COLEÇÃO VOZ NATIVA #4
Guia da
Culinária
Badjeca Sobre a formação da cultura alimentar da Ilha Grande
COLEÇÃO VOZ NATIVA #4
Guia da
Culinária
Badjeca Sobre a formação da cultura alimentar da Ilha Grande
PROJETO JUVENTUDE PROTAGONISTA ILHA GRANDE / RJ VOZ NATIVA MARCIO RANAURO Coordenador Geral MARINA ROTENBERG Coordenadora de Comunicação ARNALDO OLIVEIRA Coordenador Administrativo IVAN BURSZTYN Coordenador Pedagógico ANDRÉ PAZ Coordenador Multimídia ANA LAÍSE BEATRIZ LUZ IVANA RIBEIRO Assistentes de Coordenação LUISA SOBRAL Assistente de Campo GUARACI LAGE Designer e Diagramador Realização:
www.alternativaterrazul.org.br
Patrocínio:
Apoio: Projeto Juventude Protagonista Ilha Grande
2016_ALTERNATIVA TERRAZUL Tiragem: 1000 exemplares Distribuição Gratuita Impresso no Brasil A reprodução de todo ou parte deste documento é permitida somente para fins não lucrativos e com a autorização prévia e formal da Associação Civil Alternativa Terrazul ou do Projeto Juventude Protagonista Ilha Grande/RJ Voz Nativa, desde que citada a fonte. EQUIPE RESPONSÁVEL PELA PUBLICAÇÃO COORDENAÇÃO DE PESQUISA E CONTEÚDO Ivan Bursztyn COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO Marcio Ranauro e Marina Rotenberg COORDENAÇÃO DE CAMPO Luisa Sobral DESIGN E DIAGRAMAÇÃO Guaraci Lage ILUSTRAÇÃO Guaraci Lage FOTOGRAFIA Amaru Santos Martins , Felipe Varanda, Ivan Bursztyn, João Pontes, Marcella Sulis, Marcio Ranauro, Marina Rotenberg, e Equipe Ilha Grande WebDoc 1ª Edição Ilha Grande - RJ_2016
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EQUIPE DO PROJETO DE EXTENSÃO “QUALIFICAÇÃO DA GASTRONOMIA DA ILHA GRANDE” (CURSO DE GASTRONOMIA - INJC/UFRJ) COORDENAÇÃO Ivan Bursztyn PROFESSORES DA UFRJ Marcella Sulis, Marcio Marques e Renata Monteiro PROFESSORES EXTERNOS Mariana Aleixo e Moacir Sobral ALUNOS Eduarda Tantos Costa, Eduardo Rocha Gama, Fábio Dornelles Mendoza, Fabiola Santos, Felipe Sousa, Lohane Rianele, Rodrigo Carnevale Rodrigues e Vênus Lobato
FICHA CATALOGRÁFICA Guia da culinária Badjeca: sobre a formação da cultura alimentar da Ilha Grande / Ivan Bursztyn e Marcella Sulis – Rio de Janeiro: Letra e Imagem / Projeto Juventude Protagonista da Ilha Grande, Voz Nativa, 2016. 100 p. ISBN 978-85-61012-56-4 1. Turismo de base comunitária. 2. Gastronomia. 3. Culinária. I. Bursztyn, Ivan. II. Sulis, Marcella. CDD: 338
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Sumário Ficha técnica Receitas com histórias Ilha de sabores Prefácio Pela valorização do patrimônio alimentar da Ilha Grande e sua apropriação pelo turismo Sobre a formação da cultura alimentar da Ilha Grande Técnicas alimentares seculares ainda presentes Os tempos mudaram Referências Bibliográficas Provetá Dona Ana Pirão de frango com mamão verde Dona Amelinha Torta de Tainha escalada com batata doce Dona Maria Bala puxa-puxa
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Araçatiba Dona Zenaide Caranguejada Angu de fubá com coco Doce de laranja da terra Paçoca de banana com toucinho Aventureiro Tia Vera Pé de moleque Cocada Strogonoff de Lula Dona Leninha Tainha com guandu Pirão de peixe com banana Praia Vermelha Dona Darci Bolinho de fruta-pão com recheio de peixe Carne seca com fruta-pão Nhoque de fruta-pão Abraão Seu Vavá Arroz de frutos do mar Peixe com banana e camarão Escurinha Carne seca com mamão verde Purê de abóbora Purê de inhame Farofa de banana Moqueca Madame Satâ Maurício Lula recheada com legumes Carne seca com banana verde
46 47 48 50 52 54 56 57 58 59 60 63 64 66 68 69 70 72 74 76 77 78 80 83 84 86 87 88 90 93 94 96
Receitas com histórias Desde 2014 o Voz Nativa atuou na Ilha Grande com o objetivo de promover maior interação das comunidades locais com um modelo de turismo que estivesse atento à história e memória dos antigos moradores. Nosso desejo sempre foi de conhecer os saberes, registrar as práticas e valorizar a memória viva, tão importante para a formação cultural da população nativa. Por isso, é com muito prazer que editamos este, o quarto livro da Coleção Voz Nativa, em parceria com o Curso de Gastronomia da UFRJ. Um livro fruto de uma pesquisa motivada pelo conhecimento, registro e divulgação da culinária caiçara da Ilha Grande. Durante 2016 uma equipe formada por professores e alunos da UFRJ circulou por comunidades da Ilha, oferendo os cursos do Voz Nativa e pesquisando a culinária praticada pelos antigos moradores. Em alguns casos, as receitas já faziam parte de restaurantes, em outros, eram pratos típicos ainda presentes na alimentação cotidiana dos caiçaras. Poder editar e distribuir este livro é parte de um desejo de contribuir com a propagação da memória caiçara e das histórias da Ilha Grande. Este guia de receitas badjecas é o registro de uma culinária viva e saborosa. Nossa expectativa é que este registro contribua para a valorização destes pratos típicos e que as receitas possam se manter vivas nas cozinhas locais e nos restaurantes de toda Ilha Grande. Marcio Ranauro Coodenador Geral Voz Nativa
Ilha de sabores Nesse período de dois anos, o projeto Voz Nativa realizou cursos e oficinas voltados para o turismo e a comunicação comunitária, além de promover eventos, apoiar grupos locais e editar o jornal escrito pelos e para os moradores. As ações do projeto têm, ao mesmo tempo, como ponto de partida e como finalidade a voz do próprio morador. Acreditamos que assim podemos contribuir para o resgate da cultura, o fortalecimento da identidade e a auto valorização do povo. Nesse movimento, criamos a Coleção Voz Nativa, uma série de livros com esses objetivos. O primeiro, “Culturas Caiçaras da Ilha Grande - Pelos Jovens da Ilha”, fala do ser jovem na Ilha Grande hoje, seus hábitos, suas experiências. O segundo, “#Ilhagram: olhares da Ilha”, surge da ideia de materializar em um livro as imagens da Ilha Grande que percorrem o mundo através das redes sociais. O terceiro, “Histórias Vividas na Ilha Grande - Pelos Antigos da Ilha” é um registro do passar do tempo na Ilha pela contação de histórias das próprias pessoas que nasceram e aqui vivem. Esse, o quarto livro, “Guia da Culinária Badjeca – Sobre a formação da cultura alimentar da Ilha Grande” mistura história e cultura, memória e vida, tradição e cotidiano. É um guia que mostra o povo badjeco através dos atos de comer e cozinhar, revelando a Ilha Grande por seus cheiros, cores e sabores. É um registro atual com gosto de história. É para se deliciar. Marina Rotenberg Coordenadora de Comunicação Voz Nativa
Prefácio Porque o risco da memória é o esquecimento... Escrever é mais que uma arte. Tem vez que é uma urgência. O livro que temos nas mãos é um caso assim. Quando escrevemos deixamos uma marca no tempo. Que pode perdurar. E ter conseqüências. Uma delas é dar voz à memória. E talvez ao compromisso com o que ela nos queira dizer. O esquecimento pode apagar marcas. Desfazer compromissos. E com isso nos empobrecer no pior dos sentidos: arrancando partes de nós mesmos. Muito se tem dito (particularmente no caso dos estudos turísticos) sobre os riscos dos “não lugares”. São desertos do esquecimento, desenraizamentos do espaço. Diante desses riscos, como resistir a “desertos que crescem”? Como recuperar a vida das raízes amortecidas, não só nos chãos, mas também nos céus? Minha resposta a essas perguntas críticas é: pela relembrança de que os “não lugares” já foram ou podem ser “sítios simbólicos de pertencimento”. Escrevendo esse prefácio quero apontar como uma das maneiras de alavancar a força dessa relembrança pode ser a escritura de livros como esse. Que nos fala da Ilha Grande e da sua culinária. Com a simplicidade e beleza das pérolas da memória. Roberto Bartholo Professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro
