Rio de Janeiro, RJ
Fundamentos batistas: Uma análise da eclesiologia batista
Traduzido do original em inglês: Baptist Foundations: Church Government for an Anti-Institutional Age
Copyright © 2015 Mark Dever, 9Marks
Publicado originalmente por B&H Publishing Group Nashville, Tennessee
Todos os direitos em língua portuguesa reservados por PRO NOBIS EDITORA
Rua Professor Saldanha 110, Lagoa, Rio de Janeiro-RJ, 22.461-220
1ª edição: 2024
ISBN: 978-65-81489-56-4
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
Proibida a reprodução por quaisquer meios, salvo citações breves, com indicação da fonte.
Gerência editorial
Judiclay Silva Santos
Conselho editorial
Judiclay Santos
David Bledsoe
Paulo Valle
Gilson Santos
Leandro Peixoto
Supervisão editorial: Cesare Turazzi
Tradução: Maiza Ritomy Ide
Preparação de texto: Gabriel Lago
Revisão de provas: Thalles Araujo
Capa: Luis de Paula Diagramação: Marcos Jundurian
Nesta obra, as citações bíblicas foram extraídas da Bíblia Almeida Revista e Atualizada (ARA), salvo informação em contrário.
As opiniões representadas nesta obra são de inteira responsabilidade do autor e não necessariamente representam as opiniões e os posicionamentos da Pro Nobis Editora ou de sua equipe editorial.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Fundamentos batistas: uma análise da eclesiologia batista/Mark Dever, Jonathan Leeman (organizadores); tradução Maiza Ritomy Ide. – Rio de Janeiro: Pro Nobis Editora, 2024.
Título original: Baptist foundations.
Bibliografia
ISBN 978-65-81489-56-4
1. Batistas - Doutrinas 2. Eclesiologia 3. Protestantismo 4. Teologia I. Dever, Mark. II. Leeman, Jonathan.
24-224561
Índices para catálogo sistemático: 1. Batistas : Doutrina Cristã : História 286 Eliane de Freitas Leite - Bibliotecária - CRB 8/8415
Tel.: (21) 2527-5184 contato@pronobiseditora.com.br www.pronobiseditora.com.br
CDD-286
Fundamentos batistas é um livro que chega no momento certo. Na verdade, já faz um bom tempo que precisávamos dele! Escrito por estudiosos e profissionais, este livro é bíblico, teológico e prático, além de ser completo. Não se deixe intimidar pela quantidade de páginas. Leia-o quando estiver tranquilo e não deixe de consultá-lo repetidamente, sempre que se deparar com questões eclesiológicas relevantes. É provável que encontre informações mais que úteis.
Daniel L. Akin, presidente do Southeastern Baptist Theological Seminary
Quando se trata de eclesiologia bíblica, Mark Dever, Jonathan Leeman e o ministério 9Marcas oferecem, ainda mais com este livro, o que há de melhor desta geração. Fundamentos batistas é, talvez, o livro mais biblicamente robusto e historicamente embasado sobre governo da igreja que existe nas estantes da atualidade. Gostaria de encorajar todos os que servem ou amam a igreja local a ler este livro e colocar em prática a sua mensagem.
Jason K. Allen, presidente do Midwestern Baptist Theological Seminary and College
Quando ensino doutrina eclesiástica aos alunos e quando converso com pastores sobre os desafios que enfrentam em seu ministério, várias questões sempre vêm à tona: como os líderes da igreja — pastores, presbíteros, diáconos — e seus membros exercem autoridade nas respectivas esferas; o quê/quando/quem/onde/por quê/como e outras questões referentes ao batismo e à Ceia do Senhor; e de que maneira iniciar ou restaurar a disciplina na igreja. O livro que você tem agora em mãos trata especificamente dessas questões! É uma obra acessível e fácil de acompanhar, que fornece uma sólida base para pastores batistas e para todos os cristãos que amam a igreja de Jesus Cristo.
Gregg R. Allison, professor de teologia cristã no The Southern Baptist Theological Seminary
Mark Dever e Jonathan Leeman precisam ser elogiados e parabenizados por elaborarem este livro tão importante, que merece ter uma vastidão de leitores entre batistas e interessados nestas vitais questões de eclesiologia. O livro como um todo é uma contribuição muito importante para a compreensão do governo e da membresia da igreja, da estrutura eclesiástica e do seu governo, bem como para o significado das ordenanças e da natureza da igreja. A reflexão profunda e séria abordada nos diversos capítulos abrirá o caminho para envolvimento, investigação e diálogo contínuos. Isso tudo será imensamente útil para teólogos, ministros e líderes, ao mesmo tempo que fortalece as igrejas em suas diferentes linhas denominacionais. Tenho o prazer de recomendar este extraordinário livro, tão relevante para os nossos dias.
David S. Dockery, presidente do Trinity International University
Aqui está uma formidável coleção de estudos sobre a estrutura batista, que mostra que o governo da igreja é mais do que organização, estruturação e questões do tipo “como fazer” de dinâmicas de grupo. Recomendo este livro a todo pastor e líder batista preocupado em seguir Jesus Cristo numa comunidade pactuada de discípulos fiéis.
Timothy George, reitor da Beeson Divinity School
Em Fundamentos batistas, Mark Dever e Jonathan Leeman oferecem um tesouro de sabedoria e conselhos práticos sobre um assunto gravemente negligenciado: eclesiologia e governo da igreja. Pastores e líderes voltarão repetidamente a estes textos em busca de orientação sobre tópicos como presbitério, diaconato, membresia, batismo e Ceia do Senhor.
Thomas S. Kidd, professor de história na Baylor University
As crises teológicas de nossos dias, cada vez mais seculares, estão crescendo tanto em quantidade como em intensidade. O colapso do cristianismo cultural surge como um dos grandes acontecimentos de nossos tempos. Simultaneamente, vemos um interesse ressurgente sobre a natureza da igreja autêntica, tal como apresentada nas Escrituras, e este é exatamente o momento ideal para uma recuperação urgente da eclesiologia batista. Parafraseando Samuel Johnson, não há nada como uma emergência teológica para limpar a mente teológica. Este novo e inestimável livro sobre a eclesiologia batista é urgentemente necessário, fiel em conteúdo e abrangente em escopo. Fundamentos batistas é o livro certo que chegou no momento perfeito, escrito e organizado pela equipe correta. Celebro a sua chegada.
R. Albert Mohler Jr., presidente do The Southern Baptist Theological Seminary
Historicamente embasado, exegeticamente criterioso e teologicamente substancial, Fundamentos batistas aborda questões perenes sobre eclesiologia com entusiasmo e convicção. A natureza, o governo, a política, as ordenanças, a liderança e os atributos da igreja são habilmente tratados e analisados de um ponto de vista pastoral. Pastores batistas, aspirantes ao ministério, líderes reflexivos e mestres se beneficiarão deste grandioso livro.
Christopher W. Morgan, reitor e professor de teologia na School of Christian Ministries, California Baptist University
Este livro organizado por Mark Dever e Jonathan Leeman é muito necessário e preenche uma lacuna crescente no pensamento e na experiência dos batistas atuais. Será valioso a todos os ministros, especialmente aos seminaristas, à medida que refletem e colocam em prática o que significa fazer parte da igreja do Senhor Jesus Cristo. Abordando questões de ordenanças, estruturas organizacionais e eclesiologia em geral, os autores fornecem um recurso poderoso para aqueles que desejam viver fielmente sob a autoridade da igreja local como povo de Deus.
Robert B. Sloan Jr., president da Houston Baptist University
As anomalias que as igrejas batistas têm permitido em seu meio são impressionantes e surpreendentes de testemunhar. Creio que a razão reside na falta de um estudo crítico-reflexivo, enraizado nas Escrituras e informado pela história, sobre questões pertinentes à igreja. Este livro denso serve como uma excelente referência sobre a eclesiologia batista. Quando eu o li pela primeira vez, recebi muita instrução bíblica e sabedoria ministerial nos assuntos explorados. Sou grato a Deus que agora Fundamentos batistas está disponível aos pastores, missionários e seminaristas de língua portuguesa.
David Bledsoe, missionário no Brasil pela Convenção Batista do Sul através da International Mission Board; membro do conselho editorial da Pro Nobis; autor de Igreja regenerada (Fiel) e Zacharias C. Taylor: A tocha do evangelho e pioneiro da obra batista no Brasil (Pro Nobis)
O que significa ser batista? Os batistas concordam plenamente com a grande tradição da fé cristã expressada em credos e confissões históricas. Mais que uma simples declaração de lealdade denominacional, a contribuição batista a esta tradição é uma visão eclesiástica do ensino neotestamentário que define a prática eclesiástica de uma igreja e dirige sua aplicação prática e missiológica. Fundamentos batistas é um guia confiável no estudo da herança bíblica, histórica e prática da eclesiologia do povo que se chama batista.
Wendal Mark Johnson, missionário no Brasil pela Convenção Batista do Sul através do International Mission Board; professor de missões
A saúde de uma igreja está diretamente relacionada à qualidade de seu governo. Quanto mais forte for o governo, mais forte será a igreja. É simples. Uma parreira não cresce além de sua treliça, nem sobrevive sem uma estrutura adequada à sua natureza, ao seu peso e tamanho. E aqui está o ponto crucial. Se perguntássemos aos batistas em igrejas por todo o país: “O que você pensa sobre governo ou política de igreja?”, qual seria a resposta? Acredito que esse tema, quando não completamente ignorado, dificilmente é considerado uma prioridade pela maioria dos membros e até mesmo dos líderes. Não é surpreendente, portanto, que muitas igrejas em nossa pátria estejam vagando sem direção, como mortos-vivos. Por isso, Fundamentos batistas é um livro tão importante. Ele chega como um antídoto, trazendo clareza e direção para reverter esse estado de zumbi em que se encontra o nosso cenário.
Leandro B. Peixoto, pastor da Segunda Igreja Batista em Goiânia (GO)
Sumário
Prefácio à edição em português
— Jonas Madureira...................................................................................................... xi
Prefácio original — James Leo Garrett Jr. ............................................................................................... xv
Organizadores e colaboradores ...................................................................................................... xxi
Prólogo — Mark Dever e Jonathan Leeman ............................................................................... xxiii
Por que política, ou governo eclesiástico? — Jonathan Leeman .................................................................................................... 1
Primeira Parte | CongregaCionalismo
1. Raízes históricas do congregacionalismo
— Michael A. G. Haykin ............................................................................................. 31
2. A defesa bíblica e teológica do congregacionalismo — Stephen J. Wellum e Kirk Wellum ............................................................................. 53
segunda Parte | as ordenanças
3. Cinco questões preliminares para a compreensão das ordenanças — Shawn D. Wright .................................................................................................... 93
4. O batismo na Bíblia
— Thomas R. Schreiner ................................................................................................ 103
5. O batismo na história e na teologia, e a igreja
— Shawn D. Wright 121
6. A Ceia do Senhor na Bíblia — Thomas R. Schreiner
7. A Ceia do Senhor na história e na teologia, e a igreja — Shawn D. Wright .................................................................................................... 161
terCeira Parte | membresia e disCiPlina da igreja
8. O “por quê” e o “quem” da membresia da igreja
— John Hammett 187
9. O “quê” e o “como” da membresia da igreja — John Hammett ........................................................................................................
10. O “por quê”, “como” e “quando” da disciplina na igreja
Thomas White ........................................................................................................
Quarta Parte | Presbíteros e diáConos
11. Presbíteros e diáconos na história — Mark Dever ............................................................................................................
12. Fundamentos bíblicos para o ofício de presbítero
13. As qualificações bíblicas para ser um presbítero
Benjamin L. Merkle................................................................................................. 287
14. O papel bíblico dos presbíteros
15. Questões práticas no ministério dos presbíteros — Andrew Davis ......................................................................................................... 329
16. O ofício do diácono — Benjamin L. Merkle................................................................................................. 351
17. Questões práticas no ministério diaconal — Andrew Davis ......................................................................................................... 367
Quinta Parte | a igreja e as igrejas
18. Uma abordagem congregacional à unidade, à santidade e à apostolicidade: Fé e ordem — Jonathan Leeman 377
19. Uma abordagem congregacional à catolicidade: Independência e interdependência — Jonathan Leeman .................................................................................................... 415
Índice de nomes ............................................................................................................. 431
Índice de referências bíblicas ......................................................................................... 437
Organizadores e colaboradores
Organizadores
Mark Dever, pastor sênior da Capitol Hill Baptist Church; presidente do 9Marcas; professor adjunto ocasional no Southern Baptist Theological Seminary.
