Os Batistas e as Doutrinas da Graça

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Os

da Batistas Doutrinas Graça

Um estudo histórico-teológico da herança batista reformada Thomas Nettles eas

Este livro de Tom Nettles é um estudo pioneiro. Reunindo disciplinas acadêmicas, cuidados pastorais e coração cristão, Nettles leva a nossa memória às convicções dos pioneiros batistas e aquilo em que eles criam ser o evangelho.

Dr. Mark Dever, pastor da Capitol Hill Baptist Church, Washington, D.C.

Este é simplesmente o melhor livro sobre o assunto em questão. O Dr. Nettles é um historiador excelente e, aqui, ele traça, com muita atenção às fontes, a história das doutrinas da graça dentro da herança batista. Um recurso importante para recuperar o passado a serviço do futuro, segundo a grande tradição de Bunyan, Keach, Fuller, Carey, Spurgeon, Boyce e Carroll.

Dr. Timothy George, reitor da Beeson Divinity School, Samford University, Birmingham, AL

Vinte anos depois de sua primeira edição, o livro de Tom Nettles permanece como uma importante obra para os batistas modernos. Sua principal tese histórica — de que as doutrinas da graça formaram um consenso teológico entre os batistas dos estados do Sul dos EUA desde meados do século 19 até o primeiro quarto do século 20 — não foi abordada, muito menos refutada, por opositores e outros que não se sentem impactados por essa herança doutrinária. Este livro é de leitura essencial para qualquer um que deseje ser honesto no exame histórico da teologia dos batistas do Sul dos EUA.

Dr. Tom Ascol, pastor da Grace Baptist Church, Cape Coral, FL

Por que este livro é necessário no Brasil? Simplesmente porque a resolução do mal-estar soteriológico de nossos dias passa, inevitavelmente, pela rejeição do sofisma de que um batista não pode ser calvinista. As alternativas, por mais sinceras que sejam, só têm alimentado essa tensão. São elas: o combate ao calvinismo (como estranho aos batistas e inimigo de missões) e a mescla entre as duas vertentes (que sustenta a eleição condicional e trata o simples calvinista como extremista). Longe de ser uma propaganda, este livro é, portanto, um chamado à reconciliação que deve ser lido por todos aquele que têm se envolvido nessa questão tão atual e instigante.

Diogo Carvalho, pastor batista, doutor em teologia e missiólogo

“Isso é coisa de presbiteriano!” Lembro-me de ter ouvido essa frase no início de minha vida cristã. O fato é que dizer isso é um grave erro. A diferença entre os batistas e os presbiterianos está em eclesiologia, não na doutrina da salvação.

A obra em suas mãos visa elucidar essa questão, e acredito que o saldo positivo do lançamento deste livro será reforçar nossa identidade como batistas bem como nossas convicções na graça soberana de Deus. Temos grandes nomes ao nosso lado, temos poderosas forças que nos impulsionam avante. Fortaleçamo-nos no Senhor e na força do seu poder para realizar sua obra em nossos dias.

Pr. Hugo Santos Zica, pastor da Igreja Batista Plenitude em São Luís, MA

Esta obra clássica é referência para uma história do ensino das doutrinas da graça entre os primeiros pregadores e teólogos batistas, sobretudo nos Estados Unidos. Ela também inclui duas primorosas partes abordando o que a Escritura ensina e explicando suas implicações práticas para os cristãos. Finalmente, temos em português um excelente e denso recurso para os batistas que desejam conhecer sua história e que procuram uma introdução teológica robusta para o estudo da salvação oferecida por Deus por meio de Jesus, e que por ação do seu Espírito suscita fé mesmo no coração do pior dos pecadores, para sua maior glória.

Franklin Ferreira, reitor e professor no Seminário Martin Bucer, em São José dos Campos (SP), e professor adjunto no Puritan Reformed Theological Seminary, em Grand Rapids (MI), nos Estados Unidos

Nos últimos anos, o calvinismo tem sido foco de intenso debate entre os batistas. É sabido, por exemplo, que há figuras influentes dentro da denominação que combatem fervorosamente esta doutrina. Este debate é em parte geracional, em parte teológico e, em tempos mais recentes, intensamente pessoal. A leitura séria e honesta deste livro poderá corrigir esta tragédia. Nettles não é impulsionado pelo calvinismo, mas pela esperança de que os batistas abracem, confessem, preguem e ensinem as verdades da Palavra de Deus — e anunciem o evangelho de Jesus Cristo até os confins da terra. Pela graça e para glória de Deus, o que se deseja aqui é ver uma reforma genuína e um tempo de refrigério em nossas igrejas — e a chama da Grande Comissão ardendo em nossos corações.

Leandro B. Peixoto, pastor da Segunda Igreja Batista em Goiânia, GO

Aquelas mesmas verdades que incendiaram a Inglaterra através do príncipe dos púlpitos, e que ajudaram os batistas a expandirem o evangelho além-mar, estão destacadas nesta fantástica obra de Nettles! A relação entre as doutrinas da graça e os batistas nos é apresentada com um estilo claro e objetivo. Parabéns à Pro

Nobis Editora por nos trazer esta riquíssima obra! Recomendo muito sua leitura!

Em tempos tão confusos, as antigas doutrinas da graça precisam ser anunciadas por aqueles que pregam o puro evangelho!

Riedson Filho, mestre em teologia pelo Southeastern Theological Baptist Seminary, pastor presidente na Igreja Batista Monte Gerizim, professor de teologia sistemática do Seminário Teológico Batista do NordesteSalvador, primeiro vice-presidente da Convenção Batista Baiana

Durante o meu último ano acadêmico, o pastor batista Ernest Reisinger, do sul da Flórida, financiou minha ida a uma conferência para pastores batistas. Nesse evento, pude assistir às palestras proferidas por Tom Nettles, renomado professor de teologia histórica. Foi por meio de suas explanações que Deus me fez enxergar a profundidade das doutrinas da graça e o seu papel fundamental na trajetória histórica do movimento batista. Este livro é um portal para décadas de investigação e ensinamentos valiosos deste irmão, reconhecido como um dos mais destacados historiadores batistas contemporâneos.

Sillas Campos, pastor da Igreja Batista Central de Campinas, presidente do Ministério Fiel

Neste livro, o Dr. Nettles argumenta de forma convincente que o evangelho da graça de Deus está no coração do movimento batista e foi ensinado por homens como Benjamin Keach, John Bunyan, Adoniram Judson e Charles Spurgeon. Foi a tradição apostólica que eles seguiram, e é a mesma que pregamos ainda hoje. Os batistas e as doutrinas da graça é uma obra historicamente credível, biblicamente fundamentada e pastoralmente sensível.

Tiago Oliveira, pastor da Primeira Igreja Baptista de Lisboa, Portugal

Os batistas e as doutrinas da graça: Um estudo histórico-teológico da herança batista reformada

Traduzido do original em inglês: By His Grace And For His Glory: A Historical, Theological and Practical Study Of The Doctrines of Grace in Baptist Life

Copyright © 2006 Founders Press

Publicado originamente por Founders Press

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Cape Coral, FL 33915 www.founders.org

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por PRO NOBIS EDITORA

Rua Professor Saldanha 110, Lagoa, Rio de Janeiro-RJ, 22.461-220

1ª edição: 2024

ISBN: 978-65-81489-51-9

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Proibida a reprodução por quaisquer meios, salvo citações breves, com indicação da fonte.

Gerência editorial

Judiclay Silva Santos

Conselho editorial

Judiclay Santos

David Bledsoe

Paulo Valle

Gilson Santos

Leandro Peixoto

Tradução: Renan Lima, Shirley Lima

Preparação de texto: Shirley Lima

Revisão de provas: Isabela Fontenelles, Victor Hugo Pereira

Capa: Rubens Durais

Ilustrações: Marcos Rodrigues

Diagramação: Marcos Jundurian

Nesta obra, as citações bíblicas foram extraídas da Bíblia Almeida Revista e Atualizada (ARA), salvo informação em contrário.

As opiniões representadas nesta obra são de inteira responsabilidade do autor e não necessariamente representam as opiniões e os posicionamentos da Pro Nobis Editora ou de sua equipe editorial.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Nettles, Thomas

Os Batistas e as doutrinas da graça: um estudo histórico-teológico da herança Batista reformada/Thomas Nettles; [tradução Shirley Lima, Renan Lima]. – Rio de Janeiro: Pro Nobis Editora, 2024.

Título original: By his grace and for his glory.

ISBN 978-65-81489-51-9

1. Batistas - Brasil - História 2. Batistas - Doutrinas - História 3. Doutrina cristã - Ensino bíblico 4. Graça (Teologia) - Ensino bíblico 5. Igreja Reformada - Doutrinas 6. Teologia cristã I. Título.

24-191111

Índices para catálogo sistemático:

1. Batistas : História 286

Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129

Tel.: (21) 2527-5184

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CDD-263.041

Rio de Janeiro, RJ
Prelúdio editorial ..................................................................... 13 Apresentação da edição em português .................................... 15 Prefácio original ....................................................................... 21 Introdução ............................................................................... 25 Primeira parte: Evidência histórica 1. A grande jornada se inicia ............................................. 71 2. Ponte sobre águas turbulentas ....................................... 91 3. Na estrada novamente ................................................... 129 4. Uma estrada longa e sinuosa ......................................... 155 5. O temor de ti impede meus pés de se desviarem .......... 189 6. Cuidado com a falta de vitalidade do arminianismo ... 219 7. Passos ao longo do caminho ......................................... 243 8. Uma casa na beira da estrada ........................................ 263 9. A estrada não trilhada ................................................... 287 10. Jovens vigorosos tropeçam seriamente .......................... 311 11. Guia-me por uma vereda plana por causa dos meus inimigos ................................................................ 349
Sumário
Segunda parte: Exposição doutrinária 12. Eleição incondicional .................................................... 413 13. Depravação e chamado eficaz ........................................ 433 14. Cristo morreu por nossos pecados, de acordo com as Escrituras ....................................................................... 447 15. Perseverança dos santos ................................................. 475 Terceira parte: Exortações práticas 16. Certeza da salvação ........................................................ 505 17. Liberdade de consciência............................................... 523 18. Missões mundiais e evangelismo corajoso ..................... 541 Conclusão ................................................................................ 589 Índice onomástico ................................................................... 595 Índice de referências bíblicas ................................................... 601

Lista de retratos

Benjamin Keach 78

John Bunyan 82

John Gill 92

Andrew Fuller 130

Isaac Backus 157

John Leland 165

Adoniram Judson 173

Francis Wayland 181

John L. Dagg 195

P. H. Mell 210

Basil Manly, Sr. 219

J. P. Boyce 228

Basil Manly, Jr. 231

John A. Broadus 231

B. H. Carroll 264

A. H. Strong 276

E. Y. Mullins 289

Ernest C. Reisinger 352

Albert Mohler 360

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Prelúdio editorial

“A história deve ser escrita de fontes originais vindas de amigos e inimigos, no espírito de verdade e amor, sine ira et studio, sem malícia e com caridade para com todos.”

Nos últimos vinte anos, houve um exponencial crescimento da denominada teologia reformada no Brasil. Com o advento da internet, e seus múltiplos canais de comunicação, milhares de evangélicos passaram a conhecer a perspectiva calvinista. Alguns nomes tornaram-se bem conhecidos do público brasileiro e exerceram uma grande influência. Editoras publicaram centenas de livros sobre o assunto, atendendo às demandas e ao interesse dos evangélicos. Foram realizadas grandes conferências teológicas em todo o país. Denominações inteiras foram impactadas. Ao mesmo tempo, surgiram dúvidas, críticas, resistências e animosidades em relação ao calvinismo.

Os batistas brasileiros também foram afetados pelo crescimento desse movimento. Muitos abraçaram as chamadas doutrinas da graça e passaram a descobrir e se deleitar em sua histórica herança confessional. Contudo, à medida que partilhavam com seus irmãos, logo perceberam que, para a maioria dos batistas, isso era bastante novo e estranho. As reações foram distintas. Alguns rejeitaram, sob o argumento de ser doutrina presbiteriana, enquanto outros assumiram uma posição agressiva, atacando o calvinismo como se fosse herético.

Havia pouca literatura em português sobre a história dos batistas e sua relação com a tradição calvinista. Os nomes mais influentes entre os batistas no Brasil não faziam parte desta ala. Portanto, ser batista e calvinista parecia

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incompatível. Surgiram conflitos, perseguições e divisões. Os reformados são tratados como leprosos a serem evitados e, se possível, banidos da vida batista por simplesmente serem calvinistas.

O Dr. Thomas Nettles, renomado professor de história batista, com dezenas de livros e atuação em várias instituições de ensino, principalmente no Seminário Teológico Batista do Sul (EUA), escreveu uma obra singular. By His Grace And For His Glory foi escrito em 1986. Naqueles dias surgiu uma controvérsia no coração da Convenção Batista do Sul em relação às doutrinas da graça. Houve um acalorado debate e muita tensão entre os batistas do sul, à medida que o calvinismo experimentava uma ressurgência nos EUA.

Curiosamente, as questões levantadas naquela época eram muito similares às que enfrentamos hoje no Brasil. O Dr. Nettles, assim, enfrentou o desafio de escrever uma obra que pudesse apresentar os fatos de uma forma clara e honesta. Seu estudo analisa o cenário batista dos dois lados do Atlântico, no contexto batista anglo-saxão, e descreve a história deste povo e sua estreita relação com a teologia reformada.

A primeira parte do livro apresenta as evidências históricas, o que faz com irrefutável prova documental. Na segunda parte, o Dr. Nettles faz uma exposição sobre as doutrinas da graça, demonstrando sua base bíblica, a fim remover a visão superficial e caricata forjada por seus detratores. Por fim, o autor traz uma brilhante apresentação sobre os batistas e alguns pontos centrais: certeza da salvação, liberdade de consciência e o imperativo da evangelização global.

A Pro Nobis Editora carrega DNA batista. Nossa equipe trabalha para promover literatura de qualidade, especialmente no resgate da herança histórica confessional batista, visando fortalecer a igreja de Jesus Cristo e ajudá-la na missão de proclamar o evangelho. Nossa intenção é apresentar a verdade e defender o direito de qualquer batista, segundo a sua própria consciência, de crer nas doutrinas da graça tal como os primeiros batistas e tantos outros depois deles, sem sofrerem qualquer pressão ou estranhamento por causa disso. Como bem disse o príncipe dos pregadores, C. H. Spurgeon, um dos maiores batistas de todos os tempos: “Não, eu não levanto a bandeira de Calvino. Só estou junto com ele levantando a bandeira do verdadeiro evangelho”.

Meu sincero desejo é que Deus seja glorificado e sua igreja, edificada.

Judiclay Santos, pastor da Igreja Batista do Jardim Botânico, fundador e diretor da Pro Nobis Editora

Prelúdio editorial 14

Apresentação da edição em português

Meu primeiro contato com o autor deste livro foi em outubro de 1991. Logo percebi tratar-se de um estudioso apaixonado pela história batista, para a qual buscava oferecer um tratamento honesto, acadêmico e imensamente relevante. Estabelecemos correspondência entre agosto de 1992 e janeiro de 1993. À época, doutor Nettles era professor na Trinity Evangelical Divinity School, no estado americano de Illinois. Na correspondência que me enviou em 20 de janeiro de 1993, apresentou-me algum bom material de doutor W. A. Criswell (1909—2002), conhecido líder batista e pastor da Primeira Igreja Batista de Dallas. Um sermão de Criswell que ele sugeriu veio a ser publicado em português. “Fiquei afligido pela deficiência da perspectiva teológica que alguns líderes batistas têm”, opinou ele em relação as convicções correntes de alguns líderes à época, inclusive no Brasil. Foi pela mesma época que adquiri este livro que agora o leitor tem em mãos. A obra exerceu um grande impacto em minha leitura pessoal da história batista. Mais de trinta anos são passados! De lá para cá muita água passou debaixo da ponte, e o cenário batista assistiu a algumas significativas mudanças.

Doutor Nettles tem sido bastante proficiente em demonstrar que, no século vinte, a abordagem de importantes segmentos denominacionais para as chamadas Doutrinas da Graça experimentou mudanças. F. H. Kerfoot (1847— 1901), em um texto amplamente usado pelos batistas no Brasil, escrevera que, “em comum com um grande corpo de cristãos evangélicos, quase todos os batistas creem no que são geralmente chamadas as doutrinas da graça”.

A soberania absoluta e presciência de Deus; Seus motivos e decretos eternos e imutáveis; Que a salvação em seu começo, continuação e

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complemento, é dom gratuito de Deus; Que em Cristo, somos eleitos ou escolhidos, pessoal ou individualmente, da eternidade, salvos e chamados do mundo, não conforme as nossas obras, porém, de acordo com seu próprio motivo e graça, por meio da santificação do Espírito e crença da verdade; Que somos guardados pelo seu poder de cair em apostasia, e que seremos apresentados sem culpa diante de sua presença na glória.1

No Brasil, não obstante as tendências alinhadas no século vinte, a Confissão de Fé Batista de New Hampshire, que Zachary C. Taylor (1851— 1919) traduzira com o nome de “Declaração de Fé das Igrejas Batistas do Brasil”, foi adotada oficialmente pela Convenção Batista Brasileira de 1920 até 1986, e ainda hoje é a que oficialmente consta dos estatutos de muitas igrejas batistas no Brasil.2 Um documento confessional muito saudável e biblicamente equilibrado, a Confissão Batista de New Hampshire enfatiza, recorrentemente, tanto a livre graça de Deus como os deveres do homem, realizando uma consistente e preciosa afirmação das doutrinas da graça.

