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Um jornal dos trabalhadores na luta pelo socialismo R$ 2,00
Brasil, maio de 2015 - Ano 15 - Nº 172
Terceirização diminui salário
e aumenta desemprego
Agência Câmara
Para aumentar seus lucros, patrões querem aprovar lei das terceirizações
Para enganar o povo, os empresários e os grandes meios de comunicação divulgam a mentira de que a terceirização vai criar empregos. Mas a verdade é que o PL 4.330, além de diminuir o salário do trabalhador, vai provocar uma onda demissões no país. O projeto também aprofunda a superexploração, pois, como comprovou estudo do Dieese, os trabalhadores terceirizados
recebem 24,7% a menos e trabalham, em média, três horas a mais por semana do que os contratados diretos que exercem a mesma tarefa. E tem mais: entre 2000 e 2013, dos 3.553 casos de trabalhadores resgatados que trabalhavam em condições análogas às de escravidão, 3.000 eram terceirizados. Página 3 FA
Há 70 anos, Exército Vermelho
derrotava o nazifascismo Arquivo
“Para Berlim!” era a palavra de ordem do exército libertador. Não foi um passeio. A resistência nazista, embora enfraquecida, produzia encarniçados e sangrentos combates. Os russos vitoriosos não mataram, não pilharam, não se vingaram dos crimes cometidos pelo exército alemão no solo soviético. Conheça a verdadeira história de como o Exército Vermelho soviético, comandado por Jose Stalin, salvou a humanidade do nazifascismo. Página 12 maio de 1945: população búlgara comemora vitória
“Nenhuma mulher deve ser presa por fazer um aborto” Leia entrevista exclusiva da senadora Constanza Moreira, do partido Frente Ampla, do Uruguai, na página 5.
Reduzir maioridade não diminui criminalidade Página 7
Senadora uruguaia Constanza Moreira
Alemanha deve 28 milhões de euros à Grécia - Página 9 Consciência de classe e transformação histórica - Página 11
2 Maio de 2015
BRASIL
FRASE DO MÊS “Estamos ficando sem mundo. Os violentos chutam ele como se fosse uma bola. Jogam com ele, esses senhores da guerra, como se ele fosse uma granada de mão; e os mais vorazes o espremem como um limão. Nesse passo, temo que, mais cedo que tarde, o mundo poderia não ser mais que uma pedra morta girando no espaço, sem terra, sem água, sem ar e sem alma”. “Disso se trata, senhor Futuro. Eu lhe peço, nós lhe pedimos, que não se deixe desalojar. Para estarmos, para sermos, necessitamos que o senhor siga estando, que o senhor siga sendo, que nos ajude a defender sua casa, que é a casa do tempo”. Eduardo Galeano (1940-2015), “Carta ao Senhor Futuro”.
O MLB e a importância das reuniões nos bairros A Verdade
A Região do Grande ABC Paulista é composta por cidades metropolitanas do Estado de São Paulo, dentre elas São Bernardo do Campo, cidade mais rica da região, com maior população e área territorial, sendo uma das potências do país. Nos anos de 1978, quando o Brasil ainda vivia sob a ditadura militar, a região ficou conhecida pela luta dos operários, que desencadearam uma série de imensas greves. Desde a década de 50, o Município de São Bernardo tem sua economia baseada na indústria automobilística – sede das primeiras montadoras de veículos do Brasil, tais como Volkswagen, Ford, Scania, Toyota, Mercedes-Bens, além das indústrias de autopeças que as suportam, de indústrias de tintas, como a Basf, que produz as tintas Suvinil, e da maior planta industrial do mundo de dentifrícios da Colgate-Palmolive. Com todas essas características, a necessidade de uma profunda reforma urbana nas cidades do ABC é urgente. São Bernardo viu, na última década, o número de famílias que vivem de forma inadequada mais que dobrar. De acordo com o IBGE, em 2000, o déficit habitacional da cidade era de 12 mil unidades. Atualmente, dados da Secretaria de Habitação apontam que esse número chega a mais de 35 mil. Por esses motivos, o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) está organizado em sete bairros
da cidade núcleos que realizam reuniões semanais para debater e estudar com as famílias que não possuem moradia própria o problema do déficit habitacional. Boa parte dessas famílias vive de aluguel, moram de favor ou em áreas de risco. Os preços dos aluguéis na cidade dispararam e quem mora de favor sente a humilhação que passa diariamente, sem contar as que vivem em áreas de risco e não tem para onde ir. Nas reuniões do MLB são fei- Aluguel caro empurra famílias para áreas de risco tos estudos e debates sobre o Estatuto da Cidade, o Plano Diretor e a Cons- ficuldades. Cada companheiro tem a tarefa de contribuir com a luta, garantir tituição Brasileira, no que diz sobre o dique haja reuniões e que se espalhe a luta reito à moradia digna e organizadas pando MLB por mais locais. Se hoje estafletagens e a divulgação do movimento mos em sete bairros é porque crescemos para que mais pessoas participem. e é sinal que vamos crescer muito mais. Como sempre, muitos chegam Que jamais se duvide da união e da capacom dúvidas sobre as ocupações urbacidade de mobilização do povo! nas e, quando é terminada uma reunião, Hoje, o principal debate nos núcleagradecem e logo se dispõem a ajudar, os do MLB são as medidas que os gocrescer, desenvolver o movimento, provernos vêm tomando contra a classe trapagandear, realizar brigadas nas feiras balhadora. Apesar de termos os planos colagem de cartazes e atividades cultudiretores das cidades e o direito assegurais, como almoços beneficentes, bazar, etc. Todos esses trabalhos nos bairros es- rado pela Constituição, o que vemos é a política urbana sempre submetida à vontimulam o espírito coletivo, educando o tade dos grandes proprietários de terras povo pobre para a necessidade de lutar e construir uma sociedade socialista. nas cidades. A forma como estão sendo construídas moradias populares privileCom as atividades dentro e fora das reuniões, podemos notar que os bair- gia mais as construtoras do que resolve ros vêm se fortalecendo e provando a so- o problema habitacional. Sabemos que os recursos nas mãos do movimento perlidariedade do povo pobre diante das di-
Presidente da UP faz rodada de visitas no Nordeste Para impulsionar a campanha de apoiamento da Unidade Popular pelo Socialismo (UP), o presidente nacional da UP, Leonardo Péricles, cumpriu um calendário de visitas aos Estados de Pernambuco, Alagoas, Paraíba, Ceará e Piauí. Leonardo se reuniu com lideranças, concedeu entrevistas, participou de atos, manifestações e se reuniu com representantes da Justiça Eleitoral com o objetivo de divulgar a Unidade Popular, seus propósitos, metas e principalmente o programa proposto para construção de um país com justiça social e dirigido, de fato, pelos trabalhadores. Em Pernambuco, nos dias 22 e 23 de abril, a agenda incluiu participação na coleta de assinaturas de apoio na Contax, maior empresa de telemarketing de Recife em conjunto com sindicalistas do Sintelmarketing-PE; na CAEL, empresa de limpeza urbana, em Olinda, com o apoio de dirigentes do Sindlimp-PE; e na Alpargatas-Dupé, empresa de calçados na cidade de Carpina junto com a diretoria do Sindcalçados. Ainda foram concedidas entrevistas em jornais de grande circulação, repercutindo a visita do presidente da UP. No dia 24, em MaceióAL, foram concedidas entrevistas a quatro programas de rádio e mais duas entrevistas a jornais impressos, além de um portal de notícias. Na sequência, foi realizada uma plenária
no Sindicato dos Trabalhadores da Universidade Federal de Alagoas (Sintufal), que contou com a presença de 30 militantes. Já no dia 25, Leonardo esteve em João Pessoa-PB, onde participou, durante todo o dia, de uma reunião de planejamento e formação política com o Diretório Estadual Provisório da UP. À noite, foi realizado, na sede do Sindicato dos Trabalhadores da Limpeza Urbana da Paraíba, um ato político de apresentação da UP, que contou com a presença de 70 pessoas, entre moradores da Ocupação Nelson Mandela (do MLB), dirigentes sindicais do Sindlimp, Stiupb, Sindjor e Sindmae e militantes do Movimento de Mulheres Olga Benario, do PCR e da UJR. Membros do Diretório Estadual do PSOL também marcaram presença no ato. Para Wilton Maia, presidente do Stiupb e presidente da UP na Paraíba, “este é um partido que já nasce com a cara do povo trabalhador. Queremos que ele seja um instrumento de luta da classe, apoiado na organização das pessoas nos seus bairros, nos locais de trabalho, no movimento cultural, nas universidades, etc.”. No dia 29 de abril, Leonardo Péricles esteve em Fortaleza, onde, pela manhã, concedeu entrevistas à imprensa e, pela tarde, participou de um ato na Praça do Ferreira, palco de lutas históricas do povo cearense.
Concluindo o giro pelo Nordeste, o presidente da UP esteve no Piauí, onde visitou a imprensa e participou de um combativo ato pelo Dia Internacional dos Trabalhadores, junto com servidores do Judiciário Federal que estão em luta por seus direitos e contra o Projeto de Lei das Terceirizações. Para a direção da Unidade Popular pelo Socialismo, a batalha pela construção da legenda é hoje uma questão central para a luta de classes no Brasil, e não se trata de construir apenas uma legenda eleitoral. Aproxima-se, no Brasil, o fim de um ciclo de hegemonia de poder, e é cada vez mais notório o fracasso do atual projeto reformista e conciliador que chegou ao poder com a crise dos anos 1990 e o fim da era neoliberal. Por isso, é uma questão chave para os trabalhadores construírem com todo vigor uma alternativa que represente de forma firme e clara os interesses dos próprios trabalhadores. Fazse necessária uma alternativa capaz de enfrentar os interesses dos poderosos e que conduza a classe trabalhadora para a conquista de seus interesses imediatos e futuros, não permitindo, assim, que os trabalhadores e o povo pobre sejam, mais uma vez, manipulados e dirigidos pela política das classes dominantes. Todos e todas à construção da Unidade Popular pelo Socialismo! Wanderson Pinheiro, da Executiva Nacional da UP
mitem a construção de muito mais moradias do que nas mãos das construtoras uma vez que o movimento irá visar à quantidade e a qualidade de casas, já as construtoras visam só o lucro! Ou aceitamos essas injustiças de cabeça baixa ou mudamos essa realidade com a luta. Se o governo está cortando nossos direitos, se estão cortando verbas nas áreas sociais e colocando representantes que são inimigos do povo, o povo responde indo à luta com mais ocupações urbanas, greves e manifestações nas ruas. Enquanto essa pequena parcela da sociedade que tem o controle dos meios de produção e explora o trabalhador mandar nas políticas de nossas cidades, dizendo onde o povo trabalhador pobre fica, segregando a cidade entre ricos e pobres, ditando como deve ser o zoneamento da cidade e as formas como são feitas as moradias, fica difícil o diálogo e a realização de uma reforma urbana. Para isso, o primeiro passo do MLB na região do Grande ABC é organizar reuniões e debates nas periferias e estar mais próximo das camadas mais humildes da sociedade. Denunciar mais a especulação imobiliária e aumentar as ocupações em terrenos ociosos. Lucas Barbosa, coordenador do MLB no ABC Paulista
Ames de Teresina conquista direito à carteira estudantil No dia 29 de abril, a Associação Municipal dos Estudantes Secundaristas de Teresina (Ames-Teresina) organizou uma manifestação, que reuniu mais de 700 estudantes das principais escolas, para reivindicar a moralização do processo da carteira estudantil, o fim da máfia da Comissão Municipal Expedidora de Identidade Estudantil (CMEIE) e o passe-livre. A passeata seguiu pelas ruas da Capital, com destino à Prefeitura Municipal, onde uma comissão de 10 alunos foi recebida por secretários de governo e vereadores, debatendo oficialmente a questão das carteiras estudantis e recebendo autorização para confeccionar sua própria carteira. Há mais de 25 anos, perpetuava-se na CMEIE uma máfia que lucrava com o direito do
estudante à meia-passagem e à meia-cultural, devido à cobrança abusiva de R$ 22,00 por uma carteira. A carteira não é mercadoria. Deve financiar o movimento estudantil e fortalecer a luta dos estudantes, e não grupos de oportunistas que se beneficiam ilegalmente, cobrando valores exorbitantes. Assim, movida pela revolta dos estudantes teresinenses, a Ames resolveu emitir sua própria carteira, cujo valor é de apenas de R$ 10,00 e a entrega ocorre na escola, em 10 dias. “Os estudantes de Teresina conquistaram, por meio da luta, a carteira de verdade. Nossa carteira fortalece a luta e é uma vitória histórica para o movimento estudantil. Derrotamos uma máfia!”, afirma Valentina Moraes, tesoureira da Ames. Redação Piauí
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e 9133-0983 Espírito Santo: (27) 9993-6692 Bahia: (71) 9194-1800 e (75) 9198-2901 Alagoas: (82) 8852-8688 e 8875-0330 Paraíba:(83) 8736-0001 e 8772-8249 Rio Grande do Norte: (84) 9688-4375 e 9679-1174 Ceará: (85) 8549-9667 e 9759-2295 Piauí: (86) 9835-0285 Pará: (91) 8154-0530 e 8822-5586 Amazonas: (92) 8222-3265 Santa Catarina: (49) 9940-3958 Rio Grande do Sul: (51) 8131-4693 e 8172-4826 Paraná: (41) 9233-3111 Goiás: (62) 8257-3427 Brasília: (61) 8262-9047
BRASIL
3 Maio de 2015
Terceirização: ruim para o trabalhador e bom para o patrão Mundo do Trabalho
Luiz Falcão
Trabalhadores terceirizados trabalham mais e ganham menos
A
terceirização, isto é, a contratação de uma empresa por outra empresa em vez da contratação direta do trabalhador, é uma invenção da classe capitalista para diminuir o salário do operário e aumentar o lucro, causando imenso sofrimento aos trabalhadores em todos os países em que foi implantada. No Brasil, a terceirização teve um grande crescimento nos últimos 20 anos e hoje já atinge 25% da força de trabalho, cerca de 13 milhões de trabalhadores. Os trabalhadores que estão sob esse regime de contratação da força de trabalho são reconhecidamente mais explorados, recebem baixos salários e têm seus direitos trabalhistas constantemente desrespeitados. Com efeito, entre 2000 e 2013, dos 3.553 casos de trabalhadores resgatados que trabalhavam em condições análogas às de escravidão, 3.000 eram terceirizados. A maior parte das mortes e dos acidentes de trabalho também ocorrem entre os trabalhadores terceirizados. De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), de um total de 135 mortes ocorridas em 2013 na construção de prédios, 75 eram terceirizados e, no setor elétrico, 61 terceirizados perderam a vida para um total de 79 que morreram. Na Petrobras, de 1995 até 2013, mais de 300 vidas foram ceifadas por acidentes de trabalho e 80% das vítimas (249) eram trabalhadores terceirizados. Diante desses números estarrecedores, cabem algumas perguntas Por que uma relação de exploração que causa tantas mortes e provoca tanto mal àqueles que, com sua força de trabalho, produzem todas as riquezas da sociedade é aprovada pela Câmara dos Deputados (230 votos a favor e 203 contra), visando a implantá-la em todos os setores da economia, tanto nas atividades-meio quanto nas atividades-fim?¹
Por que uma empresa que necessita da força de trabalho de um operário, em vez de contratá-lo diretamente, prefere ir atrás de um atravessador, de outra empresa, para contratar esse trabalhador? Não é tal operação mais demorada e mais custosa? Afinal, a empresa que será contratada também não terá de gerar lucro para seu dono? E de onde ele virá? A explicação para tamanha maldade vem de uma pesquisa realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), o sindicato nacional dos patrões: a principal motivação para 91% das empresas terceirizarem parte de seus processos é a redução de custo. Logo, o objetivo da terceirização é trazer benefício para os bolsos dos empresários. Exploração capitalista Ora, como explica o marxismo-leninismo, a teoria revolucionária da classe operária, o lucro do capitalista só é possível porque ele paga um valor pelo trabalho diário do operário menor do que o valor que este operário produz; é essa mais-valia que dá origem ao lucro. Em outras palavras, as mercadorias produzidas pelos operários não pertencem a eles, e sim aos donos das empresas, das matériasprimas, das máquinas, aos donos dos bancos e do capital. Os patrões, como proprietários dos meios de produção, compram a força de trabalho do operário e obrigam-no a trabalhar para ele por um determinado salário, como explica Karl Marx em Trabalho Assalariado e Capital: “A força de trabalho é, pois, uma mercadoria que o seu proprietário, o operário assalariado, vende ao capital. Por que ele a vende? Para viver”. Por isso, sempre que burguesia, a classe proprietária das empresas, da terra e do capital, quer aumentar seus lucros, ela procura intensificar a exploração dos trabalhadores, isto é, rebaixar o salário e/ou aumentar a jornada de trabalho. Ora, como sabemos, os
