Jornal A Verdade - Setembro

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www.averdade.org.br

ELES DERAM SUAS VIDAS PELA LIBERDADE NO BRASIL

MANOEL LISBOA

MANOEL ALEIXO

AMARO LUIZ

AMARO FÉLIX

ELES MERECEM JUSTIÇA! PELO DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE

EMMANUEL BEZERRA

Partido Comunista Revolucionário

Um jornal dos trabalhadores na luta pelo socialismo R$ 2,00

Brasil, setembro de 2015 - Ano 15 - Nº 176

Patrões já demitiram 500 mil trabalhadores neste ano

Adonis Guerra

Apenas nos seis primeiros meses deste ano, os patrões, os donos das indústrias, das lojas e dos bancos, já demitiram mais de 500 mil trabalhadores, mas nenhum trabalhador demitiu sequer um patrão. Estas centenas de milhares de pessoas ficarão, portanto, desamparadas, pois na sociedade capitalista o trabalhador que não vende sua força de trabalho não recebe salário e, sem dinheiro, não consegue comprar alimentos, pagar aluguel ou a conta de luz ou de água. Página 3

Passeata dos operários da Mercedes Benz em São Bernardo do Campo contra as demissões

Petroleiros lutam contra privatização Página 2

Como Manoel Lisboa derrotou os terroristas da Ditadura

“Queremos fortalecer a unidade das mulheres da América Latina e do Caribe”

Página 5

A grilagem de terras na Amazônia

Leia entrevista com Luz Eneida Mejia, presidente do Movimento de Mulheres Trabalhadoras da República Dominicana. Página 10

Página 9

A história da Primeira Internacional Em 1864, operários de vários países, tendo à frente Karl Marx e Friedrich Engels, resolveram se unir para criar a Associação Internacional de Trabalhadores (AIT), conhecida como Primeira Internacional. A AIT teve um importante papel no desenvolvimento da organização e da consciência de classe dos operários em todo o mundo e comprovou a necessidade de uma organização mundial da classe operária. Página 12

Marx e Engels, fundadores do socialismo científico


2 Setembro de 2015

SOCIEDADE

FRASE DO MÊS

“Não há como tomar o poder sem luta”. John Lennon (1940-1980)

Petroleiros da Transpetro se unem contra privatização

Sindipetro Heron Barroso, Rio de Janeiro esquartejamento da rão imensos prePetrobras continua. juízos para a naNo último dia 18 de ção brasileira, agosto, o Conselho com perda de sode Administração da compa- berania e impacnhia autorizou a venda de, pe- tos diretos na ecolo menos, 25% do capital da nomia nacional”, BR Distribuidora, maior rede afirma. de postos de combustível do De fato, com País, avaliada em US$ 10 bi- a venda da TAG, lhões. o País perderá Além disso, a Transporta- completamente dora Associada de Gás (TAG), o controle estra- Protesto dos petroleiros contra privatização da BR empresa que opera os gasodu- tégico da distribuição do gás “A categoria não permititos da estatal, também está na natural, o que levará à perda rá que a Petrobras seja gerida fila da privatização. A propos- da soberania energética e ao pelo mercado, como querem ta é dividir a malha de dutos aumento nos preços do produto. os banqueiros e o setor finanpor região (Norte/Nordeste e O s t r a b a l h a d o r e s d a ceiro”, defende Simão ZanarSul/Sudeste), o que possibili- Transpetro, responsáveis por tará a venda de até 80% dos ati- toda a logística de produção di, presidente do Sindipetro vos. Dessa forma, a rede de ga- da Petrobras, também serão Caxias (RJ). A cada nova medida visodutos, que hoje é 100% esta- prejudicados, uma vez que o sando à privatização da Petrotal, passará para as mãos do se- novo proprietário da TAG pobras, cresce na categoria o sentor privado. derá não contratar a Transpetimento de que é preciso deAo todo, está prevista a tro para fazer a manutenção e venda de US$ 15,7 bilhões em operação dos dutos e faixas. fender a empresa contra o desativos da Petrobras até o ano Assim, mais de três mil em- mantelamento imposto pelos que vem, e outros US$ 42 bi- pregos diretos e cinco mil indi- setores entreguistas que sonham em ver terminada a obra lhões, entre 2017 e 2018, além retos serão cortados. de cortes de US$ 76 bilhões Diante dessa ameaça, a iniciada no governo FHC em investimentos e despesas. FUP e seus sindicatos filiados (1995-2002). “É apenas o começo do convocaram uma greve de 48 Defender a Petrobras condesmonte do Sistema Petro- horas dos trabalhadores da tra a privatizaçã o é defender bras”, denuncia José Maria Transpetro a partir do dia 4 de a soberania nacional e que Rangel, coordenador nacional setembro. A greve será nacio- as riquezas do Paıś sejam utida Federação Única dos Petro- nal e envolverá todas as insta- lizadas para melhorar a vida leiros (FUP). “Se levadas adi- lações terrestres e aquáticas da do povo brasileiro. ante, essas medidas significa- Transpetro no País.

O

Os esquecidos moradores de rua Lucas Barbosa, São Bernardo do Campo Nos últimos meses, os ca- res. Outra causa é a dependênsos de moradores de rua que cia química, com um número morrem nas cidades brasileiras muito elevado de viciados em mostram uma triste realidade drogas. E pessoas com doenças nos centros urbanos. Em julho, e transtornos mentais que, abanna cidade de São Bernardo do donados por familiares, ou deCampo, uma mulher foi encon- saparecidos, chegam às ruas. O trada morta por hipotermia em desemprego é outra causa que uma das madrugadas mais frias afeta diretamente o problema, do ano na cidade. No mesmo com destaque para imigrantes mês, um homem foi morto bru- e ex-presidiários que têm difitalmente a pauladas no centro culdades e poucas opções de de São Paulo. Dentre tantos mas- ter um trabalho registrado. É comum ouvir que as pessacres como o da Candelária, no Rio de Janeiro, em 1993, e o soas que estão nas ruas são as Massacre da Sé, em 2004, em únicas responsáveis por sua sique houve envolvimento direto tuação. Os meios de comunide policiais militares. De acor- cação reproduzem o discurso do com o Instituto Brasileiro de do ódio, do preconceito, e reGeografia e Estatística (IBGE), forçam a imagem negativa de mais de dois milhões de brasile- quem vive na rua, rotulam coiros são moradores de rua. Só mo mendigos, incapazes, vagaem São Paulo, são mais de 15 bundos ou viciados criminomil. Mais de 70% são mulatos sos. Logo, cria-se a ideia de que não se deve importar com ou negros de baixa escolaridade. Quando nos deparamos o outro que não é perceptível, com uma pessoa em situação de o outro ignorado, que não é visrua, logo surgem vários questio- to, sem voz e excluído, o ser innamentos como: quais são suas visível. Muitas vezes, o goverhistórias de vida e por que che- no encobre o problema em vez garam lá? Por que nada é feito de repensar políticas públicas. para garantir os direitos dela? O geógrafo e professor Milton Por que cada vez mais seres hu- Santos, autor do livro “A urbamanos vivem em uma situação nização brasileira”, disse: “Ao tão desumana nas cidades gran- longo do século, mas sobretudes? São homens, mulheres, cri- do nos períodos mais recentes, anças, idosos, famílias inteiras o processo brasileiro de urbaexcluídas, sem identidade, indi- nização mostra uma crescente víduos que, muitas vezes, tor- associação com o da pobreza, nam-se invisíveis, porém huma- cujo lugar passa a ser cada vez nos. Muito dos motivos que le- mais a cidade, sobretudo a vam essas pessoas até a rua são grande cidade”. O crescimento a violência, principalmente a do- da economia brasileira nos últiméstica, desde física até psico- mos anos trouxe enormes lulógica, movida por preconceito cros para os capitalistas, mas a e ódio, que afetam principal- qualidade de vida das cidades mente idosos, crianças e mulhe- do Brasil é péssima.

