Catecismo do Pregador

Page 1


Rio de Janeiro, RJ

Catecismo do pregador: Consolo e instrução para pastores e ministros da Palavra

Traduzido do original em inglês: The Preacher’s Catechism

Copyright © 2018 Lewis Allen

Publicado originalmente por Crossway, 1300 Crescent Street Wheaton, Illinois 60187 www.crossway.org

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por PRO NOBIS EDITORA Rua Professor Saldanha 110, Lagoa, Rio de Janeiro-RJ, 22.461-220

1ª edição: 2024

ISBN: 978-65-81489-46-5

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Proibida a reprodução por quaisquer meios, salvo citações breves, com indicação da fonte.

Gerência editorial

Judiclay Silva Santos

Conselho editorial

Judiclay Santos

David Bledsoe

Paulo Valle

Gilson Santos

Leandro Peixoto

Supervisão editorial: Cesare Turazzi

Tradução: Rogério Portella

Preparação de texto: Gabriel Lago

Revisão de provas: Cinthia Turazzi, Thalles de Araujo

Capa: Luis de Paula

Diagramação: Marcos Jundurian

Nesta obra, as citações bíblicas foram extraídas da Bíblia Almeida Revista e Atualizada (ARA), salvo informação em contrário.

As citações de O breve catecismo de Westminster foram extraídas e/ou adaptadas da edição Kindle da Editora Cultura Cristã (São Paulo, 1995).

As citações de O catecismo de Heidelberg foram extraídas e/ou adaptadas da edição Kindle da Editora CLIRE (Recife, 2016).

As opiniões representadas nesta obra são de inteira responsabilidade do autor e não necessariamente representam as opiniões e os posicionamentos da Pro Nobis Editora ou de sua equipe editorial.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Allen, Lewis

Catecismo do pregador: consolo e instrução para pregadores e ministros da palavra/Lewis Allen; tradução Rogerio Portella. – Rio de Janeiro: Pro Nobis Editora, 2024.

Título original: The preacher’s catechism.

ISBN 978-65-81489-46-5

1. Catecismo - Estudo e ensino 2. Palavra de Deus (Teologia) 3. Pregação - Ensino bíblico 4. Protestantismo 5. Teologia I. Título.

24-215735

Índices para catálogo sistemático:

1. Pregação: Cristianismo 251 Eliane de Freitas Leite - Bibliotecária - CRB 8/8415

Tel.: (21) 2527-5184

contato@pronobiseditora.com.br www.pronobiseditora.com.br

CDD-251

Este livro é totalmente diferente de qualquer outro, ainda mais útil por ser dirigido ao próprio pregador, e não à arte e ao ofício da pregação. Por muito tempo nós nos concentramos no método em detrimento do ser. O precioso e profundo texto de Allen percorre um longo caminho para corrigir o equilíbrio necessário, ao mesmo tempo que combina um formato conhecido com uma nova visão. Todo pregador da Palavra de Deus se beneficiará ao dedicar tempo a este livro e permitir que as lições dele se infiltrem em sua corrente sanguínea.

Adrian Reynolds, diretor de treinamento da Fellowship of Independent Evangelical Churches (Reino Unido)

A pregação diz respeito à alma, e a alma dos pregadores piedosos jaz sob ataque contínuo do mundo, da carne e do Diabo. Na última década do meu ministério, não li nenhum recurso que tenha convencido e desafiado tanto minha alma quanto o Catecismo do pregador, de Lewis Allen. Sua aplicação criativa e detalhada das riquezas teológicas do Breve catecismo de Westminster a todas as áreas da alma e da prática do pregador continuará a alimentar e proteger meu ministério nos próximos anos. Voltarei a ele muitas outras vezes.

Andy Davis, pastor sênior da First Baptist Church (Durham, EUA)

Vivemos em uma sociedade semelhante à de Corinto, onde a pregação é considerada tolice pelos religiosos e não religiosos. Também vivemos em uma sociedade de soluções rápidas, na qual até mesmo a pregação é considerada algo que se pode fazer com certa facilidade. O engenhoso livro de Lewis Allen é um antídoto às duas perspectivas — perspicaz, realista, bíblico, claro e contemporâneo. Vou comprá-lo e usá-lo com os pregadores que treino!

David Robertson, ministro da St. Peter’s Free Church (Dundee, Escócia); editor de The Record; diretor associado do Solas Center for Public Christianity

O Catecismo do pregador é um livro que provém do coração e que reflete abertamente a própria experiência de Allen sobre os altos e baixos do ministério de pregação. Ele escreve em um estilo envolvente, revigorante e que provoca reflexão. Aqui se descobre que os pregadores são “levantadores de peso” que precisam do “evangelho da semana toda”. Este livro recompensará a leitura detida e reflexiva dos pregadores. Além disso, promoverá a alegre obediência do pregador e exporá as atividades de sua natureza carnal em toda a sua feiura. Tome uma pequena dose de cada vez e pondere sobre ela. Encontre nela indicações para o remédio contra o orgulho e o desânimo. Oro para que o Senhor use o texto a fim de derrubar os orgulhosos existentes em todos nós, exaltando, em seguida, os humildes.

