Controvérsia Católica

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Uma análise bíblica das doutrinas do catolicismo romano

Rio de Janeiro, RJ

Controvérsia católica: Uma análise bíblica das doutrinas do catolicismo romano

Traduzido do original em inglês: The Roman Catholic Controversy

Copyright © 1996 James R. White

Publicado originalmente por Bethany House Publishers Minneapolis, Minnesota

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por PRO NOBIS EDITORA

Rua Professor Saldanha 110, Lagoa, Rio de Janeiro-RJ, 22.461-220

1ª edição: 2024

ISBN: 978-65-81489-61-8

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

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Nesta obra, as citações bíblicas foram extraídas da Bíblia Almeida Revista e Atualizada (ARA), salvo informação em contrário.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

White, James R.

A controvérsia católica: uma análise bíblica das doutrinas do catolicismo romano/James R. White; tradução João Paulo Aragão. – Rio de Janeiro: Pro Nobis Editora, 2024.

Título original: The roman catholic controversy.

ISBN 978-65-81489-61-8

1. Evangelicalismo 2. Igreja Católica - Doutrina 3. Igreja Católica - Relações - Igrejas Protestantes 4. Protestantismo 5. Teologia cristã I. Título.

24-210328

Índices para catálogo sistemático: 1. Teologia cristã 230

Tábata Alves da Silva – Bibliotecária – CRB-8/9253

Tel.: (21) 2527-5184 contato@pronobiseditora.com.br www.pronobiseditora.com.br

CDD-230

É difícil encontrar uma bênção de Deus para uma igreja local e para seu povo que seja maior do que um pastor piedoso e trabalhador. A Phoenix Reformed Baptist Church, e minha família em particular, foi abençoada com um grande pastor. Contente com o chamado de Deus para sua vida, dedicado ao cuidado das ovelhas que lhe foram confiadas, meu pastor encarna o ideal bíblico do presbítero piedoso.

Em gratidão piedosa, dedico essa obra ao pastor Don Fry.

Sumário

Prefácio à edição em português

A Reforma explodiu como um movimento de reação aos erros e desvios da Igreja de Roma. Os reformadores Martinho Lutero, Ulrico Zuínglio, João Calvino, entre outros, ministraram no contexto de polêmicas com a igreja romanista. De modo geral, seus escritos visavam corrigir abusos e levar a igreja de volta às Sagradas Escrituras como única regra de fé e de prática.

Neste combate, pode-se mencionar exemplos como Martinho Lutero, que, além das suas 95 Teses, também escreveu diversos tratados polêmicos contra a Igreja de Roma, incluindo a sua obra Do cativeiro babilônico da igreja, produzida com o objetivo de criticar os sete sacramentos da igreja romanista. Há também os 67 Artigos de Ulrico Zuínglio, escritos no contexto da Primeira Disputa de Zurique, em 29 de janeiro de 1523.1 Neles, Zuínglio defendeu a salvação somente pela graça mediante a fé, a autoridade suprema da Bíblia, a supremacia de Cristo na igreja e o direito dos sacerdotes ao casamento.2 Além dele, As institutas da religião cristã, de João Calvino, em grande parte se ocupam dos desvios do catolicismo romano, com destaque especial para o Livro IV, que é um tratado magistral de eclesiologia. Famosa também foi a controvérsia na qual João Calvino se envolveu com Jacopo Sadoleto, um cardeal católico romano, que, enquanto Calvino estava em Estrasburgo, por volta de 1539, tentou levar Genebra de volta para o romanismo. O resultado foi um belíssimo tratado no qual o reformador francês fez uma eficaz defesa

1 Acesse: https://cpaj.mackenzie.br/historia-da-igreja/movimento-reformado-calvinismo/ confissoes-reformadas/os-67-artigos-de-ulrico-zuinglio-1523/.

2 Earle E. Cairns. O cristianismo através dos séculos (São Paulo: Vida Nova, 2020), p. 271. Nova edição revisada e ampliada.

da doutrina da Reforma. Recentemente, em 2020, foram traduzidas e publicadas duas cartas de Calvino nas quais o reformador francês escreve contra o culto idólatra e contra o sacerdócio da Igreja Católica Romana. Na primeira, ele exorta os cristãos a fugirem de todos os ritos proibidos dos perversos e a sustentarem a pureza da fé cristã; na segunda carta, o reformador discorre sobre a obrigação do homem cristão de cumprir corretamente o ofício de bispo ou de renunciar ao ofício da igreja papal.3

A mesma postura pode ser facilmente traçada durante o período da pós-Reforma, ou Ortodoxia Protestante. Francis Turretin, teólogo genebrino do século 17, ocupou boa parte da sua Teologia elêntica para refutar as doutrinas ensinadas pelos papistas. Além da sua magnum opus, Turretin escreveu uma disputa especificamente sobre a identificação do papado com o Anticristo. Nela, Turretin responde a um teólogo chamado Marcus Werdmylerus, afirmando categoricamente que o papa de Roma é o homem da iniquidade e, por essa razão, separar-se de Roma se torna uma necessidade categórica.4

Digno de menção é um dito do puritano inglês, o presbiteriano John Flavel: “O moto da rainha Elizabeth era: ‘Nenhuma paz com a Espanha’. O nosso deveria ser: ‘Nenhuma paz com Roma’”.5 Flavel escreveu isso em sua obra Tidings from Rome or England’s Alarm [Tendências de Roma, ou Um alarme para a Inglaterra]. Um pouco antes, ele escreveu: “Abomine o papado e seja eminente em seu zelo contra ele. Roma é aquele Amaleque, com quem Deus nunca fará as pazes; nem nós deveríamos fazer”.6 Ainda de acordo com John Flavel, é necessário que o papado seja abominado pelos protestantes, pois ele “é uma RELIGIÃO FALSA, SANGUINÁRIA, BLASFEMA, DESAGRADÁVEL E MALDITA”.7 O papado, diz Flavel, “é a religião do Anticristo”, “a doutrina do Anticristo”.8 Perceba, leitor, o tom!

3 João Calvino, God or Baal: Two Letters on the Reformation of Worship and Pastoral Service (Grand Rapids, MI: Reformation Heritage Books, 2020).

4 Francis Turretin, 7th Disputation: Whether it Can Be Proven the Pope of Rome Is the Antichrist, p. 2. Disponível em: https://www.iconbusters.com/iconbusters/htm/ catalogue/turretin.pdf.

5 John Flavel, “Tidings from Rome or England’s Alarm”, em Works of John Flavel, vol. 4 (Edinburgh, UK: The Banner of Truth Trust, 1997), p. 573-574.

6 Ibid., p. 573.

7 Ibid., p. 574.

8 Ibid.

John Owen t ambém exemplifica a postura polêmica do puritanismo contra o papado. Ele pregou vários sermões contra a idolatria da Igreja de Roma. Por exemplo, em 7 de maio de 1680, Owen pregou um sermão baseado em Habacuque 2.4: “O meu justo viverá pela fé”, e falou a respeito do uso da fé, caso o papado retorne sobre nós”.9 Nele, Owen busca encorajar os crentes frente à possibilidade de o papado retomar o controle da Igreja da Inglaterra. Porém, digna de nota é a sua obra intitulada The Church of Rome No Safe Guide [A Igreja de Roma não é um guia seguro], publicada em 5 de março de 1679. O título completo da obra ainda traz: Reasons to Prove that No Rational Man, Who Takes Due Care of His Own Eternal Salvation, Can Give Himself Up Unto the Conduct of that Church in Matters of Religion [Razões para provar que nenhum homem racional, que cuida devidamente da sua própria salvação eterna, pode se entregar à conduta dessa igreja em questões de religião].

Entre os puritanos, o último exemplo que desejo mencionar é “do pai do puritanismo”, William Perkins. As Works de William Perkins compreendem um total de dez volumes. Um volume inteiro é dedicado à apologética contra o catolicismo romano. O volume 7 consiste em três tratados anticatólicos: 1. A Reformed Catholic ([Um católico reformado] escrita em 1598). Essa obra é interessante, pois o que levou Perkins a escrevê-la foi o que alguns escritores católicos franceses estavam afirmando, no sentido de que “o catolicismo romano e o protestantismo eram substancialmente a mesma religião, que tinha sido traduzida para o inglês, e essa opinião estava persuadindo algumas pessoas impressionáveis”10 ; 2. The Problem of Forged Catholicism, and the Universality of the Romish Religion ([O problema de um catolicismo forjado, e a universalidade da religião romanista] publicada em 1604). Nessa obra, Perkins “prova que o testemunho patrístico está do lado da Reforma Protestante em geral, e da tradição reformada de modo particular, como ela existia na concepção de Perkins acerca da Igreja da Inglaterra”11; e 3. A Warning Against the Idolatry of the L ast Times, and An Instruction Touching Religious or Divine Worship ([Um alerta contra a idolatria dos últimos dias, e

9 John Owen, “The Use of Faith, if Popery Should Return upon Us”, em The Works of John Owen, vol. 9 (Edinburgh, UK: The Banner of Truth Trust, 2009), p. 505-510.