Jonathan LeeM an, diretor editorial do 9Marcas; conferencista ocasional no Southeastern Baptist Theological Seminary; professor adjunto no Southern Baptist Theological Seminary.
Colaboradores
anDrew Davis, pastor sênior da First Baptist Church, Durham, Carolina do Norte; professor visitante de teologia histórica no Southeastern Baptist Theological Seminary.
John haMMett, professor sênior John L. Dagg de teologia sistemática e reitor associado de estudos teológicos no Southeastern Baptist Theological Seminary.
MichaeL a . G. haykin, professor de história da igreja e espiritualidade bíblica no Southern Baptist Theological Seminary.
BenJaMin L. MerkLe, professor de Novo Testamento e grego no Southeastern Baptist Theological Seminary.
thoM as r. schreiner, professor James Buchanan Harrison de interpretação do Novo Testamento, professor de teologia bíblica e reitor associado da escola de teologia no Southern Baptist Theological Seminary.
kirk weLLuM, diretor e professor de teologia no Toronto Baptist Seminary.
xxi
Organizadores e colaboradores
s tephen J. w e LLu M , professor de teologia cristã no Southern Baptist Theological Seminary.
thoM as white, presidente e professor de teologia na Cedarville University.
shawn D. wriGht, professor associado de história da igreja no Southern Baptist Theological Seminary.
Prólogo
Mark Dever e Jonathan Leeman
Esta é uma era anti-institucional, talvez mais do que qualquer outra época na história da igreja. Veja bem, os seres humanos não são conhecidos por serem fãs de autoridade alguma além da sua própria desde a queda em Gênesis 3. No entanto, uma série de tendências conspiraram para tornar a segunda metade do século 20 e o início do século 21 especialmente anti-institucionais entre os cristãos bem-intencionados.
Desde o alvorecer do Iluminismo no século 17, a mente ocidental foi treinada para duvidar de todas as autoridades externas.
Desde meados do século 19, os estudiosos dos departamentos de Teologia das universidades europeias de elite presumiram que as igrejas do Novo Testamento estavam em um estado de mudança, que suas práticas congregacionais eram inconsistentes e que não ofereciam nenhum modelo normativo para os dias de hoje. Quando as normas bíblicas desaparecem, o pragmatismo preenche a lacuna.
Os líderes de igrejas do século 20, portanto, viram-se atraídos e enfim intoxicados pelos métodos do próspero mercado norte-americano.
A cada poucos anos, uma nova filosofia de crescimento da igreja chegava às estantes e ao circuito de conferências, prometendo a melhor e mais recente maneira de fazer uma igreja crescer usando cinco passos simples.1
1 Crê-se que esta expressão se refere à abordagem de Rick Warren, em seu livro Uma igreja com propósito (Vida, 1999).
A partir da década de 1950, os chamados neoevangélicos dissociaram-se de seus pais separatistas e fundamentalistas, estabelecendo seus próprios seminários, revistas, organizações evangelísticas, editoras e outras instituições paraeclesiásticas. Sua esperança era atender à Grande Comissão de um modo mais culturalmente acolhedor, ao mesmo tempo que minimizavam as coisas que nos dividem, como a governança da igreja e o batismo. Os evangélicos muitas vezes favorecem o cristianismo simples e a eclesiologia pura. Isso funciona bem para nosso movimento paraeclesiástico.
Esta lista poderia prosseguir, e nem sequer mencionamos a Internet, as redes sociais, os pregadores midiáticos e seu efeito nas estruturas institucionais do cristianismo em todo o mundo.
A partir da década de 1950, Robert Schuler, um gênio do marketing eclesiástico, iniciou a tendência de retirar palavras ultrapassadas e carrancudas como “Batista”, “Presbiteriana” e “Metodista” das placas da igreja e substituí-las por expressões mais gentis e familiares, como “Comunidade” ou “Caminho do Vale”.2 Essa tendência só se acelerou nos últimos anos, conforme as igrejas começaram a dotar-se de uma aura misteriosa e inteligentemente urbana com nomes como Perimetro e Karis. Hoje em dia, os evangélicos não se identificam tanto com as antigas denominações, as quais se dividem em termos de igreja local. Eles se definem por suas “tribos”. As tribos oferecem diferentes opções de estilo de vida. São definidas pelo tom de seus pregadores, pelo estilo de seus louvores, pelos elementos de frustração em seus sites e pelo traje geral em seus encontros.
Assim, dizer aos membros da geração mais jovem que eles deveriam ler a Bíblia para descobrir se são batistas, anglicanos ou qualquer outra coisa parece excêntrico e fútil. Dizer que eles talvez queiram colocar uma dessas palavras de volta na placa da igreja parece definitivamente arcaico. Vamos andar de charrete também?
O dom da autoridade
Uma coisa que falta em nossa era anti-institucional é um pouco de reconhecimento do presente que é a autoridade de Deus sobre seu povo e
2 Veja John Hardin, “Retailing Religion: Business Promotionalism in American Christian Churches in the Twentieth Century”, tese de PhD, University of Maryland em College Park, 2011.
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criação. A governança da igreja consiste, fundament almente, em exercer a autoridade de Deus nos termos dele. A congregação é chamada a exercer um tipo de autoridade; os presbíteros ou pastores, outro tipo. Celebrar as ordenanças requer um exercício de autoridade, assim como receber e disciplinar membros. Esses são os tópicos deste livro, e, se as pessoas na atualidade desconfiam especialmente da autoridade, não é de admirar que esta seja uma era anti-institucional. O governo eclesiástico tem a ver com autoridade.
Mas e se houver um presente aqui, esperando para ser desembrulhado?
E se Deus de fato deseja criar vida em nós por meio das estruturas de autoridade de nossas igrejas?
Eu (Mark) lembro-me de uma vez ter ficado arrepiado durante uma conversa com um professor da Universidade de Cambridge quando surgiu o tema da autoridade. Ele discorria longa e raivosamente sobre uma decisão recente do conselho municipal, algo bastante típico deste amigo quando o assunto era autoridade. Então lhe perguntei: “Você acha que autoridade é ruim?”. Normalmente, um acadêmico como ele responderia a uma pergunta tão simples com um olhar perplexo, um suspiro condescendente e uma resposta cheia de rodeios e altamente especializada. Desta vez — para o meu espanto — ele respondeu de maneira igualmente direta: “Sim”.
Por outro lado, eu (Jonathan) lembro-me de ter ficado arrepiado quando Mark, meu pastor, me pediu que confiasse nele em uma votação da igreja. Na época, eu era um cristão imaturo, talvez nominal, e ele havia tomado uma decisão na igreja à qual eu me opunha, então planejava votar contra ele na próxima assembleia administrativa. Eu era muito parecido com aquele amigo acadêmico de Mark em Cambridge! Depois, em uma reunião informativa no domingo à tarde sobre a próxima votação, ele explicou que, por sermos membros da igreja, cada um de nós naquela sala o aceitava como seu pastor designado por Deus. Ele afirmou que, ao se preparar para prestar contas a Deus, não conseguia imaginar-se tomando uma atitude diferente daquela que recomendava. Assim, com toda essa calma, docilmente, Mark pediu-nos que confiássemos nele quanto ao rumo que estava recomendando. Foi o meu momento de jovem rico soberano. Eu não tinha muito dinheiro, mas, sendo um inconformista de longa data, valorizava muito a minha capacidade de pensar e tomar decisões. Agora esse cara estava, essencialmente, me pedindo que seguisse a Jesus seguindo-o! O quê?! Foi um momento crucial, pois meu universo de autogoverno versus governo de outra pessoa
Prólogo estava em jogo. (Acabei votando com Mark, e como o Senhor me abençoou espiritualmente depois daquela época!)
É bom e saudável que os cristãos reconheçam a natureza caída da autoridade e seus abusos neste mundo. O poder separado dos propósitos de Deus é sempre demoníaco. Na verdade, os abusos de autoridade dizem respeito a Deus tanto quanto a maioria dos pecados (se não mais do que estes), porque é ele quem possui toda a autoridade.
Mas suspeitar de toda autoridade é, ao mesmo tempo, ingênuo e prejudicial a si mesmo e aos outros. Na verdade, revela mais sobre o cético do que sobre a autoridade. Mostra uma degeneração cancerígena em nossa capacidade de operar como aqueles que foram feitos à imagem de Deus. Para viver segundo o propósito de Deus, devemos confiar nele e — em grande medida — confiar naqueles feitos à sua imagem. Todos na Bíblia, desde Adão e Eva até os governantes desonestos do livro do Apocalipse, mostraram a sua maldade fundamentalmente negando a autoridade de Deus e usurpando-a como sua.
A boa autoridade é autora da vida. Ela cria, capacita e eleva. Sim, a autoridade coloca limites na estrada e escreve regras para o jogo, porém o faz para que o jogo possa ser jogado e o destino alcançado.
A boa autoridade é como o treinador que instrui o atleta a correr mais rápido, o professor que ensina o aluno a construir algo melhor. Novamente, a autoridade é autora da vida. Não foi precisamente isso que Deus fez com sua autoridade ao criar o mundo? Ele não planejava justamente que todos os criados à sua imagem fizessem assim ao dar-lhes domínio sobre a humanidade? A autoridade de Deus não é nada senão generosa. E assim deveria ser a nossa.
O Rei Davi, que teve sua cota de experiências com autoridades boas e ruins, fez as seguintes observações sobre o assunto: “Aquele que domina com justiça sobre os homens, que domina no temor de Deus, é como a luz da manhã, quando sai o sol, como manhã sem nuvens, cujo esplendor, depois da chuva, faz brotar da terra a erva” (2Sm 23.3-4). Pode-se imaginar os raios de sol descendo do céu, aquecendo um campo verde, cintilando nos resíduos da chuva noturna e nutrindo a grama, dando vida e força. Não seria de fato isso que Deus planejou para a boa autoridade?
Parece que rejeitar a autoridade, como tantos fazem hoje em dia, é míope e autodestrutivo. Um mundo sem autoridade é um mundo onde os desejos não têm restrições, os carros não têm controles, os cruzamentos não
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têm semáforos, os jogos não têm regras, os casais não têm uma aliança, as organizações não têm propósito, os lares não têm pais e as pessoas não têm Deus. Esse mundo poderia durar um pouco, mas rapidamente se tornaria inútil, depois cruel e, por fim, trágico.
Quando exercemos uma autoridade adequada e amorosa por meio da lei, em volta da mesa familiar, em nosso trabalho, no time de futebol, em nossos lares e especialmente na igreja, ajudamos a mostrar a imagem de Deus ao mundo. Tudo isso fala de sua natureza e caráter.
A diferença entre o que as pessoas chamam de “comunidade” e o que a Bíblia chama de “igreja” resume-se à questão da autoridade. Na verdade, Jesus deu autoridade à assembleia local chamada igreja (Mt 16.13-20, 18.1520; Hb 13.7, 17; 1Pe 5.1-5). Esta assembleia não é apenas uma comunhão, mas uma fraternidade comprometida. Não é apenas um grupo de cristãos no parque; antes, é uma comunidade que prega o evangelho e tem as chaves do reino para ligar e desligar por meio de ordenanças. Declara quem pertence ou não ao reino. Exerce supervisão. Exercermos tal afirmação e supervisão de maneira relevante significa reunir-nos regularmente e envolver-nos na vida uns dos outros.
A vida cristã crescerá melhor e florescerá de maneira mais bela quando for nutrida na estufa desta comunidade pactual. É por isso que nossa fé deve ser moldada sob uma congregação. Sermos discípulos de Cristo envolve submeter-nos à sua Palavra e ao seu povo.