Salomão L. Ginsburg (1867—1927) é considerado “o pai do Cantor Cristão”, e o mais importante hinógrafo dos batistas no Brasil. Um ano depois de sua chegada, Ginsburg publicou a primeira edição do Cantor Cristão, que continha inicialmente apenas dezesseis hinos. A edição de 1921 tomou feições quase definitivas, com 571 hinos. As letras e melodias populares do Cantor Cristão serviram para doutrinar sucessivas gerações. Conquanto recebendo maior influência dos chamados “hinos evangelísticos” (“gospel hymns”), lançados especialmente nas jornadas evangelísticas de D. L. Moody (1837—1899) e seu compositor, Ira D. Sankey (1840—1908), alguns dos hinos mais populares dos batistas no Brasil refletiram boa e encadeada compreensão das doutrinas da graça.

Alguns teólogos batistas no Brasil ofereceram significativa contribuição para uma saudável compreensão das referidas doutrinas. Entre eles, tomo

1 B. W. Spilman et al. Manual Normal da Escola Dominical. 2. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1921, pp. 5-6, 291-292. A primeira tradução deste livro, publicada em português, é datada de 1918. Cf. ainda DARGAN, E. C. As Doutrinas de Nossa Fé. Trad. W. E. Entzminger. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1918, 115 p. As seguintes passagens bíblicas são remetidas pelo autor: Romanos 8.9, 10, 11; Atos 13.48; Efésios 1.4, 5; Efésios 2.1-10; I Pedro 1.2-5, Judas 24; II Timóteo 1.9; Tito 3.5.

2 Em 1986 a CBB aprovou a sua própria “Declaração Doutrinária”, redigida por uma comissão de teólogos batistas brasileiros, tendo como corpo principal a declaração de fé que fora aprovada pelo Seminário Batista do Sul, no Rio de Janeiro.

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a liberdade de referir William Edwin Entzminger (1859—1930), fundador de A Casa Publicadora Batista e de O Jornal Batista; William Carey Taylor (1886—1971), considerado por alguns como “o teólogo dos batistas brasileiros” e, unanimemente, um dos principais doutrinadores dos batistas brasileiros; David Gomes (1919—2003), conhecidíssimo ministro batista no Brasil; Roque Monteiro de Andrade (1922—1990), influente docente de teologia e escritor; Aníbal Pereira dos Reis (1924—1991), outrora sacerdote católico, que, consagrado pastor batista, tornou-se um escritor prolífico e conferencista itinerante por todo o país; doutor Russell Philip Shedd (1929—2016), fundador de Edições Vida Nova e responsável direto pela publicação de um acervo inestimável para a formação bíblico-teológica dos evangélicos no Brasil; e Ary Veloso da Silva (1935—2012), plantador de igreja e idealizador de influentes ministérios urbanos.

Outros grupos batistas têm contribuído para a evangelização do país. Entre estes estão algumas alas surgidas no contexto do fundamentalismo norte-americano, como os Batistas Regulares, os Batistas Bíblicos e outros grupos batistas, inclusive independentes (os quais têm resistência em associar as suas igrejas em torno de instituições para além da congregação local). Dentre esses preciosos irmãos, em geral de hermenêutica dispensacional, também tem havido quem tenha expressado seu apreço a uma leitura reformada de doutrinas da graça. Dentre as escolas do segmento dispensacional, deve ser salientado o Seminário Bíblico Palavra da Vida, em Atibaia, São Paulo, que contou com alguns conhecidos docentes batistas, e no qual têm estudado muitos pastores e líderes de confessionalidade batista, inclusive alguns sabidamente calvinistas em sua soteriologia.

Nos pós-guerra, o movimento hoje denominado por alguns de “Ressurgência Reformada” teve, desde o início, pretensões mais amplas do que apenas abordagens pontuais, fragmentárias ou parciais das chamadas doutrinas da graça. Em seu cerne e entre os seus desafios, tem tido este movimento um ideal de recuperação do entendimento crucial do que seja o Evangelho da Graça. Buscou-se, assim, uma compreensão integral, abrangente e coerente da graça, de forma consistentemente monergística, enfatizando que tal compreensão requer a confissão dos chamados “Cinco Pontos do Calvinismo”. Suas aspirações irradiaram-se para além da soteriologia, enfatizando a imperiosa e vital necessidade de resgate dos Cinco Pilares da Reforma: Sola Scriptura,  Sola Fide,  Solus Christus,  Sola Gratia e  Soli Deo

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Gloria. Em termos sintéticos, o movimento tem tido como força propulsora um empenho por nada menos que uma Cosmovisão Reformada. Assim, a Cosmovisão (alemão  Weltanschauung, visão de mundo) Reformada, em rigor, diria respeito a tudo o que existe, e não apenas a recortes e frações da realidade. Uma parcela significativa daqueles imbuídos deste desejo de Reforma compreendiam que, tendo como núcleo o Cristo crucificado que nos é apresentado pelo evangelho bíblico, a Reforma tem aspiração global. Isto é, a Reforma avança em direção à forma pela qual o indivíduo, a família, a igreja, a sociedade e a cultura percebem e interpretam o mundo e interagem com ele.

Os batistas engajados neste movimento têm insistido que a Reforma precisa necessariamente incluir a eclesiologia. A cosmovisão reformada pressupõe uma coerência eclesiológica, e neste particular estes batistas vêm enfatizando a singularidade e biblicidade de sua eclesiologia. Como sabemos, nem todos os ortodoxos são evangélicos, nem todos os evangélicos são reformados, nem todos os reformados são batistas... Os batistas têm historicamente chamado para a crucialidade de uma membresia regenerada, pactuada, por oposição ao conceito de membresia por nascimento (em lugar ou família) ou hereditariedade. Este entendimento está na base de seu conceito de batismo, a saber, de que apenas os regenerados que confessem sua fé devem ser batizados. Este modo de crer tem sido historicamente apelidado de “credobatismo” (por oposição ao “pedobatismo”), porém os batistas têm insistido que este é, em rigor, o único batismo ensinado e praticado por Cristo e os apóstolos. Estes dois entendimentos, assumidos em suas implicações, conduziram o governo congregacional, com forte ênfase na competência das congregações locais e na importância de intencional e empenhada cooperação entre elas. Este núcleo eclesiológico precisou encontrar coerência na defesa que os batistas fazem da separação entre Igreja e Estado. “Somente Deus é Senhor da consciência, e Ele a liberou das doutrinas e mandamentos de homens que entrem em contradição com a Palavra ou que não estejam contidos nela”, confessaram os batistas ingleses em 1689. Reúna todos estes distintivos e você concluirá que eles demandam ainda um elo na referida corrente, a saber: O único meio, ensinado por Cristo e os apóstolos, para o crescimento da igreja, é um abnegado compromisso com a Grande Comissão entregue por Jesus Cristo à sua igreja. No final do século dezoito, batistas tais quais William Carey

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Os batistas e as doutrinas da graça

(1761—1834) e Andrew Fuller (1754—1815), em seus esforços missionários, trataram de recuperar mais uma pérola do legado de fé bíblica, que desde a Reforma se vinha resgatando. Em síntese, desde o século dezessete os batistas vêm insistindo que sua eclesiologia é apenas a aplicação coerente dos princípios bíblico-teológicos da Reforma do século dezesseis.

Sob alguns aspectos, não obstante, o movimento de Reforma entre os batistas tem tido também como alvo um resgate ou retomada de uma confessionalidade batista, notadamente a que caracterizou os batistas britânicos e norte-americanos até fins do século dezenove. É neste sentido que alguns têm afirmado tratar-se de uma “ressurgência”. Em rigor, não se almejava mera replicação descontextualizada de uma realidade passada, mas de redescobrir riquezas preciosas que ficaram cobertas ou relegadas ao longo dos anos, e que por razões diversas tornaram-se grandemente alheias e desconhecidas pelas atuais gerações batistas. Isto já assinalava para um problema, certamente: Havia um desconhecimento de muitos batistas contemporâneos de sua própria história doutrinal, resultando em que nem mesmo uma indagação se fazia sobre o porquê de seus antepassados terem crido no que creram. Assim, nas últimas décadas, muitas antigas obras e autores batistas foram redescobertos e traduzidos, a começar de algumas das mais influentes confissões de fé. E não foi por demais surpreendente que muitos batistas atuais exclamaram: “Eu nunca imaginei que os batistas algum dia creram nisto!”.

A ressurgência reformada influenciou diferentes grupos batistas ao redor do mundo. Entre os Batistas do Sul não se pode negligenciar o esforço de Ernest Reisinger (1919—2004). Como pastor Batista do Sul, Ernie desejou ver a reforma entre as igrejas daquela grande denominação. Com sua notória perseverança, e por sua influência direta, foi realizada a primeira “Southern Baptist Conference on the Faith of the Founders” em 1983. Esta conferência expandiu-se e tornou-se o Founders Ministries. Hoje a influência reformada entre os batistas do Sul é crescente: Na literatura, no ministério pastoral, nos seminários, em conferências para jovens, em conferências de família, etc. Pastores batistas calvinistas têm ocupado a liderança de algumas importantes instituições. A influência desta ressurgência entre professores de seminários tem sido igualmente crescente. Dentre estes, alguns vêm cumprindo um papel importante ao oferecer aos batistas de sua geração uma visão mais abrangente de sua história. Thomas Nettles está entre os mais conhecidos. Neste seu livro, capital na ressurgência reformada entre os batistas, em especial

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no contexto dos Batistas do Sul, doutor Nettles percorre a abordagem das Doutrinas da Graça na história da denominação.

Desde a segunda metade da década de 1980, também no Brasil vários líderes têm sido persuadidos da biblicidade das doutrinas da graça e de sua historicidade entre os batistas, e alguns vêm exercendo influentes e frutíferos ministérios. As convicções acerca destas doutrinas, assumidas publicamente e por eles divulgadas, não têm deixado, por vezes, de encontrar resistência e de reverberar fortemente em alguns setores da denominação. Alguns já chegaram a dizer que “tais doutrinas não são batistas” e ainda outros, reagindo mais fortemente, que se tratam de consumadas “heresias”. Há dentre aqueles que esboçam suas resistências alguns que expressam uma melhor e razoável articulação histórica e teológica; outros, entretanto, emergindo no calor da premência e com ânimos inflamados, revelam notório desconhecimento de história batista, mobilizados por simplificações e, não raramente, esbarrando-se em sensível ignorância. Em alguns momentos, esta reação reuniu tanto segmentos de teologia mais conservadora quanto de líderes mais alinhados ao liberalismo teológico.

Assim, lamentavelmente (e, segundo alguns, talvez inevitavelmente) a ressurgência reformada no específico contexto batista brasileiro teve seu início suscitando alguma polêmica. Não obstante, a polêmica cumpriu o papel de abrir caminho para a consideração das doutrinas da graça, especialmente por parte de uma nova geração de pastores e líderes. As ampliações das publicações, e o advento da internet com múltiplos ministérios batistas ocupando nela o seu lugar, vêm oferecendo, gradativamente, maior plausibilidade aos esforços dos líderes batistas “reformados” nos contextos denominacionais.

Com este precioso livro em suas mãos, o leitor tem agora a oportunidade de obter uma perspectiva histórica e pessoal, remetendo-se aos autores e documentação original na história dos batistas. Que possamos lê-lo com os nossos corações abertos e dispostos a aprender. Permita o Senhor que, “pela sua graça e para a sua glória”, esta obra contribua para uma melhor compreensão da preciosíssima Palavra do Senhor entre nós, e que, ao mesmo tempo, ajude-nos a lançar raízes ainda mais profundas. O antigo provérbio africano é instrutivo aqui: “O rio, quando esquece onde nasce, seca e morre”.

Gilson Santos

São José dos Campos, SP

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Prefácio

Publicado, inicialmente, em 1986, este livro surgiu como uma resposta às reações eclesiásticas ao January Bible Study de 1980. Efésios era o texto. As doutrinas de Paulo — da eleição, da depravação e da regeneração — tomaram muitos de surpresa, despertando-lhes muitas dúvidas perplexas e impactantes. O que começou como um pequeno panfleto sobre a eleição cresceu, enquanto outras importantes questões continuavam a surgir: “Por que evangelizar? Por que lutar por santidade? Como é possível ter certeza da salvação?”. Uma das questões mais persistentes era: “Isso é batista?”. Embora a pergunta “Isso é bíblico?” devesse ser suficiente para os milhões que têm entrelaçado suas vidas, em boa consciência, com as congregações batistas ao redor do mundo, a questão não é irrelevante. O propósito deste livro, à época, era o de lançar luz sobre a questão denominacional histórica. Nos anos seguintes, essas questões tornaram-se mais visíveis, mais amplamente aceitas pelos membros de igrejas, pastores, ministros denominacionais, mais controvertida e acaloradamente contestadas por alguns, além de constituir o assunto de muitas discussões de grupos nas igrejas e em diversos espaços denominacionais. A atenção dispensada às doutrinas da graça é boa; é saudável pensar mais robustamente nos elementos da santidade de Deus, em sua soberania e em seu propósito eficaz e infinitamente sábio na justificação de pecadores sob a maldição de sua Lei. Embora eu esteja acostumado, ainda fico aturdido com o fato de que as mesmas verdades que resultam em um contexto de amor, alegria, humildade, gratidão e transformação na vida de alguns, criam medo, raiva, ressentimento e oposição fervorosa entre os que professam crer no evangelho. Alguns dissidentes até mesmo propõem

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Os batistas e as doutrinas da graça

estratégias para a exclusão daqueles que, afetuosamente, confessam essas doutrinas. Isso é triste, mas talvez normal. Os defensores mais perseverantes das doutrinas da graça eram, outrora, seus opositores ferrenhos.

Isaías tinha palavras de alerta que poderiam muito bem aplicar-se a historiadores, críticos doutrinários e estrategistas políticos: “Pois o tirano é reduzido a nada, o escarnecedor já não existe, e já se acham eliminados todos os que cogitam da iniquidade, os quais por causa de uma palavra condenam um homem, os que põem armadilhas ao que repreende na porta, e os que sem motivo negam ao justo o seu direito” (Is 29.20-21). Ao revisar a enorme quantidade de literatura que agora é produzida a respeito do assunto deste livro, creio que tenho visto muitos a considerarem ofensiva de imediato e, então, criar preconceito, com muitas armadilhas para pegar os críticos e muitos argumentos vazios com a intenção de reprimir os que estão certos.

De fato (o que não surpreende ninguém que tenha navegado nestas águas), eu enxergo as mesmas tendências em minhas próprias tentativas de defender um ponto de vista nesta discussão. E, quando as detecto, busco corrigi-las e me arrepender delas. Mas estou certo de que, em alguns lugares, o tipo de pecaminosidade egoísta descrita por Isaías tem-se atrelado com tamanha intensidade à minha própria percepção pessoal que tenho sido incapaz de extrair meus argumentos dela. Alegremente, considerarei interpretações alternativas e sérias da narrativa histórica, dos argumentos teológicos e do suporte bíblico em relação a qualquer passagem deste livro.

Dessa forma, não responsabilizo, por quaisquer erros, ninguém que tenha tido a bondade de me encorajar e aconselhar no término desta segunda edição. Eu não poderia tê-la finalizado em tempo oportuno se não fosse a ajuda rápida e competente que obtive.

Quando sugeri a ideia de uma segunda edição à editora Founders Press, o então editor, Dr. Tom Ascol, respondeu imediatamente com uma anuência entusiasmada. Ele tem dado sugestões úteis ao longo de todo o processo. Ken Puls, que faz mais do que acho que uma pessoa é capaz de fazer, trabalhou na diagramação e em tudo o mais relacionado aos aspectos técnicos da produção deste livro. Barb Reisinger e outros colaboradores administrativos, da Grace Baptist Church, em Cape Coral, Flórida, têm dado respostas imediatas a inúmeras solicitações.

Robert Nettles fez a capa. Ele atendeu à minha sugestão sobre seu conteúdo com uma amabilidade na composição maior do que eu poderia ter previsto. Também fez todas as ilustrações incluídas.

Prefácio 22

Os batistas e as doutrinas da graça

Minha amável e devotada esposa, Margaret, como em muitas ocasiões, tem sacrificado seu tempo pessoal comigo, encorajando-me a perseverar no trabalho de escrita. Ela, mais do que qualquer outra pessoa, sabe o tempo e o investimento pessoal envolvidos ao passar, vez após vez, sobre orações e parágrafos para que possam chegar mais perto da intenção esperada. Ela deleita meu coração.

O departamento de Serviços de Mídia do Seminário do Sul prestou assistência profissional, demonstrando real interesse pessoal na conclusão deste projeto. Agradecimentos especiais vão para Michael Pate, docente do Seminário Teológico Batista do Sul e membro de meu grupo ministerial na escola de teologia, por suas horas dedicadas a escanear o texto da primeira edição deste livro. Além disso, Andy Rawls, diretor de Serviços de Mídia, incluiu Michael no projeto como parte das operações regulares daquele departamento. Andy também fotografou o retrato a óleo que é a capa do livro [no original americano] e o colocou em uma mídia, juntamente com as imagens, enviando tudo à editora. Donald Corbin e Christopher Smith supervisionaram o processo de escaneamento das imagens. Outras pessoas daquele departamento fizeram partes do trabalho pesado e, por sua ajuda, sou verdadeiramente grato. Que time de trabalhadores dedicados, com um verdadeiro espírito de serviço!

Jason Fowler supervisiona os arquivos da Boyce Library, no Seminário do Sul. Ele e sua equipe competente responderam rapidamente, e com muita eficiência, a cada pedido que fiz nas etapas finais da escrita. Obrigado, amigos. Na primeira edição, reconheci minha dívida com as bibliotecas e equipes do Seminário Teológico Batista do Sudoeste, do Seminário Teológico Batista da Mid-America, Biblioteca do Museu Britânico e Biblioteca Dr. Williams Dissenters, na Universidade de Londres. É uma dívida que, obviamente, permanece. Camille Couch investiu sua mão de obra qualificada, horas sem-fim de trabalho e seu senso de administração pessoal ao digitar todo o manuscrito da primeira edição publicada pela Baker Book House. Minha gratidão, tanto a ela como à editora Baker, não é menor.

