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DINÂMICAS TERRITORIAIS URBANAS EM SANTARÉM-PA E A OCUPAÇÃO VISTA ALEGRE DO JUÁ
DINÂMICAS TERRITORIAIS URBANAS EM SANTARÉMPA E A OCUPAÇÃO VISTA ALEGRE DO JUÁ
Erick Rodrigo Porto Pinho 1 Ana Beatriz Oliveira Reis 2
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INTRODUÇÃO
Santarém, principal centro urbano no Baixo Amazonas, vem sendo impactada, nessas últimas décadas, por dinâmicas exógenas de crescimento com as novas estruturas econômicas que alteram processos de povoamento e de expansão urbana da região. Com isso, o acesso ao solo urbano, seu uso e ocupação, é dificultado pelo valor cada vez mais caro dos terrenos. Muitos bairros têm sofrido com o consequente aumento do custo de vida, sendo objetos de especulação imobiliária, não cumprindo com o princípio constitucional da função social da propriedade urbana, ou seja, não atendendo a obrigação de edificar, utilizar ou parcelar. Esse processo contribui para a formação de ocupações urbanas no município como alternativa para o exercício do direito à moradia das famílias que não conseguem arcar com o preço cada vez mais alto do solo urbano. Dentre essas ocupações urbanas, a ocupação Vista Alegre do Juá destaca-se como a maior delas, tendo sido iniciada em 2009 e hoje formada por cerca de três mil famílias que buscam exercer o direito à moradia e fomentar o debate público entre este em contraposição ao direito à propriedade e às dinâmicas exógenas que influenciam no ordenamento do espaço urbano.
1 Bacharel em Gestão Pública e Desenvolvimento Regional. Estudante de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA. Integrante do grupo de pesquisa “O Direito à Cidade em Santarém-PA: instituições e atores”. E-mail: rodrigo. rpcd-pinho@hotmail.com. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3435755770963934. 2 Professora de Direito do Programa de Ciências Econômicas e Desenvolvimento Regional da Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA. Coordenadora do grupo de pesquisa “O Direito à Cidade em Santarém-PA: instituições e atores”. E-mail: reis. aboliveira@gmail.com. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8425524082989615 .
Nesse contexto, o presente trabalho tem como objetivo conhecer as dinâmicas de uso e ocupação do solo na cidade de Santarém por intermédio do estudo de caso da ocupação urbana Vista Alegre do Juá.
METODOLOGIA
Este trabalho apresenta-se como um estudo inicial do plano de trabalho “O direito à cidade e as ocupações urbanas em Santarém-PA: um estudo de caso sobre a ocupação Vista Alegre do Juá”, desenvolvido no âmbito do projeto de pesquisa “O direito à cidade em Santarém: instituições e atores”. O método de pesquisa utilizado é o estudo de caso, por ser aquele que permite compreender a dinâmica do direito à cidade na sua contemporaneidade (YIN, 2010, p. 29). No campo teórico, utilizou-se da técnica de pesquisa de revisão bibliográfica valendo-nos dos estudos de diferentes áreas sobre as temáticas relacionadas à questão urbana e ao direito à cidade. Na construção do campo empírico, vem sendo utilizadas as técnicas de pesquisa de análise documental, entrevistas semiestruturadas (conversas guiadas), que se deu inicialmente com a liderança do Movimento dos Trabalhadores em Luta por Moradia (MTLM), bem como a observação direta de processos que envolvem a ocupação Vista Alegre do Juá. Técnicas estas que ainda pretendemos aplicar aos demais moradores da ocupação.