A verdade é que essas pessoas chegam até a rua porque vivemos em uma sociedade em que o lucro vem acima das vidas das pessoas e a desigualdade é a condição para que o capital possa reproduzir e aumentar seus lucros. O capitalismo se apropria de todas as riquezas produzidas pelos trabalhadores, é um sistema profundamente autoritário e elitista e não permite que a cidade seja um espaço democrático e justo. O espaço urbano passou a ser determinado pelas grandes corporações, empresas, bancos e empreiteiras que ditam como querem as cidades. O desemprego, a pobreza, a violência, o aumento do aluguel, o absurdo de pessoas que vivem nas ruas e das crianças que passam fome são provas de que o capitalismo – com suas contradições – é o responsável por haver tantas pessoas esquecidas nas ruas das cidades brasileiras. A cidade não pode ser um lugar de negócios lucrativos a serviço de uma elite. Nossas cidades são dominadas cada vez mais pelo capital em aliança com o Estado burguês. O mantra reacionário que esconde o problema, ao invés de resolver, esconde a realidade. A cidade que desejamos é outra. Tem moradia digna e respeito aos direitos humanos, o poder pertence ao povo, e os trabalhadores compartilham dos frutos do que se produz coletivamente. (Lucas Barbosa é do Movimento de Luta nos Bairros – MLB)

Reforma agrária é abandonada pelo governo Hinamar Medeiros, Recife A reforma agrária pressupõe desconcentrar a propriedade da terra, alterando a estrutura fundiária e tornando produtivas as terras ociosas, subutilizadas e de baixa produtividade. A função social somente é atendida quando a terra produz, utiliza racionalmente os recursos naturais, respeita a legislação que regula as relações de trabalho e assegura o bem-estar daqueles que nela trabalham. Já colonização é toda atividade oficial ou particular que se destine a promover o aproveitamento econômico da terra, pela sua divisão em propriedade familiar ou por meio de cooperativas em áreas pouco povoadas. Nos aspectos agronômicos, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ainda se baseia em índices da tecnologia da década de 1970 para definir se uma propriedade é produtiva ou não. Também os proprietários rurais que praticam trabalho escravo e degradante e aqueles que cometem crimes ambientais não têm suas terras destinadas para a reforma agrária. No caso do trabalho escravo, as propriedades rurais devem ser expropriadas (desapropriação sem indenização), como dispõe a Constituição brasileira, mas, até hoje, não se conhece nenhuma propriedade expropriada por nenhum governo brasileiro. A presidenta Dilma Rousseff, no mês de junho, anunciou que encomendou ao Ministério do Desenvolvimento Agrário a elaboração de um novo plano de reforma agrária. No seu último mandato, de 2011 a 2014, somente 107.354 famílias sem-terra foram beneficiadas pelo Governo Federal, segundo dados do Incra. Nos governos Lula e FHC, para uma comparação próxima, o número de assentados jamais foi inferior a 200 mil. No ano passado, somente 32 mil famílias foram assentadas. O número é inferior ao de todos os anos dos antecessores de Dilma. Recentemente, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, anunciou que o Governo irá destinar 12,2 milhões de hectares de terras federais da chamada Amazônia Legal, que engloba os Estados do Acre, Amazonas, Amapá, Mato Grosso, Maranhão, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. “A regularização fun-

diária na Amazônia é prioritária porque a região é muito grande, uma região que, durante séculos, foi habitada muito aquém das suas possibilidades, e isso cria uma insegurança, principalmente, nas chamadas terras devolutas, que pertencem ao Governo, e, do outro lado, pessoas mais agressivas, para não dizer oportunistas, que se aproveitam disso para se tornarem proprietárias dessas terras vazias que, a rigor, pertencem à sociedade brasileira”, afirmou o ministro. Colonização não é reforma agrária, mas é evidente que também faz parte das atribuições do Incra. Hoje, muitos assentamentos na Amazônia se encontram abandonados e sem políticas que os tornem viáveis do ponto de vista econômico, social e cultural. Alguns sofrem de reconcentração fundiária e ocupação irregular. Isso é justamente o contrário do proposto pela política de reforma agrária. Há também os que passam por um violento saque de recursos naturais, especialmente madeira. Nas jornadas de agosto, o MST voltou a denunciar a paralisação da reforma agrária no País e ocupou 13 sedes do Ministério da Fazenda contra os cortes na reforma agrária. O Governo anunciou a recomposição do orçamento – o ajuste fiscal tinha cortado quase 50% dos recursos da reforma agrária – de R$ 3,5 bilhões, sobrou apenas R$ 1,8 bilhão. Na ocasião, Alexandre Conceição, coordenador nacional do MST, afirmou que “tivemos quatro anos pífios. O Governo Dilma optou por estruturar os assentamentos já existentes em vez de assentar as famílias que ainda precisam de terra. Ao fazer isso, o ritmo de assentamentos diminuiu. Essa política foi equivocada. Os números são decepcionantes, sobretudo por conta do apoio que sempre demos ao PT. O Governo Dilma conseguiu ser pior que o de FHC”. O fato de que o ritmo de assentamentos de famílias é o menor em 20 anos revela a concepção da ministra da Agricultura, Kátia Abreu, que afirma sistematicamente: “Não existe latifúndio no Brasil, e a reforma agrária não precisa ser feita em massa”. (Hinamar Medeiros é agrônomo)

www.averdade.org.br End.: Rua Carneiro Vilela, nº 138, 1º andar, Espinheiro, Recife, Pernambuco, Brasil, CEP: 52.050-030 Telefones: (81) 3427-9367 e 3031-6445 E-mail: redacao@averdade.org.br Jornalista: Rafael Freire (MTE-PB: 2.570) Diretor de Redação: Luiz A. Falcão Projeto gráfico: Guita Kozmhinsky São Paulo: (11) 98123-3427 Rio de Janeiro: (21) 98083-4999 Minas Gerais: (31) 9331-4477 e 9133-0983 Espírito Santo: (27) 99993-6692

Bahia: (71) 9194-1800 e (75) 9198-2901 Alagoas: (82) 98852-8688 e 98875-0330 Paraíba:(83) 98736-0001 e 98772-8249 Rio Grande do Norte: (84) 99688-4375 Ceará: (85) 98549-9667 e 99759-2295 Piauí: (86) 98887-5120 e 99827-5425 Pará: (91) 98822-5586 Amazonas: (92) 98222-3265 Rio Grande do Sul: (51) 8172-4826 Paraná: (41) 9233-3111 Goiás: (62) 8257-3427 Brasília: (61) 8262-9047


EDITORIAL

3 Setembro de 2015

Greves de operários impedem demissões Luiz Falcão

Q

ue há uma crise na economia brasileira e mundial não há mais quem duvide. A própria presidenta da República, Dilma Rousseff, declarou em entrevista aos jornais burgueses Folha de São Paulo, O Globo e Estado de São Paulo que errou ao não ter percebido, ainda em 2014, que a crise econômica era grave. Porém, ao contrário do que dizem os grandes meios de comunicação a serviço da classe dominante, são os trabalhadores e povo pobre quem mais sofrem as consequências dessa crise, embora não tenham nenhuma responsabilidade pelo seu surgimento, tampouco pela nomeação do ministro da Fazenda ou do presidente do Banco Central, pois não estão no governo, e, muito menos, mandam nas empresas em que trabalham. Prova disso é que, apenas nos seis primeiros meses deste ano, os patrões, os donos das indústrias, das lojas e dos bancos, já demitiram mais de 500 mil trabalhadores, mas nenhum trabalhador demitiu sequer um patrão. Somente no mês de julho, foram 157,9 mil trabalhadores. Estas centenas de milhares de pessoas ficarão, portanto, desamparadas, pois na sociedade capitalista o trabalhador que não vende sua força de trabalho não recebe salário e, sem dinheiro, não consegue comprar alimentos, pagar aluguel ou as contas de água e luz. Com o patrão, a situação é oposta. Ele é o dono da empresa e, no pior dos casos, diminui a produção, mas continua obtendo lucro graças à exploração dos operários que permanecem empregados e seguem produzindo sempre mais do que o salário que recebem. Além disso, enquanto os trabalhadores perdem seus empregos e são jogados no olho da rua, os patrões utilizam o capital que antes era usado para contratar operários e comprar matérias-primas para aplicar em títulos da dívida pública, beneficiando-se dos altos juros pagos pelo governo ou enviam esse dinheiro para bancos no exterior. Em vez de produção, especulação financeira Há ainda casos de empresários que, em vez de continuarem com suas indústrias, produzindo, viram importadores de produtos fabricados em outros países, preferencialmente na China. Segundo Carlos Pastoriza, presidente da Associação Brasileira de Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), “várias indústrias silenciosamente deixam de ser fabricantes para virarem montadoras e, em seguida, importadoras. Fazem isso de uma forma maquiada. Por exemplo, o eletrônico vem acabado da China, a empresa tira a placa do produto xingue-lingue e coloca a de fabricado no Brasil, com uma marca conhecida”. (FSP, 12/08/15) Assim, mesmo na crise, os patrões conseguem ficar mais ricos, enquanto os trabalhadores ficam mais pobres. Para termos uma ideia da fortuna que os capitalistas que investem em títulos da dívida pública ganham sem nada produzir, basta observar que, devido à taxa Selic (taxa fixada pelo BC) hoje, em 14,25%, o governo federal paga R$ 300 bilhões de juros por ano. Para pagar esses bilhões, o governo corta investimentos, deixa de enviar medicamentos para os postos e hospitais, corta bolsas de estudantes, dinheiro do Fies e do Prouni, nega

