Culto público: Fundamentos bíblicos para a adoração comunitária

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Rio de Janeiro, RJ

Culto público: Fundamentos bíblicos para a adoração comunitária

Traduzido do original em inglês: What Happens When We Worship

Copyright © 2020 Jonathan Landry Cruse

Publicado originalmente por Reformation Heritage Books

3070 29th St. SE Grand Rapids, MI 49512 www.heritagebooks.org

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por PRO NOBIS EDITORA, Rua Professor Saldanha 110, Lagoa, Rio de Janeiro-RJ, 22.461-220

1ª edição: 2024

ISBN: 978-65-81489-62-5

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Proibida a reprodução por quaisquer meios, salvo citações breves, com indicação da fonte.

Gerência editorial

Judiclay Silva Santos

Conselho editorial

Judiclay Santos

David Bledsoe

Paulo Valle

Gilson Santos

Leandro Peixoto

Supervisão editorial: Cesare Turazzi

Tradução: Lara Christina de Malimpensa

Revisão de texto: Victor Hugo

Capa original: Reformation Heritage Books

Adaptação gráfica: Wirley Corrêa

Diagramação: Marcos Jundurian

Nesta obra, as citações bíblicas foram extraídas da Bíblia Almeida Revista e Atualizada (ARA), salvo informação em contrário.

As opiniões representadas nesta obra são de inteira responsabilidade do autor e não necessariamente representam as opiniões e os posicionamentos da Pro Nobis Editora ou de sua equipe editorial.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Cruse, Jonathan Landry

Culto público: fundamentos bíblicos para a adoração comunitária/Jonathan Landry Cruse; tradução Lara Christina de Malimpensa. – Rio de Janeiro: Pro Nobis Editora, 2024.

Título original: What happens when we worship

ISBN 978-65-81489-62-5

1. Adoração pública 2. Culto - Ensinamento bíblico 3. Eclesiologia 4. Liturgia 5. Teologia I. Título.

24-215734

Índices para catálogo sistemático:

1. Culto público: Cristianismo 264

Eliane de Freitas Leite - Bibliotecária - CRB 8/8415

Tel.: (21) 2527-5184

contato@pronobiseditora.com.br www.pronobiseditora.com.br

CDD-264

Quando nos reunimos para cultuar e adorar ao Senhor, fazemos isso como membros do corpo místico de Cristo, aproximando-nos do Pai, no Filho, pelo Espírito, sabendo que o Deus Trino se aproxima de nós e nos eleva aos céus, onde o adoramos em espírito e em verdade. Essa sentença descreve a realidade mais assombrosa possível, que jaz além de nossa imaginação, eclipsando toda glória terrena e imbuindo os adoradores com a glória do mundo vindouro — uma realidade que é alegria indizível. Jonathan Landry Cruse busca comunicar algo dessa glória inexprimível em sua joia bem escrita e bem fundamentada, que nos ajuda a compreender a verdadeira experiência de adoração, uma experiência que transcende todas as visões menores de culto, tanto as que enfatizam o entretenimento como as que sobrecarregam a liturgia, ou qualquer uma que prescinda da glória da adoração bíblica da nova aliança. Leia este livro para compreender melhor essa dinâmica que se desdobra no culto reformado, ou para apresentá-la a alguém que anseia por isso mas nunca conheceu essa experiência. Cruse, músico exímio e pastor da Igreja Presbiteriana Ortodoxa (OPC), desdobra maravilhosamente, diante de nós, o cerne dessa adoração. Que todos venham e partilhem livremente destas águas divinas que saciam a sede interior e nunca se esgotam.

Alan D. Strange, professor de história da igreja no Mid-America Reformed Seminary

Fico impressionado com a quantidade de material sólido que Jonathan Landry Cruse foi capaz de condensar nestas poucas páginas! Cada aspecto que me vem à mente a respeito desse assunto vital é objeto de um tratamento sucinto e biblicamente fiel. Além disso, aprecio muito as questões para meditação ao final de cada capítulo. De mero estudante intelectual, elas o transformam num coparticipante da busca por um autêntico culto bíblico que glorifica a Deus. Leia este livro e, cada vez mais, com renovado entusiasmo, você envolverá sua mente, seu coração e sua alma na adoração ao Senhor.

Conrad Mbewe , pastor na Kabwata Baptist Church, Lusaka, Zâmbia

Jonathan Landry Cruse nos proporciona uma obra revigorante, que pode ajudar a unir várias gerações, para que recuperem com regularidade a expectativa do céu na terra. Este trabalho é acessível para todos — fundamentado biblicamente, orientado de forma prática e bem apresentado. Alegra-me elogiá-lo e recomendo especialmente as seções finais sobre adoração, corretamente oferecidas. Resta-nos esperar que a geração vindoura dê atenção a esta voz nova e jovem — cujas raízes vão muito além de sua própria ainda limitada experiência.

David W. Hall, pastor sênior na Midway Presbyterian Church, Powder Springs, Georgia

O culto e a adoração protestantes pode soar tediosos a alguns ouvidos. O remédio, para alguns, é acrescentar beleza e grandiosidade; para outros, euforia. Os reformadores compreenderam que o culto bíblico precisava de tempero, mas que esse glamour não vinha de exterioridades ou de estilo, mas de Escritura, fé e compreensão correta do que acontece quando o povo de Deus se encontra em nome dele no Dia do Senhor. Jonathan Landry Cruse usa o ensinamento da Escritura e a sabedoria dos teólogos reformados para relembrar aos protestantes quão extraordinária é sua singela adoração.

D. G. Hart, professor associado de história no Hillsdale College

Este livro é um verdadeiro diamante, cuja preciosidade se revela em suas múltiplas facetas, cada uma irradiando cores e brilhos únicos. Deus, sendo luz, tem iluminado mentes humanas, elevando-as a novos patamares de compreensão deste sublime encontro entre Deus e sua igreja, domingo após domingo. Jonathan Landry Cruse restabelece o culto como a missão primordial da igreja, fortalecendo semanalmente a musculatura espiritual e moldando os crentes à imagem do Filho. As riquezas espirituais só se desvelam plenamente quando a igreja se congrega diante do seu Criador.

Diego Venâncio, bacharel em teologia pelo Seminário Martin Bucer, compositor e membro da Primeira Igreja de Vitória (ES)

Algo que posso constatar servindo e treinando equipes de louvor nos últimos anos é que, infelizmente, em muitas igrejas, não somente os membros da comunidade, mas até mesmo os que são diretamente envolvidos com a liturgia (pastores, líderes e membros da equipe de música) não sabem definir adoração, e muito menos o que acontece quando estamos reunidos para cultuar o nosso Deus. Sendo assim, este livro é um material indispensável para todo cristão, e certamente entrará como um recurso imprescindível em nossos treinamentos em busca de uma adoração mais bíblica.

Filipe Castelo Branco, diretor do Cante as Escrituras e assistente pastoral na Igreja da Trindade, em São José dos Campos (SP)

O livro de Jonathan Landry Cruse sobre adoração — um livro obrigatório, empolgante — é magistral ao explicar não apenas o que realmente acontece quando cultuamos e adoramos comunitariamente o nosso santo e gracioso Deus Trino, como também por que razão e de que maneira devemos nos envolver com cada parte do culto e da adoração alicerçados e fundamentados na Bíblia. Não é preciso dizer amém de todo coração a cada pormenor que este livro inovador oferece para ter um profundo reconhecimento pela maneira como o autor mostra de modo bíblico e prático o lugar prioritário que a adoração pública deveria ter na vida de todo cristão. Eu me perguntava, enquanto lia esta obra que nos convence de vários erros e, ainda assim, nos enche de entusiasmo: se os verdadeiros adoradores abraçarem esta visão elevada e impressionante do culto ao Senhor, será que em breve a igreja verá dias muito maiores de arrependimento, reforma e avivamento? Que Deus nos perdoe por nossa visão mesquinha e decaída da adoração e nos preencha com ele mesmo e sua glória e beleza (Sl 27.4), à medida que nos empenhamos para adorá-lo no Espírito e na verdade.