Acatar as Escrituras
Diante disso, o que exatamente a Bíblia diz sobre política?3 Eu (Mark) me lembro de ter usado a palavra política em um trabalho do oitavo ano. Minha professora de inglês de 24 anos circulou-a como um erro. Foi com alegria juvenil que lhe levei o dicionário, abri-o e li algo como “a organização criada para gerir assuntos, especialmente assuntos públicos; governo”. (Você pode imaginar como uma criança assim devia ser agradável!) Política, então, é gestão, organização, governo e estruturas de autoridade. Como cristãos, sabemos que devemos nos esforçar para fundamentar nossa vida de acordo com os ensinamentos das Escrituras. Devemos, portanto,
3 Para entender melhor o uso do termo política nesta obra, confira a nota editorial ao fim deste capítulo. [N.E.]
Prólogo
perguntar: as Escrituras tratam com clareza de questões sobre política, governo ou organização da igreja? Se sim, o que ela ensina? Sem dúvida, acreditamos que as Escrituras são suficientes para nossa pregação e discipulado, para nossa espiritualidade e alegria em seguir a Cristo, para a vida familiar e para o evangelismo. Mas será que elas ambicionam determinar como devemos organizar a vida em conjunto enquanto cristãos nas igrejas, ou o governo eclesiástico é uma questão que não consta na Bíblia, de modo que somos deixados livres para tentar descobrir o que funciona melhor? “Isso funciona? E isso? Opa, acabei de esmagar uma ovelha. Alguém tem uma ideia melhor?”
Na verdade, precisamente porque este dom celestial de autoridade pode ser usado para um grande bem ou para um grande abuso, Deus fala sobre o assunto. Ele revelou em sua Palavra tudo o que precisamos saber para amá-lo e servi-lo, e isto inclui como devemos organizar nossas igrejas. Durante séculos, portanto, as confissões de fé dos batistas, congregacionais, presbiterianos e muitos outros têm afirmado a suficiência das Escrituras para a vida comunitária das igrejas. Isso não significa que diferentes grupos recorreram à Bíblia presumindo que suas práticas eram corretas e depois procuraram justificá-las biblicamente. Pelo contrário, significa que gerações e gerações de cristãos abriram a Bíblia, leram-na cuidadosamente e descobriram que ela aborda alguns aspectos básicos de estrutura e organização. Eles então organizaram suas igrejas em conformidade com isso. Deveríamos ir com calma ao achar que somos mais sábios do que muitos deles.
O Novo Testamento está, de fato, repleto de referências à governança congregacional. Em suas páginas, encontramos as igrejas realizando assembleias (At 20.7; Hb 10.25) e eleições (At 1.23-26, 6.5-6). Eles dispunham de cargos (At 20.17, 28; Fp 1.1), praticavam disciplina (1Co 5), arrecadavam dinheiro (Rm 15.26; 1Co 16.1-2), davam e recebiam cartas de recomendação (At 18.27; 2Co 3.1), administravam ordenanças (At 2.41; 1Co 11.23-26), batizavam e recebiam membros (Mt 28.19; At 2.47) e muito mais. É evidente que Deus deu instruções em sua Palavra acerca dos muitos aspectos da vida e estrutura corporativa da igreja.
É maravilhoso que o Senhor tenha feito tudo isso! Saber que a Palavra de Deus se propõe a regular nossa vida juntos, inclusive na organização de nossas igrejas, liberta-nos da tirania da última moda. Alguns pastores podem sentir que devemos ter coros e comitês de jovens e que podemos ter sermões e membros. A Palavra de Deus, porém, realinha nosso pensamento em relação
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à igreja. Ela estabelece parâmetros claros para nossa instrução (embora dentro desses parâmetros haja flexibilidade). Aprendemos que devemos ter pregação e membros e que podemos ter coros e comitês.
John L. Dagg (1794-1884), pastor batista do século 19, escreveu:
A eclesiologia e os cerimoniais da religião são menos importantes do que um novo coração e, aos olhos de alguns, qualquer esforço de estudar questões concernentes a eles pode parecer desnecessário e sem proveito. Mas nós sabemos, por meio da Escritura Sagrada, que Cristo deu ordens a respeito desses assuntos e não podemos recusarmo-nos a obedecer. O amor incita nossa obediência e também incita o estudo que pode ser necessário para descobrir a vontade dele. Vamos, então, seguir na investigação que está a nossa frente com fervorosa oração, para que o Espírito Santo, que guia a toda a verdade, auxilie-nos no aprendizado da vontade daquele a quem adoramos e amamos de forma suprema.4
O amor estimula tanto a nossa obediência quanto a nossa busca. Afinal de contas, uma política eclesiástica correta fortalece os cristãos e seus laços uns com os outros. Todavia, uma política equivocada enfraquece ambos.
Uma política correta situa adequadamente um cristão sob as regras de Cristo durante o tempo de seu discipulado neste mundo. Uma política equivocada erroneamente impõe regras humanas onde Cristo não pretendia que fosse assim, ou varre as regras de Jesus de uma determinada área da vida do cristão na qual elas deveriam existir.
Uma política correta nos cerca e nos mantém longe de nossos excessos, ao mesmo tempo que fornece uma plataforma para o crescimento, o ministério e a liberdade. Uma política equivocada apaga os limites que não deveríamos cruzar, ao mesmo tempo que mina aquelas plataformas nas quais Deus pretendia que nos apoiássemos e bloqueia os caminhos por onde esperávamos passar.
Uma política correta protege o evangelho de uma geração a outra. São os encaixes de platina que mantêm o diamante do evangelho no lugar. Uma política equivocada afrouxa esses encaixes, de modo que o diamante do evangelho acaba caindo no chão e perdendo-se. Isso deixa as heresias e os hipócritas sem controle. Possibilita que ovelhas feridas se desviem e caiam em desfiladeiros.
4 Dagg, Manual de eclesiologia, p. 29.. xxix
Uma política correta protege o caminho da vida. Uma política equivocada, ao longo do tempo, ajuda a preparar o caminho para o autoritarismo e o moralismo numa direção, e para o nominalismo, o liberalismo e o ateísmo em outra.
Mais uma vez, o amor estimula nossa obediência e nossa busca — amor por Deus e por nossos irmãos cristãos.
Este livro
Não é difícil imaginar diversas maneiras de estruturar este livro e uma justificativa para cada uma delas. Mas começamos com o congregacionalismo porque estamos convencidos de que Deus dá autoridade terrena final à igreja. Todo o restante, em certo sentido, se enquadra nisso, inclusive as ordenanças.
As ordenanças indicam a existência de uma congregação, e assim esses capítulos vêm a seguir. As ordenanças marcam os limites de uma igreja nas águas do batismo e depois declaram silenciosamente a fonte de vida da congregação na morte do Senhor à Mesa. Em outras palavras, tornam os membros visíveis, e a disciplina da igreja ocorre por meio delas. Portanto, os capítulos sobre membresia e disciplina eclesiástica seguem as ordenanças. Tudo isso ocorre sob a supervisão de presbíteros , isto é, pastores. Eles lideram a congregação no uso da autoridade e nas ordenanças, na membresia e na disciplina. Esses capítulos, portanto, vêm a seguir. Finalmente, a postura do livro passa de olhar para dentro a olhar para fora. Como uma igreja local vê sua relação com outras igrejas e cristãos? Eles são independentes, interdependentes ou ambos?
A ideia era que o conteúdo descrito neste livro fosse caracteristicamente batista, bom para seminaristas, obreiros e membros interessados. Portanto, pedimos a professores dos três grandes seminários batistas que contribuíssem com um ou dois capítulos (embora Thomas White tenha em seguida deixado o Southwestern Baptist Theological Seminary e ido liderar a Cedarville University, infelizmente encerrando a representação do Southwestern neste livro). Dito isto, o leitor atento poderá encontrar sutis divergências entre os autores de vez em quando, inteiramente (como recordamos) em níveis secundários de implicação ou aplicação. Existe uma ampla concordância acerca de todos os pontos básicos, porém o leitor não deve presumir que todos os autores concordam em todos os aspectos uns com os outros. De fato, os
organizadores não concordam em todos esses termos. Não obstante, como dissemos, o nível de concordância é bastante elevado, tanto em questões de política eclesiástica como também de filosofias de ministério, de modo que o leitor pode receber este livro como representativo de uma perspectiva ou cosmovisão ministerial única.
Em última análise, Deus deseja abençoar seu povo por meio das estruturas de uma igreja. Acaso pensaríamos que ele queria causar danos? Ou que ele estava sendo tolo quando inspirou certas modalidades de autoridade a serem mantidas por seres humanos reconhecidamente caídos?
Frank Lloyd Wright foi um arquiteto bastante controlador. Ele não projetou apenas casas e cômodos, mas também móveis para esses cômodos, e especificou exatamente onde deveriam ficar. Contudo, à medida que os moradores se mudaram para suas casas, a maioria deles descobriu que a arquitetura de Lloyd Wright era melhor do que o design dos móveis.
O oposto será verdadeiro quando explorarmos a casa de Deus. O divino Arquiteto projetou perfeitamente cada cômodo e posicionou perfeitamente cada peça de mobiliário para o bem dos habitantes e para a exibição de seu próprio caráter glorioso de santidade e amor. De algum modo, os rudimentos de governo em nossas igrejas locais irão, pelo poder transformador de Deus, produzir a nova Jerusalém, a cidade que desce do céu nos capítulos finais da Bíblia.
NOTA EDITORIAL
Os termos política, governo e governança são sinônimos e usados de forma intercambiável neste livro. A tríade refere-se à compreensão bíblica da natureza da igreja local e, em especial, à sua organização e outras aplicações ao discipulado dos cristãos, na perspectiva pactual, como um corpo visível de Cristo neste mundo. Assim, a política eclesiástica se restringe à igreja local, e não transborda sobre a esfera pública da sociedade, embora a igreja reconheça as autoridades civis como fruto da graça comum.
Por que política , ou governo eclesiástico?
Jonathan Leeman
A única diferença entre uma igreja local e um grupo de cristãos está no governo da igreja, ou política eclesiástica. Argumentar a favor do governo, ou política, é defender a existência da igreja local. Isto não quer dizer que a política eclesiástica se refira apenas à igreja local — é preciso também considerar a relação entre as igrejas. Mas isto quer dizer que, se não há política, não há igreja local. Não deveria surpreender, portanto, que, numa época em que damos pouca atenção à governança, também lidamos de maneira superficial e desinteressada com a igreja local.
Todas as organizações e grupos sociais têm algum tipo de política, alguma estrutura de governo que constitui o grupo e organiza seus membros, mesmo que seja uma estrutura bastante mínima.1 Ser “um povo” ou “um grupo” em qualquer sentido, formal ou informal — seja um Estado-nação, uma agência de publicidade, um clube de xadrez ou o grupo de garotos descolados do ensino médio —, significa que existem alguns critérios para distinguir membros de não membros e que alguma estrutura de regras orienta o comportamento dentro do grupo. Na verdade, estas regras constituem um grupo enquanto tal, ainda que “as regras sejam tão básicas, tão elementares, que os membros do grupo nem se deem conta delas”.2
1 Nick Barber, The Constitutional State, em Oxford Constitutional Theory, org. Martin Loughlin, John P. McCormick, e Neil Walker (Oxford, UK: Oxford University Press, 2010), p. 67.
2 Ibidem. Quanto mais formalizado um grupo se torna, mais “conscientes” ficam os membros do grupo com relação às regras que os constituem como grupo.
Por que política, ou governo eclesiástico?
Dito de outra maneira: um “grupo” sem governo eclesiástico — sem estrutura de governança — não é de fato um grupo. Sem critérios de adesão, regras para governar o comportamento, um senso autoconsciente de identidade partilhada, um propósito comum ou objetivo orientador, não existe grupo. Existe apenas um punhado de indivíduos. As regras sociais e os grupos sociais estão inextricavelmente ligados: “Os grupos só podem existir se forem constituídos por regras sociais. Mas, inversamente, as regras sociais só podem existir no contexto de um grupo social, um grupo definido — no mínimo — pela aceitação comum da regra, juntamente com a consciência da sua aceitação comum”.3
Tudo isto para dizer: cada igreja local tem algum sistema de governo — alguma maneira de se constituir, de manter critérios de adesão e de tomar decisões — porque sua própria existência depende, em parte, desse sistema político. Aqueles que rejeitam a igreja institucional, ou que professam desinteresse total no assunto de governo eclesiástico, são um pouco como aqueles que professam desinteresse por Deus. Significa apenas que preferem algum outro sistema político, ou talvez suas próprias regras, em vez daquelas que estão “nos livros”, pois os negadores de Deus na verdade preferem algum outro deus. A política é inevitável. A única questão é se a política de determinada pessoa é coerente, ordenada e, acima de tudo, bíblica.