CSP

qualquer reajuste aos servidores públicos e corta verbas da educação, da saúde pública e da reforma agrária. Resultado: em plena crise, o banco Itaú lucrou, de janeiro a julho, escandalosos R$ 11,71 bilhões; e o Bradesco, R$ 9,617 bilhões. Mas, em vez de enfrentar o grave problema da dívida pública e de pôr fim aos escandalosos pagamentos dos juros da dívida, mesmo que temporariamente, Assembleia dos metalúrgicos da GM em São José dos Campos por meio de uma morasim a vitória dos operários da GM: “O tória, a presidenta Dilma e o PT preferesultado dessa greve é de grande imrem seguir a receita sugerida pelo afilhado do presidente do Bradesco, o mi- portância para todo o país. Vivemos um momento em que os patrões estão nistro Joaquim Levy, e continuar audemitindo milhares de companheiros, mentando o patrimônio dos parasitas sem qualquer reação por parte do godo capital financeiro, e ampliando o verno. Nossa mobilização mostrou domínio do capital sobre a economia que é possível resistir e vencer. Os mebrasileira com novas privatizações, cotalúrgicos, mais uma vez, deram promo a venda da BR e da Transpetro, leiva de sua força”. lões do nosso petróleo, além de jogar Também os operários da Merceo país na maior recessão dos últimos des-Benz de São Bernardo do Campo anos. Em consequência, a cada dia cruzaram os braços contra as demisque passa, cresce a desconfiança dos sões, e 10 mil trabalhadores da empretrabalhadores num governo no qual sa marcharam unidos, no dia 26 de votaram com a esperança de que melhorariam suas condições de vida e po- agosto, contra as demissões na rodovia Anchieta. Após oito dias de greve, deriam, pelo menos, conseguir trabaas demissões foram suspensas, e emlhar. presa e sindicato decidiram adotar o Luta contra as demissões PPE. Numa tentativa de diminuir as deO caráter explorador e cruel da burmissões, o governo adotou duas mediguesia, a classe que é dona dos meios de das paliativas: o Programa de Proteprodução, fica ainda mais evidente ção ao Emprego (PPE), que autoriza quando lemos os relatos dos operários os patrões a reduzir a jornada de trabaque foram demitidos pela GM e pela lho e os salários em até 30% e, mais re- Mercedes. centemente, a liberação de R$ 5 bilhões¹ em crédito via Banco do Brasil “Não teve critério nenhum para os e Caixa para a indústria automobilísticortes e é muita injustiça com os traca, as montadoras. Nenhuma medida, balhadores. Ninguém pode desanimar porém, para taxar as grandes fortunas. por ter sido pego de surpresa. Vamos Entretanto, mesmo recebendo esfazer a luta pelos empregos. Estou no ses privilégios, os donos das empresas último ano da faculdade, tenho dois fiseguem demitindo os trabalhadores, lhos e valorizo muito o meu emprego. seja para aplicar o dinheiro no mercaEstava conversando sobre estagiar do financeiro seja para forçar uma ainaqui e agora acontece isso. Vamos luda maior redução no preço da força de tar para reverter a decisão.” - Tarcisio trabalho. Miranda, há quatro anos na funilaDe fato, a General Motors, de ria da GM uma tacada só, demitiu 798 operários de sua fábrica em São José dos Cam“Minha reação foi de espanto ao pos. A Mercedes, por sua vez, resolsaber da minha demissão. Estou há veu chantagear os operários: anunciou anos na fábrica, nunca faltei ou dei um que irá demitir, em setembro, 2.000 motivo sequer para ser tratado apenas operários de sua fábrica em São Bercomo um número, mesmo com pronardo do Campo, a não ser que os opeblemas de saúde. Tenho os dois omrários aceitem reduzir os salários e de- bros comprometidos, a coluna e faço sistam de qualquer reajuste em 2016. tratamento contra trombose. E sempre Mas, como ensina a sabedoria pocontinuei firme porque valorizo o meu pular, o pau que bate no Chico bate trabalho. A dor agora não é só física, e também no Francisco. Muito embora sim emocional.” - Leandro Dias da os operários não sejam donos das fáSilva, 11 anos, na montagem de camibricas na sociedade capitalista, eles nhão da Mercedes são proprietários de sua força de trabalho e sabem que sem ela nada pode “Nunca recebi uma carta de deser produzido. Com essa consciência, missão, mas já senti tudo isso na pele. os operários da GM, comandados por Meu marido, que estava em layoff² no seu sindicato, viram que a única coisa primeiro semestre, foi demitido, o que que poderia salvá-los da guilhotina nos abalou profundamente. Fico emodos patrões era a sua união e luta e decionada porque amanhã pode ser eu, cidiram entrar em greve. Durante 14 por ver pais e mães que não poderão dias, nenhum operário entrou para tracontar mais com aquela renda certa tobalhar, e a fábrica parou 100%. No dia do o mês. Que dependem do convê21 de agosto, vendo que não haveria nio, que pagam a escola dos filhos, como fazer a fábrica voltar a produzir que colocam comida na mesa.” - Sueli sem os trabalhadores, a GM revogou Maria Bertuzzi Freitas, 11 anos, na todas as 798 demissões, e os dias paralogística da Mercedes dos não foram descontados. O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos Na verdade, o único objetivo da de São José dos Campos, Antônio Ferburguesia é aumentar seus lucros. A reira de Barros (Macapá) analisou asclasse dos exploradores não possui ne-

nhuma compaixão e não é nem um pouco solidária com o sofrimento de um pai ou de uma mãe que ficam desempregados. Pelo contrário, prefere que existam mais e mais desempregados, pois, assim, cresce o exército industrial de reserva, e o salário tem uma queda no seu valor. Para os patrões, o desemprego é uma benção, pois quanto mais operários estiverem desempregados, menor será o salário a ser pago ao trabalhador empregado, consequentemente seus lucros serão maiores³. Tentando justificar as demissões, os empresários afirmam que a situação está ruim para todo mundo. Ora, como pode a situação estar ruim para as indústrias de veículos se, somente nos últimos cinco anos, elas enviaram US$ 16,286 bilhões para o exterior, o equivalente a R$ 58,95 bilhões? Toda essa situação mostra não só o fracasso da política econômica do governo, o chamado Plano Levy, como também deixa clara a impossibilidade de conciliar os interesses da burguesia com a classe operária. Infelizmente, algumas forças de esquerda, sob a alegação de que o principal é garantir o crescimento da economia, seguem pregando o desenvolvimento capitalista como o caminho para tirar o Brasil da crise, bem como a aliança com a burguesia nacional. Ora, como temos visto, o crescimento capitalista sempre significa, de um lado, aumento dos lucros e das riquezas da classe capitalista, e, de outro, desemprego, fome e miséria para a grande maioria da população. Prova disso é que, embora o Brasil seja a 7ª economia do mundo, ocupa o 79º lugar entre os países no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da Organização das Nações Unidas (ONU). Com efeito, como mostraram os operários metalúrgicos, a verdadeira solução para a crise é a união e a luta da classe operária contra os patrões, contra qualquer redução de salário ou demissão e o desenvolvimento de sua consciência e organização rumo à conquista do poder pelos trabalhadores para pôr fim em definitivo ao sofrimento dos pobres com a passagem do controle dos meios de produção – terra, máquinas e fábricas e dos bancos – para as mãos da classe operária e dos camponeses. (Lula Falcão é diretor de Redação do jornal A Verdade e membro do Comitê Central do PCR) ¹Lembremos que, nos últimos anos, a indústria automobilística já recebeu do governo federal cerca de R$ 11 bilhões em isenção de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) entre outras benesses do governo. ²Layoff: Suspensão temporária do período de trabalho ou do contrato de trabalho durante um período de tempo, com o trabalhador recebendo o salário integral ou apenas parte dele. Após esse tempo, o trabalhador volta para a empresa. ³De acordo com o IBGE, devido às milhares de demissões, o rendimento médio real dos trabalhadores, em julho deste ano, teve uma queda de 2,4% em comparação com julho de 2014.