trabalhadores terceirizados trabalham mais e ganham menos; quer dizer que com a adoção da terceirização, o capitalista obtém esses dois objetivos. De fato, estudo do Dieese da CUT revela que os trabalhadores terceirizados recebem 24,7% a menos e trabalham em média três horas a mais por semana do que os contratados diretos que exercem a mesma tarefa. Em resumo, a terceirização é uma ofensiva da burguesia para, num momento de aprofundamento da crise geral do capitalismo, aumentar a exploração das massas trabalhadoras e, assim, evitar a diminuição de seus lucros. Terceirização elimina empregos Para enganar o povo, os empresários e os grandes meios de comunicação divulgam a mentira de que a terceirização vai criar empregos. Mas a verdade é que a lei das terceirizações provocará muito desemprego. Prova disso é que um dos artigos do PL 4.330 reduz de 24 meses para 12 meses o tempo para uma empresa demitir o trabalhador e ele ser contratado por uma terceirizada. Se não existisse a intenção de demitir, qual seria a necessidade de diminuir esse prazo? É claro que esse artigo foi incluído com o objetivo de permitir que as empresas demitam e as terceirizadas contratem, só que com um salário menor. Depois, o emprego não é uma dádiva do patrão; é uma necessidade da sociedade havendo ou não terceirização. Sem empregos, quem vai trabalhar nas fábricas e nas lojas? Quem vai produzir os alimentos, construir os prédios, as estradas, produzir os sapatos, as roupas, operar as máquinas, recolher o lixo ou fazer a limpeza na cidade? Por acaso os patrões sabem fazer algo além de explorar o trabalhador? Na realidade, a única coisa que a terceirização faz é aprofundar a exploração do trabalhador, tornar o trabalho ainda mais precário, impor jornadas maiores e um ritmo exaustivo de trabalho. Porém, ao permitir essa superexploração, a terceirização reduz o número de empregos necessários e provoca a eliminação de postos de trabalho que antes existiam. Por isso, uma das consequências do PL 4.330, a lei das terceirizações, será uma grande onda demissões em nosso país. Calote nos trabalhadores Não há, pois, nada de moderno na terceirização. Pelo contrário, trata-se de um retrocesso, de algo mais atrasado do que atualmente existe, o retorno a uma situação anterior à da criação da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), isto é,
ao início do século 20. Com essa lei, não se anda para frente, mas sim para trás. Afinal, o que há de moderno em pagar baixos salários, impor condições de trabalho análogas às da escravidão, aumentar a jornada de trabalho e não pagar direitos trabalhistas? Com efeito, segundo o Conselho Superior de Justiça do Trabalho (CSJT), as empresas terceirizadas de prestação de serviços estão entre as que têm maior número de ações na Justiça do Trabalho e dão calote nos trabalhadores. Somente as cinco maiores empresas de terceirização de mão de obra, vigilância e serviços gerais somam 9.297 processos na Justiça do Trabalho. Para aprovar mais esse crime contra os trabalhadores, os patrões e seus deputados no Congresso Nacional rasgaram até a Constituição Brasileira, pois como afirma o Ministério Público do Trabalho (MPT), a terceirização da atividade-fim é inconstitucional. Seguramente, a Constituição é clara ao proibir qualquer diferença de salário no exercício de mesmas tarefas, bem como a elevação arbitrária da jornada de trabalho. Por permitir maior exploração dos trabalhadores, a aprovação do PL 4.330 pela Câmara dos Deputados foi comemorada pelos empresários e seus partidos. Mas foi apenas uma batalha da guerra entre o capital e o trabalho. Novas batalhas virão. O projeto terá que ser aprovado também no Senado Federal, e a luta dos trabalhadores não pode ser subestimada. No dia nacional de luta, conseguiu-se impedir a terceirização do serviço público; agora, a mobilização precisa ser ainda maior, com paralisações, passeatas e a ocupação do Congresso Nacional, para barrar a aprovação desse famigerado projeto de lei no Senado. Patrão x Trabalhador Há ainda outro aspecto que não pode ser ignorado. Ao aprovar o PL 4.330, os patrões e seus partidos mostraram o quanto são opostos os interesses da classe capitalista e os da classe operária e a real impossibilidade de conciliar essas duas classes como sonham e pregam a socialdemocracia e o revisionismo. Sem dúvida, ao impor uma lei que torna ainda mais difícil a vida do trabalhador, que diminui o já reduzido salário que ele ganha, que aumenta sua jornada de trabalho (que já é uma das maiores do mundo), enfim, ao realizar essa grande covardia contra o trabalhador, a burguesia deixa evidente seu caráter de classe exploradora e seu egoísmo. Prova disso é que ainda
nem acabou a votação do PL 4.330, e os parlamentares já se preparam para aprovar as Medidas Provisórias 664 e 665, que ampliam de seis para 18 meses o tempo de trabalho necessário para o trabalhador ter direito ao seguro-desemprego, embora não garanta a estabilidade no emprego. Divisão da sociedade em classes, característica do capitalismo Dito de outro modo, a sociedade capitalista é dividida entre uma pequena classe, a dos capitalistas, dos exploradores, que é imensamente rica - não por trabalhar, mas por explorar o operário -, e, de outro lado, uma classe numerosa, os proletários, aqueles que nada têm a não ser sua força de trabalho, e que para viver são obrigados a trabalhar por um salário para essa minoria rica. Quanto mais a classe majoritária - os trabalhadores produz, mais ela fica pobre e a minoria capitalista fica rica, pois aquilo que produz não lhe pertence, e sim ao capitalista que o contratou para trabalhar para ele. Por conseguinte, sem abolir essa relação de exploração, sem transformar a propriedade privada dos meios de produção em propriedade coletiva, não é possível ter uma sociedade sem desigualdades e sem injustiças. Não é possível acabar com uma minoria de ricos e uma imensa maioria de pobres. Por isso, a classe operária e todos os explorados precisam ter, em vez de pelegos nos sindicatos, diretorias combativas que organizem greves e desenvolvam sem vacilação uma luta firme contra os patrões e seus partidos, pois os exploradores estão sempre tramando golpes contra os trabalhadores. Mas não só, é preciso também crescer e fortalecer sua organização de vanguarda, o partido revolucionário, para lutar por uma revolução proletária e por uma sociedade nova, oposta à atual. Em resumo, para a classe operária e todos os trabalhadores conquistarem a liberdade e porem fim aos baixos salários, é necessário acabar com o capitalismo, o sistema econômico dos patrões, e estabelecer o socialismo, o sistema econômico dos trabalhadores, baseado na colaboração e na união. (Lula Falcão é membro do Comitê Central do PCR e diretor do jornal A Verdade) _________________________ ¹Atividade-meio é aquela que não é o objetivo principal da empresa; trata-se de serviço necessário, mas que não tem relação direta com a atividade principal da empresa. Atividade-fim é aquela que caracteriza o objetivo principal da empresa; por exemplo, numa fábrica de calçados, a atividade-fim é produzir sapatos, e atividade-meio, os serviços de limpeza e segurança na fábrica.
4 Maio de 2015
BRASIL
A Central de todos nós
Denise Maia, Rio de Janeiro
Vanor Correia
M
ilhares de pessoas passam diariamente pela Central do Brasil, um terminal de trens urbanos que ligam diversos bairros da Zona Norte, Oeste e da Baixada Fluminense ao Centro do Rio de Janeiro. De arquitetura imponente, inspirada na Europa da década de 1920, a Central impressiona com suas gravuras e afrescos que embelezam as paredes em pé-direito alto, harmonizados com o piso de granito e o mármore que emolduram os guichês das antigas bilheterias e as escadarias do salão principal, protegidas por grades de ferro batido. Esse espaço físico foi levado às telas do cinema no filme Central do Brasil, do diretor Walter Salles, que abordou a dinâmica do seu dia a dia, com passageiros que transitam nos diversos caminhos que os levam à sua luta diária pela sobrevivência. A Verdade foi à Central do Brasil para ter contato com alguns dos seus milhares de transeuntes e saber um pouco o que pensam e como veem a complexa situação política e econômica do país. Com a palavra, o povo brasileiro. “Ficou pior para o trabalhador, para o pobre” Jéssica Inocêncio Olegário, de 31
anos, é mãe de Milena, de apenas sete meses. Moradora do Parque São José, no Município de Duque de Caxias, Jéssica está desempregada e atrás de liberar o seguro-desemprego após ser demitida com um ano de trabalho. Solteira, tem dificuldade de arcar sozinha com as suas despesas, por isso recebe ajuda da família. Nunca requisitou o “Bolsa Família” porque achava que perderia o direito ao seguro-desemprego. “Pra mim está pior depois dessas modificações no seguro-desemprego. Ficou pior para o trabalhador, para o pobre. Com a inflação alta, a maior parte do salário fica no supermercado. Ainda tem aluguel, remédio. Criança gasta muito”, desabafa. E continua: “Para resolver toda a situação de inflação bastava o governo querer, mas é inviável porque não é interessante para eles. Tudo que os políticos fazem é voltado para eles. Fazem alguma coisa para maquiar, só para o pobre ficar alegre por um momento, desviar a atenção, mas políticas voltadas para o pobre nunca fizeram, nada”, concluiu. Opinião parecida tem Lilian Barbosa, estudante da UFRJ e moradora na favela do Chapéu Mangueira, no Leme. Para ela, o governo Dilma, com o ajuste fiscal, está voltando atrás em relação às políticas sociais, e teme pela Saúde e pela Educação. “Não acredito que o impeachment resolverá a situação, até porque ela está fazendo conciliação de classes, os empresários estão satisfeitos com ela. O trabalhador por si só não é organizado, talvez nem entenda o que seja o ajuste fiscal, o que está acontecendo. Mas compreende quando o colégio não manda o material escolar. Este ano, o uniforme e o material escolar do ensino básico não foram entregues pela Prefeitura. Acho que é um reflexo desse corte do ajuste fiscal”.
Abandonados pelo Estado Cecília Molina, moradora de Brás de Pina, na Zona Norte. Casada, tem cinco fi- Cecilia Molina lhos e uma neta. O marido está afastado da PM porque tem problemas psíquicos. Na luta para reajustar os vencimentos do marido, passou por vários momentos constrangedores. Segundo Cecília, os policiais militares, quando são admitidos, devem passar pelo exame psicotécnico, mas, devido ao estresse do trabalho, muitos que exercem suas atividades nas ruas acabam afetados emocionalmente. O comando da Polícia não tem hospital psiquiátrico, convênio com clínicas para internação, nem atende os incapacitados mentalmente, pois não reconhece que essas doenças tenham surgido em decorrência do serviço. Sua família foi abandonada pelo Estado. “Meu marido surtou em serviço dentro do batalhão e se tornou extremamenVanor Correia te agressivo”, relata. “Trabalho correndo dos guardas” A o s 60 anos, Cé- Célia Regina lia Regina de Paiva Brás, moradora de Rocha Miranda, é casada e mãe de cinco filhos. Bem humorada, conta que ganha a vida “correndo dos guardas”. Célia é camelô de segunda a sextafeira no entorno da Central. Essa é a sua única fonte de renda. “Hoje não es-
A gana por lucro gera mortes e adoecimento aos trabalhadores O Dia Mundial em Memória das Vítimas de Acidente e Doenças do Trabalho faz menção ao dia 28 de abril de 1969, quando 78 trabalhadores morreram em um acidente grave em uma mina no Estado da Virgínia, nos Estados Unidos. Em memória das vítimas, a partir de 2003, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) instituiu este dia para alertar a sociedade sobre a importância da promoção da segurança e da saúde dos trabalhadores. O Brasil passou a ser signatário com a sanção da Lei nº 11.121/2005 e, desde então, o conjunto dos trabalhadores, poder público, sindicatos e centrais sindicais se mobilizam nesse dia como marco de luta e denúncia das condições de trabalho que podem levar às diversas formas de riscos e agravos à saúde dos trabalhadores. Com o desenvolvimento das relações de trabalho e, especialmente, após o estabelecimento do trabalho assalariado, observa-se o acirramento da luta de interesses entre trabalhador e patrão. De um lado, o trabalhador lutando por melhores condições de trabalho e salário; e, do outro, o patrão em corrida incessante pelo aumento do lucro em detrimento da saúde e segurança no trabalho. Condições precárias de trabalho, intensificação e ampliação da jornada com a realização de horas
extras, estabelecimento de metas abusivas, assédio moral, violência organizacional, equipamentos de proteção individual inadequados, programas de proteção de riscos ambientais de fachada são alguns dos motivos que acarretam o adoecimento e morte dos trabalhadores e trabalhadoras do mundo todo. Em consequência disso, os trabalhadores sofrem com mutilações, fraturas, lesões, doenças físicas, distúrbios mentais, afastamentos permanentes, o que afeta radicalmente sua vida, prejudicando suas condições para trabalhar e garantir sua sobrevivência e de sua família. E não são poucos os óbitos. No Brasil, em 2012, segundo o Anuário Estatístico da Previdência Social, foram registrados aproximadamente 705 mil acidentes de trabalho. Isso significa a ocorrência de mais de um acidente por minuto! Desse total, 2.731 trabalhadores morreram e 14.755 ficaram permanentemente incapacitados para o trabalho. Vale destacar que nesses números estão incluídos somente os trabalhadores assalariados com regime CLT e segurados pelo INSS, não se considerando os de regime estatutário (funcionários públicos), profissionais liberais e informais, o que torna o fato ainda mais alarmante ao pensarmos em tantos acidentes que nem chegaram a ser informados. Infelizmente, a quantidade de
pessoas a serem lembradas nessa data não para de crescer, e isso é consequência dessa sociedade organizada nas bases do capitalismo que mantém os trabalhadores em condições de risco permanente à sua saúde para explorar cada vez mais seu trabalho e, assim, acumular mais lucro. Por isso, é fundamental que os trabalhadores se organizem nos locais de trabalho, fortaleçam suas Cipas (Comissões Internas de Prevenção de Acidentes) autônomas e independentes e outras instâncias combativas de defesa da saúde dos trabalhadores; construam e articulem coletivos de trabalhadores com os sindicatos; denunciem as situações de risco à saúde aos Sindicatos, Centros de Referência em Saúde do Trabalhador e Ministério Público do Trabalho, entre outros. Aos trabalhadores cabe o papel histórico de denunciar e lutar contra a exploração e a opressão no trabalho. Que esse dia se transforme em mais consciência, coragem e organização para conquistarmos mais direitos sociais em busca de uma sociedade na qual o trabalho seja emancipador e que possamos usufruir da riqueza socialmente produzida. Ligia Mendes, Vanessa Souza e Vinícius Boim – Trabalhadores do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador – Leste - SP
tou vendendo nada com os guardas correndo atrás da gente. Quando eles deixam, vendo bem as roupas de crianças e adultos. É com o dinheiro da venda que sustento a minha casa, ajudo os netos”, explica. Perguntada o que acha do governo Dilma, se diz otimista. “Só acho que ela não pode fazer muito, tem gente por trás dela mandando. Acho que ela foi melhor do que os outros presidentes. Tirando o Brizola, porque ele era em primeiro lugar. Acho que esse negócio de impeachment é de gente que não tem o que fazer. Se pensassem um pouquinho não fariam”. Promessas não cumpridas Vanor Correia O serralheiro e vidraceiro Tiago Santana, 30 anos, apesar de acreditar “que os governos da Dilma e do Tiago Santana Lula melhoraram a situação do trabalhador um pouco”, se diz decepcionado com as medidas do governo. “A inflação é um problema muito grave. A Dilma disse que não iria mexer com os direitos dos trabalhadores, mas mexeu”, critica. “A decepção foi grande com esse governo por fazer promessas e não cumprir”. Essa é a Central do Brasil! Aqui, na passarela de um dos cartões postais da Cidade Maravilhosa, milhares de pessoas desfilam seus receios, suas incertezas. Mesmo assim, apesar de toda a dureza da vida, seguem com os passos firmes na direção de caminhos que possam lhes proporcionar forças para seguir a luta e sonhos para alimentar a esperança. Entre trens, ônibus e metrô, eis que ele, o Povo Brasileiro, continua seu percurso, sempre na trilha de uma vida digna, na busca de um dia melhor.