Garry J. Williams, diretor da Pastor’s Academy no London Seminary; autor de His Love Endures Forever, e Silent Witnesses

Estes devocionais repletos de afeição e prática também poderiam ser intitulados Consolos e confortos para o pregador. Allen adentra a mente do pastor e o conduz em direção ao Senhor Jesus Cristo, de modo a acalmar e fortalecer a alma de muitos pregadores cansados. Joel R. Beeke, presidente e professor de teologia sistemática e homilética do Puritan Reformed Theological Seminary; pastor da Heritage Reformed Congregation (Grand Rapids, EUA)

A fraqueza de grande parte da pregação contemporânea decorre principalmente não da falta de técnica exegética ou habilidade na apresentação, mas da preparação espiritual inadequada e dos motivos falhos do pregador. O novo livro de Lewis Allen desafiará os pregadores a se certificarem de que proclamam a Palavra com o desejo de ver Deus fielmente anunciado e glorificado por ele ser quem é, pelo amor a seu povo. O ensino central do Breve catecismo de Westminster é aplicado com clareza e discernimento em 43 breves capítulos pensados especificamente para pregadores. Qualquer pregador que ler este livro será humilhado, estimulado, desafiado e preparado para a gloriosa tarefa de pregar, bem como encorajado a ter uma profunda confiança no poder da Palavra e na suficiência de Deus nessa obra. O formato foi projetado para a leitura individual dos pregadores, talvez como uma meditação diária, mas também seria ideal para o uso em grupos de pregação, fraternidades de ministros ou membros de equipes pastorais desejosos de melhorar a qualidade da pregação.

John Stevens , diretor nacional da The Fellowship of Independent Evangelical Churches

Pregadores costumam se esforçar muito para catequizar outras pessoas, mas raras vezes pensam em ser catequizados. Este é um excelente recurso para nos ajudar a fazer exatamente isso, e eu o recomendo com entusiasmo. É exatamente o tipo de livro que usarei com minha equipe de pregação.

Robin Weekes, ministro da Emmanuel Church (Wimbledon, Reino Unido)

Nossa era sente fixação por técnicas. No entanto, o sermão elaborado com beleza, que exalta o pregador em lugar de Cristo, é, na verdade, o sermão mais feio de todos. Ao fazer uma adaptação da sabedoria do Breve catecismo de Westminster, o Catecismo do pregador nos leva de volta ao que de fato importa. Mas não se engane: o resultado é profundamente prático. Pode-se ler esta obra como um manual ou mergulhar em qualquer página para obter uma nova visão ou inspiração. Por todo o caminho, serão encontradas muitas informações, vários desafios e estímulos para a sua pregação.

Tim Chester, pastor da Grace Church Boroughbridge (North Yorkshire, Reino Unido); membro do corpo docente de Crosslands Training (Newcastle upon Tyne, Reino Unido)

Para Sarah

Sumário

Prefácio à edição em português

1. Pregação acima de tudo

2. Alegrar-se em Deus Como

6. Todos os nossos dias

7. Confiante nisto

8. Chamado para pregar

Por que cremos que Deus nos chamou para pregar? .......................... 59

9. Para Deus, para as pessoas

Por que Deus nos chama para pregar? ............................................ 63

10. Nem um centímetro

O que mais Deus ordenou? ........................................................... 67

Segunda parte | Jesus para pregadores

11. Pecado

Como o primeiro pregador pecou? .................................................. 73

12. Fraqueza

Qual é a boa notícia para os pregadores que passam por lutas? ........ 77

13. Conhecendo Jesus Jesus ama os pregadores? .................................................................... 81

14. Por causa de seu nome

Certamente nós, pregadores, não precisamos sofrer, não é? ............... 85

15. Recompensado

De onde vem nossa recompensa? .................................................... 89

16. Este fundamento sólido

Mas nós somos salvos? .................................................................. 93

17. Amor generoso

Como podemos saber se realmente somos salvos? ............................. 97

18. Santidade

Como nós, pregadores, podemos crescer? .......................................... 101

19. Fim da jornada

Vamos parar de pregar algum dia? ................................................. 105

Terceira parte | Amor pela Palavra

20. A graça da lei

Nós, pregadores, também devemos obedecer à lei? ............................ 111

21. Obediência

Quais coisas todo pregador deve saber e fazer? ................................. 115

22. A escolha do amor

O que o primeiro mandamento nos ensina? .................................... 119

23. Direitos de imagem?

O que o segundo mandamento nos ensina? ..................................... 123

24. Nossa honra ou a dele?

O que o terceiro mandamento nos ensina? ...................................... 127

25. Pare!

O que o quarto mandamento nos ensina?.......................................... 131

26. Respeito

O que o quinto mandamento nos ensina? ....................................... 135

27. Servos com coração de servo

O que o sexto mandamento nos ensina? ......................................... 139

28. Atração fiel

O que o sétimo mandamento nos ensina? ....................................... 143

29. Dar

O que o oitavo mandamento nos ensina? ....................................... 149

30. Fiéis à sua Palavra

O que o nono mandamento nos ensina? ......................................... 153

31. Resistir

O que o décimo mandamento nos ensina? ...................................... 157

32. O coração da lei

Qual é o resumo dos Dez Mandamentos para pregadores?................ 161

Quarta parte | Pregando com convicção

33. Ministério confiante

Por que devemos acreditar em nossa pregação? ................................ 167

34. Na cruz

O que acontece quando nós, pregadores, realmente cremos em Jesus? 171

35. A coragem de nossas convicções

Como podemos valorizar a pregação quando sentimos que mais ninguém lhe dá valor? ..................................................... 175

36. Ministrando sacramentos

Deixaremos os sacramentos pregarem? ............................................ 179

37. Leve-os à água

Por que celebramos o batismo? ....................................................... 183

38. À Ceia

Por que compartilhamos o púlpito com a Ceia do Senhor? ............... 187

39. Procure primeiro

O que é a oração? ........................................................................ 191

40. Orando (para a glória do Senhor)

Queremos Deus e seu reino acima de tudo quando chega o domingo? ................................................................................... 195