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Pela valorização do patrimônio alimentar da Ilha Grande e sua apropriação pelo turismo Ao caminhar pela vila do Abraão e tantas outras vilas da Ilha Grande constata-se a proliferação de inúmeros restaurantes e outros estabelecimentos comerciais voltados à alimentação dos moradores, mas, principalmente, à alimentação dos turistas que ali circulam. Restaurantes a quilo, “a la carte”, self-service, creperias, pizzarias, lanchonetes, dentre outros, atendem aos milhares de visitantes que diariamente desfrutam das belezas naturais e, para recompor suas energias, têm à sua disposição preparações culinárias que variam dos econômicos pratos feitos (ou executivos) às sofisticadas refeições a base de frutos do mar. Mas será que os alimentos oferecidos aos visitantes refletem o patrimônio alimentar da Ilha Grande? Será que os turistas têm acesso aos pratos e receitas representativos da cultura local? Será que o turismo contribui para o fortalecimento da identidade cultural badjeca ou é mais um elemento que coloca em risco o modo de vida e os hábitos culturais locais? Esses foram alguns dos questionamentos que deram origem à pesquisa sobre “A cultura alimentar e o turismo da Ilha Grande” realizada por professores e alunos do curso de bacharelado em Gastronomia do Instituto de Nutrição Josué de Castro da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em parceria com o projeto Voz Nativa. O objetivo do projeto de pesquisa é promover a valorização da cultura alimentar badjeca e sua inserção no mercado turístico visando ao fortalecimento da identidade cultural local. 12
Com o apoio do projeto Voz Nativa, apresentamos o Guia da Culinária Badjeca onde abordamos os aspectos históricos, sociais, econômicos e ambientais da ocupação do território da Ilha Grande e suas influências na formação da cultura alimentar da população local. Apresentamos, ainda, algumas personalidades locais que guardam estórias e receitas de outros tempos que nos ajudam a compreender o modo de vida e os hábitos alimentares locais. Cada personalidade selecionou um conjunto de receitas que fizeram parte de suas vidas para compartilhar em nossa publicação e, assim, registrar um pedacinho dessa história. Não pretendemos nesse volume dar conta de todos os personagens, estórias e receitas com os quais nos deparamos ao longo do último ano enquanto realizávamos nossa pesquisa de campo. Este é apenas um esforço inicial de sistematização do patrimônio alimentar dos diferentes grupos sociais que representam a cultura badjeca da Ilha Grande. Nossa expectativa é despertar tanto nos moradores quanto nos visitantes a vontade de mostrar e consumir, respectivamente, essa parte da cultura pouco presente nos pratos, mas ainda viva na memória. Ivan Burstyn Professor adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Coordenador Pedagógico Voz Nativa
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Sobre a formação da cultura alimentar da Ilha Grande A formação da cultura alimentar da Ilha Grande se confunde com a própria história de ocupação deste território. A oferta de alimentos foi fundamental para que os primeiros habitantes se instalassem na região há três mil anos. Desde então, os hábitos alimentares adquiridos ao longo dos tempos pelos diferentes grupos sociais que por aqui passaram e se estabeleceram contribuíram para a consolidação de características comuns presentes até os dias de hoje. A compreensão da cultura como um processo dinâmico composto por um sistema simbólico que caracteriza o comportamento humano (GEERTZ, 1979) é fundamental para superarmos a dicotomia entre o tradicional e o moderno, onde o tradicional é reafirmado e valorizado e o moderno é visto como uma influência exógena degradante. Não buscamos aqui tal juízo de valor. Buscamos sim compreender as diferentes influências que moldaram através de séculos os hábitos e costumes contemporâneos no que se refere especificamente à alimentação. Como destaca Braga, “a cultura alimentar não diz respeito apenas àquilo que tem raízes históricas, mas, principalmente, aos nossos hábitos do cotidiano, que são compostos pelo o que é tradicional e pelo o que se constitui como novos hábitos” (BRAGA, 2004: 39). Segundo pesquisas arqueológicas realizadas na Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul (RBEPS), os primeiros vestígios de ocupação humana na Ilha Grande datam de cerca de três mil anos, quando um grupo pescador, coletor e caçador se apossou do Ilhote do Leste (pequeno morro 14
que separa as praias do Sul e do Leste na costa oceânica da Ilha). Essa comunidade e seus descendentes viveram na região por centenas de anos, o que pode ser comprovado pelo acúmulo de material arqueológico composto por restos alimentares, artefatos e sepultamentos (TENORIO, 2006). O ponto escolhido para sua fixação não se deu ao acaso. De cima do ilhote era possível ter ampla visão da entrada da enseada, possibilitando a vigília da entrada dos cardumes. Sua localização privilegiada, no encontro do canal que liga as duas lagunas da região ao mar, indica, ainda, que quando o mar estava forte, principalmente no inverno, os habitantes pré-históricos realizavam a pesca da tainha e a retirada de suas ovas nas lagoas. Delas também extraiam o caranguejo. Da restinga ao fundo eram trazidos os roedores. Na mata, caçavam os macacos e os porcos-do-mato – cujos dentes serviam de adorno e instrumentos (TENORIO, 2006). No entanto, o material arqueológico estudado não dá indícios de que estes habitantes teriam praticado a agricultura. Tudo indica que suas habilidades no polimento das pedras eram usadas exclusivamente para a construção de canoas para a prática da pesca (OLIVEIRA & COELHO NETTO, 2006). A agricultura só veio a ser praticada séculos mais tarde, já com o território sob domínio de grupos indígenas de outras culturas (como os tupinambás e os guianazes) e sob influência da economia colonial. Esses grupos foram responsáveis por introduzir a agricultura feita com fogo, técnica recuperada pelos caiçaras anos mais tarde, e os principais produtos plantados eram a cana de açúcar, o cacau e o café, este em menos escala devido à baixa produção à beira-mar (OLIVEIRA & COELHO NETTO, 2006). 15
Entre os séculos XVIII e XIX, inúmeras fazendas se instalaram no litoral sul fluminense e foram responsáveis por alterações marcantes na ocupação do território. A introdução da agricultura de monocultura devastou florestas, transformou ecossistemas e redefiniu a relação do homem com a natureza (OLIVEIRA & COELHO NETTO, 2006). Devido às características próprias da região, a agricultura extensiva ficou mais concentrada no continente. Na Ilha o que se difundiu foi o manejo autossustentável de subsistência praticado pelas populações caiçaras da região. “O conceito de caiçara corresponde a uma classificação abrangente que se aplica à ‘população original’ da Ilha Grande. Refere-se a um tipo de população litorânea do sul/ sudeste brasileiro, e que é correlata à designação ‘caipira’, igualmente atribuída a certo tipo de população interiorana, sendo ambas caracterizadas por bases socioculturais e econômicas peculiares” (PRADO, 2006a: 8) Fruto da miscigenação do índio com o europeu, os caiçaras sofreram fortes pressões devido à especulação imobiliária no litoral sul fluminense, principalmente após a abertura da BR-101, a Rodovia Rio-Santos, durante a década de 1970. Hoje, as populações caiçaras se encontram em declínio em muitos pontos do litoral. A cultura caiçara se baseia na pesca artesanal e nas roças de subsistência. As roças, por sinal, tinham papel fundamental na ocupação do território, uma vez que sua posse era baseada na sua capacidade de provimento de recursos para as famílias e este poderia ser alterado em função da interrupção do cultivo para recuperação do solo. Este sistema de cultivo, também conhecido como roça de toco ou de coivara, é muito conhecido pelo interior do país e “é baseado na derrubada e queima da mata, seguindo-se um período de 16
pousio para restauração da fertilidade do solo” (OLIVEIRA & COELHO NETTO, 2006: 46). As roças eram destinadas ao cultivo de subsistência e eram praticadas em sistemas de policultivo. À primeira vista pode parecer um sistema de cultivo caótico, onde tudo é plantado junto, sem uma ordem preestabelecida. Porém, ao reproduzir a diversidade da floresta em uma escala reduzida, é possível contribuir para o controle de pragas, mesma lógica utilizada pelas técnicas agroecológicas cada vez mais difundidas em nosso país. Alguns relatos de moradores antigos da Ilha publicados no primeiro volume da Coleção Ilha Grande da editora da UERJ intitulado “Cura, sabor e magia nos quintas da Ilha Grande” nos ajudam a resgatar hábitos alimentares presentes ao longo do século XX, bem como os alimentos que eram ali produzidos. Nas páginas a seguir reproduzimos alguns.
