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A PERIFERIA NO CENTRO: UMA ANÁLISE SOBRE A IMPORTÂNCIA DOS CIDADÃOS DE BAIRROS “INVISÍVEIS” NA ECONOMIA DO CENTRO HISTÓRICO COMERCIAL DE SANTARÉM

A PERIFERIA NO CENTRO: UMA ANÁLISE SOBRE A IMPORTÂNCIA DOS CIDADÃOS DE BAIRROS “INVISÍVEIS” NA ECONOMIA DO CENTRO HISTÓRICO COMERCIAL DE SANTARÉM

INTRODUÇÃO

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Thatiane Flavienne De Vasconcelos Faria 1

Tá vendo aquele edifício moço Ajudei a levantar Foi um tempo de aflição, era quatro condução Duas pra ir, duas pra voltar Hoje depois dele pronto Olho pra cima e fico tonto Mas me vem um cidadão E me diz desconfiado “Tu tá aí admirado ou tá querendo roubar” Meu domingo tá perdido, vou pra casa entristecido Dá vontade de beber E pra aumentar meu tédio Eu nem posso olhar pro prédio que eu ajudei a fazer

Zé Ramalho - Cidadão

Santarém é reconhecida como uma cidade no meio da Amazônia que é marcada por grandes características indígenas e ribeirinhas, tendo estrategicamente sua localização no encontro do rio Tapajós com o Amazonas. A cidade nasceu na rota entre Belém e Manaus, tendo desenvolvido funções que a apresentaram como cidade-pólo, intensificando seu perímetro comercial urba

1 Estudante de Licenciatura em Geografia da Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA. E-mail: thaatianevasconcelos@gmail.com.

no com as chegadas das rodovias, um porto, garimpos e, mais recentemente, a soja, atraindo grandes fluxos migratórios, tais fatores contribuíram com a grande expansão da cidade em um pouco tempo, fazendo-se assim criar bairros com pouca ou nenhuma infraestrutura técnica e social que apareceram no entorno da área central. Art. 123. Ficam estabelecidos no Município de Santarém, a partir desta Lei, 48(quarenta e oito) bairros (PLANO DIRETOR DE SANTARÉM, 2018. P. 52), dos bairros existentes, bem menos da metade recebe investimento público, sendo os “não oficiais” e sumariamente marginalizados no planejamento urbano, fazendo com que a cidade enquanto bem social seja para poucos e até restritamente para a sua área central, por mais que sejam inseridos no plano diretor da cidade. Dessa forma, a presente pesquisa pretende analisar a importância da periferia enquanto fornecedora de mão de obra para o desenvolvimento econômico do perímetro central histórico comercial de Santarém e entender o fluxo desse contingente populacional enquanto cidadãos que têm direito à cidade e coexistem em bairros “invisíveis” com precária infraestrutura produzida pelos agentes transformadores do espaço que negam a sua existência.

METODOLOGIA

Tal trabalho foi realizado a partir de uma pesquisa de campo, baseado em entrevistas quantitativas com 123 pessoas que trabalham no central histórico comercial de Santarém, com o intuito de responder de forma analítica de quais bairros provinha essa mão de obra, visto isso, analisar se a cidade possibilita a estes citadinos, bem-estar enquanto cidadãos. A pesquisa também se baseou em levantamentos documentais, revisão bibliográfica e em artigos capazes de dar embasamento teórico para a problemática que norteou o trabalho.

DISCUSSÕES

Apesar de ter sido reconhecida como cidade no século XIX, é a partir de 1940 que o traçado da cidade começou a ser feito, estendendo sua territorialidade rente ao rio Tapajós e se alargando em direção aos bairros Prainha e Aldeia, logo em seguida “[...] nazona leste surgiram os bairros do Santíssimo e Santana. A Aldeia, entretanto, foi a que mais se expandiu, e foram criados os bairros de Fátima, Aparecida, Rodagem, Laguinho, Liberdade, Salé e Caranazal” (AMORIM, 1999 apud SILVA, 2001, p.36) 2 . Na década de 1970 no período da ditadura militar, onde foram efetivados investimentos de infraestrutura na Amazônia com os lemas “integrar para não entregar” e “terra sem homem para homem sem terra” foi construída a rodovia Curuá-Una (eixo N-S) significativo vetor de expansão da cidade. Logo em seguida a criação da rodovia Fernando Guilhon (eixo L-O) e, em área mais central, a rodovia BR-163 (Cuiabá- Santarém, também eixo N-S). Tais obras acompanharam a expansão urbana rapidamente, entre outros fatores, aos novos investimentos inseridos na cidade como a vinda de imigrantes norte-americanos, brasileiros nordestinos na esteira da produção da borracha, o cultivo do cacau, a produção e industrialização da juta e a exploração madeireira. “Na década de 1980 e 1990, a expansão se adensou, incentivada pela intensa migração das áreas rurais para a cidade, estimulada fortemente pela introdução da cultura da soja, especialmente na década de 1990” (OLIVEIRA, 2008). Todos esses acontecimentos foram de suma importância para o surgimento de bairros periféricos, atualmente estigmatizados devido à baixa infraestrutura. Nos bairros periféricos reside uma população de baixa renda, coabitando com a violência, muito presente nestas áreas e constituindo verdadeira expressão de exclusão e segregação (SERPA, 2002).