10 Shawn D. Wright e Andrew S. Ballitch, prefácio de William Perkins. The Works of William Perkins, vol. 7 (Grand Rapids, MI: Reformation Heritage Books, 2019), p. xxi.

11 Ibid., p. xxii.

Uma instrução no tocante ao culto] escrito por volta de 1598). Nesse tratado, Perkins critica a Igreja de Roma e exorta os ingleses a abraçar com maior firmeza o evangelho proclamado pela Reforma.

A polêmica contra Roma segue ininterrupta pelo menos até o século 19, que, creio eu, é quando as coisas começam a mudar, no que diz respeito ao modo como os protestantes agem em relação à igreja romanista. Trata-se de algo que ainda demanda maior e mais demorada pesquisa para chegarmos a uma maior precisão. Apesar disso, consigo pensar em alguns eventos que foram decisivos para todo o descuido das denominações protestantes e evangélicas em relação ao romanismo. Desejo discorrer brevemente sobre esses eventos.

O movimento anglo-católico do século 19

O primeiro evento que desejo mencionar não é exatamente um evento, mas, sim, um movimento que ficou conhecido como movimento anglo-católico ou anglocatolicismo, e que é datado do século 19. Normalmente, eu lembro das palavras ditas pelo Dr. D. Martyn Lloyd-Jones a respeito do século 19: “O século 19, com sua mentalidade e perspectiva, é o responsável pela grande maioria das dificuldades e problemas que enfrentamos hoje nas igrejas”.12

O anglocatolicismo também é conhecido como “Movimento de Oxford”, em razão de que a maior parte dos seus adeptos eram membros da Universidade de Oxford; e “Movimento Tractariano”, em virtude de inúmeros tratados escritos e publicados por seus líderes. Esse movimento é tido como um movimento de renovação do anglicanismo. Por volta de 1833, a situação da Igreja Anglicana era considerada triste, de profunda estagnação espiritual. Além disso, o clima político na Inglaterra após a Revolução Francesa (1789) era de enorme insegurança. O relacionamento da igreja com a sociedade se tornava cada vez mais caracterizado por ideais secularizados e revolucionários.

Os líderes desse movimento desejavam libertar a Igreja da Inglaterra das mãos do rei e do governo, afirmando a sua linhagem e sucessão apostólica. No Tratado n.º 1, de 1833, eles afirmaram que “a autenticidade da igreja achava-se na natureza essencial do episcopado. [...] A ordenação dos bispos era, portanto, considerada a essência da igreja, sem a qual uma igreja não é

12 D. Martyn Lloyd-Jones, Pregação e pregadores (São José dos Campos: Fiel, 2008), p. 247.

aceita como tal”.13 Além da sucessão apostólica, os tratados publicados pelo movimento também faziam ampla defesa da regeneração batismal e do valor dos rituais no culto cristão.14 Também o “movimento romântico, com seu destaque nas glórias do passado gótico e seu amor pela beleza ritual para estimular as emoções no culto, fomentou as ideias ritualistas do movimento. Interessados pela história de ritos e vestes, os homens procuraram restaurar ao culto muito da majestade do passado”.15

Com o passar do tempo, foram discernidas quatro linhas dentro do anglocatolicismo: 1. a Sociedade Camden de Cambridge e seus sucessores, “que enfatizam bastante, e com um pouco de romantismo, a história da Inglaterra e os ritos e vestimentas ingleses da pré-Reforma”16; 2. o anglocatolicismo liberal; 3. os católicos evangélicos, “que procuram harmonizar os ensinos bíblicos e reformados sobre a graça e o evangelho com os dogmas clássicos e a política distintiva”17; e 4. o anglocatolicismo pró-romano, “cujo alvo principal é a união do anglicanismo ao catolicismo romano, não meramente de um modo geral, ecumênico, mas pelo sacrifício da doutrina da Reforma Anglicana quando este estiver em conflito com o Concílio de Trento”.18 É esta última linha que contribui grandemente para a maneira como, paulatinamente, as denominações protestantes, incluindo as reformadas, passam a se abrir para o catolicismo romano. Como resultado das ênfases do movimento, começaram a ocorrer muitas conversões ao catolicismo romano, sendo a mais famosa a de um dos líderes do movimento, John Henry Newman, em 1845. À época, Newman era o bispo anglicano da capela da universidade. Num dos tratados, o de n.º 90, Newman fez algumas considerações a respeito dos 39 Artigos e do Livro de Oração Comum da Igreja da Inglaterra, afirmando que esses documentos mostravam “a continuidade da Igreja Anglicana com a Igreja Católica Romana”.19 Além de Newman, cerca de 876 pessoas, entre as quais 250 ministros ou líderes teológicos de Oxford

13 C. F. Allison, “Anglo-Catolicismo”, em Walter E. Elwell (ed.), Enciclopédia histórico-teológica da igreja cristã, vol. 1 (São Paulo: Vida Nova, 2009), p. 70.

14 Earle E. Cairns, O cristianismo através dos séculos, p. 433.

15 Ibid.

16 C. F. Allison, “Anglo-catolicismo”, em Walter E. Elwell (ed.), Enciclopédia histórico-teológica da igreja cristã, vol. 1, p. 70.

17 Ibid.

18 Ibid.

19 Earle E. Cairns, O cristianismo através dos séculos, p. 434.

e Cambridge, também aderiram à Igreja de Roma. Em 1864, Newman foi feito cardeal da Igreja de Roma e hoje é o padroeiro de todos aqueles que deixam o protestantismo e se convertem ao romanismo. É interessante que, na página do Apostolado Cardeal Newman na internet, há um tópico dedicado ao movimento anglo-católico.20 Apesar disso, o anglocatolicismo não foi o único responsável.

A conferência missionária de Edimburgo, em 1910

O século 20 experimentou o que é chamado por alguns autores, como Mark Noll, de “expansão missionária”.21 Como expressão dessa expansão missionária, no ano de 1910, em Edimburgo, na Escócia, aconteceu a Conferência Mundial de Missão22 ou Conferência Missionária Mundial de Edimburgo. A conferência se reuniu de 14 a 23 de junho, no salão de conferências da Igreja Unida Livre da Escócia, “à sombra do famoso castelo de Edimburgo”.23

Os estudiosos apontam este evento como “um ponto de transição na história do cristianismo por causa do seu significado ecumênico”.24 Luiz Longuini Neto afirma: “A Conferência Mundial de Missão [...] teve papel decisivo para a vida das igrejas, para o movimento missionário e também como elemento catalisador e fundante para o movimento ecumênico contemporâneo”.25 Mark Noll destaca que, em Edimburgo, “foram ouvidas algumas vozes que especulavam se o cristianismo devia ser considerado como a revelação absolutamente final de Deus ou simplesmente a melhor revelação de Deus”.26

O que é interessante a respeito de Edimburgo 1910 é que, apesar de se propor a ser uma conferência missionária mundial, ela não abordou as missões na América Latina, concentrando-se nas missões entre países africanos, asiáticos e na Oceania. Missiólogos que analisam Edimburgo 1910 afirmam que essa conferência foi “extremamente importante para a América Latina na perspectiva da ‘lógica da exclusão’, ou seja, a América Latina esteve

20 Acesse: https://devoltaaolar.org/newman-movimento-oxford/.

21 Mark A. Noll, Momentos decisivos na história do cristianismo (São Paulo: Cultura Cristã, 2000), p. 282.

22 Luiz Longuini Neto, O novo rosto da missão (Viçosa, MG: Ultimato, 2002), p. 85.

23 Mark A. Noll, Momentos decisivos na história do cristianismo, p. 283.

24 Ibid, p. 285.

25 Luiz Longuini Neto, O novo rosto da missão, p. 85.

26 Mark A. Noll, Momentos decisivos na história do cristianismo, p. 285.

presente por não estar presente”.27 Duas razões são normalmente apontadas para essa exclusão da América Latina das preocupações missionárias de Edimburgo. A primeira razão tem a ver com o colonialismo europeu ultramar. Notadamente, as regiões discutidas, África e Ásia, compreendiam várias colônias europeias. Assim, quando se pensou em missões em Edimburgo, pensou-se em missões nessas colônias, majoritariamente.

A segunda razão, que agrega à primeira, é que Edimburgo considerou a América Latina “um continente cristão, portanto, um território que não deveria receber atenção dos missionários das agências e das igrejas protestantes”.28 A preocupação da conferência era com a evangelização entre os pagãos. Assim, a América Latina não foi considerada como território pagão, mas cristão. Um detalhe importante é que a ênfase não estava nas missões que já eram realizadas na América Latina há pelo menos meio século pelas igrejas protestantes norte-americanas. Edimburgo tinha em mente o catolicismo romano como o cristianismo presente na América Latina. Considerou-se aqui o colonialismo católico romano. Longuini Neto afirma que, “segundo alguns estudiosos, essa decisão fez com que Edimburgo colocasse a América Latina no centro do ecumenismo mundial”.29

Vê-se, portanto, a maneira aberta como o catolicismo romano era encarado no início do século 20.