Dinheiro da merenda desviadoem São João de Meriti No dia 7 de março, a Polícia Federal promoveu, em São João de Meriti, Baixada Fluminense, a Operação Caríbdis para combater fraudes em licitações envolvendo empresas privadas e a Prefeitura. Segundo a PF, as empresas participavam de concorrência pública para fornecer alimentos para creches, escolas e entidades filantrópicas beneficiadas pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar para o Ensino Fundamental e Creche (Pnae/Pnac). O nome da operação é uma referência à figura da mitologia grega, filha da Terra e de Poseidon. Caríbdis foi morta por Zeus e lançada ao mar, transformando-se em um monstro que tudo devorava. Ainda em 2009, uma denúncia anônima já acusava o então prefeito Sandro Mattos e seu secretário de Governo, Marcelo Viviane, de montar um esquema de superfaturamento e notas frias das merendas escolares. Na época, apenas 40% da verba da merenda chegava ao prato das crianças. Além do superfaturamento, o Ministério Público foi informado de que as diretoras das creches eram pressionadas a não entregarem as notas fiscais para prejudicar a investigação. Enquanto o prefeito de São João de Meriti aguarda a conclusão das investigações em sua mansão, as crianças são obrigadas a comer uma merenda que, além de superfaturada, não tem o valor nutritivo recomendado. De fato, é comum encontrar nas escolas e creches da cidade angu com ovo ou macarrão puro sendo servido como refeição para os alunos. Até quando o povo será vítima desses desgovernos? A corrupção e a má gestão dos recursos públicos são males que precisam ser combatidos, mas só desaparecerão quando os trabalhadores assumirem o governo de suas próprias vidas. Lindalva dos Anjos, Rio de Janeiro
SOCIEDADE
“O corpo da mulher não é do Estado nem da comunidade, nem do homem” Frente Ampla
Ocorreu entre os dias 7 e 18 de abril, na Casa Amarela Eusélio Oliveira, da Universidade Federal do Ceará (UFC), o IV Seminário Internacional Gênero, Cultura e Mudança 2015. O evento contou com a Mostra Internacional de Audiovisual, com apresentação de mais de 60 obras nacionais e estrangeiras, além de apresentações de artes cênicas no Centro de Cultura Dragão do Mar. O seminário teve a participação de Constanza Moreira, senadora do partido Frente Ampla do Uruguai, que falou sobre as políticas públicas de gênero no seu país. Após o seminário, A Verdade entrevistou a senadora sobre como as mulheres uruguaias lutaram nas ruas, no Parlamento e no governo para conquistar o direito da mulher de interromper a gravidez, sobre a punição aos torturadodes e assassinos da ditadura militar e a respeito da situação política na América Latina. Claudiane Lopes, Fortaleza A Verdade – Senadora, você foi uma das principais responsáveis pela aprovação da lei que legalizou o aborto no Uruguai. Como foi esse processo de mobilização dos movimentos de mulheres até a aprovação da lei? Senadora Constanza Moreira – A bandeira pela legalização do aborto é antiga e veio casada com a redemocratização do Uruguai. Os projetos de lei foram apresentados nos anos de 1985, 1991, 1993, 1998, 2001, 2006 e 2011, mas a lei só foi aprovada em 2012. No período eleitoral, a Frente Ampla, composta por diversos partidos, se comprometeu a incluir no seu programa a pauta da descriminalização do aborto. Vencidas as eleições, estávamos com maioria parlamentar e foi aprovado o projeto, porém o primeiro governo da Frente Ampla (2005-2009) – na época, o presidente da República era Tabaré Vázquez – vetou os capítulos que continham o direito ao aborto. Assim, a lei estava incompleta, pois só a parte da saúde sexual e reprodutiva das mulheres foi aprovada. No mandato seguinte da Frente Ampla, o presidente José Mujica assumiu o compromisso de não vetar a lei que nós parlamentares aprovássemos. O projeto foi rediscutido no parlamento durante dois anos, e aí a lei foi aprovada, mas os parlamentares conservadores entraram com um recurso para sua revogação. Com essa medida, fomos para uma Consulta Popular, e esses conservadores tiveram 9% dos votos. Isto significava que 91% da população confiava em que tínhamos aprovado uma lei justa, pois as mulheres abortavam no país de qualquer jeito. Este era o problema: de “qualquer jeito”, o que aumentava a mortalidade materna. Acho que o Brasil é o quarto ou quinto país em mortalidade da mulher por aborto; as cifras são alarmantes. Se você perguntar à população se uma mulher deveria ser presa por ter cometido um aborto, a grande maioria vai dizer que não merece isso. Há um senso comum de que a mulher vai fazer um aborto se ela não quiser levar a gravidez adiante, mas também existe uma grande confusão. Tem gente que pensa que isso é assassinato, “porque há vida no útero”. As pessoas que pensam assim têm todo direito de pensar assim, mas não podem impor essa sua moral privada e particular ao resto das pessoas. Estamos falando aqui de direitos reprodutivos e não de obrigação reprodutiva. O corpo da mulher, o ventre da mulher não é do Estado nem da comunidade, nem do homem. Não pertence a nós, por isso não cabe a nós decidir pelo corpo da mulher. Essa moral sobre o sexo da reprodução corresponde ao que nós chamamos de uma moral vinculada à Igreja, uma coisa do passado. Todo mundo sabe que as pessoas estão se iniciando sexualmente muito mais cedo do que antes. O que nós temos que fazer é cuidar da população, pois essa é a obrigação do Estado, cuidar dos direitos das pes-
soas e não do corpo da mulher. Antes do aparecimento da pílula anticoncepcional, as mulheres já abortavam – isso não é novo, existe há anos. Essa luta é antiga. Quando o Estado não dá esse serviço à mulher para interromper a sua gravidez de forma segura, ele está faltando com a sua obrigação. O que fizemos na lei, que é obrigatória para todo sistema de saúde, foi tornar legal a interrupção voluntária da gravidez dentro das 12 primeiras semanas; depois disso, só em casos de estupro ou de má formação genética. Avaliamos que o direito do nascituro não pode ser superior ao direito da vida da mulher. O que cabe ao Estado é a proteção das mulheres e, também, assegurar a igualdade, pois o que acontecia antes era que as mulheres jovens, negras e pobres não tinham condições de levar adiante a interrupção da gravidez de forma segura. A lei atual, chamada “Interrupção Voluntária da Gravidez”, foi aprovada em 2012, e os últimos dados oficiais indicam que têm sido realizados 556 abortos por mês desde a sua aprovação. Foi registrada apenas uma morte materna por aborto, mas tratou-se de um aborto praticado fora do sistema de saúde. A descriminalização do aborto colabora com a saúde e a segurança das mulheres, e as mortes maternas por aborto induzido caíram depois que aprovamos essa lei. A sociedade, como um todo, se beneficia com este avanço. Em setembro de 2013, você foi indicada como pré-candidata a presidente. Nessas eleições internas obteve 53.093 votos, ou seja, quase 18% dos votos da Frente Ampla. O que representa essa votação? Qual a importância da participação das mulheres na política? Foi um avanço, eu era o único précandidato mulher nessas eleições internas. Temos figuras fundamentais da Frente Ampla muito queridas, como Tabaré e Mujica, mas, depois de dez anos de governo, chegou o momento de a Frente Ampla mudar, incorporar mais mulheres e jovens e também lançar outras candidaturas com um viés mais à esquerda, e por isso indicaram meu nome. O fato de ter 18% dos votos não foi pelo fato de eu ser mulher, mas o précandidato Tabaré Vazquéz estava sendo apoiado por todos os partidos da Frente Ampla (o Partido para Vitória do Povo, o Partido Socialista dos Trabalhadores, o Movimento de Integração Alternativa, o Grupo Magnolia, Ir, Frente Amplista Alternativa, etc.) e eu tinha o apoio de dois partidos pequenos; assim, nós tivemos que criar um movimento próprio, pois todo resto dos partidos apoiava o outro candidato. Quais são as principais bandeiras sociais e políticas do seu mandato? A legalização do aborto, a descriminalização da maconha, o matrimônio igualitário, a questão relacionada aos direitos humanos e ao combate à impunidade dos crimes cometidos durante a dita-
Senadora Constanza Moreira
dura militar e a educação pública. Ganhamos muito em aprovação de leis com essas bandeiras, mas temos ainda uma dívida grande em relação aos direitos humanos. Outro tema que estou debatendo agora diz respeito às Forças Armadas, o grande orçamento que o governo do Uruguai destina a este setor e a necessidade de mudar a lei orgânica das Forças Armadas, os seus privilégios, que são enormes, e a sua educação, que tem componentes autoritários. Ainda temos em pauta o caso dos desaparecidos políticos, que sabemos muito pouco sobre eles. Também luto por mais mulheres na política. Temos hoje uma bancada com representantes femininas em todos os partidos políticos. Isso é importante, pois quer dizer que nós mulheres estamos conspirando; isso quer dizer, que estamos respirando conjuntamente pela unidade latino-americana. O mundo, a América Latina e o Brasil estão vivendo um período de crise do sistema capitalista. Em nosso caso específico, após as últimas eleições presidenciais vieram à tona enormes conflitos de classes. Como você observa toda essa conjuntura? Toda a América Latina está olhando
5 Maio de 2015
com muita preocupação para o Brasil. Eu estive no Seminário Emancipação e Igualdade, em Buenos Aires, que reuniu todos os povos da América Latina, e lá nós respaldamos a legitimidade do governo da presidenta Dilma. Se o projeto progressista recua, isso tem impacto em todos os nossos processos. Não é que o Brasil seja o barco que empurra, mas é o barco que sustenta os outros barquinhos e, se esse barco afundasse, seria irresistível. De fora, é muito difícil entender como uma mulher que ganhou legitimamente uma eleição democrática tem um Congresso que vota leis contra o governo, que é da base aliada. Isso não pode ser, eu não sei quais são os dispositivos legais, mas acho que o Poder Executivo tem que se plantar forte. Este país escolheu o presidencialismo ou parlamentarismo? Eu acho que existe o aproveitamento de uma circunstância econômica – e não é só o Brasil que está nessa situação – e utilizam as manifestações para enfraquecer a base do governo; e a especulação, a imprensa, tudo isso tem o olho na Petrobras, eu já vi isso no México, com pretexto de corrupção na Pemex [Petróleos Mexicanos, estatal de economia mista] que era a joia da coroa, a mesma coisa que representa a Petrobras aqui. A Petrobras é um grande tesouro do povo brasileiro, que, por isso, tem que ser defendida. Se for privatizada, você não deixa só o Brasil sem esse recurso natural essencial, mas deixa toda a América Latina. Há outra manobra de fundo por detrás dos escândalos da Petrobrás. Que mensagem gostaria de deixar para os leitores do jornal A Verdade? O que seria da esquerda sem a imprensa alternativa? Com a mídia que a gente tem, só teríamos uma verdade, a deles, e ainda com a televisão. Eu acho que essa imprensa voluntária, solidária, feita fraternalmente por militantes junto com trabalho das redes sociais pela internet é o que está construindo uma nova mídia contra a hegemonia de informações que temos todos os dias.