Joel R. Beeke, presidente do Puritan Reformed Theological Seminary e pastor da Heritage Reformed Congregation, Grand Rapids, Michigan

Hoje, vivemos uma acentuada crise litúrgica. Notoriamente, há muita confusão a respeito do significado do culto, dos limites e elementos que devem compor o ajuntamento público cristão, do papel daquele que adora no serviço comunitário de louvor a Deus e do próprio significado de adoração. Assim, a publicação que você tem em mãos é como uma luz em meio à escuridão. As instruções de Jonathan Landry Cruse ajudarão, na medida em que lançam mão do ensino constante das Escrituras, a corrigir rumos. Muitos ensinamentos bíblicos que moldam o culto reformado e nossa condição, como discípulos que adoram a Deus, individual e comunitariamente, são explicados neste livro. Usufrua com alegria deste conteúdo para a glória de Deus, para a edificação da igreja e para o seu próprio bem.

Jonathan Luz , pastor na Igreja Batista Filadélfia, em Fortaleza (CE)

Jonathan Landry Cruse escreveu um guia útil e acessível ao culto público e à adoração comunitária, obra que serve para enriquecer o louvor do cristão em cada Dia do Senhor e, por sua vez, a igreja como um todo. Este é um livro que todo pastor ou ministro da Palavra deveria incentivar cada membro de sua igreja a ler. Trata-se de um material que ajudará todos nós a cultuar e adorar com novos olhos, apreciando com mais profundidade por que fazemos o que fazemos quando nos reunimos como igreja de Cristo.

Jonny Gibson, professor associado de Antigo Testamento no Westminster Theological Seminary, Filadélfia

Este é um livro que une duas coisas que para muitos estão separadas: teologia reformada e o sobrenatural. É maravilhoso ler um livro sobre adoração que foca de maneira bíblica no encontro sobrenatural e transformador que acontece quando a igreja se reúne para cultuar o Senhor. Esta leitura vai ajudar o leitor a enxergar a adoração com mais profundidade, além de mostrar como Deus deseja ser adorado e como o cristão pode se preparar para adorar em comunidade.

Pedro Pamplona , pastor na Igreja Batista Filadélfia, em Fortaleza (CE)

À medida que a responsabilidade pela fiel transmissão da ministração e do culto reformados passa de uma geração a outra, Jonathan Landry Cruse revelou-se disposto a receber o manto e capaz disso. Apresenta com uma voz revigorada os antigos trunfos da adoração centrada em Deus, estruturada pelo evangelho, dependente do Espírito, repleta da Palavra e regrada pela Bíblia, transmitindo a esta geração a genialidade do culto que é reformado “conforme a Escritura”.

Terry L. Johnson, ministro sênior na Independent Presbyterian Church, Savanna, Georgia

Este excelente livro é um chamado — revigorante, atraente e bem fundamentado — para a adoração. Expõe a importância, a vitalidade e a natureza do culto e da adoração de maneira muito útil.

W. Robert Godfrey, presidente do Ligonier Ministries

A meus pais, com o mais terno amor e gratidão inexprimível.

E àquele “que nos ama e nos libertou dos nossos pecados por meio do seu sangue, e nos constituiu reino e sacerdotes para servir a seu Deus e Pai. A ele sejam glória e poder para todo o sempre! Amém.” (Ap 1.5-6, NVI)

Sumário

Prefácio à edição em português

— Joel Lopes ..................................................................... 15

Apresentação à edição em português

— César Timóteo .............................................................. 23

Prefácio original — Michael Horton ............................................................ 27

Agradecimentos ............................................................ 33

1. O que acontece quando prestamos culto a Deus? 35

Primeira Parte | Uma (breve) teologia do cUlto Público

2. A coisa mais importante que faremos ................... 53

3. Estamos sendo moldados ...................................... 67

4. A audiência com o Deus vivo ................................ 83

5. Deus renova sua aliança ......................................... 97

6. Obedecemos a Deus .............................................. 111

7. Comungamos com os santos ................................. 125

SegUnda Parte | a anatomia do cUlto Público

8. Deus nos chama ..................................................... 143

9. O veredito é pronunciado ..................................... 153

10. O Senhor Jesus Cristo se levanta para pregar ....... 171

11. Deus se banqueteia conosco .................................. 191

12. Recebemos um novo nome.................................... 213

13. Cantamos uma nova canção .................................. 223

terceira Parte | o PreParo do coração

14. Culto e adoração extraordinariamente comuns .... 241

15. Preparar-se para o culto ao Senhor, participar dele e desfrutá-lo .................................................... 255

CULTO PÚBLICO

Prefácio à edição em português

No culto público a Deus, Jesus ascendido aos céus participa de forma ativa, através do seu Espírito, para abençoar, nutrir, consolar, fortalecer, disciplinar e santificar os seus seguidores. Jesus não está só presente junto do seu povo reunido, como também age em seu meio para edificá-lo conforme prometeu que faria. Como esta ação de Jesus, por meio do seu Espírito, acontece? Através dos meios que ele mesmo ordenou para bênção e nutrição dos seus discípulos.

No culto público, o povo santo do Senhor reúne-se diante do santo Deus e é discipulado através dos santos meios de graça dados por ele.

Na Grande Comissão (Mt 18.19-20), a ordem dada foi a de discípulos fazerem discípulos, e o meio para a realização dessa obra também está no texto: a Palavra e os sacramentos. É isso que encontramos os discípulos a fazerem depois de Cristo ter ascendido aos céus. A Palavra e as ordenanças estão exatamente no início da expansão da igreja cristã, no decorrer do Livro de Atos, e também ao longo da história da igreja, como associadas ao crescimento e edificação do povo de Deus. Tanto que os reformadores afirmaram categoricamente que uma igreja verdadeira tem como marcas a fidelidade na pregação da Palavra e a correta administração dos sacramentos.

à edição em português

Assim, os elementos que encontramos na Bíblia que devem estar presentes quando o povo de Deus se reúne para cultuá-lo e adorá-lo são a leitura da Palavra, a pregação da Palavra, o louvor, as orações e as ordenanças. Ler a Palavra, pregar a Palavra, cantar a Palavra, orar a Palavra e ver a Palavra (batismo e Ceia).

É a Palavra que chama pecadores ao arrependimento e à fé em Cristo; é a Palavra que nutre e amadurece os discípulos: “a fé vem pelo ouvir, e o ouvir, pela palavra de Cristo” (Rm 10.17). A Palavra cria e santifica a igreja, portanto deve ser a partir dela e nela que esta ordena o seu culto ao Senhor.

Adicionar outros elementos ao culto, além de ser desobediência ao que foi estabelecido por Deus, é não confiar na suficiência da Palavra para o processo de amadurecimento dos crentes e conversão de pecadores. Ao longo da história, a igreja tem confiado no poder e na suficiência da Palavra; é assim que Cristo tem edificado a sua igreja, então façamos o mesmo, organizemos todo o culto intencionalmente a partir dos elementos estabelecidos por Deus, e assim proporcionaremos o contexto principal e mais eficaz para o processo de discipulado dos cristãos ali reunidos.

No culto, Jesus, de forma ativa, através do seu Espírito, consola, convence, ensina, alegra, protege e renova o seu povo através da leitura, da pregação, das orações, do louvor e das ordenanças.

Os crentes reunidos ouvem a voz de Deus dirigir-se a eles na leitura da Palavra. Os crentes reunidos entendem as promessas, a vontade e o caráter de Deus por meio da explicação e da aplicação da Palavra às suas vidas e são exortados a regerem a sua vida por ela. Os crentes reunidos expressam a sua adoração, a sua gratidão, a sua confissão, e as suas necessidades através das orações. Os crentes reunidos respondem com as suas afeições ao evangelho, à beleza e às ações de Deus, de forma uníssona e

CULTO PÚBLICO

harmoniosa, através dos hinos. Os crentes reunidos afirmam a fé uns dos outros, dos que chegam à fé e dos que já nela caminham há mais tempo, em resposta à ação sobrenatural da Graça, através da água e da mesa da comunhão, do batismo e da Ceia.

Como não ser edificada, nutrida, refrigerada, renovada a alma do cristão diante de tal banquete que acontece semana após semana? O culto é um banquete autêntico. Os discípulos são nutridos, crescem, amadurecem, fortalecem-se nesse ambiente.

Não só o cristão desfruta de forma única desta reunião onde Deus se faz presente de forma especial para abençoar o seu povo, como ganha ferramentas preciosas para continuar a desfrutar dos meios de graça no seu dia a dia. O culto define o tom da música que será cantada durante a semana, rege a orquestra do cotidiano do cristão e dos seus relacionamentos. O cristão é discipulado no culto e isso transborda além deste, derramando-se para o resto da semana na sua caminhada com Cristo e nos seus relacionamentos para ajudar outros a caminharem com o Salvador.

