5 minute read
Tessitura
No Coral Pequeno Príncipe, o aprendizado faz parte da rotina de afeto, e o preparo da voz é realizado com amor e ajuda mútua. Entre os coralistas, mesmo quem só cantava para si no banheiro, hoje tem melodia até no falar!
A mesma palavra que designa o naipe da voz — tessitura — é a que fala de costura, de emenda, de trança e de liga. As histórias de cada coralista e a descoberta da voz, os caminhos e os nós de cada voz, são tramas e urdiduras aptas a devolver a vida.
Advertisement
Dentre as cinco vozes masculinas adultas do coral, há três senhores que têm histórias em comum de encontro com a música e com o voluntariado.
O baixo Marcio, economista aposentado, antes de estrear no Coral Pequeno Príncipe participou de corais italianos. O tenor Osmei, também economista aposentado, cantou em outros corais, entre eles o Coral João Paulo II. Marcio e Osmei levavam os filhos, hoje com mais de 50 anos, para serem atendidos no hospital, e Osmei lembra-se com carinho do pediatra dr. Ivan Fontoura.
Para Marcio, a busca pelo trabalho voluntário aconteceu após a perda da esposa. O tenor Sergio, engenheiro químico, se aproximou do voluntariado também após uma espécie de perda — nesse caso, a aposentadoria. Já Osmei pertence àquele grupo de coralistas que se tornou voluntário do hospital como forma de integrar o coral.
De todo modo, os três encontraram no coral e no Hospital Pequeno Príncipe um novo sentido para suas vidas, por meio do entrelaçar entre o canto e o trabalho voluntário.
“Jamais pensei que um dia eu iria participar de um coral; cheguei no hospital como voluntário. Foi isso que me levou até lá, e eu continuo me descobrindo. Setenta e três anos e ainda me descobrindo! Isso é bom, é uma coisa nova. Esse contato com as crianças faz a gente se sentir importante. Eu tenho que me sentir importante para alguém; assim como eu me sentia importante quando trabalhava, tenho que me sentir importante hoje para alguém. E, através do voluntariado no hospital, acredito que sou importante para as crianças.”
Sergio, tenor
A soprano Marilei, como ela mesma gosta de dizer, “tem muitas sementinhas”. Ela gostava de música, mas nunca cantava. Um dia, inspirada por um sonho, inscreveu-se no voluntariado do hospital. Depois que entrou no coral e passou a cantar, acabou se tornando responsável por muitas das tessituras que formam o Coral
Pequeno Príncipe, e por trazer outras vozes de volta a uma vida com mais sentido.
A primeira a ser chamada por Marilei foi sua comadre, a soprano Roseni, que cantava para os filhos na barriga e, antes disso, nos idos de 1986, no coral da empresa Lorenzetti. A segunda foi sua cunhada, a contralto Maria Joaquina. A terceira foi aquela para quem o coral efetivamente deu vida depois de um momento muito difícil: sua outra cunhada, a contralto Terezinha, irmã de Maria Joaquina. Ela levou ainda para o coral o cunhado Lourenço de Medeiros Filho, que não compõe mais o grupo, e também sua colega nas aulas de pilates, a contralto Neuza.
“Eu tive um sonho! Eu tive um sonho! Eu sempre leio a Bíblia, e eu sonhei com um capítulo, Deuteronômio, 22. Eu nunca tinha lido. Sonhei e acordei com Deuteronômio, 22! E daí eu fui ler e dizia assim: ‘Deveres de caridade!’ Deveres de caridade, meu Deus! Isso é um chamado. Deus está me chamando para fazer alguma coisa. Eu pensei,
‘vou procurar um voluntariado’. Me inscrevi em 2006 no hospital. Demoraram um ano para me chamar. Dia 22 de agosto de 2007 me chamaram e eu comecei a trabalhar de voluntária. Depois eu fiquei um ano sem ir, porque minha mãe ficou doente. No primeiro dia em que voltei, eu encontrei a Ingrassulina, que é minha amigona, e ela me contou: ‘O hospital agora vai ter um coral’. Aí eu já fui na primeira reunião.”
