príncipe é um coral de amadores! Para ingressar nele, é preciso ser voluntário ou colaborador do Hospital Pequeno Príncipe. A participação é espontânea e não remunerada.

Todos os coralistas se dedicam ao coral com muito amor à música e às crianças, com amizade entre si e respeito íntegro. Apesar de aberto a colaboradores, hoje o grupo contempla apenas pessoas engajadas nas atividades de voluntariado, interesse comum que confere ainda mais unidade ao grupo.

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“Voluntário é aquele que não tem necessariamente um vínculo com a instituição, mas, depois que a gente começa, cria um vínculo através do coração e da humanização. Como a gente não precisa cuidar do paciente, tem o tempo de olhar para a pessoa, que está numa situação muito estressante, muito difícil. É bom pra eles, mas também é bom pra gente, você valoriza a vida, os teus valores. É muito legal ser voluntário, recomendo para todo mundo.”

“Trabalhei com muitos grupos diferentes, heterogêneos em todos os sentidos, mas nenhum como este, pois nosso objetivo nem é sermos muito técnicos, com vozes afinadíssimas. O que impera nesse coral é o amor e a ajuda mútua; quando uns têm dificuldades, outros sempre dão apoio e ajuda. Com a união de todos esses elementos, a voz sai afinada automaticamente; flui naturalmente.”

“Todo dia é uma possibilidade de descobertas. E todos, inclusive você, podem vir cantar conosco. Todos podem cantar. Ajuda você. Vai ajudar os outros essa interação, essa vibração. Desde o tempo de Pitágoras, que falou das esferas, existe a ideia de que a música aproxima de Deus. Aproxima do nosso real ser. E todos podem cantar. Mesmo os que dizem: ‘eu sou desafinado!’ Não, consegue sim! Alguns conseguem com mais esforço do que os outros, têm que treinar, trabalhar. Treinando e trabalhando, todo mundo pode cantar.”

O voluntariado é a mais antiga tradição do Hospital Pequeno Príncipe. Iniciada com as damas dos grêmios femininos, que não mediram esforços para viabilizar a construção do Hospital de Crianças, essa tradição foi reinventada com a chegada de Ety da Conceição Gonçalves Forte, em 1966, à presidência da Associação Hospitalar de Proteção à Infância Dr. Raul Carneiro, mantenedora do hospital. D. Ety atualizou as formas de benevolência voltadas para a instituição.

Hoje, assim como existem os serviços das especialidades médicas, há no Pequeno Príncipe um serviço de voluntariado. O recrutamento dos voluntários obedece a uma seleção rigorosa, e o interesse é tanto que o processo seletivo precisou ser organizado por meio da retirada de senhas. Ser voluntário no HPP requer afinidade com o universo infantil, com os princípios do hospital e com as tarefas designadas pelo setor.

“Eu quero imaginar que a gente é muito especial! Eu quero imaginar que isso é obra das coisas que acontecem neste hospital. Talvez seja mesmo porque [o coral] é formado por voluntários e eles fazem a diferença onde estão; são pessoas mais dispostas afetivamente, vamos dizer assim, mais disponíveis a dar, doar e a transmitir. Elas têm um objetivo de levar coisas boas, seja através do brinquedo, seja através da música. Eu não sei te dizer se é só esse grupo [que é assim], mas esse grupo é demais!”

Patrícia, coordenadora projetos e do Centro de Reabilitação e Convivência HPP

O Setor de Voluntariado do Pequeno Príncipe foi criado oficialmente em 1987. As primeiras voluntárias chegaram por indicação da dra. Flora Watanabe, atual chefe do Serviço de Oncologia e Hematologia, e pretendiam trabalhar exclusivamente com crianças com câncer. Três anos depois, a seleção de voluntários e sua alocação nos setores do hospital se profissionalizou e passou a ser conduzida por profissionais de psicologia. Em 1994, com a chegada ao hospital da psicóloga Rita Lous, que hoje gerencia o setor, houve o aprimoramento da seleção com dinâmicas de grupo e entrevistas individuais.

Em 2019, antes da pandemia de covid-19, o hospital tinha mais de 200 voluntários, a grande maioria atuando em ações de recreação e alguns em outros projetos. Dentre esses outros projetos está o Amigo Bicho, que proporcionava às crianças hospitalizadas a oportunidade de brincar com animais de estimação trazidos por voluntários para a praça em frente do prédio histórico do Pequeno Príncipe. O projeto Jovem Abraça Criança, por sua vez, era realizado em parceria com escolas de ensino médio, públicas e particulares, cujos alunos promoviam atividades junto às crianças nos ambulatórios. Já no projeto Voluntariado Corporativo, empresas disponibilizavam seus funcionários para ministrarem oficinas de arte aos pequenos pacientes.

Mas é do voluntariado nas atividades de recreação que vem a maior parte dos integrantes do Coral Pequeno Príncipe. No hospital, essa atividade envolve brincar com as crianças, distribuir brinquedos na brinquedoteca e nos quartos, ficar ao lado de uma criança para que seu acompanhante resolva alguma questão burocrática ou problema particular.

Existem aqueles que já eram voluntários no hospital e se juntaram ao coral quando este foi formado; e existem os que escolheram fazer voluntariado no hospital justamente para estar no coral. Nos dois casos, o que move os coralistas é o poder da música e do cantar junto.

