Treinado no Seminário de Princeton por Charles Hodge, um dos melhores teólogos do século XIX, James Boyce estava bem-equipado para escrever o volume de Teologia sistemática que você tem em mãos. Estudos sistemáticos de teologia sempre são necessários, especialmente nos dias de hoje, em que se vive uma escassez de sólido pensamento cristão. Por essa razão, sinto-me muito feliz em recomendar esta obra de Boyce: é exegeticamente fundamentada, eminentemente confiável e impregnada do desejo de Boyce, de viver e escrever para a glória de seu grande Deus. Michael A. G. Haykin, professor de História da Igreja, The Southern Baptist Theological Seminary
Lutero e Calvino são nomes reconhecidos como os fundadores dos movimentos eclesiásticos associados aos seus nomes e legados teológicos. E, embora o nome do autor deste livro, James Petigru Boyce, não tenha tanto reconhecimento no meio cristão como os nomes de Lutero ou Calvino, ainda se qualifica como o pai e fundador da Convenção Batista do Sul. Hoje em dia, em nível mundial, a Convenção Batista do Sul é a maior de todas as convenções batistas. Foram os missionários da Convenção Batista do Sul que iniciaram o trabalho batista no Brasil, na Bahia e no interior de São Paulo, no final do século XIX. Por essa razão, é possível afirmar que James Petigru Boyce, que foi um dos pais e fundadores da Convenção Batista do Sul, é, por extensão, também um dos bisavôs da Convenção Batista Brasileira. Qual foi o principal legado de James Petigru Boyce entre os batistas do século XIX? James Boyce foi o fundador do Southern Baptist Theological Seminary (SBTS), o maior seminário evangélico do mundo. Após estabelecer o SBTS, o principal legado de Boyce que permanece em nossos dias é este livro, Teologia Sistemática: Uma introdução aos pilares da fé. Se você quiser entender a teologia original dos batistas que deram início às igrejas batistas nos Estados Unidos e no Brasil, este livro é uma obra-prima. Esta obra reflete a influência de dois teólogos fundamentais na vida de Boyce.
A primeira influência veio de seu mentor teológico, Charles Hodge. Boyce usou o livro de teologia sistemática de Hodge, um presbiteriano, como a primeira obra de teologia ensinada em sala de aula no SBTS. Por quê? Porque não havia outros livros de teologia escritos por autores batistas nesse período da história. O presente livro foi composto a partir das anotações em sala de aula que Boyce usava em suas palestras. Quando foi publicado, tornou-se a primeira obra de teologia sistemática no meio batista. A segunda influência mais importante na vida de Boyce foi de Francis Turretin, sucessor de João Calvino em Genebra e o maior teólogo do século XVII. Boyce estudava Turretin como aluno no Princeton. Esta obra segue a estrutura do livro de Turretin. O leitor vai descobrir, em sua leitura de Boyce, uma teologia que é bíblica, conservadora e ortodoxa. Que Deus abençoe uma nova geração de líderes batistas por meio do lançamento deste livro clássico da teologia batista! É meu desejo que este livro introduza uma nova geração de batistas teólogos a uma teologia bíblica que é cristã, ortodoxa, protestante, evangélica e profundamente — batista. Wendal Mark Johnson, D.Th., D.Min. Missionário, líder da equipe de Educação Teológica do International Mission Board da Convenção Batista do Sul (EUA), servindo no Brasil.