4 Setembro de 2015

BRASIL

Unidade Popular conquista 58 mil assinaturas de apoio

Thiago Santos, Recife

A

Carol Vigliar

reforma agrária para os semterra”. São algumas das explicações para motivar o apoio em poucos segundos, durante a abordagem às pessoas que transitam nos locais onde ocorrem as campanhas. O trabalho é simples e empolgante: os militantes se agrupam em equipes, geralmente de três a sete pessoas, com fichas de apoio, caneta e pranchetas e fazem individualmente a abordagem. Para estiMilitante da UP recolhe apoiamentos em São Paulo mular o trabalho, costumam estabelecer metas para os membros trô e na porta de empresas de telemardos grupos, e é comum ocorrerem keting”, declaram os militantes. competições entre os seus membros O discurso é direto e objetivo: para saber quem vai coletar mais assi“Estamos construindo um novo partinaturas por dia. O uso de recursos visudo. Precisamos de 500 mil assinaturas ais, como faixas, banners e camisas, autorizando o seu funcionamento. Você pode assinar?”. De uma maneira ge- desperta a curiosidade das pessoas que passam e facilita a abordagem. ral, as pessoas assinam. Quando é necessário, vai-se mais Quando perguntados sobre quem a fundo, na mesma medida da resisestá fundando esse partido, assim se tência que é encontrada. “Tudo passa definem os militantes da UP: “Somos um partido de trabalhadores, que desepela política: desde o salário mínimo jam melhores salários e trabalho deaté os investimentos em saúde e educente. De mulheres que lutam contra a cação. A única maneira que encontraviolência, a discriminação e o machismos de defender melhorias para o pomo. De jovens que querem mais vervo sem nos envolver com políticos em bas públicas para a educação, em vez que ninguém mais acredita é fundande bilhões para financiar banqueiros e do um novo partido”. Ou ainda: “As empresários; Queremos emprego de denúncias de corrupção mostram que qualidade, casa para o povo e terra paprecisamos de uma alternativa à esra a reforma agrária”. querda”; “Nosso partido defende a redução no valor da conta de luz, auEmpolgados com os resultados obmento dos salários dos trabalhadores, tidos até agora, a executiva nacional congelamento dos preços das mercaprovisória pretende chegar até o final dorias e do aluguel. Queremos casas do ano com 150 mil assinaturas, conpopulares para os que não têm casa e forme resolução divulgada em agosto:

“Rumo às 150 mil assinaturas em 2015! Trabalhando incansavelmente com a contribuição militante de cada equipe que saí às ruas, vamos construir uma alternativa de esquerda e socialista, fruto da vontade e do apoio dos próprios trabalhadores”. Uma brutal e esmagadora luta de classes contra os interesses dos explorados e a favor dos capitalistas se desenvolve em toda a sociedade, em particular, nos espaços políticos institucionais e tem se agravado com a crise. Exemplos não faltam: ajuste fiscal, que aperta os trabalhadores e beneficia os capitalistas; ministérios ocupados por latifundiários, usineiros e empresários; e uma enorme quantidade de deputados aprovando leis que retiram direitos conquistados à duras penas, como PIS, seguro desemprego e aposentadoria. Aprendemos a defender nossos interesses nas greves, nas ocupações, passeatas e nas lutas em geral. Com a construção da UP, poderemos levar nossa ação para dentro do atual aparelho político do Estado: com nossos próprios representantes vamos estender aos espaços de poder atualmente estabelecidos a luta que nossa classe já trava contra os patrões capitalistas (que fazem do Estado uma mera continuação dos seus negócios, deixando apenas as migalhas para o povo oprimido). Coletar as assinaturas de apoio à Unidade Popular pelo Socialismo é uma tarefa urgente e fundamental. Vamos trabalhar com dedicação para avançar na construção do socialismo no Brasil!

PL 2.016/2015 criminaliza luta política

ca” e outros termos que não dizem nada. Delegados e promotores, através de um filtro ideológico, dirão quem é e quem não é movimento social. Qual manifestação é legítima e qual não é. É aí que reside o problema. A proposta tem como base fundante o direito penal do inimigo, o que permitirá, sem dúvida alguma, a prisão de lideranças de movimentos sociais, a exemplo do que ocorreu nas manifestações de junho de 2013. É mais um instrumento de ampliação do Estado policial e uma evidente armadilha política para as lutas sociais no Brasil. Um terrível e desnecessário erro político que deve ser repudiado pelas forças de esquerda e por aqueles que tratam com um mínimo de seriedade a ciência penal. A Lei de Segurança Nacional, cujo relatório final da Comissão da Verdade recomenda sua revogação, porque caracterizada como entulho autoritário, foi usada diversas vezes contra o MST e inúmeros processos foram instaurados contra trabalhadores rurais sem terra que, legitimamente, reivindicavam política pública de reforma agrária, constitucionalmente estabelecida. O mesmo acontecerá com o PL 2.016/2015, se for aprovado. Não há dúvidas de que a luta política será criminalizada diante da evidente ausência de grupos terroristas no Brasil. No documentário “Em busca de Iara”, sobre Iara Iavelberg, lutadora histórica contra a ditadura militar, veem-se os cartazes da época que a colocavam como “terrorista” junto com Carlos Lamarca. Esperava-se que a experiência histórica fosse suficiente para impedir o envio desse Projeto de Lei. Wadih Damous, deputado federal (PT), ex-presidente da OAB-RJ e da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro

Unidade Popular pelo Socialismo (UP), que está recolhendo assinaturas de apoio para obter o registro de partido político no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), já coletou, até o início de agosto, 58 mil assinaturas. Ao todo, são necessárias 492 mil assinaturas de eleitores autorizando o funcionamento do partido, conforme exige a legislação eleitoral. “Pelo desejo de mudança e o descrédito dos atuais partidos políticos, estamos confiantes que é possível conseguir”, declarou Leonardo Péricles, dirigente nacional do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) e presidente da Executiva Nacional da UP. Nas fichas devem constar: nome do eleitor e nome da mãe (completos e sem abreviaturas) e a data de nascimento. Depois de preencherem os dados do eleitor, os militantes da UP pedem que a pessoa assine, conforme assinou na última eleição. Com esses dados legíveis, é possível obter o número da inscrição eleitoral no site do TSE (é obrigatório), já que a maioria das pessoas não costuma ter em mãos o título de eleitor. Os locais de grande circulação são os preferidos da militância para o trabalho de coleta de assinaturas: estações de ônibus e metrô, as grandes praças centrais das maiores cidades, empresas com grandes fluxos de trabalhadores nos horários de entrada e de saída, e porta-a-porta nos bairros populares. “Temos obtido excelentes resultados nas assembleias das ocupações de sem-teto, nas estações de me-

A raiz histórica do termo “terrorismo” data da etapa complexa e sangrenta da Revolução Francesa designada como Terror. No texto “Reflexões sobre terrorismos”, de fundamental leitura, o jurista Nilo Batista relembra o famoso discurso de Robespierre perante a Convenção, em 5 de fevereiro de 1794, em que estabelece uma relação retórica entre virtude e terror, na qual o segundo se converte num meio de implantação compulsória da primeira. A “regra básica da defesa social é limitada aos cidadãos pacíficos: na República, apenas os republicanos são cidadãos”. Essas raízes históricas ajudam a nos situar para o debate quanto à real necessidade de tipificação do terrorismo no Brasil, surgida a partir de Projeto de Lei enviado pela presidenta da República, cujo texto-base foi aprovado no último dia 12 de agosto. Denunciei, na tribuna da Câmara dos Deputados, juntamente com os parlamentares Glauber Braga (PSB-RJ) e Edmilson Rodrigues (Psol-PA), a completa impertinência e insensatez do Projeto de Lei enviado pelo Executivo em regime de urgência. É impertinente porque o Brasil já dispõe de legislação mais do que suficiente para processar e julgar eventuais crimes praticados por razões políticas. Inclusive, recentemente, alteramos a Lei de Organizações Criminosas para permitir o uso daquelas técnicas de investigação para o caso de atos terroristas. Todos os crimes previstos no Projeto de Lei já estão no Código Penal. A urgência pedida pelo Executivo fez com que não houvesse a mínima discussão do tema com juristas e sociedade civil, sequer tempo

de maturação tivemos. Quando os EUA grampearam ilegalmente autoridades políticas brasileiras e de todo o mundo, o fizeram com a desculpa de que estavam a evitar o terrorismo. A desarrazoada justificativa foi repudiada pela presidenta Dilma com o argumento de que nosso País vive em paz com seus vizinhos há mais de 100 anos e que não temos grupos terroristas por aqui. Ou seja, inexistem atos terroristas e nossa legislação já é suficiente. Cadê a urgência e necessidade para o Projeto de Lei? Na justificativa da proposta se defende que a pressão de organismos internacionais como o Gafi (organização intergovernamental cujo propósito é desenvolver e promover políticas nacionais e internacionais de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo) ameaçava colocar o Brasil em uma lista de sanções financeiras caso o projeto não fosse enviado. É outra falácia que não se sustenta porque o Gafi não tem esse poder e, como já dissemos, temos legislação suficiente para a proteção do País. Essa agenda é fruto da política do pós 11 de setembro e do maniqueísmo que ela suscita. Importante lembrar que essa política que os EUA impuseram ao resto do mundo não foi eficaz quanto aos seus propósitos e serviu somente para assistirmos ao horror de Guantánamo e Abu Ghraib, e para legitimar a tortura, inclusive mediante falas públicas do próprio presidente Bush. Essa política foi um retrocesso

civilizatório. Criou campos de concentração mundo afora, torturou, matou e ofendeu a dignidade humana em níveis somente vistos em trágicos momentos da humanidade. A ela, e só a ela, é que interessa a tipificação do terrorismo. Ano passado, centenas de movimentos sociais realizaram uma contundente nota pública contra a tipificação do terrorismo diante do risco evidente de criminalizar a legítima luta social pelo aprofundamento da democracia. A preocupação é procedente. A tipificação do terrorismo no Chile fez com que estudantes que lutavam pela melhoria das condições de ensino fossem presos acusados de serem terroristas, o que levou à condenação do país na Corte Interamericana de Direitos Humanos. A Alemanha nunca tipificou o delito e inexiste qualquer sanção contra aquele país. O projeto traz tipos penais abertos que dependerão da interpretação e preenchimento de conceitos como “provocar terror”, “movimento social”, “intranquilidade pública”, “paz públi-