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Quanto ao que se cultivava: “Viviam da lavoura e mais tudo que Deus dava. ‘Abusavam’ do que colhiam, tanta era a fartura: feijão, mandioca, batatadoce, cana-de-açúcar, inhame, abóbora, banana e mangalô, uma fava que se debulhava como o feijão, muito gostosa e que hoje em dia não se vê mais.” (Seu Tião Onça, MACIEL & CARDOSO, 2003:74 ) “Viviam da roça: milho, feijão, batata-doce, abóbora, guandu, mandioca, café e muito mais... Tinha também muita fruta: laranja, jambo, tangerina, caju, jabuticaba, abacate, cana, banana e muito mais.” (Dona Conceição, MACIEL & CARDOSO, 2003: 79) “Na época não havia alho e cebola, como hoje, mas havia salsa, coentro, tomate, mostarda e couve, tudo fresquinho.” (Dona Conceição, MACIEL & CARDOSO, 2003: 79) “Usavam muito urucum na comida. Depois de as sementes secarem, sua mãe as socava no pilão, com farinha de mandioca e enchia os vidros com o pó.” (Seu Floriano, MACIEL & CARDOSO, 2003: 82) Quanto ao que se criava: “Criavam galinhas e porcos para o consumo da família. Dos porcos extraiam o toucinho, a banha e o torresmo. A comida era feita na gordura de porco.” (Dona Conceição, MACIEL & CARDOSO, 2003: 79)
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“Criavam muita raça de animais: galinhas, perus, marrecos, porcos. Era frequente a mãe mandar matar um porco para o almoço da semana. O bicho chegava a pesar oito arrobas e rendia de duas a três latas de banha” (Seu Floriano, MACIEL & CARDOSO, 2003: 82) Quanto ao que se pescava: “Do mar vinham os peixes, uma enormidade de peixes! Quando iam mariscar guaiá, um tipo de marisco parecido com mexilhão chegavam a pegar os peixes com as mãos quando estes ficavam encalhados nos buracos, com a vazante da maré. Se havia muito, salgavam para conservar.” (Seu Tião Onça, MACIEL & CARDOSO, 2003: 75) “Os rios eram limpinhos, cheios de pitus e siris.” (Dona Conceição, MACIEL & CARDOSO, 2003: 81) Quanto ao que se cozinhava: “Às vezes a avó mandava a mãe matar uma galinha, que comiam com pirão de inhame ou aipim, temperada com salsa, cebolinha e um coentro finíssimo, parecido com erva doce.” (Seu Tião Onça, MACIEL & CARDOSO, 2003: 75) “A comida era feita com toucinho, o milho socado no pilão e peneirado em peneira de bambu. O fino virava fubá, o mais grosso, canjiquinha.” (Seu Tião Onça, MACIEL & CARDOSO, 2003: 75) “Da cana, fazia melado para a família e para dar para os vizinhos. Comiam o melado com inhame e aipim. O café era 19
coado com caldo de cana.” (Dona Belé, MACIEL & CARDOSO, 2003: 75) “A família tomava café feito no caldo de cana ao acordar, com angu, batata doce e banana cozida. Não sabia o que era manteiga, leite, pão... A mãe fazia umas paçocas deliciosas de banana cozida com toucinho.” (Dona Conceição, MACIEL & CARDOSO, 2003: 79) Quanto ao que se comprava: “Em Angra compravam sal, carne-seca e batatinha. Era mais fácil ir até Angra do que ir ao Abraão. Tudo o mais vinha da roça, do suor do trabalho de todos.” (Dona Belé, MACIEL & CARDOSO, 2003: 75) “Só se comprava fora o sal, o sabão, o querosene e o açúcar, este último para fazer remédio, pois para as refeições do diaa-dia tinham a cana, o melado, o açúcar ao natural.” (Seu Floriano, MACIEL & CARDOSO, 2003: 82) Os trechos destacados acima trazem relatos detalhados sobre o que era cultivado, criado e pescado e também como eram preparadas as principais refeições do cotidiano dessas populações. A diversidade e a fartura eram tantas que pouco se comprava fora da Ilha. Porém, essa situação mudou drasticamente nas últimas décadas do século XX e no início do século XXI. As restrições impostas em benefício da preservação ambiental e o aumento do fluxo de turistas após a desativação do presídio transformaram muitos dos hábitos que compunham a cultura alimentar desses caiçaras. 20
Técnicas alimentares seculares ainda presentes Tainha escalada Tainha escalada é uma técnica de conservação do peixe usando sal e calor. Assim como a herança indígena do moquém, a tainha escalada ou peixe escalado consiste em manter o alimento conservado por mais tempo, preservando suas características iniciais como aroma e sabor. A técnica de moquear os alimentos é feita pela seca e cura dos alimentos usando o calor e a fumaça das brasas do fogo. O moquém desde sempre foi usado pelos indígenas para conservar os alimentos, desidratando-os e mantendo seu sabor. Esse processo lembra o fumeiro usado pelos europeus, no qual a carne fica parcialmente cozida e curada. Já na tainha escalada, escalar o peixe significa salgá-lo e deixá-lo secando ao sol de quatro a seis dias. Ingredientes: Tainha inteira – 1 unidade Sal marinho moído – 1 quilo Modo de preparo: Limpar o peixe, retirando as escamas, as vísceras e a cabeça. Abrir a tainha pela barriga deixando o peixe inteiro e aberto. Fazer cortes transversais na carne de todo o peixe. Espalhar o sal pelo peixe cuidadosamente, acrescentando sal em toda sua extensão, principalmente, entre os cortes da carne. Após a salga, cobrir com um pano ou tela e deixar secando ao sol por aproximadamente cinco dias. Ao final desse processo, o peixe dura em torno de um ano e deve ser armazenado em local fresco e arejado. 21
Colorau O colorau é um ingrediente muito utilizado na culinária atual da Ilha Grande. Ele está presente na maioria dos pratos salgados, principalmente nas receitas que levam algum tipo de carne, sendo ela, peixe, carne ou frango. O urucum, que é a base do colorau, sempre foi um item muito presente na cultura indígena, tanto nas práticas alimentares, quanto em rituais e pinturas corporais. O colorau não pode faltar nos cozidos e pirões da culinária caiçara, entrando como ingrediente obrigatório em pratos como peixe com banana, pirão de frango, pirão de peixe, moqueca, caldo de peixe, frango com mamão verde, entre tantos outros. Ingredientes: Urucum - 500 gramas Fubá ou farinha de mandioca - 200 gramas Modo de preparo: Pilar o urucum com ajuda de um socador, fazendo com que o urucum se solte e fique aderido na farinha. Peneirar e guardar o urucum em um recipiente hermético.
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Farinha de mandioca A farinha de mandioca ou apenas farinha, como se fala na ilha, é um dos ingredientes mais apreciados na culinária caiçara. A mandioca é um alimento sagrado na cultura indígena e seus derivados são inúmeros. A técnica para se fazer a farinha é milenar e utilizada até os dias de hoje. Os nativos da Ilha Grande sempre fizeram a farinha de mandioca ou a farinha da terra, como alguns dizem. Porém, por ser um processo demorado e que envolve várias pessoas, muitas famílias estão deixando o hábito. Outra questão que os badjecos colocam é o fato de não poderem mais plantar, o que reduz a quantidade de mandioca disponível, impactando na feitura da farinha. Em alguns lugares da Ilha, onde os moradores ainda podem plantar a qualidade da farinha é, sem dúvida, muito superior à farinha de mandioca comprada. De família tradicional de Aventureiro, Dona Leninha é referência quando o assunto é farinha. Sua casa de farinha é antiga, feita de pau-a-pique. Dentro, é equipada com moedor, espremedor, prensa, tipitis feitos de bambu e forno de cobre. Ela nos explica o passo a passo de como sua família prepara há séculos a farinha de mandioca. “Primeiro colhe a mandioca. Depois lava em água corrente e descasca. Feito isso, a mandioca é ralada no moedor e, em seguida, espremida. Depois, a massa vai para a prensa onde é reduzida, retirando todo seu líquido, que é descartado”. Diferente da região Norte do país, onde o líquido é usado para fazer o Tucupi, na Ilha ele sempre foi descartado.Hoje em dia Leninha diz que não produz mais farinha, por conta da morte do pai. Quando pode, sua mãe ajuda na produção. 23
Os tempos mudaram... O isolamento foi uma importante característica que propiciou a consolidação de um modo de vida todo baseado na necessidade de uma relação harmônica com a natureza e o respeito pelos ciclos por ela impostos. As dificuldades de realizar trocas econômicas com o continente impôs uma realidade onde cada família deveria garantir sua subsistência plantando e colhendo seu próprio sustento. No entanto, a instalação de novos empreendimentos ao longo do século XX, tais como as indústrias de pesca e o Instituto Penal Cândido Mendes, intensificaram as redes de fluxos comerciais com o continente e transformaram a dinâmica social, cultural e econômica da região (OLIVEIRA & COELHO NETTO, 2006: 54). A dinâmica dos fluxos migratórios internos na Ilha Grande também se intensificou. Iniciou-se um processo de urbanização, principalmente nas vilas Dois Rios, Abraão e Provetá. Nesse novo cenário, as roças passaram a ter uma importância secundária e a pesca artesanal perdeu espaço para as grandes embarcações. Os novos empreendimentos instalados na região estimularam também novos fluxos migratórios do continente para a Ilha. Junto com a indústria pesqueira, por exemplo, chegaram os japoneses que se instalaram, principalmente, na enseada do Bananal. Trabalhavam nas fábricas de sardinha e foram aos poucos se inserindo no cotidiano da Ilha. Trouxeram consigo sua cultura e na interação com os moradores locais influenciaram e foram influenciados. Assim aconteceu também com os trabalhadores envolvidos com o presídio, instalado na praia de Dois Rios 24