Tradicionalmente, os cristãos entendem que o governo eclesiástico aborda diversas áreas da vida da igreja:
A política de uma igreja estabelece quem tem autoridade sobre os processos de membresia e disciplina, e que papel o batismo e a Ceia do Senhor desempenham na significação e constituição dos membros como membros e da igreja como igreja.
A política eclesiástica cria cargos de liderança na igreja, demarca suas responsabilidades e limites jurisdicionais, especifica quem é elegível para servir nesses cargos e estipula o processo de seleção.
A política eclesiástica dita como serão tomadas decisões significativas na vida da igreja.
E a política eclesiástica delineia a natureza da relação entre uma igreja e outras igrejas ou estruturas denominacionais, sejam esses laços formais ou informais, vinculativos ou não.
3 Ibid., p. 69.
Em geral, todas essas questões são expostas no que é chamado de constituição da igreja, livro de ordem da igreja ou livro de disciplina.
Descobriremos nesta introdução que discipular outros cristãos e evangelizar não cristãos também tem a ver com política. A importância do governo eclesiástico, em outras palavras, vai além das poucas questões burocráticas em que os cristãos se forçam a pensar uma vez por ano em alguma assembleiaadministrativa da igreja da qual participam por senso de dever. Pelo contrário, desempenha um papel crucial na vida cristã. A atual geração de cristãos faria bem em começar a reconceber o seu discipulado cristão na linguagem institucional da política eclesiástica.
Logo, o propósito desta introdução não é defender uma forma de governo em detrimento de outro, mas fornecer uma apologética para o tópico em geral. Apresentam-se quatro razões pelas quais a política é importante.
1. O sistema de governo estabelece a igreja local
Para que ninguém argumente que as igrejas locais não são necessárias, devemos observar que as Escrituras as tratam como normativas: “dize-o à igreja”; “a notícia a respeito deles chegou aos ouvidos da igreja que estava em Jerusalém”; “reunida a igreja”; “tendo saudado a igreja”; “saudai igualmente a igreja que se reúne na casa deles”; “à igreja de Deus que está em Corinto”; “quando vos reunis na igreja”; “às igrejas da Galácia”.4
A política eclesiástica é o que constitui a igreja local como uma igreja local. Dito de outra maneira, o governo eclesiástico proporciona o nexo entre a igreja universal e a igreja local. O movimento a partir da igreja universal para a local é um movimento em direção à política. Unir um grupo de cristãos previamente não vinculados ou um grupo de membros da igreja universal numa igreja local é “politizá-los”. É colocar as relações cristãs individuais dentro da identidade vinculativa e da estrutura de regras que chamamos de igreja local (quase podemos imag inar um filme de ficção científica em que uma arma de raios chamada Politizador dispara contra um dado grupo de cristãos e os transforma em uma igreja. Um bom filme para grupos de jovens, talvez?).
4 Mt 18.17; At 11.22, 14.27, 18.22; Rm 16.5; 1Co 1.2, 11.18; Gl 1.2. Salvo indicação em contrário, todas as passagens bíblicas foram retiradas da versão ARA (Almeida Revista e Atualizada).
Por que política, ou governo eclesiástico?
Portanto, poderíamos dizer que a igreja na terra é constituída em dois momentos. Primeiro vem o momento invisível em que Deus cria um cristão, um membro da igreja universal, por meio da pregação do evangelho. A igreja é, neste sentido, uma criatura da Palavra, como os protestantes há muito dizem.
No entanto, este não é o “único momento constitutivo para a eclesiologia”.5 A igreja neste primeiro momento permanece sendo uma ideia abstrata, sem uma presença palpável e pública. Ainda não está visível. Para que a igreja seja visível na terra, é necessário um mecanismo para identificar tanto seus membros individuais como sua materialização corporativa, os seus encontros. Se todos os coletivos organizados que chamamos de igrejas locais no mundo desaparecessem repentinamente, nós, que somos santos, não teríamos como saber quem “nós” éramos. O povo da antiga aliança tinha a circuncisão, a guarda do sábado e, posteriormente, uma terra para identificá-los, para não falar de seus laços familiares e étnicos. O que o povo da nova aliança tem? Como você exerce a patrulha de fronteira num reino sem fronteiras e sem uma terra?
Em outras palavras, só o primeiro momento constitutivo da igreja não é suficiente. Um grupo de cristãos ainda precisa reunir-se e constituir-se (ou ser constituído) como uma congregação e afirmar-se uns aos outros como cristãos. Isso nos leva ao segundo momento. “Uma igreja nasce quando pessoas evangélicas formam uma comunidade evangélica”, observa Bobby Jamieson.6 Isto quer dizer que uma igreja local é criada quando um grupo de cristãos se reúne, alguém explica o evangelho, todos concordam com ele e afirmam mutuamente a concordância um do outro por meio das ordenanças. Diferentes tradições protestantes discordam sobre se são necessários presbíteros ou bispos para essa afirmação formal, e discordam também sobre qualquer outra coisa que as ordenanças possam significar. Ainda assim, todos concordam que as ordenanças identificam, reconhecem ou afirmam publicamente os membros da igreja universal na terra. Elas efetivamente criam algo que não existia antes — não a salvação, mas uma realidade pública e local. “As ordenanças”, explica Jamieson, “tornam possível apontar para algo e dizer ‘igreja’, em vez
5 John Webster, “The ‘Self-Organizing’ Power of the Gospel: Episcopacy and Community Formation”, em Community Formation: In the Early Church and in the Church Today, org. Richard N. Longenecker (Peabody, MA: Hendrickson, 2002), p. 183.
6 Bobby Jamieson, Going Public: Why Baptism Is Required for Church Membership (Nashville: B&H Academic, 2015). [Batismo: A porta de entrada na membresia da igreja (Fiel, 2022).]
de apenas apontar para muitas coisas e dizer ‘cristãos’.” 7 É claro que elas também tornam possível apontar para muitas coisas e dizer “cristãos”. As ordenanças, em outras palavras, nos mostram onde está uma igreja, e uma igreja nos mostra quem são os cristãos.
As ordenanças são o início do governo eclesiástico. Administrar o batismo ou a Ceia do Senhor é fazer um pronunciamento oficial: “Com base em sua confissão do evangelho, você é de Cristo”. Esse pronunciamento é o primeiro ato de governança em uma igreja porque é o que a constitui.8
Em suma, a presença palpável e pública da igreja depende da sua política.9 A política concede aos cristãos um estatuto reconhecido uns perante os outros e perante as nações. Isso significa que é insuficiente dizer: “A igreja local é um povo”. É também um corpo organizado, um povo unido pela política. Na análise de J. L. Dagg, “Uma igreja é uma assembleia organizada”.10 Alguns escritores da atualidade argumentam que os cristãos não precisam filiar-se a igrejas porque podem encontrar comunhão cheia do Espírito Santo por meio de associações mais casuais e espontâneas. Infelizmente, muitos “cristãos” de hoje adotam esse comportamento “desigrejado”, quer tenham lido ou não esses autores. Todos estes indivíduos, no entanto, estão se aproveitando do trabalho de identificação que as igrejas locais fazem, trabalho que produz um corpo identificável de pessoas na terra conhecidas como
7 Ibid.
8 Deixamos de lado por enquanto a questão de saber se os presbíteros ou os bispos devem estar envolvidos nesse ato constitutivo (veja At 14.23; Tt 1.5). Obviamente, se alguém adere a algum conceito de sucessão apostólica por meio dos bispos ou presbíteros, uma transmissão de autoridade por meio da ordenação deve preceder qualquer ato de administração das ordenanças e constituição de uma igreja.
9 A membresia é sempre a primeira e mais básica questão da política e da governança, porque são os membros, unidos de maneira específica e para um fim específico, que constituem uma comunidade política. Todas as outras questões da política eclesiástica — relativas aos cargos, à tomada de decisões e ao relacionamento de uma igreja com outras igrejas — derivam desta primeira questão. Cf. Michael Walzer, Spheres of Justice: A Defense of Pluralism and Equality (New York: Basic Books, 1983), p. 31. [Esferas da justiça: Uma defesa do pluralismo e da igualdade (WMF Martins Fontes, 2003).] Falando de comunidades políticas de maneira mais ampla, Walzer escreve: “O bem primário que distribuímos uns aos outros é a membresia em alguma comunidade humana. E o que fazemos em relação à membresia estrutura todas as nossas outras escolhas distributivas: determina com quem fazemos essas escolhas, de quem exigimos obediência e cobramos impostos, a quem alocamos bens e serviços”.
10 J. L. Dagg, Manual of Church Order (Harrisonburg, VA: Gano Books, 1990; publicação original de 1858), p. 80, itálico do original.
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“cristãos”. Os economistas poderiam chamá-los de clandestinos — pessoas que se beneficiam dos bens dos outros sem pagar pela vantagem.
O movimento a partir da igreja universal para a igreja local é, então, o movimento da fé para a ordem (embora os não congregacionalistas ofereçam uma organização um pouco mais complicada). A igreja universal está unida pela fé. A igreja local está unida pela fé e pela ordem.11 A autoridade real de Cristo reina na igreja universal, mas recebe expressão concreta na igreja local. Ela é “revestida” pela ordem ou política de uma congregação, assim como o status posicional de ser justificado em Cristo é “revestido” existencialmente em atos individuais de justiça. 12 O que é importante observar, porém, é que a fé e a ordem “não são entidades diferentes — a última, talvez, reveste a primeira, mas não tem qualquer relação essencial ou intrínseca com ela”, como se uma igreja pudesse muito bem vestir um conjunto de roupas políticas ou outro.13 A autoridade de Cristo é parte e parcela do evangelho, o que significa que a ordem da igreja é uma consequência da fé cristã. O evangelho produz certa configuração social entre os cristãos, certa política.14 Diferentes tradições discutem qual é exatamente essa “configuração social”, mas esta é uma discussão que vale a pena ter porque existe uma ligação entre fé e ordem.15 Portanto, as declarações explícitas da Bíblia sobre a política devem ser tratadas como normativas em si. Todavia, também deveríamos esperar que essas declarações fizessem sentido sistemático à luz do evangelho. Devemos esperar que nosso evangelho e nossa política sejam logicamente consistentes e se reforcem mutuamente. Mais especificamente, a ordem da igreja deveria se ajustar às promessas da nova aliança, à obra do Espírito, às doutrinas do pecado e da sola fide, ao senhorio de Cristo, ao sacerdócio dos cristãos, às realidades que ainda não se veem da escatologia
11 Veja uma discussão aprofundada desta ideia neste livro, no capítulo 18.
12 Veja uma discussão aprofundada desta ideia em Jonathan Leeman, The Church and the Surprising Offense of God’s Love: Re-introducing the Doctrines of Church Membership and Discipline (Wheaton: Crossway, 2010), p. 200-216. [A igreja e a surpreendente ofensa do amor de Deus: Reintroduzindo as doutrinas sobre a membresia e a disciplina da igreja (Fiel, 2013).]
13 Webster, “‘Self-Organizing’ Power”, em: Longenecker, Community Formation, p. 183.
14 Webster escreve: “A ordem da igreja é a configuração social do poder de conversão e atividade de Cristo, que está presente como Espírito”. Ibid., p. 183.
15 Veja David W. Hall, “The Pastoral and Theological Significance of Church Government”, em Paradigms in Polity: Classic Readings in Reformed and Presbyterian Church Government, org. David W. Hall e Joseph H. Hall (Grand Rapids: Eerdmans, 1994), p. 26-28.
inaugurada e muito mais. Estas peças da nossa teologia sistemática, devidamente relacionadas, produzirão esta política e não aquela. Relacionar doutrinas para formular uma estrutura de governo eclesiástico é uma tarefa que os autores deste livro buscam realizar.