41. Problemas de confiança

Voltamos para casa no domingo orando para que a vontade de Deus seja feita? ......................................................... 199

42. Hora da confissão

Qual é o pior pecado que podemos cometer em um sermão? ............. 203

43. Tudo pelo Rei

Vamos orar em alegre submissão a Deus? ....................................... 207

Prefácio à edição em português

Em 1740, o jovem evangelista John Cennick, discípulo de George Whitefield, entrou em um pequeno vilarejo no condado de Wiltshire, a convite de algumas famílias que tinham ouvido sua poderosa mensagem pregada na região. Como de costume, Cennick e sua equipe de discípulos chegaram a Kington Langley montados a cavalo, ao som de trombetas, cânticos de salmos e louvores. Em seguida, juntou-se ali um grupo de moradores curiosos para ouvir o que este jovem tinha a lhes falar. A mensagem cristocêntrica, cheia de vida e poder do Espírito Santo, era sempre encerrada com o apelo ao arrependimento e à fé somente em Cristo Jesus. O resultado? Um grupo quis matá-lo, tentando afogar o jovem evangelista numa lagoa, e os que foram convertidos pela ação do Espírito em seus corações, juntamente com o grupo de crentes que moravam ali, formaram uma “United Congregation”, uma congregação unida de crentes reformados de diversas origens, “unidos pela confissão dos preceitos do Breve catecismo de Westminster”, sendo a primeira igreja estabelecida naquele lugar desde a era medieval. Assim, 284 anos depois, o trabalho deste evangelista permanece através da Union Chapel, igreja que tenho a honra de pastorear sob um projeto de revitalização.

Nesta mesma região da Inglaterra, John Cennick plantou igrejas, mesmo antes de sua ordenação, com o auxílio de George Whitefield, que vinha celebrar batismos e a Ceia do Senhor para essas congregações. Estima-se que, em seus dezoito anos de ministério de pregação, John Cennick foi responsável (ou esteve diretamente envolvido) pela plantação de cinquenta igrejas. Ele partiu para as moradas celestiais em 1755, aos 36 anos, deixando um legado inestimável da importância da centralidade de Cristo na pregação.

Em minha experiência como missionário na Europa, tenho visto o impacto do ministério de pregação, desde exemplos do avanço do Reino de Deus pela evangelização de perdidos e plantação de igrejas como resultado do agir do Senhor na pregação fiel, até o declínio e morte de denominações refletindo a incredulidade e apostasia de pregadores. É uma realidade no contexto europeu que a má pregação está diretamente associada à ascensão do liberalismo teológico nas principais denominações europeias. Formados em seminários, aqueles que foram ensinados a duvidar da veracidade e autoridade das Escrituras avançaram para os púlpitos, injetando nas congregações o vírus fatal da apostasia e da morte. A origem deste câncer se deu na formação de pregadores, mas avançou no corpo pela pregação infiel. Na Europa, vivemos o cenário de um desastre eclesiológico, em que gerações que cresceram sem nenhuma formação cristã não sabem nem sequer o básico das histórias bíblicas (como, por exemplo, quem foram Davi e Golias).

Como este cenário pode ser evitado ou revertido?

Como, pois, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem não ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue?

E como pregarão, se não forem enviados? Como está escrito: Quão formosos os pés dos que anunciam o evangelho de paz; dos que trazem alegres novas de boas coisas. Mas nem todos têm obedecido ao evangelho; pois Isaías diz: Senhor, quem creu na nossa pregação? De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus. (Rm 10.14-17)

Deus fará sua obra pela pregação fiel centrada nas Escrituras e na exaltação de Cristo. A pregação do evangelho é o meio pelo qual Deus chama os seus eleitos ao arrependimento. Deus não só elegeu os seus, como também predestinou o meio pelo qual eles serão salvos. As ovelhas de Cristo não serão chamadas ao seu aprisco eterno da forma que o mundo espera; elas não serão salvas pelas suas boas obras e méritos. O pecador é resgatado quando o Supremo Pastor fala ao seu coração, dando-lhe vida, transformando-o da morte espiritual para uma nova criação. Pregar é expor as Escrituras de modo que deixamos Cristo falar por sua Palavra. Não precisamos de artimanhas ou estratégias mirabolantes para convencer o pecador. O trabalho do pregador é comunicar a mensagem das Escrituras fielmente, confiante de que o Espírito Santo transformará o coração dos que o ouvem.

Neste livro, Lewis Allen apresenta a importância do trabalho preparatório do pregador antes de subir no púlpito — de que maneira devemos examinar

os nossos corações e intenções com a mensagem que pretendemos pregar. Somos bombardeados diariamente com milhares de anúncios e informações; estes podem ser, em muitos casos, distrações ao trabalho pastoral e à pregação fiel. Disciplina é indispensável para manter o foco no que é essencial. Por isso, o Catecismo do pregador é um recurso valioso para manter a sua disciplina como pregador, buscando somente a glória de Cristo na pregação. Composto por quarenta e três perguntas e respostas, esta é uma obra voltada a pastores e pregadores que, através de um formato de catecismo, busca fornecer orientação, reflexão e encorajamento àqueles dedicados à pregação do evangelho. A estrutura do livro é baseada em perguntas e respostas, um método clássico de ensino que visa aprofundar o entendimento e a reflexão sobre as principais responsabilidades do pregador.