Meus colegas de departamento no Seminário Teológico Batista do Sul mantêm seu espírito de energia teológica e encorajamento, entendendo que a escrita é um investimento no reino. Essa atmosfera tem sido incentivada por sua administração: o presidente, R. Albert Mohler, e o reitor e vice-presidente, Russell Moore. Que vívida e agradável experiência em formação teológica temos aproveitado juntos!

23

Por fim, às milhares de testemunhas batistas que foram fiéis até à morte e encontraram grandes consolo e confiança no Senhor Jesus Cristo da forma que a Bíblia o apresenta a nós, por meio do sangue da eterna aliança. Eles não depositaram sua confiança na carne, pois entenderam que não tinham bondade nem idoneidade moral capazes de recomendá-los ou levá-los a se voltar a Deus; eles sabiam que nada poderia separá-los do amor de Deus, pois Deus o colocara, incondicionalmente, sobre eles, antes da fundação do mundo; eles adoraram segundo o Espírito de Deus, pois sabiam que ele havia aberto seus corações para crer; eles não temeram condenação alguma, pois confiaram na eficácia da morte sacrificial de Cristo; eles lutaram, corajosamente, contra os inimigos temíveis, que são o mundo, a carne e o diabo, pois foram fortalecidos de acordo com seu glorioso poder, em cujas mãos estavam seguros. “Ora, àquele que é poderoso para vos guardar de tropeços e para vos apresentar com exultação, imaculados diante da sua glória, ao único Deus, nosso Salvador, mediante Jesus Cristo, Senhor nosso, glória, majestade, império e soberania, antes de todas as eras, e agora, e por todos os séculos. Amém!” (Jd 24-25).

Prefácio 24

Introdução

A definição do termo “batistas” não é fácil. O começo do movimento batista e a expansão geográfica da denominação parecem diametralmente diferentes da atual realidade. Mesmo aqueles que valorizam o nome batista, tal como outros na história, nem sempre se mostram entusiasmados ou receptivos.

A designação vernacular “comumente chamados anabatistas” aparece na capa da Confissão Batista de Londres de 1644. Esse erro coloquial reaparece na história sob uma variedade de termos: “igrejas de Cristo”, “cristãos (batizados sob a profissão de sua fé)”, “congregações reunidas de acordo com o padrão primitivo” e o mais simples de todos, “crentes batistas” — todas consideradas designações dos batistas nos últimos trezentos anos. A gradual adoção do termo “batistas” como uma identificação denominacional mais curta evidencia-se por seu uso formal já em 1672, em alguns documentos da realeza inglesa.

Qual expressão (ou crença) específica traduz melhor a natureza do Movimento Batista? É possível definir um movimento tão dinâmico e complexo quanto a denominação batista em uma única expressão? Devemos concentrar-nos na liberdade de consciência, na resposta voluntária, na experiência religiosa, em uma visão específica da Escritura, em uma doutrina particular da igreja, em uma visão peculiar sobre as missões ou em alguma perspectiva de envolvimento sociológico ou político?

O foco específico deste livro é a soteriologia na vida batista. A tese do autor é que o calvinismo — popularmente denominado como doutrinas da graça — prevaleceu nas mais influentes e estáveis áreas da vida denominacional batista até o fim da segunda década do século 20.

25 Os batistas e as doutrinas da graça

Nos últimos setenta anos, tanto a negligência como a rejeição vêm cobrando o seu preço no entendimento e, sobretudo, no comprometimento com aquelas verdades que antes eram caras aos pioneiros batistas. Portanto, o foco nas doutrinas da graça é intencional e destemido. Isso, contudo, de forma alguma implica uma abordagem reducionista da vida batista.

Definindo o Movimento Batista

Selecionar qualquer categoria ideológica ou prática para um tratamento específico pode muito bem transformar-se em um retrato desbotado e inexpressivo do que seria mais bem-compreendido como uma figura tridimensional. Os batistas existem como uma combinação complexa de muitos elementos — práticos e ideológicos, essenciais ou voluntários. Cada fator envolve o outro e deve ser visto em sua relação com o todo. Nenhum deles, sozinho, define o movimento batista.

Nessas categorias essenciais, reconhecemos muitos pontos convergentes entre os batistas e todos os outros cristãos, entre os batistas e outros protestantes; no entanto, também há divergências significativas em relação a ambos. Essas categorias mais amplas devem receber alguma atenção, ainda que mínima. Os termos ortodoxos, evangélicos e independentes proveem tanto os parâmetros necessários como a liberdade indispensável para uma definição do que significa ser batista. O prefácio ao livro Fé e a mensagem batista, de 1963, uma confissão de fé dos batistas do sul, estabelece isso muito bem:

Os batistas enfatizam a competência da alma diante de Deus, a liberdade religiosa e o sacerdócio do crente. Contudo, essa ênfase não deveria ser interpretada como se significasse haver carência de certas doutrinas definidas em que os batistas creem e que valorizam, e com as quais têm sido — e ainda são agora — identificados.1

Ortodoxia

Em primeiro lugar, os batistas são ortodoxos, embora esse termo tenha vários significados: a ortodoxia católica medieval, a ortodoxia luterana e a ortodoxia reformada. O significado mais amplo e mais largamente aceito desse termo diz respeito às afirmações trinitárias e cristológicas da igreja

1

Introdução 26
The Baptist Faith and Message (Nashville, TN: Sunday School Board of the Southern Baptist Convention, 1963), p. 6.

Os batistas e as doutrinas da graça primitiva. A Enciclopédia do conhecimento religioso, de Schaff, define o verbete ortodoxia como “uma adesão consciente à fé cristã da forma que é ensinada na Bíblia ou nos credos ecumênicos”. Todos os cristãos precisam indagar a si mesmos: “Quem é esse Cristo a quem adoramos, e qual é sua relação com a divindade?”. Os primeiros quatro concílios ecumênicos da igreja buscaram formular uma resposta a essa dupla questão. O Credo de Niceia afirmou que Jesus era da mesma essência de Deus, o Pai, e que havia tomado sobre si, em sua encarnação, a natureza humana completa. Esse Credo também declarou sua personalidade separada do Pai. Os concílios realizados em Constantinopla e Éfeso protegeram essas afirmações contra várias divergências heréticas até que uma definição cristológica assumisse seu formato final no Concílio de Calcedônia. Embora exposta em termos negativos, a declaração foi projetada para excluir determinados erros relacionados à pessoa de Cristo. A declaração diz o seguinte:

Nós [...] ensinamos os homens a confessarem ao único e mesmo Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, perfeito em sua Divindade e perfeito em sua Humanidade; verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem de alma racional e corpo; consubstancial com o Pai de acordo com a divindade, e consubstancial conosco de acordo com a humanidade [...] a ser reconhecido em duas naturezas, de modo inconfundível, imutável, indivisível e inseparável; a distinção das naturezas não é de modo algum diminuída pela união, mas, em vez disso, a propriedade de cada uma é preservada, sendo concomitantes em uma Pessoa.2

Embora os batistas não tenham assentido com essa declaração simplesmente por se tratar de um credo, preferindo enfatizar sua fidelidade a toda informação constante nas Escrituras e apresentada sobre Cristo, eles têm usado a mesma linguagem dessa declaração em confissões, catecismos e teologias. Talvez a cristologia tenha constituído a primeira controvérsia na vida batista. John Smyth abriu espaço para a visão menonita de carne celestial em sua cristologia; Thomas Helwys achava que, definitivamente, era perigoso fazer tal concessão. A boa vontade de Smyth em ceder nesse aspecto causou, em parte, a ruptura entre ambos, em 1610. Assim, Helwys afirmou em sua Confissão de Fé, escrita em 1610 e publicada em 1611:

2 Philip Schaff, The Creeds of Christendom, 3 vols. (Grand Rapids, MI: Baker Book House, 1983 reprint), 2:62.

27

JESUS CRISTO, o Filho de DEUS, a segunda Pessoa ou substância na Trindade, na Plenitude dos tempos foi manifesto em Carne, sendo a semente de Davi, e de entre os israelitas, de acordo com a Carne. [Em]

Romanos 1:3 e 8:5, o Filho da Virgem Maria, feito de sua substância, [em] Gálatas 4:4, pelo poder do ESPÍRITO SANTO que estava sobre ele, [em] Lucas 1:35, sendo assim verdadeiro Homem, igual a nós em todas as coisas, menos no pecado. [Em] Hebreus 4:15, sendo uma pessoa em duas naturezas distintas, VERDADEIRO DEUS e VERDADEIRO HOMEM.3

Essa última frase foi obviamente influenciada pela ortodoxia cristológica, e o segmento de frase “feito de sua substância” mostra forte aversão à cristologia docética.

A Primeira Confissão de Londres, escrita pelos batistas em Londres, em 1644, também faz parte da ortodoxia patrística. O artigo II faz uma afirmação sobre a Trindade em uma linguagem reminiscente dos Credos de Calcedônia e de Atanásio, e até mesmo inclui a cláusula filioque:

Na Divindade, há o Pai, o Filho e o Espírito; sendo cada um deles um e o mesmo Deus; portanto, não divididos, mas distinguidos um do outro pelas suas propriedades; o Pai sendo de si mesmo, o Filho do Pai desde a eternidade, e o Espírito Santo procedendo do Pai e do Filho.4

A Segunda Confissão de Londres, adotada, em 1677, pelos batistas particulares na Inglaterra, seguiu muito de perto a Confissão de Fé de Westminster, mas dela divergiu, de forma significativa, na eclesiologia, nas ordenanças e na relação entre Igreja e Estado. Várias outras mudanças em segmentos de frase e termos demonstram que essa confissão não é simplesmente uma reprodução acrítica da Confissão de Fé de Westminster, representando uma opinião estudada e precisa das igrejas batistas particulares de seu tempo.

O Capítulo VIII, intitulado “De Cristo, o Mediador”, alinha-se, de forma clara, com uma cristologia ortodoxa:

O Filho de Deus, a segunda pessoa da Santíssima Trindade, é o verdadeiro e eterno Deus, o resplendor da glória do Pai, da mesma substância, e igual àquele que fez o mundo. Ele sustenta e governa todas as coisas que fez. Quando a plenitude do tempo chegou, tomou sobre si a natureza humana,

3 William L, Lumpkin, Baptist Confessions of Faith (Valley Forge, PA: Judson Press, 1969), p. 119.

4 Ibid., p. 156-57.

Introdução 28

Os batistas e as doutrinas da graça

com todas as suas propriedades essenciais e debilidades comuns, ainda que sem pecado. E, assim, ele nasceu de uma mulher da tribo de Judá, da semente de Abraão e de Davi, de acordo com as Escrituras; a fim de que duas naturezas completas, perfeitas e distintas estivessem inseparavelmente unidas em uma pessoa, sem mudança, mistura ou confusão.

Tal pessoa é verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, ainda que um só Cristo, o único mediador entre Deus e o homem.5

O trinitarianismo ortodoxo também é afirmado nessa Confissão:

Neste divino e infinito Ser, há três subsistências, o Pai, a Palavra (ou Filho) e o Espírito Santo, de uma substância, poder e Eternidade, cada um possuindo o todo da Divina Essência, embora Essência indivisa, pois o Pai procede de nenhum, nem foi gerado, nem é procedente; o Filho é Eternamente gerado do Pai, o Espírito Santo procedente do Pai e do Filho, todo-infinito, sem começo, portanto um Deus, a não ser dividido em natureza e Ser; mas distinguido por diversas propriedades peculiares e relativas, e por relações pessoais; tal doutrina da Trindade é o fundamento de toda a nossa Comunhão com Deus, e confortável dependência nele.6

Tal ortodoxia cristológica e trinitária não era limitada meramente aos batistas particulares ou calvinistas. Os batistas arminianos também se juntaram a seus irmãos calvinistas ao afirmar esas aceitação das decisões dos antigos concílios da igreja. Em meados do século 17, surgiu uma confusão no meio batista geral, relativa à pessoa de Cristo. Com o propósito de corrigir aqueles que negavam as fórmulas cristológicas já aceitas da igreja, os batistas gerais de Midlands produziram um documento intitulado O Credo Ortodoxo. No prefácio, há uma afirmação surpreendente, feita por esses batistas: “Estamos certos de que a negação do batismo é um mal menor do que a negação da divindade ou da humanidade de Cristo”.7

O Credo Ortodoxo tem forte ênfase no trinitarianismo e na teologia cristológica. Acerca da natureza divina de Cristo, a Confissão afirma que o Filho de Deus é “real e verdadeiro Deus, de uma natureza e de uma substância com o Pai e o Filho por natureza — coigual, coessencial e coeterno com o Pai e o Espírito Santo”.8

5 Confissão de fé batista de Londres (1689). Pro Nobis Editora, p. 53.

6 Ibid., p. 253.

7 Ibid., p. 295.

8 Ibid., p. 299.

29

Além disso, a Confissão afirma que a segunda pessoa da Santa Trindade tomou para si um “verdadeiro e real corpo carnal, com uma alma racional” e “tornou-se verdadeiramente um homem real, como nós, em todas as coisas, exceto quanto ao pecado”.9

Há mais da linguagem ortodoxa na Confissão, quando os autores dizem que Cristo unificou a natureza de Deus e a natureza do homem em sua pessoa: “As propriedades de cada natureza, sendo preservadas sem mudança em qualquer uma delas, ou a mistura de ambas”. E a pessoa assim composta é “um Cristo, Deus-Homem; ou Emanuel, Deus conosco”.10

Além disso, como se tal linguagem específica e longos artigos nestas áreas não fossem suficientes, o artigo 38 de O Credo Ortodoxo recomenda o Credo Niceno, o Credo de Atanásio e o Credo dos Apóstolos ao círculo batista. Os autores criam que tais credos poderiam ser provados “pela indubitável autoridade da Santa Escritura”, sendo necessário que todos os cristãos os compreendessem. Os ministros batistas eram encorajados a ensiná-los, de acordo com a analogia da fé como registrada nas Sagradas Escrituras, para a edificação dos jovens e velhos, como meio de “prevenir heresia na doutrina e na prática”.11

No século 18, os batistas gerais tiveram novamente problemas internos relacionados à cristologia. Os ministros que aceitavam a perspectiva sociniana12 da pessoa de Cristo, uma visão que comprometia sua deidade, foram tolerados na assembleia-geral. Dan Taylor determinou que se começasse uma nova conexão dos batistas gerais e formou o grupo em junho de 1770. Entre os seis artigos que foram escritos para apresentar os princípios que distinguiam sua organização, estava um artigo sobre a pessoa e a obra de Cristo. A primeira parte afirma:

Nós cremos que nosso Senhor Jesus Cristo é Deus e homem, unido em uma pessoa: ou possuidor da perfeição divina unida à natureza humana, de tal maneira que não pretendemos explicar, mas julgamos estarmos firmemente vinculados à palavra de Deus para crer.13

9 Ibid., p. 300.

10 Ibid., p. 300-1.

11 Ibid., p. 326.

12 Lélio Socino [Laelius Socinus] foi o fundador da seita herética unitarista conhecida como socianismo, que surgiu durante o século 16. [N. T.]

13 Ibid., p. 326.

Introdução 30

Os batistas e as doutrinas da graça

Fé e a mensagem batista, de 1963, embora traga menos detalhes do que alguns dos documentos anteriores, ainda assim faz a mesma afirmação.

O artigo II afirma que Deus “revela a si mesmo a nós como Pai, Filho e Espírito Santo com atributos pessoais distintos, mas sem divisão de natureza, essência ou ser”. O Filho de Deus tomou sobre si “as demandas e necessidades da natureza humana”, e após completar sua obra agora reside à mão direita de Deus, de onde compartilha “a natureza de Deus e do homem”.14

Os catecismos batistas expressam a mesma ortodoxia. O Catecismo de Keach [Pro Nobis Editora] diz que Cristo, o Filho de Deus, “tornou-se homem ao tomar para si um corpo real e uma alma racional”.15 Esse catecismo também confessa as três pessoas da Divindade: o Pai, o Filho e o Espírito Santo; e “estes três são um Deus, o mesmo em essência, iguais em poder e glória”.16 Os Catecismos de John Broadus, J. P. Boyce, Henry Fish, W. W. Everts e outros seguem igualmente em sua afirmação da ortodoxia acerca da trindade e da pessoa de Cristo.

As teologias sistemáticas dos batistas do sul também têm procurado manter essa adesão à ortodoxia. John L. Dagg discute a cristologia sob o cabeçalho de três proposições: “Jesus Cristo era um homem [...] Jesus Cristo era Deus. [...] As duas naturezas de Jesus Cristo, divina e humana, são unidas em uma pessoa”.17

J. P. Boyce, em seu capítulo sobre a Trindade, apresenta o artigo do “Resumo dos Princípios”,18 que pretende expor, afirmando o seguinte: “A particularidade dessa definição é que se trata de uma mera afirmação dos fatos escriturísticos revelados, enquanto, ao mesmo tempo, inclui cada ponto envolvido na doutrina da Trindade da forma sustentada pelos cristãos ortodoxos de todas as eras”.19 Ele também expressa claramente uma cristologia ortodoxa.20

14 Baptist Faith and Message, p. 8.

15 Benjamin Keach, “Keach’s Catechism” em Baptist Catechisms, ed. Tom J. Nettles (Memphis, TN: Tom J. Nettles, 1983), p. 81.