no início do século XX. Uma vila foi erguida para abrigar novos moradores, embora já houvesse habitantes na localidade. A construção de moradias para funcionários, prédios de administração, zeladoria, casa de visitas para detentos, cantina, clube, escola e igreja dão a dimensão da nova realidade ali instalada (PRADO, 2006b: 264). Os novos moradores eram de origens diversas (interior e capital do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, dentre outros) e com o tempo foram se integrando à vida local. Casaram e tiveram filhos com antigos moradores da região, constituindo novos arranjos familiares. Com essa miscigenação, a cultura alimentar ilhéu ganhou novos contornos. Novos ingredientes foram introduzidos, novas técnicas de preparo e novos utensílios somaramse aos que ali já estavam e influenciaram os hábitos alimentares locais. Segundo relatos, não se observava uma competição entre os hábitos “de fora” e os “de dentro”, mas sim uma integração, uma mistura, uma alquimia de novos sabores, consequência desse novo contexto sociocultural e econômico. A década de 1980 foi marcada pela ascensão e consolidação da questão ambiental e desenvolvimento sustentável. Inúmeras organizações, governamentais e não governamentais, de todo o mundo começaram a debater a necessidade de preservar o meio ambiente sob o risco das gerações futuras não poderem usufruir das condições mínimas para sua sobrevivência. O discurso ambientalista ecoou na Ilha Grande e inaugurou um novo ciclo de conflitos em torno do uso do território. O poder público adotou como política a implantação de Unidades de Conservação (UC) para garantir que a natureza fosse salvaguardada da ação “predatória” do 25
homem. Muitas UC foram criadas nesse sentido sem que houvesse participação das populações diretamente afetadas pelo novo contexto. Assim, Reservas Biológicas e Parques (dentre outras categorias de UC) foram criadas em áreas onde populações já moravam por séculos, expondo a vulnerabilidade e a fragilidade de suas condições de vida. Estudos como o de Diegues (1998), mostram a incongruência da adoção do modelo de Parques e outras áreas de preservação em áreas já habitadas, principalmente quando se deparam com as chamadas populações tradicionais. Na Ilha Grande a política de preservação ambiental imposta pelo estado encontrou muita resistência entre os moradores mais antigos que tinham na relação com a natureza a garantia de seu sustento. A adoção de restrições ao uso da terra para plantio e da pesca gerou conflitos em todas as localidades da Ilha. Como pode ser notado na fala de um antigo morador revelado pela pesquisa de Prado (2006b): “Depois que entrou o Imbamba, estragou tudo” (fazendo referência ao IBAMA, órgão ambiental federal, mas que pode ser entendido como uma referência a qualquer órgão público de controle ambiental seja federal ou estadual). Os relatos de moradores seguem, ressaltando o impacto da política ambiental no modo de vida e na cultura das populações locais: “Na Ilha Grande, tem muita gente pobre, carente; não tem emprego, estudo. A vida deles é pescar e plantar. Hoje, não pode plantar, é proibido. Esse negócio de preservação...o camarada está acostumado a caçar, plantar uma cana para fazer garapa... você não pode chegar e proibir. Primeiro tem que ouvir como é que vive essa família.” (PRADO, 2006b: 276) 26
“Hoje em dia ninguém pode plantar mais nada. A democracia da ecologia fica em cima. Nós aqui, a gente plantava pra comer. [...] Entrou o ‘imbamba’, os nativos hoje estão mendigando, por causa da maldita democracia ecológica. [...] Nós tinha lavoura de café – se acabou nossa Ilha Grande, não tem mais aquele biju de coco, feijão de tudo que é tipo, aipim, mandioca, fruta.” (PRADO, 2006b: 278) As restrições impostas pela política ambiental às práticas cotidianas dos moradores da Ilha, como o plantio e a pesca, impactou decisivamente na cultural alimentar dessas populações. Pessoas que tiravam sua subsistência da lida diária com a terra ou com o mar se viram obrigadas a ganhar o sustento da família trabalhando para terceiros e comprando seus alimentos, na maioria dos casos no continente. Essa situação se agravou com a desativação, em 1992, e a posterior implosão, em 1994, do presídio de Dois Rios. Muitas famílias prestavam serviços para a administração pública local ou para os servidores. Com o fim do ciclo econômico vinculado ao presídio, muitas famílias ficaram ainda mais desamparadas e com poucas perspectivas de sobrevivência. Muitas saíram da ilha, venderam suas terras e foram morar na periferia de Angra dos Reis. Os que ficaram eram constantemente perseguidos pelos guardas florestais, autuados e até presos por insistirem em cultivar seu sustento. Se por um lado a implosão do presídio desestabilizou a dinâmica local, por outro abriu novas oportunidades vinculadas ao turismo. Até a década de 1990, o turismo na Ilha Grande era muito incipiente. Além das poucas casas de veraneio da região, apenas alguns grupos mais 27
aventureiros se arriscavam a acampar nas praias da região ou a se hospedarem nas pousadas que existiam. O risco iminente de alguma fuga de presidiários impedia o pleno desenvolvimento da atividade. Porém, a desativação do presídio representou o impulso que faltava para que esse “paraíso insular” fosse apropriado pelo turismo. Nos anos que se seguiram, houve um crescimento considerável dos fluxos turísticos para a Ilha Grande. Lugares ainda “isolados” estavam sendo “descobertos”, o que conferia uma áurea de magia e encantamento à região. Os principais valores turísticos do território estavam atrelados à beleza de suas praias e montanhas e não à cultura de sua gente. Com isso, os territórios ocupados por moradores tradicionais começaram a constituir-se como alvo de especulação imobiliária sem precedentes no local (PRADO, 2006b). No início, o turismo era sazonal, basicamente acontecia nos meses de verão ou nos feriados como carnaval e semana santa. Mas em pouco mais de 10 anos toda a economia das principais vilas da Ilha Grande passou a estar atrelada à atividade. Inúmeras pousadas, hotéis, albergues e campings, além de restaurantes e serviços de agenciamento de passeios, se instalaram na região dando os contornos da atividade massificada que hoje encontramos (PRADO, 2006b). O turismo é um fenômeno social de caráter ambíguo. Se por um lado pode contribuir com a dinamização da economia local, gerando oportunidades de trabalho e renda para os moradores locais; por outro, pode gerar impactos negativos irreversíveis no ambiente social e físico (BARTHOLO et al., 2009). Tudo vai depender de como a atividade é planejada e como os atores locais se apropriam das oportunidades 28
geradas. Isso não se dá de forma espontânea. É necessário que o protagonismo dos moradores locais seja fomentado sob o risco de que os valores estritamente econômicos se sobressaiam sobre outros valores fundamentais para o equilíbrio da dinâmica social local. O discurso hegemônico de promoção do turismo como atividade econômica capaz de gerar benefícios às comunidades locais (BRASIL, 2013) enfatiza como uma importante estratégia para realizar tais benefícios é a valorização da cultura local. Nesse sentido, a culinária e a gastronomia local ganham destaque como recursos a serem apropriados pela atividade (SCHLUTER, 2003). Porém o que vemos na Ilha Grande é uma situação oposta. Em levantamento realizado ao longo de nossa pesquisa, a maior parte dos restaurantes, principalmente da vila do Abraão, não oferece opções de alimentação baseadas no patrimônio alimentar das comunidades locais. Pelo contrário, o que identificamos é a homogeneização da oferta de refeições, totalmente desenraizadas da cultura alimentar local, salvo algumas exceções: como o prato peixe com banana, característico da cultura local e presente em alguns poucos cardápios. Acreditamos que o turismo possa servir de fator de fortalecimento e valorização da cultura local. No entanto, para que isso aconteça é necessário que a promoção da Ilha Grande enquanto destino turístico não foque apenas em seus atributos naturais, mas também na valorização de sua gente e suas histórias. Este livro é parte desse esforço. Selecionamos personagens e receitas que ajudam a interpretar um pouco da história e da cultura badjeca para os visitantes interessados e moradores, de ontem e de hoje. A sistematização de receitas representativas do 29
universo simbólico local no formato de fichas técnicas pode contribuir para despertar nos empresários e nos turistas a vontade de experimentar e difundir essas preparações. A construção de uma gastronomia situada, enraizada nas referências simbólicas e culturais da região, passa pelo reconhecimento e valorização da cultura alimentar badjeca.