O movimento ecumênico

A partir de Edimburgo 1910, o movimento ecumênico continuou a tomar forma. Isso porque, antes de Edimburgo, duas outras conferências costumam ser apontadas como tendo contribuído para o surgimento e o desenvolvimento de uma mentalidade ecumênica: Londres (1888) e Nova York (1900). Porém, em 1948, em Amsterdã, na Holanda, foi fundado o Conselho Mundial de Igrejas (CMI). Os estudiosos apontam que uma das influências para a formação do Conselho Mundial de Igrejas foi justamente o Movimento Missionário Internacional, do qual Edimburgo fez parte. O historiador Robert Hastings Nichols destaca que foi Edimburgo que “deu nova energia ao movimento de unidade cristã, que se estendeu por uma geração”.30

27 Luiz Longuini Neto, O novo rosto da missão, p. 86.

28 Ibid., p. 87.

29 Ibid.

30 Robert Hastings Nichols, História da igreja cristã (São Paulo: Cultura Cristã, 2000), p. 271.

Em 1927, ocorreu a Conferência Mundial sobre a Fé e Ordem, em Lausanne, na Suíça, com a participação de igrejas do mundo inteiro, incluindo as Igrejas Ortodoxas do Oriente. Apenas a igreja romanista não se fez presente. Não obstante, a intenção da organização era que a Igreja de Roma participasse. O objetivo era estudar meios para a unidade doutrinária e de governo das diversas denominações. Outras conferências foram organizadas, como a Conferência de Oxford, em 1937, cujo lema foi: “Nós somos um em Cristo”.31

Missiólogos latino-americanos comprometidos com uma espécie de evangelho social e simpáticos ao movimento ecumênico costumam apontar algumas contribuições católicas romanas para o ecumenismo. Longuini Neto, por exemplo, faz a seguinte afirmação: “Afirmamos acima que o movimento ecumênico está intrinsecamente ligado à história do protestantismo. Desejamos, no entanto, valorizar e destacar o papel fundamental que os católicos passaram a desempenhar no âmbito ecumênico, apesar de não pertencerem ao CMI”.32

Por volta da década de 1960, diversos líderes evangélicos se mostraram influenciados pela mentalidade ecumênica, a ponto de apoiar a participação de líderes católicos romanos em seus eventos. Em sua biografia sobre o Dr. Martyn Lloyd-Jones, Iain Murray faz um apontamento importante acerca de como a ampla maioria dos líderes evangélicos ingleses não se opunha à participação. De acordo com ele, por volta de 1960, Lloyd-Jones teve de lidar com a questão do ecumenismo, sendo esta a principal dificuldade que ele enfrentou. Iain Murray nos situa:

Um grande número de artigos ecumênicos, livros, “conversações”, comissões e conferências argumentou que a finalidade de transformar as denominações existentes em uma só Igreja era algo bom e apropriado. Em 1964, a Conferência do Conselho Britânico de Igrejas em Nottingham comprometeu-se a “uma Igreja o mais tardar até o Dia da Páscoa de 1980”.33 Murray ainda afirma que Lloyd-Jones “discordava do ecumenismo em seu princípio fundamental, a saber, que todo o diálogo devia acontecer pressupondo-se que estavam entre irmãos cristãos. Ele contestou isso porque dava uma amplitude para o significado de ‘cristão’, que era desconhecida do

31 Ibid., p. 272.

32 Luiz Longuini Neto, O novo rosto da missão, p. 38.

33 Iain Murray, A vida de Martyn Lloyd-Jones: 1899-1981 (São Paulo: PES, 2014), p. 377.

Novo Testamento”.34 A precisão doutrinária passou a ser desconsiderada. Crer em determinadas verdades para poder ser considerado cristão era algo rejeitado por esse movimento.

Para entendermos bem como se formava o clima nesse período, Billy Graham estava dando a volta ao mundo, fazendo as suas cruzadas evangelísticas. E, nesse período, o lema de Billy Graham era: “O único distintivo do discipulado cristão não é a ortodoxia, mas o amor”. Tal lema proporcionava a líderes católicos romanos e teólogos liberais uma participação ativa em suas cruzadas. Em determinada ocasião, Lloyd-Jones conversou com Graham face a face. Isso se deu em julho de 1963. Billy Graham desejava que Lloyd-Jones fosse o presidente em um “Congresso Mundial de Evangelismo”. A resposta de Lloyd-Jones foi a seguinte, de acordo com Iain Murray: “Eu disse que faria uma barganha: se ele parasse o patrocínio geral de suas campanhas — deixasse de ter os liberais e os católicos romanos na plataforma — e largasse o sistema de apelo, eu sinceramente iria apoiá-lo e presidir o Congresso. Nós conversamos por cerca de três horas, mas ele não aceitou essas condições”.35 Algumas declarações de Billy Graham ao longo dos anos se mostraram bastante controvertidas. Por exemplo, em uma entrevista datada de 1999, a uma escritora chamada Patricia Rice, ele declarou: “A minha responsabilidade é pregar o evangelho a qualquer um e deixar que eles escolham a sua própria igreja, seja ela católica, protestante, ortodoxa ou qualquer que seja”.36 Em 1997, ele foi entrevistado por Larry King, o maior entrevistador americano. King o questionou sobre o seu relacionamento com outras religiões, como o mormonismo e o catolicismo romano:

KING: O que você pensa a respeito de outras [igrejas]... como o mormonismo? Ou o catolicismo? Outras religiões dentro do conceito cristão.

GRAHAM: Oh, eu penso que tenho uma maravilhosa comunhão com todas elas.

KING: Você fica confortável com Salt Lake City? Você fica confortável com o Vaticano?

GRAHAM: Eu fico muito confortável com o Vaticano. Eu fui ver o papa várias vezes. Na verdade, na noite — no dia em que ele foi empossado,

34 Ibid., p. 378.

35 Ibid., p. 385.

36 David W. Cloud. Billy Graham’s Sad Disobedience (Port Huron, MI: Way of Life, 2018), p. 25.

feito papa, eu estava pregando em sua catedral, na Cracóvia. Eu era seu convidado... [e] quando ele estava aqui... em Columbia, Carolina do Sul... ele me convidou para falar com ele na plataforma. Eu daria uma palestra e ele daria a outra... mas eu estava a dois terços do caminho indo para a China...

KING: Você gosta desse papa?

GRAHAM: Eu gosto muito dele... Ele e eu concordamos em quase tudo.37

Em 1952, um repórter chamado William McElwain, escrevendo para o Pittsburgh Sun-Telegraph, falou a respeito das atividades ecumênicas de Billy Graham com a Igreja de Roma:

Graham enfatizou que a sua cruzada em Pittsburgh seria interdenominacional. Ele disse que espera ouvir o bispo Fulton J. Sheen em uma das missas, amanhã, na Catedral de São Paulo. Graham disse: “Muitas das pessoas que chegaram a uma decisão por Cristo em nossas reuniões se juntaram à igreja católica e recebemos elogios de publicações católicas pelo interesse renovado em sua igreja após uma de nossas campanhas. Isto aconteceu tanto em Boston quanto em Washington. Afinal, um dos nossos principais propósitos é ajudar as igrejas em uma comunidade”.38

A meu ver, o estrago é por demais óbvio.

Concílio Vaticano II (1962-1965)

O último grande evento que desejo mencionar em nossa aula introdutória a respeito do que teria acontecido para que nos tornássemos tão frágeis diante dos assédios de apologetas romanistas é o Concílio Vaticano II, que aconteceu de 1962 a 1965 e foi idealizado e convocado pelo papa João XXIII. Esse concílio “assinalou uma nova era para a Igreja Católica Romana”.39 Se desejamos entender o impacto desse concílio para o nosso assunto, precisamos lembrar que, no período moderno, a Igreja Católica Romana realizou três concílios: 1. Trento (1545-1563); 2. Vaticano I (18691870); e 3. Vaticano II (1962-1965). Desses três, os dois primeiros tiveram uma natureza de antagonismo. No caso de Trento, a Igreja de Roma reagiu contra a Reforma Protestante, anatematizando aqueles que se opunham às

37 Ibid., p. 22-23.

38 Ibid., p. 51-52.

39 Mark A. Noll, Momentos decisivos na história do cristianismo, p. 317.

doutrinas ensinadas por ela. O Concílio Vaticano I, por sua vez, antagonizou a modernidade, o cientificismo, os movimentos ideológicos e as inovações sociais. Foi o Vaticano I que reagiu contra essas coisas e elevou a infalibilidade papal a um nível dogmático.