16 Ibid., p. 79.

17 John J. Dagg, Manual of Theology, 3. ed. (Charleston, SC: The Southern Baptist Publication Society, 1858; reimpressão, Harrisonburg, VA: Gano Books, 1982), p. 179, 181, 201.

18 Resumo de Princípios (Abstract of Principles) é um documento histórico redigido por Bansil Manly Jr. a fim de servir como Declaração de Fé do Seminário Teológico Batista do Sul dos EUA, fundado em 1859 por James P. Boyce. [N. T.]

19 James P. Boyce, Abstract of Systematic Theology (Philadelphia: American Baptist Publication Society, 1887; reimpressão, Cape Coral, FL: Founders Press, 2006), p. 125.

20 Ibid., p. 272-91.

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Mullins afirma que a Definição de Calcedônia “reúne, de forma plena, as afirmações do Novo Testamento”.21

W. T. Conner também afirma a ortodoxia em seu livro Revelation and God [Revelação e Deus]. Embora se mostre reticente acerca da base filosófica dos credos ecumênicos e de algumas abstrações supostamente não bíblicas concomitantes, endossa seu propósito básico:

A posição ortodoxa, tal como posta nos credos ecumênicos dos primeiros séculos da história cristã, era a de que Cristo possuía duas naturezas completas, a humana e a divina, e que essas naturezas não deveriam ser confundidas, e que ele era uma pessoa que não deveria ser dividida. Como dito, conquanto esses credos desejassem afirmar as ideias religiosas e os valores da humanidade de Jesus, de sua deidade e sua personalidade indivisa, não podemos discordar, mas sinceramente assentir.22

Algumas vezes, Dale Moody parecia manter-se nessa mesma firme tradição, mas, vez ou outra, falhava. Após discutir o Credo Niceno, o Credo dos Apóstolos e o Credo de Atanásio, afirma que “luteranos, calvinistas, anglicanos, batistas e muitas outras denominações protestantes abraçaram todos esses três credos”. Ele, então, recomenda O Credo Ortodoxo, dos batistas gerais, observando que esse documento cita aqueles três. Moody também reafirma a Calcedônia em seu ensino básico sobre a humanidade completa, a deidade completa e a personalidade indivisa de Jesus. “Uma cristologia calcedoniana crítica, baseada no Logos Joanino, ainda é o caminho mais adequado para reafirmar a unidade entre Deus e Jesus Cristo”.23 Para Moody,24 contudo, isso significa uma interpretação de Calcedônia de acordo com as categorias nestorianas, um comprometimento que dificilmente pode ser distinguido do adocionismo.

A despeito do abandono de Moody do entendimento histórico de Calcedônia, é possível concluir que os batistas são definidos, pelo menos

21 E.Y. Mullins, The Christian Religion in its Doctrinal Expression (Valley Forge, PA: Judson Press, 1917), p. 178.

22 W.T. Conner, Revelation and God (Nashville, TN: Broadman Press, 1936), p. 187-89.

23 Dale Moody, The Word of Truth (Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Pub. Co., 1981), vol. 8, p. 413-26.

24 O leitor não deve confundir Dale Moody (1915-1992), professor de Teologia no Seminário Teológico Batista do Sul, de 1948 a 1984, com o evangelista D. L. Moody do século 19. [N. T.]

Introdução 32

Os batistas e as doutrinas da graça

em parte, por sua adesão à ortodoxia. Obviamente, tal conclusão não é exaustiva, pois falha em distinguir os batistas dos católicos romanos, dos presbiterianos históricos, dos luteranos e da tradição ortodoxa grega; mas, ainda assim, serve como o parâmetro essencial dentro do qual os batistas, historicamente, têm-se encaixado.

Evangelicalismo

Em segundo lugar, os batistas são evangélicos. Daqui vem o material para o conteúdo maior deste livro. Embora o autor argumente que a mais pura e consistente expressão do evangelicalismo reside no interior dos salões do calvinismo, reconhece a grande amplitude dentro dos evangelicalismos histórico e moderno. É preciso comparecer apenas a um encontro da Sociedade Teológica Evangélica (composta por batistas, presbiterianos, metodistas, congregacionais, anglicanos e outros) para ver que discordâncias em certas construções teológicas são feitas com vigor, abertura à verdade e amor. Portanto, o observador cuidadoso não identifica de maneira simplista o evangelicalismo com o hiperfundamentalismo, o neofundamentalismo ou o calvinismo “decisionista”, “ganhador de almas”, agressivo e estrito. Embora uma grande abertura caracterize o evangelicalismo, é preciso haver alguns parâmetros definidos. Algumas vezes, a nomenclatura tem sido usada para esconder deslizes lamentáveis à heterodoxia e até mesmo à heresia. Embora isso, literalmente, tenha tornado a palavra inútil em alguns contextos, os evangélicos históricos devem esforçar-se para restaurar a credibilidade de uma palavra à sua nobre herança. A ortodoxia, como já discutido, certamente é uma parte da teologia evangélica. Tanto essa abertura como essa exclusividade manifestaram-se na formação, em 1867, da Aliança Evangélica pelos Estados Unidos. Além da afirmação dos nove pontos doutrinários, adotados, em 1846, pelo ramo inglês da Aliança Evangélica, o grupo americano recepcionou a seguinte declaração:

Resolvemos que, no mesmo espírito, não propomos nenhum credo novo, mas assumimos o fundamento amplo, histórico e católico-evangélico, reafirmando solenemente e professando nossa fé em todas as doutrinas da inspirada palavra de Deus, e no consenso das doutrinas sustentadas por todos os verdadeiros cristãos desde o começo. E afirmamos mais especificamente nossa crença na pessoa divino-humana e na obra expiatória de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo como a única e suficiente

33

fonte de salvação, como o coração e a alma do cristianismo, e como o centro de toda a verdadeira união e a comunhão cristãs.25

A ortodoxia, no espírito de Atanásio, é percebida como uma salvaguarda da soteriologia evangélica. Bruce Shelley concorda em sua descrição do evangelicalismo como um “espírito, uma preocupação com os pecadores, um modo de vida. Seu principal motivo é a salvação das almas, e sua imagem-guia é o redentor Evangelho de Jesus Cristo. Todas as outras considerações são subordinadas a esse padrão”.26

A mensagem evangélica declara a singularidade de Jesus Cristo como a revelação pessoal de Deus, a completude de sua obra em humilhação e exaltação para a redenção dos pecadores, a obra efetiva do Espírito Santo por meio da pregação do evangelho e a necessidade de uma resposta não coagida de arrependimento e fé. O coração do evangelicalismo bate com o evangelho redentor da graça, expresso em uma paixão missionária que se estende no evangelismo. Isso forma a divisa básica, ao determinar quem é “cristão” e quem não é. Aqueles que estão perecendo recusam esse evangelho, enquanto aqueles que estão sendo salvos o recebem.

Em resumo, a doutrina da justificação pela fé é a raison d’être do evangelicalismo. O perdão de pecados e a justiça imputada minam e contradizem o sacramentalismo sacerdotal do catolicismo. Todos os evangélicos — wesleyanos, arminianos, luteranos, calvinistas — declaram essa realidade. O conflito entre evangélicos concentra-se na discussão sobre como a fé vem — e a razão pela qual vem. O fato de que ela vem, o objeto de sua vinda e o respectivo resultado básico não admitem controvérsia entre os evangélicos.

Está bem claro nos documentos da história batista que os batistas têm afirmado esse entendimento do evangelho alinhados com outros que poderiam ser considerados evangélicos. A Confissão de 1644 ensina claramente que “o Evangelho que deve ser pregado a todos os homens como fundamento da fé é que Jesus é o Cristo, o Filho do Deus bendito, cheio da perfeição de todas as excelências celestiais e espirituais, e que a salvação é exclusivamente possuída através da crença em seu Nome”.27

25 The New Schaff-Herzog Encyclopedia of Religious Knowledge, s. v., Evangelical Alliance.

26 Bruce Shelley, Evangelicalism in America (Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans, 1967), p. 17.

27 Lumpkin, Baptist Confessions, p. 162.

Introdução 34

Os batistas e as doutrinas da graça

Mais explicitamente acerca dos elementos da justificação, o Catecismo de Keach (ou o Batista) define a justificação como “um ato da livre graça de Deus, em que ele perdoa todos os nossos pecados, e nos aceita como justos à sua vista, somente pela justiça de Cristo imputada a nós, recebida somente pela fé”. Essa definição é idêntica àquela do Catecismo Breve de Westminster e demonstra a ampla unanimidade na verdade evangélica entre as diferentes denominações protestantes.

Da mesma forma, a Segunda Confissão de Londres (1677) demonstra a unidade batista com outros grupos evangélicos e ortodoxos. Destacando não apenas seus pontos singulares, mas também os amplos campos de consenso, esses batistas expressaram sua dívida com os cristãos de outras denominações no prefácio dessa Confissão:

E aqui não concluímos ser necessário expressar-nos mais completa e distintivamente, e também fixar-nos em tal método que possa vir a ser o mais amplo daquelas coisas cujos sentido e crença desejamos explicar; e, não encontrando falhas a respeito do que foi estabelecido na Assembleia, e após eles por aqueles do caminho congregacional, prontamente concluímos melhor reter a mesma ordem em nossa presente Confissão. E também quando observamos que aqueles mencionados escolheram, na Confissão (por razões que pareciam importantes tanto a eles como a outros), não apenas expressar seu pensamento em palavras juntamente com os outros no mesmo sentido, sobre todos aqueles artigos nos quais têm concordância, mas também na maior parte sem qualquer variação dos termos, da mesma maneira resolvemos que é melhor seguir seu exemplo, fazendo uso das mesmas palavras com ambos em tais artigos (os quais são muitos), onde nossa fé e nossa doutrina são as mesmas que as deles. E isso fizemos, abundantemente concordando com ambos, em todos os artigos fundamentais da religião cristã, como também com muitos outros cujas confissões ortodoxas têm sido publicadas ao mundo, no nome dos protestantes em diversas nações e cidades [itálico do autor].28

Da Confissão de Westminster e da Declaração de Savoia, um grande segmento do evangelicalismo extrai seu alimento teológico. Os batistas na América foram moldados nessa mesma tradição, em boa parte pela influência incalculável da Confissão de Fé da Filadélfia , praticamente idêntica à Segunda Confissão de Londres.

28 Ibid., p. 245.

35

C. H. Spurgeon, ainda aclamado por muitos como o pregador batista mais influente da história, ajudou a fundar o braço britânico da Aliança Evangélica. Ele se retirou de algumas associações batistas quando sentiu que a visão evangélica estava sendo comprometida e procurou outro grupo batista em que tais visões seriam apoiadas. Embora Spurgeon tenha confessado firmemente a teologia calvinista, declarava, de forma clara, que o evangelicalismo ortodoxo é o fundamento mais básico para a comunhão cristã. Em abril de 1887, ele escreveu:

Em nossa comunhão com metodistas de todos os tipos, nós os temos encontrado aderindo firmemente àquelas grandes doutrinas evangélicas pelas quais lutamos. [...] Nós nos importamos muito mais com as verdades evangélicas centrais do que com o calvinismo como um sistema; mas acreditamos que o calvinismo tenha em si uma força conservadora que ajuda os homens a sustentar a fé vital e, portanto, sentimos muito quando vemos qualquer um abandonando-a, tendo-a aceitado anteriormente.29

Spurgeon expressa exatamente os sentimentos desta presente obra. A mentalidade evangélica dos batistas do sul não pode estar divorciada das raízes evangélicas. Em 1845, a formação da Convenção Batista do Sul surgiu, em parte, da insatisfação dos evangélicos sulistas com as políticas missionárias do norte, as quais se recusavam a nomear evangelistas para o crescimento do oeste e do sul. As igrejas do sul ficaram tão frustradas em razão de as necessidades do evangelho não serem atendidas que organizaram uma reunião. Outra grande razão para a divisão foi sua exclusão, em tese, do empreendimento das missões estrangeiras recém-iniciadas.

Os historiadores conectam as dinâmicas fundamentais pelo evangelismo e as missões — algo tão típico dos batistas do sul — ao estabelecimento dos batistas separatistas em 1775, em Sandy Creek, Carolina do Norte. Os batistas separados surgiram diretamente do “Grande Avivamento” no congregacionalismo da Nova Inglaterra, correspondente à expressão americana do reavivamento evangélico inglês. Antes desse avivamento, das quarenta e sete igrejas batistas que existiam na América, apenas sete ficavam na linha abaixo de Mason-Dixon.30 Daniel Marshall e Shubal Steams

29 Charles H. Spurgeon, Sword and Trowel, 1887, p. 195.

30 A linha Mason-Dixon é um limite demarcatório entre quatro estados americanos: Pensilvânia, Virgínia Ocidental, Delaware e Maryland, e recebeu esse nome por ter sido traçada por Charles Mason e Jeremiah Dixon. [N.R.]

Introdução 36

Os batistas e as doutrinas da graça

lideraram os batistas de Sandy Creek no estabelecimento de quarenta e duas igrejas, com a ordenação de cento e vinte e cinco pregadores em apenas dezessete anos. Tanto Marshall como Stearns, assim como outros líderes do avivamento na América, foram influenciados, de forma significativa, pela pregação de George Whitefield, um líder do avivamento inglês. O reavivamento evangélico na Inglaterra, que surgiu, em grande medida, por causa do zelo dos wesleyanos, influenciou William Carey, um batista, e levou ao nascimento das missões modernas ao redor do mundo. Os wesleyanos eram metodistas; Whitefield, um independente. Todos eram evangélicos.

Um fenômeno mais recente demonstra a consciência evangélica aberta dos batistas do século 20. O reavivamento evangélico na Inglaterra, surgido da pregação sobre o novo nascimento dos wesleyanos arminianos e do calvinista Whitefield, não apenas contribuiu para o avivamento simultâneo na América por intermédio de Whitefield, como também recebeu vida prolongada no Novo Mundo pelos escritos de Jonathan Edwards. Esses escritos afetaram grandemente os batistas Sutcliff, Fuller e Carey, auxiliando, assim, o nascimento das missões modernas mundiais. O que eles não aceitariam de Wesley — e pareciam desconfiados em relação a Whitefield — receberam intensamente de Edwards, em boa parte pelo seu tratado Freedom of the Will [A liberdade da vontade], e também porque o consideraram “completamente consistente com o calvinismo mais estrito”. 31 A influência e os benefícios dessa rede evangélica de relacionamentos são óbvios.

“Evangélico” é um termo consistente, biblicamente baseado na palavra grega εὐαγγελίζομαι, frequentemente usada na Escritura para descrever a livre proclamação do evangelho. Os batistas receberam esse nome de alguns observadores antipáticos, que viram na imersão dos crentes um rito estranho; ignoravam, contudo, que seu protesto estava destinado a sustentar a natureza essencial da igreja como uma comunidade reunida de crentes regenerados. Os batistas têm pouca dificuldade em manter seu comprometimento evangélico quando sua ordenança distintiva foca apropriadamente no evangelho como o cerne de tudo o que são e fazem.

31 John Ryland, Life and Death of the Rev. Andrew Fuller (London: Button & Son, 1816), p. 9, 10.

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Elementos distintivos

Além do que é essencial na ortodoxia e no evangelicalismo, os batistas têm ainda outro elemento de influência que jorra até sua forma final. Esse ingrediente distingue os batistas de outros evangélicos, como os presbiterianos, os congregacionais e assim por diante, e pode ser descrito pelo termo distintivo. Esse fator cresce de antigas associações com o Movimento Separatista da Inglaterra e o Movimento Anabatista no continente. Os batistas são herdeiros da tradição particular, inicialmente enunciada pelos independentes e congregacionais, mas confundida por eles por causa de sua prática do pedobatismo. Os batistas insistem na seguinte questão: “Como a igreja pode ser uma comunidade reunida de crentes quando a realidade do renascimento espiritual é confundida pela prática do batismo apenas com base no nascimento natural?”. A mudança mais revolucionária ocorrida na congregação separatista, que migrou para Amsterdã sob a liderança de John Smyth, em 1608, e retornou para a igreja sob a liderança de Thomas Helwys, em 1612, foi a reorientação do batismo infantil para o batismo daquele que crê. Isso foi parte de uma mudança ainda maior, segundo a qual os métodos magistrais da reforma foram revogados e substituídos pelos princípios das igrejas livres.

A declaração de doutrinas intitulada A True Confession [Uma verdadeira confissão] representa a teologia separatista da igreja em seus primeiros dias. Sobre o batismo, afirma:

[...] assim como aqueles da semente, por estarem sob o governo de qualquer Igreja, e serem recebidos na infância pelo Batismo, sendo feitos coparticipantes dos sinais da Aliança de Deus, que é realizada com os fiéis e com a descendência deles ao longo de todas as gerações.32

Quando retornaram à Inglaterra, sua visão do batismo havia mudado. A Confissão de Thomas Helwys, impressa em 1611, em Amsterdã, declarava “que toda Igreja deve receber todos os seus membros pelo Batismo sob a Confissão de sua fé e os pecados lavados pela pregação do Evangelho”. Helwys adicionou “que o Batismo, ou a lavagem com água, é a manifestação externa da morte para o pecado e o despertamento em novidade de vida, portanto de forma alguma pertencente a infantes”.33

32 Baptist Confessions, p. 93.

33 Ibid., p. 120.

Introdução 38

Os batistas e as doutrinas da graça

Em 1644, os batistas “comumente, porém falsamente, chamados anabatistas” elaboraram uma Confissão de Fé em que o batismo pela imersão era exposto pela primeira vez em uma confissão “moderna”. Tendo sido culpados de “prática de atos estranhos à dispensação da ordenança do batismo, os quais não se mencionam entre cristãos” (ou seja, batizando mulheres nuas), a confissão repudiou especificamente esse fato, declarando que o batismo significava o ato de mergulhar na água “com as vestimentas convenientes tanto sobre o administrador como sobre o sujeito, com toda a modéstia”. Eles também afirmaram que essa ordenança deveria ser “ministrada somente aos que professam a fé, que são discípulos ou pessoas instruídos na verdade, os quais, sob a profissão de fé, deveriam ser batizados”.34

A convicção batista tem permanecido literalmente a mesma até o tempo de Fé e a Mensagem Batista, de 1963. O batismo do crente por imersão tem agregado defesas bem vigorosas pelas melhores mentes produzidas na vida batista — como John Gill, Adoniram Judson, John Dagg, B. H. Carroll e outros, muito numerosos para que sejam nomeados aqui.