2. A política protege o “que” e “quem” do evangelho
Três implicações decorrem do papel da política no estabelecimento da igreja local. Estas fornecem a segunda, terceira e quarta razões pelas quais a política é importante. Em segundo lugar, a política é importante porque protege o “que” e “quem” do evangelho — o que é a mensagem do evangelho e quem são os que creem nele.
Os cristãos contemporâneos muitas vezes ignoram a política. Justificamos que somente o evangelho é essencial para a salvação. Mas consideremos mais uma vez aquele movimento que vai da igreja universal para a igreja local, o qual caracterizei como um movimento em direção à política. Esse movimento em direção à política separa a igreja do mundo. Distingue a mensagem evangélica da igreja e as pessoas evangélicas dos falsos evangelhos e das pessoas não evangélicas do mundo. Aborda o que chamei previamente de problema de identificação e responsabilização, identificando os cristãos e sua mensagem. Isto é, a ordem da igreja reconhece e delimita formalmente o “que” e “quem” do evangelho e, ao fazê-lo, protege-os.
O trabalho da política de reconhecimento e proteção do evangelho aparece pela primeira vez em Mateus 16.13-20, onde Jesus essencialmente confrontou os apóstolos com duas perguntas: Qual é a confissão correta de quem eu sou? E quem de vocês sabe disso? Ele então confirmou as palavras de Pedro e seu evangelho, dizendo que elas vieram do Pai celestial. Ele prometeu construir sua igreja sobre confessores que repetissem a mesma confissão de Pedro (o “quem” e o “que” corretos). Por fim, ele deu a Pedro e aos apóstolos as chaves do reino para ligar e desligar. Com as chaves em mãos, eles poderiam fazer a mesma afirmação formal sobre o “quem” e o “que” do evangelho.16
16 Para uma discussão mais completa sobre esse texto, veja novamente o capítulo 18 deste livro; para uma abordagem ainda mais completa, consulte meu livro The Church and the Surprising Offense of God’s Love, p. 178-195 [A igreja e a surpreendente ofensa do amor de Deus (Fiel, 2018)], ou Political (Downers Grove: IVP Academic, 2016), cap. 6.
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Este pronunciamento oficial, que a igreja apostólica faz por meio do batismo e da Ceia do Senhor, é o início da política, como afirmei há pouco. Ele separa, distingue e identifica a igreja perante as nações, protegendo e preservando assim o evangelho — o “que” e “quem” — de uma geração para a próxima: “Sim, esse é o evangelho; nós o batizaremos” ou “Não, esse não é o evangelho; não o batizaremos”.
Jesus, sem dúvida, está profundamente preocupado com as igrejas, porque seu nome está ligado a essas assembleias que empunham chaves: “Em verdade vos digo que tudo o que ligardes na terra terá sido ligado nos céus, e tudo o que desligardes na terra terá sido desligado nos céus. […] Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles” (Mt 18.18, 20, ênfase acrescentada). Essas reuniões e seus membros representam especialmente Cristo e sua glória diante das nações, assim como Israel representou especialmente Yahweh diante das nações. Por meio das chaves para ligar e desligar, uma igreja exerce sua própria patrulha fronteiriça e distribuição de passaportes entre as pessoas do reino que não têm uma terra. Uma igreja guarda o nome dele, a sua mensagem e todos unidos ao seu nome. Afinal, ser membro desta comunidade começa “batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mt 28.19, itálico nosso; cf. também At 2.21, 38, 4.12, 5.41, 8.12, 10.48 etc.).
Paulo, seguindo a orientação do Senhor em Mateus 18.20, lembrou à igreja de Corinto que eles deveriam usar as chaves por meio da disciplina eclesiástica quando a igreja estivesse formalmente reunida em nome de Cristo: “Quando vocês estiverem reunidos em nome de nosso Senhor Jesus, estando eu com vocês em espírito, estando presente também o poder de nosso Senhor Jesus Cristo, entreguem esse homem a Satanás” (1Co 5.4-5a, NVI; itálico nosso). Paulo queria que eles “julgassem” (v. 12) um homem que se identificava erroneamente com o nome de Cristo: “Mas agora estou lhes escrevendo que não devem associar-se com qualquer que, dizendo-se irmão, seja imoral, avarento, idólatra, caluniador, alcoólatra ou ladrão” (v. 11, NVI).
O chamado da igreja para se distinguir por causa do nome de Deus tem seu pano de fundo no Antigo Testamento. Deus identificou-se especialmente com os israelitas, e estes deveriam representar seu nome às nações sendo obedientes, limpos, puros, santos e consagrados a ele. Quando profanaram seu nome, ele os expulsou da terra. No entanto, mesmo no exílio eles continuaram a fazê-lo, por isso Deus prometeu uma nova aliança precisamente
por causa do próprio nome: “Não é por amor de vós que eu faço isto, ó casa de Israel, mas pelo meu santo nome, que profanastes entre as nações para onde fostes” (Ez 36.22). Curiosamente, Paulo contemplou as leis de pureza do Antigo Testamento e os requisitos de santidade para a adoração no templo e os tratou como tipológicos para a igreja. Ele reempregou esta linguagem de culto para argumentar que os cristãos deveriam ser um povo diferenciado: Não vos ponhais em jugo desigual com os incrédulos; porquanto que sociedade pode haver entre a justiça e a iniquidade? Ou que comunhão, da luz com as trevas? Que harmonia, entre Cristo e o Maligno? Ou que união, do crente com o incrédulo? Que ligação há entre o santuário de Deus e os ídolos? Porque nós somos santuário do Deus vivente, como ele próprio disse: Habitarei e andarei entre eles; serei o seu Deus, e eles serão o meu povo. Por isso, retirai-vos do meio deles, separai-vos, diz o Senhor; não toqueis em coisas impuras; e eu vos receberei, serei vosso Pai, e vós sereis para mim filhos e filhas, diz o Senhor Todo-Poderoso. (2Co 6.14-18)
Como Deus está totalmente preocupado com seu próprio nome e reputação, Cristo autorizou as igrejas a manejarem as chaves do reino. Ele as delegou para marcar o “que” e “quem” do evangelho por meio do batismo e da Ceia do Senhor. Talvez duas ilustrações tornem este ponto concreto. Primeira: um professor da escola dominical começa a ensinar um evangelho falso — um “que” falso — e se recusa a ser corrigido. Esta heresia, caso se espalhe pela igreja, irá minar o testemunho do evangelho daquela congregação. Segunda ilustração: um jovem solteiro passa algum tempo na casa de um membro mais velho da igreja que maltrata sua esposa e filhos. O homem mais velho parece ser um falso “quem”. Esta hipocrisia, se nunca for corrigida, irá minar na vida do jovem o testemunho da igreja no que diz respeito ao evangelho. Muito possivelmente, o jovem concluirá que as pessoas evangélicas não são diferentes das que não são, então por que se preocupar com o evangelho?! Em ambos os casos, a igreja deve empregar as chaves para corrigir o equívoco em relação ao que diz o evangelho, primeiro com advertências verbais e, por fim, se necessário, removendo a pessoa da membresia e da Ceia do Senhor.
Seguem-se várias lições. Primeiro, a política protege as igrejas contra os hereges e hipócritas e, portanto, protege o evangelho. Ao bater o martelo e proferir um veredito sobre as falsas profissões de fé, a igreja esclarece a mensagem do evangelho.
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Em segundo lugar, o “que” e “quem” do evangelho são as questões mais significativas da política eclesiástica, ainda mais do que definir os líderes. A igreja é composta por membros que creem no evangelho, e suas vidas e palavras cotidianas impactarão mais a opinião das nações sobre Jesus do que manchetes ruins sobre líderes caídos da igreja. Sim, minhas convicções congregacionalistas estão transparecendo aqui, mas acredito que qualquer protestante poderia afirmar isto sob as devidas condições.
Terceiro, um cristão nunca deixa para trás a chamada igreja institucional, mesmo quando enfrenta o dia a dia durante a semana, porque a afirmação de fé da igreja institucional une publicamente o restante da sua vida (como o modo pelo qual ele trata sua esposa e filhos, trabalha no escritório, interage com vizinhos, passa férias) ao nome de Jesus. O nosso pertencimento a uma igreja faz com que toda a nossa vida fale de Jesus. Os membros reconhecem-se uns aos outros como cristãos por causa do trabalho institucional da igreja no batismo e na Ceia do Senhor. Em suma, não podemos separar tão claramente a “igreja institucional” da “igreja orgânica”.
Isso significa, em quarto lugar, que nosso discipulado cristão é moldado pela política eclesiástica, quer o esperemos ou não. Exploraremos mais detalhadamente esta quarta lição adiante.
Suponhamos, alternativamente, que as igrejas como a Bíblia as descreve não existissem e que as reuniões de cristãos fossem apenas isto: grupos casuais de indivíduos cristãos sem autoridade para ligar ou desligar uns aos outros na fé por meio do batismo e da Ceia do Senhor. Em vez disso, todo cristão teria de se autoidentificar. A situação do cristianismo no mundo seria uma bagunça, para dizer o mínimo. Os cristãos nascidos de novo (ou a igreja universal) poderiam hipoteticamente existir, mas não teriam uma boa maneira de se identificarem uns aos outros ou de viverem a vida do corpo. Um indivíduo diz que Jesus é Deus. Outra pessoa diz que Jesus é a primeira de todas as criações de Deus. Ambos se identificam como cristãos. E quem haveria de dizer-lhes que não são?! Nem os cristãos nem os não cristãos teriam um modo perfeito para separar os falsos mestres dos verdadeiros, ou os falsos professores dos verdadeiros. Será que aquele homem que maltrata sua esposa, é paquerador ou é estelionatário e cita o nome de Jesus de fato o representa? Quem poderia dizer que não?! E quais reuniões são cristãs? São as reuniões de unitaristas, mórmons ou americanos? Se dissessem que são cristãos, quem poderia afirmar o contrário? Em tudo isto, o cristianismo
teria um problema de relações públicas ainda maior do que já tem. Não haveria como “rastrear” o povo de Cristo, nenhuma maneira de estender a mão e abraçar os fenômenos do cristianismo.
Mais uma vez, como são tolas as vozes contemporâneas argumentando que a igreja local é desnecessária e que tudo de que os cristãos precisam é um pouco de comunhão autosselecionada. Como são tolos também os muitos que se dizem cristãos e não conseguem se submeter a uma igreja local. Eles são realmente tão confiantes em sua própria fé e em sua compreensão do evangelho? Eles confiam mesmo que todos os outros que se dizem cristãos compreenderão o evangelho?
Paulo presumiu que as igrejas da Galácia deveriam ser capazes de discernir a diferença entre um evangelho verdadeiro e um falso. Presumiu ainda que eles tinham autoridade, de uma maneira ou de outra, para insistir que o verdadeiro evangelho fosse pregado (Gl 1.6-9). Paulo acreditava que a igreja de Corinto deveria ser capaz de reconhecer uma vida que estava, de um ponto de vista moral, em descompasso com o evangelho. Ele a convocou a proteger a reputação do evangelho, removendo da membresia um pecador impenitente (1Co 5). Ele confiava que essas igrejas, de um modo ou de outro, agissem com autoridade para proteger o evangelho e seu testemunho na vida dos santos. Esperava que elas empregassem a própria política.
É certo que alguns sistemas políticos protegem melhor o “que” e “quem” do evangelho do que outros, razão pela qual os debates sobre o sistema político são importantes. Falando por um momento da minha própria perspectiva congregacionalista e batista, acredito que a membresia regenerada da igreja protege o evangelho porque restringe a membresia na igreja aos cristãos, não aos cristãos e seus filhos. Acredito que o congregacionalismo protege o evangelho porque insiste em equipar os santos para o trabalho do ministério, como argumentarei daqui a pouco. Mas o quadro geral é que qualquer sistema político é melhor do que nenhum, porque uma igreja irregular é melhor do que nenhuma igreja. Um grupo de cristãos formalmente desvinculados podem ocasionalmente reunir-se e desfrutar juntos do compartilhamento do evangelho. Mas deixe passar um ano ou dois, deixe surgir uma controvérsia, deixe todos os pecados habituais que ocorrem entre os cristãos sucederem em sua comunhão, deixe os pregadores irem e virem, deixe os hipócritas e hereges entrarem em sua assembleia desorganizada, deixe uma geração dar lugar à seguinte, e veja quão firmemente este grupo se apega ao evangelho.