Referências bibliográficas BARTHOLO, R. S.; SANSOLO, D. G.; BURSZTYN, I. Turismo de base comunitária: diversidade de olhares e experiências brasileiras. Rio de Janeiro: Letra e imagem, 2009. BRAGA, V. Cultural alimentar: contribuições da antropologia da alimentação. Saúde em Revista, Piracicaba, 6(13): 37-44, 2004. BRASIL. Plano Nacional de Turismo 2013-2016. Disponível em http://www.turismo.gov.br/images/pdf/plano_ nacional_2013.pdf, acessado em 10 de março de 2016. Brasília: Ministério do Turismo, 2013. DIEGUES, A. C. O mito moderno da natureza intocada. São Paulo: Hucitec, 1998. GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1979 MACIEL, A. C. & CARDOSO, N. Cura, sabor e magia nos quintas da Ilha Grande. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2003. 30
OLIVEIRA, R. R. & COELHO NETTO, A. L. O rastro do homem na floresta. In: PRADO, R. M. (org). Ilha Grande: do sambaqui ao turismo. Rio de Janeiro: Garamond/EdUERJ, 2006. PRADO, R. M. Apresentação: as marcas da Ilha Grande. In: PRADO, R. M. (org). Ilha Grande: do sambaqui ao turismo. Rio de Janeiro: Garamond/EdUERJ, 2006a. PRADO, R. M. Depois que entrou o Imbamba: percepção de questões ambientais na Ilha Grande. In: PRADO, R. M. (org). Ilha Grande: do sambaqui ao turismo. Rio de Janeiro: Garamond/EdUERJ, 2006b. SCHLUTER, Regina. Gastronomia e Turismo (Coleção ABC do turismo). São Paulo: Editora Aleph, 2003. TENORIO, M. C. Povoamento pré-histórico da Ilha Grande. In: PRADO, R. M. (org). Ilha Grande: do sambaqui ao turismo. Rio de Janeiro: Garamond/EdUERJ, 2006.
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Praias,Hist贸rias e Receitas
Provetá Provetá é a segunda maior Vila da Ilha Grande, menor apenas que a Vila do Abraão, possuindo cerca de dois mil habitantes. Recanto calmo e de paisagens encantadoras, tem como principal atividade econômica a pesca. Lá estão situados os maiores barcos pesqueiros da Ilha e, apesar da pesca profissional ter grande importância, a pesca artesanal ainda encontra praticantes e pode ser acompanhada por visitantes na beira da praia. A vila evangélica, como também é conhecida, tem na sua gente acolhedora um verdadeiro reduto do modo de vida caiçara. O turismo na vila ainda é incipiente, mas vem crescendo nos últimos anos. Provetá possui uma infraestrutura simples e rústica, com poucas opções de hospedagem e algumas opções para alimentação, como uma padaria, pequenas lanchonetes, a cantina da igreja, o Cantinho do Açaí e lojinhas de salgado, como chamam os moradores. O principal ponto de encontro é a praça da igreja. Durante o dia, a praça reúne moradores conversando sobre o cotidiano da vila e a noite as lanchonetes e lojinhas oferecem a seus clientes deliciosos salgados, como bolinho de aipim, rissole, coxinha, quibe, bolinho de fruta-pão, empada e outros.
Dona Ana Merendeira da escola em Provetá, Dona Ana é excelente cozinheira. Além disso, por ser casada com pescador e ter experiência com peixes, ela nos ensinou como fazer e escolher o melhor peixe de acordo com a época. Segundo ela, fevereiro é o mês do Carapau, junho da tainha e julho mês do Xerelete. Dona Ana também é conhecida por fazer uma deliciosa tainha escalada, mas para nosso livro escolheu apresentar seu prato preferido: o pirão de frango da roça com mamão verde.
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Pirão de Frango com mamão verde Ingredientes Frango caipira inteiro 1 unidade Mamão verde 1 unidade Farinha de mandioca 300 gramas Alho 3 dentes Cebola 2 unidades Hortelã 15 gramas Cheiro verde 15 gramas Sal 5 gramas Pimenta do reino 1 grama Colorau 2 gramas Óleo de soja 20 ml
Modo de preparo: Cortar o frango em pedaços e temperar com sal, alho, pimenta e colorau. Em uma panela de pressão, adicionar o óleo, dourar os pedaços de frango e reservar. Na mesma panela, acrescentar a cebola, o alho e o colorau e refogar. Adicionar os pedaços de frango dourados, acrescentar água e deixar cozinhar na pressão 10 minutos. Depois que o frango estiver amolecido, adicionar o mamão verde sem casca cortado em pedaços e cozinhar por mais 10 minutos. Desligar o fogo e adicionar o cheiro verde e a hortelã. Servir no prato fundo com farinha para fazer o pirão com o caldo do frango. 36
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Dona Amelinha Moradora de família tradicional de Provetá, Dona Amelinha é uma senhora alegre de grande simpatia. Casada com pescador, é merendeira da escola em Provetá. Em sua casa, trabalha com a terra, cultivando mandioca, café e guandu, além de criar galinhas. Excelente cozinheira, faz deliciosos pratos tradicionais. Dentre as receitas de Dona Amelinha estão paçoca de banana, tainha escalada, lula recheada com farofa de camarão, lula frita, pirão de peixe com banana, tainha assada recheada com farofa, tainha com guandu, entre tantas outras delícias. Mas, sem dúvida, o prato mais concorrido é a torta de tainha escalada com batata doce. Diz ela que quando coloca o pirex no forno os vizinhos fazem fila na sua porta. Não sobra nada!
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Torta de tainha escalada com batata doce Ingredientes Tainha escalada 1 unidade Batata doce 5 unidades Maionese 200 gramas Milho verde 150 gramas Ervilha 150 gramas Azeitona 50 gramas Tomate 3 unidades Pimentão verde 1 unidade Cebola 2 unidades Pimenta do reino 1 pitada Coentro 10 gramas Cebolinha 10 gramas Azeite 10 ml
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Modo de preparo Dessalgar a tainha em água fervente, escorrer e desfiar o peixe. Temperar o peixe acrescentando pimenta do reino, azeite, cebolinha, milho, maionese e ervilha. Em uma assadeira, dispor uma camada de batata doce cozida e fatiada em rodelas e acrescentar a tainha desfiada com os temperos. Fazer mais duas camadas, finalizando com a tainha. Adicionar por cima rodelas de tomate, pimentão verde, azeitona e cebola para decorar. Levar ao forno para gratinar por 35 minutos à 180° C.
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Dona Maria Lugar de parada obrigatória, a casa de Dona Maria sempre foi um local seguro para os passantes descansarem, se refrescarem com água e tomarem um café. Nos tempos do presídio, sua casa era a base de apoio para os guardas que adentravam a mata em busca de presos fugitivos ou quando realizavam seu transporte de um lugar para outro. Dona Maria tinha na frente de sua casa uma pequena casinha, para que os guardas se acomodassem. Muitas vezes os guardas pernoitavam, D. Maria, servia, nesses casos almoço ou jantar. Muito simpática, Dona Maria mora em um recanto aos pés da montanha, repleto de verde e árvores frutíferas. “Gosto muito de plantar. Planto cana, aipim, urucum, guandu, mas o que eu gosto de fazer mesmo é o puxa-puxa”. Preferido da família, o puxa-puxa tem seus segredos. Uma bala feita do caldo da cana-de-açúcar, que é puxado ainda quente após dar o ponto. Ela nos conta que o segredo é não falar e não ter ruídos durante o preparo da bala. A família sempre pede, ela faz e, às vezes, vende no Abraão.
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Bala puxa-puxa Ingredientes 5 litros de caldo de cana
Modo de preparo: Ferver o caldo de cana no tacho, reduzir até ponto de bala (o ponto de bala é uma técnica utilizada na confeitaria que consiste em cozinhar o caldo, sem mexer, até atingir 120º C). Quando der o ponto de bala, virar a mistura sobre uma bancada e resfriá-la, fazendo o movimento de puxar com as mãos e dobrar ao meio, puxar novamente e dobrar. Fazer esse movimento até pegar o tom dourado. Fazer bengalinhas de bala retorcidas como ilustrado na foto.
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Araçatiba A Enseada de Araçatiba possui águas cristalinas e calmas. A Vila de Araçatiba, situada na praia de mesmo nome, é rodeada pelo mar e pela floresta e tem muitas opções de trilhas e de passeios. As principais atividades econômicas na enseada são a pesca e o turismo. Além de embarcarem nos navios pesqueiros da região, alguns moradores vivem do extrativismo do caranguejo e da maricultura, como o cultivo de mexilhões e vieiras, de excelente qualidade, do seu Lourival. Repleta de pequenas pousadas e opções de hospedagem, Araçatiba é a segunda praia mais turística da ilha. O lugarejo possui ainda várias opções de alimentação, desde o famoso prato feito até restaurantes de massa e comida orgânica.
Dona Zenaide Uma das famílias mais antigas e tradicionais da praia é a família de Dona Zenaide, filha da primeira parteira de Araçatiba, Dona Maria Amélia. Família tradicional de pescadores, eles foram os primeiros a implantar o serviço de hospedagem na praia. Sara, filha de Dona Zenaide, nos conta que nos anos 80 começou a aumentar a demanda através de amigos que pediam para pernoitar na casa de seu pai. Logo em seguida, eles inauguraram a primeira pousada da enseada, a pousada Gabriel, que leva o nome do irmão mais novo de Sara. Dona Zenaide, é excelente cozinheira e faz pratos muito tradicionais. Ainda prepara pratos que muitos já deixaram de fazer, ou porque não têm tempo, ou porque preferem alimentos novos. Zenaide nos contou como fazer a famosa caranguejada e Sara nos revelou alguns pratos que lembram sua infância com sabor de saudade: “A gente comia muito angu com coco de manhã, com o café de cana, sabe? O café coado com caldo de cana, inhame, batata doce, fruta-pão... A gente chama de café da manhã caiçara, é bem forte”.