Presidente do TRE-PE recebe UP A Verdade
de. “É muito imporO p r e s itante para a demodente nacional cracia o surgimento da Unidade Pode novas ideias, nopular pelo Socivos partidos, princialismo (UP), Lepalmente, com genonardo Péricles, te nova como voesteve no dia 23 cês”, disse o desemde abril na sede bargador. do Tribunal Regional Eleitoral Leonardo aprede Pernambuco sentou o programa (TRE-PE) para e as ideias que a UP reunir-se com o Audiência da UP com o presidente do TRE de Pernambuco defende para o Bradesembargador presidente, Dr. Fausto sil. Falou ainda que iniciou a jornada de Campos. O objetivo da visita foi comuvisitas aos estados começando por Pernicar ao Tribunal os nomes dos responnambuco pelo número de apoiadores sáveis por apresentar as fichas de assique a legenda tem recebido no estado e naturas de apoio à UP no estado. por acreditar na eficiência dos funcionários da Justiça Eleitoral em PernamApós participar de um ato junto buco comandados por Campos. “Vacom sindicalistas contra o Projeto de mos dar trabalho a vocês do TRE para Lei 4.330, conceder várias entrevistas em jornais e rádios, visitar bairros popu- conferir um monte de assinaturas”, disse Leonardo. Fausto Campos responlares e explicar aos trabalhadores em deu: “é cada um no seu quadrado: voempresas e fábricas a importância e o cês fazem o trabalho de vocês, fazem a programa desse novo partido, Leonarpolítica, tudo certinho... e nós aqui, que do foi até a sede do TRE para cumprir a temos ótimos funcionários, os melhoagenda oficial: “É tão importante quanres servidores, fazemos o nosso trabato a coleta de assinaturas, pois, são os lho. No final, ganha a sociedade”. cartórios eleitorais, sob a coordenação do TRE, que vão verificar as assinatuAo final da audiência, os dirigenras e conceder a certidão da quantidade tes do novo partido indagaram: “Preside apoiadores que nós teremos que ledente, o Sr. pode assinar a ficha e apoivar para o TSE afim de conseguir nosso ar a gente a construir esse novo partiregistro”, disse Leonardo. do?”. “Mas é claro, como cidadão eu apoio sim!”, respondeu Campos, coloAlém de Leonardo Péricles, esteve cando seus dados e assinando a ficha presente à audiência o representante da de apoio do partido Unidade Popular UP em Pernambuco, Thiago Santos. O pelo Socialismo. desembargador Fausto Campos recebeu os dois dirigentes com muita cordialidaRedação Pernambuco
6 Maio de 2015
TRABALHADOR UNIDO
Professores cobram Metroviários conquistam promessa de governador nova vitória Sintepe
E
m assembleia realizada na tarde do dia 27 de abril, os professores da rede estadual de ensino de Pernambuco decidiram pela permanência da greve da categoria, decretada no dia 10 de abril. De acordo com o Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco (Sintepe), o movimento grevista está mantido, pois todas as negociações feitas com o Governo do Estado foram “improdutivas”. A assembleia contou com cerca de duas mil pessoas. As falas de professores, deputados estaduais, entidades estudantis como Uespe e Ares e demais sindicatos ligados ao setor de educação demonstravam total apoio pela manutenção da greve. Dentre as principais reivindicações, está o cumprimento da Lei do Piso Salarial (11.738/2008), que garante o reajuste de 13,01% a todos os professores da rede. O estopim para a greve foi o Projeto de Lei aprovado pela Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). De acordo com o projeto, os parlamentares acertaram que o reajuste seria de 13,01% no salário apenas para 1.770 profissionais com nível médio (antigo magistério). Já o profissional com licenciatura plena e dez anos de serviço na rede receberá 0,89% de aumento, o que representa menos de 10% do corpo docente da rede estadual. De acordo com o Sintepe, a pro-
posta deixa de fora o reajuste salarial para 45.750 professores. Em entrevista ao jornal A Verdade, o professor José Fernando de Melo, presidente do sindicato, declarou: “Hoje a classe trabalhadora está sofrendo e enfrentando os efeitos de uma crise internacional, e suas repercussões por todo o país chegam aqui em Pernambuco de forma avassaladora na medida em que o Governo do Estado tenta justificar, mais uma vez, que quem deve pagar a conta dos malfeitos é a classe trabalhadora. Os professores e servidores da educação tem se posicionado de uma forma bastante concreta e bastante firme no enfrentamento dessa conjuntura desfavorável, temos buscado fazer com que a educação, que é prioridade nos discursos de campanha eleitoral, aconteça, na prática, como prioridade. Queremos o respeito às leis, já que nós tínhamos aqui em nosso estado leis para o plano de cargos e carreiras e para o piso salarial, que eram cumpridas a quatro anos. O atual governador, enquanto era candidato, prometeu dobrar o salário dos professores. Então dentro de toda essa conjuntura de falta de diálogo e todo esse processo que estamos enfrentando, um fato interessante é do apoio que estamos recebendo do movimento estudantil e também da sociedade de uma forma geral”. Jailson Davi, militante do MLC
A cada 15 segundos, um trabalhador morre por acidente No dia 28 de abril, comemora-se o Dia Internacional da Segurança e Saúde no Trabalho, em memória dos 78 mineiros mortos em uma explosão de uma mina, no Estado norte-americano da Virgínia, no ano de 1969. A Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 2003, instituiu a data. Segundo a OIT, a cada 15 segundos um trabalhador morre de acidente ou doença relacionada ao trabalho, no mundo, o que significa um total de 2,34 milhões de acidentes mortais de trabalho por ano. Ou seja, morrem anualmente no trabalho 13 vezes mais pessoas do que as que morreram na Guerra do Iraque, durante dez anos. Dessas, 2,02 milhões de pessoas morrem, a cada ano, devido a enfermidades relacionadas com o trabalho. O Brasil ocupa o quarto lugar em relação ao número de mortes, com 2.503 óbitos, perdendo apenas para China (14.924), Estados Unidos (5.764) e Rússia (3.090). O Estado com maior índice de acidentes de trabalho foi São Paulo, com 35 mil. Em termos proporcionais com relação à população, a situação é mais crítica no Piauí. O Estado ocupa a segunda
posição com maior número de acidentes de trabalho, cerca de quatro mil casos registrados em 2013. É alarmante o número de mortes relacionados ao trabalho. A cada dia, os trabalhadores são expostos a longas jornadas, péssimas condições de trabalho e constantes assédios morais. Os capitalistas, gananciosos, fazem de tudo para aumentar seus lucros. Neste sentido, os capitalistas e seus representantes na Câmara dos Deputados aprovaram a Projeto de Lei 4.330, conhecido como PL da Terceirização, que visa a implementar a terceirização para a atividade-fim, resultando num aumento da exploração. Só no ano de 2011, das 79 mortes ocorridas no setor elétrico brasileiro, 61 foram de trabalhadores de empresas terceirizadas. Entre 2005 e 2012, 14 trabalhadores da Petrobras morreram em acidentes no exercício de suas profissões. No mesmo período, faleceram 85 terceirizados. Os dados são do estudo “Terceirização e Desenvolvimento, uma conta que não fecha” , da CUT, em parceria com o Dieese, apresentado em novembro de 2014. Alexandre Ferreira, Recife
Ricardo Senese, São Paulo
No dia 15 de abril de 2015, foi julgado o processo das demissões das lideranças da greve de 2014 no Metrô de São Paulo. A empresa apresentou suas testemunhas, porém, em nenhum momento, ficaram claras as acusações contra os trabalhadores. Diante destas circunstâncias, o Juiz definiu pela reintegração de todos os 37 julgados neste processo. Uma grande vitória, que confirmou que a intenção do governador, ao demitir os grevistas, era perseguir, retaliar e impor medo à categoria. Contudo, essa decisão não tem efeito imediato, pois só pode ser aplicada após não existir mais possibilidades de recurso por parte do Metrô. Em outras palavras, provamos na 1ª instância que são demissões arbitrári-
Metroviários demitidos comemoram vitória
as – o que é muito importante juridicamente –, mas a decisão pode demorar muitos anos para ser praticada. Diante dessas circunstâncias, a categoria está organizando uma grande campanha pela reintegração definitiva e imediata. #reintegraJá Entraremos também com uma liminar, cujo objetivo é assegurar o retorno imediato ao trabalho enquanto o processo corre na Justiça. Porém, o fato é que só a luta pode garantir a reintegração imediata. A campanha salarial 2015 está no início, e um novo período de lutas está sendo gestado, que se relaciona com as questões econômicas e a resistência ao PL 4.330. Assim, a solidariedade de classe é fundamental neste momento em que podemos conquisAção Metroviária tar a volta ao trabalho. Para isso, contamos com a mobilização de nossa categoria e a solidariedade de outras, o apoio da juventude, dos movimentos de luta pela moradia, dos movimentos de mulheres e todos aqueles e aquelas que possam enviar moções e/ou fotos com cartazes exigindo reintegração imediata.
Gestão das OSs gera crise na Saúde Ludmila Outtes Em meio às discussões sobre a terceirização das atividades-fim e a aprovação da PL 4.330, a gestão das Organizações Sociais (OSs) volta ao centro do debate. Surgida como promessa de melhorias estruturais nos serviços de saúde, hoje, as OSs se mostram como saída bem onerosa para o Estado. O Instituto Materno-Infantil de Pernambuco (Imip), hospital filantrópico localizado no Recife, funciona como principal OS do Estado, responsável pela gestão de várias unidades de saúde da região metropolitana. No último mês, o Imip anunciou publicamente que não tinha dinheiro para pagar aos funcionários, que então já estavam com os salários atrasados há cinco dias. Segundo nota divulgada na imprensa local, o Imip estaria sem receber repasses financeiros do governo desde o fim do ano passado. A resposta imediata, diante da revolta dos cinco mil profissionais do hospital, foi o repasse de R$ 3,5 milhões feito pela Secretaria da Fazenda. Ao contrário do que foi dito pelo Imip, o Governo do Estado declarou que, desde janeiro, foi repassada do Tesouro Estadual a quantia de R$ 11,74 milhões, além dos R$ 61,35 milhões repassados ao Imip dos recursos do SUS, perfazendo um total de R$ 73 milhões em quatro meses. De acordo com o Portal da Transparência, apenas as unidades administradas pelo Imip custaram R$ 240 milhões por ano, em 2012 e 2013. Coincidentemente, o Imip anunciou a “falta de recursos financeiros” no mesmo mês em que a imprensa vazou a notícia de que a OS não seria mais fiscalizada pela Agência Reguladora de Pernambuco (Arpe), responsável pelo acompanhamento dos gastos públicos. O anúncio foi feito pelo ex-diretor-presidente da Arpe, Roldão
Joaquim, ao sair do cargo, quando revelou que, em dezembro de 2013, o governo editou e publicou uma lei que eliminou a fiscalização independente. A partir de então, o Imip passou a ser fiscalizado pela própria Secretaria de Saúde do Estado, que, na época, tinha à frente Antônio Carlos Figueira, da mesma família Figueira, dona do Imip. Também foi denunciado o aumento dos repasses realizados para a administração do Imip desde que Figueira assumiu o cargo de secretário de Saúde: o repasse, que, em 2008, era de R$ 91,6 milhões, passou, em 2012, para R$ 240 milhões, após Figueira assumir a pasta. Vale destacar que o repasse para as demais instituições de saúde fica bem aquém das cifras destinadas ao Imip, como demonstra o Portal da Transparência: o repasse feito aos 20 maiores hospitais do Estado, entre eles o Hospital da Restauração e o Hospital Getúlio Vargas, referências em todo o Nordeste, é de R$ 230 milhões (mesmo valor desde 2009). As OSs que trouxeram consigo a terceirização dos profissionais de Saúde, que passaram a ser vinculados à empresa apesar de prestarem serviços ao Estado, provam, a cada dia, sua ineficiência na administração dos recursos públicos. Com a anuência do Governo do Estado, que agora nomeou Figueira para a Casa Civil, o Imip gerencia como quer os recursos do SUS, atrasando salários, reduzindo atendimentos à população e precarizando a assistência à saúde. E é esse o fim de toda terceirização: piora a qualidade dos serviços prestados, promove a redução dos direitos trabalhistas e traz a insatisfação tanto dos profissionais quanto dos clientes. (Ludmila Outtes é enfermeira especialista em Neurologia)
JUVENTUDE
Não à redução da maioridade penal
E
m tempos de denúncias gritantes referentes à corrupção no País e de greves gerais dos trabalhadores de diversos segmentos, em especial na Educação, mais um vez, a juventude sai prejudicada. Como diz aquele velho ditado popular, “a corda sempre rompe pro lado mais fraco”, e este lado é o da juventude pobre e da periferia. Como se não bastasse o descaso a que a juventude brasileira é submetida diariamente, com a falta de assistências que são básicas e de direitos constitucionais, como educação, saúde, moradia, cultura, lazer, etc., a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou, no dia 31 de março, a PEC 171, que é um verdadeiro assalto à mão armada aos direitos da nossa juventude, já que prevê a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Como se a proposta já não fosse prejudicial o bastante, o quesito “justificação” poderia ser cômico, se não fosse trágico. Sem haver nenhum embasamento teórico ou dados estatísticos, a PEC faz referência a três personagens bíblicos (Salomão, Davi e o Profeta Ezequiel) para defender a redução da maioridade penal. Em contrapartida, diversos movimentos sociais no Brasil inteiro se manifestaram em repúdio à PEC. Em todos os países que reduziram a maioridade penal, não foi reduzido o índice de criminalidade; muito pelo contrário, países do chamado primeiro mundo, como Espanha e Alemanha, retrocederam na decisão por constatarem a ineficácia da lei. Entre os mais diversos argumentos utilizados em defesa da PEC está a preservação dos menores em favor do Estatuto da Criança e do Adolescente, que, supostamente, isenta o menor de 18 anos de receber as devidas punições. Porém, todo menor acima de 12 anos é responsabilizado pelos atos delituosos cometidos por ele. A sentença deveria ser aplicada conforme o grau de periculosidade do crime cometido, gerando prestações de serviços à comunidade, com o intuito de recuperar o menor infrator. Infelizmente, no