Por exemplo, ao ouvir uma pregação fiel das Escrituras, com uma boa exegese, ensino doutrinário e aplicações corretas, ele aprende a ler as Escrituras para sua edificação pessoal e a explicar a Bíblia a outros crentes e até mesmo a descrentes. Outro exemplo, ao ouvir irmãos orarem a partir das Escrituras na igreja, ele aprende como deve orar em casa, como deve expressar adoração, gratidão, confissão e petição nas suas orações individuais, com a sua família e com os membros da sua igreja.

O culto é a reunião do povo de Deus. Os cristãos congregam juntos diante do Senhor, o que significa que o culto é de natureza corporativa e tudo o que nele acontece deve refletir esse aspecto corporativo. Temos um problema quando essa natureza corporativa se perde, e isso, infelizmente, acontece mais vezes do que o desejável.

Prefácio à edição em português

Pode acontecer consciente ou inconscientemente, mas ocorre quando a forma não serve ao aspecto coletivo e corporativo, mesmo que os elementos bíblicos estabelecidos por Deus estejam presentes. Quando o culto assume uma forma mais performática, em que os membros são mais vistos como consumidores de um produto que é oferecido por um grupo menor da comunidade que está a servir do que como participantes ativos do culto, estamos a perder de vista esse aspecto corporativo e a tirar poder nutritivo da fé aos elementos do culto.

A assembleia não pode ser vista como passiva por quem estrutura o culto de determinada igreja local; mas ela tem de ser chamada, de forma sábia e ordeira, à participação ativa, de forma que os elementos do culto elevem o evangelho da melhor forma e do modo mais eficiente para o bem do povo e para a glória de Deus.

Por isso, não é só importante o que é feito, mas também como é feito: elementos e formas. As formas podem atrapalhar os elementos, quando elas, na verdade, devem elevá-los e potenciá-los para o bem da própria igreja. Por isso, se queremos promover o discipulado em nossa comunidade, é obrigatório que tenhamos em vista este aspecto corporativo da natureza da igreja.

A sociedade clama por individualismo e anonimato, enquanto o discipulado bíblico clama pelo “uns aos outros”. Permitir que essa mentalidade de consumo individualista e anônima defina a forma como cultuamos, é permitir que os valores deste mundo caído se impregnem no meio do povo de Deus.

O pregador prepara um sermão em oração a pensar na sua congregação específica, nos problemas e necessidades concretos da sua igreja. O pregador, enquanto expõe as Escrituras, vê os rostos, as reações, os olhares dos membros da sua igreja e dos visitantes; ele conhece as histórias de muitos ali e consegue interpretar as reações e cuidar das almas ali presentes como

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um médico que conhece bem o seu paciente e vai ajustando a terapêutica às respostas do corpo do seu paciente. O membro da igreja também participa ativamente do sermão: ele ora em casa não só pelo pregador, mas pelo seu próprio coração. No domingo, liga-se atentamente e em espírito de oração às palavras do sermão, ao mesmo tempo que ora para que o sermão encontre terrenos férteis em outros membros da sua comunidade. Em família e com membros da igreja, o membro mastiga o sermão, testemunha a sua resposta pessoal, faz perguntas e estabelece conversas a partir do que foi pregado.

Nas orações no culto, não só os pastores oram, mas um ou mais membros são chamados a orar em nome do resto da igreja; as suas orações, além de uma expressão pessoal em que a sua alma se eleva ao trono da graça, são construídas a pensar nos outros irmãos que estão ali naquele culto. Assim, juntos, todos vão ao trono da graça em adoração, gratidão, petições específicas de acordo com a comunidade e confissões, e são edificados pelas palavras daqueles membros que, em momentos específicos do culto, verbalizaram as orações e pelo Senhor que ouve a sua igreja.

Nos hinos não é só “eu e Deus”, não é o grupo de louvor e Deus, mas nós, congregação, e Deus. O apóstolo Paulo exorta: “enchei-vos do Espírito, falando entre vós com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e louvando ao Senhor no coração” (Ef 5.18-19). Os irmãos são edificados na medida em que ouvem uns aos outros a cantar a Palavra de Deus. O canto da igreja deve ser congregacional, no que se canta e como se canta. O volume da amplificação vocal ou de instrumentos que valorizem o canto congregacional deve estar regulado de forma a se ouvir a congregação a cantar; o grupo musical, porém, serve de apoio para elevar as vozes da congregação, não para sobressair de acordo com uma perspectiva de espetáculo

Prefácio à edição em português

musical. Os hinos que visem o aspecto corporativo da igreja, além de terem uma letra teologicamente sã, devem ter métricas e melodias apropriadas a todo tipo de pessoas presentes na comunidade, de fácil memorização e execução. O momento de hinos que valorize o aspecto corporativo do culto facilitará a visualização dos membros a cantar; a iluminação da sala favorecerá isso, e não o contrário. É das experiências mais belas ouvir e ver os membros da igreja a cantar. Eu ouço as verdades das Escrituras afirmadas em uníssono e com fervor pela igreja, e então sou edificado pela Palavra. Eu vejo o irmão José, que atravessa uma doença crônica grave, e sou edificado ao ouvi-lo cantar fervorosamente: “Sou feliz, com Jesus, sou feliz com Jesus, meu Senhor”; ou a irmã Maria, que caiu em pecado, mas, arrependida, canta com lágrimas nos olhos: “Quando o tentador vencer, Cristo me sustém, / Sozinho no caminhar, não me susterei, / Meu amor pode esfriar, Cristo me sustém”; ou aquele casal que não consegue ter filhos a cantar: “Tudo entregarei, tudo entregarei, só a ti Jesus bendito, tudo entregarei”.

As verdades bíblicas cantadas edificam, as verdades bíblicas cantadas por pessoas que conhecemos nas suas histórias de vida particulares nos ensinam e estimulam a louvar o Senhor e a caminhar mais perto de Jesus.

O culto não é um extra espiritual da semana ou um adorno facultativo da vida cristã, mas absolutamente fundamental para a saúde do cristão. Por isso, importa muito que cada um seja intencional quanto ao que se faz no culto e como este é estruturado; importa estudar o que Deus pede nas Escrituras e como a igreja ao longo da história tem procurado ser obediente ao Senhor neste aspecto tão crucial da sua vida. O mundo lusófono está carente de obras que trabalhem este tema tão importante e que nos levem a pensar e a analisar como devemos estruturar os nossos cultos de acordo com o evangelho.

CULTO PÚBLICO

Essa é a proposta deste livro, mais do que bem-vindo e necessário, de Jonathan Landry Cruse. O autor olha para as Escrituras, para a teologia e para a história da igreja, para as continuidades e descontinuidades no tempo e entre tradições cristãs, a fim de dar ao leitor um enquadramento teológico e bastante prático para a compreensão e implementação de um culto que seja centrado no evangelho de Cristo, para a glória de Deus e para o bem do seu povo.

Joel Lopes, pastor da Igreja Ação Bíblica Faro; vice-presidente do Seminário Martin Bucer Portugal; formado em teologia e doutorando em teologia histórica; formado em psicologia clínica

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Apresentação à edição em português

Sinto-me bastante honrado em apresentar para vocês esta obra do Rev. Jonathan Landry Cruse. Trata-se de um livro extremamente importante, profundo e necessário para a reflexão dos crentes. Em cada página, o autor levanta princípios bíblicos preciosos para entendermos “o que acontece quando cultuamos e adoramos a Deus”. Você já se perguntou sobre isso? Já parou para pensar seriamente sobre o que acontece quando você se reúne na igreja para adorar?

Em meio às dissonâncias que envolvem conversas, opiniões e práticas relativas ao culto público e à adoração comunitária, este livro é um divisor de águas. Isso porque, de forma detalhada e bíblica, seu autor nos chama à atenção para aspectos essenciais do que, de fato, ocorre enquanto adoramos. Ao passar com atenção por suas páginas, pude experimentar lições preciosas. Envolvido com a adoração da igreja desde a minha juventude — e já se vão cerca de trinta anos nessa atividade —, tenho procurado sempre aprender, pensar e refletir sobre o direcionamento que a Palavra de Deus nos oferece para adorá-lo. Afinal, devemos adorar ao Senhor da maneira como ele mesmo requer, e não segundo o que queremos ou desejamos. Tenho descoberto que há uma beleza indescritível em adorarmos “à moda” de Deus. O texto de Colossenses 3.16, sempre me foi

Apresentação à edição em português

um impulso para conhecer mais a palavra de Cristo e buscar instrução e aconselhamento mútuos para louvar “com salmos, e hinos, e cânticos espirituais”.

Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão, em vosso coração. (Cl 3.16)

Esta precisa ser uma busca constante e inesgotável!

Além disso, Landry Cruse nos traz instrução relevante sobre o ajuntamento semanal dos crentes, o culto, como sendo um tempo integral de adoração. Este é o foco principal do autor. Sendo um tempo único, especial, glorioso e sobrenatural de adoração e de encontro com Deus, o culto deve receber grande atenção por parte dos cristãos. Seria, no mínimo, muito perigoso nos aproximarmos com descuido, distração e certa informalidade daquele que é o Criador e governa o cosmo e as nações. Nessa linha, o autor trabalha aspectos bíblicos da adoração comunitária que me despertaram para refletir mais sobre o que estamos praticando como igreja em nossos cultos e o quanto precisamos ainda refletir e aprender sobre “adorar”.

Este livro me ajudou muito e pode ajudá-lo também a entender o que é a adoração, sua importância e relevância para nossas vidas e como nós e nossas igrejas podemos ser abençoados pela prática e entrega de uma adoração bíblica e verdadeira. Não é difícil perceber hoje um grande movimento de “adoradores” acompanhado por diversas práticas e costumes que são, pouco a pouco, absorvidos por nossas comunidades de fé. Um entendimento superficial do que seja adoração, consequentemente, ensejará práticas superficiais e, até mesmo, pecaminosas por parte daqueles que professam crer em Jesus e desejam adorá-lo.

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Os evangélicos, de forma geral, têm sido conhecidos como “adoradores”. Uma rápida pesquisa poderá nos revelar slogans com a palavra adoração que estão estampados em capas de livros, CDs, DVDs, placas de igrejas, congressos, seminários, escolas, etc. Mas, embora “adoração” seja uma palavra muito utilizada em nossos dias e encontremos por todo lado uma multidão de “adoradores”, devo me perguntar se sabemos o que, de fato, é adorar. Muito se fala hoje sobre adoração, mas pouco se pensa ou se conhece sobre este ato.

O que acontece quando cultuamos e adoramos ao Senhor? Esta é a importante pergunta que o Rev. Jonathan Landry Cruse faz nesta obra, e estou convencido de que é o questionamento que todos nós também deveríamos fazer! Como responderíamos a esta questão? Creio que seja vital para nossas igrejas conhecer profundamente este ato, que é a própria essência e sentido da nossa vida!

Se você, como eu, se preocupa com o culto e a adoração, este livro certamente aguçará ainda mais o seu desejo por aprender e desenvolver este tema de forma prática em sua vida. Mas, caso você ainda não tenha pensado na importância do que fazemos e vivemos durante a adoração no culto, ler esta obra fará com que você seja despertado para a realidade sobrenatural e vital da adoração.

Espero que todos nós sejamos pessoas cada vez mais interessadas neste tema! Precisamos conhecer mais, refletir, conversar, instruir-nos, aconselhar-nos, para que nossos cultos de adoração sejam verdadeiramente bíblicos, e não ordenados pelos costumes, cultura ou desejos pessoais. Não podemos tratar de forma superficial o chamado que Deus nos faz, semana após semana, para um encontro com ele! Que encontro sublime e sobrenatural! Cristo se encontra com os seus em espírito, para lembrar-lhes que foram comprados e resgatados da morte para

Apresentação à edição em português

a vida! Nosso Senhor nos convida a adorar direcionados pelas Escrituras, pela Palavra da verdade, a fim de que, na direção do Espírito Santo, não sejamos encontrados entre aqueles que têm zelo por Deus, mas sem entendimento (Rm 10.12). Deus busca adoradores, mas não qualquer tipo de adorador. Ele procura aqueles que o adorem em espírito e em verdade (Jo 4.23); e, se assim ele requer, certamente também nos entregou aquilo que precisamos conhecer sobre a verdade da adoração em sua Palavra. Espero que a luz que emana da Bíblia sobre este tema nos ajude a perceber a importância e a seriedade de sermos adoradores. Se nos dermos conta do que acontece quando adoramos, não precisaremos incrementar nossos cultos com aparatos e distrações para cativar e multiplicar nossa congregação. Pelo contrário, seremos libertos desta preocupação carnal que tem escravizado pastores e igrejas em toda parte. Este livro me ajudou, e ajudará você, a entender que nossos cultos podem ser significativos, transformadores, empolgantes e alegres, sendo preenchidos pela própria presença e ação sobrenatural de Deus, que “a tudo enche em todas as coisas” (Ef 1.23b).

César Timóteo, membro da Igreja Batista do Barro Preto (BH), onde atua como professor da Escola Bíblica Dominical de adolescentes e como regente do Coro de Juniores e Adolescentes; diretor da Escola Batista de Música; maestro e fundador da Orquestra Jovem de Belo Horizonte; coordenador de capelania da Rede Batista de Educação; seminarista do Seminário Teológico Batista Mineiro; pós-graduado em gestão de pessoas pela USP; graduado em música pela UFMG; casado com Juliana e pai do Estêvão, da Hanna e da Olívia

CULTO PÚBLICO

Prefácio original

Meus pais gostavam de falar sobre a primeira vez que visitaram uma igreja Reformada. Como estavam atrasados para a missa, decidiram atravessar a rua e entrar numa congregação Reformada holandesa. “Como tudo transcorria?” Explicavam a liturgia em detalhes, com seu vaivém entre as falas de Deus e a resposta da congregação, incluindo a confissão comunitária de pecado e a declaração de perdão, o Credo dos apóstolos e a Oração do Senhor. “Parecia católico”, diziam. “Não conhecíamos nada, exceto o histórico da nossa própria igreja” — que, definitivamente, não era aquilo.

Ao adentrar um culto reformado ou presbiteriano tradicional, é possível sentir-se inicialmente um pouco deslocado. Haverá ao menos — é o que se espera — antes e depois, saudações calorosas dos membros, talvez até uma oferta de acolhimento no lar de alguém, mas o culto em si pode lhe dar a impressão de ser um intruso numa reunião familiar.

O culto reformado certamente não é católico romano, nem anglocatólico, mas também se distingue da maioria dos contextos evangélicos. Justamente por ser uma reunião familiar dos que estão unidos em Cristo por crenças cristãs comuns, mas também com inflexões distintas, é o tipo de coisa a que você vai se afeiçoando. Há uma profundidade de companheirismo

na prática comum do batismo, da oração, do louvor, da escuta da Palavra (não raro, trechos extensos) lida e pregada e da Ceia do Senhor. Leva tempo, mas existe uma razão para as coisas. Não se trata de mera tradição, e sim de uma longa prática que — conforme se espera, ao menos — está cuidadosamente fundamentada na Escritura.

Nos dias atuais, muitas igrejas reformadas e presbiterianas descartam alegremente o que consideram como os grilhões de uma reunião do povo de Deus regulada pela Escritura e abraçam uma adoração mais cerimonial (high church) ou mais contemporânea. Muitas pessoas, entediadas com a simplicidade da adoração reformada, encontram em outras igrejas características mais empolgantes. Alguns preferem ser engolfados em visões e sons de mistério, enquanto outros querem ser envolvidos em visões e sons mais familiares da cultura popular. Contudo, temos de parar e nos perguntar: “O que acontece na adoração?”.

As ditas guerras de adoração — quer tenhamos um órgão e um coro ou uma banda de louvor — estão nos distraindo da formulação dessa pergunta mais profunda. Jonathan Landry Cruse já deu um gostinho, com seu título, do que anda fazendo. De fato, o que acontece no culto público ao Senhor? Quais são seus fundamentos bíblicos?