James P. Boyce, fundador do Southern Baptist Theological Seminary está entre os maiores intelectuais da história batista. Treinado em Princeton e de família influente na sociedade americana do século XIX, Boyce usou seus dons e bens para presentear a igreja do Senhor Jesus com uma teologia saudável e de caráter reformado. Tendo estudado no seminário fundado por Boyce, sou extremamente grato por esse legado intelectual. Uma verdadeira festa para aqueles interessados em batalhar pela fé uma vez por todas entregue aos santos. Rafael Nogueira Bello, PhD The Southern Baptist Theological Seminary
Em 1991 tive meu primeiro contato com os escritos de James Petigru Boyce (1827-1888), pastor batista, teólogo e professor de seminário nos Estados Unidos. A formação do Dr. Boyce deu-se no antebellum, dentro de uma tradição reformada, aos pés do batista Francis Wayland e do presbiteriano Charles Hodge; por meio deste último, recebeu a indelével contribuição da antiga escola de Princeton. Boyce foi o primeiro presidente do Seminário Teológico Batista do Sul (atualmente em Louisville, Kentucky), onde ensinou teologia de 1859 até sua morte em 1888. Ao longo de seu ministério, Boyce insistiu na importância da educação teológica para todos os ministros, não negligenciando, entretanto, aqueles que não possuíam uma formação teológica formal. Esse enfoque pode ser visto no prefácio deste volume de teologia, por ele proposto como “um livro de texto prático”, erigido sobre o sistema de doutrina “ensinado na Palavra de Deus”. Teologia Sistemática: Uma Introdução aos Pilares da Fé foi publicado inicialmente em 1887, portanto já no período posterior à Guerra Civil, quando os batistas do Sul forjavam seus alicerces denominacionais, teológicos e missionários. A teologia de Boyce é um padrão para o ensino batista na tradição calvinista, tendo sido este o manual de teologia dos primeiros cinquenta anos dos alunos no Seminário do Sul. Com seus quarenta e dois capítulos, o formato segue um esboço expandido de tópicos tradicionais em teologia sistemática. Os atuais pastores e jovens batistas, se quiserem avaliar honestamente sua herança teológica, encontram aqui o escopo teológico da primeira geração de batistas do Sul. Quem almeja saber mais sobre a tradição batista reformada tem em mãos um recurso ainda muitíssimo relevante. É grande privilégio poder contar com este magnífico exemplar agora em nosso idioma português, ao alcance das atuais gerações no vasto mundo lusófono. Gilson Santos pastor batista, historiador, psicólogo e professor de Teologia Prática. São José dos Campos, SP
A fé cristã é uma fé histórica. É a fé na pessoa do Senhor Jesus Cristo, Deus feito homem no tempo e no espaço, que morreu, ressuscitou, ascendeu aos céus e está sentado à direita do Pai. Estamos unidos a todos os crentes de toda a história e em todos os lugares, porque é a mesma mensagem e a mesma pessoa que nos une. Logo, uma igreja sem história é uma igreja sem futuro. Por isso é tão importante para nós, batistas, lembrarmos a nossa história. Chamado de “o Batista desconhecido”, James P. Boyce foi um dos maiores nomes na história dos batistas nos Estados Unidos (fundador e primeiro do Southern Baptist Theological Seminary, o maior e mais antigo seminário da Convenção Batista do Sul, cuja presidência também exerceu). Relembrar homens como James P. Boyce e obras como esta não podem ser caprichos de alguns acadêmicos sentados nos arquivos poeirentos de qualquer biblioteca. Relembrar a nossa história batista é redescobrir o tesouro de uma herança para muitos perdida. Tiago Oliveira, pastor da Grace Baptist Church em Jackson, Mississippi (USA). Presidente do recém-fundado Seminário Martin Bucer, Portugal
Este tesouro teológico certamente ajudará os estudantes sérios da Palavra a explorar muitas das grandes doutrinas da fé cristã e aperfeiçoará sua compreensão acerca das posições básicas ortodoxas e protestantes. Boyce, como um cuidadoso teólogo batista reformado, preocupava-se em fundamentar seus argumentos nas Escrituras. O presente livro, em sua versão original, ajudou a definir o rumo teológico de uma denominação de igrejas batistas no século XIX. Alegro-me com o fato de este tratado também poder auxiliar os crentes e as congregações lusófonas neste século XXI. David Allen Bledsoe, D.Th., D.Min. Missionário, servindo na área de Educação Teológica no Brasil International Mission Board, Convenção Batista do Sul (EUA)
James P. Boyce desempenhou papel-chave na criação do primeiro seminário dos Batistas do Sul dos Estados Unidos, sendo ele — ao lado de John A. Broadus, Basil Manly Jr. e William Williams — fundador, em 1859, do The Southern Baptist Theological Seminary (SBTS). O livro que o leitor tem em mãos foi primeiramente publicado pelo próprio Boyce, em 1882, para ser usado em sala de aula, no referido seminário. Tamanha a sua importância, cinco anos mais tarde, em 1887, a Sociedade Batista Americana de Publicações tornaria pública a sua edição. O valor desta obra para o Brasil, especialmente para os batistas brasileiros, está em ser o primeiro livro de Teologia Sistemática (título original em inglês: Abstract of Systematic Theology) produzido por um Batista do Sul dos Estados Unidos, tendo como finalidade a formação de pastores batistas para a denominação que enviou ao Brasil alguns dos primeiros missionários que nos trouxeram o evangelho. Boyce iniciou seus estudos teológicos no Seminário de Princeton, em 1847. Seu ingresso naquela instituição, reconhecidamente reformada em sua teologia, deu-se dois anos depois de seu colega Basil Manly Jr. ter-se graduado naquela mesma instituição. Mesmo não tendo concluído o curso em Princeton, Boyce teve como o maior influenciador em sua formação teológica o grande teólogo daquela casa, o Dr. Charles Hodge. Conclui-se, pois, e a leitura comprova, quanto o pensamento e a tradição protestante reformada permearam o pensamento e a prática dos primeiros pastores Batistas do Sul dos Estados Unidos. Todos eles assumiam, entre outros fundamentos da fé reformada, a inspiração perfeita e a autoridade absoluta da Palavra de Deus, além da soberania e da supremacia da glória de Deus em todas as coisas. Infelizmente, porém, ao longo dos anos, tudo isso se perdeu, dando lugar à experiência religiosa ou à autonomia do indivíduo como fonte de autoridade final e absoluta e, não por acaso, a todas as decadentes consequências de se abandonarem a centralidade das Escrituras e a soberania de Deus no pensamento e na prática pastoral dos batistas.