A pregação é a natureza do chamado pastoral. Nesta obra, Lewis explora as questões do propósito da pregação, a motivação do pregador e a dependência de Deus, enfatizando a importância de um chamado genuíno e a necessidade de pregadores refletirem constantemente sobre seu compromisso com a proclamação fiel do evangelho. Allen também foca na vida espiritual e emocional do pregador. Ele discute temas como a integridade pessoal, a luta contra o pecado, a manutenção de uma vida de oração e a busca por humildade. O objetivo é lembrar aos pregadores que a eficácia de sua pregação está profundamente ligada à fidelidade às Escrituras e à dependência pessoal em Deus.

O livro também apresenta a reflexão teológica com a aplicação prática.

Seguindo o padrão dos catecismos históricos da fé cristã, esta abordagem visa moldar o caráter dos pregadores e aprofundar seu compromisso com a verdade bíblica. Um dos objetivos principais do livro é encorajar e exortar pastores.

Você, pregador, verá que não está sozinho nesta luta e que pode encontrar força e renovação na Palavra de Deus diante das adversidades do ministério.

O Catecismo do pregador é projetado para ser um recurso contínuo a pastores e pregadores. Não é um livro para ser lido apenas uma vez, mas para ser revisitado regularmente ao longo da vida ministerial. Cada pergunta e resposta proporciona uma oportunidade de reflexão contínua e crescimento espiritual.

A minha oração e esperança é que Deus use este livro para edificar sua vida e abençoar seu ministério.

Jônatas M. Bragatto

Prefácio original

Se você é um pastor que lê o Catecismo do pregador intrigado com o título, sua primeira reação pode ser: “Os pregadores precisam ser catequizados? Pensei que isso fosse para crianças de antigamente!”. Mas essa reação pode logo se transformar em: “Que ótima ideia! Por que não pensei nisso?”, já que nestas páginas você encontrará não apenas instruções, mas também uma espécie de companheiro de viagem ao longo da peregrinação no decorrer do ministério — alguém que, como uma criança, continuará fazendo perguntas fundamentais, e que, como um amigo sábio, apontará para você as respostas bíblicas, e assim o estimulará a refletir sobre o significado de ser um pregador do evangelho.

Compor um catecismo não é tarefa fácil (experimente; você achará muito mais difícil do que imagina). Por onde começar: Deus, as Escrituras, Cristo ou a condição da humanidade? E como responder a uma pergunta de modo a conduzir com lógica à seguinte? Pelo fato de os grandes catecismos expressarem tão bem a lógica bíblica e teológica, um de seus efeitos notáveis é ensinar os catecúmenos a pensar. Isso explica, em parte, por que as comunidades cristãs que os usam costumam ser as sementeiras de homens e mulheres que fizeram contribuições notáveis em muitos aspectos da vida. Menciono isso porque, em nosso mundo contemporâneo, onde sofremos com a sobrecarga de informações, há uma tremenda necessidade de nós — sim, pastores incluídos (e talvez de modo especial) — aprendermos a parar e pensar, e sermos capazes de pensar nas coisas de acordo com os princípios bíblicos mais básicos. Espero que O catecismo do pregador, de Lewis Allen, seja um estímulo nessa direção e uma ajuda real para todos nós que pregamos.

O texto faz as perguntas que deveríamos ter feito a nós mesmos — se ao menos tivéssemos pensado nisso!

Lewis Allen pode ser menos conhecido pelos leitores na América do Norte que no Reino Unido. Após seus estudos em clássicos e teologia na Universidade de Cambridge, ele serviu por doze anos na Gunnersbury Baptist Church, no oeste de Londres. Em 2010, ele e sua esposa, Sarah, reconheceram o chamado para uma área muito diferente de ministério e se tornaram plantadores de igrejas em Huddersfield, Yorkshire. Ao longo dos anos, ele esteve fortemente envolvido com a liderança de várias gospel partnerships [parcerias evangélicas],1 como ficaram conhecidas, em especial na Inglaterra. Assim, ele traz uma ampla e variada experiência com o ministério pastoral e vários ministros, um intelecto aguçado e um entusiasmo contagiante para estas páginas. Acima de tudo, ele lhes traz o desejo de ajudar outras pessoas como ele próprio foi ajudado por muitos — mediante conversas pessoais com pregadores de hoje e a leitura de pregadores do passado.

O Catecismo do pregador não é apenas um livro para ser lido rapidamente, de uma só vez — ainda que isso valha a pena. Ele é preferivelmente um livro para a vida toda no ministério, ao qual o pregador pode sempre recorrer a fim de ser revigorado, fortalecido, desafiado, instruído, corrigido e encorajado a prosseguir e a procurar fazer melhor para o Senhor. Com certeza existem poucas palavras mais desafiadoras ao pregador que as de Paulo a Timóteo: “Medita estas coisas e nelas sê diligente, para que o teu progresso a todos seja manifesto” (1Tm 4.15). O Catecismo do pregador deve nos ajudar a fazer exatamente isso.

Há alguns anos, assisti a um documentário da BBC sobre uma ilustre microbióloga homenageada pela rainha por seus serviços à ciência médica. Ela havia dedicado sua pesquisa ao estudo da mutação de um vírus específico. Como resultado de seu trabalho, o governo do Reino Unido deu permissão para que procedimentos experimentais com uma injeção fossem realizados em pessoas que, devido a condições inoperáveis, contavam apenas com algumas semanas de vida. Os resultados foram notáveis — em alguns

1 Trata-se de uma rede crescente de parcerias entre igrejas que creem na Bíblia em todo o Reino Unido, buscando alcançar o país com as boas novas transformadoras de Jesus Cristo. Essas gospel partnerships ajudam as igrejas, estabelecem parcerias e oferecem recursos diversos. [N.T.]

casos, beiravam o miraculoso. Ela também era uma amiga de longa data e membro da congregação a que servi. Ao parabenizá-la pelo documentário, disse o quanto deve ser gratificante ter dedicado a carreira a algo que gerou tanto bem. Ela respondeu de uma forma que falava muito sobre suas prioridades: “O que eu faço não é tão importante assim. Mas o que o senhor faz, isso é muito importante”.