DISCUSSÕES
Manuel Castells (1977), em seus estudos sobre o fenômeno urbano, mostra que há na Europa um modelo de urbanização o qual está associado com a industrialização e que esse modelo é também um padrão que vem ocorrendo no Brasil a partir dos anos 1950. No entanto, Edna Castro (2008) faz uma crítica de que esse modelo não pode servir de fundamento para explicar as cidades na Amazônia, por não refletir as dinâmicas socioeconômicas, demográficas e étnicas da região. Segundo a autora, a densidade
populacional na Amazônia é muito menor que em qualquer outra região do Brasil e boa parte dessa população mantém relação direta com a floresta e rios, onde destaca-se a informalidade dos processos de trabalho, correspondendo, portanto, a um padrão de ocupação e especialidade menos concentrado. Contudo, nas últimas décadas o município de Santarém tem experimentado intensas transformações no seu espaço, fomentadas pelos programas governamentais de expansão da fronteira agrícola associadas à estrutura urbana, como a abertura das Rodovias Transamazônica (BR-230) e Cuiabá-Santarém (BR-163), e também com a chegada da produção da soja. Essas dinâmicas exógenas se confrontam com práticas tradicionais locais, elevando o preço da habitação e causando uma apropriação diferenciada e excludente do solo urbano e incentivando a especulação imobiliária (CASTRO, 2008). Esses fenômenos intensificam cada vez mais os conflitos fundiários urbanos existentes em Santarém e, dada a expansão constante do município, fazem com que a população de baixa renda passe a ocupar as áreas periféricas, destituídas de serviços públicos básicos que atendam às necessidades de seus moradores. Santos Júnior (2011) esclarece que essas formas de apropriação e uso da moradia e solo urbano são determinadas segundo a posição na estrutura social de certos agentes, fato este que ameaça a reprodução social de outros, causando a desigualdade no acesso à terra. Santarém possui uma estimativa populacional de 296.302 habitantes, de acordo com o IBGE (2017). Os dados mais atuais disponíveis, apontam que o déficit habitacional do município correspondia a 28.808 famílias no ano de 2010, de acordo com a Plano de Habitação de Interesse Social. O município foi contemplado por dois residenciais do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV), o Residencial Salvação, entregue em maio de 2016 e constituído por 3.081 unidades habitacionais, e o Residencial Moaçara, que ainda não foi entregue aos munícipes locais.
Apesar do significativo número de oferta de casas destinadas à população de baixa renda, estas ainda não atendem totalmente ao déficit habitacional de Santarém, ou seja, mais de 25 mil famílias ainda exercem precariamente esse direito, seja habitando lugares em más condições ou comprometendo a maior parte do orçamento familiar com as despesas de aluguel. Fatos estes que justificam o aumento do fenômeno das ocupações urbanas no município. Dentre as principais ocupações urbanas de Santarém, a maior em extensão territorial e populacional é a Vista Alegre do Juá, que atualmente ocupa uma área superior a 100 hectares, onde residem mais de 3.000 famílias, de acordo com dados obtidos na pesquisa in loco. Iniciada em 2009, é uma das ocupações mais permeadas por conflitos fundiários por localizar-se entre uma Área de Proteção Ambiental e outra fortemente disputada pelo mercado imobiliário. Contudo, a articulação do Movimento dos Trabalhadores em Luta por Moradia (MTLM), protagonistas da luta pelo acesso ao solo urbano e o direito à moradia em Santarém, contribuiu para o fortalecimento e resistência do movimento frente às pressões sofridas, onde incluem-se duas reintegrações de posse executadas, o que não impediu os ocupantes de retornarem e manterem-se na área até hoje. A ocupação está situada na Avenida Fernando Guilhon – um dos principais vetores rodoviários de Santarém, que dá acesso ao aeroporto da cidade – confronte ao Residencial Salvação e laterais do Rio Tapajós Shopping e da área na qual a empresa Buriti Empreendimentos e Construções Ltda vem tentando se estabelecer. Com seus 2.500 metros de fundo, espraia-se até próximo à praia do Juá. A motivação de escolha do espaço, segundo a liderança da ocupação – Margarete Teixeira –, foi em razão de não estar cumprindo com a sua função social e, além do mais, por estar servindo como local de despejo de resíduos sólidos, esconderijo para malfeitores, sendo um local de grande depressão e risco para a população.