O Vaticano II teve uma natureza essencialmente diferente. De acordo com Leonardo de Chirico, a postura do Vaticano II foi amistosa e apaziguadora: “Pela primeira vez na história, um concílio não pronunciou nenhum anátema, nenhuma maldição, mas teve apenas palavras de afirmação sobre cristãos não católicos, religiões mundiais, tendências da sociedade moderna”.40 Ele acolheu o evolucionismo nas ciências naturais, abriu espaço para a leitura crítica das Escrituras e também para o liberalismo teológico. Foi esse concílio que abraçou o movimento ecumênico e investiu no diálogo interdenominacional.

Leonardo de Chirico destaca ainda que o próprio tom do Vaticano II não foi doutrinário, mas pastoral. A intenção era cuidar da atitude, não da doutrina. Isso porque a Igreja de Roma não muda a sua doutrina. A linguagem usada não mais foi condenatória, dura e jurídica, mas branda e afirmativa.

A partir do Vaticano II você não tem mais Roma contra ninguém. O que você tem agora é Roma para todos. Uma palavra chave para se entender o Vaticano II é aggiornamento, que significa “atualização”. A Igreja de Roma não abre mão das suas tradições e das suas doutrinas, mas, ao mesmo tempo, ela se atualiza. Ela cria condições para absorver em seu interior grupos distintos, como conservadores, tradicionais, liberais, teólogos da libertação carismáticos, e assim por diante.

O concílio, ao final, produziu 16 documentos: 1. quatro constituições (Dei Verbum [sobre a Divina Revelação — dogmática], Gaudium et spes [sobre a Igreja no mundo de hoje — pastoral], Lumen gentium [sobre a Igreja — dogmática], e Sacrosanctum Concilium [sobre a sagrada liturgia]); 2. três declarações (Dignitatis humanae [sobre a liberdade religiosa], Gravissimum educationis [sobre a educação cristã], e Nostra aetate [sobre as relações da Igreja com as religiões não cristãs]); e 3. nove decretos (Apostolicum actuositatem [sobre o apostolado dos leigos], Ad gentes [sobre a atividade missionária da Igreja], Christus Dominus [sobre o múnus pastoral dos bispos], Inter mirifica [sobre os meios de comunicação social], Orientalium ecclesiarum [sobre as Igrejas orientais], Optatam

40 Leonardo de Chirico, Roman Catholicism Today. Acesse: https://youtu.be/I-ypLDtHUI8.

Totius [sobre a formação sacerdotal], Perfectae Caritatis [sobre a adequada renovação da vida religiosa], Presbyterorum ordinis [sobre o ministério e a vida dos presbíteros], e Unitatis redintegratio [sobre o ecumenismo]).

É este último documento que nos interessa, pois, como diz o historiador católico Giuseppe Alberigo, havia a “esperança de um ‘retorno’ a Roma dos cismáticos e dos hereges”.41 O decreto começa com a afirmação de que “promover a restauração da unidade entre todos os cristãos é um dos propósitos do sagrado Concílio Ecumênico Vaticano II. Pois Cristo Senhor fundou uma só e única Igreja. Todavia, são numerosas as comunhões cristãs que se apresentam aos homens como legítima herança de Jesus Cristo”.42

Devemos observar para a afirmação de que um dos propósitos do concílio é restaurar a unidade entre os cristãos, ao mesmo tempo em que afirma que Jesus fundou uma só e única Igreja. Isto nos dá um vislumbre de que o ecumenismo será usado pelo catolicismo romano de modo muito estratégico, pois “unidade entre os cristãos” quer dizer “submissão a Roma” ou “conversão a Roma”. O veneno ecumênico gestado no protestantismo será usado com muita inteligência pela Igreja de Roma.

Com o Vaticano II que é inaugurada a postura de não mais considerar os protestantes como hereges. A doutrina de Trento não mudou. Os anátemas promulgados continuam válidos, eles só não são levantados. Agora, os protestantes são mencionados como “irmãos separados”. Nossas igrejas agora são denominadas de “comunidades eclesiais separadas da Sé Apostólica Romana”. Ao tratar das relações entre esses irmãos separados e a Igreja de Roma, o decreto diz:

Nesta una e única Igreja de Deus já desde os primórdios surgiram algumas cisões, que o Apóstolo censura asperamente como condenáveis. Nos séculos posteriores, porém, originaram-se dissensões mais amplas. Comunidades não pequenas separaram-se da plena comunhão da Igreja Católica, algumas vezes não sem culpa dos homens dum e doutro lado. Aqueles, porém, que agora nascem em tais comunidades e são instruídos na fé de Cristo, não podem ser acusados do pecado da separação, e a Igreja Católica os abraça com fraterna reverência e amor. Pois aqueles

41 Giuseppe Alberigo. História dos Concílios Ecumênicos (São Paulo: Paulus, 2020), p. 414.

42 Unitatis Redintegratio, em Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II (São Paulo: Paulus, 2001), p. 215-216.

que creem em Cristo e foram devidamente batizados, estão numa certa comunhão, embora não perfeita, com a Igreja Católica. De fato, as discrepâncias que de vários modos existem entre eles e a Igreja Católica — quer em questões doutrinais e às vezes também disciplinares, quer acerca da estrutura da Igreja — criam não poucos obstáculos, por vezes muito graves, à plena comunhão eclesiástica. O movimento ecumênico visa a superar estes obstáculos. No entanto, justificados no batismo pela fé, eles são incorporados a Cristo, e, por isso, com direito se honram com o nome de cristãos e justamente são reconhecidos pelos filhos da Igreja Católica como irmãos no Senhor.43

Mais à frente, o decreto fala acerca da necessidade de se promover um estudo com vistas a “conhecer a mente dos irmãos separados”. Para isso, “os católicos devidamente preparados devem adquirir um melhor conhecimento da doutrina e história, da vida espiritual e litúrgica, da psicologia religiosa e da cultura própria dos irmãos”.44 Nós podemos ter a certeza de que eles fizeram isso muito bem. Eles passaram a conhecer todas essas coisas, enquanto os protestantes e os evangélicos acabaram por se abrir para a Igreja de Roma. O resultado está diante dos nossos olhos.

Evangélicos e protestantes que não sabem mais o que esses termos significam e que hoje em dia flertam com Roma admitem-na como igreja verdadeira, usando uma linguagem que não apenas sugere, mas afirma a nossa fraternidade no evangelho.

Diante desse quadro, é preciso retornar às origens, ao início, aos fundamentos, a fim de compreendermos o motivo da controvérsia em torno do catolicismo romano e o porquê de os nossos antepassados na fé se referirem a Roma como “a religião do Anticristo”. Nesse sentido, a obra de James White é extremamente bem-vinda!

Alan Rennê Alexandrino Lima, pastor da Igreja Presbiteriana do Cruzeiro do Anil, São Luís (MA), mestre em teologia (S.T.M.) pelo Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, doutorando em ministério (DMin) pelo Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper

43 Ibid., p. 219.

44 Ibid., p. 227.

Apresentação à edição original

Mais do que nunca, a Reforma é necessária entre os cristãos no Ocidente. Um tsunami de modernidade nos varreu, mudando muitas pressuposições que já duravam séculos. Agora, um novo tsunami, chamado pelos estudiosos de pós-modernidade, está varrendo o pensamento ocidental, minando até mesmo a ideia de verdade absoluta. Qual deve ser a resposta da igreja cristã diante dessas ondas de ataque filosófico?

Muitos cristãos sugerem que é preciso uma nova aliança entre católicos romanos e evangélicos para enfrentar esses erros modernos; uma aliança que nos elevará acima de nossas diferenças doutrinárias remanescentes, em espírito de unidade. Dizem que uma aliança assim deve ser construída sobre nossas crenças cristãs comuns e históricas, para podermos resistir juntos contra o presente ataque secular. Alguns evangélicos insistem que esse esforço trará mais convertidos à fé salvadora em Cristo. Outros são mais cautelosos em suas afirmações e procuram delinear as limitações de tal relacionamento. Entretanto, parece que todos concordam que uma reforma moderna é necessária entre aqueles que confessam o nome de Cristo.

Uma Reforma em nosso tempo? Sim, com certeza. Que Deus nos conceda graça para viver estes dias e poder para começar a reformar a igreja. Mas eu acredito, juntamente com James White, que essa deve ser uma reforma que começa com uma renovação da confiança na Palavra de Deus como a autoridade suprema em todos os assuntos de fé e prática cristã, um movimento enraizado novamente no evangelho da graça somente, recebido pela fé somente.

O historiador J. H. Merle d’Aubigne escreveu sabiamente há muitos anos: “A única reforma verdadeira é aquela que emana da Palavra de Deus”.

Enquanto os evangélicos modernos roem as unhas, esperando preservar a cultura ocidental e seus valores, eles correm o sério risco de perder justamente as verdades que moldaram profundamente sua cultura, a saber, a suficiência e a autoridade da Palavra de Deus e o evangelho da graça.