BRASIL

5 Setembro de 2015

A luta de Manoel Lisboa e de Emmanuel Bezerra nos porões da Ditadura Edival Nunes Cajá, Recife

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ntre os dias 16 de agosto e 04 de setembro de 1973, travou-se nos porões da ditadura militar fascista um enfrentamento de vida e de morte dos militantes do Partido Comunista Revolucionário (PCR) com os terroristas da ditadura. Qual o objetivo daquele vil e desigual combate, daquele terrorismo de Estado? Para eles, o aniquilamento físico e moral do PCR. Para nós, a salvaguarda física e moral do Partido, à custa do silêncio absoluto e do heroico sacrifício da vida dos seus principais dirigentes, Manoel Lisboa, Emmanuel Bezerra e Manoel Aleixo. A praça de guerra, a arena dos covardes combates, onde uns estavam desarmados, amarrados, nus – porém vestidos de honra comunista –, e os outros, vermes fardados, armados de 45, metralhadora, fuzil, foi precisamente a sede do então comando do 4º Exército, no edifício situado diante da Faculdade de Direito do Recife, no Parque 13 de maio, e no DOI-Codi de São Paulo, subordinado ao 2º Exército, na Rua Tutóia, 921, Paraíso, próximo do Aeroporto de Congonhas. Os responsáveis por estes crimes hediondos, os covardes assassinatos de Manoel Lisboa, Emmanuel Bezerra e Manoel Aleixo foram o general Walter Menezes Paz, Coronel Antônio Cúrcio Neto, os capitães Heber e Joaquim Gonçalves Vilarinho Neto, quando eles estavam presos em Recife, e o delegado Sérgio Paranhos Fleury, o policial civil Luiz Miranda e o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, Raul Pudim, Carlinhos Matralha e Romeu Tuma (chefe do Dops), quando Manoel Lisboa e Emmanuel tinha sido transferidos para São Paulo. Todos estes indivíduos foram treinados na “Escola das Américas”, instalada pelo governo dos EUA, no Panamá, em 1946, para formar assassinos e torturadores entre os oficiais das Forças Armadas dos países da América Latina e Caribe para eliminar as lideranças revolucionárias. Esta “Escola” continua seu macabro trabalho, hoje na Geórgia (EUA), com o nome de Instituto do Hemisfério Ocidental para Cooperação em Segurança, cumprindo o mesmo papel. Nos casos de Manoel Lisboa, Manoel Aleixo e Emmanuel Bezerra estes serviçais da ditadura foram completamente desmoralizados, derrotados na tarefa de curvá-los e arrancar deles informações para sequestrar outros dirigentes e exterminar o PCR. O sequestro de Emmanuel Bezerra é um dos inúmeros crimes imprescritíveis da Operação Condor, órgão de repressão criado no início dos anos 1970, como resultado de uma aliança político-militar entre as ditaduras do Brasil, Chile, Bolívia, Argentina, Paraguai e Uruguai, com a finalidade de eliminar os militantes mais consequentes de oposição às ditaduras militares. Emmanuel foi arrastado da fronteira da Argentina com o Brasil e entregue ao DOI-Codi de São Paulo, quando voltava do cumprimento de uma missão internacionalista no Chile e na Argentina. Tombou sem dar uma só informação aos seus algozes, nem sequer o nome do estado onde morava. Sofreu terríveis torturas. Arrancaram seu umbigo com tesoura e o laçaram com o colar da morte. Seu assassinato foi comandado pelo bandido fardado, com posto de coronel do Exército, Carlos Alberto Brilhante Ustra. É por isso que a data de 04 de setembro, além de marcar a entrada para a imortalidade de Manoel Lisboa, Emmannuel Bezerra e Manoel Aleixo, marca também a transformação do PCR numa fortaleza indestrutível. Seus corpos, suas consciências de comunistas revolucionários, seus exemplos de nada confessarem aos carrascos dos inimigos de classe se transfiguraram em bar-

reiras de proteção do Partido, em trincheiras ideológicas cujos esbirros da ditadura não puderam penetrar. Foi o dia do último sacrifício desses lutadores sociais e comunistas, que, depois de oferecer todas as suas forças e energias no combate à ditadura nas condições mais desfavoráveis, debaixo das mais brutais torturas, entregaram, com um olhar firme no futuro luminoso dos povos livres, a única coisa que lhes restavam, a vida. A altivez com que se portaram perante o pelotão de execução da ditadura é a comprovação de que eles pertenciam àquele tipo de homens considerados pelo poeta Bertolt Brecht como imprescindíveis. Assim, é uma questão de justiça colocá-los na condição de heróis da classe operária e de todos os oprimidos. Mas não daqueles heróis dos livros dos historiadores burgueses, não são heróis mortos, mas vivos, daqueles que nunca morrem, que podemos sentir sua energia, sua presença, porque renascem de várias maneiras. Seus nomes são adotados no batismo do nascimento de novos revolucionários, na denominação de novos terrenos conquistados pelos pobres para erguerem suas casas, nas ocupações de um novo chão para se plantar no campo, nos nomes de grêmios, diretórios e centros acadêmicos, na rebeldia da juventude, na luta dos operários conscientes. Seguiremos o caminho e os ideais de felicidade e de simplicidade de Manoel Lisboa, Emmanuel Bezerra, Manoel Aleixo, Amaro Luiz de Carvalho, Amaro Félix Pereira e de outros queridos compatriotas e combatentes do socialismo, como Carlos Marighella, Capitão Lamarca, Honestino Guimarães, Fernando Santa Cruz e Stuart Angel, que deram suas vidas pela liberdade e pela nova sociedade comunista. Quando a classe trabalhadora da cidade e do campo, inspirada na força do exemplo destes heróicos brasileiros e a custo do nosso titânico trabalho diário de organização, alcançar o seu mais elevado grau de consciência independente, transformará suas insatisfações e greves em insurreições vitoriosas e construirá o Governo Revolucionário dos Trabalhadores e o regime de democracia socialista. Este governo, sim, garantirá trabalho e salário justo para todos, com a socialização dos meios de produção e a nacionalização dos bancos, dos consórcios imperialistas, da terra e a planificação da indústria e de todas as necessidades da sociedade, como trabalho, casa, saúde, escolas, universidades, cultura e lazer. Assim, também acontecerá em todos os países da América e do mundo. Quando, finalmente, construiremos a sociedade de transição do socialismo para o comunismo, a sociedade dos trabalhadores livres, livres dos patrões e do Estado. É uma questão de tempo, nós trabalhadores conscientes e organizados, conquistaremos a sociedade do trabalho, da ciência, da fartura, da fraternidade e da plena igualdade. Que façamos deste mês, e de todos os meses de setembro seguintes, um mês de jornada pelo crescimento do PCR, de formação política, de agitação e propaganda em todos os estados onde estamos presentes e organizados! Viva o heroísmo do PCR na luta pela derrubada da ditadura e pela construção da revolução socialista personificado no exemplo, sempre vivo e presente, de Manoel Lisboa, Emmanuel Bezerra, Manoel Aleixo, Amaro Luiz de Carvalho e Amaro Félix Pereira! (Edival Cajá é membro do Comitê Central do PCR e presidente do Centro Cultural Manoel Lisboa)