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Caranguejada Ingredientes Caranguejo 8 unidades Cebola picada 1 unidade Tomate picado 1 unidade Pimentão verde picado 1 unidade Cheiro verde picado 2 colheres Sal 1 colher de chá Colorau 2 colheres de chá Óleo 2 colheres Alho picado 4 dentes
Modo de preparo: Colocar uma panela com água e sal (a gosto) em fogo alto e deixar ferver. Lavar e escovar bem os caranguejos. Quando a água estiver fervendo, adicionar os caranguejos e deixar cozinhar até que fiquem bem avermelhados. Retirar os caranguejos da água e reservar. Preparar o molho numa panela de barro, refogando o alho e a cebola no azeite. Acrescentar a cebola, tomate, pimentão, colorau e 2 xícaras do caldo do cozimento do caranguejo. Deixar o molho ferver por alguns minutos. Adicionar os caranguejos dentro da panela com o molho e deixar ferver por alguns minutos no fogo baixo. Finalizar com cheiro verde. Servir com pirão e arroz branco. 48
Angu de fubá com coco Ingredientes Farinha de fubá 300 gramas Água 2 xícaras Coco fresco ralado 60 gramas Açúcar 50 gramas Sal 1 pitada
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Modo de preparo: Em uma panela acrescentar a água e o fubá. Quando começar a ferver, mexer sempre. Adicionar o coco ralado, o açúcar e o sal. Mexer por aproximadamente 20 minutos até engrossar. Dispor sobre uma assadeira untada e deixar esfriar. Cortar em pedaços e servir.
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Doce de laranja da terra Ingredientes Laranja da terra grande 12 unidades Açúcar cristal 1 quilo Água suficiente para cobrir as laranjas na panela Cravo da índia a gosto Canela em pau a gosto
Modo de preparo: Raspar a casca das laranjas com ralador, de leve, tendo o cuidado de não tirar muito da parte branca. Cortar as laranjas em 4 partes iguais e com uma colher de sopa retirar o miolo e descartar. Colocar as cascas de molho na água, trocando a água 2 vezes ao dia. Deixar de molho por 4 dias para retirar o amargor. Passado esse tempo, escorrer bem as cascas numa peneira ou pano de algodão limpo e reservar. Fazer uma calda rala de açúcar colocando 2 litros de água em uma panela grande, o açúcar, o cravo e a canela. Ferver por 5 minutos e adicionar as cascas das laranjas e deixar cozinhar até ficar transparente (mais ou menos 2 horas). Cuidar para manter as cascas cobertas com líquido e, se necessário, acrescentar mais água. Assim que esfriar, guardar em recipiente hermético. 52
Paçoca de banana com toucinho Ingredientes Banana verde 300 gramas Toucinho para torresmo 150 gramas Sal 3 gramas
Modo de preparo: Fritar o toucinho em óleo, acrescentar sal e reservar. Cozinhar as bananas com a casca em água fervente de 10 a 15 minutos. Pilar as bananas com ajuda de um socador e acrescentar o torresmo. Temperar com sal a gosto.
Aventureiro A praia de Aventureiro é considerada uma das mais belas da Ilha, com águas cristalinas e muita natureza. Essa pequena vila de pescadores parece ter parado no tempo. O acesso difícil, por mar ou por trilha, e a ausência de pousadas - tem apenas campings e quartos para alugar - dão um ar bucólico à praia. As principais atividades econômicas são a pesca e o turismo, ainda incipiente, mas que garante um bom complemento de renda, principalmente nos meses de alta temporada, quando os moradores alugam seus quintais para camping e servem refeições para os hóspedes. Os moradores de Aventureiro são acolhedores e hospitaleiros. Lá todos se conhecem e se ajudam, principalmente os pescadores em dias de pesca. O arrasto da tainha é um evento que mobiliza toda a vila e é uma pratica tradicional preservada pelos moradores. Uma questão que se destaca é que, pelo difícil acesso, os alimentos e produtos chegam diariamente de Angra dos Reis. Alguns moradores também fazem o transporte de pessoas e cargas para a praia, uma forma complementar à renda familiar.
Tia Vera Tia Vera é uma segunda mãe para quem fica em Aventureiro. Muito amorosa, ela cuida dos fregueses como se fossem sua própria família. Sua pequena lanchonete fica localizada ao final da praia de Aventureiro, logo acima do restaurante de sua irmã, o “Menino da Canoa”. Tia Vera é famosa por seus doces, como o tradicional pé-demoleque caiçara (feito com rapadura) e as deliciosas cocadas. Os principais itens vendidos em sua lanchonete são os pasteis, tapiocas deliciosas, sanduíches, caldos e café da manhã. No café da manhã, “com café com leite à vontade”, tia Vera faz o que o cliente pedir, pão com manteiga, ovos mexidos, pão com queijo, misto quente, pão com ovo e por aí vai... Para o almoço, ela faz sob encomenda seus pratos mais autênticos: os strogonoffs de lula e de frutos do mar, a moqueca e a tainha escalada. Todos com um tempero muito especial: “O tempero é muito carinho e amor, igual de mãe, de comida caseira”, diz.
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Pé-de-moleque Ingredientes Rapadura ou açúcar 2 quilos Amendoim torrado sem casca 2 quilos Água 200 ml
Modo de preparo: Picar a rapadura em uma panela e levá-la ao fogo com a água. Mexer sempre para que não queime. Quando a rapadura estiver derretida, acrescentar o amendoim e mexer até dar o ponto. Deixar ferver por 20 segundos, mexendo. Em uma forma untada ou em cima de uma bancada untada, abrir a massa e deixar esfriar. Depois, o doce está pronto para ser cortado em pedaços.
Cocada Ingredientes Coco fresco ralado Açúcar Água
1 quilo 600 gramas 2 xícaras
Modo de preparo: Levar os ingredientes para cozinhar em fogo médio. Quando começar a ferver, mexer sempre. Quando começar a engrossar, mexer até atingir o ponto da cocada. Mexer sem parar para que não grude no fundo. Quando começar a dourar e ficar macia, está no ponto. Em uma superfície untada com manteiga, dispor a cocada em formato de pequenos discos circulares e deixar esfriar. Abrir a massa e deixar esfriar. Depois, o doce está pronto para ser cortado em pedaços.
Strogonoff de lula Ingredientes Lula média 8 unidades Cebola picada 100 gramas Alho picado 3 dentes Tomate picado 2 unidades Coentro selvagem 5 folhas Colorau 5 gramas Creme de leite 200 ml Ketchup 5 gramas Mostarda 5 gramas Água 1 xícara Sal a gosto
Modo de preparo: Cortar a lula em anéis e temperar com um pouco de sal e alho e reservar. Em uma panela, dourar a cebola, o colorau e o restante do alho. Quando estiver dourado, acrescentar a lula e refogar rapidamente. Adicionar o ketchup, a mostarda e uma xícara de água. Deixar cozinhar por 3 minutos. Adicionar o creme de leite, deixar ferver por 4 minutos e desligar. Finalizar com o coentro. Servir com batata palha e arroz branco.
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Dona Leninha De família tradicional de Aventureiro, Dona Leninha é referência quando o assunto é farinha. Sua família sempre viveu da lavoura, como ela diz, “a gente sempre plantou de tudo: milho, feijão, mandioca, cana, batata doce, banana, inhame, abóbora, mamão, laranja, limão, e mais uma infinidade de alimentos, plantas e ervas”. Ela fala do trabalho com a terra e das ervas aromáticas, além de contar que consome muito o coentro do mato, mais conhecido como coentro francês, e o cheiro verde (cebolinha e salsa). Lembra ainda da taioba como uma folha muito consumida, assim como a ora-pro-nobis. A tainha com guandu e o café de cana com abacate são os preferidos. “É cortar o abacate e comer com farinha ou com pão, é sim uma delicia, ainda mais com café”. Diz também que sempre comeu pirão de peixe com banana verde. Vale destacar que quando os moradores da Ilha dizem pirão, quer dizer o prato como um todo. Por exemplo, pirão de frango com banana verde corresponde ao frango ensopado com banana verde, servido no prato com farinha, regado com caldo do cozido, para que vire um pirão no prato, ou seja, cada um faz seu pirão no próprio prato. 63
Tainha com guandu Ingredientes Tainha inteira 1 unidade Coentro selvagem 20 gramas Cebola picada 2 unidades Alho picado 4 dentes Tomate 2 unidades Feijão guandu 1 quilo Colorau 15 gramas Sal 7 gramas Pimenta do reino 2 gramas Cheiro verde 2 colheres Óleo 3 colheres
Modo de preparo Limpar a tainha retirando as escamas e as vísceras. Temperar a tainha com sal, pimenta, limão, um pouco de colorau, coentro, 2 dentes de alho e 1 cebola picados e um pouco de óleo. Levar ao forno e assar o peixe até ficar cozido. Lavar o guandu e escorrer. Refogar a cebola e o restante do alho, o tomate e o colorau com um pouco de óleo. Acrescentar o guandu e mexer. Acrescentar 1 litro de água e um pouco de sal, deixar cozinhar até o guandu ficar macio e reduzir quase toda a água. Corrigir o sal. Servir a tainha sobre o guandu cozido numa travessa grande, decorar com o cheiro verde. 64
Pirão de peixe com banana Ingredientes
Peixe em postas 1 quilo Limão 1 unidade Cebola 2 unidades Alho picado 3 dentes Tomate 2 unidades Banana d´água ou da terra verde 3 unidades Óleo 2 colheres Cheiro verde 4 colheres Colorau 1 colher Pimenta do reino 1 pitada Farinha de mandioca 300 gramas
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Modo de preparo Temperar as postas de peixe com sal, pimenta do reino e limão. Em uma panela de barro, adicionar o óleo, o colorau e o alho picado. Abaixar o fogo e acomodar o peixe. Acomodar a cebola e o tomate em rodelas por cima. No final do cozimento, acrescentar as bananas descascadas. Finalizar o cozimento do peixe, deixar reduzir o caldo por 5 minutos. Corrigir o sal. Finalizar com o cheiro verde picado, servir com farinha de mandioca.