O evangelicalismo surgiu historicamente porque os cristãos do século 16 redescobriram o evangelho (ou seja, as “boas novas”). A partir dessa recuperação, um movimento de pessoas e igrejas se espalhou por toda a Europa e alterou para sempre o cenário eclesial e social. Esse movimento foi despertado e renovado ao longo dos séculos, à medida que o Espírito lhe dava nova vida. Poderíamos nós, na nossa geração, estar sob perigo de perdermos a ênfase central dessa grande redescoberta? James White pensa que sim, e eu também, mas não pelas razões frequentemente citadas em debates com secularistas modernos. Antes, corremos o risco de perder nosso lugar no ministério exatamente porque estamos perdendo nossa familiaridade com as verdades essenciais da Bíblia recuperadas no tempo da Reforma. É por isso que a controvérsia católica romana com o protestantismo evangélico não desaparecerá simplesmente pela força da boa vontade.

White demonstra claramente que a Igreja Católica Romana contemporânea, mesmo com a atualização de alguns de seus ensinos, não mudou tanto quanto muitos supõem. Ele mostra que as formulações doutrinárias católicas modernas (por exemplo, O catecismo católico de 1994) ainda conflitam significativamente com o ensino simples da Palavra de Deus. Ele é meticulosamente claro e preciso em sua exegese dos textos críticos da Sagrada Escritura. Ele aprendeu bem, por debater frequentemente com apologetas católicos populares, a formular as perguntas certas e a fornecer respostas substanciais e logicamente claras.

Além disso, White aborda outras importantes diferenças doutrinárias sob o espectro do próprio evangelho. Com isso, quero dizer que ele mostra como a missa, o purgatório e a oração a Maria e aos santos são doutrinas que na verdade enfraquecem a graça de Deus no evangelho. Críticos evangélicos populares do catolicismo romano frequentemente atacam essas práticas com pouco conhecimento do que é realmente ensinado e do que essas crenças significam para a centralidade de Cristo no Evangelho. White não cai nessa armadilha, pois entende tanto o ensino católico romano quanto a Escritura. Ele dedica tempo para descrever corretamente ambos e depois mostra por que o catolicismo fica aquém do evangelho revelado nas Escrituras. O leitor terá

uma compreensão melhor do que está no coração da fé evangélica moderna depois de ler James White.

Creio que o leitor cuidadoso encontrará nesta obra uma das mais claras apresentações da doutrina fundamental do sola Scriptura. Os apologetas católicos em geral começam seu ataque ao evangelicalismo tentando enfraquecer essa verdade, que é considerada o princípio formal da Reforma. Com isso, eles tentam expor a visão evangélica como frágil e ao mesmo tempo defender Roma como a verdadeira e única igreja. Os evangélicos muitas vezes fazem uma apresentação muito ruim dessa doutrina, assim concedendo certa credibilidade ao ataque católico. James White nos conduz na direção certa sobre esse assunto vital.

Se você deseja descobrir ou reafirmar inteligentemente as duas verdades evangélicas essenciais que são fundamentais para que haja uma reforma na igreja em nosso tempo, leia este livro. Seu tom é pacífico, irônico e justo. Seu conteúdo é substancial sem ser pedante ou exagerado. Tanto o leitor mais dedicado quanto aquele que se aproxima dessas questões pela primeira vez se beneficiarão deste livro.

Nos últimos cinco anos, dúzias de livros foram publicadas sobre este assunto. James White certamente nos deu um dos melhores. Os interessados em compreender o que está no cerne da presente controvérsia evangélica e católica romana devem ler este excelente livro.

John H. Armstrong

Prefácio do autor

O apóstolo Paulo deve ter se perguntado mais de uma vez: “Por que eu? Por que sou eu que tenho de ficar aqui sob esse inclemente sol asiático, tendo acabado de ser apedrejado por uma multidão furiosa?” (At 14.19). Ou então, “Por que Deus quer que eu escreva essa dura carta para as igrejas na Galácia? Por que sou eu que tenho de enfrentar falsos mestres, falsos irmãos, e todo tipo de estresse e tensão?”. Para quem pensa que a vida cristã é um mar de rosas, a vida de Paulo é um chamado de volta à realidade. Imagino que teria sido muito mais fácil para Paulo seguir um caminho de concessão. Muitos considerariam sua posição como restrita, sem amor e doutrinária demais. Será que as diferenças entre ele e os judaizantes na Galácia eram realmente tão importantes? Acaso não havia verdadeiros crentes em ambos os lados — como muitas vezes ouvimos hoje? Certamente, ninguém hoje o culparia se ele permitisse que diferentes opiniões coexistissem. Paulo deve ter ferido muitos sentimentos com sua forte carta aos Gálatas. Ele pode até mesmo ter afastado algumas pessoas! Então, por que ele fez isso?

O padrão de Paulo, e o padrão que oro a Deus para manter tanto na minha vida pessoal quanto na minha vida como ministro e professor, começa e termina com o Deus todo-poderoso. Deus define toda a existência, e a existência de Deus exige nossa preocupação com a verdade; a verdade objetiva, universal, conhecível, não o conceito instável de “sua verdade contra minha verdade” que não apenas infectou a cultura ocidental, mas se infiltrou também na igreja. O conflito entre aqueles que buscam viver uma cosmovisão bíblica e aqueles que permitem que a cultura contemporânea determine sua forma de teologia, suas crenças e práticas é fruto em

grande medida das visões totalmente diferentes que temos sobre a verdade e sobre se realmente cremos que Deus revelou a verdade de uma maneira clara e conhecível.

Paulo assumiu tal posição por acreditar que Deus é glorificado quando sua verdade é exposta. Logo, Deus não é glorificado quando sua verdade é negada, redefinida ou comprometida. Da mesma forma, uma vez que Deus revelou o Evangelho de Jesus Cristo e considerou adequado salvar homens e mulheres somente através desse evangelho, a pureza desse evangelho — sua veracidade — deve ser resguardada a qualquer custo. Os mais altos padrões dos cristãos devem ser formados à luz da glória de Deus e da verdade de Deus no evangelho de Cristo. Qualquer coisa inferior a não pode sequer ser considerada como “cristianismo puro e simples”.

Minha abordagem

Este livro surge de uma tentativa sincera de seguir os passos dos apóstolos em relação à glória de Deus e à verdade do evangelho. Minhas motivações são transparentes. Eu amo a Deus e amo o evangelho que ele revelou em Jesus Cristo. Eu verdadeiramente creio que o evangelho é o poder de Deus para a salvação. Quando considero o que Deus fez em Cristo — a graça que ele demonstrou ao dar seu próprio Filho como o sacrifício expiatório pelo povo de Deus —, o amor que ele demonstrou ao nos conceder esta graça em Cristo Jesus “antes dos tempos eternos” (2Tm 1.9), sou arrebatado pela profundidade da sabedoria e glória de Deus. Desejo servi-lo de todo o coração.

Crer no Deus que se revelou em Cristo é amar a verdade. Como podemos dizer que seguimos aquele que chamou a si mesmo “o caminho, a verdade e a vida”, se não levamos essa afirmação a sério? E se cremos na verdade, devemos ser diligentes no uso dos meios que Deus nos deu para conhecer e aplicar a sua verdade. Isso exige que sejamos estudantes da sua Palavra, a Bíblia, buscando constantemente aprender mais sobre seus ensinamentos e alinhar nossas próprias crenças a eles. Também é imperativo pensarmos de forma mais clara e lógica possível. Deus não é honrado por um raciocínio confuso.

Uma vez estabelecidas a glória e a verdade de Deus como minhas prioridades, devo, então, agir de acordo com esses padrões. Devo direcionar toda a minha vida a partir desse compromisso. Não importa o quanto essa postura

possa parecer impopular ou radical em minha cultura e época específicas; Deus me chama a viver uma vida que vai além de meros padrões culturais ou tradicionais.

O que isso tem a ver com uma obra que busca examinar as questões centrais que separam católicos romanos e protestantes? Creio firmemente que, no nosso contexto moderno, há muitos em ambos os lados desta questão que, talvez involuntariamente, estão sacrificando a verdade absoluta no altar da concessão e da conveniência. Eles já não veem a verdade do evangelho como um elemento importante em sua vida cristã. Foram profundamente influenciados pela cultura popular que zomba da ideia de uma verdade absoluta e se ofendem com as bobagens de “conservadores” que afirmam conhecer a verdade, mas demonstram um profundo desrespeito por ela com suas atitudes arrogantes e seu pensamento medíocre. Em vez de um pilar, a verdade do evangelho se tornou um complemento: algo a ser discutido pelos teólogos, mas que de forma alguma nos impeça de dar as mãos a todos em todo lugar, nem uma maravilhosa demonstração de unidade. Para muitos hoje, há coisas que são simplesmente mais importantes do que defender a verdade.

Mas, para quem deseja superar toda essa névoa e confusão, e pretende abordar a questão entre católicos romanos e protestantes de uma perspectiva bíblica, a questão da verdade torna-se central. Quando nos debruçamos sobre as questões definitivas da fé cristã, rapidamente fica evidente que católicos romanos e protestantes discordam sobre o próprio evangelho. Não se trata apenas de uma leve discordância sobre questões secundárias, mas de uma discordância de natureza fundamental. Não ganhamos nada quando minimizamos essa diferença fundamental, mas arriscamos tudo quando a ignoramos.