Para muitos membros de igreja, cerimonial ou não, a resposta diz respeito principalmente ao que nós fazemos. Vamos à igreja para louvar o Senhor, por exemplo. Ou vamos à igreja pelo companheirismo. Em nossos momentos mais honestos, diremos talvez que vamos à igreja porque recebemos essa ordenança — é um dever, um hábito. De acordo com o magistério católico romano, a liturgia é “a obra do povo”; embora este último esteja mais envolvido no culto desde o concílio Vaticano II, o povo ainda consiste majoritariamente de espectadores até que, com o padre e a igreja inteira, eles ofereçam o sacrifício da

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missa. Nos contextos evangélicos contemporâneos, os profissionais no palco costumam ser quase tão proeminentes. De qualquer modo, a ideia que prevalece em todos os meios parece ser a de que nós somos a parte ativa. O nosso fervor e o zelo do desempenho correto do ritual é o que faz Deus descer até nós. Mais importante que qualquer outro distintivo do culto reformado é nos reunirmos primariamente não para servir, mas para sermos servidos por Deus, o Pai, em seu Filho, pelo poder do Espírito que opera por meio de sua palavra. Assim como o fez em João 13, Jesus vem para lavar os pés de seus discípulos. Vem para dar-nos um reino, para fazer de nós parte de seu reino. Anuncia o perdão pleno e a justificação somente pela graça apenas com base no que ele fez. Está presente na Palavra — pregada, cantada, lida e concedida no batismo e na Ceia. Conforme nos foi dito pelo apóstolo Paulo em Romanos 10, não temos de ascender ao céu para trazê-lo para baixo ou de descer às profundezas para de alguma forma torná-lo vivo e presente entre nós. “Mas o que ele diz? ‘A palavra está perto de você; está em sua boca e em seu coração’, isto é, a palavra da fé que estamos proclamando” (v. 8, NVI). Pomos tamanha ênfase na Palavra porque é pelo evangelho que o Espírito cria e sustém a fé dos crentes de longa data e dos de fora igualmente. Todo culto deveria ser evangélico!

Há com toda certeza um lugar importante para o louvor, mas, como nos Salmos — o livro inspirado de louvor — a obra de Deus tem de ser exposta diante de nós antes que tenhamos algo por que louvá-lo. Sempre me parece interessante ouvir a referência à parte musical do culto como “tempo de adoração”. Em muitos contextos, o tempo devotado à leitura e exposição da Escritura, bem como à confissão comum e à oração empalidece quando comparado à autoexpressão costumeiramente individualista de cantar junto com os músicos. Não cantamos

meramente para expressar nossa devoção, mas sim, uma vez mais, para receber: “Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão, em vosso coração” (Cl 3.16).

O interessante é que não apenas estamos expressando nossos sentimentos a Deus, como também falando entre nós “com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e louvando de coração ao Senhor” (Ef 5.19, NVI). Os cristãos reformados sempre tiveram grande apreço pelo canto dos Salmos, em especial porque existe uma canção para toda ocasião e para toda emoção. Nem tudo é louvor jubiloso. Há também lamento aflitivo, questionamento honesto e depressão espiritual. Nossa experiência cristã é uma mescla. É um relacionamento real com o Pai em Cristo, portanto, deveríamos ser capazes de nos relacionar honestamente com Deus juntos e de ter, juntos, nossos olhos elevados em esperança por suas promessas.

Há também um lugar importante para o companheirismo.

Afinal, cada igreja local é uma expressão do corpo único de Cristo. Também neste caso, porém, não pode haver igreja alguma sem a Palavra — não apenas pregada, mas lida e orada e cantada e recebida nos dois sacramentos designados por Cristo. Nosso companheirismo não é gerado pelo compartilhamento de influências culturais ou por afinidade política, socioeconômica, étnica ou geracional; nem pelo tipo de música que apreciamos (ópera versus concerto de rock), mas por “um só Senhor, uma só fé, um só batismo” (Ef 4.5).

Há um lugar importante para o dever — e mesmo para bons hábitos. Por vezes não temos vontade de ir à igreja, mas se a mera obrigação nos leva ao lugar onde as dádivas estão, voltamos para casa enriquecidos. No entanto, no fim das contas, mero dever sem o evangelho é algo vão e supersticioso.

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Existem muitos ensinamentos bíblicos importantes que moldam o culto reformado, e serão explicados neste livro. A coisa mais importante, porém, é que não se trata de algo que diz respeito a nós, mas de algo que é para nós. Não vamos à igreja nem sequer, acima de tudo, para adorar, mas para receber uma vez mais o Pão sustentador da Vida nas variadas formas em que sua Palavra vem a nós. Não vamos para fazer algo uma vez mais, mas para que algo nos seja feito uma vez mais; não para aderir a várias causas e reinos nesta era, mas porque Cristo nos “constituiu reino e sacerdotes para o nosso Deus”, os quais são justificados, estão sendo santificados “e reinarão sobre a terra” (Ap 5.10 — grifo nosso).

O que acontece na adoração? Deus está em ação, e a melhor coisa que podemos fazer é receber isso. Conheço Jonathan Cruse há muitos anos e tenho imenso respeito por seus dons não apenas em teologia como também em música. Este livro ampliará e aprofundará sua visão, concentrando-a, ao mesmo tempo, no “Autor e Consumador da nossa fé”. Por favor, leia, sublinhe e absorva interiormente o ensinamento contido neste livro relevante.

Michael Horton, autor de vários livros, professor com cátedra J. Gresham Machen de teologia sistemática e apologética no Westminster Seminary, Califórnia

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Agradecimentos

Meu interesse por tudo o que se relaciona à adoração começou, a sério, nos meus anos de faculdade, quando, pela providência de Deus, fiquei muito amigo de vários músicos de igreja. O mundo da adoração comunitária se abriu para mim pelas belas portas do louvor comunitário. Esses amigos e mentores me fizeram pensar sobre excelência em adoração como um todo, algo a que, até ali, eu dedicara pouquíssima reflexão. Por isso, sou grato a Paul, Tim e Jared.

Quanto a este manuscrito em particular, devo agradecimentos a meus queridos amigos Bob e Mary Jackson, que vasculharam meus erros múltiplos, ofereceram extraordinário discernimento e sugestões proveitosas e o transformaram numa obra muito mais sólida.

Sou reconhecido à crítica especializada, aos comentários e ao incentivo oferecidos por Glen Clary, Jonny Gibson, Darril Hart, Terry Johnson e Alan Strange. Leiam toda a obra deles sobre a adoração. Da mesma maneira, sinto-me extremamente honrado pelo prefácio instrutivo de Michael Horton, cuja obra sobre esse tema exerceu profunda influência em minha vida. Meus colegas Luke Sayers e Jeff Wilson foram parceiros de conversa excepcionais ao longo do projeto, e Linda e Bob Jones ajudaram-me de maneiras como somente eles poderiam.

A Sessão da Community Presbyterian Church, meus co-obreiros em Cristo e pais na fé, foram apoio constante. Em particular, Perry Westerman leu um primeiro rascunho do começo ao fim e propôs correções úteis. A maior parte deste material se iniciou como um curso da escola dominical para os membros da Comunidade. O ardor de nossa congregação em aprender sobre esse tópico importante trouxe (e ainda traz) incentivo para mim em meu ministério. Obrigada, queridos santos!

Meus agradecimentos à equipe da editora RHB, com quem foi maravilhoso trabalhar uma vez mais. Obrigado a Joel, a David, a Steve e a Annette! E especialmente a Jay, que abraçou esse projeto desde o início. Obrigado a minha mulher, Kerri Ann, por sempre compartilhar do meu entusiasmo por projetos de redação. Não sei onde eu estaria sem seu incentivo constante. Por fim, ofereço minha mais profunda gratidão a meus pais. Papai e Mamãe: vocês cultivaram uma atmosfera de ardente expectativa a cada semana, enquanto nos aprontávamos para a igreja. Mesmo em meio a dias difíceis na vida de nossas várias congregações, a adoração era uma prioridade — uma alegre prioridade. As manhãs de domingo são algumas das minhas mais caras memórias da infância na casa amarela de Walnut Street. A vocês eu dedico este livro.

O que acontece quando prestamos culto a Deus?

O homem verdadeiramente penitente se deleita no sobrenatural, pois sabe que nada natural satisfaria sua necessidade. — J. Gresham Machen

A adoração é um evento sobrenatural. Você já refletiu sobre isso?

É uma afirmação óbvia, de fato. Um evento em que interagimos com um ser sobrenatural tem de ser, por definição, sobrenatural. Por que, então, com tanta frequência nos aproximamos da adoração com senso de tédio em vez de espanto, com bocejos em vez de assombro, com ressentimento em vez de reverência? Por que, em vez de ver a adoração como um evento sobrenatural, nós a juntamos com as outras coisas prosaicas que temos de fazer durante a semana? Em nossa lista de tarefas, “ir à igreja” recebe o mesmo tique que “ir ao mercado” ou “fazer lição de casa”.