“Pregar é mais importante que contribuir com o prolongamento da vida para a ciência médica?” Meu amigo ficou pensando a respeito. Eu também. Você também deveria fazê-lo. Espero e oro que O catecismo do pregador sustente, revigore e, se necessário, recupere essa visão.

B. Ferguson

Sinclair

Introdução

O Catecismo do pregador é um livro para pregadores ocupados, jovens e experientes, repletos de entusiasmo, ou para os que lutam contra o cinismo, em período integral ou parcial. A pregação, o anúncio da Palavra eterna de Deus a criaturas limitadas pelo tempo mas eternas, é um trabalho sério, e seus triunfos e desastres ecoam pela eternidade. Temos o chamado mais glorioso do mundo, e talvez também o mais difícil. A pregação realmente importa.

Todo pregador precisa melhorar sua pregação. Devemos trabalhar em nossa exegese do texto da Escritura e almejar ensinar de forma prática e útil. Devemos aprender a apresentar Jesus em toda a Escritura de maneira a encorajar a fé e a alegria nele. Precisamos trabalhar arduamente com nossa escolha de palavras e ilustrações para servir a mensagem que levamos às pessoas. Os pregadores que não se comprometem com o aprendizado contínuo acabarão dizendo as mesmas coisas das mesmas formas. Sermões previsíveis abençoam poucos, se é que o fazem.

Você pode, pela graça de Deus, aprender a fazer todas as coisas necessárias para melhorar. No entanto, dispor de todas essas ferramentas não lhe garante ser um pregador segundo o coração de Deus, alguém que de fato serve aqueles que o ouvem. Habilidades têm um lugar essencial, mas o aspecto fundamental do nosso chamado consiste no coração e na mente cativados por Deus e por seu evangelho. Conheça-o e desfrute-o, e você realmente compartilhará um legado duradouro por meio da pregação. As pessoas perceberão que o Deus de que você fala é real. Este livro é uma tentativa de fazer um acréscimo à sua preparação.

Três convicções básicas

O que fazemos aqui se baseia em três convicções, que trataremos com brevidade antes de serem trabalhadas nos capítulos subsequentes. Primeira: a pregação consiste na comissão para a vida de serviço frutífero e alegre no anúncio de todo o conselho de Deus. Segunda: cumpriremos melhor nossa comissão conhecendo melhor o ato de pregação e nossa própria vida interior. Terceira: a ajuda para os pregadores se encontra disponível no Breve catecismo de Westminster. Una-as, e você terá O catecismo do pregador.

Primeira convicção: A igreja precisa de pregadores que perdurem e prosperem

Vivemos em um mundo de curto prazo. Os empregos atuais não são garantidos, muito menos o tipo de empregos vitalícios que nossos avós tiveram. Somos inconstantes, e a maioria das pessoas está à procura de algo novo. Ater-se à tarefa de pregar, ano após ano, e talvez no mesmo lugar, pode ser considerado algo um pouco estranho, um estilo de vida aceitável para os antiquados ou avessos ao risco. Entretanto, é exatamente para isso que fomos chamados. Devemos perdurar e, mais que isso, devemos prosperar.

Devemos aprender a superar nossos sentimentos conflitantes no ministério, incluindo os impulsos de nos levar a outro lugar quando o ministério se torna tedioso ou problemático. Precisamos ter como prioridade máxima descobrir de que forma permaneceremos fiéis à missão e à congregação que o Senhor nos designou.

O ministério frutífero procede do coração do pregador satisfeito. Não se trata de acertar as circunstâncias da vida (a igreja, o salário, o reconhecimento dos colegas ou o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional). Alguns dos ministérios de maior impacto foram exercidos em meio a situações verdadeiramente miseráveis, repletas de anos de estresse e oposição. Muitos pregadores permaneceram firmes e perseveraram, dando frutos, por conta do profundo contentamento de seu coração no Deus do evangelho. Jesus deve ser o tesouro de valor cada vez maior para nós.

Sabemos disso, não é mesmo? Jesus deve ser tudo para nós. Não pregamos aos outros que ele consiste no conteúdo do discipulado? (Não o sucesso, reconhecimento ou conforto…) Sim, sem dúvida! Todavia, essa verdade pode facilmente se perder nas alegrias e nos desastres da pregação. Todo pregador enfrenta as lutas da vida, e todo pregador é chamado a encontrar a alegria

em Jesus Cristo, essa alegria que cresce com o passar dos anos. Na melhor das hipóteses, o pregador esgotado e sem alegria é um fardo. O pregador cuja energia do púlpito procede do relacionamento vivo com Jesus é uma grande bênção para a igreja. Nosso catecismo procura nos ajudar a ter certeza de que Jesus é o centro da vida de todos nós e, portanto, de nosso ministério.

Segunda convicção: Os pregadores devem entender o funcionamento da pregação e de sua própria alma

Nosso trabalho como pregadores é terrivelmente difícil. Satanás odeia todos os servos de Deus, e talvez ainda mais aos pregadores. Satanás sempre atacou os que trazem a Palavra de Deus, começando no Jardim do Éden, contra Adão e Eva, incumbidos de ouvir e levá-la ao mundo, e os sinais são de que ele não desistiu. De todos os ataques sutis contra nós, dois deles se destacam: a tentação de subestimar a majestade e o poder da pregação, e a tentação de ignorar as profundas necessidades de nossa própria alma.