A longa demora para se publicar esta obra tão importante, na providência divina, chega agora a cabo. Antes tarde do que nunca! Finalmente é publicada em português! Rogo ao Pai que nos abençoe com gerações de crentes, batistas, protestantes e reformados do calibre de James P. Boyce. Ademais, que este livro sirva como faísca no paiol para incendiar esta nação com as doutrinas da graça de Deus, juntamente com seus desdobramentos práticos e pastorais na vida do povo de Deus e da sociedade. Leandro B. Peixoto, pastor da Segunda Igreja Batista em Goiânia
James Petigru Boyce
Teologia
SISTEMÁTICA
Uma introdução aos pilares da fé
JAMES P. BOYCE Prefácio de Franklin Ferreira
Teologia Sistemática Uma introdução aos pilares da fé
Proibida a reprodução por quaisquer meios, salvo citações breves, com indicação de fonte. Impresso no Brasil / Printed in Brazil
Título original: Abstract of Systematic Theology @1887, de James Petigru Boyce Todos os direitos em língua portuguesa reservados por PRO NOBIS EDITORA Rua Professor Saldanha 110, Lagoa, Rio de JaneiroRJ, 22.461-220 www.pronobiseditora.com.br contato@pronobiseditora.com.br
Conselho Editorial Judiclay Santos André Soares David Bledsoe Paulo Valle Gilson Santos Gerência Editorial Judiclay Silva Santos
2ª edição: 2021 Tratando-se o original estrangeiro de uma obra do século XIX, produzida a partir de anotações acadêmicas do autor, buscou-se, nesta versão em português, respeitar, em sua formatação textual, o estilo primário, com a topicalização correspondente.
Tradução: João Costa Preparação/revisão: Shirley Lima — Papiro Soluções Capa: Rubner Durais Diagramação: Rubner Durais Isbn: 978-65-81489-00-7
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Nota de Agradecimento à Segunda Edição Teologia sistemática, de James P. Boyce, foi o primeiro livro publicado pela Pro Nobis. Lançado no dia 18 de março de 2020, não poderíamos imaginar que o ano seria marcado pela eclosão de uma pandemia global sem precedentes. A despeito do contexto adverso, marcado pelo fechamento do comércio e o cancelamento das conferências presenciais, fomos surpreendidos por uma venda expressiva. Em pouco menos de seis meses, a primeira edição foi esgotada. Agradecemos aos amigos, pastores e líderes de várias partes do Brasil pelo apoio na distribuição deste livro. Esta edição passou por uma revisão técnica e contou com a colaboração dos irmãos que seguem, em ordem alfabética. A todos, desde já, agradecemos pelo tempo dispensado e pela disponibilidade manifestada. O trabalho de vocês tornou a publicação em português desta obra clássica ainda mais grandiosa. David Marcos Filipe Ribeiro Franklin Ferreira Gilson Santos Jader Guedes João Eduardo Cruz Leandro Peixoto Marcus Paixão Maurício Andrade “Seja sobre nós a graça do Senhor, nosso Deus; confirma sobre nós as obras das nossas mãos, sim, confirma a obra das nossas mãos”. (Salmos 90.17) Judiclay S. Santos Fundador da Pro Nobis Editora Pastor da Igreja Batista do Jardim Botânico (RJ)
Agradecimentos A Pro Nobis Editora é um sinal da soberana graça, pela qual louvamos a Deus. Há tempos sonhávamos em começar este projeto, a fim de publicar bons livros que possam edificar a igreja de Cristo, conectando-a com a grande nuvem de testemunhas de nossa belíssima tradição. Graças à bendita Providência, podemos celebrar o primeiro livro publicado. Deus é tão bom que nos abençoou com a obra-prima de James P. Boyce, homem de grande estatura moral, intelectual e espiritual. Sob a bondosa mão do Senhor, outras obras virão. Andrew Fuller, Benjamin Keach, John Dagg, Nehemiah Coxe e outros gigantes batistas do passado falarão português. Nossa sincera gratidão... Aos amigos João Costa, Sandro Wagner, Rubner Durais, Shirley Lima, Filipe Ribeiro e Douglas Rodrigues, instrumentos nas mãos da Providência na edição deste livro. Aos professores Gilson Santos e Franklin Ferreira, cirúrgicos