A verdadeira posição separatista, apoiada pelo batismo daquele que crê, declara que o local e a igreja visível existem apenas como uma comunidade de crentes congregados, opondo-se à ideia de que a igreja existe como aqueles nascidos no Estado, ou que são associados aos verdadeiros crentes, como parte de suas famílias sem regeneração pessoal. Assim, a natureza regenerada da igreja fundamenta o comprometimento batista no batismo do crente, no sacerdócio de todos os crentes, na autonomia da congregação local e em outras doutrinas associadas.

Outros reivindicam esses distintivos, mas os batistas os aplicam com uma demanda rigorosa pela pública profissão de fé, a qual eles veem como uma prática escriturística, antes de ser confirmada a comunhão local.

John L. Dagg, em seu monumental Manual of Theology [Manual de teologia] (a segunda parte intitulada de A Treatise on Church Order [Manual de eclesiologia, Pro Nobis Editora]), inclui uma seção de quarenta páginas discutindo as implicações da membresia de infantes nas igrejas. Um a um, ele lida com os argumentos favoráveis ao batismo infantil, desconstruindo-os com uma variedade de argumentações bíblicas e teológicas. Seu argumento final contra a membresia infantil reduz todos os argumentos favoráveis a uma

34 Ibid., p. 167.

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analogia, ou seja, os gentios têm sido enxertados à oliveira e, então, a “bênção de Abraão vem aos gentios; e o pacto que assegura a bênção envolve seus filhos juntamente com eles”.35 Após diversas páginas de um arrazoamento claro, conciso e convincente, Dagg conclui com as seguintes palavras:

Membresia infantil é defendida com base na identidade da oliveira; mas, infelizmente para o argumento, as mudanças que os apóstolos têm descrito infringem a identidade da árvore, exatamente no lugar errado. Todas essas mudanças dizem respeito aos ramos, e são feitas sob um princípio — a substituição da fé pela descendência natural; como o vínculo da conexão entre os ramos e a raiz. A membresia infantil depende da descendência natural; e o único princípio sobre o qual todas as mudanças são feitas, ao levar embora a descendência natural, deixa a membresia infantil pendurada no nada.36

Outro elemento batista que contribui para a formação dos batistas contemporâneos é o bloco de construção de três pontas, incluindo os corolários da liberdade de consciência, da liberdade de religião e da separação entre Igreja e Estado. Embora esses três pilares não devam ser identificados de maneira simplista, estão atrelados uns aos outros. Liberdade de consciência, pela qual os batistas têm sangrado desde o tempo de Thomas Helwys, significa que nenhum homem ou doutrina humana é senhor sobre a consciência. Nenhuma outra criatura tem o direito de cegar a consciência de um homem por meio de doutrinas humanas. Thomas Helwys afirmou:

[...] a religião dos homens a Deus é entre Deus e eles; o rei não responderá por ela, nem deve o rei ser juiz entre Deus e o homem. Deixe-os serem heréticos, turcos, judeus, ou o que quer que seja. Não pertence ao poder terreno a função de puni-los de forma alguma.37

Obviamente, Helwys não chamaria os “hereges, turcos, judeus ou quem quer que seja” de batistas. A adoção da liberdade de consciência está relacionada apenas ao funcionamento dos homens na sociedade civil e não define o que é um batista. Trata-se de uma condição que os batistas buscam

35 John L. Dagg, A Treatise on Church Order (Charleston, SC: Southern Baptits Publication Society, 1858), p. 165.

36 Ibid., p. 183.

37 Thomas Helwys, A Short Declaration of the Mistery of Iniquity (1612, n.p.).

Introdução 40

Os batistas e as doutrinas da graça para todos os homens, a fim de que sejam livres para ouvir e livremente submeter-se à mensagem evangélica de Cristo.

Tanto John Murton como Leonard Busher, que seguiram Helwys enquanto era pastor de uma pequena igreja batista geral, escreveram grandes obras sobre a liberdade de consciência. Os batistas gerais e os particulares, juntos, uniram-se na luta por liberdade de consciência até que ela, finalmente, foi obtida, sob o reinado de William e Mary, por meio do Ato de Tolerância. No entanto, embora a Inglaterra tenha obtido liberdade de consciência e religião, seu povo nunca foi capaz de alcançar a extinção da Igreja Anglicana.

Contudo, os batistas na América, ajudados pela existência de uma grande pluralidade de denominações, ao lado do ímpeto do libertarianismo jeffersoniano, obtiveram a separação entre Igreja e Estado, assim como as outras duas liberdades. A luta foi travada na América principalmente por batistas como Roger Williams, John Clarke, Isaac Backus e John Leland, até ser garantida por escrito na Carta de Direitos da Constituição adotada em 1789.

Embora a afirmação dessas três liberdades seja um princípio basilar da vida batista, os batistas podem muito bem estar presentes onde nenhuma dessas três liberdades foi alcançada. De fato, no passado, os batistas prosperaram e continuam a prosperar em áreas em que não contam nem com liberdade de consciência nem com liberdade de religião, tampouco com a separação entre Igreja e Estado. Porém, uma igreja batista não pode existir onde não exista uma membresia eclesiástica regenerada e a afirmação do batismo do crente. Esses são os elementos eclesiológicos imprescindíveis.

Em resumo, ser batista significa ser ortodoxo em seu entendimento sobre a Trindade e a pessoa de Cristo. Ser batista também significa ser evangélico em sua soteriologia. Finalmente, ser batista significa ser consistentemente distinto na eclesiologia e procurar a criação de condições em que todos possam ouvir o evangelho.

Este trabalho detalha o evangelicalismo batista e declara, juntamente com Spurgeon, que a representação bíblica mais autêntica do evangelho brilha sobre as águas das doutrinas da graça. De fato, qualquer rejeição dessas doutrinas carrega em si sementes que brotam como posições não evangélicas. Nas palavras de Spurgeon, sua completa aceitação prepara um homem para a batalha contra todos os inimigos de Deus:

Não se pode vencer um calvinista. Você pode achar que consegue, mas não consegue. As pedras das grandes doutrinas encaixam-se de tal maneira

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umas às outras que, quanto maior a pressão aplicada para removê-las, mais firmemente eles aderem. E preste muita atenção: você não pode receber uma dessas doutrinas sem acreditar em todas elas. Sustente, por exemplo, que o homem é completamente depravado, e você chegará a inferir, então, que, certamente, se Deus tem de lidar com tal criatura, a salvação tem de vir de Deus apenas, e dele, do ofendido, a uma criatura ofensiva; então ele tem o direito de dar ou reter sua misericórdia da forma que lhe apraz; você, então, é forçado à eleição e, quando obtiver isso, terá obtido tudo; o resto segue naturalmente. Alguns, ao forçarem seu julgamento, podem conseguir reter dois ou três pontos, e não todo o resto, mas eu adoto a lógica como necessária para um homem reter o todo ou rejeitá-lo; as doutrinas permanecem como soldados em uma praça, apresentando em cada ângulo uma linha de defesa em que é perigoso atacar, mas fácil de manter. E atenção! Nestes tempos em que o erro é tão abundante e as novidades tentam ser tão desenfreadas, não é algo sem importância colocar uma arma nas mãos de um jovem que pode assassinar seu inimigo, uma arma que pode facilmente aprender a manusear, que pode segurar firmemente, carregar prontamente, e sem fadiga; uma arma, eu acrescento, que ferrugem alguma pode corroer e nenhum baque pode quebrar, incisiva e bem preparada, uma verdadeira lâmina de Jerusalém, cuja têmpera é apta a feitos de renome.38

Assim concluímos essa introdução para em seguida avançar com a pesquisa sobre como essa formidável arma foi habilmente empunhada, para depois ser, infelizmente, abandonada.

Panorama: um mapa da jornada batista

Uma pesquisa é uma espécie de mapa. Antes de uma viagem começar, os viajantes precisam visualizar o mapa de todo o território, incluindo algumas terras que se encontram fora da rota tomada. Os acontecimentos gerais do calvinismo entre os batistas (essa justaposição de palavras não é apropriada, mas, por ora, vai funcionar) na Inglaterra e na América constituem o guia ao longo do caminho. Um pouco mais de espaço será dedicado à Inglaterra nesse panorama, já que um tratamento textual subsequente se encerra no início do século 19. Alguns leitores podem sentir que grandes pedidos de desculpas são devidos por não incluir um capítulo sobre Spurgeon. Seus sermões e outras obras, contudo, estão disponíveis em proporções tão

Introdução 42
38 C. H. Spurgeon, “Exposition of the Doctrines of Grace”, em The Metropolitan Tabernacle Pulpit, 63 vols. (Pilgrim Publications: Pasadena, TX, 1969), 7:304.

Os batistas e as doutrinas da graça

abundantes, e ele é citado tantas vezes em outras seções deste livro, que sua inclusão pareceu desnecessária. Também o livro de Ian Murray, The Forgotten Spurgeon [O Spurgeon esquecido],39 que contém uma notável discussão sobre o calvinismo de Spurgeon, oferecendo grande contribuição, encontra-se prontamente disponível. Vamos ao panorama.

Batistas e o calvinismo na Inglaterra

O capítulo 1 delineará as diferenças entre os batistas gerais e os particulares. Esta obra, intencionalmente, enfatiza a seção calvinista da vida batista. Lamentavelmente, a seção arminiana caracterizou-se pela apostasia dos séculos 17, 18 e 19, com o socinianismo desempenhando papel de destruidor nos dois primeiros e o liberalismo no último. Os batistas particulares permaneceram fiéis durante todos esses anos até que se viram debilitados por várias correntes na última metade do século 19, quando o estandarte calvinista foi carregado pelos batistas estritos de uma forma bem truncada. A responsabilidade humana, então, sofreu um grande baque do martelo da soberania de Deus pela mão da extensão lógica equivocada.

Ortodoxia do século 17

Hanserd Knollys (1599-1691), William Kiffin [ou Kiffen] (1616-1701), Benjamin Keach (1640-1704), John Spilsbury (1593-1668), Henry Jessey (1601-1663) e John Bunyan (1628-1688), entre outros, permanecem como representantes da firme convicção, da piedade fervorosa, da pregação poderosa e da ortodoxia teológica dos batistas particulares do século 17. Embora houvesse algumas divergências acerca da comunhão e da membresia da igreja naqueles dias em que brotava o separatismo, havia unidade na soteriologia. As duas Confissões de Londres, na verdade, representam o comprometimento teológico dos batistas particulares na nação durante esse período, com a Confissão de 1689 tendo sido assinada pelos representantes de mais de 107 igrejas por toda a Inglaterra e o País de Gales.40 Algumas igrejas no Ocidente que seguiram as mudanças teológicas de Thomas Collier gradualmente foram saindo desse calvinismo acentuado para uma posição

39 Publicado no Brasil com o título O Spurgeon que foi esquecido, pela editora PES (2004). (N.E.)

40 Joseph Ivimey, A History of the English Baptists, 4 vols. (London: impresso pelo autor e vendido por Burditt, Buxton, Hamilton, Baynes etc., 1811-1830), 1:503-511.

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reacionária, e o próprio Collier, por fim, tornou-se um universalista. Mas, se alguns no Ocidente declinaram, outros resistiram vigorosamente a essa apostasia. Em vez disso, cresceram em zelo e, de Bristol, buscaram promover a comunhão e uma associação significativa entre as igrejas na região, e até advertiram as igrejas de Londres por sua frouxidão em perseguir tamanho encorajamento intereclesiástico.

Declínio no século 18

O século 18 tem sido definido como de declínio por muitos historiadores. Deísmo, socinianismo [ou socianismo] e a teologia latitudinária causaram danos severos às igrejas presbiterianas, anglicanas, congregacionais e batistas gerais. Os batistas particulares, por outro lado, não incorreram em tal erro teológico. Ao contrário, em 1777, John C. Ryland declarou: “Não há apostasia aparente em nossos ministros e nas pessoas em relação aos gloriosos princípios que professamos”. Embora se tenha assistido a um declínio no número das igrejas batistas particulares em meados do século, em 1798 eram, ao todo, 361 na Inglaterra, e 320 delas tinham pastores. Outras 84 encontravam-se no País de Gales. Muito crescimento aconteceu nos últimos quinze anos desse século.

O que causou consternação na comunhão veio na forma de “questão moderna”. As consequências de longo alcance estavam na resposta à seguinte pergunta: É possível um não regenerado ser chamado a exercer arrependimento e fé salvíficos? John Brine (1703-1765) era o líder daqueles que escreviam negativamente sobre a questão. Mas John Gill (1697-1771), amigo de Brine e conhecido líder dos batistas por cinquenta anos durante esse século, nunca escreveu a esse respeito. Isso, em si mesmo, é um fenômeno estranho, tendo em vista que Gill se caracteriza como um conhecido hipercalvinista, mas não é menos estranho do que o fato de Gill haver rejeitado o principal argumento de Brine contra a questão. Por essa razão, um capítulo inteiro é concedido a Gill, com uma nova investigação das acusações contra sua reputação.

Apesar de a maior parte do século ter sido abafada por uma lamentável recessão no crescimento dos batistas particulares, um julgamento bastante severo sobre a época falharia em reconhecer as incríveis contribuições feitas por homens como Joseph Stennett (1692-1758), John Collett Ryland (17231792), Benjamin Beddome (1718-1795), Samuel Medley (1738-1799) e John Hirst (1736-1865). Alguns parecem sentir que uma adesão muito próxima ao

Introdução 44

Os batistas e as doutrinas da graça

calvinismo seria o fator principal para esse declínio, mas cometem o erro fatal em falhar na distinção entre calvinismo e hipercalvinismo. Assim, falham em apreciar o zelo evangélico inerente ao primeiro. Uma visão mais ampla de todo o cenário religioso pode conduzir a uma opinião contrária, e ver o calvinismo como o fator que conservou a força dos batistas particulares, tornando possível a propagação em todo o mundo do evangelho no século seguinte. Esse parece ser o entendimento de Joseph Ivimey em suas conclusões de um episódio contado sobre o presbítero Joseph Stennett (1663-1713):

Tivessem nossos ministros em geral manifestado sua adesão estrita às doutrinas calvinistas, como fez o Sr. Stennett, em vez daquela candura espúria e moderação expressas por alguns outros, não há dúvida de que muitas igrejas teriam sido preservadas do turbilhão do socinianismo, o qual tem engolido algumas sociedades batistas particulares, e quase todas, ao fim do século 17, pertenciam aos batistas gerais.41

O livro Help to Zion’s Travelers [Ajuda aos viajantes de Sião], de Robert Hall (1728-1791), foi publicado em 1781, a pedido da Associação de Northamptonshire. Foi a adaptação em livro do que tinha sido entregue oralmente como um sermão em Isaías 57.14. O conteúdo vindicava o calvinismo das objeções de muitos detratores, incluindo arminianos, socinianos e antinominianos. Além disso, fez uma declaração veemente sobre a necessidade de chamar todos os homens ao arrependimento diante de Deus e à fé em nosso Senhor Jesus Cristo. Esse livro figurou, de forma significativa, nos movimentos de William Carey rumo à posição que ele expressa em An Enquiry into the Obligations of Christians to Use Means for the Conversion of the Heathen [Uma investigação sobre as obrigações dos cristãos de usar meios para a conversão dos pagãos] (1791).42 Essa influência também esteve presente em The Gospel Worthy of All Acceptation, 43 de Andrew Fuller (1785). Um capítulo inteiro (terceiro) da presente obra concentra-se na teologia de Fuller para demonstrar que uma firme resposta afirmativa à “questão moderna” não implicava o declínio do calvinismo histórico. Nem o surgimento das missões modernas vieram como um resultado do tremor dos grilhões do calvinismo;

41 Ibid., p. 2:503-511.

42 Publicado pela Pro Nobis Editora sob o título Mobilização missionária: o clamor de William Carey. [N.T.]

43 Publicado pela Pro Nobis Editora sob o título O evangelho digno de toda aceitação. [N.T.]

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ao contrário, figuraram como sua expressão necessária. Isso não pode ser demasiadamente afirmado ou enfatizado no momento contemporâneo, em que, em geral, acredita-se que as doutrinas da graça são inimigas da evangelização. De fato, elas são inimigas dos sistemas e métodos que prosperam em perversões reducionistas do evangelho; pois, a rigor, o verdadeiro evangelismo não tem amigos mais próximos que tais doutrinas.

Tendências dos séculos 19 e 20

A história do calvinismo batista inglês nos séculos 19 e 20 pode ser apresentada em forma de pesquisa por um método simples, envolvendo três passos. Primeiro, uma avaliação da tendência teológica da União Batista resultará em um quadro bem acurado sobre se as igrejas associadas ao grupo consideravam o calvinismo tão estratégico ou absoluto na compreensão do evangelho. Segundo, o surgimento e a história dos batistas estritos mostram o desenrolar do calvinismo sob outra perspectiva. Terceiro, uma declaração sobre o status contemporâneo das doutrinas da Reforma fecha o panorama da cena inglesa.