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Eles durariam um ano? Seus membros continuariam firmes no evangelho? Alguns deles talvez.
A política da igreja, em suma, protege a definição e a articulação do evangelho. Protege a mensagem do evangelho, como os encaixes de um anel mantêm uma joia no lugar. E a política eclesiástica protege o povo do evangelho; avisa-lhes quando suas vidas contradizem suas profissões de fé e aponta-lhes os homens do evangelho que são exemplos de vida por serem “irrepreensíveis” (1Tm 3.2). Tudo isto protege e fortalece o testemunho da igreja no que diz respeito ao evangelho na vizinhança, na cidade, na nação.
3. A política dá forma ao discipulado cristão
Há uma terceira razão pela qual a política eclesiástica é crucial: se a política constitui a igreja local como igreja local, e se o Novo Testamento ensina que os cristãos devem estar unidos às igrejas, parece lógico que a política eclesiástica deve moldar o discipulado do cristão.
Os cristãos não estão habituados a pensar deste modo, em parte porque as discussões sobre a governança da igreja muitas vezes enfatizam apenas metade do trabalho dessa governança: restringir o pecado.17 Contudo, a política eclesiástica consiste tanto em comissionar quanto em restringir, tanto em autorizar quanto em responsabilizar, dizendo tanto para fazer quanto para não fazer. A vontade de Deus era que seu povo, tanto da antiga quanto da nova aliança, fosse sacerdote e rei — para representar as regras divinas perante as nações. Além disso, o povo da nova aliança recebeu um derramamento de seu Espírito para esses fins reais. Suas vidas como um todo serão usadas para propagar a governança dele e, portanto, enquadram-se na rubrica da política eclesiástica. Consideramos esta ideia quando observamos que nossa condição de membros da igreja faz com que toda a nossa vida fale sobre Jesus. O ponto principal é que filiar-se a uma igreja significa assumir um cargo. Presbítero e diácono não são os únicos “cargos”. Ser membro também é um cargo, como argumentarei a seguir. A política, em outras palavras, não se trata apenas de quem toma as decisões; trata-se de autorizar as pessoas a fazerem o trabalho de representar Jesus durante toda a vida.
17 Hall, “The Pastoral and Theological Significance of Church Government”, em: Hall, Paradigms in Polity, p. 13-17.
Aos ouvidos contemporâneos, a afirmação de que a política deveria moldar o discipulado cristão soará estranha. Muitas vezes, o discipulado cristão é concebido em termos individualistas — e com isso quero dizer antiautoridade. Os cristãos veem seus amigos, pastores e igrejas como auxílios para o crescimento pessoal e o discipulado, mas há uma diferença entre auxílios pragmáticos dentre os quais se pode escolher e uma responsabilidade estruturada que liga e desliga. Essa diferença é nada mais nada menos que a igreja local. A igreja existe para colocar a “comunhão” dentro de uma estrutura de autoridade.
Contudo, os evangélicos comuns da atualidade muitas vezes preferem a sua koinonia sem politeia. Argumentei em outro lugar que fomos, de maneira drástica, influenciados pelo meio cultural mais amplo, que é profundamente antagônico a qualquer autoridade além do indivíduo autônomo. Romance após romance e filme após filme, repete-se a mesma narrativa de libertação do indivíduo corajoso e heroico que se opõe a governos ou tradições opressivas. O consumidor está acostumado a escolher entre 31 sabores. Todas as reivindicações de verdade foram desmascaradas, e o pragmatismo domina o cenário.18 Tanto cristãos sérios como não sérios muitas vezes são incapazes de submeter seu discipulado à igreja local e a seus líderes. Podemos desfrutar de comunhão casual, mas não construímos relacionamentos deliberadamente com o propósito de discipular, equipar, ser transparente e responsabilizar. Não acolhemos instrução e disciplina. Não nos tornamos conhecidos dos mais idosos para que eles possam cuidar de nós. Não consultamos sua sabedoria ao tomar decisões importantes na vida; na verdade, as estruturas programáticas de muitas igrejas trabalham contra esse processo de se fazer conhecer. Mudamos para uma determinada cidade por causa de oportunidades de emprego ou de estudo, sem perguntar se existe lá uma igreja saudável. Compramos casas ou alugamos apartamentos sem considerar a proximidade geográfica de uma igreja saudável ou de concentrações de seus membros. Tomamos decisões orçamentárias sem pensar na generosidade para com os membros necessitados da igreja ou em ajudar a igreja como um todo a organizar suas contas. Nós não nos incomodamos. Unimo-nos às igrejas levianamente e saímos delas sem olhar para trás — pulando de igreja em
18 Veja The Church and the Surprising Offense of God’s Love, cap. 1.
Por que política, ou governo eclesiástico?
igreja —, raramente parando para pesar as consequências de nossa partida aos demais. Basta dar uma passadinha pelo caixa com sua compra ao sair.
A espiritualidade contemporânea concentra-se na expressão individual e na autorrealização. Lemos livros e participamos de conferências que nos mandam ouvir a voz de Deus, perseguir os planos que ele tem para nós, descobrir nossos dons exclusivos, registrar nossa história, praticar a presença de Deus no silêncio da consciência. experimentá-lo e dar um passo em direção ao desconhecido por causa dele. A pergunta que nos motiva não é: Que responsabilidades e obrigações tenho para com a família de Deus?, mas Como posso ser tudo o que Deus planejou para mim?
Esta segunda questão é uma boa pergunta. Mas a resposta para ela depende, em boa medida, da resposta à primeira. Nossa abordagem à espiritualidade tende a ignorar isso, o que leva a vidas cristãs muitas vezes deformadas, mal orientadas e antibíblicas. O discipulado bíblico exige dar a vida uns pelos outros (cf. Jo 13.34-35). Exige que renunciemos ao papel de capitão, ou pelo menos que dirijamos nosso navio em formação com a armada.
A espiritualidade cristã, a santificação e o discipulado devem ser orientados pela Palavra e moldados pela igreja. Um componente significativo da formação da igreja depende de sua política, ou forma de governo. O que significa, então, dizer que a política deve moldar o discipulado cristão?
A resposta curta é: significa que a vida cristã deve ser posta dentro das estruturas de responsabilização e autorização da igreja local, tanto porque Jesus ordena que seja assim como também porque é deste modo que tanto o indivíduo quanto o corpo crescem melhor. Significa que, da perspectiva de viver a vida cristã, as palavras cristão e membro da igreja deveriam ser quase intercambiáveis. O cristão individual vive a sua vida nas estruturas de relacionamento que constituem a igreja local — e também por meio delas. Não basta dizer que o discipulado de um cristão deve ocorrer no contexto de relacionamentos. Existem diferentes tipos de relacionamento: marido-mulher, empregador-empregado, governador-cidadão, pai-filho, amigo-amigo e assim por diante. O que diferencia esses relacionamentos uns dos outros é a combinação de obrigações e privilégios que constituem e caracterizam cada um deles. As obrigações e privilégios de uma criança para com os pais, por exemplo, são distintos dos de um empregado para com o empregador. Dizer que o discipulado cristão deve ser moldado pela política significa (1) determinar exatamente quais privilégios e responsabilidades
caracterizam os diferentes tipos de relacionamento dentro de uma igreja local (como presbítero-membro, membro-membro, diácono-presbítero etc.) e então (2) submeter o discipulado e o crescimento a essas estruturas relacionais.
Contudo, os sulcos individualistas em nossas consciências culturais são tão profundos, que precisamos considerar o que significa “pensar institucionalmente”, como afirmou o cientista político Hugh Heclo.19 Heclo assevera que o pensamento institucional não é o impulso moderno para desafiar criticamente, questionar, desmascarar, expor e desmistificar tudo o que se coloca diante de nós. Não é uma hermenêutica da suspeita. Em vez disso, ele afirma, o pensamento institucional envolve três coisas: recepção fiel, reconhecimento de valor e horizontes de tempo alargados.
Receber fielmente em vez de inventar continuamente
Primeiro, pensar em termos institucionais envolve uma postura fiel de “receber em vez de inventar ou criar”.
O individualista quer pensar em tudo por si mesmo: novas descobertas, novas histórias, novas doutrinas, novas expressões, novos louvores. O pensador institucional, no entanto, reconhece que “o que foi recebido daqueles que o precederam carrega autoridade”. As instituições e tradições do passado não chegam ao presente à toa, sem direção; sua sobrevivência normalmente sugere alguma medida de sabedoria e que elas deveriam receber um julgamento imparcial, talvez até um julgamento prima facie a seu favor. Uma postura fiel de receber não significa que não haja espaço para inovação ou pensamento diferente: “Ser submisso ao que foi recebido é uma ideia claramente fora de moda, mas não significa servilismo”. Antes, significa simplesmente que devemos sempre procurar receber com fidelidade a sabedoria do passado antes de nos aventurarmos em novas circunstâncias — onde novas perguntas e respostas, claro, são inevitáveis. Como seria receber fielmente na vida cristã? Para começar, pode significar ler um livro sobre política eclesiástica! De maneira mais ampla, receber
19 Hugh Heclo, “Thinking Institutionally”, em: The Oxford Handbook of Political Institutions, org. R. A. W. Rhodes, Sarah A. Binder e Bert A. Rockman (New York: Oxford University Press, 2006), p. 731-742. Heclo também publicou um livro em 2011 pela Oxford University Press intitulado On Thinking Institutionally
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fielmente envolve uma aceitação da ortodoxia doutrinária, ou seja, uma aceitação implícita das formulações doutrinárias tradicionais, pelo menos até que novas e melhores formulações possam adquirir um amplo consenso. Pode envolver o uso de hinos antigos, pelo menos onde eles existem no contexto cultural de alguém. Os cristãos do passado têm muito a nos ensinar sobre como compreender a Deus e como nos aproximar dele, e não queremos desperdiçar sua sabedoria. O recebimento fiel vê valor em submeter o discipulado cristão a cristãos mais velhos e mais experientes, bem como à sabedoria coletiva de toda a congregação. Receber fielmente envolve colocar-se em situações relacionais nas quais se pode ser contrariado ou corrigido, por mais desconfortável que isso possa ser. O recebimento fiel valoriza muito o diálogo e o raciocínio conjunto. Envolve fazer perguntas e depois ouvir atentamente as respostas. Impede sentir-se no direito de seguir seu próprio caminho e estar convencido de que está certo. Receber fielmente significa agir com cuidado e deliberação. Requer ser rápido para ouvir e lento para falar. Significa ser ensinável e aprender a arte da liderança sendo liderado, sabendo que a liderança piedosa, antes de mais nada, é submissa. Receber fielmente requer não exigir um cargo superior, mas reconhecer que tudo o que recebemos é uma dádiva. Também implica submeter-se às decisões dos presbíteros, ainda que a própria pessoa seja um presbítero. Envolve aceitar limitações, acatar limites e perder em votações.
Reconhecer realidades teológicas e morais além das preferências pessoais
Em segundo lugar, ensina Heclo, pensar institucionalmente envolve reconhecer a existência de certos valores e realidades morais que são maiores do que as preferências pessoais de cada um. As instituições, as quais defino como estruturas de regras que impactam o comportamento e a identidade,20 fixam certas valorações teológicas e morais. Elas incorporam essas valorações nas expectativas de comportamento, exigindo que as pessoas ajam não apenas por conveniência, mas também por obrigação e por responsabilidade. As estruturas institucionais certamente podem representar a complacência ou a fomentação do poder de administrações passadas, mas na maioria das
20 Elizabeth Sanders, “Historical Institutionalism”, em: Rhodes, Binder, e Rockman, The Oxford Handbook of Political Institutions, p. 38.
vezes servem para proteger e promover algo. Isto é verdade em tudo, desde as regras de segurança das aeronaves até às normas e costumes que constituem uma vocação específica, como advogado, médico ou professor.