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Praia Vermelha A aconchegante Praia Vermelha é conhecida como um dos principais pontos de mergulho da região. Possui águas cristalinas e calmas que propiciam uma ótima visibilidade para quem curte visitar os naufrágios em seus arredores. Diz a lenda que seus antigos moradores a batizaram com este nome pois suas areias ficavam com tom avermelhado depois que as fogueiras se apagavam. Para além de suas belezas naturais, a Praia Vermelha é um cantinho com cerca de 200 habitantes que gostam de receber visitantes com muita alegria e descontração. As principais atividades econômicas dos moradores locais são a pesca e o turismo. A praia possui poucas pousadas e três restaurantes, que servem pratos tradicionais a base de peixes e frutos do mar.
Dona Darci Dona Darci é uma senhora muito querida por todos na Praia Vermelha. Participativa nas atividades da comunidade, é uma das lideranças do projeto de mulheres “As Vermelhas”. Nascida na Praia Vermelha, casou-se com um catarinense que veio pescar por essas bandas e teve sete filhos. Cozinheira de mão cheia, ela repassa a todos suas deliciosas receitas tradicionais, em um verdadeiro esforço para manter sua cultura viva. Suas principais receitas são o bolo salgado, o bolinho de fruta-pão e a lula recheada com camarão. “A lula recheada é comum de se encontrar em restaurantes de frutos do mar. Aqui na Ilha a lula recheada tradicional é recheada com os tentáculos e farinha de mandioca e, ensopada”, diz. Conversando com Dona Darci, ela nos conta várias maneiras de usar a fruta-pão na culinária. Ela diz que todos os pratos que usam batata ou aipim, por exemplo, podem ser substituídos pela fruta pão. E fica mesmo uma delícia.
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Bolinho de fruta-pão com recheio de peixe Ingredientes Fruta-pão 1 unidade média Peixe desfiado 200 gramas Ovos 2 unidades Cebola picada 1 unidade Alho picado 2 dentes Óleo 2 colheres Tomate 1 unidade Colorau 1 colher Cheiro verde picado 2 colheres Farinha de mandioca 100 gramas Pimenta do reino 1 pitada Sal 3 gramas
Modo de preparo Cozinhar o peixe e desfiar. Fazer um refogado com cebola, alho, pimenta, colorau e tomate. Mexer e acrescentar o peixe. Cozinhar até o recheio ficar um pouco seco e finalizar com o cheiro verde. Reservar. Higienizar a fruta-pão, descascar e cortar em pedaços médios. Aquecer uma panela com água e deixar cozinhar a fruta-pão no vapor por cerca de 20 minutos. Amassar a fruta-pão, acrescentar sal, pimenta e um ovo. Misturar bem a massa até ficar homogênea. Fazer bolinhos com a massa, recheando com o peixe, passar no ovo e depois na farinha. Fritar e escorrer em papel. 70
Carne seca com fruta-pão Ingredientes Carne seca 1 quilo Fruta-pão cozida 300 gramas Cebola em rodelas 2 unidades Alho picado 2 dentes Tomate picado 1 unidade Óleo 2 colheres Cheiro verde picado 2 colheres Óleo para fritar 2 xícaras
Modo de preparo Dessalgar a carne seca e desfiá-la. Em uma panela, dourar o alho com o óleo e acrescentar a cebola, o tomate e a carne desfiada. Deixar cozinhar por alguns minutos. Ao final do cozimento, adicionar o cheiro verde e corrigir o sal. Fritar a fruta-pão cozida em óleo quente, acrescentar sal e servir com a carne seca. 72
Nhoque de fruta-pão Ingredientes Fruta-pão Ovo Sal Pimenta do reino
1 unidade 1 unidade ½ colher de chá 1 pitada
Modo de preparo Aquecer uma panela com água, descascar e cortar a fruta em pedaços grandes e deixar cozinhar no vapor por cerca de 20 minutos. Amassar a fruta-pão, acrescentar sal, pimenta e um ovo. Misturar bem a massa até ficar homogênea. Fazer rolinhos compridos com a massa. Se necessário, passar na farinha de trigo. Cortar a massa em rolinhos em retângulos menores, de 2 a 3 centímetros. Cozinhar a massa em água fervente com sal. Escorrer com a ajuda da escumadeira e servir com molho de sua preferência.
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Abraão Conhecida como a capital da Ilha Grande, a Vila do Abraão foi palco principal das transformações que a Ilha sofreu ao longo de sua história. Situada no fundo da enseada, entre o mar e as montanhas, a Vila do Abraão é o maior núcleo populacional da Ilha Grande com cerca de 2 mil residentes, mas que em períodos de pico de temporada sua população flutuante pode chegar a 20 mil pessoas. A principal atividade econômica hoje é o turismo. Praticamente todos na vila vivem direta ou indiretamente da atividade. Pousadas, hotéis, albergues, campings, suítes para alugar, quartinhos... o que não faltam são opções de hospedagem. Da mesma forma, encontramos uma diversidade de oferta de serviços de alimentação, do prato feito à culinária internacional contemporânea, do tradicional caiçara ao kebab, das massas e pizzas aos frutos do mar. No Abraão tem de tudo. É tanta diversidade que pode parecer difícil encontrar traços de alguma tradição badjeca na localidade. Puro engano! Basta procurar as pessoas certas para ouvir casos, estórias, memórias de um tempo que deixou saudades.
Seu Vavá Seu Vavá é morador tradicional da Vila do Abraão. Pescador experiente é hoje proprietário do Restaurante Lua e Mar, um dos mais charmosos da ilha. O restaurante surgiu informalmente, para atender uma demanda dos moradores quando faziam festas “Nessa época se gelava cerveja no latão, se dançava forró a noite toda, comendo frutos do mar”. Seu Vavá, antes disso, sempre pescou e lembra emocionado dos tempos de pescador, quando ficava quinze, vinte dias fora de casa “Eu sempre pesquei, vendia os melhores peixes da região. É corvina, pescada, anchova, cavala, sororoca, sarda”. Repleto de histórias para contar, seu Vavá se lembra com saudade de um Natal em que já se aproximava e ninguém tinha conseguido pescar. Foi então que decidiu uma última tentativa: na madrugada do dia vinte e dois de dezembro saiu a noite, com a ajuda de alguns companheiros, e jogou sua rede em um recanto de águas calmas e escuras. “Puxamos a rede cedo, bem devagarinho, e nesse dia fizemos cinco viagens com o barco, de tanto peixe. Foi muito peixe, salvou o Natal de todo mundo”. 77
Arroz de frutos do mar Ingredientes CamarĂŁo 100 gramas Lula 100 gramas Polvo 100 gramas MexilhĂŁo 100 gramas Tomate picado 150 gramas Cebola picada 150 gramas Arroz cozido 300 gramas Extrato de tomate 100 gramas Alho picado 4 dentes Colorau 30 gramas Ă“leo 2 colheres Coentro a gosto Sal a gosto Pimenta do reino a gosto
Modo de preparo Descascar o camarão, limpar as impurezas e temperar com parte do alho, sal, pimenta e coentro. Higienizar a lula, retirar a caneta e cortar em rodelas. Limpar os mexilhões. Limpar o polvo e separar os tentáculos. Em uma panela média, adicionar óleo, suar a cebola, o alho e adicionar o extrato de tomate, acrescentar a lula e deixar cozinhar por 15 minutos. Cozinhar o polvo sem água com uma cebola na panela de pressão por 15 minutos. Quando o polvo estiver cozido, cortar os tentáculos e adicionar na panela do cozimento da lula. Em uma panela, suar a cebola, o alho e o tomate picados e depois o colorau. Abaixar o fogo, acrescentar a lula, o polvo e o mexilhão e deixar reduzir por 10 minutos. Finalizar com o camarão até mudar de cor e com coentro picado. Misturar o arroz cozido e servir.