nas avaliações e sugestões para oferecermos uma obra de excelência aos leitores. Aos missionários Mark Johnson e David Bledsoe, que atuam em nosso país com tanta dedicação e foram grandes encorajadores deste projeto. Aos pastores Roque Monteiro de Andrade e Leandro Borges Peixoto. O primeiro, um gigante batista brasileiro que nos encoraja pelo legado (infelizmente, ainda pouco conhecido). O segundo, um amigo querido que nos inspira pelo que tem feito em favor da causa do evangelho. Toda glória ao Deus de toda graça. Judiclay S. Santos, Fundador da Pro Nobis Editora; pastor da Igreja Batista do Jardim Botânico (RJ)
Sumário Prefácio ................................................................................ 17 Apresentação ........................................................................ 23 Capítulo 1 - A Ciência da Teologia ...................................... 41 Capítulo 2 - O Ser de Deus ................................................. 49 Capítulo 3 - Razão e Revelação ........................................... 95 Capítulo 4 - A Unidade de Deus ........................................... 105 Capítulo 5 - A Espiritualidade de Deus ................................ 115 Capítulo 6 - Os Atributos Divinos ..................................... 121 Capítulo 7 - A Imutabilidade de Deus .................................. 131 Capítulo 8 - O Poder de Deus ........................................... 143 Capítulo 9 - O Conhecimento de Deus ............................... 145 Capítulo 10 - Santidade, Bondade, Amor e Verdade ........... 155 Capítulo 11 - A Justiça de Deus ......................................... 165 Capítulo 12 - A Vontade de Deus ....................................... 173 Capítulo 13 - Os Decretos de Deus ................................... 185 Capítulo 14 - A Trindade .................................................. 197 Capítulo 15 - As Relações Pessoais na Trindade .................. 211 Capítulo 16 - As Relações Externas da Trindade ............... 233 Capítulo 17 - Criação ........................................................ 245 Capítulo 18 - A Criação de Anjos ........................................ 255 Capítulo 19 - Os Anjos Caídos ......................................... 265 Capítulo 20 - A Criação do Homem .................................. 275 Capítulo 21 - A Providência ............................................ 307 Capítulo 22 - A Queda do Homem .................................. 323 Capítulo 23 - Os Efeitos do Pecado de Adão ...................... 335 Capítulo 24 - A Liderança de Adão ................................. 345
Capítulo 25 - Cristo no Antigo Testamento ........................ Capítulo 26 - A Pessoa de Cristo ........................................ Capítulo 27 - Os Ofícios de Cristo .................................. Capítulo 28 - A Expiação de Cristo .................................. Capítulo 29 - Eleição ........................................................ Capítulo 30 - Reprovação ................................................. Capítulo 31 - O Chamado Externo e Eficaz ....................... Capítulo 32 - Regeneração e Conversão ............................ Capítulo 33 - Arrependimento ......................................... Capítulo 34 - Fé ............................................................... Capítulo 35 - Justificação .................................................. Capítulo 36 - Adoção ....................................................... Capítulo 37 - Santificação ............................................... Capítulo 38 - A Perseverança Final dos Santos ................ Capítulo 39 - A Morte e a Imortalidade da Alma ............. Capítulo 40 - A Segunda Vinda de Cristo e a Ressurreição ... Capítulo 41 - O Julgamento Final ...................................... Capítulo 42 - Os Estados Finais dos Justos e dos Ímpios ....