Seria mais fácil ignorar essa questão e nos dedicarmos a outras coisas? Certamente. Apesar de acusações alheias, não gosto de controvérsias ou confrontos.1 Duvido que o apóstolo Paulo gostasse, tampouco, mas parece que ele não conseguia evitá-los. Por quê? Aqueles que creem que vale a pena lutar pela verdade quase sempre são a minoria. Aqueles que se comprometem com a realidade e a importância da verdade de Deus não podem ignorar questões tão fundamentais como: “O que é o evangelho?”.

1 Veja, por exemplo, Patrick Madrid, “The White Man’s Burden”, na revista This Rock (10/1993), p. 11–16.

Por que eu?

Como posso contribuir para com este tema? Não sou um ex-católico romano. Sou batista, de vertente reformada. Então, por que estou abordando este tema? Por que o meu convite a este diálogo em particular, sobre um assunto tão importante, interessaria a você?

Ao longo dos últimos cinco anos, o Senhor me deu a oportunidade de participar de dezoito debates públicos e mediados contra os principais apologetas católicos romanos nos Estados Unidos. Não me refiro aos debates de rádio, tão comuns, que são mais frequentemente discussões, mas a debates acadêmicos, com moderação e controle, em que um determinado assunto é abordado por ambas as partes com o mesmo tempo para falar e argumentar sobre o assunto. Os tópicos eram vários, desde sola Scriptura (a autoridade suprema da Escritura), passando pelo papado e a missa, até a justificação pela fé. Esses debates ocorreram em auditórios de escolas católicas romanas, igrejas católicas romanas e no campus do Boston College. Quase todos foram gravados, e as gravações foram amplamente distribuídas. Alguns foram televisionados. Minha esperança é que em todos eles, o Senhor tenha sido honrado.

Minha interação com os principais apologetas católicos romanos me deu uma percepção do melhor que Roma tem a oferecer para defender suas próprias crenças e rebater as crenças protestantes. Li diversas fontes católicas romanas em minha preparação para esses debates, e essa leitura e estudo formam o pano de fundo deste livro. Portanto, este trabalho não foi escrito da torre de marfim de um ambiente acadêmico, longe da vivência nas questões envolvidas. Embora a discussão acadêmica seja trazida para este tópico, também trago para ele uma fé viva. Falo abertamente e de coração, pois meu desejo é que você caminhe comigo por este tópico do início ao fim, andando juntos em uma jornada que será desafiadora, mas também vitalmente importante.

Esta não é uma obra definitiva. Propositalmente, evitei muitas áreas de discussão interessantes para, em vez de focarmos nelas, concentrarmos nossa atenção nas questões centrais. Bastante material foi colocado nas notas para fazer a discussão avançar, e espero que aqueles que desejam mais informações escavem as pepitas oferecidas ali. Mesmo assim, muito mais poderia ser dito sobre cada tópico. Oro e espero que o leitor que deseja

obter mais, use esta obra como ponto de partida e, assim, prossiga para exposições mais profundas.

Vinde, arrazoemos

A relação entre católicos romanos e protestantes é uma questão emocionalmente carregada. Os sentimentos são intensos de ambos os lados. Por isso, desde o princípio, peço que tenhamos o compromisso de ouvir ambos os lados, pensar claramente e preservar a verdade de Deus acima de tudo. Fiz o meu melhor para evitar ofensas,2 mas sei que algumas pessoas ficarão ofendidas mesmo assim. Peço que se lembrem de uma coisa: o amor cristão não pode ser separado da verdade cristã. O verdadeiro amor regozija-se com a verdade, e o verdadeiro amor fala a verdade. Estou convencido de que é um ato de amor falar a verdade a alguém, especialmente quando fazer isso custar caro.

2 O debate católico romano/protestante tem sido marcado por animosidade e raiva. É fácil entender por que, na época da Reforma, tais sentimentos eram tão desenfreados: era possível literalmente ser morto por suas crenças. Mas muitos hoje aplicam a mesma raiva e ódio ao assunto, e, creio, sem proveito algum. Quando alguém ataca você, fica mais fácil responder na mesma moeda. E, no processo, as grandes verdades que estão em jogo são perdidas na fumaça e confusão resultante. Eu tenho procurado evitar jogar o jogo de insultos, apesar de ter sido o objeto do opróbrio de muitos defensores do catolicismo romano.

Não acredito que ele fez isso

Eis algo que tem acontecido bastante atualmente, mais do que em tempos anteriores. Você está conversando com amigos, lembrando algo do passado, e surge um nome que você não ouve há muito tempo. “Ah sim, o Tom. Lembro-me dele da nossa aula de estudo bíblico daquela época. O que aconteceu com ele?”. A resposta surpreende você: “Ouvi dizer que ele se tornou católico romano”. Ou chega uma mensagem de um velho amigo; depois do tradicional “Como estão as crianças? As minhas estão bem”, vem a notícia: “tenho algo importante para compartilhar com você. Recentemente fui recebido na Igreja Católica Romana.”

Ao longo de décadas, protestantes evangélicos nos Estados Unidos basicamente tomaram como certo que, se conversões ocorrem, só podem ser em uma direção: de católico romano para se unir a uma igreja que “crê na Bíblia e prega o Evangelho”. A maioria dos protestantes conservadores sinceramente não acreditam que Roma tem muito a oferecer, uma vez que muitos deles saíram da comunhão romana e foram para igrejas evangélicas. Muitas vezes, evangélicos não entendem como a importância da liturgia ou dos credos poderia ser atraente para alguém. A sensação de alguns é que foram exatamente esses credos, aparentemente áridos e sem vida, e a liturgia complexa, aparentemente sem significado, que os tiraram de Roma, na verdade. Compreender por que um irmão evangélico biblicamente fundamentado tomaria a decisão de aderir à comunhão romana pode ser algo difícil.

Para a maioria dos protestantes, a primeira pergunta que vem à mente quando ouvem falar de uma conversão assim é: “Como você pôde fazer isso? Roma ensina tantas coisas que não estão na Bíblia — ou até mesmo que

a contradizem diretamente!”. Muitos presumem que os católicos não têm defesa bíblica para suas crenças. É fácil entender por que se supõe isso: grande parte dos católicos romanos realmente não têm tal defesa. Isso porque muitos deles raramente abrem uma Bíblia, muito menos a estudam seriamente, o que faz os protestantes acreditarem que não deve haver nenhuma maneira de defender as ideias romanas a partir da Bíblia.

Os apologetas católicos romanos não hesitam em admitir o problema. Certo orador notável frequentemente começa suas palestras dizendo: “Veja, é possível saber quem é o protestante e quem é o católico apenas olhando para as pessoas. Olhe para a pessoa sentada ao seu lado. Ela possui uma Bíblia? Então não é católica”. Essa piada expressa uma situação real. Contudo, apenas o fato de a grande maioria dos católicos romanos não serem tão propensos a ter tanto conhecimento bíblico quanto os protestantes conservadores não implica que Roma não seja capaz de defender suas crenças a partir da Bíblia.

É um erro crítico pensar assim.

Como a maioria dos protestantes nunca foi questionada sobre os pontos fundamentais que os separam dos católicos, eles geralmente não estão devidamente preparados para entrar em um diálogo sério com um católico romano experiente. Nas igrejas evangélicas conservadoras, raramente ouvimos sermões ou estudos bíblicos sobre as questões que surgem em diálogos assim. Pregar sobre a importância do sola Scriptura ou da justificação pela fé somente, sem mérito humano, não terá, nem de longe, a mesma repercussão que teria um sermão empolgante sobre a salvação ou sobre algum mal social atual. E, afinal, por que deveríamos nos preocupar com tópicos teológicos tão pesados? É muito comum ouvir pregadores modernos criticando a “teologia formal” do púlpito. “As pessoas querem algo prático”, eles dizem.

Mas qualquer protestante que tenha tentado seriamente intervir na vida de outro crente que está trilhando a estrada para Roma sabe muito bem como teria sido bom ouvir pelo menos mais alguns sermões sobre justificação e mais alguns estudos bíblicos sobre a autoridade definitiva das Escrituras. Assim como aquele cristão que fica totalmente confuso e humilhado diante de uma Testemunha de Jeová ao discutir a Trindade ou a divindade de Cristo, aqueles que se importam a ponto de se envolverem no assunto (muitos não consideram essas questões importantes o suficiente para serem discutidas — uma atitude condenada por conservadores de ambos os lados da divisão protestante/católica) muitas vezes também saem humilhados e confusos.

