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CARTOGRAFIA PARTICIPATIVA COMO INSTRUMENTO PARA PRESERVAÇÃO: REFLEXÕES A PARTIR DA EXPERIÊNCIA NA PRAÇA FARIA NEVES, RECIFE- PE

CARTOGRAFIA PARTICIPATIVA COMO INSTRUMENTO PARA PRESERVAÇÃO: REFLEXÕES A PARTIR DA EXPERIÊNCIA NA PRAÇA FARIA NEVES, RECIFE- PE

Ana Betânia S. P. Martins 1

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INTRODUÇÃO

A promoção de participação social nas políticas públicas de preservação é uma necessidade cada vez mais evidente na gestão do patrimônio cultural, em especial dos patrimônios urbanos cuja complexidade do contexto interfere também sobre a proteção de bens culturais. Tal necessidade de criação de espaços de participação social tem permeado, por exemplo, os debates sobre o planejamento da gestão 2 do conjunto de praças-jardins históricos de Burle Marx no Recife, tombados pelo poder público federal. No sentido de incrementar essa discussão sobre o uso das metodologias participativas na preservação, a presente pesquisa delimitou como objetivo a criação de uma oficina de cartografia participativa como uma metodologia interessante a ser utilizada no processo de planejamento da conservação. Descrever o desenvolvimento da aplicação dessa metodologia de Cartografia Participativa na praça Faria Neves, uma das praças-jardins tombadas no Recife e discutir seus resultados preliminares à luz da literatura são os objetivos deste trabalho.

CARACTERIZAÇÃO DA PRAÇA COMO JARDIM HISTÓRICO

1 Geógrafa pela UFPA. Estudante de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. E-mail: anabetamb@gmail. com. Currículo Lattes: <<http://lattes.cnpq.br/3260470015817701>> 2 Foram tombadas em 2015, além do jardim da Praça Faria Neves, outros cinco jardins históricos públicos no Recife, a saber: a Praça Euclides da Cunha ou Cactário da Madalena (1935), a Praça de Casa Forte (1935), a Praça do Derby (1936), a Praça da República e Jardim do Palácio do Campo das Princesas (1937) e a Praça Salgado Filho ou do Aeroporto (1957).

A Praça Faria Neves, uma das praças reconhecidas por abrigar a marca do paisagista Burle Marx, situa-se em frente ao Parque Estadual Dois Irmãos (PEDI), mais conhecido como o jardim zoológico da cidade do Recife. Também por essa localização é mais conhecida como Praça de Dois Irmãos, a denominação do próprio bairro em que se encontra. Ao projetar esta praça com um jardim modernista em 1957, Burle Marx teve como ponto focal resguardar o “espírito do lugar” como um local de lazer, criando ali um ambiente vegetado e com brinquedos para crianças, entre estes destaca-se um brinquedo de concreto característicos de outros projetos do paisagista. Além de atender as famílias da vila dos funcionários da Companhia do Beberibe, localizada em frente à praça, serviu também como local de circulação para pessoas de outros bairros, pois abrigava uma estação do bonde elétrico de Recife, que durante as primeiras décadas do século XX foi o principal meio de transporte público coletivo que dava acesso aos arrabaldes da cidade e, notadamente, à esta área, até então já conhecida como espaço de lazer e visitação ao antigo Horto municipal3 (COSTA, 2001; SEMAS, 2014). Em meados dos anos 2000, por iniciativa do grupo de pesquisa Laboratório de Paisagem do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFPE em parceria com a Prefeitura de Recife realizou-se o projeto de restauração que foi concluído em 2006 (SÁ CARNEIRO et al, 2007). Vale destacar que, de acordo com a equipe responsável pelo projeto de restauro (SÁ CARNEIRO et al, 2007), a participação

3 O Horto Zoobotânico foi inaugurado com esta denominação em 1939, mas já existia como horto florestal desde 1916, segundo informações cronológicas disponíveis no seu Plano de Manejo (SEMAS,2014). Já a circulação de bondes nessa região data de 1917, quando os trilhos da linha foram implantados na área onde hoje é a Praça Faria Neves (Sá Carneiro et al, 2007.