Se eu lhe perguntasse: o que acontece quando você vai à igreja? — isto é, o que ocorre durante o culto de adoração — como você responderia? Algumas pessoas talvez respondessem: “Bem, há um pouco de pregação, um pouco de oração e muito canto”. Outros talvez dissessem: “Lemos a Bíblia, assistimos a uma apresentação do grupo de adolescentes e, em determinado

O que acontece quando prestamos culto a Deus?

momento, nos levantamos para trocar apertos de mão”, e assim por diante. Mas não é isso o que eu quero dizer. Essas respostas me falam dos vários elementos que constituem o culto. Minha pergunta busca ir além disso. Para que servem esses elementos? O que eles realizam? O que acontece quando adoramos?

Este livro foi escrito com base numa premissa importante: enquanto adoramos, algo está acontecendo. Algo acontece conosco, algo acontece entre nós e as pessoas com quem adoramos e, o mais importante, algo acontece entre nós e Deus.

Muitos aderem a uma abordagem do tipo “espectador” da adoração: a igreja é um lugar aonde você vai para ver algo. Talvez você se levante uma vez ou outra e recite uma ou duas linhas impressas no folheto ou projetadas na tela; nesse sentido, você participa, mas, de modo geral, o evento é algo para se assistir. Isso faz com que ir à igreja não seja muito diferente de ir ao cinema ou a um jogo de futebol. Outros aderem à abordagem do tipo “clube”: a igreja é um lugar a que você vai para estar com pessoas com quem você tem afinidade e realizar projetos em conjunto. Dessa perspectiva, o que transcorre na igreja não é muito diferente do que acontece no clube beneficente, nas Meninas Escoteiras ou no seu clube do livro local.

No entanto, o que ocorre na adoração na igreja é diferente dessas coisas! Ir à adoração é diferente de ir ao cinema ou ao estádio, e é diferente de participar do encontro de um clube social, porque a adoração — a adoração real, verdadeira, fiel — é sobrenatural. O Deus do universo se manifesta e se encontra com seu povo e, por seu poder soberano e gracioso, Ele o transforma. É espantoso! Não se compara com nada que este mundo pudesse algum dia oferecer. Ainda assim, como é fácil esquecer que algo tão espetacular acontece quando vamos à igreja.

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A igreja pode soar desinteressante, mas é nossa mãe Espantoso e espetacular talvez não sejam os primeiros adjetivos que a maioria das pessoas usasse para descrever a experiência comum de frequentar a igreja, especialmente as do gênero tradicional reformado que serve de base para a redação deste livro. Junto com espantoso e espetacular, você também poderia inserir emocionante, empolgante e qualquer outra palavra que simplesmente insinue a ideia de que a adoração possa capturar afetos e atenções. Em vez disso, muitos acusariam a adoração de ser maçante, sem brilho, árida e entediante. E ainda que alguns de nós não o tenham dito em voz alta, a maioria de nós já pensou isso em algum momento. Alguns cristãos pensam que o tédio na adoração é uma medalha de honra. Num esforço para garantir que a igreja permaneça distinta do mundo, presumiram erroneamente que a intenção de Deus é, de fato, que nossos cultos sejam insípidos. Acreditam que a monotonia seja um sinal da adoração sincera.

Qualquer coisa que desperte as emoções deve vir de Satanás. Outros ainda, embora não apreciem que a igreja seja maçante, desviam-se ao concluir que é assim que as coisas devem ser.

Resignados, arrastam-se pela monotonia do domingo por obrigação (para com Deus, família ou amigos), mas sonham com algo melhor que, em algum lugar, decerto existe para eles — pense na desamparada Bela de A bela e a fera cantando: “Deve existir algo além desta vida provinciana!”.

Admitamos que, ao menos à primeira vista, o culto de adoração pode parecer desinteressante. Não há por que discutir isso. Fica-se muito tempo sentado. Ouve-se por muito tempo. Muita paciência é requerida. Para uma cultura ativa com um tempo de atenção notoriamente reduzido, inundada sem descanso de imagens, vídeos, notificações e sinais sonoros, não

O que acontece quando prestamos culto a Deus?

é de surpreender que uma hora de imobilidade concentrada pareça uma tarefa árdua.

No entanto, não é porque parece desinteressante que é desinteressante. Por isso Deus não se agrada dos que põem o crachá do tédio com senso de honra e dos que, por dever, suportam o culto enquanto secretamente desejariam que ele não fosse uma obrigação. Deus não se agrada disso porque, em ambos os casos, essas pessoas deixam escapar a maravilha da adoração. Deus quer de nós nada menos que corações, almas e mentes que fiquem inteiramente encantadas com a maravilha da adoração bíblica do começo ao fim — ou seja, ele quer que fiquemos inteiramente encantados com ele. Deus nos quer entusiasmados com a ideia de ir à igreja para cantar seu louvor, confraternizar com seus santos, elevar nossas orações a seu trono, ouvir sua palavra, celebrar os sacramentos de sua aliança e receber sua benção. Qualquer outra coisa significaria que falhamos na grande exortação do Salmo 100.2: “Servi ao Senhor com alegria”.

Em busca de uma estética

Infelizmente, muitos cristãos pensam que a única maneira de adorar com alegria e contentamento é por meios produzidos. Sendo assim, o que as pessoas fizeram para resolver essa impressão de cansaço na adoração? De modo geral, quando o enfado e a aridez da adoração se tornam demasiado opressivos, as pessoas se voltam para duas alternativas: uma estética do entretenimento ou uma estética do misticismo.1

1 Terry L. Johnson assinala algo similar, servindo-se das categorias do “Movimento Contemporâneo de Adoração” [Contemporary Worship Movement] e do “Movimento de Renovação Litúrgica” [Liturgical Renewal Movement], que surgiram para preencher o vazio criado pela falta

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A estética do entretenimento

A primeira alternativa talvez seja a que prevalece na atualidade, e é a solução proposta pela moderna igreja evangélica dominante. Essas igrejas geralmente têm uma banda muito talentosa (e/ou alta) que lidera o canto. Talvez a música seja a parte principal da atividade de adoração da igreja. Grafismos e vídeos “descolados” são projetados numa tela larga para acompanhar grandes períodos do culto. O pastor é invariavelmente simpático e moderno, e suas mensagens são coloquiais e práticas. A igreja proporciona um leque de programas que mantem as crianças ocupadas ao longo da semana — e mesmo durante o culto de adoração.

Existe nisso — eu reconheço — algo de um estereótipo, mas ele retrata o que muitos atualmente fazem no movimento evangélico. Buscam uma estética específica da adoração, e ela nada mais é, de fato, do que uma estética do entretenimento. Muitos cultos de igreja serão difíceis de distinguir de espaços de shows seculares: santuário na penumbra, iluminação, acessórios chamativos no palco e música alta. A igreja se torna um lugar aonde você vai para ser entretido. Uma manhã de domingo com sua família da igreja acaba se tornando bem pouco diferente de uma noite de sábado com seus amigos.

The Garden [O jardim], uma igreja Metodista Unida liberal em Indianópolis, é um exemplo disso. A banda de “adoração” geralmente toca música secular popular transmitida em várias estações de rádio. Os sermões duram aproximadamente quinze minutos e costumam ser entremeados de videoclipes de filmes famosos. No website da igreja The Garden, eles se vangloriam

de atenção à adoração protestante reformada histórica. Worshipping with Calvin: Recovering the Historic Ministry and Worship of Reformed Protestantism (Darlington, England: EP, 2014), p. 27.

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de que sua igreja “consegue borrar as linhas entre o sagrado e o secular”. E por que razão? Para levar as pessoas à igreja! De acordo com essa perspectiva, o sagrado é entediante e pouco atraente, mas o secular é capaz de atrair as pessoas para dentro da igreja e mantê-las ali.

Outra ilustração dessa perspectiva veio de um amigo pastor que dirigia para o Sul com a família quando passou pelo painel de sinalização para uma igreja local. Havia várias fotos na propaganda: uma banda no palco com luzes e fumaça, crianças em meio a jogos ao ar livre e jovens rindo em torno de um balcão de café. Em letras grandes, em negrito, o letreiro dizia: “A igreja não nasceu para ser chata”.