Considere Bill, por exemplo. Bill cresceu em um lar cristão conservador. Ele frequenta a escola dominical em uma igreja batista desde que se entende por gente. Ele cantava no coral juvenil, fazia viagens missionárias no verão e até mesmo cursou uma formação teológica por alguns anos antes de começar sua carreira empresarial. Ele é ativo em sua igreja batista local, trabalha no programa de futebol juvenil e ensina na escola dominical para crianças de dez anos. No shopping, Bill acaba de encontrar Scott, um velho amigo da adolescência. Eles cantaram no coral juvenil, e até distribuíram folhetos juntos perto do centro missionário. Bill está prestes a ter uma surpresa.

Bill: Scott, você se lembra do diretor do coral da igreja? Foi uma época muito legal, especialmente quando insistíamos com ele para cantarmos “Love Is the Flag Flown High”.

Scott (de repente, um pouco desconfortável): Sim, lembro-me bem dele.

Bill: Então, que igreja você está frequentando atualmente?

Scott: Bem, Bill, faz um tempo que tenho pensado em falar com você sobre isso. Eu passei por uma mudança de direção, por assim dizer.

Bill: Ah, é? Pelo que soube, você estava em Southside.

Scott: Sim, eu fiquei lá por algum tempo. Mas alguns anos atrás… Bem, fui recebido na Igreja Católica Romana. Estou lá já há uns dois anos. Bill, estou realmente feliz lá.

Bill: Você se tornou católico romano? Não posso acreditar! Como pôde fazer isso? Você sabe que muito do que eles ensinam não está na Bíblia. Pior ainda, alguns desses ensinos são contrários à Bíblia. Lembro-me de quando conversamos sobre coisas como o purgatório, o papa e a adoração a Maria e tudo mais; você se lembra? Você até brincou uma vez, “Sim, o purgatório. Dá para encontrar isso no dicionário bíblico, bem ao lado de ‘pecados veniais’!”

Scott: Eu me lembro de ter dito isso. Mas, tenho que lhe dizer, Bill, nós dois estávamos errados. A coisa vai muito além do que pensávamos. E a Bíblia ensina, sim, sobre pecados veniais, o purgatório, o papa; e nós não adoramos Maria…

Bill: Espere um pouco, Scott. Ainda estou chocado. Você está realmente me dizendo que agora é membro da Igreja Católica Romana? Que você crê nos ensinamentos daquela igreja — de que o papa é o vigário de Cristo na terra, que Maria é a mãe de Deus e que você precisa de obras para ir para o céu?

Scott: Eu creio em tudo o que a Igreja ensina, mas você não tem uma compreensão muito precisa do que a Igreja ensina de fato. Eu também não

tinha, posso garantir! Veja, Bill, eu tinha essas mesmas ideias que você tem agora. Mas investiguei o que Roma realmente ensina. Descobri não apenas que eu estava muito equivocado sobre a teologia da Igreja Católica Romana, como também que eles têm uma tremenda base bíblica para suas próprias crenças! E o que realmente definiu tudo, Bill, foi que eu não consegui defender o que eu sempre acreditei contra as objeções levantadas pela Igreja Apostólica.

Bill: Como o quê?

Scott: Bem, como crer na doutrina do sola Scriptura, em que tudo tem que estar explicado na Bíblia ou, então, não deve ser crido. Onde a Bíblia ensina o sola Scriptura, Bill? Você e eu sempre presumimos que a Bíblia é nossa única regra de fé, mas onde a Bíblia ensina isso? Se você não pode basear isso na Bíblia, então você tem uma crença autorrefutável, não é?

Bill: Bem, no livro de Mateus, Jesus disse que devemos rejeitar as tradições. Acho que está no capítulo quinze, não é?

Scott: Sim, isso mesmo. Mas se você analisar a passagem com cuidado, Jesus disse para rejeitarmos tradições humanas, não tradições divinas. Ele mesmo responsabilizava pessoas por tradições extrabíblicas. Por exemplo, em Mateus 23.2, ele disse que as pessoas precisavam obedecer à pessoa que se assentava na “cadeira de Moisés”. Agora, onde no Antigo Testamento encontramos o ensinamento sobre “a cadeira de Moisés”?

Bill: Bem, eu teria que procurar. Não consigo lembrar de alguma passagem.

Scott: Eu procurei. Não está em lugar nenhum. E que tal a ordem de Paulo aos tessalonicenses: “guardai as tradições que vos foram ensinadas, seja por palavra, seja por epístola nossa”? Eu nunca ouvi nenhuma discussão sobre se apegar às tradições que haviam sido transmitidas oralmente em qualquer estudo bíblico que nós participamos. E você?

Bill: De novo, eu teria que procurar isso. Mas eu não acredito que você está realmente convencido de todas as doutrinas antibíblicas que Roma ensina. E o evangelho em si, Scott? Você realmente acha que pode chegar ao céu por obras?

Scott: Não, claro que não, e nenhum católico romano informado crê nisso. A Igreja Católica não ensina que você pode chegar ao céu por obras, Bill. Esse é um mito protestante. Na verdade, um dos pontos de virada na minha jornada para Roma foi quando descobri que o Concílio de Trento condenou qualquer um que dissesse que você poderia chegar ao céu por obras! O primeiro cânon de Trento sobre a justificação diz: “Se alguém disser que

o homem pode ser justificado perante Deus pelas suas obras, feitas por sua própria capacidade natural ou através dos ensinamentos da lei, sem a graça divina através de Jesus Cristo — seja anátema”.

Bill: Mas e a missa, a confissão aos sacerdotes, e tudo mais?

Scott: Eu descobri muito sobre a história da igreja nos últimos anos, Bill, e devo dizer que os primeiros cristãos criam em todas essas coisas, do jeito como a igreja ensina hoje. E há uma base sólida na Bíblia para a missa como sacrifício propiciatório, para o ofício do sacerdote, para a confissão, a absolvição, os sacramentos, para tudo isso.

Bill: Você não vai me dizer que consegue encontrar base bíblica para adorar Maria, vai, Scott?

Scott: Não, porque não adoro Maria.

Bill: Scott, nós já vimos católicos romanos acenderem velas para Maria, recitarem o Rosário, tudo isso. Como pode dizer que isso não é adoração?

Scott: Acredite em mim, Bill, os ensinamentos sobre Maria foram os mais difíceis. Eu simplesmente não conseguia entendê-los no início. Mas lentamente, com o tempo, percebi que a maioria dos meus problemas tinha a ver com mitos protestantes, como a ideia de adorar Maria em vez de venerá-la. Também entendi como a devoção à Mãe de todos os cristãos é bíblica. Eu adoraria explicar tudo isso para você, eu realmente adoraria…

Bill: E o papa? Você realmente o chama de “Santo Padre”?

Scott: Sim, Bill, eu chamo. Ele é o sucessor de Pedro, aquele sobre o qual Cristo edificou sua igreja, como ensina Mateus 16.18-19. Ele é o cumprimento atual da oração de Cristo por Pedro para que a sua fé não falhasse.

Bill: Não consigo acreditar nisso. Você realmente está convencido de tudo isso, não é?

Scott: Sim, Bill. E você tem que admitir, eu estou em vantagem agora. Eu estive onde você está, e eu sei no que você crê. Você não esteve onde eu estou. Você não pode dizer honestamente que deu uma oportunidade real a Roma, pode? Em vez disso, você aceitou o que os outros disseram como sendo verdade. Na maioria das vezes, quando éramos jovens, ouvíamos a perspectiva de ex-católicos romanos. Agora, diga-me, Bill, você gostaria que sua igreja fosse julgada apenas pela palavra de ex-membros?

Bill: Bem, não, provavelmente não.

Scott: Eu realmente gostaria de falar um pouco mais sobre isso com você, Bill. Deixe-me apenas dizer que não abandonei nada. Simplesmente encontrei

a plenitude do que Cristo nos deu em sua igreja. Encontrei a Igreja Apostólica, a Igreja Histórica, aquela que Cristo fundou e prometeu nunca abandonar. Eu acredito e amo a Bíblia tanto quanto sempre amei. Simplesmente aprendi que ela não ensina o que Martinho Lutero pensava que ela ensinava.

O que você faria se fosse Bill? Depois do choque, você provavelmente perceberia que há muitas coisas que antes você tomava como certas, mas que agora você precisa estudar e ponderar. Você provavelmente perceberia que sua vida como protestante está fundamentada em pressupostos nunca antes questionados — e que não é o único nessa situação.

Isso realmente importa?

Essa é a pergunta feita atualmente. Isso realmente importa? Devemos nos importar com o que nos separa? Ou devemos nos concentrar apenas no que nos une? Estamos lutando contra a unidade que Jesus orou para termos (Jo 17), ou estamos corretamente defendendo a verdade do próprio evangelho (Gl 1–2)? Qual é o fundamento da unidade cristã? A mera confissão de que “Jesus é o Senhor”, sem qualquer referência ao que isso significa, pode funcionar como uma base sólida para a unidade? Ou temos de ir além dela e fazer perguntas sobre quem Jesus é, o que ele fez e como podemos conhecê-lo?