2 Área hoje conhecida como zona norte.

Ao inverso da periferia, a área central, dispõe de infraestrutura, com exceção da rede de esgoto, mas possui serviços básicos funcionando com regularidade e ocupada por classe abastadas constituídas por comerciantes, fazendeiros, políticos e por famílias tradicionais, descendentes de europeus (AMORIM, 1999 apud SILVA, 2001, p. 35). Isto remete a processos semelhantes em outras cidades, como diz Corrêa, “[...] os grupos de renda mais elevada residem em imóveis mais caros localizados em bairros onde o preço da terra é mais elevado.” (1989, p. 26). Este contraste fica claro a partir da visão de um tecido urbano, da ideia de urbanização homogenia na cidade onde “ aqui ou ali, as tensões tornam-se conflito, os conflitos latentes se exasperam: aparece então em plena luz do dia aquilo que se escondia sobre o “tecido urbano” (LEFEBVRE,1968, p.19). Mas, afinal, quem são os agentes e processos por trás de tal desigualdade e esquecimento? Esse espaço urbano fragmentando e ao mesmo tempo articulado é disputado por diversos agentes produtores do espaço, como os proprietários do meio de produção, sobretudo os grandes industriais, os proprietários fundiários, os promotores imobiliários, os grupos sociais excludentes e o estado que não é neutro. É possível notar que os bairros periféricos são territórios criados a partir de uma ótica de aproveitamento de mão de obra como explica Abreu (1986). Para ele, a convivência de espaços legais e “ilegais” na cidade, realiza-se na medida em que para haver acumulação do capital é necessário que o ilegal exista, pois assim fica garantida a oferta abundante de força de trabalho, barateando-a. E, ainda, permite ao Estado não tomar conhecimento oficial da existência dessas “periferias”, possibilitando, dessa forma, a sua atuação mais efetiva em outros locais ou setores mais “modernos” da economia. E no central histórico comercial de Santarém não se torna diferente, após o

levantamento de uma pesquisa quantitativa com 123 pessoas foi possível analisar que a grande maioria dos entrevistados moram em bairros periféricos com pouca infraestrutura, onde o trabalho é consequência para se ter um mínimo de cidadania, como segurança, saúde e lazer, não oferecidos pela cidade, por mais que lhe seja garantido tais direitos enquanto “as estratégias” desenvolvidas pelo Estado e pela sociedade para conviver com o ocultamento da cidade real. Porém, é ao sistema jurídico a quem compete oficialmente garantir a justiça e os direitos universais previsto na legislação, que as contradições são mais profundas “(MARICATO, 1996, p.11). Cidadãos esses que participam ativamente da economia da cidade, contudo continuam em bairros considerados “invisíveis”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Cidadãos em bairros “invisíveis” só se tornam visíveis a partir do trabalho, marginalizando as outras dimensões da vida. Isso significa que a cidade não permite ao trabalhador periférico o pleno acesso ao lazer, à infraestrutura e à segurança no lugar onde vivem, mas sim o limita a um mero valor de uso - um “trabalho- -mercadoria” enquanto o acesso aos bens públicos urbanos é restrito majoritariamente aos moradores da área central, onde se localiza a elite local. “Viver, tornar-se um ser no mundo, é assumir, com os demais, uma herança moral, que faz de cada qual um portador de prerrogativas sociais. Direito a um teto, à comida, à educação, à saúde, à proteção contra o frio, à chuva, às intempéries; direito ao trabalho, à justiça, à liberdade e a uma existência digna (SANTOS,1987, p.19). Concluímos com um questionamento: Quem é cidadão em Santarém?

Palavras-chave: Santarém; periferia; centro; bairros invisíveis.

REFERÊNCIAS

CORRÊA, Roberto L. O espaço urbano. São Paulo: Ática, 1989. (Série Princípios).

LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Moraes, 1991.

MARICATO, Ermínia. Metrópole na periferia do capitalismo: legalidade, desigualdade e violência. São Paulo: Hucitec, 1996.

Oliveira, Janete Marília Gentil Coimbra de. Expansão urbana e periferização de Santarém-PA, Brasil: questões para o planejamento urbano. Diez años de cambios en el Mundo, en la Geografía y en las Ciencias Sociales, 1999-2008. Actas del X Coloquio Internacional de Geocrítica, Universidad de Barcelona, 26-30 de mayo de 2008 SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. São Paulo: Nobel, 1987. (Coleção espaços).

SERPA, Ângelo. (Org.). Fala periferia! Uma reflexão sobre a produção do espaço periférico metropolitano. Salvador: Edufba, 2002.

SILVA, Cristiane A. Crescimento urbano e periferização em Santarém: estudo do bairro do Amparo. 2001. Monografia (Curso de Graduação em Geografia), Universidade Federal do Pará, Belém.

SANTARÉM. Prefeitura Municipal de Santarém. Plano diretor de Santarém. Minuta do projeto de lei de revisão do plano diretor de Santarém. Belo Horizonte: Prefeitura de Belo Horizonte, 1995.

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