Considere, por exemplo, o que significa pensar como “pai” ou como “mãe”. Tornar-se pai ou mãe é ser colocado dentro de uma estrutura de identidade e regras — uma instituição — que exige renunciar às preferências pessoais e valorizar algo maior. Um bebê chorando às 2h da manhã não é apenas uma imposição física; é uma imposição moral. O pai ou mãe pode simplesmente deixá-lo chorando, como fazem os ausentes, mas o senso de responsabilidade moral tira a maioria das pessoas da cama. Pensar como “cônjuge” também é adotar uma identidade institucional que rege o comportamento de alguém com base numa infinidade de valores teológicos e morais. Quando uma sociedade descarta a importância do casamento ou da família, o que está descartando é um conjunto específico de valores morais que, até então, regiam o casamento e a família.
Como é que estas observações nos ajudam a pensar sobre o discipulado cristão através das lentes da política? Muito simplificadamente, cada área da política listada como um item no início desta introdução representa uma série de avaliações teológicas e morais; estas avaliações, por sua vez, impõem várias obrigações e conferem diversos privilégios aos cristãos:
Cargo de membro da igreja: o cristianismo é comumente caracterizado entre os evangélicos como um “relacionamento pessoal” com Jesus. Esta é uma descrição legítima, mas que tipo de relacionamento é esse? Existem muitos tipos de relacionamento, conforme observei antes. As Escrituras conferem a esse relacionamento pessoal com Jesus um pouco de especificidade institucional por meio dos rótulos que são dados a Cristo: Pastor, Primogênito, Messias. Um dos temas mais proeminentes das Escrituras é Cristo como o Rei do reino. Sua realeza significa que os cristãos se relacionam com Jesus como os súditos se relacionam com um rei (p. ex., Ef 2.19; Fp 3.20). Tornar-se cristão é receber a identidade institucional e o cargo de cidadão do reino, uma palavra que comunica a ideia de ser governado ao mesmo tempo que participa do governo.21 Como então alguém assume publicamente o cargo
21 As Escrituras às vezes usam explicitamente a palavra cidadão. Mais comumente, a ideia de ser um governante governado está envolvida no tema da imagem de Deus (p. ex., Gn 1.28; Sl 8; 1Co 15.49; 2Co 3.18; 2Tm 2.12; Ap 5.10, 22.5).
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de cidadão do reino ou governante governado no período entre a ascensão de Cristo e seu retorno? Tal pessoa torna-se membro da igreja. Por meio das ordenanças do batismo e da Ceia do Senhor, a igreja local emprega as chaves do reino para ligar e desligar na terra o que é ligado e desligado no céu (cf. Mt 16.19, 18.17-18). A igreja afirma que uma pessoa pertence ou não ao reino de Cristo por meio da membresia.22
Ser membro da igreja, então, é um cargo. É a tarefa de representar Jesus como um de seus governantes governados, assim como Jesus era um governante governado em nome do Pai. Como sucede a todos os cargos, seus ocupantes têm uma vocação para o trabalho e seguem a missão da organização. Eles têm responsabilidades e deveres. Quer agir como um cristão? Cumpra suas responsabilidades na igreja. Quais são essas responsabilidades? Em termos gerais, cada membro deve ser um representante de Jesus. Passamos a exercer o cargo de membro a partir do batismo. Agora usamos seu nome, nos preocupamos com ele, e, para esse fim, somos chamados a fazer tanto o trabalho de restringir quanto o de comissionar da governança da igreja. É por isso que Jesus dá às assembleias de dois ou três reunidos em seu nome (igrejas) as chaves do reino (Mt 18.18-20). Ele deseja que esses dois ou três guardem e zelem por sua reputação, prestando atenção cuidadosa ao “que” e “quem” do evangelho. Seu propósito é que representem seu nome por meio do discipulado e do evangelismo.
Dito de outra maneira, o trabalho de um membro da igreja é conhecer o evangelho, apoiar os mestres que o ensinam, viver por ele em palavras e ações, ajudar outros membros da igreja a fazerem o mesmo e chamar conhecidos não cristãos à obediência do arrependimento e da fé em Cristo, o Rei-Salvador. Ajudamos outros membros conhecendo-os, envolvendo-nos em suas vidas e falando “apenas a [palavra] que for útil para edificar os outros, conforme a necessidade, para que transmita graça aos que a ouvem” (Ef 4.29, NVI). Esta é a imagem de um corpo que “cresce e edifica-se a si mesmo em amor, na medida em que cada parte realiza a sua função” (Ef 4.16, NVI). Sim, os cristãos fazem isto até certo ponto com amigos cristãos que pertencem a outras igrejas, mas o fazem sem as vantagens da responsabilização formal e
22 Jonathan Leeman, Church Membership: How the World Knows Who Represents Jesus (Wheaton: Crossway, 2012); Political Church, cap. 6. [Membresia na igreja: Como o mundo sabe quem representa Jesus (Vida Nova, 2016).]
da disciplina da igreja local. Fazemo-lo com a expectativa de que esses amigos pertençam às suas próprias igrejas, onde seus companheiros os amam dentro do contexto de tal responsabilização formal.
Cargos de liderança: além do cargo de membro da igreja, as Escrituras estabelecem os ofícios de diácono e presbítero. Tradições variadas os tratam de maneira diferente, e algumas até acrescentam um terceiro à mistura, mas os ofícios sempre representam conjuntos de valorações teológicas e morais.
Suponha que adotemos os dois ofícios defendidos neste livro, por meio dos quais os presbíteros atendem ao trabalho intensivo de pregação, oração e supervisão da Palavra, enquanto os diáconos atendem às necessidades físicas da congregação. Que valores teológicos e morais estão em jogo? Poderíamos citar muitos: o ministério da Palavra é uma prioridade e nunca deve ser prejudicado nem mesmo pelas necessidades físicas; o crescimento cristão é alimentado por Deus falando por meio de mestres piedosos; a supervisão deve ser feita por aqueles que são formalmente reconhecidos como proficientes na Palavra; a igreja deve cuidar dos membros com necessidades físicas; e assim por diante. Submeter-se à liderança de presbíteros e diáconos envolve internalizar essas avaliações teológicas e morais. O “discípulo” cristão que decide não politizar seu discipulado por meio da união a uma igreja está efetivamente renunciando a estas reivindicações teológicas e morais. Por exemplo, ele está simplesmente dizendo: “Não, meu cristianismo não requer supervisão de alguém que tenha sido formalmente reconhecido como proficiente na Palavra. Sou o melhor juiz da minha própria vida e da minha proficiência bíblica”. Esperamos que o leitor já esteja adquirindo alguma noção de como o pensamento anti-institucional e antipolítico é profundamente arrogante. Tomada de decisão: até o modo como a política eclesiástica especifica o processo de tomada de decisão de uma igreja pressupõe um conjunto de valores teológicos e morais que os discípulos cristãos farão bem em internalizar. Vale a pena citar detalhadamente a discussão de Heclo sobre “seguir regras”:
Como o pensamento institucional está atento ao cumprimento de regras e não a estratégias pessoais para alcançar objetivos particulares, a previsibilidade na conduta é maior. A previsibilidade, por sua vez, pode aumentar a confiança, o que pode melhorar a lealdade recíproca, o que pode facilitar a negociação, o comprometimento e as relações fiduciárias. Como o pensamento institucional vai além de ligações meramente contingentes e instrumentais, ele transforma a vida cotidiana em algo mais
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profundo do que um desfile passageiro de estados de espírito e sentimentos pessoais. Ao final, as vantagens do pensamento institucional resumem-se ao que é distintamente humano. A questão não é que seja errado ver as instituições como jaulas de opressão humana, mas que esta é uma meia-verdade perigosamente incompleta. As instituições também podem ser instrumentos para a liberdade humana e para vidas enriquecidas e prósperas. […] Por exemplo, sem instituições que defendam a propriedade privada, mesmo o indivíduo mais liberto verá em breve que sua liberdade é um slogan vazio. Mas vai além disso. Pela sua natureza, o pensamento institucional tende a cultivar o pertencimento e a vida comum. Conduz à ação coletiva que não só controla, mas também expande e libera a ação individual. Os humanos florescem como criaturas que se apegam, e não como seres sem amarras.23
Para transpor isto ao domínio da política eclesiástica, poderíamos dizer que se submeter a um livro de ordem ou constituição eclesiástica para o processo de tomada de decisão, mesmo que se recomende algo tão prosaico como as Regras de Ordem de Robert, é um modo de afirmar o bem da atividade corporativa da igreja, os limites de qualquer indivíduo, a necessidade de todo o corpo, o valor da confiança e da unidade entre o povo redimido de Deus e muito mais.
Outras igrejas: para que uma igreja reconheça qualquer ligação com outras igrejas, seja formal ou informal, ela precisa reconhecer que o reino de Deus é maior do que sua própria congregação. Deve reconhecer outros cristãos com quem se pode ter comunhão e cooperar para os propósitos do reino. Além disso, a natureza meticulosa da ligação com outras igrejas fala da compreensão que uma igreja tem da unidade cristã, quer esta dependa da fé ou da fé e da ordem.
Ampliar nossos horizontes temporais para além do agora
Terceiro, Heclo argumenta que “o pensamento institucional valoriza a continuidade e os cálculos de longo prazo em detrimento dos cálculos de curto prazo”. Seus horizontes temporais estendem-se para trás e para a frente, exigindo reconhecermos que muito do que temos nos foi dado
23 Heclo, “Thinking Institutionally”, em Rhodes, Binder e Rockman, The Oxford Handbook of Political Institutions, p. 739-740.
e daremos aos outros. Recebemos e legamos, o que significa que devemos sempre estar atentos às questões precedentes. Vivemos sob as obrigações do usufruto, diz Heclo, o direito de usufruir o que pertence a outro sem destruí-lo ou desperdiçá-lo. O pensamento institucional coloca-nos dentro de um “nós” maior que inclui os vivos, os mortos e os nascituros. Promove a solidariedade.24
Novamente, não é difícil transpor a sabedoria de Heclo para o domínio do discipulado e da política. Uma visão de longo prazo leva em conta a história da igreja, como mencionado acima, sua ortodoxia e sua hinódia. Reconhece a continuidade que partilhamos com aqueles que vieram antes de nós e, por isso, tenta aprender com eles. Contudo, ter uma visão de longo prazo também significa ter cuidado com os precedentes que estabelecemos para os que ainda estão por vir. Pode impedir-nos de adotar estruturas aparentemente “prudentes” que funcionam em nossa situação, porque um rápido olhar adiante sugere que podem facilmente desencaminhar gerações futuras. Isso nos leva de volta à suficiência das Escrituras. Desencoraja-nos de conceber programas chamativos que produzam decisões rápidas e colham o cristianismo nominal. Em vez disso, encoraja-nos a trabalhar por uma “longa obediência na mesma direção” à medida que avançamos. Ter uma visão de longo prazo deve nos levar a confiar nos meios comuns da graça e na promessa de Deus de trabalhar por meio da sua Palavra e do seu Espírito, mesmo que a mudança ocorra lentamente. Nesse sentido, a visão de longo prazo promove a paciência e evita que manipulemos as pessoas num esforço para acumular agora resultados, estatísticas e provas de conversão. Um conceito bíblico que resume a proposta de Heclo para o “pensamento institucional” e estas três posturas — receber fielmente, reconhecer o valor moral, ampliar os horizontes temporais — é a maturidade. A criança que grita oferece a imagem paradigmática de horizontes de curto prazo e uma preocupação com preferências pessoais. Consideremos, em contraste, a declaração de Paulo: “Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, pensava como menino; quando cheguei a ser homem, desisti das coisas próprias de menino” (1Co 13.11). Ao longo da primeira carta aos coríntios, Paulo se dirigiu a uma
24 Ibid., p. 737.
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igreja que havia sucumbido ao partidarismo e à superioridade. Nos capítulos 12 a 14, onde encontramos o versículo, ele lembrou a igreja sobre a dependência de cada membro de todos os outros membros (cap. 12) e da importância que deveriam dar às práticas que edificam o corpo (cap. 14).