Se apenas dizer “Jesus é o Senhor” é suficiente, isso não significa que temos “unidade” com grupos como A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (os Mórmons), que também podem fazer essa confissão, ainda que com um significado e intenção fundamentalmente diferentes? As Testemunhas de Jeová dizem “Jesus é o Senhor”, mas também acreditam que Jesus é o Arcanjo Miguel e negam que ele ressuscitou fisicamente dos mortos. Os cristãos historicamente insistem que a crença na divindade de Cristo e na Ressurreição tem papel central no que significa ser um cristão, e negam a comunhão com aqueles que dizem “Jesus é o Senhor”, mas rejeitam essas crenças. Se a unidade na doutrina sobre a pessoa de Cristo é necessária para uma unidade significativa, a unidade na doutrina do próprio evangelho não seria igualmente necessária?

“Todos os que aceitam a Cristo como Senhor e Salvador são irmãos e irmãs em Cristo. Evangélicos e católicos são irmãos em Cristo”.1 Assim diz

1 Charles Colson e Richard John Neuhaus, Evangelicals and Catholics together: Toward a common mission (Dallas: Word, Inc., 1995), p. 18.

o acordo da Evangelicals and Catholics Together (ECT) [Evangélicos e Católicos Unidos], amplamente lido e distribuído. Muitos líderes cristãos aceitam esta declaração como verdadeira. Porém, líderes de ambos os lados consideram essa declaração leviana e precipitada. O que ela significa? Até onde podemos investigar tal afirmação antes de chegarmos a diferenças insolúveis? E, ainda, devemos mesmo tentar testar tal afirmação? Não deveríamos apenas celebrar juntos e deixar todo o resto para os “teólogos”? Muitos pensam assim.

Aqueles que apoiam o acordo da ECT e outras declarações semelhantes insistem que temos uma missão evangelística comum, e não devemos desonrar o Senhor discutindo sobre o que não é essencial. A pergunta que deve ser feita, no entanto, é: uma missão evangelística comum não pressupõe um evangelho comum? Se vamos compartilhar a pregação do evangelho, não deveríamos primeiro estar de acordo sobre o que é o evangelho? E por acaso as diferenças entre católicos romanos e protestantes não são tantas que qualquer um que investigue a questão honestamente concluirá que não cremos, de fato, no mesmo evangelho?

Infelizmente, a expressão “outro evangelho” foi banalizada ultimamente. Algumas pessoas a usam para hostilizar qualquer um que discorde delas, por mais insignificante que seja a diferença. Eu fui pessoalmente acusado de ensinar “outro evangelho” pelos adeptos do movimento “King James Only”2 por ter escrito um livro refutando suas afirmações.3 Aqueles que fizeram tais acusações raramente investigaram o que eu creio sobre o evangelho de fato. Eles simplesmente consideraram útil dizer que, como eu discordo deles sobre a questão da tradução da Bíblia, certamente prego um “outro evangelho” e estou sob a condenação das Escrituras.

Parece óbvio que qualquer afirmação sobre pregar outro evangelho deve ser examinada com extremo cuidado. Paulo declarou que o evangelho é o poder de Deus para a salvação (Rm 1.16), por isso estamos lidando com verdades eternas da mais alta importância. Dizer que qualquer igreja prega outro evangelho é uma questão muito séria, e devemos ser muito cautelosos ao fazer tal acusação, reconhecendo a tremenda responsabilidade de sermos fidedignos e precisos sobre esses assuntos. Ao mesmo tempo,

2 Movimento segundo o qual a tradução King James Version (KJV) é a única tradução da Bíblia válida em inglês, rejeitando-se todas as outras. [N.T.]

3 The King James Only Controversy (Minneapolis: Bethany House Publishers, 1995).

ao determinarmos, com base em um exame diligente e honesto, que uma igreja ou grupo está pregando um evangelho que é contrário ao ensinado pelos apóstolos do Senhor, não devemos — não podemos, na verdade — nos eximir da tarefa de identificar abertamente esse ensinamento como um erro perigoso que deve ser evitado, sob risco de prejuízo espiritual.

Tudo isso pressupõe, é claro, que Deus foi suficientemente claro em sua revelação da verdade a nós, de modo que podemos distinguir entre o verdadeiro e o falso. Porém, até mesmo essa pressuposição está sob constante ataque em nosso mundo hoje. O relativismo teológico é tão predominante e perigoso quanto o relativismo moral.

Isso importa? A minha resposta é um inequívoco sim. Creio que as diferenças que separam católicos romanos e protestantes na questão do evangelho são de natureza fundamental.4 Acrescento desde já que conheço muitos católicos romanos que concordam comigo nessa avaliação. Não temos um mesmo evangelho, e, portanto, não podemos, logicamente, ter uma missão ou meta evangelística em comum. Não temos uma mensagem em comum. Sim, ambos dizemos: “Jesus é o Senhor”, mas os apóstolos foram além dessas quatro palavras para explicar o que elas significam. E quando os católicos e protestantes vão além dessa simples confissão, a unidade esperada desaparece nas particularidades da definição do evangelho e de como as pessoas são justificadas diante de Deus. O abismo é muito grande para ser superado por boas intenções. No fim das contas, há um impasse sobre a natureza do próprio evangelho.

Não estou dizendo que não há católicos professos verdadeiramente salvos, ou que nenhum líder católico receba a graça de Deus de forma salvadora. Quando falo dos “ensinamentos” de Roma refiro-me aos ensinamentos oficiais de Roma, consagrados em seus credos, encíclicas e documentos conciliares. A todos aqueles que examinam a questão cuidadosamente fica claro que há uma diversidade tão ampla de entendimentos desses ensinamentos entre

4 Reconheço de partida o fato de que ambos os termos “católico romano” e “protestante” têm usos extremamente amplos em nosso mundo hoje. Reconheço ainda que, em muitos aspectos, o protestante liberal, como também o católico romano liberal, está mais distante de mim em questões de verdade e revelação, entre outras, do que o católico romano conservador. Nesta obra, meu foco será nos católicos romanos fiéis e ortodoxos: o indivíduo que leva a sério o ensinamento do papa e do Vaticano, e acredita que esses ensinamentos têm aprovação divina.

os católicos quanto há diferentes perspectivas entre os protestantes sobre questões semelhantes. É vital diferenciar entre os ensinamentos oficiais de Roma e o entendimento individual desses ensinamentos.5

Muitos protestantes conservadores, convencidos de que o sistema católico romano se afastou — fatalmente — do verdadeiro caminho, têm dificuldade em admitir que ainda existem alguns herdeiros da vida eterna dentro do catolicismo romano. Deve-se lembrar, porém, que os protestantes sempre entenderam a amplitude da graça e da misericórdia de Deus, nesse contexto. Olhamos para cristãos como Wycliffe e Hus e reconhecemos que encontraram a verdade do evangelho, mesmo estando dentro dos limites da comunhão romana. Lutero certamente entendeu o que era ser justificado pela fé, sendo ainda monge católico romano. Devemos mesmo presumir que ele foi o primeiro, ou mesmo o último? Certamente que não.

Abordarei a questão do catolicismo romano a partir da perspectiva de que a mensagem do evangelho em si é uma questão sobre a qual não há negociação possível. Nenhuma unidade pode existir onde o evangelho não é mais central no ensino da igreja. Eu creio que o fato de Deus nos justificar livremente por sua graça somente através da fé em Jesus Cristo deve, ao lado das grandes verdades acerca da Trindade, a divindade de Cristo, sua ressurreição física e a segunda vinda, ser considerado a definição mais básica e fundamental da fé cristã. Comprometo-me a demonstrar honesta e claramente que a posição católica romana sobre o tema do evangelho — uma posição definida não por citações isoladas e de fontes obscuras, mas por citações honestas de fontes oficiais e normativas — se afastado da verdade bíblica, não apenas em questões secundárias ou menores, mas em relação ao próprio coração do evangelho.

Antes de nos dedicarmos às questões primárias e centrais, precisamos “despoluir o ambiente”, por assim dizer. O debate entre católicos e protestantes foi obscurecido por aqueles, de ambos os lados, que se concentram no

5 Outro elemento que dificulta a discussão do que é essencial é que o catolicismo nos Estados Unidos frequentemente exibe um espectro de crenças muito maior do que em nações majoritariamente católicas, como Itália, Espanha, México ou Brasil. Essa “liberdade” resulta em muitas opiniões diferentes sobre o que Roma realmente ensina sobre as doutrinas centrais da fé. É possível encontrar nos Estados Unidos padres “crentes na Bíblia”, que são flexíveis quanto ao seu compromisso com crenças que seriam quase inexistentes entre católicos italianos ou espanhóis.

que não é essencial, se envolvem em argumentação desonesta e geralmente procuram incitar reações emocionais em vez de racionais. Insisto que a questão central é o evangelho em si. Para demonstrar isso, devemos olhar brevemente para alguns exemplos de fatores não essenciais que muitas vezes são colocados como o ponto central do debate. Isso deve ajudar ambos os lados a chamar a atenção para focar nas questões que realmente importam.

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