ELES DERAM SUAS VIDAS PELA LIBERDADE NO BRASIL

MANOEL LISBOA

MANOEL ALEIXO

AMARO LUIZ

EMMANUEL BEZERRA AMARO FÉLIX

Manoel Lisboa, um ser extraordinário “Manoel Lisboa era uma figura extraordinária, com um poder “ de convencimento enorme. Tinha uma formação teórica extraordinária, era um argumentador fantástico, um homem capaz de sacrifícios sem igual. Ele passava fome para economizar os tostões de um almoço, ou caminhava quilômetros e quilômetros para poupar uma passagem de ônibus, porque achava que as finanças do Partido seriam melhor empregadas na propaganda e na expansão do trabalho, o financiamento destas atividades era mais importante do que a condição dele de conforto.” “Juntos participamos da ação armada de expropriação da Base Aérea do Recife, que é frequentemente omitida ou desconsiderada, mas foi a mais importante ação militar revolucionária contra a ditadura realizada no Nordeste. Esta ação armada teve uma repercussão inimaginável em toda a região, e não pode ser medida apenas pelo efeito militar, da ação. Ela valeu como um fogo que mantinha acesa a chama da resistência à ditadura.” “Já na prisão, num desses retornos vindo da sala de tortura para a cela, o algoz que me conduzia, encapuzado, num determinado momento tirou o meu capuz e meio que girou minha cabeça para a direita. Foi aí que eu vi Manoel Lisboa.” “Foi uma cena tão brutal, que, não tenho medo de confessar, durante muitos anos, me recusei a achar que tinha visto aquilo. Digo com lágrimas nos olhos. Aquilo não é possível, eu não vi, eu dizia para mim mesmo, não era realidade. Foi uma coisa terrível, um ser humano estar numa situação daquelas. Uma visão de relance, não durou mais que esse tempo, para ver que ele estava absolutamente retalhado.” “Manoel Lisboa era realmente um ser extraordinário. Morreu de uma forma que ninguém pode morrer. Ninguém pode morrer de uma forma mais dolorosa. Não foi um enforcamento, não foi uma crucificação. Foi algo muito pior.” (Depoimento de José Nivaldo Júnior, publicitário, escritor, membro da Academia Pernambucana de Letras e preso político durante a ditadura militar fascista, à Comissão da Verdade de São Paulo, em 6 de agosto de 2013)


6 Setembro de 2015

TRABALHADOR UNIDO

Suape torna-se pesadelo para milhares de trabalhadores

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Ludmila Outtes, Recife

instalação da Refinaria Abreu e Lima (Rnest); do complexo Químico-Têxtil de Suape, que compreende a Petroquímica Suape (PQS) e a Companhia Integrada Têxtil de Pernambuco (Citepe); e do Estaleiro Atlântico Sul (EAS), três grandes empreendimentos localizados no Complexo Portuário de Suape, despontaram como uma esperança de crescimento econômico para Pernambuco. Logo as cidades do entorno passaram a receber trabalhadores de várias partes do País. A região ganhou destaque, recebendo vul- Trabalhador entrando para trabalhar na Citepe, em Suape tosos investimentos do Governo Fedeque preferiu não se identificar com meral e da Petrobras. Houve um crescido de sofrer represálias na empresa. mento nunca antes visto nos setores de Segundo investigação da Operaserviço e comércio. Suape passou a reção Lava-Jato, vários processos licitapresentar 8% do PIB pernambucano. tórios da Petrobras são irregulares e esMas o sonho se transformou em pe- tima-se uma perda de R$ 10 bilhões sadelo: estima-se que foram demitidos dos cofres da empresa. A empresa Sete 42 mil trabalhadores da indústria da Brasil, subsidiária da Petrobras (tamconstrução pesada, 3.800 da indústria bém investigada pela Lava-Jato), tem metalomecânica e 4.800 do setor de uma dívida de US$ 1 bilhão com o Estafretamento. Pior: muitos desses trabaleiro Atlântico Sul. O mesmo acontece lhadores demitidos ainda esperam recom a Odebrecht, que não concluiu as ceber as verbas rescisórias, e as emobras da Petroquímica Suape. Já a Alupresas alegam que falta dinheiro para sa (Alumini Engenharia S.A.) alega que tem a receber da Petrobras R$ 1,2 pagar os trabalhadores. bilhão. A construção do Complexo Indus“A Petrobras enviou o dinheiro patrial desalojou cerca de 15 mil famílias ra cá, e eles não concluíram a obra. Na que viviam há quatro gerações na região. Dependentes da agricultura fami- época, a construtora era a Odebrecht. Eles não concluíram a obra e, no final liar e da pesca, as famílias esperam, até das contas, quem pagou foi o trabalhahoje, o cumprimento da promessa, feidor, o pai de família e a mãe de família ta em 2007, de construção da agrovila que fizeram concurso, entraram aqui Nova Tatuoca. com uma esperança e foram lesados”, Também na área ambiental os acorrelatou um funcionário da Citepe que dos assumidos não foram colocados pediu para não ter o nome citado. “Coem prática: após a destruição de 17 hecnheço muita gente que veio de fora pra tares de mata atlântica e 27 hectares de mangue, o reflorestamento previsto du- trabalhar aqui, deixou suas famílias, seus estados. No meu setor mesmo tirante a construção das obras ainda não nha sete companheiros da Paraíba que foi realizado. A construção do Centro deixaram empregos de 15 anos pra vir de Tecnologia Ambiental também não pra cá e foram demitidos. Vieram em aconteceu. busca de um sonho... a empresa tá maSegundo dados do site oficial do tando esse sonho”, completou. Porto de Suape, (www.suape.pe.gov.br) O crescimento que entre 2007 e 2010, os investimentos ulgera desemprego trapassaram a cifra de US$ 17 bilhões Segundo o presidente do Complepara a implantação dos empreendimenxo Portuário Industrial de Suape, Thiatos estruturadores. Além disso, o Gogo Norões, o Porto de Suape bateu reverno Federal assinou convênios com corde na movimentação de cargas no empresas privadas para recuperar três primeiro semestre deste ano. E a previtrechos da BR-101 Sul e da PE-08, em são é que a refinaria chegue, ao final de Jaboatão dos Guararapes, que custaram 2015, processando 120 mil barris de peaos cofres públicos a fortuna de tróleo, metade da capacidade total do R$ 12,4 milhões. Vale destacar que, empreendimento (Diário de Pernamapós todo esse investimento, as vias buco, 24/07/15). que dão acesso a Suape foram privatiApesar desses números, a soma da zadas. dívida em processos tramitando nas VaApesar de todo o investimento rearas do Trabalho de Ipojuca supera a cilizado, o Complexo Industrial não foi fra de R$ 130 milhões. Mais de 18 mil concluído. As obras do segundo trem ex-funcionários entraram com ações da Abreu e Lima foram suspensas e a coletivas na Justiça para receber os diterceira etapa da PQS permanece sem reitos trabalhistas. “O número de proprevisão de construção. De acordo cessos cresceu desde o segundo secom o Plano de Negócios e Gestão mestre de 2014. Muitas empresas ale2015-2019, divulgado em 29 de junho gam falta de recursos, inclusive algudeste ano, a Petrobras prevê um novo mas entraram com processo de recupeinvestimento de US$ 1,4 bilhão para a ração judicial. Alguns pagamentos resconclusão da obra da Rnest. O valor cisórios estão sendo garantidos diretainicial previsto era de US$ 2,5 bilhões; mente do crédito que essas empresas hoje, o investimento já chega a quase têm com a Petrobras. Quando a empreUS$ 20 bilhões. sa não tem mais crédito, a coisa complica”, relata Marisa, funcionária da 2ª “A unidade já está ficando sucateVara do Trabalho da cidade. ada. Não se sabe se vai haver mais inEm maio deste ano, a Citepe inicivestimentos, porque o investimento ou um Programa de Incentivo à Deinicial era um valor, já passou em bilhões e não fizeram acho que nem a me- missão Voluntária (PIDV), cujo objetitade do que deveria ser feito”, denunvo era reduzir em 2/3 o quadro de funciou um trabalhador da Petroquímica cionários da linha de produção. Além