Concordo em gênero, número e grau. A igreja não nasceu para ser chata. E, de fato, a igreja não é chata. Pode-se ver, porém, o que o letreiro associado àquelas imagens sugeria: essa congregação particular havia se recuperado, às 11h de domingo, depois da masmorra da monotonia Diziam: “Venha adorar conosco! Tornamos a igreja empolgante! Tornamos a igreja divertida! Tornamos a igreja um entretenimento! Não fique entediado, quando poderia desfrutar do show que produzimos para você!”. Há, no entanto, um defeito nesse modo de pensar: a ideia de que a adoração é algo que temos de tornar interessante. Não. A adoração comunitária não é entediante, e isso não por causa de algo que nós fazemos, mas graças à presença de Deus dentro de nós e entre nós. Sejam quais forem nossas produções ou programas, não podemos fabricar esse tipo de maravilha sobrenatural — e certamente não podemos superá-la.

Um defeito ainda maior dessa perspectiva — um defeito fatal, até — é conquistar as pessoas para a adoração com algo que vai deliciar suas fantasias, mas nunca salvar suas almas. Essa perspectiva (por vezes denominada “sensível ao buscador”) não caiu do céu nas últimas décadas. A intrusão do entretenimento

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na adoração atual tem suas raízes no trabalho do ministro avivalista Charles G. Finney (1792-1875). Pastor presbiteriano, norte-americano, Finney celebrizou-se pelos métodos empregados em seus encontros, posteriormente conhecidos como “novas medidas”, concebidas e manipuladas com cuidado para provocar uma resposta emocional da multidão. Para Finney, havia uma fórmula que, quando empregada corretamente, garantiria um interesse pelas coisas de Deus. Ele próprio dizia: “Avivamento não é milagre, nem depende de um milagre em sentido algum. É o resultado puramente filosófico [isto é, científico] do uso correto dos meios constituídos”.2 Foi esse tipo de ministério que fez com que Charles Spurgeon (1834-1892) observasse, no século 19, que “o diabo poucas vezes fez algo mais perspicaz do que sugerir à igreja que parte de sua missão é prover entretenimento às pessoas, no intuito de conquistá-las”.3

Essas palavras são igualmente verdadeiras hoje.

A estética mística

Para algumas pessoas, em vez de suportar a suposta trivialidade do culto reformado, uma segunda opção seria juntar-se às fileiras dos cultos de adoração mais ritualísticos e cerimoniais, à semelhança dos da ortodoxia oriental, do catolicismo romano ou da Igreja Anglicana. De modo geral, elas rejeitam a bateria e o show de luzes em troca — literalmente — das badaladas e dos aromas de cultos mais místicos. Estritamente falando, os

2 Conforme citação em D. G. Hart e John R. Muether, Seeking a Better Country: 300 Years of American Presbyterianism (Phillipsburg, N.J.: P&R, 2007), 113.

3 C. H. Spurgeon, “Feeding Sheep or Amusing Goats”, Reformation and Revival 2, n. 1 (1993). Resource Library, The Gospel Coalition. Disponível em: http://resources.thegospelcoalition.org/library/ feeding-sheep-or-amusing-goats.

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místicos acreditam que uma pessoa pode ser arrebatada em direção à essência divina por sincera meditação e contemplação, ao desfazer-se dos adornos do mundo físico e absorver-se na reflexão sobre o mundo espiritual. Tenho certeza de que muitas congregações e congregantes não estão em busca de nada tão ambicioso quanto tornar-se um com a divina essência (embora seja esse um dos principais tópicos do ensino da ortodoxia oriental). Muitas pessoas seguem o misticismo no sentido mais amplo do termo, na esperança de que a adoração lhes propicie uma experiência e o senso de serem parte de algo maior e mais importante do que sua rotina diária; algo mais fantástico, mais “de outro mundo” — de fato, mais sobrenatural. Minha tese neste livro é que algo sobrenatural acontece enquanto adoramos. Esse grupo concordaria inteiramente. Diriam, porém, que, em seus cultos, você consegue realmente sentir o que acontece. Não é a estética do entretenimento; é a estética mística. Há algo que parece espiritualmente palpável no incenso, nos cantos, nos gestos. Houve um aumento, nas últimas décadas, no número de protestantes que abandona sua tradição em prol do catolicismo romano, e o pastor e teólogo Sam Storms conclui que uma das principais razões disso é que a estética importa: “Muitos apelam para a experiência de emocionar-se com a arquitetura das igrejas católicas romanas, o incenso, a beleza da liturgia, o mistério, a solenidade, o espetáculo da indumentária dos clérigos, o calendário eclesiástico, o senso da transcendência, o simbolismo religioso”, ele escreve.4 Em muitos casos, essa aura mística é alcançada à custa da teologia. Como exemplo, tomemos a doutrina católica romana

4 Sam Storms, “Another Protestant Converts do Catholicismo: Why?”, Enjoying God (blog), 2014. Disponível em: https://www.samstorms.org/ enjoying-god-blog/post/another-protestant-converts-to-catholicism:-why.

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da transubstanciação, segundo a qual o pão e o vinho literalmente se transformam no corpo e no sangue reais de Cristo. Existe algo de inspirador na ideia de que se pode ter Cristo tangivelmente nas mãos, e essa, indubitavelmente, é uma das razões pelas quais muitos são atraídos por esse tipo de adoração.

Mas será que o culto bíblico e reformado oferece menos que isso? A teologia bíblica e reformada afirma que estamos na presença de Cristo por meio do ministério e do mistério do Espírito Santo durante a totalidade do culto de adoração.

O que haveria de atraente, então, numa doutrina que me oferece Cristo por apenas alguns breves segundos numa hóstia e em algumas gotas de vinho?

Outra razão popular pela qual protestantes estão abandonando o barco em prol de Roma é a percepção de uma ancestralidade histórica.5 Será que a Reforma foi uma rebelião contra a verdadeira religião cristã e os católicos são os mantenedores da fé sagrada que foi uma vez entregue aos santos? Mais do que isso, em comparação com o estilhaçamento do protestantismo em incontáveis denominações, a Igreja Católica Romana parece suster-se sólida e forte como uma das suas antigas catedrais. Adentrar seu culto pode dar a impressão de retroceder no tempo. Esse argumento, contudo, também é problemático. O fato de algo ter um ar antigo, ou mesmo ser antigo, não significa que esteja certo. Além disso, o protestantismo reformado também é dotado de uma antiga tradição — que remete aos apóstolos. Nosso culto é um reflexo da devoção da igreja do Novo Testamento: “dedicavam-se ao ensino dos apóstolos e à comunhão, ao partir do pão e às orações” (At 2.42). Tudo

5 Para um excelente tratamento do assunto, veja D. G. Hart, Still Protesting: Why the Reformation Still Matters (Grand Rapids: Reformation Heritage Books, 2018).

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isso, é bom lembrar, ocorreu na casa das pessoas, não dentro de catedrais estonteantes.

Certos aspectos dessa abordagem mística — as considerações teológicas ligadas à arquitetura ou ao esforço comum de usar orações padronizadas e outras práticas litúrgicas, por exemplo — não são, em absoluto, inerentemente erradas ou antibíblicas.

O grande problema é quando pensamos que precisamos desses procedimentos para alcançar algo significativo na adoração. Uma vez mais, a adoração é significativa — não por causa do que nós fazemos, mas graças ao que Deus faz em nós e por meio de nós pelo seu Espírito.

Despertados para a adoração

Muitas pessoas se aproximam da adoração como se ela fosse o equivalente eclesiástico da couve-de-bruxelas, que, como sabemos, para se tornar tolerável precisa ser refogada, sacudida em vinagre balsâmico e mel, e bem salgada (melhor ainda se envolvida em bacon!). No entanto, adoração não é couve-de-bruxelas.

Não precisa estar especialmente bem vestida. É maravilhosa ao natural. Com frequência, porém, podemos ficar cegos para isso. Mesmo numa igreja que busca adorar de acordo com os métodos prescritos por Deus na Escritura — num culto em que o Espírito de Deus está presente e ativo — os próprios adoradores podem estar completamente inconscientes do que acontece à sua volta.

Isso significa que o modo como uma congregação particular, em sua condição de entidade comunitária, considera o culto de adoração não é a única coisa que importa — o modo como eu, na qualidade de indivíduo cristão e filho e servo de Deus, considero a adoração é de significação crucial.