A União Batista: Sob a figura de John Gill, com o conselho de John Rippon na Igreja Batista em Carter Lane, Southwark, nas proximidades do limite sul da velha Ponte de Londres, aproximadamente sessenta ministros batistas encontraram-se em 1812, com o propósito de fundar a primeira União Batista. Entre os participantes do encontro, estavam Andrew Fuller, John Sutcliff, John Ryland Jr., John Rippon e Joseph Ivimey. Este último, por ser a principal força por trás da reunião, havia feito um chamado nesse sentido, em 1811, em The Baptist Magazine, em um artigo intitulado “Union Essential to Prosperity” [União essencial para a prosperidade]. Ivimey entendeu que se tratava de uma oportunidade para as várias sociedades e agências, por contarem com organizações particulares — embora amplamente encorajadas pelas mesmas igrejas, associações e indivíduos —, elaborarem relatórios de seu respectivo progresso, com o fim de encorajar e renovar o zelo das igrejas. Andrew Fuller tinha dúvidas sobre seu prospecto, pois pensava que isso apenas “demonstraria a pobreza da denominação”, mas não poderia ter ficado mais satisfeito quando uma coleta feita para a Sociedade Missionária Batista totalizou 320 libras. Entre outras resoluções adotadas nessa reunião consultiva, uma dizia respeito aos objetivos da união, pela “promoção da causa de Cristo em geral; e os interesses da denominação em particular”.

Introdução 46

Os batistas e as doutrinas da graça

Além disso, o primeiro encontro oficial da União foi marcado para os dias 25 e 26 de junho de 1813.

É digno de nota que, nessa reunião de 1813, uma Confissão de Fé encabeçou os tópicos que foram discutidos e aprovados. O parágrafo primeiro dessa constituição original é redigido nos termos segundo os quais “o calvinismo das igrejas batistas particulares era costumeiramente definido”.

Que esta sociedade de ministros e igrejas seja designada “A União Geral de Ministros e Igrejas Batistas”, mantendo as importantes doutrinas das “três pessoas iguais na Divindade; eleição eterna e pessoal; pecado original; redenção particular; justificação gratuita pela justiça imputada de Cristo; graça eficaz na regeneração; a perseverança final dos verdadeiros crentes; a ressurreição dos mortos; o julgamento futuro; a alegria eterna dos justos; e a miséria eterna de todos que morrem na impenitência, com a inviolabilidade da ordem congregacional das igrejas”.44

A base doutrinária era firme e rigorosa. No entanto, o período de 1817 a 1831 foi marcado por lento avanço no conceito de união entre os batistas ingleses. O exponencial crescimento da Sociedade Missionária Batista, bem como o surgimento e o rápido avanço da Sociedade Batista Irlandesa absorveram a energia das igrejas. Pouco tempo e pouca criatividade restaram para pavimentar o caminho até o funcionamento autônomo da União Batista. Os batistas também assistiram à dolorosa separação entre a Missão Serampore e a Sociedade Missionária Batista. Algumas controvérsias relativas à comunhão estrita surgiram durante aqueles anos, posicionando Joseph Ivimey no lado da comunhão estrita, contra Robert Hall e F.A. Cox, no lado da comunhão aberta. Além disso, o prestígio do calvinismo entre os batistas particulares começou a ganhar contornos mais definidos, de tal forma que a semelhança, e não a distinção, passou a caracterizar a comparação entre os batistas gerais e os batistas particulares. Os encontros da União continuaram durante todos aqueles anos, contando com o incentivo de Joseph Ivimey, mas eram tão pequenos e ineficazes que Ivimey foi forçado a escrever, em 1830, que seu propósito “nunca foi realmente alcançado”.45

Em 1832, houve uma reorganização, abrindo-se, então, as portas para a expansão da União, mas apenas através de uma melhor definição dos limites

44 E. A. Payne, The Baptist Union (London: The Carey Kingsgate Press Limited, 1959), p. 26.

45 Ivimey, English Baptists, 4:382.

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doutrinários. O artigo 1º, contendo as doutrinas distintivas do calvinismo, abriu caminho para uma declaração doutrinária, extraordinariamente breve, suscetível a um grande abuso: “Primeiro. Estender o amor fraternal e a união entre os ministros e as igrejas batistas que concordam com os sentimentos comumente chamados evangélicos”.46

Tais palavras indicaram uma crescente alienação do calvinismo dos primeiros dias. Embora muitos pastores ainda sustentassem os princípios distintivos do calvinismo, sua satisfação com a nebulosidade da mera afirmação sobre “sentimentos evangélicos” mostra um apego decrescente ao que era essencial. A história falha em revelar qual vantagem positiva as denominações de fato ganham ao se unirem em torno da crucificação da verdade. Quaisquer projetos patrocinados sob tais auspícios estão fragmentados desde o início, pois, na realidade, os fundamentos e objetivos são sempre idênticos. O verdadeiro caráter cristão de qualquer empreendimento não pode ser garantido no início nem mensurado no final, pois os perseguidores do projeto confessarão nada além do mais pueril entendimento da fé cristã. Nesse caso, somente um individualismo heroico e desafiador pode recuperar o bem, e isso apesar de — e não em razão de — seu caráter.

O termo “evangélico”, quando precisamente definido, pode ser maravilhosamente útil. Mas, quando deixado sem definição e combinado com o incrivelmente insípido termo teológico sentimentos, mostra absoluta tendência ao abandono. Ivimey enxergou isso com bastante clareza e lamentou. Embora, duas décadas antes, ele tivesse criticado Gill, não pelo calvinismo, mas pelo que ele considerava práticas falsas construídas sobre ele, agora via o perigo em uma nova direção. Quase toda frase escrita por ele à imprensa soava como um aviso contra o flerte com o arminianismo:

Nem posso disfarçar o fato de que, em minha opinião, o tom dignificado e o zelo denominacional manifestos por Booth, Fuller e outros são grandemente rebaixados; e que um espírito geral de frouxidão foi introduzido entre nós, como as “DOUTRINAS” da graça, assim como a “DISCIPLINA” do Novo Testamento.47

46 Payne, Baptist Union, p. 61.

47 George Pritchard (org.), Memoir of the Life and Writings of the Reverend Joseph Ivimey (London: George Wightman, 1835), p. 311.

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Os batistas e as doutrinas da graça

Trinta anos mais tarde, John Howard Hinton (1791-1873) — secretário da União Batista por mais de vinte anos, tendo procurado manter o compromisso com os principais pilares da ortodoxia calvinista, embora modificados em alguns pontos — fez uma avaliação surpreendentemente amarga da base doutrinária da reconstituição da União em 1832. “Que resolução empobrecida é esta que define estes assuntos. Desde o início tem sido fortemente sentida; mas isto foi absolutamente tudo que os irmãos reunidos poderiam suportar”.48

Outros eventos mostraram uma crescente determinação em direção à evaporação da doutrina. Em 1842, John Gregory Pike — o líder da Nova Conexão dos Batistas Gerais — foi convidado para presidir uma reunião da União Batista. Em 1857, a reunião aconteceu em Nottingham, para que fosse o mais próximo possível do maior número de igrejas batistas gerais, encorajando, assim, o comparecimento de todos.

A abolição posterior dos distintivos doutrinários ficou evidente em 1864, quando o presidente da reunião instou os participantes que um objetivo imediato das igrejas deveria ser “a superação, em princípios praticáveis, sãos e seguros, da distinção entre os batistas gerais e os batistas particulares”.49

Muito embora esses sentimentos estivessem presentes, nenhuma ação oficial estava por vir. Em 1872, portanto, Thomas Thomas lembrou as igrejas de que tal ação deveria ser tomada, já que as diferenças doutrinárias eram, então, quase imperceptíveis:

Nossa comunhão está se tornando mais próxima e mais frequente. Não apenas os membros de nossas igrejas são transferidos de uma seção à outra, mas também os irmãos, se elegíveis para o ofício a outro respeito, são independentes de sentimentos, eleitos para o diaconato nas igrejas para as quais foram transferidos. E ainda mais: as igrejas batistas gerais estão bem acostumadas a escolher pastores batistas particulares; e um número proporcional mas não igual de pastores batistas gerais é instalado nas igrejas batistas particulares.50

Ninguém realmente precisa perguntar quais doutrinas estavam mudando tão radicalmente para tornar esse intercâmbio possível.

48 Payne, Baptist Union, p. 61.

49 Ibid., p. 98.

50 Ibid.

49

Não apenas o calvinismo estava morrendo confessionalmente na vida batista particular (a nomenclatura tem até mesmo um tom oco agora), como também era cada vez menor o número daqueles que sustentavam pessoalmente as doutrinas da graça, e menos ainda os que ousavam pregá-las como essenciais a um entendimento do evangelho. Quando a união orgânica estava sendo seriamente discutida em 1874, John Clifford, editor da General Baptist Magazine [Revista Geral Batista], pôde dizer candidamente: “Nunca nos afastamos tanto do calvinismo quanto agora”.51 Ele não tinha medo de que pudesse afetar negativamente a chance de uma eventual união com tamanha franqueza. Os batistas particulares nunca pensariam em se levantar contra uma união com Clifford e os seus, pois, em 1873, até mesmo os escassos “sentimentos evangélicos” haviam sido deixados de lado e substituídos por uma única declaração doutrinária: “A imersão dos crentes é o único batismo cristão”.

Quando, em 1877, o Dr. Samuel Cox publicou Salvatore Mundi, negando a doutrina da punição eterna, tornou-se evidente que a questão se havia degenerado. O ponto não era mais calvinismo/arminianismo, mas se realmente importava, ou não, ser cristão. Não deveria ser surpresa, portanto, que, por ocasião da união oficial entre batistas gerais e particulares, em 1891, o batista que realmente tinha o maior direito de permanecer, Charles Haddon Spurgeon, tivesse abandonado a União Batista.

Spurgeon resplandeceu no meio batista como uma figura solitária durante todo o seu ministério. Em meados de 1850, em Londres, seu marcante calvinismo causou tal consternação que ele foi acusado de pregar “doutrinas do mais desenfreado exclusivismo”. A posição de Spurgeon em favor do calvinismo e contra o arminianismo tem sido bem documentada em The Forgotten Spurgeon [publicado no Brasil como O Spurgeon que foi esquecido, pela editora PES], de Ian Murray.52 Ele aderiu ao calvinismo estrito durante seu ministério e nunca estava despreparado para defender essa teologia contra o que percebia como as tendências destrutivas do arminianismo. A situação na União Batista, contudo, tornara-se tão desesperada que, em

51 John Clifford, em A.C. Underwood, A History of the English Baptists (London: Kingsgate Press, 1947), p. 215.

52 Ian Murray, The Forgotten Spurgeon (Edinburgh: The Banner of Truth Trust, 1966), ver espec. p. 45-114.

Introdução 50

Os batistas e as doutrinas da graça 1887, o wesleyanismo evangélico tinha mais em comum com Spurgeon do que o vazio doutrinário da União Batista. Aqueles anos de controvérsia (1887-1892) se haviam provado perturbadores, dolorosos e, algumas vezes, embaraçosos aos historiadores da União Batista. O que se pode dizer quando o grande pregador batista da história da denominação, um homem de coração amplo, generoso e de amplo alcance, considera impossível manter a fachada de comunhão? Até então, a situação fora conduzida com um tratamento dispensado a Spurgeon de condescendência paternal, como um homem bom mas doente, incapaz de lidar com a evolução e o desenvolvimento do intelecto da teologia batista.53 Todavia, a verdade parece ser inegável: sua preocupação com a inerrância da Escritura, a deidade de Cristo, a realidade da punição eterna e outros princípios fundamentais da fé estava bem fundamentada. Os escritos de John Clifford após a morte de Spurgeon mostram claramente sua heterodoxia — e a verdade das afirmações de Spurgeon — em cada um desses pontos.

Apesar de as doutrinas distintivas do calvinismo não serem a questão na “controvérsia rebaixada”, a anuência de Spurgeon a elas modelou de tal forma seu entendimento sobre Deus e a verdade, comprometendo-o com a importância dos princípios da teologia, que ele viu mais claramente do que qualquer um a natureza das questões que estavam em jogo. Aqueles que não tinham capacidade de entender a posição de Spurgeon criticavam-no com pouca reserva, um fato melancólico que o levou a notar: “Aqueles que são tão excessivamente liberais, de coração tão grande e largo, poderiam ser tão bons a ponto de nos permitir ir aos encantos de sua sociedade sem chegarmos sob a total violência de sua ira”.54 Um historiador contemporâneo que compreendeu em detalhes os movimentos teológicos da última parte do século 19 considerou o gesto de Spurgeon “o maior até aqui contra as forças debilitantes que atuavam dentro do não conformismo inglês”.55

Muito recentemente, em 1971 , essa malformação teológica expressou a si mesma vividamente da plataforma da assembleia anual da União Batista, quando Michael Taylor aproveitou a ocasião para demonstrar sua negação da deidade de Cristo:

53 Payne, Baptist Union, p. 127-43; Underwood, English Baptists, p. 229-33.

54 Spurgeon, Sword and Trowel (1888), p. 620.

55 Ian Sellers, Nineteenth-Century Nonconformity (Edward Arnold, 1977), p. 28.

51

Creio que Deus estava ativo em Jesus, mas não é o suficiente para dizer categoricamente que Jesus é Deus. Jesus é único, mas sua peculiaridade não o faz diferente em tipo de nós. [...] A diferença está no que Deus fez em e através deste homem e o grau em que ele respondeu e cooperou com Deus.56

Diversas igrejas e ministros abandonaram a União quando nenhuma reprimenda oficial a Taylor veio do concílio, mas muitos defenderam o direito de Taylor de declarar essa heresia nas fileiras de ministros credenciados.

Isso não deve surpreender quem já esteja familiarizado com o desenvolvimento do pensamento teológico nos círculos da União Batista. H. Wheeler Robinson (1872-1945), reitor do Regents Park College, de 1920-1942, liderando a teologia batista inglesa no século 20, propôs um método teológico quase incapaz de corrigir Taylor. O próprio Robinson rejeitou a historicidade de Adão e sua conexão com a pecaminosidade do homem.57 De fato, ele chamou a narrativa do Antigo Testamento sobre a queda de “um pequeno e insignificante elemento na literatura e na religião de Israel”58 e, finalmente, concluiu que “as visões modernas sobre a Bíblia e a origem da raça removem as transgressões de Adão dos dados sobre o problema” do pecado humano.59

Robinson rejeitou a doutrina da punição eterna em favor do aniquilacionismo ou de “uma forma revisada da imortalidade condicional”. 60

Oportunidades para salvação após a morte provavelmente serão oferecidas aos homens, pois “não temos fundamento suficiente para asseverar que a decisão final é sempre tomada no presente estágio de nosso desenvolvimento; de fato, todos sabemos que muitos homens na face da terra nunca tiveram a oportunidade adequada de tomá-la”.61 Toda a ideia do inferno parecia repugnante a Robinson, e ele insistia que “há algo pouco saudável em ser demasiadamente preocupado com o inferno”.62 Os batistas, nos séculos passados, teriam concluído o contrário.

56 Discurso de Michael Taylor, Assembleia Anual da União Batista, em Reformation Today, n. 10 (verão de 1972), p. 36.

57 H. Wheeler Robinson, Redemption and Revelation in the Actuality of History (London: Nisbet & Co., Ltd., 1942), p. 65.

58 H. Wheeler Robinson, The Christian Doctrine of Man, 3. ed. (Edinburgh: T. & T. Clark, 1926; ed. reimpressa, 1934), p. 163.

59 Ibid., p. 269.

60 Robinson, Redemption and Revelation, p. 310.

61 Ibid., p. 309.

62 Ibid.

Introdução 52

Os batistas e as doutrinas da graça

Mais devastadoras do que essas (porque são a base delas) são as visões de Robinson acerca da revelação e do método de discernimento do erro. A Revelação vem da interação entre a experiência cristã e o movimento providencial da história. A Escritura não pode ser compreendida em sentido literal ou proposicional, mas deve ser vista como um registro de encontros divinos sobre consciências individuais. A Bíblia é “o registro suficientemente preciso de uma experiência religiosa que é normativa e autoritativa”.63 Portanto, não temos o direito, afirma Robinson, “de assumir que a ética de Amós ou mesmo a de Jesus são diretamente aplicáveis, da forma como se apresentam, a qualquer geração”.64

No mesmo sentido, aparentemente, seria possível concluir que não temos o direito de assumir as crenças proposicionais dos apóstolos como normativas para os dias de hoje. Em sua abordagem ao “ministério do erro”, Robinson abre caminho para essa posição ao afirmar: “Obviamente, qualquer assertiva dogmática do que é a verdade e do que é erro na religião contemporânea estaria fora de lugar nessa matéria”.65 Quando tais pequenas plataformas são dadas para estabelecer a verdade e resistir ao erro, não causa admiração que a negação da deidade de Cristo encontraria uma defesa dos direitos por parte de quem fala.

Os anos que se passaram desde Clifford até Robinson, e para além desses, parecem ter acomodado os membros da União Batista tão completamente que não houve surpresa alguma em relação aos ventos frios da infidelidade. Mas essa exposição contínua à doença e à morte também pode surtir o efeito de baixar a imunidade, a ponto de a mínima infecção poder matar. Em todo o mundo, os cristãos deveriam orar para que a denominação que produziu Keach, Gill, Booth, Fuller, Carey e Spurgeon possa, mais uma vez, descobrir o fundamento sobre o qual eles se encontravam. Seria trágico se o calvinismo se juntasse a outras verdades vistas simplesmente como arcaísmos teológicos na União Batista, pois, dessa maneira, não apenas a pureza evangélica estaria comprometida, mas também a própria fé cristã estaria perdida.