da população foi fundamental, desde o princípio do projeto. A necessidade de uma obra de restauração da praça não se restringiu à conservação do jardim, mas levou em conta as reclamações da comunidade do entorno da praça junto à prefeitura do Recife sobre uso e apropriação indevida daquele espaço público como estacionamento, ponto de ônibus e espaço para festas que danificavam sobremaneira o local. A participação deu-se ativamente também por meio do uso das informações fornecidas pelos moradores sobre a configuração original do espaço da praça, seu mobiliário e plantas que compunham a ideia de Burle Marx. Conforme descrevem Sá Carneiro e colegas (2007), tais depoimentos foram fundamentais para embasar a restauração, pois o projeto original não foi encontrado. O acesso às memórias ressaltou a relação de afeto com quem vivencia rotineiramente a praça e atribui a ela sentido de lugar, entendido como “ato simbólico de dotar de significados o espaço no qual um indivíduo mais frequentemente interage (SOUZA, 2013). No sentido de garantir políticas públicas efetivas de preservação para essas praças-jardins, foi feita a solicitação de tombamento ao IPHAN, concedido em 2015. As praças-jardins projetadas por Burle Marx foram inscritos como bens culturais do patrimônio cultural brasileiro do tipo jardins históricos em três livros de tombo: livro Histórico, livro de Belas Artes e livro Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico. Desde então, o desafio tem sido o planejamento da conservação desses espaços. Logo, esta se apresentou como uma oportunidade para pensarmos na aplicação da cartografia participativa como uma metodologia interessante para ser utilizada no processo de discussão sobre as prioridades para conservação das praças-jardins.

METODOLOGIA

Parte-se da compreensão de que a pesquisa científica e a própria ação de cartografar são formas de intervenção social e política sobre a realidade estudada (ACSERALD; COLI, 2008; HARLEY, 2009 [1988]) e tendo como norte os princípios metodológicos da pesquisa-ação que propõe que “(...) a pesquisa-ação é centrada na prática, na ação, na experimentação social; pretende intervir com o intuito de modificar uma situação social ou psicossocial ” (DIONNE, 2007, p.28), elaboramos uma oficina de cartografia participativa para discutir as prioridades de conservação na perspectiva dos moradores do entorno e traduzir essa visão na linguagem do mapa (MARTINS, 2008; LAKATOS; MARCONI, 1983). Dividimos a oficina em dois momentos: apresentação dos participantes e discussão da temática da oficina e a segunda parte consistiu na confecção dos mapas participativos propriamente ditos. No primeiro momento, identificou-se com os moradores do entorno da Praça Faria Neves os principais elementos que fazem da praça um lugar de referência cultural para eles; nesta etapa realizamos uma roda de conversa, exposição de fotografias, lista de palavras-chave e a Dinâmica da Teia. Na segunda etapa, com base nos conceitos que surgiram durante a discussão da temática e nas palavras-chave escolhidas (conservação, destruição, memória, história) passamos a dialogar sobre as prioridades de conservação do bem cultural e propusemos o mapeamento participativo dos lugares de referência da praça e também dos lugares que seriam prioridade de cuidado e conservação, utilizando para isso uma planta da praça impressa em tamanho grande (Papel A2) para visualização e desenho dos elementos mapeados pelos participantes.

Dinâmica da teia e discussão de palavras-chave relacionadas à preservação do patrimônio. Confecção dos mapas: moradora assinala na planta da praça os elementos a serem conservados.