John Antioco saberia a que me refiro. Antioco foi o antigo CEO da Blockbuster que, em 2000, deixou passar a oportunidade de comprar uma empresa incipiente conhecida como

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Netflix por apenas cinquenta milhões de dólares. Você conhece o resto da história. A Blockbuster cessou suas atividades e a Netflix hoje vale aproximadamente trinta bilhões de dólares.6

O simples fato de Antioco estar cego para o potencial da Netflix não significava que esta não tinha potencial. De fato, sua decisão lhe custou o maior negócio de uma vida. Na igreja, com frequência deixamos escapar um grande negócio, como Antioco. Nossa visão fica anuviada para o potencial — na verdade, para o poder — do que acontece à nossa volta na adoração. Mas o simples fato de não o vermos ou percebermos não significa que ele não esteja lá. Significa meramente que precisamos da mesma coisa de que o servo de Elias precisou: precisamos que Deus abra nossos olhos (2Rs 6.17-20).

Se você for como eu, cresceu na igreja — no meu caso, foi uma igreja presbiteriana e reformada, mas essa poderia ser a sua experiência seja qual for seu histórico eclesiástico — e os aspectos da adoração se tornaram quase parte de sua natureza. Não exigem muita reflexão de sua parte. Assim como você não precisa pensar muito sobre o trajeto para chegar à igreja toda semana, você se dá conta de que não precisa pensar muito sobre o que fazer na igreja quando de fato chega lá. Quase mecanicamente sua mão alcança o hinário quando se pronuncia o “amém” da oração de abertura. O cheque vai para o prato de oferendas e você nem se lembra de tê-lo preenchido. A adoração se tornou quase um exercício mecânico. É triste, mas esse é o caso de muitos cristãos atualmente.

Esse problema não é novo. O puritano Jeremiah Burroughs (1599-1646) teve de exortar as pessoas em sua época a “aprender

6 Celena Chong, “Blockbuster’s CEO Once Passed Up a Chance to Buy Netflix for Only $50 Million”, 17 jul. 2015. Disponível em: https://www.businessinsider.com/blockbuster-ceo-passed -up-chance-to-buy-netflix-for-50-million-2015-7.

O que acontece quando prestamos culto a Deus?

o que se faz quando se vem adorar a Deus”. Ele diz que se percorresse sua congregação de um lado a outro e perguntasse a cada um: “É seu dever adorar a Deus?”, todos responderiam orgulhosamente na afirmativa. Burroughs lamenta, contudo, que, se desse outra volta pelo santuário e perguntasse: “E como é a adoração? O que você faz quando adora? O que acontece enquanto você adora?”, muitos daqueles mesmos congregantes ficariam aturdidos e mudos.7

O objetivo deste livro

Este livro busca remediar essa ignorância e essa indiferença que afligiram e continuam a afligir muitos adoradores cristãos. Ao expor o que realmente acontece nesses momentos de adoração comunitária, espero tirar o caráter mecânico da rotina e, em seu lugar, suscitar zelo por Deus e gratidão a ele pelo que ele faz por nós na adoração. Quero abrir nossos olhos — despertar-nos — para o que está em curso (e sempre esteve) a nossa volta toda vez que nos reunimos para adorar em Espírito e em verdade. Sendo Deus um Deus infinito, a adoração a ele é infinitamente interessante. Nunca podemos sondar as profundezas de quem ele é, nem esgotar as provisões de sua bondade, graça e glória. A adoração é a grande exploração e exaltação de quem Deus é. Se o momento da adoração nos parece desinteressante, a falha está em nós, não em Deus.

Para fazê-lo, a primeira parte estabelecerá algumas diretrizes sobre a adoração, de modo geral. Poderíamos considerá-la uma breve teologia bíblica da adoração: identificar o que as Escrituras nos ensinam sobre a natureza, o propósito e o

7 Jeremiah Burroughs, Gospel Worship: Worship Worthy of God (1652; reimp., Morgan, PA.: Soli Deo Gloria, 1990), p. 35. [Adoração evangélica (CLIRE, 2021).]

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resultado de nos encontrarmos com Deus como seu povo chamado e reunido.

Os capítulos seguintes, na segunda parte, vão esmiuçar o que realmente acontece durante cada um dos principais elementos da adoração reformada típica. Nesse ponto ampliamos o foco e percorremos cuidadosamente cada elemento do culto. Porque, de fato, o culto em sua inteireza é adoração! O culto de adoração não reside primariamente no sermão, e tampouco adoramos apenas quando cantamos (um equívoco de concepção que é reforçado, aliás, pelo uso regular que fazemos de adoração como sinônimo de música). De acordo com D. A. Carson, “é uma insensatez pensar que somente uma parte do ‘culto’ é adoração”. Esse tipo de entendimento do culto comunitário é “tão esdrúxulo, da perspectiva do Novo Testamento, que chega a ser constrangedor”.8 Cada aspecto do culto do Dia do Senhor — desde o chamado à adoração até a bênção — é adoração, e por isso este livro sobre adoração dedicará algum tempo a cada um dos elementos.

Deus faz algo conosco — e também faz algo para nós e por meio de nós — em cada elemento do culto de adoração. Vamos explorar o modo como Deus usa a leitura da Bíblia, o canto, a pregação e a Ceia do Senhor como meios para convencer do pecado e realmente nos amoldar, tornando-nos as pessoas que fomos feitas para ser. Veremos que a adoração é o lugar em que passamos por uma transformação. Quem teria imaginado que algo tão “entediante” como a igreja poderia realizar algo tão empolgante? No fim das contas, talvez a igreja não seja nem um pouco entediante! É algo poderoso, a adoração. E merece

8 D. A. Carson, “Worship under the Word”, em: Worship by the Book, ed. D. A. Carson (Grand Rapids: Zondervan, 2002), p. 47. [Louvor: Análise teológica e prática (Thomas Nelson Brasil, 2017).]

O que acontece quando prestamos culto a Deus?

nossa atenção cuidadosa. A terceira parte concluirá com algumas observações e dicas sobre como podemos fazer exatamente isso da melhor maneira possível.

Minha oração é também que este livro se mostre proveitoso se você não é cristão e tem muito pouca experiência com adoração. Se algum dia você se perguntou: O que essas pessoas ficam fazendo todo domingo? , talvez este livro seja de alguma ajuda. A prática de ir à igreja pode parecer esquisita. Afinal, não existem maneiras melhores de aproveitar o domingo? (A resposta é não.) Minha oração é que este livro lhe mostre por que os cristãos dedicam tanto tempo e energia ao ato de adoração e por que você também deveria fazê-lo.

Em última análise, porém, quero resgatar a adoração do marasmo. Deixe-me reformular isso: quero salvar a adoração de ser percebida como um marasmo. A adoração nunca é desinteressante, mas nós por vezes o somos. Ir à igreja é monótono e prosaico apenas porque nossos olhos estão cegos para a maravilha sobrenatural que acontece à nossa volta. A realidade é que a adoração é uma experiência empolgante. Não precisamos, portanto, de máquinas de fumaça, luzes extras, apresentações espetaculares, música mais alta, teologia mística ou oradores cativantes para tornar a adoração animada. Precisamos simplesmente entender, antes de tudo, o que está em curso. Não importa se a sua semana é preenchida com paraquedismo, ou corrida de velocidade, ou qualquer outro gosto pessoal por aventura, seja qual for. Sua semana pode ser o que for: a adoração dominical é o destaque. E neste livro veremos por quê.

Isto, porém, reconhecemos: trata-se aqui apenas de arranhar a superfície. Poderia facilmente haver dez capítulos suplementares neste livro, e cada capítulo poderia facilmente ser dez vezes mais longo. No entanto, minha intenção não é apresentar um tratado exaustivo sobre o tema da adoração. Antes, isto

CULTO PÚBLICO

foi feito para ser uma importante introdução ao assunto ou, talvez, um lembrete suave. Meu objetivo é aguçar seu apetite quando se trata de adoração. Porque, de fato, é na adoração comunitária que somos capazes de “provar e ver como o Senhor é bom” (Sl 34.8).

Questões para meditação

1. Por que, com certa frequência, acabamos achando que a igreja é entediante?

2. De que maneiras os cristãos tentaram produzir experiências de culto e adoração “empolgantes”?

3. Descreva a perspectiva do culto e da adoração do tipo “estética do entretenimento” e a do tipo “estética mística”.

4. De que maneiras essas diferentes perspectivas se distinguem e de que maneiras se assemelham?

5. Em que aspecto a ignorância é um problema relevante para nós quando vamos ao culto?

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