Os batistas particulares [ou estritos]: A teologia calvinista, contudo, ainda não havia sumido por completo da vida batista na Inglaterra. Nos anos

63 Ibid., p. 179.

64 Ibid., p. 171.

65 Ibid., p. 22.

53

1820, a discussão teológica centrava-se não apenas na questão da comunhão, mas também na invasão sutil do arminianismo no círculo batista particular.66 Os argumentos de Robert Hall (1764-1831) em prol da comunhão aberta contemplaram a possibilidade de que, eventualmente, nenhuma igreja “batista” como tal existiria, mas somente indivíduos “batistas”. Um fervor romântico ateológico pela promoção das missões alarmou e alertou alguns para os perigos de alguns estilos de evangelismo. Essas duas questões caracterizaram as preocupações dos batistas estritos em seu começo como uma entidade particular e reconhecível.

Por volta de 1830, algumas declarações contra o “fullerismo” e a comunhão aberta começaram a se tornar comuns em determinadas áreas. Não apenas os termos da comunhão eram típicos das definições feitas pelos grupos batistas estritos, como também “a doutrina que afirma que a fé salvadora é dever de todos os homens” era repetidamente rejeitada. Uma forma definitiva foi dada ao movimento pela aparição de diversas publicações; entre elas, a mais influente intitulava-se The Gospel Standard [O padrão do evangelho], em 1835, prosseguindo até nossos dias. Seus adeptos são conhecidos como os “homens-padrão”, e as igrejas que patrocinam sua confissão de fé são apropriadamente chamadas de “batistas do evangelho padrão”. The Gospel Herald [O arauto do evangelho] começou a ser veiculado em 1833, afirmando a mesma doutrina básica. Em 1887, fundiu-se com a revista The Earthen Vessel [O vaso de barro], lançada em 1845, em Southwark, a área de Londres a ser invadida por Charles Haddon Spurgeon. The Vessel criticava Spurgeon de forma severa, devido à sua adesão ao “dever da fé” — ele insistia constantemente em que todos os homens, em todos os lugares, deveriam abandonar o pecado e a rebelião, prostrando-se aos pés de Jesus. A revista ainda formulava uma palavra de recomendação e apoio a ele em sua luta com os “rebaixados”.

Em 1896, surgiu outra publicação, intitulada The Christian’s Pathway [O caminho cristão]. A rejeição ao dever da fé e à comunhão aberta também caracterizou seu conteúdo, além de uma posição positiva acerca da “eterna filiação de Cristo”, desencadeada por uma controvérsia nas páginas de The Earthen Vessel (1859-1860). Sua posição foi resumida, de forma clara, em uma carta enviada a um diácono de uma igreja desejoso de ser incluído em sua lista de igrejas aceitáveis:

Introdução 54
66 Annual Report and Bulletin of the Strict Baptist Historical Society, n. 13 (1973), 5.7.

Os batistas e as doutrinas da graça

1. Sua igreja e seu pastor aprovam a doutrina declarada como o topo do Diretório, a saber, a eterna filiação de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo?

2. Sua igreja e seu pastor aprovam todos os pontos de doutrina alicerçados no fundamento “particular”, e rejeitam o dever da fé, ou algum termo como “spurgeonismo”?

3. Sua igreja e seu pastor aprovam tudo o que está implícito na palavra “estrito”, ou seja, que ninguém além dos crentes batizados nas igrejas da mesma fé e da mesma ordem podem comungar juntos na Ceia do Senhor?

A declaração mais veemente desse princípio teológico veio em 1878, com The Gospel Standard [O padrão do evangelho], quando surgiu uma confissão que ampliava a antipatia batista estrita pelos chamados universais ao arrependimento e à fé (esse assunto é discutido, de forma sucinta, no capítulo 16).

Os avanços havidos desde a Segunda Guerra Mundial têm assistido a todos os batistas particulares, exceto aqueles que sustentam a confissão do Padrão do evangelho, diminuírem sua rejeição ao dever da fé. O periódico Grace [Graça] substituiu as publicações Gospel Herald-Earthen Vessel, enquanto a Reformation Today [Reforma hoje] substituiu The Christian’s Pathway [O caminho cristão].67 O verdadeiro calvinismo tem sido recuperado nessas revistas, e as doutrinas da Confissão de 1689, abertamente defendidadas. Os posicionamentos de Fuller, Carey e Spurgeon são celebrados, e o hipercalvinismo, rejeitado em todas as formas. Em um período de alguns anos no século 20, o Tabernáculo Metropolitano perdeu seu testemunho calvinista tipicamente evangélico, mas, recentemente, o redescobriu sob o ministério de Peter Masters. Muito embora mantendo e defendendo uma postura estritamente particular [separatista], esse ministério tem-se mostrado instrumental na liderança de muitos de volta às doutrinas da graça.

Situação contemporânea das doutrinas da Reforma: Com o lançamento de Reformation Today (1970), a Conferência Carey para Ministros teve início. Encontrando-se anualmente, reúne ministros batistas de igrejas batistas independentes, bem como de igrejas da União Batista. Como seu nome sugere, a aplicação experimental e prática das grandes verdades doutrinárias

67 Reformation Today, n. 1 (primavera de 1970).

55

forma o centro do propósito da conferência. A Conferência de 1985 teve como tema as missões, enquanto a Conferência de 1986 dedicou-se a uma nova exploração dos parâmetros da Confissão de 1689, o que, em sentido mais amplo, é a fé reformada.

Felizmente, o calvinismo histórico dos antigos batistas ingleses tem sido arrebatado das garras da morte, trazendo muitas marcas saudáveis, e promete multiplicar-se. Mas, ainda que possa fazer frente aos ataques das tendências teológicas e eclesiásticas, mantendo — como Fuller, Carey, Ivimey, Booth e Spurgeon — um coração afetuoso e uma espinha dorsal de aço, não depende da força e da abrangência do sistema em si. Certamente nenhuma outra visão sobre Deus, o homem, o mundo e todas as coisas visíveis e invisíveis pode aproximar-se da força do calvinismo. Ao contrário, sob Deus, a tenacidade da presente Reforma dependerá da medida em que o coração dos envolvidos tem sido capturado pela verdade e se sua afeição irradia na direção do temporal ou do eterno.

Batistas e o calvinismo nos Estados Unidos

As raízes do século 17

Quando Roger Williams chegou ao Novo Mundo, em 1631, trouxe consigo não apenas uma consciência irrepreensível, o que, por fim, resultaria em seu banimento da Baía de Massachussetts, mas também o verdadeiro calvinismo de seu puritanismo separatista. A igreja batista fundada sob sua influência, em Providence, Rhode Island, em 1639, abraçou essa mesma teologia. John Clarke, outro inglês que considerava pouco agradável a relação entre Igreja e Estado na Baía de Massachussetts, também foi até Rhode Island e, com a ajuda de Williams, comprou algumas terras dos indígenas. Sob a provável influência de Williams, Clarke tornou-se um batista em algum momento entre 1640 e 1644. A igreja que ele fundou em Newport, a Segunda Igreja Batista da América, “manteve a doutrina da graça eficaz” e, pelo menos até o tempo de Thomas Armitage, permaneceu calvinista.68 As Confissões de Fé de Clarke e Obadiah Holmes — sucessor de Clarke como pastor — demonstram essa verdade além de qualquer dúvida. Clarke

68

Introdução 56
Thomas Armitage, A History of the Baptists (New York: Bryan, Taylor & Co., 1887), p. 671, 673.

Os batistas e as doutrinas da graça

deixou sua confissão por escrito, e uma porção foi inserida nos registros da igreja. Isaac Backus, em seu notável A History of New England [Uma história da Nova Inglaterra], publicou a principal porção do texto:

O decreto especial de Deus concernente a anjos e homens é chamado de predestinação em Romanos 8:30 [...] deste último mais é revelado não sem proveito para ser conhecido. Pode ser definido como uma sábia, livre, justa, eterna e imutável sentença ou um decreto de Deus, determinando a criação e o governo do homem para sua glória especial. [...] A eleição é o decreto de Deus, de seu livre amor, graça e misericórdia, escolhendo alguns homens para a fé, a santidade e a vida eterna, para o louvor de sua gloriosa misericórdia. [...] A causa que moveu o Senhor a eleger aqueles que são escolhidos foi nenhuma outra além de sua mera boa vontade e seu prazer. [...] Um homem nesta vida pode ter certeza de sua eleição [...] mas não de sua eterna reprovação, pois aquele que agora é profano pode ser chamado posteriormente.69

O conteúdo de Confissão e testemunho, de Obadiah Holmes, está preservado nesse mesmo volume.70 O espírito do calvinismo evangélico penetra o todo: Deus “conhece os seus; e os eleitos o obterão”, pois, na aliança da graça, “Deus lidou com a iniquidade de todos os seus eleitos sobre o Filho, convocando-os a si mesmo” para que “nunca pereçam nem se desviem”. Deus derrama sua salvação pela fé efetiva por meio do ministério de pregação enviado ao mundo “para proclamar arrependimento ao pecador, e salvação, e tudo isso através de Jesus Cristo”. Sim, esses ministérios devem proclamar “a graça de Deus por intermédio de Jesus Cristo, mesmo àqueles que já estão sob o poder de Satanás: sim, levar as boas-novas do Senhor Jesus Cristo”.71

A Primeira Igreja Batista de Boston surgiu debaixo do derramamento da intimidação eclesiástica, na medida em que Thomas Gould procurava respostas acerca do batismo de crianças, especialmente de seus próprios filhos, nascidos em 1655. Após dez anos de uma desconcertante intimidação da igreja estabelecida em Boston, Gould — junto com diversos outros que haviam chegado recentemente da Inglaterra, incluindo um Sr. Goodall, da

69 John Clarke, “Confession of Faith”, em Isaac Backus, A History of New England, with Particular Reference to the Denomination of Christians Called Baptists, 2 vols. (Boston, MA: Edward Draper, 1777), 1:255, 256.

70 Ibid., p. 208-12, 256-60.

71 Ibid., p. 256, 258, 259.

57

igreja de William Kiffen [ou Kiffin]— entrou em uma relação com uma igreja. Essa igreja também era calvinista.72

Não se pode levar a sério a sugestão de que esses homens simplesmente adotaram a soteriologia de seu meio teológico sem um exame crítico. Pelo menos dois fatores devem dissuadir qualquer um de aceitar um argumento desse tipo. Primeiro, o abandono radical da eclesiologia de seus contemporâneos e vizinhos, ao lado de sua disposição de sofrer por causa dessa separação, mostra que eles não eram desprovidos de iniciativa pessoal a respeito da construção doutrinária. Sua abertura para debater o caso com os homens que traziam credenciais de uma educação intimidadora os caracteriza não como arrogantes (pois eram homens mansos), mas como pessoas que confiavam nas conclusões obtidas em um questionamento honesto e independente. Segundo, sua insistência de que toda crença e toda prática devem contar com uma garantia plena e clara fala muito sobre sua retenção do calvinismo enquanto iam mudando sua visão acerca do batismo. Outras opções soteriológicas estavam disponíveis e eram conhecidas deles. Concluímos, portanto, que eles, consciente e fundamentadamente, aderiram ao calvinismo como bíblico em suas conexões soteriológicas.

Nos séculos 18 e 19

As Colônias Centrais, especialmente a Pensilvânia, beneficiaram-se da influência da família de Keach quase na mesma medida dos batistas ingleses do século 17. O filho de Benjamin Keach, Elias, chegou ao Novo Mundo como um homem não convertido. Por um período muito breve, ele considerou bem divertido enganar os cristãos dissidentes da Pensilvânia ao pregar a eles alguns dos sermões de seu pai. Grandes multidões vinham para ouvir o jovem teólogo de Londres, e seu experimento jocoso parecia andar bem. Porém, em certa ocasião, bem no meio de sua pregação, ele foi tomado pelo terror e, por algum tempo, viu-se impedido de continuar falando. Na misericórdia de Deus, o jovem Keach foi convertido sob sua própria pregação, revelando-se um verdadeiro instrumento para a fundação da Primeira Igreja Batista da Pensilvânia — em Pennepack, agora cidade da Filadélfia.

Keach, ao lado de Thomas Killingsworth, fundou outras igrejas. Outras vieram, intactas, do País de Gales. Em 1707, essas igrejas, agora cinco,

Introdução 58
72 Ibid., p. 355-415.

Os batistas e as doutrinas da graça

organizaram-se para formar a Primeira Associação Batista na América, a Associação Batista da Filadélfia. Essa associação usava, regularmente, a Segunda Confissão de Londres em suas discussões doutrinárias e, em 1742, a adotou oficialmente, com dois acréscimos, como sua própria Confissão de Fé. De longe, a mais influente associação na vida batista da América, seu poder foi sentido grandemente no Primeiro Grande Avivamento, e sua teologia calvinista foi formadora e dominante na vida batista, tanto do norte como do sul. Tão forte era o calvinismo dessa associação que, em 1752, aprovou uma resolução declarando que aqueles que negavam a doutrina da eleição incondicional não poderiam tornar-se membros das igrejas:

Sobre tais doutrinas fundamentais do cristianismo, junto à crença em um Deus eterno, nossa fé precisa descansar; e nós adotamos, e que todas as igrejas pertencentes à Associação Batista estejam bem firmadas de acordo com a nossa Confissão de Fé e nosso catecismo, não podendo permitir que ninguém seja um verdadeiro membro de nossas igrejas se negar esses princípios, não importando qual seja sua conversão lá fora.73

Em 1774, a Associação adotou a prática de fazer “observações e melhoramentos de alguns artigos particulares da fé, contidos em nossa Confissão”. 74 Essas “cartas circulares” anuais formaram uma agradável exposição do calvinismo evangélico. A correspondência mantida com William Carey e os registros entusiasmados sobre o progresso das missões estrangeiras e entre os indígenas, e também em locais que não contavam com igrejas na América, mostram que os membros desse grupo mantinham uma aliança saudável entre doutrina e prática.

No sul, a Primeira Igreja Batista também era calvinista. A Primeira Igreja Batista de Charleston, Carolina do Sul (fundada em 1682, em Kittery, Maine), adotou a Segunda Confissão de Londres como um resumo válido de sua fé bíblica. William Screven, próximo à sua aposentadoria como primeiro pastor, em 1708, instou a igreja a garantir como pastor um homem que sustentasse as doutrinas da forma como expostas naquela confissão. Em 1751, quando a Associação de Charleston surgiu, seu entendimento doutrinário encontrou expressão precisa naquele mesmo documento. Um dos pastores mais

73 Minutes of the Philadelphia Baptist Association from 1707 to 1807 (Philadelphia, PA: American Baptist Publication Society, 1851), p. 69.

74 Ibid., p. 136.

59

notáveis do estado (e, de fato, em todo o sul), durante as décadas de virada para o século 19, foi Richard Furman. De 1787 até 1825, ele serviu como pastor na Primeira Igreja Batista de Charleston, Carolina do Sul. Além disso, atuou como presidente da Convenção Missionária Geral da Denominação Batista dos Estados Unidos pelas Missões Estrangeiras, também conhecida como Convenção Trienal, fundada em 1814. Ele era um calvinista convicto. Enquanto os batistas mudavam-se para outras regiões do sul, alguns batistas gerais apareceram entre eles. Esses, contudo, foram completamente engolidos por um calvinismo fervoroso no Primeiro Grande Avivamento, em meados do século 18. Além disso, a membresia batista cresceu aos tropeços, devido à invasão dos batistas particulares. Esse grupo, cujos primeiros líderes foram Shubal Stearns e Daniel Marshall, pregava uma forte teologia da conversão, manifestava uma responsabilidade admirável em relação à organização evangelística e esperava, com bastante fervor, pelos moveres do Espírito Santo no curso de sua pregação. Eles haviam surgido inicialmente do congregacionalismo da Nova Inglaterra. As Novas Luzes sofreram oposição das Antigas Luzes, que insistiam na adesão identificatória da Confissão de Fé e da moralidade externa com a verdadeira fé cristã. Jonathan Edwards defendia a insistência da Nova Luz quanto à conversão. Quando muitos das Novas Luzes começaram a adotar a eclesiologia batista, devido à sua harmonia com o ideal de uma igreja regenerada, mostraram-se naturalmente insistentes em relação ao uso de qualquer confissão de fé. Sua teologia, contudo, era calvinista e quando, muitas vezes hesitante, produziam confissões, seu calvinismo era óbvio. A Confissão de Fé da Associação Kehukee, uma associação batista regular, pavimentou o caminho para a união com diversas igrejas batistas particulares. Dois dos dezessete artigos abordam a soberania de Deus na salvação:

7. Nós acreditamos que, no tempo e no modo estabelecidos por Deus (que ele mesmo ordena), os eleitos serão chamados, justificados, perdoados e santificados, e que é impossível que eles possam recusar o chamado, pois serão feitos desejosos pela graça divina de receber as ofertas da misericórdia. [...]

9. Nós acreditamos, de igual modo, que os eleitos de Deus não serão apenas chamados, e justificados, mas que também serão convertidos, nascidos de novo e mudados pela obra efetiva do Espírito Santo de Deus.75

75 William L. Lumpkin, Baptist Confessions of Faith, 1. ed. (Philadelphia, PA: The Judson Press, 1959), p. 355, 356.

Introdução 60

Os batistas e as doutrinas da graça

De igual modo, a Associação de Sandy Creek, a reunião batista particular mais influente do século 18, adotou uma Confissão em 1816. Os artigos III e IV (de dez artigos) revelam o comprometimento soteriológico de Sandy Creek e a multiplicidade de igrejas batistas particulares e associações que surgiram a partir de sua influência:

III. Que Adão caiu de seu estado original de pureza, e que seu pecado é imputado à sua posteridade; que a natureza humana é corrupta, e que o homem, de sua própria vontade livre e habilidade, é impotente para reconquistar o estado em que foi primariamente colocado.