Parece surpreendente que nós, dentre todas as pessoas, subestimemos nosso chamado. No entanto, a evidência confirma a suspeita. Dedicamos muito esforço à pregação, mas a recompensa sob a forma de vidas radicalmente transformadas entre os ouvintes não é aquilo pelo qual esperamos, oramos e trabalhamos. Os sermões nos decepcionam, pois erram o alvo e às vezes são incapazes de alcançá-lo; isso quando se aproximam dele. Os cristãos parecem mudar pouco, e os incrédulos não se convertem. Oramos, pregamos, pregamos de novo (e de novo) e esperamos ansiosamente pelos frutos. Quando nada parece acontecer, que pregador não luta contra o desânimo e não se pergunta se toda a pregação vale a pena de verdade? O Diabo ama o pregador desanimado, e sua mira infernal está sempre apontada para nós. Assim, continuamos da melhor forma possível. Deus usa gloriosamente esses tempos difíceis de ministério para nos fortalecer. Porém, há outro poder em ação: o poder do desânimo. Existem correntes invisíveis trabalhando para corroer nossa alegria e segurança espirituais sob a superfície, escondidas até mesmo de nossos pensamentos inquietantes. John Bunyan uma vez sentiu que o Diabo estava falando com ele. Satanás ficou muito feliz com seu zelo juvenil e não se intimidou nem um pouco com isso. O plano de Satanás, Bunyan ouviu, era esfriá-lo “gradualmente”, de forma lenta e contínua. O Tentador ficaria feliz enquanto o jovem entusiasta se tornava frio, cínico e autopreservador: “Embora você esteja ardendo em chamas no momento,

ainda assim, se eu puder retirá-lo do fogo, o esfriarei antes que demore”.2

Ele tem uma estratégia diferente para os servos de Deus hoje? Não. Esta funciona muito bem. Se quisermos ser eficazes, devemos estar cientes disso. Mesmo em nossa era agitada, precisamos nos lembrar de que quase toda obra espiritual — do céu ou do inferno — funciona com lentidão. Somos mudados com o tempo. A pregação funciona, mas muitas vezes funciona lentamente. Precisamos ter certeza de que ainda estaremos por perto para fazer parte da obra de Deus e ver seus frutos. Devemos nos contentar em continuar.

Quem continua no ministério da pregação o faz apenas quando aprende a nutrir a própria alma. Mesmo os mais fortes de nós são homens frágeis.

Não basta pregar a graça; nós mesmos carecemos dela. Precisamos entender nossa alma para podermos cuidar dela. Nosso chamado não consiste principalmente em pregar para outras pessoas. Como qualquer outro cristão, nós, pregadores, devemos pregar para nós mesmos. Se quisermos fazer isso bem, devemos aprender a reconhecer os perigos que nos espreitam, inclusive na obra de ministrar a Palavra. Exaustão, euforia, crescimento espiritual íntimo, orgulho e desespero, todos surgem em nosso dever. Como os reconhecemos? Como respondemos a eles? Isso é o que veremos.

Terceira convicção: O Breve catecismo de Westminster é um excelente recurso para as necessidades do coração de todo pregador

Os catecismos são quase tão antigos quanto o cristianismo. Nos primeiros séculos cristãos, o catecismo (da palavra grega que significa “ensino”) era um conjunto de verdades bíblicas a serem ensinadas às crianças e aos novos convertidos. A forma se desenvolveu numa série de perguntas e respostas, muitas vezes para serem recitadas em voz alta e memorizadas. A Reforma produziu vários catecismos, e um bom número deles ainda é usado em todo o mundo hoje, pois colocam o ensino essencial do evangelho em linguagem clara e de fácil memorização.

O catecismo é uma excelente maneira de ajudar as pessoas a se envolverem com a verdade cristã e a refletirem sobre ela. Perguntas e respostas com palavras concisas se alojam na mente e se entranham no coração. Lá

2 John Bunyan, Grace Abounding to the Chief of Sinners, em: The Works of John Bunyan, George Offor, org. (Edinburgh: Banner of Truth, 1991), vol. 1, Experimental, Doctrinal and Practical, p. 19. [Graça abundante ao principal dos pecadores (Fiel, 2022).]

elas podem criar raízes, e, com o passar dos anos, o cristão pode apreciar seu significado com mais profundidade. É interessante que, em nosso mundo repleto de palavras, mais igrejas estão buscando catecismos históricos, ou estão compondo versões próprias, para poderem desfrutar da mensagem do evangelho e transmiti-la.

O Breve catecismo de Westminster (sim, existe um Catecismo maior) foi publicado em 1647. Mais de cem pastores e educadores se reuniram em Londres para sessões de estudo e diálogo a fim de formular declarações doutrinárias e diretrizes sobre o governo da igreja, as quais eles esperavam servir à igreja nacional na Grã-Bretanha. As conquistas dos dez anos foram de longo alcance: as reuniões (conhecidas coletivamente como a “Assembleia de Westminster”) produziram uma confissão de fé, dois catecismos, e documentos sobre o culto público e o governo da igreja. Estes formaram os documentos que regem quase todas as igrejas presbiterianas de língua inglesa e têm sido usados em todo o mundo desde sua primeira publicação. Indiscutivelmente, o mais usado deles hoje é o Breve catecismo.

O Breve catecismo de Westminster foi escrito para atender às necessidades de toda a igreja. Tem sido usado há séculos para treinar crianças e adultos na fé evangélica. E quanto a nós, pregadores? Temos muito a aprender com o catecismo: como discípulos em geral e como discípulos com a vocação particular de pregar a Palavra de Deus.