Foram desenhados dois mapas, o primeiro buscou destacar os elementos de referência para os moradores que foram assinalando esses locais por meio de perguntas norteadoras como “quais os principais elementos da praça”? “O que faz a praça diferente das demais da cidade? Quais os lugares mais importantes da praça para vocês? Por quê?”. O 1º mapa que indica os lugares considerados mais importantes – seja por pontos positivos ou negativos – na praça segundo os moradores. Para a confecção do 2º mapa, partimos dos locais mais lembrados e apontados como distintivos da praça, para os lugares que mais precisavam de cuidados, sempre estimulando que os próprios participantes pudessem assinalar no mapa esses lugares com as canetas coloridas. Foi criada uma legenda para cada mapa e finalizada a oficina passamos ao trabalho de laboratório para digitalização dos mapas participativos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ainda que os resultados da oficina ainda estejam em análise é possível esboçar as primeiras avaliações da aplicação da metodologia. Primeiramente, é importante destacar o perfil dos moradores composto por lideranças locais. Desse modo, mesmo que o grupo que compareceu para a oficina tenha sido aparentemente pequeno,

entre os participantes estavam pessoas interessadas em contribuir com a discussão sobre a preservação da praça. Outro ponto interessante na realização da cartografia participativa no caso em estudo foi a confirmação da existência do sentido de Lugar pelo envolvimento afetivo com o espaço (SOUZA, 2013), que era aventado como hipótese baseado na observação direta prévia à oficina e com base no relato da experiência do restauro. Essa relação parece ter relação direta com a participação ativa dos moradores na oficina, principalmente, de uma das moradoras que além de participar da oficina fez a mobilização dos vizinhos e cedeu a garagem de sua casa para a realização da atividade. Quanto à dinâmica da oficina enfrentou-se alguns desafios, pois o local não era ideal para desenvolvimento da atividade, já que as mesas que haviam disponíveis para desenhar no mapa eram baixas, o que dificultou um pouco para os mais idosos e, também, o tempo foi curto para trabalhar elementos do mapa. Verificou-se a necessidade de uma “alfabetização cartográfica” com os membros do grupo (ALMEIDA; PASSINI, 1994). No que se refere aos propósitos da pesquisa-ação, acredita- -se que esta foi uma etapa importante para a mobilização dos moradores no sentido de definir suas prioridades de demandas não só sobre a praça, mas também sobre outros problemas relacionados aos serviços urbanos daquela região da cidade. Tal ação pretende se antecipar as possíveis intervenções futuras, uma vez que a prefeitura Municipal de Recife se encontra em fase de elaboração dos planos de gestão efetivos para os Jardins de Burle Marx em Recife. A discussão entre os moradores sobre o que conservar e como fazê-lo através dos mapas pode contribuir concretamente para o processo de participação política também em torno não só da discussão da preservação da praça, mas de outras questões relacionadas a cidadania que foram acionadas durante a oficina.

Palavras-chave: Cartografia Participativa; Patrimônio; Espaço público; Geografia.

REFERÊNCIAS

ACSERALD, Henri; COLI, L. R. Disputas territoriais e disputas cartográficas. In: ACSERALD, H (Org). Cartografias sociais e território. Rio de janeiro: UFRJ/IPPUR, 2008.

ALMEIDA, R. D.; PASSINI, E. Y. O espaço geográfico: ensino e representação. 12 ed. São Paulo: Contexto, 2002.

DIONNE, H. (2007). A pesquisa-ação para o desenvolvimento local. Brasília: Liber.

HARLEY, Brian. Mapas, saber e poder. IN: Confins [Online], 5 | 2009. Disponível em: <http://confins.revues.org/5724>. Acesso em: 02 Mar. 2013.

MARCONI, M. LAKATOS, E. Técnicas de pesquisa: planejamento e execução de pesquisas, amostragens e técnicas de pesquisas, elaboração e interpretação de dados. São Paulo: Atlas, 1996.

MARTINS, G de A. Estudo de caso: uma estratégia de pesquisa. 2ed. São Paulo: Atlas, 2008.

SÁ CARNEIRO, A. R. S.; FIGUEROA SILVA, A.; MAFRA, F. Restaurando o jardim moderno de Burle Marx: a Praça Faria Neves no Recife-PE. In: Anais do 7º Seminário Docomomo. Brasil. Porto Alegre: PROPAR UFRGS, 2007.

SOUZA, M. L. Os conceitos fundamentais da pesquisa sócio-espacial. I Ed: Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013. 320 p.

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