IV. Nós acreditamos na eleição desde a eternidade, no chamado efetivo pelo Espírito Santo de Deus e na justificação à sua vista somente pela imputação da justiça de Cristo. E nós acreditamos que aqueles que são assim eleitos, efetivamente chamados e justificados, perseverarão pela graça até ao fim, para que ninguém se perca.76

Quando os batistas separatistas e regulares uniram-se na Virgínia, a Confissão de Fé da Filadélfia formou sua base doutrinária. Portanto, no momento em que a união estava completa, a vida batista no sul caracterizava-se pelo forte comprometimento doutrinário com o calvinismo evangélico, pelo senso de dependência da obra do Espírito Santo para trazer conversão (muitas vezes de maneira dramática) e pela convicção de mordomia sobre a organização evangelística.

O surgimento dos batistas do livre-arbítrio, sob a liderança de Benjamin Randall, em 1780, em New Hampshire, levou os batistas da Nova Inglaterra a trabalhar pela reafirmação de sua fé, com especial atenção às áreas permeadas pelo Movimento do Livre-Arbítrio. Em 1833, a Confissão de Fé de New Hampshire foi completada, recomendando-se, então, sua adoção nas igrejas da região. Sua influência foi grandemente sentida em 1853, quando J. Newton Brown, secretário editorial da Sociedade de Publicações Batista Americana, publicou o The Baptist Church Manual [O manual da igreja batista]. Outros manuais de igreja, incluindo o de J. M. Pendleton, também publicaram esse conteúdo, fazendo dessa a maior declaração de credo amplamente disseminada entre os batistas americanos.

Muitos têm interpretado o conteúdo da Confissão de Fé de New Hampshire como uma tentativa de transformar o calvinismo sólido dos dias antigos em

76 Ibid., p. 358.

61

algo mais palatável, ao gosto das igrejas do século 18. É verdade que essa Confissão não é tão detalhada ou longa quanto a Confissão da Filadélfia, mas também é verdade que a essência de sua doutrina permanece intocada. Uma de suas preocupações era a brevidade. Mas seus feitos desejaram mostrar, em acréscimo, que as questões levantadas pela presença dos batistas do livre-arbítrio não eram, certamente, estranhas ao conhecimento ou à preocupação do calvinismo histórico. Uma ênfase recorrente no enquadramento teológico do livre-arbítrio era a culpabilidade do homem. A culpabilidade estende-se até a liberdade da vontade do homem e/ou as provisões da graça de Deus. O “poder da livre escolha é a exata medida da responsabilidade do homem”, declarou Benjamin Randall.77 E, se a queda tem afetado negativamente a vontade, a redenção promovida pelo Deus Trino tem colocado todos os homens no mesmo lugar — nenhum deles é excluído, mas a salvação não é adquirida por qualquer um:

Eles são todos dependentes para salvação da redenção efetivada através do sangue de Cristo, e para serem criados novos em obediência através da operação do Espírito; ambos são livremente providos para cada descendente de Adão.78

O mesmo ensino constituiu a essência de seu conceito de chamado evangélico. A chamada do evangelho “é coextensiva com a expiação a todos os homens”, como são os “atos do Espírito”. A salvação, portanto, é “tornada possível a todos”. Se alguém falha em ser salvo, “a culpa é toda sua”.79

Os autores da Confissão de New Hampshire estavam justificadamente ansiosos para que as pessoas entendessem e enxergassem, de forma plena e inequívoca, que o calvinismo não é um sistema mecanicamente fatalista; mas que, ao contrário, reconhece, plenamente, a natureza moral do homem, os deveres que recaem sobre ele como resultado dessa natureza moral e a relação do evangelho com esses deveres. O artigo sobre a queda do homem estabelece o estágio teológico para essa progressão:

Cremos que o homem foi criado em estado de santidade sob a lei de seu Criador, mas que, por voluntária transgressão, caiu daquele santo e

77 Ibid., p. 370.

78 Ibid., p. 371.

79 Ibid., p. 373.

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Os batistas e as doutrinas da graça

bem-aventurado estado; em consequência disso, agora toda a humanidade é pecadora, não por constrangimento, mas por escolha, sendo por natureza completamente vazia daquela santidade requerida pela lei de Deus, completamente dada à satisfação do mundo, de Satanás e de suas paixões pecaminosas, encontrando-se, portanto, sob justa condenação da eterna ruína, sem defesa ou escusa.80

O pecado é intencional, a condenação é justa e nenhum homem (com ou sem a provisão para a salvação) tem defesa ou desculpa. O dever do homem para com Deus de forma alguma é ab-rogado pelo surgimento da graça.

O artigo VI, “Da liberdade da salvação”, delineia a maneira pela qual a perversidade dos homens se relaciona com a pregação livre e aberta do evangelho:

Cremos que as bênçãos da salvação são acessíveis a todos pelo Evangelho; que é dever imediato de todos aceitá-las através da cordial, penitente e obediente fé; e que nada impede a salvação do maior pecador sobre a terra exceto sua própria depravação inerente e a voluntária recusa em se submeter ao Senhor Jesus Cristo, recusa que o submeterá a uma condenação ainda pior.81

O calvinismo não afasta, em absoluto, a responsabilidade do homem em crer em tudo que Deus diz; sua declaração da perversidade e da necessidade da iniciativa divina não é feita ao custo do dever do homem para com Deus. A harmonia entre a lei e o evangelho demonstra essa verdade, pois a lei “é santa, justa e boa; e... a inabilidade que as Escrituras atribuem aos homens caídos para cumprir seus preceitos vem inteiramente de seu amor ao pecado”.82 Na regeneração, o Espírito Santo trabalha de tal forma a “assegurar nossa obediência voluntária ao Evangelho”.83 Além disso, “o arrependimento e a fé são deveres sagrados”, mas o fato de serem deveres não diminui a realidade de que “também são graças inseparáveis, envoltas em nossa alma pelo Espírito regenerador de Deus”.84 O fato de que a inabilidade vem do pecado não afasta a realidade da inabilidade. A graça soberana deve reinar

80 Ibid., p. 362.

81 Ibid., p. 363.

82 Ibid., p. 365.

83 Ibid., p. 364.

84 Ibid.

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se algum desses pecadores desesperados tiver de ser salvo. Esse equilíbrio é expresso, de forma clara, no artigo “Do Propósito da Graça de Deus”.

Cremos que a Eleição é o propósito gracioso de Deus, de acordo com o qual ele graciosamente regenera, santifica e salva os pecadores; o que é perfeitamente consistente com a livre agência do homem, compreendendo todos os meios em conexão com o fim; essa é uma amostra gloriosa da bondade soberana de Deus, que é infinitamente livre, sábio, santo e imutável; que exclui completamente a jactância e promove a humildade, o amor, a oração, o louvor, a confiança em Deus e ativa a imitação de sua livre misericórdia; que encoraja o uso dos meios no mais elevado grau; que é certo pelos seus efeitos em todos os que verdadeiramente creem no evangelho; que é o fundamento da segurança cristã; e que afirmá-la a nós mesmos requer nossa maior diligência. 85

Essa mesma preocupação com a relação apropriada entre os aspectos divinos e humanos da salvação estão presentes no artigo “Da Perseverança dos Santos”. Os batistas do livre-arbítrio alertaram os crentes a “vigiarem e orarem para que sua fé não naufrague e sejam perdidos”.86 Muito embora a graça os ajude, as enfermidades e tentações podem ser tão fortes que “sua futura obediência e salvação final nem são determinadas nem certas”.87 Os batistas calvinistas não foram menos solícitos a respeito da vigilância, mas se mostraram determinados a atribuir essa vigilância e essa perseverança à fidelidade de Deus ao seu povo. Se, de fato, alguém experimenta a bondade soberana de Deus na regeneração, isso certamente será evidenciado em uma nova afeição direcionada às coisas de Deus. Sua fonte e sua progressão não dependem da força da vontade humana, mas do poder de Deus:

Nós cremos que os verdadeiros crentes são aqueles que perseveram até o fim; que sua ligação perseverante a Cristo é a grande marca que os distingue daqueles que meramente professam; que uma Providência especial está sobre seu bem-estar; e que são mantidos pelo poder de Deus através da fé para a salvação.88

85 Ibid.

86 Ibid., p. 374.

87 Ibid.

88 Ibid., p. 365.

Introdução 64

Os batistas e as doutrinas da graça

Em vez de interpretar a Confissão de New Hampshire como uma retirada gradual do calvinismo dos dias antigos, é melhor vê-la como uma afirmação da posição calvinista sobre as questões particulares que surgiram com a presença e o crescimento dos batistas do livre-arbítrio na Nova Inglaterra. Os calvinistas não abandonaram seus princípios distintivos, e declaravam: “Nós temos um entendimento defensável e bíblico da relação da vontade e do dever do homem com as doutrinas da soberania de Deus”. Nos Estados Unidos, as atividades e os líderes batistas do norte harmonizam-se com o conteúdo principal dessa confissão. O capítulo 4 aborda esses conceitos nos ministérios de Isaac Backus, John Leland, Luther Rice, Adoniram Judson, Francis Wayland e David Benedict. Os batistas do sul ainda preferiam a Confissão de Fé da Filadélfia, mas não vivenciaram divisão teológica em relação aos seus irmãos do norte.

A última metade do século 19 assistiu a uma quase imperceptível e gradual alienação de um calvinismo abrangente da parte dos batistas do norte, que, em 1845, se separaram de seus companheiros do sul. David Benedict (capítulo 4) temeu que isso fosse acontecer se a tendência observada em 1860 se mantivesse. No tempo de A. H. Strong (capítulo 8), as forças do criticismo bíblico e da evolução (tanto biológicas como ideológicas) foram tão penetrantes e convincentes que as escolas e os teólogos do norte não encontraram caminho para combatê-las. A tentativa de Strong de incorporá-las em uma defesa da ortodoxia, embora, muitas vezes, brilhante e sempre valiosa, falhou em convencer seus contemporâneos e cedeu muito espaço no processo. Ambas as mudanças — a perda do calvinismo e a intrusão do liberalismo — fizeram-se notórias nas uniões e divisões que caracterizaram a vida batista do norte no século 20.

Tendências do século 20

Na primeira década do século 20, os batistas do livre-arbítrio — de quem os batistas do norte permaneceram, confessional e organizacionalmente, distintos ao longo do século 19 — viram poucas diferenças entre si e seus contemporâneos do norte. Em 1907, os batistas do norte haviam adotado uma estrutura convencional para suas várias associações, denominando-se oficialmente de Convenção Batista do Norte. Em 1911, os batistas do livre-arbítrio surgiram com o grupo maior de batistas do norte, dando uma demonstração visual e organizacional do desaparecimento daquele

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outrora calvinismo forte da denominação. Tal fusão não foi possível com os batistas do livre-arbítrio do sul, já que o calvinismo dos batistas do sul ainda era vigoroso.

A entrada do liberalismo provocou diversas divisões no grupo do norte. O surgimento temporário da Comunhão Fundamental, em 1921, conduziu, por fim, à formação da Associação Batista Conservadora, em 1947. A Associação Geral dos Batistas Regulares foi formada por igrejas conservadoras que se retiraram da Convenção Batista do Norte em 1933. Eles adotaram a Confissão de Fé de New Hampshire, com uma interpretação pré-milenista do último artigo. Em 1923, a União Batista Bíblica da América, liderada por T. T. Shields, foi formada. Alcançou seu ápice em 1928 e, por fim, se dissolveu. A Confissão desse grupo era bem similar àquela da Confissão de New Hampshire, com expressões adicionadas para se comunicar diretamente com as doutrinas afetadas pelo liberalismo daqueles dias. Outros grupos registraram protestos contra o liberalismo da Convenção Batista do Norte.

É significativo o fato de nenhum desses grupos ter sido formado para proteger doutrinas estritamente calvinistas, embora a Confissão de New Hampshire tenha exercido grande influência sobre todas elas. As principais fontes de divisão diziam respeito à inerrância da Escritura, à deidade de Cristo, ao nascimento virginal, à eternidade da punição do ímpio e, em alguma medida, à natureza da segunda vinda de Cristo. Os calvinistas individuais e as igrejas calvinistas surgiram desses grupos. Algumas igrejas, sob a influência de T. T. Shields, sustentaram esses princípios. O Seminário Batista da Liberdade, o presente eixo do fundamentalismo batista, havia sido criticado pela Sword of the Lord [Espada do Senhor], por permitir que os calvinistas ocupassem uma posição de influência em sua equipe. Ninguém era, de forma consciente, calvinista em suas origens, mas eles se preocupavam intensamente com a pureza da separação e o conservadorismo fundamental. Entretanto, seus predecessores haviam sido estrita e entusiasticamente calvinistas, já que sua origem repousava na vida batista do norte e, em certos momentos, ao longo do caminho, receberam algum apoio dos fundamentalistas, separando-se dos batistas do sul.

Quando os complexos fatores seccionais de meados do século 19 incitaram a formação da Convenção Batista do Sul, em 1845, o desejo por um envolvimento irrestrito nas missões ao redor do mundo constituiu o cerne da separação. A teologia calvinista formou a base para

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Os batistas e as doutrinas da graça o programa das missões. Livros e sermões sustentando as doutrinas da depravação total, da eleição incondicional, da expiação certa e eficaz, do chamado efetivo e da perseverança dos santos abundam entre esses primeiros líderes. Os capítulos 5 e 6 demonstram isso ao discutir as contribuições de W. B. Johnson, R. B. C. Howell, Richard Fuller, Jesse Mercer, John L. Dagg, P. H. Mell, Basil Manly, Basil Manly Jr., J. P. Boyce e John A. Broadus. Incluídos nessa lista, encontramos os presidentes da Convenção Batista do Sul em seus primeiros cinquenta anos de existência, os primeiros educadores, tanto na Faculdade como nos círculos do Seminário, e os primeiros escritores teológicos da vida batista do sul. Essas formulações doutrinárias não apenas representaram o comprometimento dos líderes, como também foram fortemente sentidas nas igrejas e associações. Por exemplo, os documentos fundadores da Associação Batista do Mississippi — composta por grandes porções dos atuais estados do Mississippi e da Louisiana — incluíram uma Confissão de Fé segundo a qual as doutrinas da graça são bem proeminentes e extremamente claras:

3. Cremos na queda de Adão e na concessão de sua cabeça (pecado) a toda a sua posteridade; na total depravação da natureza humana e na inabilidade do homem de restaurar a si mesmo ao favor de Deus.

4. Cremos no amor eterno de Deus por seu povo e na eleição eterna e incondicional de um número definido da família humana para a graça e a glória.

5. Cremos que os pecadores são justificados apenas à vista de Deus pela justiça imputada de Jesus Cristo, que é para todos e sobre todos os que creem.

6. Cremos que todos os que foram escolhidos em Cristo antes da fundação do mundo são chamados de forma eficaz, regenerados, convertidos, santificados e sustentados pelo poder de Deus, por meio da fé, para a salvação.

7. Cremos que há um mediador apenas entre Deus e o homem, o homem Cristo Jesus; ele, por sua satisfação à lei e à justiça, “ao se tornar oferta pelo pecado”, tem, por meio de seu precioso sangue, redimido os eleitos da maldição do pecado, para que eles possam ser santos e inculpáveis diante dele em amor.89

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89 Albert E. Casey (org.), Arnite County, Mississippi, 1699-1865, 2 vols., p. 128-29.

Esse consenso nas doutrinas da graça foi perpetuado na vida batista do sul ao longo da segunda década do século 20. Os capítulos 8 e 9 buscam estabelecer isso ao examinar o pensamento de F. H. Kerfoot, E. C. Dargan, J. B. Gambrell, J. B. Tidwell e B. H. Carroll. Esses homens foram líderes das agências na comunidade batista do sul, editores de jornais denominacionais, educadores e escritores. Em 1905, F. H. Kerfoot ainda podia dizer: “Quase todos os batistas creem no que é descrito, em geral, como ‘doutrinas da graça’”. Essa crença praticamente unânime desintegrou-se ao longo do caminho. Entre os diversos fatores, recheados de pontos de vista, estavam a metodologia teológica de E. Y. Mullins e a metodologia evangelística de L. R. Scarborough, presidentes do Seminário do Sul e do Seminário do Sudoeste, respectivamente. (Esse fenômeno é discutido no capítulo 9.) Alguns vestígios das antigas doutrinas ainda poderiam ser encontrados, como, por exemplo, no ensino e nos escritos de W. T. Conner, do Seminário do Sudoeste (especialmente sobre a doutrina da eleição) e no ministério fiel de J. B. Tidwell, na Baylor University (capítulo 7). Com uma rapidez crescente, contudo, as preocupações se voltavam cada vez mais aos programas denominacionais que minimizavam e simplificavam as matérias doutrinárias. Inicialmente, as doutrinas foram ignoradas até que foram saindo de cena — e, por fim, foram ou abertamente contestadas como causadoras de destruição da verdadeira piedade e do zelo missionário ou discutidas como alguma idiossincrasia do passado, algo a ser retratado com grande horror.

As crises relacionadas à autoridade bíblica, à necessidade de expiação e à singularidade do cristianismo como o caminho que conduz a Deus chegaram aos batistas do sul somente porque as doutrinas da soberania de Deus foram inicialmente retiradas de seus lugares como a fonte da qual todas as outras doutrinas recebem sua coerência. Algumas dessas questões são tratadas nos capítulos teológicos (10 a 13). Os batistas do sul podem apenas esperar mais fragmentação teológica a não ser que Deus, em sua misericórdia, garanta uma Reforma comparável àquela que ocorreu no século 16, na Europa.

É a oração do autor que essa denominação, que reúne todos os adornos da grandiosidade, possa escapar da realidade solene e graficamente exposta na descrição do Senhor acerca de alguns em seu tempo: sepulcros caiados, limpos e brilhantes por fora, mas, por dentro, cheios de ossos.

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