Um catecismo para pregadores

O Catecismo do pregador deve muito ao Breve catecismo de Westminster em seu formato de perguntas e respostas e na estrutura geral. Mas também é significativamente diferente. As 107 perguntas do Breve catecismo de Westminster se tornam 43. Cada uma de nossas perguntas e respostas é formulada a fim de explorar a prioridade da pregação e as necessidades do pregador. O resultado é um catecismo inteiramente novo, embora deva muito a seu nobre predecessor.

O Catecismo do pregador é um catecismo para pregadores. Tenho em vista os chamados ao ministério da Palavra em tempo integral. Também quero envolver toda a gama de pregadores, incluindo os iniciantes e os que têm o chamado testado, estudantes do ministério e pessoas com o dom de pregar sem o chamado para pastorear. O foco é principalmente o ministério do púlpito dominical. A pregação tem suas muitas formas, é claro, e este

catecismo almeja alcançar todos os que lidam com a Palavra de Deus em uma variedade de contextos. Se você pega a Bíblia com o objetivo de levar sua mensagem a outras pessoas em algum ambiente público, este livro é para você. Nele dedicamos tempo para avaliar o significado de ser um pregador da Palavra de Deus.

Desde que fui convertido, eu tento pregar. Alguns dos desastres dos primeiros anos estão para sempre gravados em minha memória. A expressão “entusiasmado e sem noção” descreveria pelo menos meus primeiros cinquenta sermões na igreja. Ainda assim, meus ouvintes exerceram a graça do perdão e, como ninguém de fato me obrigou a parar, não parei e não paro. O chamado ao pastorado em meus vinte e poucos anos deu início a doze anos e meio muito felizes de pastoreio em Londres. O Senhor então surpreendeu a mim, minha família e a igreja ao nos fazer um chamado claro para deixar aquela alegre comunidade e cruzar culturas para Huddersfield, West Yorkshire, a fim de plantar o que se tornaria a Hope Church, em 2010. Em todos os momentos, a pregação da Palavra de Deus esteve no centro do meu ministério e no coração de vidas transformadas por ele.

Uma das maiores alegrias do ministério é a possibilidade de compartilhar a missão com outros pregadores. Três amigos, a cujas pregações eu assisto de bom grado, leram este livro nos estágios finais. Sinclair Ferguson, Robin Weekes e Garry Williams dedicaram seu tempo à leitura de meus capítulos e fizeram comentários muito perspicazes. Eles merecem minha enorme gratidão pelo uso da mente sábia e do coração generoso de cada um. Também sou muito grato a Thom Notaro e a toda a equipe da Crossway, cujo entusiasmo pelo livro e trabalho árduo foram um grande incentivo para mim.

Minha família fez muitos sacrifícios ao apoiar meu chamado para a proclamação da Palavra de Deus. Sou muito grato a cada um de meus cinco filhos, bem como a Sarah, minha esposa. Nossos filhos com certeza podem identificar pregações boas e ruins, e todos eles esperam por uma pregação da qual possam se alimentar de verdade. As orações de Sarah em meu favor e seu amor por mim são um encorajamento infalível, e a ela ofereço este livro com amor.

PRIMEIRA PARTE

A glória de Deus e a grandeza da pregação

Pregação acima de tudo

Pergunta: Qual é o fim principal de Deus na pregação?

Resposta: O fim principal de Deus na pregação é glorificar seu nome.

E, passando o Senhor por diante dele, clamou: Senhor, Senhor Deus compassivo, clemente e longânimo e grande em misericórdia e fidelidade. (Êx 34.6)

Acima de tudo, aqueles de nós chamados a pregar precisam saber que Deus é amor (1Jo 4.8). A grande notícia da igreja para um mundo moribundo consiste na existência do Deus vivo, cujo amor à criação é inesgotável. Poderíamos amar e servir a alguém antes dele?

Sem essa convicção, nossa pregação murchará e morrerá, e nós, pregadores, logo seguiremos o mesmo caminho. Com ela, podemos crer e realizar todas as coisas. A igreja não tem outra mensagem — nem alguma melhor. Esta é a sua grande declaração.

Na verdade, “Deus é amor” não significa o mesmo que “Deus é amoroso” ou “Deus demonstra amor”, embora as duas expressões sejam, sem dúvida, verdadeiras. Um deus que ama pode ser um deus que decide amar apenas às vezes, não sempre. Isso também seria verdade em relação a um deus que demonstra amor. O apóstolo João não afirma nenhuma das duas coisas. O que ele diz em 1João 4.8 é muito maior e mais emocionante. Deus ama e demonstra amor porque ele é o amor. O amor é da essência de Deus. Assim, a fonte de toda a realidade é o Deus de amor ardente, consumidor e deleitoso. Eis a identidade dele.

Podemos falar de forma exagerada do amor de Deus? Todos sabemos como o amor de Deus já foi colocado por alguns contra os outros atributos divinos, como se de alguma forma os neutralizasse. De um lado, há quem pense que a doutrina do amor de Deus, a menos que receba uma miríade de qualificações, possa conduzir ao liberalismo teológico. De outro lado, as vozes insistentes de que “o amor vence” efetivamente afirmam que tudo o mais perde. Para estes, a justiça, a santidade e a soberania de Deus foram feitas para se curvar ao seu amor, como se este de alguma forma triunfasse sobre elas. Felizmente, esses pontos de vista estão errados. O amor de Deus não vence nem é esmagado por seus outros atributos. Cada um existe em grau máximo na divindade, para a sua glória e o nosso bem. Que Deus seja amoroso e todo homem mentiroso.