A soprano Tânia é um exemplo do segundo grupo. Já o tenor Carlos Eduardo entrou no coral quando era colaborador do hospital. Trabalhador terceirizado de uma empresa de manutenção de equipamentos hospitalares, Carlos foi cooptado para o coral depois de assistir a um concerto natalino em frente ao edifício César Pernetta. Em 2020, a chegada da pandemia acarretou ao tenor o desligamento da empresa e, fruto disso, a decisão de se aposentar. Conta ele que sua maior preocupação com a perda do vínculo trabalhista era perder também o vínculo com o coral — o que, felizmente, não aconteceu. Carlos permanece no grupo, agora como voluntário do Hospital Pequeno Príncipe.

O voluntariado tem tantas responsabilidades como o trabalho remunerado, mas se diferencia deste na retribuição, que é dadivosa em vez de financeira. No voluntariado, o doador oferece seu tempo e disponibilidade para fazer o trabalho que lhe for solicitado.

“Eu tinha uma escola de educação infantil e reservava uma quinta-feira do mês para o voluntariado. Só que o gosto foi pegando e eu passei a ir toda semana. Aí ficou assim, toda quinta-feira era sagrada para o Pequeno Príncipe. Era para eu ir uma vez por mês, mas eu ia toda semana, toda quinta-feira. E me sentia culpada quando não podia ir. Para mim, o voluntariado é isto! A música para os colaboradores, pacientes e familiares nos momentos difíceis. Quantas crianças você faz sorrir através da música. Nos últimos 10 anos, encontrar as mesmas pessoas todas as quintas-feiras, com o intuito de cantar, se divertir e levar alegria. O voluntariado e este nosso cantar voluntário são um gesto de amor ao outro. Eu fico até emocionada de falar [diz com a voz embargada]. Às vezes, a gente sobe e desce escada no Pequeno Príncipe, vai lá, pega brinquedo, volta. É um se doar por amor, por querer fazer bem ao outro, ao próximo, e é um sentimento muito gratificante.”

“Foi um sinal. Estava um dia sem sono, coisa rara de acontecer. Liguei a TV e vi a propaganda para quem quisesse ser voluntário do Pequeno Príncipe. E aquilo tocou muito meu coração. Porque eu moro tão próximo ao hospital, eu pensei: ‘Meu Deus, como eu nunca pensei nisso? Eu vou lá!’ E, coincidentemente, o dia em que eles fariam o recrutamento dos voluntários era o dia em que eu voltava das minhas férias. Eu pensei: ‘Eu vou avisar meu chefe que eu vou chegar mais tarde, porque eu preciso ir lá’. Fui, fiz a entrevista e entrei. Não me arrependo nunca, jamais. Era o meu momento!”

Mas, em um tempo em que quase tudo é monetizado, qual seria a vantagem de trabalhar sem remuneração?

Pesquisas do neurocientista Jorge Moll Neto indicam que o trabalho voluntário mexe com as mesmas áreas cerebrais ativadas quando nos acontecem coisas prazeirosas, como comer chocolate, receber dinheiro ou ouvir um elogio. O voluntariado também aciona em nosso cérebro áreas ligadas ao estreitamento de laços e à sensação de pertencimento. E, ser voluntário no maior hospital pediátrico do Brasil, oferece ainda a oportunidade de cantar!

“Sempre fui muito tímida e retraída, achava que eu não iria conseguir e tal… No fim das contas, estou no coral há quase 10 anos! […] Já é frase feita, clichê, mas os maiores beneficiados somos nós; no meu caso, sou eu mesma.”

“O Pequeno Príncipe mora no meu coração, eu amo. Vinte anos de HPP, entrando e saindo da brinquedoteca. Amei estar naquele lugar, e lá eu fiquei. Quando eu recebi o convite para o coral da Patrícia e da Simone, eu só olhei para elas e falei: ‘Como assim? Eu não sei cantar!’. Aí a Simone falou: ‘Essas que são boas’. Aí eu me inscrevi e estou no coral desde o primeiro ensaio. Sempre gostei de música; minha mãe já gostava e tocava gaitinha de boca.”

“Eu nunca me imaginei num coral. De repente eu, voluntária, estava lá na Praça do Bibinha e o coral estava se apresentando. Eu nem sabia que o hospital tinha um coral. Não fazia nem um ano que eu estava sendo voluntária ali. E eu olhei para aquele coral e eles estavam cantando uma música com tanta energia, tanta alegria, que eu disse: ‘Eu tenho que estar do outro lado!’ Aquilo me tocou com uma profundidade indescritível, muito lindo. ‘Preciso estar ali!’ Foi uma coisa tão forte dentro de mim, que assim que terminou a apresentação eu procurei a maestra, para saber como fazia para estar lá. Eu nem pensei na minha voz, eu só queria estar lá. Quando eu comecei, parecia que eu já fazia parte.

“O coral do Hospital Pequeno Príncipe é diferente de todos em que já trabalhei na minha vida, porque os coralistas praticam o voluntariado, ficando assim altruístas, doadores de seu tempo, de seus dons, do seu amor.”

Simone, maestra

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