Ludmila Outtes

das demissões voluntárias, a empresa passou a demitir também pessoas que não aderiram ao PIDV sem apresentar justificativa. A crise que se desenvolveu com a demissão dos trabalhadores de Suape atingiu também as empresas que prestavam serviços, como as construtoras e os fornecedores de matéria-prima, como metalúrgicas. A Galvão Engenharia, empresa que prestava serviço à Rnest, demitiu 140 trabalhadores em março. As cidades vizinhas também sofreram com a redução dos trabalhadores nas obras. Vários restaurantes e pousadas foram fechados por falta de movimento. Pessoas que investiram na construção e reforma de casas para alugar aos operários hoje contam os prejuízos que ficaram. “Muitas pessoas vieram de fora e agora foram embora. Minha irmã mesmo alugou umas casas para o pessoal que veio da Bahia, de outros estados, agora tá tudo sem alugar”, relatou o mestre de obras Edilson Leite da Silva, de 64 anos. João Bernardo Santiago, de 51 anos, é trabalhador da construção civil e disse que, para ele, as coisas também não estão fáceis: “Na minha categoria, milhares estão desempregados. Estamos sem perspectiva nenhuma. Enquanto não voltarem as obras, vai continuar assim”. Para Elisandro Ferreira do Monte, 40 anos, proprietário de uma rede de restaurantes no centro de Ipojuca, a onda de demissões também causou prejuízo: “O comércio caiu em torno de 60%. Logo quando começaram as obras, eu cheguei a trabalhar com mais

de 50 pessoas nos meus restaurantes. Hoje, meu quadro aqui não passa de 25 funcionários. O rendimento também caiu. Do meu conhecimento, só aqui fecharam oito restaurantes. E olha que só estou falando local, se for falar no geral, passa muito mais do que isso”, diz, preocupado com a retração do mercado. Aos que ficam, insegurança Os trabalhadores que conseguiram manter seus empregos convivem com a insegurança, tanto da permanência em Suape quanto das condições de trabalho. Para garantir a entrega dos empreendimentos, várias etapas foram atropeladas, e hoje ainda vemos instalações temporárias que servem de posto de trabalho. A segurança dos profissionais também está em risco: foi feita uma denúncia ao Ministério Público do Trabalho de Pernambuco contra a Rnest por iniciar a pré-operação da refinaria sem a realização de um plano de segurança para os trabalhadores da construção civil. A acusação também fala da não realização de testes préoperacionais para garantir que a produção se iniciasse mais rapidamente. Avanços para quem? No lugar da eficiência e da livre concorrência, licitações fraudulentas; no lugar do desenvolvimento econômico, obras paradas e estagnação da produção. Onde deveria haver prosperidade e pleno emprego, demissões em massa e trabalhadores desamparados nos seus direitos. Passados quase dez anos do início do projeto, a única coisa certa é que bilhões de dólares foram desviados para empreiteiras financiarem a corrupção. A prosperidade esperada pelos trabalhadores parece tão distante quanto a conclusão do Complexo Industrial de Suape.

Conservadores atacam os direitos dos trabalhadores Durante as campanhas eleitorais, não é raro observar discursos conservadores que atacam os direitos humanos e a liberdade do povo. Encabeçando esta agitação política reacionária estão as “bancadas da bíblia” (evangélicas e católicas) e a chamada “bancada da bala”, composta principalmente por defensores do regime militar fascista, que assolou o Brasil de 1964 a 1985. Entre as principais pautas defendidas por este setor em suas campanhas, está a defesa intransigente do patriarcado e da manutenção da família burguesa – que se traduzem, sobretudo, em injúrias homofóbicas e machistas, geralmente feitas de maneira pública e aberta. Jair Bolsonaro, Marco Feliciano e Eduardo Cunha (recentemente processado por participar de esquemas de corrupção) são alguns dos principais articuladores destes grupos. Segundo uma pesquisa realizada pelo G1,(em janeiro de 2015, 368 www.suape.pe.gov.br ), deputados (dos 421 entrevistados, sendo 513 o total de deputados) se dizem católicos ou evangélicos. Apesar de o Brasil ser um país laico (isto é, não é governado com base em nenhuma religião), esta configuração abre espaço para que princípios e dogmas religiosos interfiram diretamente na elaboração das leis e políticas brasileiras. Embora este setor baseie sua cam-

panha na defesa da família e no ataque às mulheres e à comunidade LGBT, sua atuação parlamentar não se debruça somente sobre essas temáticas. Na verdade, quando eleito, este setor age de forma organizada a serviço dos interesses dos patrões, dos bancos e do latifúndio. Recentemente, as bancadas da bala e da bíblia tiveram protagonismo na aprovação de diversas medidas que atacam os direitos dos trabalhadores e da juventude brasileira, como o PL 4.330 (que prevê a expansão praticamente irrestrita da terceirização no Brasil), a redução da maioridade penal, a crescente criminalização dos movimentos sociais, as tentativas de golpe contra o governo em favor da extrema direita, e os diversos ajustes orçamentários que restringem os direitos trabalhistas. O discurso conservador responsável pela ascensão deste setor reacionário é diariamente difundido principalmente pela grande mídia e pelas igrejas, e assimilado por uma considerável parcela do povo brasileiro. Trata-se de mais uma manobra para promover a divisão da classe trabalhadora, escondendo os reais inimigos do povo, que defendem os interesses da burguesia e não têm compromisso algum com a manutenção e avanço dos interesses populares. Marc Brito, militante da UJR MG


JUVENTUDE

7 Setembro de 2015

1º Conferência de Quadros da UJR fortalece a formação política e ideológica

C

om muita vibração e ao som do hino da Internacional Comunista, a militância deu início, no dia 13 de agosto, à 1º Conferência de Quadros da União da Juventude Rebelião – Manoel Lisboa de Moura. Reunidos na terra de Zumbi dos Palmares, durante três dias, dezenas de jovens lideranças das cinco regiões do país discutiram a situação política atual, o papel dos quadros comunistas e as tarefas da juventude brasileira. A Conferência iniciou com a esclarecedora palestra de Lula Falcão, membro do Comitê Central do Partido Comunista Revolucionário (PCR) e diretor de redação do jornal A Verdade, sobre a atual conjuntura e o papel dos comunistas. “A atual crise econômica que vive não só o Brasil como a grande maioria dos países é resultado da existência de um regime econômico e político que está superado, que está velho, e, como disse Marx, precisa ser sepultado. Mas, para isso, é indispensável termos um partido revolucionário, que defenda uma verdadeira revolução popular não para as calendas gregas, mas para hoje, e que lute para colocar o poder nas mãos dos trabalhadores e não a conciliação com uma burguesia nacional, que provou, inúmeras vezes, que tem unicamente como compromisso defender a exploração das massas e a espoliação do país”. Vários intervieram e apontaram o papel importante que a UJR

vem desempenhando em se somar ao conjunto das organizações populares e democráticas comprometidas com a luta contra o ajuste fiscal e defesa dos direitos da juventude brasileira e por um poder popular. Outro momento de grande entusiasmo foi a palestra de Edival Nunes Cajá, ex-preso político e membro do Comitê Central do PCR, que falou sobre os métodos e o conteúdo ideológico de uma correta política de quadros. Cajá ressaltou que as principais características na formação dos quadros são a “regularidade do coletivo e a formação da personalidade comunista”, destacando o papel do coletivo na vida de um militante e a importância da crítica e autocritica no enfrentamento das diversas manifestações do liberalismo. Além de fazer várias referências à conduta exemplar de Manoel Lisboa, principal dirigente do PCR, durante toda a sua vida, inclusive no momento mais duro, em que enfrentou torturas intermináveis, não cedendo em nenhum momento aos carrascos da ditadura, complementou ainda que é com estes exemplos de dignidade, personalidade comunista, solidariedade e profunda perspectiva revolucionária que devem ser formados os novos quadros revolucionários da UJR. No último dia, a Coordenação Nacional da UJR apresentou o balanço dos últimos meses após o glorioso 4º Congresso da UJR, constatando um crescimento de

mais de 100 jovens que ingressaram nas nossas fileiras. Também mereceu destaque a expansão para dois novos estados neste ano, Goiás e Mato Grosso, chegando a 17 estados com militantes. Ao mesmo tempo, constatou-se o reforço da necessidade de intensificar a formação política e ideológica da nossa militância. Neste período, foi realizado uma experiência exitosa, o Curso de Formação Marxista da UJR, em duas edições, que duraram sete dias estudando a História do Partido Comunista Bolchevique da URSS e O Papel do Indivíduo na História, de Plekhanov. Ainda foram colocados vários desafios e autocríticas sobre variados temas como a agitação e propaganda, o trabalho entre as mulheres e a participação na campanha pela legalização da Unidade Popular pelo Socialismo (UP). Ao final, Rafael Pires, secretário político da Coordenação Nacional da UJR, fez um balanço da Conferência: Chegamos de forma vitoriosa ao final desta atividade, que cumpriu um papel muito importante para nossa organização, reunindo os quadros de direção da UJR do país, para desenvolvermos um intenso debate, formulação política e de estudo do marxismo-leninismo, este é o caminho para conseguirmos unir nossos quadros na perspectiva de assumirmos com mais vigor e determinação o papel de vanguarda na organização da juventude revolucionária de todo o país”.