“Antes do coral, eu cantava só no chuveiro. Foi uma grata surpresa. Fui sem pretensão alguma. Ajudar a minha cunhada, que já fazia parte desde o início. Ela fazia salgados, fui ajudar a levar as encomendas e a nossa maestra Simone me recebeu de braços abertos e disse: ‘Você vai fazer parte do coral. Vai fazer o teste já!’ Eu fiquei meio assim.... e disse ‘tá bom’. Fiz o teste com a Elena e, a partir daquele momento, já comecei a fazer parte do coral. Foi a mão de Deus que me levou até lá e fez com que eu tivesse a recepção que tive. Porque eu estava passando por um momento bem difícil. E o coral para mim foi vida. Vida mesmo! O coral significa muito, muito, muito! Me deu vida! Me deu vontade de viver novamente. Vou com o coração cheio de alegria.”
Terezinha, contralto
A soprano Simone, xará da maestra, também conta que o Coral Pequeno Príncipe devolveulhe a vida. Em 1998, seu filho de apenas 6 meses teve um princípio de pneumonia e ficou uma semana internado. Foi quando se despertou nela o desejo de atuar no voluntariado. O tempo foi passando e a vontade permanecia, mas, naquela época, as senhas para a seleção de novos voluntários eram distribuídas no primeiro dia útil de cada mês, e eram muito disputadas. Simone trabalhava no horário de início da distribuição e, quando chegava ao hospital, acabava não conseguindo pegar a senha. Foi só em 2 de janeiro de 2014, aproveitando um retorno das férias de Ano Novo, que ela conseguiu garantir seu lugar entre os voluntários. Em junho do mesmo ano, entrou no coral a convite da soprano Rosicler, mesmo sem acreditar na própria capacidade de cantar. Rosicler, por sua vez, tinha entrado no coral graças a um chamado para o voluntariado divulgado pela televisão, que ela assistia em uma noite de insônia. A contralto Ailema, assim como ocorrera com seu colega Marcio, encontrou no trabalho voluntário e no coral uma forma de superar a perda do cônjuge e enxergar novos horizontes.
“Esse nosso grupo é uma troca de experiências muito grande. Tem uma energia absurda que circula entre as pessoas e um amor muito intenso entre todos. Ninguém consegue explicar de onde vem tanta ligação entre seres humanos.”
“Comecei o voluntariado em 2013. Tinha perdido meu marido e fui ao fundo do poço. A conselho do terapeuta, comecei a fazer trabalho voluntário no Hospital Pequeno Príncipe e fiquei encantada. Mas só em 2015 entrei no coral. Eu tinha receio, porque todos se conheciam, mas fui abraçada, me senti muito inserida, senti o carinho de ser recebida. A vida inteira cantei, em corais infantis, corais de adolescente, na igreja… A minha família toda canta. O coral é importante não só pra gente, mas também para as crianças. Todas as vezes em que a gente canta, tanto na Praça do Bibinha quanto nos corredores, sempre me emociono.”
Ailema, contralto
A soprano Mônica chegou ao coral guiada pela voz de Simone Abati, que fora sua maestra no coral juvenil do Colégio Estadual do Paraná, onde ficaram amigas. Mônica trouxe para o coral o “mascotinho”, seu filho Nikolas, recebido com muito amor pelos coralistas e que tem um papel especial no grupo: o de voz principal infantil.
Simone, maestra
Quando os coralistas falam das relações dentro do coral, a palavra que sai em uníssono de suas bocas é: “família!” Família no sentido de pertencimento, amor mútuo e divisão de momentos vividos. Os membros do coral compartilham o amor pela música e pelas crianças do Hospital Pequeno Príncipe; partilham também momentos festivos e cafés da tarde. O baixo Marcio conclui: “Outra coisa mágica da música é que a gente se transformou em família”.