Brasil não há políticas de recuperação dos presidiários, fazendo com que somente 30% dos menores infratores consigam se livrar da vida transgressora. Já no sistema socioeducativo, 80% dos menores infratores são recuperados, indicando, assim, que muito mais eficaz que uma punição severa é a educação. No Brasil, com a maioridade penal de 18 anos, mais de 40% da população carcerária é composta por menores de idade e apenas 0,5% dos casos (incluindo as tentativas) são de homicídio, e 47,7% dos(as) encarcerados(as) cometeram crimes patrimoniais (furto e roubo). Em comparação a casos intrinsecamente ligados à PEC, podemos ressaltar o do jovem Alex dos Santos – baiano, pobre, negro e morador da periferia –, que foi parar em um presídio na Mata Escura, em Salvador, por ter cometido o “grande” crime de ter furtado três livros para estudar. Enquanto isso, Thor Batista, condenado por homicídio após ter atropelado e matado um ciclista, ao dirigir acima da velocidade permitida, prestará simplesmente serviços comunitários. Isso só prova que, muito além da falta de punições a menores infratores, está uma questão de classes sociais. Em uma sociedade excludente, na qual construir presídios é mais importante que investir na educação da juventude, jamais o filho do rico irá parar atrás das grades. Portanto, mais uma vez, reafirmamos: redução da maioridade penal nada mais é do que um golpe à integridade social da juventude, em especial a juventude pobre, negra e da periferia. Brenda Martins, Belém
E a UNE, para onde vai? Termina mais uma gestão da União Nacional dos Estudantes, e, mais um vez, pouco ou quase nada se tem para comemorar. Com exceção das lutas travadas pelos diretores eleitos pela Oposição de Esquerda, a marca da UNE foi o imobilismo. Enquanto a juventude brasileira estava nas ruas barrando os aumentos abusivos das passagens, a diretoria majoritária preferiu ficar vendo as manifestações pela TV ou ir para os camarotes da Fifa, em cumplicidade de uma das maiores vergonhas do futebol brasileiro. O desrespeito aos fóruns do movimento estudantil foi uma constante nessa gestão. O Conselho de Entidades de Base (Coneb), que reúne CAs e DAs de todo o país, deixou de ser realizado pela diretoria, que preferiu ficar circulando nos gabinetes de Brasília. Até o Seminário de Assistência Estudantil foi abandonado. Enquanto os estudantes enfrentavam as bombas da Polícia para impedir os leilões da Agência Nacional de Petróleo (ANP), a diretoria majoritária da UNE nada fazia, mesmo sabendo
que o Conselho Nacional de Entidades Gerais (Coneg) decidiu lutar contra o entreguismo e a corrupção em torno da Petrobras. REBELE-SE na UNE! A UNE chega ao seu 59º Congresso enfraquecida por uma gestão incompetente, omissa e afastada dos estudantes e de suas lutas. A perda de representatividade da entidade é inegável. Na realidade, ou pomos fim a essa política pelega ou os estudantes continuarão tendo uma entidade nacional apenas no papel. Nem mesmo a prestação de contas do que arrecada e do que gasta, a diretoria se digna a fazer e apresentar aos estudantes. Desde 2007, a tese Rebele-se tem ocupado um destaque crescente nas lutas e consequentemente avançado na organização e presença no movimento estudantil. Acreditamos que é possível construir uma UNE diferente, democrática, mobilizadora, referenciada na luta dos estudantes e capaz de cumprir o seu papel de representar, de fato, a juventude brasileira na luta por mais direitos e por um país livre e soberano. União da Juventude Rebelião (UJR)
7 Maio de 2015
Esquerda derrota direita no DCE da PUC-RS Nos dias 14 e 16 de abril, ocorreu tão do DCE por mais de 20 anos, mana eleição para o Diretório Central dos chando a história da nossa entidade Estudantes da PUC-RS, tendo como com diversos escândalos de fraudes vencedora a Chapa 3, TOD@S Unidaeleitorais, corrupção, agressões a estude pra Avançar, que fez valer o nome dantes e aparelhamento político, e que escolhido: unificando grupos, com diá- hoje se mascara como apartidária. logo aberto e intensa participação e Dessa chapa que se diz “apartidáprotagonismo de mulheres. ria” e procura organizar os estudantes a partir de promessas de viagens e cerNa campanha, os estudantes de divejadas, partiram, além de provocaversos cursos se envolveram nos debações e golpes baixos, uma atitude rates e muitos já reconheciam o atual cista contra a estudante Lires Bastos, DCE como um instrumento de luta por de Serviço Social, negra e militante do direitos, acesso e permanência na unicoletivo Voz Ativa. Enquanto ela fazia versidade. Um dos pilares das bandeicampanha no campus, um estudante ras de luta apresentadas foi a democrade Engenharia disse: “Vai lavar esse cia dentro e fora dos muros na univerteu cabelo pra falar comigo, sua suja. sidade e também a luta contra o corte Vai tomar banho. Tu tem essa cara de de verbas da Educação e as campanhas suja, tu é toda suja, sai daqui”. “Devolvam o meu Fies”, “Por um ResEste fato foi amplamente denuntaurante Universitário barato e de quaciado e repudiado por muitos estudanlidade” e “Contra o aumento das mentes da PUC-RS e fora dela por ser uma salidades” – sempre demonstrando atitude de segregação racial, dando inícompromisso contra as opressões e cio à formação de um coletivo de neapoio aos movimentos sociais. gros dentro da PUC-RS, o que só com“Diante do cenário atual na socieprovou que a direita tem interesses dade, que se mostra mais elitista e conopostos aos dos estudantes e que a vitóservador, é essencial um DCE que se ria da Chapa 3 foi mais do que necesmantenha combativo contra as opressária para avançar na construção de sões e as dificuldades vividas pelos esum movimento estudantil combativo. tudantes dentro e fora da PUC-RS”, deLires Bastos e Victoria Chaves, coorclarou a prounista Mariana Roliano. denadoras da Executiva do Diretório Foram intensos dias de campaCentral dos Estudantes da PUC-RS nha, com seis chapas concor- A Verdade rendo no pleito. A disputa foi marcada por uma forte polarização entre a Chapa 3 – de composição de partidos de esquerda e coletivos e independentes de esquerda que faziam parte da gestão do ano passado – e a Chapa 2 – composta por independentes e por partidos de direita, que fizeram parte da ges- “Unidade para avançar” ganha eleição do DCE da PUC-RS
De cada dez escolas no Brasil, sete não têm quadra poliesportiva O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão ligado ao MEC, divulgou recentemente uma pesquisa sobre a situação das quadras poliesportivas nas escolas públicas do Brasil, na qual revelou dados preocupantes. Sete em cada dez escolas públicas não possuem quadras poliesportivas, sejam elas do ensino fundamental ou médio. Além disso, das quadras existentes, 40% não são cobertas. Esse descaso cria uma série de problemas para o País, sobretudo quando temos que ver estudantes recebendo as aulas de Educação Física (que é componente obrigatório nos anos finais do ensino fundamental e médio) em espaços improvisados ou embaixo de sol, sujeitos à violência ou a doenças como a insolação. No campo pedagógico, a falta de espaços para a prática desportiva dificulta a interação entre os alunos, uma integração entre comunidade e escola, por meio de programas sociais como o Escola Aberta ou mesmo um espaço para eventos locais, o que acaba alimentando os aluguéis de espaços privados, descaracterizando a escola como espaço formador de uma cultura popular local para toda a comunidade. País da Copa ou País da Educação? Se o descaso com a educação básica é precário, o compromisso com a saúde, por meio da prática de exercícios e hábitos saudáveis, promovidos sobretudo pela prática desportiva, não fica de fora. Apesar de o governo federal ter prometido construir 6.116 quadras e cobrir quatro mil até 2014 com o 2° Programa de Aceleração de Crescimento (PAC 2), quase nada aconteceu. Se em três anos (2010 a 2013) o número de quadras construídas subiu apenas 5% (de 28,5% a
33,4%), imagine-se hoje. O problema não são recursos, mais uma vez. O programa Esporte e Grandes Eventos Esportivos, do Ministério do Esporte, recebeu em 2014 (ano da Copa) R$1,1 bilhão e, desse valor, apenas 16% (R$ 205 milhões) foram usados. Mais: só para “implantar, modernizar e estruturar espaços de lazer, recreação e esportes educacionais” são destinados R$ 687 milhões; desses, nada até agora foi utilizado. O custo estimado pelo próprio governo para construir uma quadra poliesportiva está entre R$ 240 mil e R$ 500 mil e entre R$120 mil e R$ 240 mil para cobrir uma quadra já feita. Ou seja, dinheiro não falta para melhorar e promover a prática esportiva em todas as escolas do País. Mas a política do governo é outra: o atual ministro do Esporte é George Hilton (PRB-MG), que admitiu “não entender profundamente de esportes” ao tomar posse. Vale lembrar que a pasta não é muito bem administrada faz um tempo, como no caso de Orlando Silva (PCdoB) que foi exonerado do cargo em 2011, após denúncias de desvio de verbas do Ministério, justamente de um programa que visava à promoção do esporte em comunidades carentes (Segundo Tempo). Enquanto isso, nossos estudantes têm que amargar horas e horas no sol, enquanto o governo gasta milhões para ajeitar espaços privados (como o estádio do Corinthians, pago com dinheiro público). Promover a prática desportiva é um dever do Estado, e um bem necessário. Claro que ver sua juventude saudável, ocupando seu tempo com práticas culturais saudáveis não é de interesse dos capitalistas. O que querem mesmo é mão de obra barata e alienação. Cloves Silva, estudante de letras da UFRPE e militante do MLC-PE
8 Maio de 2015
LUTA POPULAR
Movimentos promovem jornada nacional de luta pela moradia A Verdade
Rio de Janeiro
Belém
N
os dias 15 e 16 de abril, as principais entidades populares de luta pela reforma urbana – Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM), Central dos Movimentos Populares (CMP), Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam), Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) e União Nacional por Moradia Popular (UNMP) – promoveram uma Jornada Nacional de Luta pelo Direito à Moradia e pela Função Social da Propriedade. Em todo o País, milhares de pessoas foram às ruas exigir que os direitos constitucionais à moradia e à função social da propriedade sejam cumpridos. Além da pauta principal, a jornada dos movimentos também defendeu o lançamento imediato da terceira etapa do programa Minha Casa, Minha Vida, a liberação dos recursos para a construção de 300 mil moradias na modalidade Entidades e nenhum corte nos recursos do PAC, e mostrou-se contra o PL 4.330, da terceirização. Para Wellington Bernardo, da co-
ordenação do MLB, a jornada serviu para unificar os movimentos de moradia em torno de uma pauta em comum. “O Brasil precisa de uma profunda reforma urbana. O direito do povo à moradia e à cidade não pode continuar refém dos interesses da especulação imobiliária”, disse. Em várias cidades, os movimentos ocuparam as gerências regionais da Caixa Econômica Federal e da Superintendência de Patrimônio da União (SPU) para cobrar mais agilidade na liberação de terrenos e recursos para a construção de moradias populares. No Recife, um terreno de propriedade da União foi ocupado pelos movimentos. “É preciso que o governo desaproprie as grandes propriedades, especialmente as vazias e ociosas, e democratize o acesso à terra urbanizada para as famílias que precisam de um lugar para morar”, defendeu Serginaldo Santos, da CMP-PE. No dia 16, cerca de duas mil famílias foram a Brasília para levar ao governo federal as reivindicações dos movimentos. Os manifestantes se con-
João Pessoa
Natal
centraram em frente à Catedral de Brasília e seguiram em marcha pela Esplanada dos Ministérios até o Ministério da Fazenda, onde entregaram um documento contra o ajuste fiscal, em defesa do Minha Casa, Minha Vida. Da Redação
Porto Alegre
MLB realiza encontro de mulheres Foi num clima de muito debate e alegria que se realizou, no último dia 12 de abril, na escola Darcy Ribeiro, no Recife, o 1º Encontro de Mulheres do Movimento de Lutas nos Bairros, Vilas e Favelas de Pernambuco. Participaram cerca de 70 lutadoras do movimento popular pela reforma urbana, vindas de Olinda, Jaboatão dos Guararapes, Recife e Caruaru. Durante o dia, revezaram-se na mesa as coordenadoras estaduais do Movimento e representantes das diversas ocupações do Estado, coordenadas por Elaine Silva. O encontro contou também com a presença de Valdelene Lima (Movimento Flor do Carmelo) e de repre-
sentantes do Movimento de Mulheres Olga Benario. Pela manhã, a temática geral foi sobre a participação das mulheres nos movimentos sociais e na transformação social, política e econômica do nosso país. Sobre essa temática, ficou claro nos debates o crescimento e a importância feminina na luta por uma sociedade mais justa, tendo em vista que somos a maioria na população brasileira, mas não apenas por isso, principalmente, por sermos nós as que mais sofremos com as desigualdades sociais. No turno da tarde, o plenário foi divido em grupos, com os seguintes temas: saúde, educação, violência contra
a mulher, habitação e a redução da maioridade penal. Ao decorrer dos debates, foram colocadas insatisfações e muitas discordâncias com relação ao insuficiente investimento feito nas áreas sociais. Todas saíram do encontro com a certeza de que ainda é preciso avançar muito na luta, e, nesse sentido, foram elaboradas propostas para ajudar a combater esse sistema injusto e incapaz de melhorar as condições de vida do povo. A principal tarefa agora é levar debates como esses para as comunidades pobres com o objetivo de cons-
CULTURA Música afro quebrando os preconceitos Toca Ogan tem 45 anos e foi um dos fundadores do grupo Nação Zumbi, liderado pelo músico Chico Science (falecido em 2 de fevereiro de 1997). No ano passado, realizou o lançamento de seu CD solo, “Desatando o laço”, numa apresentação gratuita. Com o som do berimbau numa mistura de ritmos, Toca traz em seu repertório a musicalidade afro, cubana e o maracatu. É diretor do projeto social “Os Mulambos” e realiza todas as quartas e quintasfeiras, à noite, apresentações culturais no Nascedouro de Peixinhos (bairro da periferia na cidade de Olinda-PE), com a Orquestra Filhos de Peixe, composta por crianças carentes da comunidade. Sobre a música como instrumento de luta social Toca é taxativo: “se a gente se unir, a gente vence”. Que papel desempenha na sua música a identidade cultural, nacional e afro? Tem muita gente que dança o ritmo do Candomblé, mas não sabe que é o Candomblé, tem preconceito. Eu não tenho nenhum preconceito com reli-
A Verdade
Toca Ogan e o seu berimbau
gião, escuto qualquer um que seja. Contanto que me respeite, eu respeito. O meu dever é lutar, mostrar a cultura afrobrasileira e vou levar até onde eu puder levar. Essa também é a sua forma de combater o racismo e o preconceito? Sim, com certeza. Tem tanta gente que fala mal do Candomblé, mas quando chega no final do ano vai tomar banho de mar, vai jogar flores no mar. Então essa é uma forma de levar, tanto na música, no canto, defender a bandeira. É o único caminho que temos de quebrar o preconceito.