Assim, esses sujeitos desfavorecidos pela ausência de habitações adequadas e por políticas sociais, viram a oportunidade de contrapor essa realidade ao decidirem ocupar a área, vislumbrando o reconhecimento futuro do poder público. No entanto, encontra-se expedido desde 2015 o terceiro mandado de reintegração de posse, o qual ainda não foi executado e, segundo Margarete, a prefeitura não tem apresentado propostas conciliadoras em contrapartida. Este fato demonstra que o problema habitacional não se encontra na agenda política do município ou que este esteja buscando favorecer os interesses do capital imobiliário, considerando que a área onde encontra-se a ocupação tem sido reivindicada pela empresa Buriti Ltda. Iniciativas como a do MTLM e o movimento popular que deu início à ocupação, são concebidas por Maria da Glória Gohn (2011, p. 335) como sendo “ações sociais coletivas de caráter sociopolítico e cultural que viabilizam formas distintas de a população se organizar e expressar suas demandas”, cujas estratégias vão desde mobilizações às pressões em prol da resistência à exclusão social que vêm sofrendo. Dessa forma, a ocupação Vista Alegre do Juá emerge como um importante movimento popular na busca pela efetivação do direito à moradia, por meio de um processo autogestionário. Ao mesmo tempo, não objetivam unicamente o acesso à moradia, embora seja sua principal bandeira de luta, mas também em participar da construção e gestão do espaço urbano do município de forma mais condizente e que atendam às necessidades dos seus habitantes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Resta claro, diante do presente estudo de caso, que a cidade é um espaço em disputa e de conflitos urbanos, podendo ser analisados como reflexos da nossa estrutura fundiária, extremamente desigual, onde o direito à propriedade privada, inserido no ordena-
mento jurídico, prevalece sobre a posse, não se efetivando a função social da propriedade, um importante instrumento de política urbana, também inserido na Constituição de 1988. No seio desse ambiente de disputa e da lógica capitalista de produção do espaço urbano, surgem movimentos populares de resistência que se organizam em ocupações urbanas, como no caso da ocupação Vista Alegre do Juá, que lutam pela (re) inclusão no espaço do qual foram segregados. É uma luta que vai além do direito de morar, pois envolve também o direito de fazer parte da cidade, quando questionam as formas como são concebidas as condições de existência na mesma, contrapondo-se ao urbanismo de classes existente, como expõe Lefebvre (2002), e a consequente ideologia redutora da prática do habitar. O estudo e considerações aqui apresentados não pretendem ser conclusivos. Ao contrário, pretende-se, a partir deste, fomentar um debate atual e necessário na cidade de Santarém tendo em vista as novas dinâmicas de uso e ocupação do urbano que se impõem na região e que impactam significativamente na vida dos diversos sujeitos que vivem na cidade. Estudos mais aprofundados no sentido de uma melhor compreensão do conteúdo do direito à cidade mobilizado pelos moradores da ocupação, o perfil desses moradores e a atuação do MTLM se darão com o avançar da pesquisa.
Palavras-chave: Dinâmicas Territoriais; Ocupações Urbanas; Vista Alegre do Juá; MTLM.
REFERÊNCIAS
CASTELLS, Manuel. A questão urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014.
CASTRO, Edna (Org.). Cidades na Floresta. – São Paulo: Annablume, 2008.
GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais na contemporaneidade. Revista Brasileira de Educação v. 16 n. 47 maio-ago. 2011. p. 333-361.
IBGE. Estimativa da população em 2016 de Santarém-PA. Disponível em: <http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?lang=&codmun=150680&idtema=130&search=para%7Csantarem%7C-> Acesso em: 08.ago.2017.
LEFEBVRE, Henri. A Revolução Urbana. Belo Horizonte: Humanitas, 2002.
SANTARÉM. Plano Municipal de Habitação de Interesse Social. Secretaria Municipal de Planejamento e Coordenação Geral, 2010.
SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. A Produção Capitalista do Espaço, os Conflitos Urbanos e o Direito à Cidade. In: SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos; CHRISTOVÃO, Ana Carolina; NOVAES, Patrícia Ramos (Orgs.). Políticas públicas e direito à cidade: programa interdisciplinar de formação de agentes sociais e conselheiros municipais. Rio de Janeiro: Letra Capital: Observatório das Metrópoles: IPPUR/UFRJ, 2011. p. 67-74.
YIN, Robert. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 4.ed. Porto Alegre: Bookman, 2010.