Os atributos divinos jamais devem ser considerados com algum tipo de tensão entre si. Não corremos o risco de considerar Deus soberano em demasia, como também não se pode avaliá-lo excessivamente misericordioso ou santo. Pensar assim não estaria de acordo com o padrão bíblico. Deus é santo, misericordioso, soberano e amoroso. Ele é cada um desses atributos de forma total e completa. Ele é todos os seus atributos em sua expressão plena ao mesmo tempo. Nossa pregação sobre Deus, conforme lidamos com cada um de seus atributos, nunca precisa ser qualificada ou reequilibrada com a menção de outro atributo. Pregar equivale a declarar tudo que Deus é. Além disso, Deus é um pregador. Ele se declara como o Senhor amoroso. Ordenou a existência da criação e sustenta todas as coisas por sua Palavra. Sua Palavra governa os planetas, e ele fala à nossa consciência. Em seu livro, a Bíblia, o Senhor nos mostra como ele é e como devemos viver. Em outras palavras, ele prega, e o faz o tempo todo.

Deus fala muitas coisas, mas conta com apenas um propósito final no mundo. Como declara o nosso catecismo: “O fim principal de Deus na pregação é glorificar seu nome”. Ele leva as pessoas a descobrir a alegria em seu Filho, Jesus Cristo. Essa é a alegria do Pai, que diz de seu Filho:

Eis aqui o meu servo, a quem sustenho; o meu escolhido, em quem a minha alma se compraz; pus sobre ele o meu Espírito, e ele promulgará o direito para os gentios. (Is 42.1)

Essas palavras ecoam no batismo e na transfiguração de Cristo, quando a voz do céu disse: “Este é o meu Filho amado, em quem me agrado;

escutem o que ele diz!” (Mt 3.17, 17.5, NAA). “A felicidade infinita do Pai”, disse Jonathan Edwards, “consiste na alegria em seu Filho.”3 Nossa felicidade infinita, como pecadores salvos, compreende desfrutar do Filho de Deus. Deleitar-se em Jesus é algo distintamente piedoso e abrange o propósito redentor de Deus para o mundo. O Pai redime pecadores para se alegrarem em seu Filho.

Nossa salvação envolve experimentar o amor do Pai, do Filho e do Espírito. Momentos antes de Jesus ser preso no Getsêmani, ele falou ao Pai em oração: “Eu lhes fiz conhecer o teu nome e ainda o farei conhecer, a fim de que o amor com que me amaste esteja neles, e eu neles esteja” (Jo 17.26).

Conhecer Jesus significa também conhecer o Pai.

O Deus que é, é triuno. A Trindade consiste na revelação do Deus que é amor. As pessoas da Trindade se amam. Deleite e honra mútua as caracterizam. O Deus nunca solitário, jamais necessitado, sempre majestoso e santo é o amor trino.

Deleitar-se, servir, contentar-se e partilhar todas as coisas são fundamentais para o amor autêntico. Ansiamos por esse tipo de compromisso e de contentamento. Nosso coração foi criado para isso, e nós o conhecemos por amor. Agostinho disse: “O amor é a alegria do amante no amado. A batida do coração do amor é seu deleite em algo mais”.4

O “algo mais” de cada pessoa da Trindade são as outras duas pessoas. Nossa salvação envolve a expansão desse amor trino para nos conduzir à vida eternamente amorosa. O discipulado e o ministério cristãos representam a vida vivida em Jesus. Michael Reeves comenta:

Não apenas passamos a compartilhar o prazer do Pai nele [Cristo]; viemos para compartilhar a vida que ele desfruta diante do Pai. Permanecemos nele com sua própria confiança imaculada diante do Pai — e ali o Espírito nos atrai para viver sua vida e filiação. Por isso ele viveu e morreu em nosso lugar: para que possamos viver (e morrer) no lugar dele.5

3 Citado em Steven M. Studebaker; Robert W. Caldwell III, The Trinitarian Theology of Jonathan Edwards: Text, Context, and Application (London: Routledge, 2012), p. 27.

4 Citado em John Owen, The Works of John Owen, William H. Goold, org. (Edinburgh: Banner of Truth, 1968), vol. 2, On Communion with God , 25n (tradução minha diretamente do latim).

5 Michael Reeves, Christ Our Life (Milton Keynes: Paternoster, 2014), p. 76. [Deleitando-se em Cristo (Monergismo, 2018).]

Seu coração bate por quem? Você ama pregar ou ama aquele a quem anuncia? Você ama preparar seus sermões, aproveitando o árduo trabalho mental e espiritual, ou você ama aquele a quem conhece mais? Com a chegada do domingo, você deseja exaltar o nome do Deus triuno em sua pregação, declarar a maravilha das Três Pessoas, ou seu coração está determinado a obter para si mesmo um pouco mais do amor da congregação?

Nosso desafio como pregadores é continuarmos sendo pessoas que amam, recusando-nos a deixar que nosso chamado, por mais importante e emocionante que seja, obscureça o chamado principal: sermos cativados pelo amor de Deus em Jesus Cristo. Devemos ensinar aos outros que Deus é amor e que a vida na terra é um convite do céu para conhecer esse amor e viver à luz dele. Sermões que consistem apenas em pacotes de informações são discursos áridos e geram cristãos áridos, se é que são cristãos. Em vez disso, pregamos para que nossos ouvintes descubram que o Deus de amor veio ao encontro deles por meio de seu Filho.

Você só pode pregar sobre o que ama. Só pode amar de verdade caso conheça o amor de Deus e seja alimentado diariamente por ele. Deus sempre proclama a si mesmo como o Deus de amor, e não dispõe de mensagem, evangelho e propósito maior. Nem nós.

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.