359 375 399 405 459 477 491 499 509 513 525 537 543 561 573 589 601 613
Apêndice 1 - Apresentação do “Resumo de Princípios” ......... 639 Apêndice 2 - Resumo de Princípios ................................... 647
Prefácio
Um Testemunho da Fé dos Antigos Batistas Há uma tendência, entre alguns batistas, a rejeitar qualquer formulação doutrinária mais elaborada. Mas, no passado, os batistas sempre afirmaram sua fé, ao longo da história da Igreja, por meio de confissões de fé. Por exemplo, entre os batistas na Inglaterra, podem-se citar a Confissão de Fé de Londres de 1644 e a Confissão de Fé Batista de 1689. E, entre os batistas nos Estados Unidos, podem-se mencionar a influente Confissão de Filadélfia, de 1742, e a Confissão de New Hampshire, de 1833. Esta, traduzida por Zachary C. Taylor para o português, foi adotada como padrão confessional da Convenção Batista Brasileira em 1916, até ser substituída em 1986, em sua 67ª Assembleia, realizada em Campo Grande – MS. Outros pregadores batistas que produziram individualmente confissões de fé foram John Bunyan, Benjamin Keach, John Gill e C. H. Spurgeon — que foi quem compilou o Catecismo Puritano, usado no Tabernáculo Metropolitano, em Londres, na Inglaterra.1 Essas antigas e influentes confissões de fé batistas, unanimemente, têm uma forte teologia trinitariana e cristológica, e afirmam o testemunho batista distintivo da natureza da igreja visível. E, apesar de também conterem algumas significativas diferenças teológicas e, evidentemente, um testemunho que, em
1 Para os textos originais destas e de muitas outras confissões de fé batistas, cf. W.J. McGlothlin, Baptist Confession of Faith, American Baptist Society, 1911; William L. Lumpkin. Baptist Confession of Faith, Philadelphia: The Judson Press, 1959.
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alguns casos, está condicionado pelo tempo e a cultura, há um espantoso núcleo comum entre essas confissões. Um apelo à suficiência e à supremacia das Sagradas Escrituras, a clara exposição da eleição soberana, incondicional e particular, uma afirmação da total corrupção da natureza humana, um firme testemunho de que a morte de Cristo na cruz é o único meio de expiação para o pecado do homem, a vital doutrina da justificação pela fé, a necessidade da conversão do coração como uma nova criação operada Espírito Santo e a ligação inseparável entre fé verdadeira e santidade pessoal. Com a afirmação dessas doutrinas, os antigos batistas colocaramse, claramente, no centro do cristianismo ortodoxo, juntamente com os reformadores, os puritanos e os evangelistas do Grande Despertamento ocorrido nos Estados Unidos e do Primeiro Avivamento que alcançou a Inglaterra. Nesse contexto, surge a seguinte pergunta: por que mais uma teologia sistemática, já que há tantas hoje disponíveis em língua portuguesa? Porque esta teologia que o leitor tem em mãos reveste-se de uma importância histórica imensa, pois apresenta a doutrina batista da forma como é confessada na Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos durante boa parte de sua história, e da forma como é encontrada em resumo nas antigas confissões de fé batistas acima citadas. Assim, o que a obra de James P. Boyce, que foi aluno de Charles Hodge no Seminário Teológico de Princeton, fundador, primeiro presidente e professor de teologia sistemática do Seminário Batista do Sul, em Louisville, entre 1859-1888, oferece aos seus leitores é um testemunho do que uma das mais importantes denominações batistas cria sobre revelação, Deus, pecado, salvação e escatologia em sua fundação e nos anos formativos.2 E o que pode espantar a muitos é que, se Boyce considerava a doutrina da eleição incondicional importante — e ele procurava fazer com que todos os 2 Em 1872, Boyce foi eleito presidente da Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos, cargo que ocupou até 1879 e, depois, novamente, em 1888.