Desde o primeiro manifesto do movimento mangue beat, há a d e n ú n c i a d o s p ro b l e m a s sociais. O primeiro manifesto chegava a citar Josué de Castro. Na sua visão, qual a relação entre a música e essas questões sociais? Nós sempre trabalhamos com o social, nós educamos, nós corremos atrás. Se nós quisermos, se nós buscarmos, nós conseguimos. Então é a gente arregaçar as mangas e ir pra guerra. Se a gente se unir, a gente vence. A que veio “Desatando o laço”, seu CD solo? Quais as caraterísticas, qual a contribuição? “Desatando o laço” é a forma como eu consegui levar o ritmo do berimbau, porque as pessoas só veem o berimbau como sendo ritmo de capoeira, então o CD vem com essa tirada de som, juntando o afro, o cubano, a ciranda, o maracatu. E também pela minha Nação Angola. Uma expressão utilizada quando se consegue superar uma adversidade é que se desatou o laço. Thiago Santos, Recife
A Verdade
cientizar as mulheres e todos aqueles que desejem lutar por uma sociedade melhor. Natália Freitas, Coordenação do Movimento de Mulheres Olga Benario de Pernambuco
Arcoverde realiza Curso de Teoria Marxista Nos dias 22, 23 e 24 de abril, aconteceu o 1º Curso de Introdução à Teoria Marxista no Centro de Ensino Superior de Arcoverde (CESA), que se localiza no Sertão de Pernambuco. Organizado pelo Centro Cultural Manoel Lisboa e pela Coordenação do Curso de História do CESA, o evento teve participação de 130 estudantes e vários professores da faculdade, e contou com a participação de Hinamar Medeiros, engenheiro agrônomo e diretor do jornal A Verdade, Marcus Vinicius, estudante de História e diretor da União Nacional dos Estudantes (UNE), Thiago Santos, estudante de Direito e coordenador do Movimento Luta de Classes (MLC), e Cleiton Ferreira, geógrafo doutorando pela UFPE e pesquisador de movimentos sociais urbanos e território. Ao longo do curso, foram debatidos os modos de produção econômicos, alguns conceitos como maisvalia, lucro, superestrutura e infraestrutura, os conceitos
de materialismo e dialética. No último dia, com o tema “socialismo utópico e socialismo científico”, foi exposto como a ideia de uma sociedade socialista foi construída desde os socialistas utópicos até chegar em Marx e Engels, com quem a análise da luta de classes ganhou caráter científico, constituindo-se, nas palavras destes dois pensadores, como o “motor da história”. Vários estudantes levantaram questionamentos e opiniões a respeito dos temas, contribuindo para o debate sobre o marxismo e o socialismo. Muita agitação e propaganda do marxismo foi feita, não só através dos debates, mas também com a venda de livros das edições Manoel Lisboa e do jornal A Verdade. A realização do curso provou que o marxismo está mais atual do que nunca e que os estudantes, professores e a sociedade em geral têm interesse em debater este tema. Tainan Amaral, militante do MLC
INTERNACIONAL
9 Maio de 2015
Grécia x Alemanha: quem deve a quem? Jorge Batista, São Paulo
E
m 2009, o mercado financeiro anunciou que a Grécia estava doente. Anunciou que os efeitos da crise mundial de 2008 se abateram com força sobre a economia grega e de outros países do sul da Europa (Portugal, Espanha e Itália) e que o remédio para a doença seria amargo e doloroso.
Cada dose desse remédio quase mata o doente. De 2009 a 2015, a Grécia reduziu seu Produto Interno Bruto (PIB) em quase um terço, ou seja, 100 bilhões de dólares a menos, a cada ano. Para o atual PIB, de cerca de 241 bilhões de dólares, a Grécia deve aos banqueiros e especuladores da Alemanha, França e outros países imperiElliniki Epanastasi alistas quase 450 bilhões de dólares, mais de 180% do seu PIB. Estes dados, por si, comprovam que o ajuste econômico que beneficia os ricos não tem como objetivo salvar ou consertar a economia, mas manter os gregos subjugados ao capital financeiro e retirar do povo helênico as conquistas de bem-estar social adquiridas na luta após a Segunda Guerra Mundial. A saída para essa situação Gregos contra austeridade da União Europeia Em nenhum momento o povo grego aceitou calado a aplicação Austeridade era a tarja do remédas medidas antipopulares. No grande dio que foi aplicado com doses de renúmero de greves gerais, manifestadução do salário dos funcionários púções e ocupações, os gregos construíblicos (da ativa e aposentados), deram seu caminho para sair dessa situamissão de milhares de trabalhadores e ção, culminando com a eleição da Coacortes profundos no orçamento das lizão de Esquerda (Syriza, em grego) áreas sociais. para o governo central do país, com A doença, no entanto, não regrequase a metade dos deputados. diu nem um pouco e se manifestou coO Syriza, que tem Alex Tsipras como nova crise em 2012. Anunciaram mo o primeiro-ministro, vive hoje o didessa vez o mesmo remédio, agora lema de sair ou não da Zona do Euro, mais amargo e em doses alopáticas. na medida em que o Banco Central EuExigiram privatizações, fechamento ropeu e a Alemanha aumentam a presde escolas, aumento dos impostos sosão e a chantagem. Os principais paíbretudo, inclusive da energia elétrica, ses da União Europeia, Alemanha e e que se escrevesse na Constituição França, exigem da Grécia sacrifícios do país que a prioridade seria o pagaque eles mesmos se negaram a fazer mento de juros, acima de tudo e de toem épocas anteriores. dos.
Em 1945, as dívidas alemãs e francesas representavam mais de 200% do PIB e, em 1950, foram reduzidas para menos de 30% à custa da anulação de contratos, auditoria e revisão de juros e da desvalorização cambial. Todos esses instrumentos estão sendo negados à Grécia dos dias atuais. Quem deve a quem? Uma das primeiras medidas de Alex Tsipras como novo comandante do governo foi a de prestar homenagens oficiais aos 200 mártires gregos assassinados durante a invasão nazista alemã em 1944. Lembrar que os alemães invadiram e saquearam a Grécia na metade do século passado, sem nunca haver indenizado o povo grego por esse crime, que não foi um acaso. No plano fascista de dominação da Europa durante a Segunda Grande Guerra, a invasão de Atenas era uma tarefa para a Itália, de Mussolini. Mas os gregos rechaçaram a invasão italiana em 1940, expulsando o exército do Duce de volta para a Albânia. Coube à Alemanha salvar seu aliado, invadindo a Grécia com superioridade de tanques, helicópteros e aviões. I Katochi (do grego, A Ocupação) é como ficou registrado na história grega o período da invasão alemã, que vai de abril de 1941 até 1945. Segundo escreveu o historiador inglês Mark Mazower na obra After the War was Over: Reconstructing the Family, Nation and State in Greece, mais de 300.000 pessoas morreram de fome em Atenas durante a invasão. A economia do país ficou em ruínas. Em 2000, um julgamento da Su-
prema Corte grega condenou o governo alemão a pagar 28 milhões de euros aos familiares de cerca de 200 pessoas assassinadas na cidade de Distomo durante a invasão. Essa decisão permite, inclusive, a expropriação de propriedades alemãs em território grego. Até hoje, o governo alemão pagou, a título de indenização ao povo grego, apenas 115 milhões de marcos alemães, na década 1960. Tanto os governos socialdemocratas quanto os da direita se negaram a negociar os termos dessa indenização quando da entrada do país na União Europeia, sendo responsáveis pela situação de penúria que hoje vive a Grécia. Yanis Varoufakis, ministro da Economia grego, calcula em 162 bilhões de euros o montante que a Alemanha deve à Grécia em indenizações. Desses, 108 bilhões são relativos à destruição da infraestrutura do país e 54 bilhões dizem respeito a um empréstimo que os nazistas obrigaram o governo fantoche da ocupação a fazer, beneficiando os interesses alemães. O problema da dívida grega diz respeito a toda a classe trabalhadora da Europa. Trata-se de saber se o capital financeiro, que está sediado principalmente na Alemanha e na França, conseguirá submeter todos os povos europeus no seu plano de destruir as conquistas sociais consolidando o Estado neoliberal. Os únicos que se beneficiam com o pagamento de juros pela Grécia são os banqueiros e especuladores
A luta da ciência contra o conservadorismo Abner Santos, Sorocaba
O Design Inteligente (D.I.) é uma pseudociência que vem tentando ganhar espaço dentro da academia, argumentando que a evolução não é capaz de explicar a biodiversidade, e que toda a vida na Terra deve ter sido criada a partir de um “designer” superior, não importando qual a sua natureza. Só difere do antigo, ultrapassado e surrado criacionismo por não se posicionar quanto à entidade do criador. Grande parte dos acadêmicos que defendem o Design Inteligente (D.I.) não são biólogos. O mais importante sobre o debate Evolução versus D.I. é que não existe debate: os defensores do D.I. não jogam as regras da ciência, formulam suas ideias a partir de conceitos preconcebidos, ou o que eles gostariam que fosse verdade. A mensagem mais clara que a vida já passou para os cientistas é a de que toda a vida na Terra é uma só. Se existem dez milhões de espécies, existem dez milhões de evidências para a evolução, e discutiremos isso em breve. Mas por que a ciência é capaz de explicar o mundo e as pseudociências não? Por que o conservadorismo atrelado ao pensamento anticientífico é tão maléfico à sociedade, e por que é importante avaliar criticamente o que é real e o que é fantasia? Os criacionistas que defendem o D.I. se apoiam em três pilares fundamentais, três argumentos que sustentam a ideia, e, como veremos, todos fracos, desonestos e que refletem uma capacidade limitada de entender a evolução biológica. O primeiro dos pilares é o da chamada antevidência genial que, resumidamente, afirma que os seres vivos já vêm preparados para as
Arquivo
funções que eles ainda não desempenham, como se a vida fosse capaz de resolver problemas futuros. Esquecemse os criacionistas de que os genes variam, os indivíduos são selecionados e as populações evoluem; logo, a seleção natural age apenas sobre a variação existente nas populações. Esquecemse também de que, durante a história da vida, grandes extinções nos dão a impressão que a morte é a regra. Que na esmagadora maioria das vezes a vida não está preparada para resolver problemas que ela nunca enfrentou. A extinção é a regra. Outro pilar é o da “informação funcional aperiódica”, argumentando que nada, a não ser uma mente pensante, poderia organizar tão bem tanta informação genética. Talvez este seja o mais absurdo, pois, dentro dos núcleos das células, 60% dos genes são inativos, não expressam nenhuma característica e são até chamados de lixo genético. Cada uma de nossas células se dá o trabalho de gastar energia para duplicar essa informação, isso é exatamente o que se espera de um processo natural que não faz limpezas periódicas em seu reservatório gênico. O terceiro pilar é o da “complexidade funcional irredutível”. Em outras palavras, seres vivos não podem descender de seres menos complexos que eles mesmos, porque suas complexidades não podem ser reduzidas sem comprometer a vida dos organismos. É como dizer que um castelo de cartas alto, com digamos 100 cartas, sempre teve 100 cartas, porque, caso uma das cartas da estrutura seja tirada, o castelo cairá. A natureza está repleta de seres que são
Charles Darwin
os respectivos castelos com duas, oito ou vinte cartas. A evolução biológica é a verdade, uma teoria, assim como a gravitação, fortemente sustentada por observação, que não pode mais ser tratada como mera hipótese ou opinião. Não se trata mais de acreditar ou não, mas sim de entender ou não. Mesmo que não existisse registro fóssil, ainda seria absolutamente certo que a evolução realmente aconteceu, e as áreas que contribuem para fortalecer a evolução não são poucas. A biogeografia, a morfologia, a genética, a embriologia, a fisiologia e praticamente toda e qualquer área da biologia vão concordar: a evolução é a força criativa da vida na Terra. É preciso ficar atento a tudo que provém do conservadorismo e que serve apenas para atrasar a educação, con-
solidar fortemente ideais que atacam os interesses da classe trabalhadora, uma vez que minam a credibilidade do conhecimento científico, que acaba ficando restrito a poucos. Quanto mais a ciência pertencer a todos nós, menor a possibilidade de uma elite poderosa fazer mau uso dela. A realidade da evolução biológica pode parecer algo distante da realidade do povo, mas, na prática, a forma com que as pessoas encaram não apenas a evolução, mas qualquer outro conhecimento de base científica, faz diferença. Talvez a vida de um trabalhador não mude caso sua crença pessoal o impeça de aceitar a validade da evolução biológica. Mas, certamente, minar a credibilidade da ciência trará malefícios para a vida de todos. Por exemplo, quando houver movimentos pseudocientíficos dizendo (por interesses econômicos da elite) que vacinas causam autismo, e a vida de seu filho seja posta em risco. O trabalhador deve ter acesso à verdade científica, para que toda uma classe não fique vulnerável às manipulações. O conservadorismo é maléfico, das mais diversas formas, para o trabalhador. Abner Santos, estudante de Biologia da UFSCAR - Sorocaba
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10 Maio de 2015
A luta das mulheres contra a pobreza
Yohanan Barros, Rio de Janeiro ão é possível falar de pobreza no feminino sem atentar para o que está na base da desigualdade de gênero em nosso país. O modelo familiar se apresenta como fator determinante quando buscamos perceber as possibilidades de entrada no mercado de trabalho. Quando grande parte das tarefas domésticas é de responsabilidade da mulher, assim como o trabalho de cuidar, fica difícil conciliar o tempo e a disponibilidade laboral que tanto se Pobreza afeta mais as mulheres exigem. Assim, a mulher acaba mens ganham aproximadamente 30% a ficando de fora das oportunidades e do mais que as mulheres de mesma idade e mercado de trabalho produtivo. nível de instrução, quase o dobro da méO trabalho doméstico não é valodia da região (17,2%). rizado na sociedade, ao mesmo tempo em que a ideologia dominante coloca Mercado de trabalho sobre a mulher a responsabilidade priNo Brasil, as mulheres têm mais dimeira de tratar dos filhos e da casa. Isso ficuldade de acesso ao mercado de traseria contraditório se não vivêssemos balho. O quadro se agrava quando têm em uma sociedade patriarcal capitalista filhos ou estão grávidas. Além disso, as em que as lógicas mais descabidas acamulheres estão mais sujeitas ao trababam por tomar forma e sentido. Assim, lho precário, ao trabalho mal remuneraa ordem que impera é a de que, inclusido e às dificuldades de progressão na ve quando as mulheres trabalham fora carreira. de casa, não têm o seu trabalho tão valoNosso país também ocupa o 71º lurizado quanto o dos homens. gar no ranking elaborado pelo Fórum Segundo estudo divulgado pelo Econômico Mundial, que analisa a desiBanco Interamericano de Desenvolvigualdade de gênero em 142 países. No último estudo, realizado em 2014, fomento (BID), apesar do recente cresciram avaliadas diferenças entre homens mento econômico e das políticas destie mulheres em aspectos como saúde, nadas a reduzir as desigualdades, as dieducação, economia e participação políferenças salariais relacionadas a gênetica. O Brasil foi incluído, junto com ouro e etnia continuam significativas nos tros sete países (Bahamas, Belize, Franpaíses latino-americanos. ça, Guiana, Letônia, Namíbia e FilipiEntre os 18 países pesquisados, o nas) na lista dos que superaram a difeBrasil apresenta um dos maiores índirença entre gêneros nos quesitos educaces de disparidade salarial entre hoção e saúde, mas houve piora com relamens e mulheres. Em nosso país, os ho-
N
Engels e a A origem da família, da propriedade privada e do Estado Publicado em 1884, A origem da família, da propriedade privada e do Estado é leitura fundamental para entender o desenvolvimento da civilização e suas instituições. O estudo de Friedrich Engels deu-se sob a concepção materialista da sociedade e foi desenvolvido principalmente com a análise crítica da obra A sociedade antiga, de Lewis H. Morgan, além de outros estudos, como O Direito Materno, de J. J. Bachofen, investigações de Mac Lennan e Karl Marx, entre muitos outros, o que faz de seu estudo uma verdadeira obra-prima para a História. Lembrando que a produção e reprodução da vida imediata são fatores fundamentais para entender as sociedades, Engels resgatou das épocas primitivas diversas formas de organização social. O autor revelou que, quando a humanidade ainda se via em seu estado selvagem, a reprodução da vida se dava pela simples apropriação dos produtos da natureza, já prontos para utilização ou consumo. Na barbárie, período seguinte ao selvagem, homens e mulheres já passavam a interferir na natureza com a agricultura e a criação de gado – produzindo, assim, seus meios de sobrevivência e perpetuação. Já na civilização, a humanidade aperfeiçoou seus meios e instrumentos de produção, elevando significativamente a produtividade do trabalho e a riqueza produzida. Engels mostra que o desenvolvimento das forças produtivas se reflete diretamente nos arranjos parentescos. Seguindo em sua obra, o autor descreveu categorizações das famílias apuradas nos momentos históricos – famílias consanguínea, punaluana e sindiásmica – e evidenciou as transformações na sua constituição de forma fiel ao mate-
rialismo histórico. Até a família sindiásmica, ainda predominava a economia comunista primitiva e a relevância da mulher nas estruturas gentílicas. A posição do homem logrou mais importância com a acumulação de riquezas, o que deu maior relevância à propriedade privada frente à propriedade comum primitiva. A fim de abolir o direito materno e impor a filiação masculina para garantir o direito hereditário paterno, intensificou-se a prática da monogamia exclusiva às mulheres. Engels esclareceu que isso significou nada mais que a sujeição de um sexo pelo outro. A partir dessa família monogâmica, surgiu também o patriarcado. Para o autor, esse novo arranjo familiar fundamentou-se na escravidão doméstica da mulher e esse momento histórico representou uma grande derrota ao sexo feminino. Ao tempo em que a importância à propriedade privada moldava a constituição e as regras das famílias, o mesmo movimento passou a impulsionar a noção de Estado. Engels dedicou grande parte de sua obra para explicar como as gens constituíam a organização social até o ponto em que as instâncias da função pública passaram a dividir os membros das próprias gens, capturadas pelo interesse de proteger a propriedade privada, necessidade oriunda da divisão do trabalho e do próprio desenvolvimento da sociedade, que ampliou diferenças e intensificou conflitos entre detentores e não detentores de riquezas. Com a separação da sociedade entre privilegiados e não privilegiados, a organização gentílica foi esfacelada e os membros não privilegiados foram privados do acesso aos espaços de função e decisão públicas. Nesse processo, o regime gentílico deu lugar ao Estado.