Peixe com banana e camarĂŁo Ingredientes Dourado em posta 400 gramas CamarĂŁo 100 gramas Banana da terra de vez (verdolenga) 2 unidades Alho picado 3 dentes Cebola picada 100 gramas Cebola em rodelas 80 gramas Tomate em rodelas 80 gramas Tomate em cubos 100 gramas Caldo de peixe 500 ml Azeite 2 colheres Ă“leo 1 colher Colorau 40 gramas Coentro picado a gosto Sal a gosto
Modo de preparo Temperar as postas de peixe e o camarão com sal, pimenta do reino e limão. Higienizar os legumes e cortar tomate e cebola em rodelas e cubos pequenos. Em uma panela de barro, adicionar um fio de azeite e o óleo e refogar a cebola e o alho picados. Adicionar o colorau e o tomate em cubos. Abaixar o fogo e acomodar o peixe, adicionar o caldo de peixe. Colocar as bananas descascadas, acomodar a cebola e o tomate em rodelas por cima. Finalizar o cozimento do peixe, deixar reduzir o caldo e adicionar o camarão, deixar cozinhar por 3 minutos. Corrigir o sal. Finalizar com coentro picado e servir com arroz branco.
Escurinha
“Escurinha” é como todos a chamam. Nascida na praia do Camiranga, seu pai sempre trabalhou na roça, vivendo da farinha e da pesca, como ela diz: “Plantava de tudo na roça, batata doce, aipim, cana, café, milho, criava galinha, porco, e a gente sempre trocava com a vizinhança, me lembro que não tinha açúcar a gente usava sempre a cana, caldo de cana”. Escurinha é a filha mais nova de nove irmãos. Conta que na sua infância não tinha energia e os peixes e carnes eram conservados pelo sal. Lembra com saudades do que comia “canjica de milho com torresmo, paçoca de banana com torresmo, angu, peixe com banana verde”. Em 1973, se mudou para o Abraão e em 1979 foi trabalhar no Bar da Janete, um dos primeiros restaurantes da vila direcionado para o atendimento ao visitante. “Minha história com a cozinha começa lá no restaurante, onde fiquei 24 anos. O que eu sei hoje eu agradeço muito a ela”. Foi lá que aprendeu a fazer um dos pratos mais famosos do Bar da Janete, a Moqueca Madame Satã. O prato leva o nome do autor que foi companheiro de cozinha de Escurinha durante alguns anos após deixar o presídio na década de 80. 83
Carne Seca com mamão verde Ingredientes Carne seca 1 quilo Mamão verde 600 gramas Água a gosto Cheiro verde picado a gosto
Modo de preparo Colocar a carne seca de molho na água de um dia para o outro. Trocar a água de três a quatro vezes nesse período. Escorrer a água salgada. Cortar a carne seca em cubos grandes. Lavar o mamão verde, descascar e cortar em cubos grandes. Em uma panela, cozinhar a carne seca em água. Quando faltar 5 minutos de cozimento, adicionar o mamão verde. Finalizar com cheiro verde picado.
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Purê de abóbora Ingredientes Abóbora 1 quilo Cebola picada 150 gramas Alho picado 2 dentes Óleo 2 colheres Água a gosto Sal a gosto Cheiro verde picado a gosto
Modo de preparo Descascar e cortar a abóbora em pedaços médios. Aquecer uma panela e adicionar o óleo. Suar a cebola e o alho e colocar a abóbora. Acrescentar a água. Deixar cozinhar até ficar macia e a água reduzir. Amassar com um garfo e finalizar com cheiro verde e sal a gosto.
Purê de inhame Ingredientes Inhame Alho picado Óleo Sal a gosto Água a gosto
1 quilo 3 dentes 2 colheres
Modo de preparo Descascar e cortar o inhame em pedaços médios. Em uma panela média, adicionar o óleo e suar o alho. Adicionar o inhame e temperar com sal. Adicionar um pouco de água e deixar ferver. Quando cozido, amassar com garfo e servir.
Farofa de banana Ingredientes Banana da terra verdolenga 200 gramas Farinha de mandioca 100 gramas Alho picado 2 dentes Óleo 3 colheres Sal a gosto
Modo de preparo Descascar a banana e cortar em rodelas. Em uma panela pequena, adicionar o óleo e fritar as bananas, retirar e reservar. Na mesma panela fritar o alho, retornar com a banana e adicionar a farinha. Temperar com sal. Torrar a farinha em fogo baixo até ficar crocante.
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Moqueca Madame Satã Ingredientes Corvina, garoupa ou cavala em postas 4 postas Pimentão verde em rodelas 1 unidade Pimentão amarelo em rodelas 1 unidade Pimentão vermelho em rodelas 1 unidade Tomate em rodelas 1 unidade Cebola em rodelas 1 unidade Alho picado 3 dentes Cebola picada 1 unidade Tentáculos de polvo 100 gramas Lula cozida 100 gramas Camarão 100 gramas Sururu 100 gramas Mexilhão 100 gramas Siri 3 unidades Batata 2 unidades Colorau 2 colheres Óleo 2 colheres Limão 1 unidade Coco ralado fresco 80 gramas Água 1 xícara Sal a gosto Coentro picado a gosto Cheiro verde picado a gosto
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Modo de preparo Temperar as postas de peixe com alho, sal e limão e deixar por duas horas. Cozinhar o polvo na panela de pressão com uma cebola com casca sem água por 20 minutos. Descascar as batatas e cortar em 4 gomos. Lavar a lula, limpar, retirar a caneta e cortar em anéis. Aquecer uma panela, adicionar óleo, suar a cebola e o alho, adicionar as lulas e um pouco de água. Cortar o siri ao meio e cozinhar na água e sal por 15 minutos. Reservar. Na panela de barro, adicionar o azeite, dourar um dente de alho picado e colocar um pouco dos pimentões. Acrescentar em camada a cebola, os pimentões e o tomate e um pouco de cheiro verde e coentro. Acomodar as postas de peixe. Acrescentar o polvo, a lula, o mexilhão, o sururu e o siri e deixar cozinhar por 5 minutos. Acrescentar as batatas e adicionar o colorau. Adicionar 200 ml de água e deixar reduzir o molho e finalizar a cocção das batatas e corrigir o sal. Decorar com coco ralado, pimentões, salsinha e coentro. Servir com arroz branco, pirão de peixe e farofa de banana.
Maurício
Mauricio é um simpático artesão. Filho de Dona Janete, cresceu na cozinha do restaurante da família. Ele nos conta que sempre gostou de cozinhar e ajudava sua mãe, “o restaurante começou pequenininho, mas nos anos 80 foi um estouro, tinha gente que ficava na fila para comer”. Da sua infância, Maurício lembra de alguns pratos que comia, “ah, que saudade de comer ova de tainha seca, ninguém faz mais no Abraão, antes todo caiçara tinha em casa um varal com peixe e ova secando, hoje em dia é difícil”. Outro prato que, segundo ele, é difícil de encontrar hoje em dia é o pirão de galinha, “Que delícia... alguns anos atrás fiz um pirão de galinha e chamei um amigo para almoçar. Nossa, ele chorou, disse que tinha lembrando da infância”.
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Lula recheada com legumes Ingredientes Lula média 8 unidades Batata 100 gramas Cenoura 100 gramas Espinafre 100 gramas Tomate 100 gramas Pimentão verde 100 gramas Pimentão amarelo 100 gramas Pimentão vermelho 100 gramas Cebola 100 gramas Alho 3 dentes Salsa picada 2 colheres Cebolinha 2 colheres Azeite 2 colheres Conhaque 50 ml Queijo parmesão 80 gramas Sal a gosto
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Modo de preparo Higienizar todos os legumes e as verduras em água corrente. Descascar a cebola, o alho, a cenoura, os pimentões e a batata e cortar em cubos bem pequenos. Cortar o tomate sem pele e sem sementes. Fazer a marinada da lula com sal, pimenta do reino, conhaque e um dente de alho por uma hora. Em uma panela média, adicionar um fio de azeite, refogar a cebola, o restante do alho, o tomate, os pimentões, a salsa e a cebolinha. Cozinhar a cenoura e as batatas em água com sal e cozinhar o espinafre na mesma água. Rechear as lulas com as batatas, a cenoura e o espinafre e dispô-las na panela com o molho reduzido e deixar amaciar. Retirar do fogo e, em uma travessa, acomodá-las com o molho, polvilhar com queijo parmesão e gratinar em forno pré-aquecido a 200 graus por 20 minutos.
Carne seca com banana verde Ingredientes Carne seca ponta de agulha 1 quilo Banana d´água verde 4 unidades Cebola 200 gramas Alho 4 dentes Tomate 1 unidade Azeite 2 colheres Caldo de legumes 1,5 litros
Modo de preparo Limpar a carne seca e retirar o excesso de gordura. Cortar em cubos grandes e deixar dessalgar de um dia para o outro, trocando a água 3 vezes no decorrer do período. Picar o alho, a cebola e o tomate em cubos pequenos. Em uma panela média com água aquecida, descascar as bananas para que não escureçam. Em outra panela, adicionar o azeite e suar a cebola e o alho. Colocar a carne dessalgada e adicionar o tomate. Colocar o caldo de legumes e cozinhar em fogo médio por 40 minutos. Adicionar as bananas cortadas em rodelas e deixar cozinhar por mais 5 minutos. 96
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