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seus alunos a aceitassem —, também ensinava aos alunos como ter compaixão pelo ser humano perdido e fervor pela obra do evangelho. Assim, contrariando as opiniões populares, a doutrina da eleição e o dever de se pregar o evangelho permanecem juntos, como a obra de Boyce bem atesta. Três testemunhos de contemporâneos de Boyce podem comprovar essa ênfase dada igualmente à eleição soberana e à evangelização de todos: De acordo com o Rev. E. E. Folk: “[Boyce] era um grande professor. Podia obter mais estudo sólido e árduo de um rapaz do que qualquer outro professor cujas aulas já tive o privilégio de frequentar, com possivelmente uma ou duas exceções. Você tinha de saber bem a sua Teologia Sistemática; do contrário, não poderia recitá-la diante do Dr. Boyce. E, embora os jovens alunos geralmente fossem arminianos quando chegavam ao seminário, poucos chegaram ao fim do curso sem se converter aos seus fortes pontos de vista calvinistas”. A influência de Boyce foi atestada também sobre o Rev. F. D. Hale: “Quando começou a estudar Teologia Sistemática com Boyce, viu-se em meio a uma grande perplexidade doutrinária. Porém, acabou descobrindo que tudo isso tinha um valor inestimável. Aprendera a ter mais fé em Deus e a conceber o sistema do cristianismo como um todo; e (...) havia ganho uma tal apreensão das antigas doutrinas da graça como nunca antes tivera, por influência do Dr. Boyce. Tinha também aprendido com ele a amar a obra e simpatizar com as almas perdidas. Obteve um gozo, um zelo, uma esperança, uma fé e um amor pelo evangelho que jamais teria tido, não fora pelo Dr. Boyce”. Por fim, vale a pena citar John A. Broadus, também professor no Seminário Batista do Sul e autor de uma das mais influentes obras de homilética: “O livro do Dr. Boyce (...) está, de fato, inteiramente de acordo com o sistema de opinião teológica comumente designado por calvinismo. Muitos de nós cremos que esse é realmente o ensinamento do apóstolo Paulo, que foi elaborado por Agostinho e sistematizado e defendido por Calvino. E um corpo doutrinário
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que compele os homens a pensar, o que, por si só, já é uma grande vantagem. As objeções a esse sistema, segundo cremos, originam-se ou da má compreensão, ou da má aplicação, por causa de inferências equivocadas. Os homens admitem a predestinação e a eleição, e então negam a liberdade e a responsabilidade humanas; ou admitem a responsabilidade e a liberdade, negando a predestinação e a eleição. Em ambos os casos, porque não podem conciliar inteiramente esses dois aspectos da verdade teológica; e, assim, fazem de nossa capacidade de harmonizar coisas o limite da verdade possível e o critério para a interpretação das Escrituras”.3 Como Robert Selph afirma: “O Dr. Boyce acreditava na eleição incondicional e a ensinava. Essa eleição para a salvação não estava fundamentada na visão de Deus sobre o futuro, como quem tivesse visto que certos homens o escolheriam, para então elegê-los para a salvação. Pelo contrário, nossos antepassados batistas pregavam a soberania absoluta e incontestável de Deus, que escolhe os seus eleitos sem ser influenciado por coisa alguma em sua escolha, exceto o seu próprio beneplácito e sua misericórdia distinguidora”.4 Portanto, em grande medida por influência de Boyce, a posição da Convenção Batista do Sul, em seus primeiros oitenta anos, pode ser resumida numa carta escrita por Broadus, da Europa, sobre suas impressões acerca da cidade de Genebra: “As pessoas que escarnecem daquilo que se denomina calvinismo, com igual razão, poderiam desfazer da altura do monte Branco. Não estamos nem um pouco obrigados a defender todos os atos e opiniões de Calvino, mas não vejo como alguém que realmente entenda o grego do apóstolo Paulo, ou o latim de Calvino e Turretini, possa não enxergar que estes 3 Essas citações se encontram em Robert B. Selph, Os batistas e a doutrina da eleição, São José dos Campos, 1995, p. 54, 57-58. 4 Robert B. Selph, Os batistas e a doutrina da eleição, p. 14.
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últimos não fizeram outra coisa senão interpretar e formular substancialmente o que aquele primeiro ensinou”.5 Nesse contexto, o que o leitor encontrará nesta obra é a apresentação de uma teologia cristã baseada nas Escrituras Sagradas, em interação com os credos, as confissões de fé e outras obras teológicas importantes, sobretudo François Turretini e Charles Hodge, para oferecer àqueles que estão dispostos a estudá-la uma apresentação da teologia batista em sua melhor expressão.6 Assim, só podemos rogar que o Senhor Deus uno e trino use os esforços da Pro Nobis Editora para que, por meio do lançamento deste e de outros clássicos da tradição batista, renove a fé e o fervor dessa tão importante denominação cristã.
Franklin Ferreira, diretor-geral e professor de Teologia Sistemática e História da Igreja do Seminário Martin Bucer Jerusalém, Israel, em novembro do Ano de Nosso Senhor de 2019.
5 Idem, p. 58. 6 Vale destacar a venerável obra de John L. Dagg. Manual de teologia. São José dos Campos: Fiel, 1989, publicada originalmente em 1857, e que foi para muitos no Brasil a porta de entrada no estudo da teologia batista.