La Jornada
ção às desigualdades econômica e de participação política. No entanto, não é possível entender a pobreza e a sua persistente relação com o gênero feminino, se olharmos apenas para a carência financeira. É necessário perceber a existência de uma série de fatores que estão relacionados e que dizem respeito aos mais variados âmbitos da vida, como subconsumo, desnutrição, baixa escolaridade, inserção instável no mercado, dupla ou tripla jornada de trabalho e pouca participação política e social. Como estratégia de enfrentamento, o movimento de mulheres deve defender a elaboração de políticas que estejam pautadas em nossos problemas específicos, compreendendo que a pobreza atinge diferentemente a homens e mulheres e que estas têm demandas diferentes das dos homens. É preciso, entre outras coisas, defender políticas públicas para reduzir as disparidades salariais e o aumento do nível de escolaridade entre mulheres e homens e a implementação de mais creches para que mais mulheres tenham tempo para dedicar-se à vida profissional. Dentro de casa, devemos lutar por uma divisão de tarefas mais igualitária, com os pais dividindo a criação dos filhos, dando a ambos a possibilidade de manter suas carreiras. As mulheres precisam ser empoderadas pessoal e politicamente para que conquistem sua autonomia, saiam da situação atual de vulnerabilidade e privação, e lutem para pôr fim à perpetuação do ciclo da pobreza imposto pelo capitalismo. A obra de Engels elucida que muitos e muitos costumes e instituições que nos parecem naturais, de tão corriqueiros que são atualmente, derivam, na verdade, das motivações econômicas que deram importância à propriedade privada para a humanidade. É fundamental que percebamos não só que a opressão masculina à mulher coincide com a predominância de uma sociedade motivada pela cobiça, pela avidez de lucro e pela violação pela força, como ressaltou o próprio Engels, mas como o Estado nasce para arbitrar os conflitos oriundos de toda essa lógica, com a missão de proteger os interesses dos privilegiados desse sistema. O autor, no entanto, em um sinal de inconformação com essa ordem social, finalizou sua obra citando um trecho do estudo de Morgan, apontando o que o amadurecimento da classe oprimida e sua rebeldia consequente podem construir: "A democracia na administração, a fraternidade na sociedade, a igualdade de direitos e a instrução geral farão despontar a próxima etapa superior da sociedade, para a qual tendem constantemente a experiência, a razão, e a ciência. Será uma revivescência da liberdade, igualdade e fraternidade das antigas gens, mas sob uma forma superior.“ Carolina Matos, Campinas
MULHER Quatro anos do Movimento Olga Benario Segundo a dialética, o desenvolvimento é resultado de acúmulos da luta entre o velho, o acomodado, o que está arraigado, em contradição ao novo, à transformação. O que temos vivido nestes quatro anos do Movimento de Mulheres Olga Benario tem sido isto. A superação diária de preconceitos da sociedade, dos nossos próprios preconceitos; a dificuldade de afirmação diante do que já está estabelecido; a luta por não esmorecer diante das dificuldades, de não deixar a bandeira cair, de brigar para que o Movimento ocupe o espaço necessário, diante dos inúmeros desafios de quem quer transformar a sociedade; mas, para transformar essa sociedade, é fundamental que este instrumento se firme, se imponha à frente da massa de mulheres, como impulsionador de suas lutas diante do capitalismo e suas mazelas. Nossa caminhada está apenas começando, e os desafios são diários. Este ano, em Pernambuco, temos tido um saldo positivo do nosso Movimento. Contribuímos com o 1º Encontro da Juventude Estudantil Feminina da Uespe e UEP e com o 1º Encontro de Mulheres do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas na Luta por Habitação. Realizamos um curso do texto cubano Por uma ciência para a libertação da mulher. Essas sementes que plantamos são de uma qualidade superior, precisam brotar para que realmente possamos nos enraizar para podermos crescer. Na primeira quinzena de abril, ocorreu a primeira reunião do Núcleo do Olga entre as trabalhadoras de telemarketing, em Pernambuco. As participantes chegaram com grande expectativa e falaram da realidade e dos problemas das mulheres nesta categoria, basicamente composto por mulheres e onde a chefia é, em sua maioria, masculina. Falaram do assédio moral e sexual, da alta rotatividade no setor, que é a categoria que mais emprega mulheres de 18 a 35 anos, junto com o comércio. Segundo elas, nas empresas de telemarketing existe um grande exploração, que passa pela limitação de idas ao banheiro e o controle do tempo que cada trabalhadora pode demorar, sem falar na restrição do direito de levar o(a) filho(a) ao médico em apenas duas vezes ao ano. Outra questão levantada pelas trabalhadoras é a preferência pela mão de obra feminina no setor de vendas, e de como o capitalismo usa as mulheres não só para conquistar, mas para seduzir seus clientes. A nossa perspectiva neste trabalho é, juntamente com o sindicato, promover a conscientização das mulheres de como o capitalismo oprime a mulher em vários aspectos, não só na questão trabalhista. Acreditamos que é fundamental a construção dos núcleos do Movimento de Mulheres Olga Benario entre as trabalhadoras, jovens, mulheres dos bairros – enfim, em toda a sociedade. É necessário ocupar esses espaços debatendo com as mulheres seus problemas, suas contradições com este sistema, identificando suas lutas, levantando suas bandeiras, para criar uma consciência da luta anticapitalista no conjunto das mulheres brasileiras, da construção de um amplo movimento de massas de mulheres, na perspectiva da construção do socialismo. Guita Marli, Coordenação Nacional do Movimento de Mulheres Olga Benario
TEORIA MARXISTA Sebastião Salgado
11 Maio de 2015
O que é consciência de classe? Glauber Ataide, Belo Horizonte
U
tilizamos em nosso cotidiano diversos termos, expressões e conceitos que temos certeza saber o que significam, até o momento em que tentamos explicá-los a alguém e nos damos conta, então, de que não os compreendíamos tão claramente quanto parecia. O filósofo Santo Agostinho percebeu isso, por exemplo, quando refletia sobre a natureza do tempo: “O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não o sei.” (Confissões, Agostinho, Livro XI) Com o termo consciência de classe passa-se algo semelhante. Embora tenhamos uma noção mais ou menos aproximada do que seja consciência de classe, quando nos debruçamos sobre o tema percebemos que ele apresenta mais complexidades do que parecia num primeiro momento. Mas se os revolucionários se propõem à tarefa de desenvolver a consciência de classe dos trabalhadores, então é necessário aprofundar a compreensão deste conceito tão caro à teoria e à práxis marxistas. O ser do proletariado Em A sagrada família, Marx afirma que a consciência de classe proletária, ou seja, a consciência do proletário em relação ao seu presente e ao seu destino, não é aquilo “... que este ou aquele proletário, ou até mesmo do que o proletariado inteiro pode imaginar de quando em vez como sua meta. Trata-se do que o proletariado é e do que ele será obrigado a fazer historicamente de acordo com o seu ser. Sua meta e sua ação histórica se acham clara e irrevogavelmente predeterminadas por sua própria situação de vida e por toda a organização da sociedade burguesa atual”. Marx traça aqui uma distinção importante entre o que o proletariado pode, às vezes, pensar ou imaginar (vorstellen) como seu objetivo e o que de fato ele é. Segundo o filósofo alemão, o que será determinante na ação histórica do proletariado se funda em seu próprio ser social, e não naquilo que ele pensa sobre si. Este ponto toca em uma clássica problemática filosófica: a relação entre o ser e o pensar. Quanto ao pensar de uma classe sobre si mesma e seus objetivos, Engels afirma que as ações conscientes não são o fator principal das grandes transformações históricas. Em sua exposição sobre o materialismo histórico em Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã, Engels afirma que, para compreender a história, é preciso ir além dos motivos, da intenção consciente que levam os homens a agir, pois esses motivos têm uma importância apenas secundária para o resultado do conjunto, muito embora nada na história aconteça sem uma intenção consciente. Nas palavras de Engels: “As numerosas vontades individuais que operam na história produzem, na maior parte do tempo, resultados completamente diferentes daqueles desejados – frequentemente até opostos – e, por conseguinte, seus motivos têm igualmente uma importância apenas secundária para o resultado do conjunto. Por outro, restaria saber quais forças motrizes se escondem, por sua vez, atrás desses motivos, quais são as causas históricas que, agindo na mente dos sujei-
tos agentes, transformamse em tais motivos.” Estes motivos conscientes de que fala Engels são aqueles que, para cada indivíduo da classe, se lhe apresentam como justificativa ou motivo imediato de sua ação. São análogos ao que a psicanálise denomina racionalização, no sentido de que são justificativas que encobrem algo mais fundamental que ainda permanece oculto, que não emerge à consciência. Engels não nega que os homens atuem na história de forma consciente, mas, para ele, trata-se de uma falsa consciência. Em uma carta a Franz Mehring, de 14 de julho de 1893, ele afirma: “A ideologia é um processo que de fato é levada a cabo com consciência pelos chamados pensadores, mas com uma falsa consciência. As verdadeiras forças motrizes que os movem lhes permanecem ocultas”. Isso diz respeito também ao proletariado. Como Marx enfatizou, não se trata do que o proletariado pode pensar sobre si mesmo, mas do que ele será obrigado a fazer historicamente de acordo com seu próprio ser. Isso nos mostra que a consciência de classe não é a mesma coisa que a mera consciência psicológica de sua situação de classe. Em um sentido marxista estrito, não se pode dizer, por exemplo, que um operário tenha consciência de classe apenas por saber que é explorado. A consciência psicológica de sua situação de exploração não é ainda consciência de classe. Assim, é o ser do proletariado enquanto classe que define o curso histórico que ele deve seguir, e não o que ele pensa sobre si próprio. Consciência proletária e consciência burguesa György Lukács (1885-1971), certamente um dos maiores filósofos marxistas do século 20, legou-nos uma importante obra na qual investigou profundamente a consciência de classe. Em seu artigo Consciência de classe (1920), Lukács afirma que nas sociedades précapitalistas nenhuma classe social era capaz de ter consciência de classe (no sentido estrito que o proletariado terá mais tarde), e isso pelo fato de o fundamento econômico dessas sociedades não ser tão evidente como no capitalismo, mas, antes, se confundir com os estamentos e o sistema jurídico. Será apenas no capitalismo que a estratificação da sociedade em classes irá corresponder a uma estratificação baseada no lugar que cada uma delas ocupa no processo de produção, embora essas classes pré-capitalistas não tenham desaparecido completamente com o surgimento do capital, sendo possível, ainda hoje, encontrar vestígios delas. Na sociedade capitalista apenas a burguesia e o proletariado são “classes puras”, isto é, classes “cuja existência e evolução baseiam-se exclusivamente no desenvolvimento do processo moderno de produção”. As outras classes, pelo fato de sua posição na sociedade não se fundar exclusivamente no seu lugar no processo de produção, são incapazes de perceber a sociedade atual em sua totalidade e, por isso, estão condenadas a desempenhar um papel subordinado, nunca podendo intervir efetivamente na marcha histórica como fator de conservação ou progresso, isto é, como classes exclusivamente reacionárias ou revolucionárias. Assim, por exemplo, o caráter incerto ou estéril de classes como a pequena-burguesia, que, de certa forma, ainda se relacionam às formações sociais anteriores ao capitalismo, explica-se pelo fato de sua existência não ser fundada exclusivamente sobre sua situação no processo de produção capitalista. Seu inte-
resse de classe manifesta-se em função de manifestações parciais da sociedade, e não da construção da sociedade como um todo. Como afirmou Marx no 18 Brumário de Napoleão Bonaparte, a pequena-burguesia, como classe de transição em que os interesses das duas outras classes se enfraquecem simultaneamente, sentir-se-á sempre “acima da oposição de classes em geral”, e tentará sempre “harmonizar” o conflito entre as classes principais. Não se pode, portanto, falar propriamente de consciência de classe em relação a classes como a pequena-burguesia ou o campesinato, pois uma plena consciência de sua situação lhes revelaria a ausência de perspectivas de transformação da sociedade como um todo. A burguesia, embora seja, ao lado do proletariado, a outra única classe pura do capitalismo, é incapaz de desenvolver consciência de classe da mesma forma que o proletariado, possuindo, antes, uma “falsa” consciência. Para que a burguesia tivesse consciência de classe – o que não é o mesmo que a consciência psicológica de seus interesses de dominação –, teria que deixar de considerar os fenômenos da sociedade do ponto de vista dela própria. Assim, a barreira que faz da consciência de classe da burguesia uma “falsa” consciência é objetiva: é a situação de sua própria classe. Embora ela possa refletir com certa clareza sobre todos os problemas inerentes ao capital, quando a solução destes aponta para além do capitalismo sua consciência se obscurece, torna-se turva. Os limites objetivos da produção capitalista são os limites da consciência de classe da burguesia. Totalidade e projeto Uma sucinta definição de consciência de classe formulada por Lukács é que ela seria “a reação racional adequada, que deve ser adjudicada (zugerechnet) a uma situação típica determinada no processo de produção”. Parece complexo, mas não tanto. O termo alemão zugerechnet pode também ser traduzido como imputado ou atribuído. Assim, esta curta definição significa que, ao se relacionar a consciência com a totalidade da sociedade, torna-se possível reconhecer os pensamentos e os sentimentos que os homens teriam tido numa determinada situação da sua vida, se tivessem sido capazes de compreender perfeitamente essa situação e os interesses dela decorrentes, tanto em relação à ação imediata quanto em relação à estrutura de toda a sociedade conforme esses interesses. Ainda segundo Lukács, “do ponto de vista abstrato e formal, a consciência de classe é, ao mesmo tempo, uma inconsciência, determinada conforme a classe, de sua própria situação econômica, histórica e social”. De maneira que “a vocação de uma classe para dominação significa que é possível, a partir dos seus interesses e da sua consciência de classe, organizar o conjunto da sociedade conforme seus interesses”. Essa definição contém pelo menos dois aspectos fundamentais que caracterizam a consciência de classe: visão da totalidade da sociedade e ter um projeto para organizá-la conforme seus interesses. O proletariado se distingue das outras classes por não se ater às particularidades dos acontecimentos históricos, mas se remeter sempre às questões últimas do processo econômico objetivo. Por isso, Marx afirma em Salário, Preço e Lucro que é importante que o proletariado não superestime o efeito das lutas cotidianas contra o capital. Ele não deve se esquecer de que, no plano econômicosindical, ele “luta contra os efeitos, e não contra a causa desses efeitos”; que nessas lutas ele pode “diminuir a velocidade da marcha do movimento, mas não mu-