Aparentemente, é isso que significa agir como um adulto e não como uma criança. A infantilidade é individualista. É indiferente às necessidades do corpo e persegue seus próprios desejos. A maturidade está voltada ao corpo; procura servir e reconhece a sua dependência do todo.
A mentalidade imatura e individualista, seja em sua forma cristã ou secular, concebe um universo ironicamente pequeno. Isso me torna maior e mais sábio do que todas aquelas regras, estruturas, tradições e instituições que me prenderiam. Eu me torno o juiz e senhor de todas elas, o que pressupõe que os limites do meu universo mental abrangem tudo. Todo o meu universo, então, torna-se tão grande quanto… eu — um universo bem pequeno, afinal de contas. Porém, no momento em que reconheço que algumas regras e tradições ou instituições são maiores do que eu, meu universo tem potencial para crescer. Submeter-me à instituição do casamento significa cuidar não apenas de mim, mas de outra pessoa. Submeter-me à instituição da família significa cuidar dos filhos e dos pais. Submeter-me a uma igreja significa cuidar de todo um grupo de cristãos aos quais estou unido não pelo sangue, mas por uma aliança que escolhi livremente. Cada um destes papéis institucionais restringe a atividade em uma direção, mas expande-a em outra. Não é de surpreender que uma era individualista e antiautoridade esteja registrando taxas crescentes de divórcio, de pais ausentes e de pular de igreja em igreja.
Quando o discipulado cristão se confina às estruturas da política eclesiástica, ele ganha acesso às plataformas e ferramentas que irão expandir, crescer e ampliar a alma. A política cerca a alma de algumas maneiras, mas o faz como o cinzel de um escultor ou a tesoura de um jardineiro. Suas restrições, com o tempo, produzem o corpo, o florescimento. Não, você não pode ser membro até que se arrependa do seu pecado. Não, não pode ser um presbítero antes de administrar bem a sua casa. Sim, você deve trabalhar em direção a um consenso. Sim, deve se esforçar para persuadir aqueles que discordam. Assim é a vida dentro da nova humanidade. Então venha!
A autoridade em um mundo caído é frequentemente mal utilizada. Mas isso não muda o fato inevitável de que, de acordo com as Escrituras, o crescimento ocorre por meio da submissão. Jesus até nos diz que o formato
elementar da fé é a submissão (Mt 8.9-10). Afinal, o que é a fé senão acreditar e agir de acordo com a palavra de uma autoridade superior? É por meio do governo de uma igreja local que os cristãos têm a oportunidade de exercitar os músculos da sua fé conforme se submetem uns aos outros (cf. Ef 5.21). A vida cristã autoguiada, por outro lado, tem comparativamente menos oportunidades de exercitar e desenvolver os músculos da fé, porque cada passo espiritual é dado em seus próprios termos. Entretanto, o jovem casal que dá ouvidos às instruções do presbítero, ou a jovem que ouve a repreensão da congregação, ou o jovem que assume a responsabilidade do homem mais velho, está aprendendo a confiar em uma voz diferente da sua, e essa confiança produzirá uma colheita de justiça e paz (cf. Hb 12.11, NVI).
Uma abordagem do discipulado cristão moldada pela política eclesiástica, por fim, é consistente com uma compreensão do crescimento cristão orientado pela Palavra.25 A fé começa quando nos ajoelhamos perante a afirmação de Jesus de ser Salvador e Senhor. Começa com nossa obediência a uma palavra.26 E cresce à medida que nos submetemos cada vez mais a tudo o que ele ordena (Mt 28.20). A política da igreja e uma compreensão moldada pela política do discipulado cristão são nada mais nada menos do que nossa obediência a uma palavra — a Palavra de Cristo nas Escrituras e, depois, a palavra delegada e autorizada de uma igreja e de seus líderes.
4. A política fortalece o testemunho da igreja
Uma ironia da cultura liberal da modernidade tardia é que, apesar de toda a ênfase na autonomia e na tolerância, damos grande importância à conformidade ideológica e desdenhamos de qualquer coisa que cheire a sectarismo.27 Os evangélicos têm sua própria versão disto: impaciência em relação a diferenças denominacionais ou políticas. Essa impaciência pode
25 Veja Jonathan Leeman, Reverberation: How God’s Word Gives Light, Freedom, and Action to His People (Chicago: Moody, 2011).
26 Veja Jo 6.63; Rm 10.9-10; 2Co 4.6; Tg 1.18, 21; 1Pe 1.23.
27 Sobre este ponto, veja Colin E. Gunton, The One, the Three, and the Many: God, Creation and the Culture of Modernity (New York: Cambridge University Press, 1993), p. 28-37. Por exemplo, “O cerne do paradoxo da condição moderna é que a busca pela liberdade de muitos resultou em novas formas de escravidão a alguém. […] Quando Deus não é mais aquele que mantém as coisas unidas, os demônios correm para ocupar seu lugar. Um ‘alguém’ impessoal substitui o desprezado do teísmo tradicional, e a escravidão é maior do que antes” (p. 34, 36).
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ser o fruto sinceramente piedoso de um desejo de divulgação do evangelho e de unidade, mas os cristãos do passado não pareciam preocupados que suas convicções sobre política eclesiástica pudessem produzir problemas assim. Nem nós deveríamos.
Na verdade, o trabalho da política de estabelecer a igreja local na verdade propaga a obra do evangelho por todas as nações — a quarta razão pela qual a política é importante. Como já foi afirmado diversas vezes, as instituições não apenas restringem; elas comissionam. Fornecem plataformas para atividades ou canais para crescimento. A política de uma igreja deve servir à missão desta, tal como a estrutura de governo de qualquer organização deve servir ao fim para o qual essa organização existe, seja ela uma fabricante de computadores ou um time de futebol. Os cristãos da atualidade por vezes discordam sobre até que ponto a missão da igreja deve ser definida de maneira ampla ou restrita, mas praticamente todos concordariam que sua missão inclui o evangelismo.
Em cada sistema político, batizar pessoas na igreja cristã identifica-as com o nome de Jesus e separa-as para o trabalho de representar Jesus por meio do evangelismo. O primeiro passo bíblico para se tornar um evangelista é ser batizado a fim de se tornar membro de uma igreja. É como distribuir uma camisa de time. As pessoas normalmente não associam a política eclesiástica com o evangelismo, mas os dois estão claramente ligados. A identificação institucional precede e possibilita o trabalho de representação evangelística. O cargo de membro da igreja é um cargo de embaixador.
Em cada sistema político, reconhecer mestres da Palavra leva a equipar os santos para o evangelismo e o testemunho de maneira mais ampla. Pastores, presbíteros ou bispos equipam os santos para o trabalho ministerial, ensinando-os (cf. Ef 4.11-16). Os diáconos também promovem o ministério evangelístico servindo às necessidades dos santos e ajudando, assim, a construir a unidade da igreja. Quando as viúvas que falavam hebraico e grego foram ameaçadas de desunião por causa de uma distribuição desigual de alimentos, indivíduos semelhantes a diáconos trabalharam para unir a igreja (cf. At 6.1-7).
Nesta categoria final de discussão, minha própria perspectiva congregacionalista precisa novamente quebrar o silêncio e falar. O congregacionalismo, quando combinado com a segurança dos membros regenerados da igreja, propaga melhor o trabalho evangelístico e o testemunho de uma igreja.
O que fundamentalmente distingue o congregacionalismo de qualquer tipo de presbiterianismo ou episcopalismo é que ele dá autoridade final à igreja reunida para reconhecer o “que” e “quem” do evangelho. Afirma que as chaves pertencem conjuntamente a toda a congregação: “Porque, onde estiverem dois ou três reunidos” (Mt 18.20), e “Quando vocês estiverem reunidos em nome de nosso Senhor Jesus […] estando presente também o poder de nosso Senhor Jesus Cristo” (1Co 5.4, NVI). Isso requer duas coisas de cada membro. Primeiro, exige que todo membro estude o evangelho e o conheça. Desse modo, ele pode discernir quaisquer desvios. Consequentemente, Paulo ficou “surpreso” com o fato de os membros das igrejas da Galácia terem começado a ouvir outro evangelho (Gl 1.6-9). Eles deveriam ser mais espertos! Em segundo lugar, exige que os cristãos compreendam a relação entre o evangelho e a obediência e se esforcem para conhecer seus companheiros membros. Assim, eles podem exercer a autoridade compartilhada uns sobre os outros com integridade. Por isso, Paulo ficou triste quando os membros de Corinto não conseguiram erradicar um pouco de fermento ruim (1Co 5).
Em outras palavras, o congregacionalismo, como nenhum outro tipo de governança da igreja, força os líderes a trabalharem arduamente para equipar os santos a fazerem bem o seu trabalho. Isto é o que constrói uma igreja saudável. Poderíamos comparar uma igreja não congregacional e outra congregacional com dois tipos diferentes de prática de exercício. Na igreja não congregacional, o instrutor pula corda e levanta pesos enquanto a turma fica sentada em cadeiras de jardim, observando. Na igreja congregacional, o instrutor demonstra os exercícios e depois caminha pela sala inspecionando os alunos enquanto pulam corda e levantam peso. Qual desses dois tipos de prática levará a alunos mais equipados e mais fortes? Empurrar o locus final de autoridade relativa ao “que” e “quem” do evangelho para longe da congregação e transferi-lo à assembleia, ao presbitério ou ao bispo enerva a congregação e mina seu trabalho de evangelismo. Isso tenta a congregação à preguiça e à complacência, porque efetivamente os demite de seus cargos. Na verdade, quanto mais as autoridades fizerem, mais podemos esperar encontrar complacência, nominalismo e, por fim, liberalismo nos bancos.
A história da igreja parece testemunhar isso.
A nova aliança removeu o sacerdote, o rei e qualquer outro mediador tribal da sua posição entre Deus e o seu povo. Agora existe apenas um
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mediador, um sacerdote e um rei, que é Cristo. Por meio da nossa união com Cristo, todo o povo de Deus é feito sacerdote e rei. Como tal, “Não ensinará jamais cada um ao seu próximo, nem cada um ao seu irmão, dizendo: Conhece ao senhor, porque todos me conhecerão, desde o menor até ao maior deles” (Jr 31.34). Em outras palavras, cada membro da nova aliança é responsável pelo “que” e “quem” do evangelho. Mas essa responsabilidade não pode ser exercida adequadamente quando não existe autoridade proporcional à responsabilidade. O congregacionalismo, proponho, adapta-se melhor às estruturas e promessas da nova aliança. Protege e propaga melhor o trabalho evangelístico da igreja porque insiste em equipar todos os santos para essa tarefa. Ele instala de maneira mais decidida e explícita cada cristão em seu cargo.
Conclusão
Ao analisar o livro de Eric Liu, A Chinaman’s Chance, uma colunista de jornal fez esta observação sobre a praça pública, o mercado e a vida cívica dos Estados Unidos: “A cultura norte-americana tem agora um excesso de individualismo, pensamento de curto prazo e priorização de direitos em detrimento de deveres. [Liu] apela para uma ‘dose corretiva’ de valores chineses: responsabilidade mútua, pensamento a longo prazo, humildade, caráter moral e contribuição para a sociedade”.28 Qualquer pessoa familiarizada com a natureza individualista e orientada aos direitos do panorama cultural norte-americano provavelmente simpatiza com o interesse deste autor numa dose corretiva destes valores “chineses”. Do mesmo modo, o objetivo desta introdução — na verdade, o objetivo de todo este livro — é apelar para uma dose corretiva de pensamento político. A política eclesiástica, é claro, não fornecerá aos evangélicos tudo de que precisamos para o discipulado cristão e o testemunho evangelístico, mas é uma peça crucial. Em última análise, o objetivo de Deus ao formar discípulos cristãos e propagar seu testemunho com a ajuda da política da igreja é “para me serem por povo, e nome, e louvor, e glória” (Jr 13.11, NAA).
28 Dana Milbank, “Battle Cry of the White Man”, em: Washington Post. Disponível em: http://www.washingtonpost.com/opinions/dana-milbank-battle-cry-of-the-white-man/2014/08/05/961858f4-1cd4-11e4-ab7b-696c295ddfd1_story.html.