dar sua direção”; que essas lutas são apenas paliativos que “não curam a doença”. Desse modo, o proletariado não deve se ocupar exclusivamente dessas inevitáveis guerras de guerrilha e, “ao invés da palavra de ordem conservadora: 'Um salário diário justo por um dia de trabalho justo!', ele deveria escrever sobre seu cartaz a solução revolucionária: 'Abaixo o sistema assalariado!'”. (Karl Marx, Lohn, Preis und Profit, p. 152, tradução nossa) Também no Manifesto do Partido Comunista Marx e Engels assinalam que uma das diferenças dos comunistas em relação aos outros partidos proletários reside no fato de estes não se limitarem apenas às lutas imediatas dos trabalhadores, mas sempre levarem em conta o futuro do movimento. “O resultado real de suas lutas não é a vitória imediata, mas a união cada vez maior dos trabalhadores.” Neste mesmo sentido, ao descrever a formação do proletariado em Miséria da filosofia, Marx afirma, expressandose em termos hegelianos, que a concentração de um grande número de operários nas grandes fábricas das cidades foi o que primeiramente uniu o proletariado nos primórdios do capitalismo. Mas nessa primeira forma de união o proletariado se constituía apenas como uma classe em si, ou seja, era uma classe em relação ao capital. Mas é necessário que o proletariado se torne uma classe para si mesmo, isto é, que eleve a necessidade econômica de sua luta de classe ao nível de uma vontade consciente, de uma consciência de classe ativa. Consciência de classe e transformação histórica A consciência de classe, sendo diferente de uma consciência meramente psicológica do proletário quanto à sua situação de miséria, exploração, etc., não tem um caráter meramente contemplativo. Ela é mais que isso, envolvendo os interesses que são decorrentes dessa situação tanto no que diz respeito à ação imediata quanto em relação à estrutura de toda a sociedade. E isso só pode ser pensado quando se tem referência na totalidade. O proletariado deve agir de acordo com seu ser, mas esse agir não é inconsciente, nem sua consciência é falsa, como no caso das outras classes sociais. Pela primeira vez na história, é possível que uma classe atue de modo consciente como fator de progresso, e aqui sua consciência reflete seu próprio ser social. Nas sociedades anteriores, bastava que as classes revolucionárias agissem tendo em conta seus interesses imediatos e, por isso, sua tarefa foi mais fácil do que a que está colocada hoje ao proletariado. Na consciência de classe se dá o autoconhecimento do proletariado, o que lhe revela, ao mesmo tempo, toda a estrutura da sociedade capitalista e sua própria missão histórica enquanto classe. Tal consciência se constitui, portanto, como uma unidade dialética indissociável de teoria e prática. É por isso que Lukács afirma que “a combatividade de uma classe é tanto maior quanto melhor for a consciência que ela puder ter na crença de sua própria vocação”, isto é, na sua vocação para dominação, de seu papel e lugar na história. O desenvolvimento econômico do capitalismo apenas criou a posição do proletariado no processo de produção, e tal posição determinou seu ponto de vista. Este desenvolvimento objetivo apenas colocou diante do proletariado a possibilidade e a necessidade de transformar a sociedade. Esta transformação, por sua vez, só pode ser o ato livreconsciente – do próprio proletariado. (Glauber Ataide é militante do PCR e estudante de Filosofia na UFMG)
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HISTÓRIA
Maio de 2015
Exército Vermelho salvou humanidade do nazismo José Levino
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o capitalismo, as guerras são fruto da concorrência entre as classes dominantes de diferentes nações pelo domínio do planeta. Na Primeira Guerra Mundial, formaram-se dois blocos imperialistas opostos: Tríplice Aliança (Impérios Alemão, AustroHúngaro e Turco-Otomano) e a Tríplice Entente (Impérios Inglês, Francês e Russo). O sol nasce vermelho Algo novo, entretanto, surgiu durante a Primeira Guerra Mundial: a revolução socialista de outubro de 1917, na Rússia; nova cisão ocorria no mundo, agora dividido em dois sistemas adversos: o capitalismo e o socialismo. Os dois blocos capitalistas passaram a ter um objetivo comum: a destruição do primeiro Estado operáriocamponês da história, em vista da restauração do capitalismo em escala global. Foi com este propósito que o bloco vencedor investiu na economia alemã 15 bilhões de marcos em seis anos (1924-1929). Quando o nazismo se apossa da Alemanha e explicita seu intento de domínio mundial, as potências capitalistas dominantes não tratam de combatê-lo. Ao contrário, fecham os olhos às suas agressões e até incentivam o monstro nazista a direcionar seu ataque contra a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Em 1939, a URSS propôs à Inglaterra e França um pacto para ações militares conjuntas se os países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão), bloco nazifascista, iniciassem a guerra na Europa. Não houve rejeição formal, mas nenhum passo foi dado por parte dos países capitalistas para concretizar o pacto. Ao contrário, França e Inglaterra firmaram com Alemanha e Japão acordos de não-agressão. Deixada sozinha, em agosto de 1939, a URSS assinou com a Alemanha um tratado de não-agressão. Os dirigentes sabiam que, mais cedo ou mais, tarde Hitler romperia o acordo, mas conseguiram ganhar um tempo valioso para transferir parte de suas indústrias para o leste do grande território soviético, bem como reforçar sua capacidade de defesa militar. De 1938 a 1941, Hitler ocupou Áustria, Checoslováquia, Polônia, Bélgica, Holanda, Dinamarca, Noruega, Grécia, Iugoslávia e finalmente a própria França. Na Europa central e oriental, a Alemanha adquiriu imensa quantidade de material de combate, meios de transporte, matériasprimas, materiais estratégicos e força de trabalho, tornando-se forte o suficiente para atacar a URSS. Hitler, no livro Mein Kampf (Minha Luta), proclamou: “...tratando-se de obter novos territórios na Europa, deve-se adquiri-los principalmente à custa da Rússia”. A invasão hitlerista foi impiedosa. “Fuzilavam em massa as pessoas (mulheres, crianças, idosos, montavam campos de morte, deportavam para trabalho forçado na Alemanha. Por onde passavam, não deixavam pedra sobre pedra”. Era a política do extermínio. “Eu tenho o direito de destruir milhões de homens de raça infe-
Arquivo
rior que se multiplicam como vermes” (Hitler). Em resposta, o governo, o Partido Bolchevique e o povo soviético lançaram a palavra de ordem: “Morte aos invasores fascistas, tudo para a frente! Tudo para a vitória!”. Às fileiras do Exército Vermelho se integraram milhões de homens. Criaram-se também inúmeros regimentos de milícia popular, contando com dois milhões de combatentes. Formou-se ainda na retaguarda uma força guerrilheira massiva. A dedicação e bravura do povo soviético comoveram o mundo e foram decisivas para quebrar a resistência capitalista (EUA, Inglaterra, França). Formou-se finalmente o bloco aliado, antifascista, a frente única dos povos pela democracia. Caíra por terra a ideia de Hitler de que a ocupação da URSS seria um passeio uma “guerra relâmpago”. Os nazistas não imaginavam a resistência que encontrariam nas principais cidades: Leningrado, Stalingrado, Kiev e Moscou, entre tantas. Homens, mulheres, idosos e crianças se ergueram como muralha inexpugnável. Os feitos do povo soviético repercutiram no mundo inteiro, levando um jornal burguês como o STAR, de Washington, a publicar: “Os sucessos da Rússia na luta contra a Alemanha hitleriana revestem-se de grande importância não só para Moscou e o povo russo, como também para Washington, para o futuro dos Estados Unidos. A história renderá homenagens aos russos por terem suspendido a guerra relâmpago, pondo em fuga o adversário”. Em junho de 1942, os invasores avançam, mas encontram uma barreira instransponível em Stalingrado. Durante sete meses de combate, os invasores perderam 700.000 soldados e oficiais, mais de mil tanques, dois mil canhões e morteiros, 1.400 aviões. Os invasores eram tecnicamente superiores, mas, em novembro de 1942, os números já se invertiam em favor dos soviéticos. Os alemães estavam com 6.200.000 soldados, os soviéticos com 6.600.000; 5.000 tanques invasores contra 7.000 soviéticos; 51.000 peças e morteiros contra 77.000. Na derrota do Stalingrado, os nazistas perderam 1,5 milhões de soldados e oficiais. “... Do ponto de vista moral, a catástrofe que o exército alemão sofreu nos acessos de Stalingrado teve um efeito sob o peso do qual ele não pôde mais reerguer-se”. (A segunda guerra mundial, B.Lideel Hart) Depois, ocorreu a vitória do Cáucaso e se iniciou processo de expulsão em massa dos ocupantes nazistas. “A União Soviética pode orgulhar-se das suas heroicas vitórias”, escreveu o presidente dos EUA, Franklin Roosevelt, acrescentando: “...os russos matam mais soldados inimigos e destroem mais armamentos do que os outros 25 estados das Nações Unidas no conjunto”. O final de 1943 marca a virada na frente soviética e na Segunda Guerra em geral. O movimento contra o nazifascismo se consolidou e se ampliou em todo o planeta. Em junho de 1944, com o exército alemão batido em todas as regiões da URSS, as tropas anglo-americanas
Soldado levanta bandeira vermelha no parlamento alemão
desembarcaram no Norte da França, dando início à frente ocidental proposta pelo governo soviético desde o início da invasão. Pode-se dizer que a essa altura a guerra estava decidida, diante da derrota alemã na Rússia. O próprio Winston Churchil, primeiro-ministro britânico, reconhece o papel fundamental dos soviéticos, no discurso pronunciado na Câmara dos Comuns, em julho de 1944: “....Considero meu dever reconhecer que a Rússia mobiliza e bate forças muitíssimas maiores que as enfrentadas pelos aliados no Ocidente, que, há longos anos, ao preço de imensas perdas, ela suporta o principal fardo da luta em terra”. Um Exército Libertador Apesar de imensas perdas, o Exército Vermelho avançou no encalço dos alemães pela Europa Oriental adentro, fustigando os nazistas e auxiliando as forças populares da resistência a derrotarem os ocupantes e seus colaboradores internos. Repúblicas democrático-populares foram instaladas com os partidos comunistas à frente na Polônia, Hungria, Iugoslávia, Checoslováquia, Romênia e Bulgária. “Para Berlim!” era a palavra de ordem do exército libertador. Não foi um passeio. A resistência nazista, embora enfraquecida, produzia encarniçados e sangrentos combates. Os russos vitoriosos não mataram, não pilharam, não se vingaram dos crimes cometidos pelo exército alemão no solo soviético. Ao contrário, alimentaram os famintos, organizaram a assistência médica, o funcionamento dos transportes, a distribuição de água e de energia elétrica. A 2 de maio de 1945, o Comando Supremo alemão assinou o ato de capitulação incondicional das forças armadas, com a bandeira da URSS tremulando no alto do parlamento alemão, em Berlim. No dia 09 de maio, houve um imenso ato em Moscou em comemoração ao fim da Grande Guerra Patriótica (como os soviéticos denominaram sua participação na Segunda Guerra Mundial) e, desde então, até hoje, celebra-se na Rússia esta data como o Dia da Vitória. Sob novos céus Terminada a guerra na Europa, era preciso voltar-se para a Ásia. O Japão, aliado dos nazistas dominava milhões de pessoas na China, na Coreia, nas Filipinas. Apesar de as forças armadas dos EUA e da Inglaterra virem imprimindo sucessivas derrotas, as for-
ças japonesas ainda eram numerosas e fortes. De vez em quando, elas atacavam as fronteiras da URSS e torpedeavam navios soviéticos em altomar. No dia 8 de agosto de 1945, a União Soviética declarou guerra ao Japão e começou a ofensiva. Nesse mesmo dia, o primeiro-ministro japonês, Teiichi Suzuki afirmou: “...A entrada da URSS na guerra hoje de manhã põe-nos definitivamente numa situação sem saída e torna impossível continuar a guerra”. Estava certo. No final do mês, o Exército nipônico havia perdido 677 mil soldados e oficiais: 84 mil mortos e 593 mil prisioneiros. Ao contrário do que muitos pensam, e a historiografia burguesa busca difundir, não foram as bombas estadunidenses lançadas no início de agosto contra Hiroshima e Nagasaki que provocaram a capitulação japonesa. A guerra continuou normalmente depois do ataque bárbaro e covarde. A rendição resultou do destroçamento do exército nipônico pelas tropas soviéticas. Se alguém duvida, leia o testemunho do general Chenault, que chefiou as forças dos EUA na China: “...A entrada da URSS na guerra contra o Japão foi o fator decisivo para o fim da guerra no Pacífico, o que sucederia mesmo sem o emprego de bombas atômicas. O rápido golpe desferido pelo Exército Vermelho sobre o Japão fechou o cerco que pôs finalmente o Japão de joelhos”. O Exército Vermelho contribuiu ainda para a expulsão dos nazistas da China e da Coreia. O sacrifício do povo soviético foi inestimável. Mas valeu a pena porque livrou a Humanidade da besta nazista. Foi também a vitória do socialismo que saiu da Segunda Guerra triunfante em toda a Europa Oriental e na China. Por todos, valeu a carta de agradecimento enviada pelo povo coreano a Josef Stalin, comandante supremo das forças soviéticas: “... Os combatentes soviéticos chegaram não como conquistadores, mas como libertadores. Emancipada da escravidão, a nossa pátria respirou livremente. O céu apareceu-nos radioso. A nossa terra floresceu. Jorraram canções de liberdade e felicidade...”. (José Levino é historiador) Fonte de pesquisa: O Grande Feito do Povo Soviético e do Seu Exército. Vassili Riábov, Edições Progresso, Moscou,1983.