6º Congresso da Ames-BH aprova jornada de lutas No dia 28 de agosto, no Instituto de Educação de Minas Gerais, foi realizado o 6º Congresso da Associação Metropolitana dos Estudantes Secundaristas da Grande Belo Horizonte (AmesBH), com a presença de mais de 150 estudantes, entre delegados e observadores. Com o tema “A juventude não pagará pela crise!”, o congresso foi aberto com uma análise de conjuntura trazendo elementos importantes da atual situação do país, sendo a mesa de abertura composta por Leonardo Péricles (Unidade Popular pelo Socialismo), Jobert de Paula (Mundo do Trabalho Contra a Precarização e MLC), Rafael Araújo (Aerj/ Ubes), Luiz Paulo (Fenet), Isabela Moura (Grêmio do IEMG), Renata Rocha (DCEUFMG) e Pablo Alves (Diretório dos Estudantes de Montes Claros

- DEMC Livre e UJR). Ocorreram também rodas de conversas, abordando os temas: redução da maioridade penal, movimento estudantil, acesso à cultura, combate às opressões e mobilidade urbana. “A realização deste 6º Congresso da Ames-BH é fundamental para reafirmar o compromisso e a disposição de lutar para defender os nossos direitos e organizar a juventude nesta conjuntura de crise na qual a juventude está inserida”, afirmou Mariana Ferreira, eleita presidenta da entidade. Na parte da tarde, ocorreu o lançamento da campanha da tese Rebele-se para o Congresso da Ubes e ainda oficinas de fotografia, streaming, slackline, entre outras. A plenária final aprovou uma resolução política denunciando o Plano Levy e o ajuste fiscal, a re-

“Enquanto os governantes estão confortáveis nos seus gabinetes, nós somos obrigados a passar o maior calor dentro das salas. É muito injusto!”, disse o estudante Thiago Oliveira, presente na manifestação. Novos protestos serão organizados pela Aerj até que novos aparelhos sejam instalados em todas as escolas do Rio de Janeiro. Lindalva dos Anjos, Rio de Janeiro

Militância reafirma decisão de crescer a UJR

Cantando “A Internacional Comunista”

Sangue Rebelde Vencer, avançar, conversar para ganhar! Se tu agitas convencido, Fala pro povo oprimido Pensa ao povo que és irmão, Que não quer exploração Fala com muita ousadia Definindo a mais-valia Usando o preço do pão Tu és jovem que está com o povo Jovem que luta com o povo Jovem que aprende com o povo Não se ache mais que o povo! Pois o povo é soberano! Soberano desde o início Mesmo o povo cheio de vício Pode acabar com os resquícios do sistema do patrão Se tu acreditas nisto Se você luta por isto Gasta seu suor com isto Teu sangue é rebelião! Rafael Figueira, militante da UJR

Nunca vamos desistir Mariana Ferreira, presidente da Ames-BH

dução do seguro desemprego, denunciando a violência contra as mulheres, gays e a discriminação racial, além de aprovar uma combativa jornada de lutas para o próximo período e a continuidade da luta pelo passe livre e contra o aumento das passagens. Coordenação Estadual da UJR – MG

Estudantes protestam contra retirada de ar-condicionado Na cidade de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, os estudantes da rede estadual, ao saberem da retirada dos aparelhos de ar-condicionado das salas de aula, promoveram, com o apoio da Associação dos Estudantes Secundaristas do Estado do Rio de Janeiro (Aerj), dois protestos, um em frente à Prefeitura, que fechou por alguns minutos a Rodovia Washington Luiz, e o outro em Imbariê, na periferia da cidade.

UJR

Douglas Lamounier

Alexandre Ferreira, Coordenação Nacional da UJR

Leia, assine e divulgue www.averdade.org.br

Agosto de 2015 Uma grande conferência Um espaço, 100 pessoas 100 grandes experiências E com esse tanto de falas Já treinamos a paciência Muitas falas muito belas Tristeza, gritos, coragem Tristeza pela miséria Gritos de camaradagem Coragem de lutar E passar nossa mensagem Podemos ver corrupção Políticos enriquecendo Enquanto isso na favela Nossa juventude morrendo Chamam isso democracia Para mim é ela padecendo Enfrentaremos com muita força Nunca vamos desistir Nós temos uma missão, capitalismo destruir Acabar com a exploração E o socialismo construir! Estamos todos avançando Lado a lado, irmãs e irmãos Fortalecendo nossos quadros Condição para revolução Avante jovem, à liberdade E viva a REBELIÃO! Eduardo dos Santos, DCE UFABC


8 Setembro de 2015

LUTA POPULAR

Davi da Silva, sequestrado,

torturado e assassinado pela PM de Alagoas

Quilombo da Família Silva, um exemplo de luta e resistência! Victória Chaves, Porto Alegre ATS

Magno Francisco

Maria José da Silva, mãe de David

Na manhã do dia 25 de agosto de 2014, o jovem Davi da Silva, de apenas 17 anos, morador do Conjunto Moacir Andrade, no complexo habitacional do bairro Benedito Bentes, em Maceió, acordou mais cedo para trabalhar. Tinha conseguido um “bico” para ajudar no sustento da casa. Cheio de sonhos, como todos os jovens, despediu-se da mãe, dona Maria José da Silva, sobrevive vendendo coentro no Mercado da Produção, e partiu para nunca mais voltar. No caminho, acompanhado de um colega da mesma idade, por volta das 07h, foi abordado bruscamente por uma guarnição da Rádio Patrulha da Polícia Militar. Com socos e pontapés, os PMs acusavam os jovens de tráfico, especialmente Davi, que diziam ser o “Neguinho da Bicicleta”, logo ele que não teve direito de possuir uma bicicleta. Davi era gago, estava apavorado com a brutalidade a que estava sendo submetido, não conseguia falar absolutamente nada. O outro jovem, cujo nome preferimos não revelar, foi dispensado pelos policiais, que disseram “vamos dar uma volta com esse aqui no Aprígio” (conjunto habitacional cercado por matas, no complexo do Benedito Bentes). Colocaram o garoto Davi na viatura, sendo esta a última vez que ele foi visto. Desesperado, o outro garoto foi contar à família de Davi o que tinha ocorrido. Dona Maria José, em pânico, partiu para a delegacia da Polícia Militar tentar obter informações, mas foi em vão. Davi não estava lá. No mesmo dia, a mãe, aflita, foi para a Casa de Detenção de Menores, mas o seu filho também não se encontrava detido. A partir daí, todos os dias foram de sofrimento para dona Maria José, que é mãe solteira, e toda a família. Sem qualquer informação, os parentes da vítima não entendiam o que poderia ter acontecido. Davi da Silva nunca teve passagem pela Polícia, não tinha envolvimento com o tráfico e era bastante considerado pelos vizinhos. Luta contra a impunidade A família se mobilizou, organizou manifestações, pediu o apoio da sociedade e denunciou a barbaridade que tinha acontecido: a PM tinha sequestrado um garoto de 17 anos que estava a caminho do trabalho. A Comissão de Direitos Humanos da OAB atuou bastante no caso, que logo se tornou público, um símbolo da violência policial. Davi da Silva era jovem, negro e pobre. Para o aparelho repressor do Estado, bastam estas condições para ser criminoso no Brasil. Assim, acompanhamos, dia a dia, o extermínio de dezenas de jovens em todo o País, sendo o garoto Davi mais uma vítima. Se não fossem as ações da família e o

apoio da sociedade, este caso seria esquecido, teria sido apenas mais um pobre e preto morto, jogado no esquecimento. Os militantes da UJR realizaram também várias pichações na cidade, denunciando a violência policial com a seguinte palavra de ordem: “PM, cadê o Davi?”. O caso Davi teve grande repercussão na imprensa, que constantemente trazia à tona informações sobre o caso. Diante da grande pressão social, a Polícia Civil, tendo à frente a delegada Lucy Mônica, já havia encaminhado um relatório ao Ministério Público de Alagoas. O relatório acusava os PMs Eudecir Gomes de Lima, Carlos Eduardo Ferreira dos Santos, Victor Rafael Martins da Silva e Nayara Silva de Andrade pelos crimes de tortura, sequestro e cárcere privado, homicídio qualificado e ocultação de cadáver. Entretanto, o Ministério Público aceitou apenas parcialmente o inquérito da Polícia Civil, rejeitando a acusação de homicídio, alegando que não havia corpo para caracterizar o assassinato. A CPI que investiga o Extermínio da Juventude no Brasil, presidida pelo deputado federal Reginaldo Lopes, do PT-MG, esteve em Alagoas e acompanhou o caso. No seu relatório, orientava a Polícia Federal a investigar o desaparecimento de Davi, pois percebia morosidade do Ministério Público no andamento do caso. Após a sugestão da CPI para que a Polícia Federal investigasse o caso, o Ministério Público deu celeridade à conclusão do seu relatório e encaminhou à justiça civil as denúncias contra os PMs. No dia 14 de agosto deste ano, um corpo foi encontrado com as características do jovem desaparecido. O corpo já estava em avançado estado de decomposição, mas, de acordo com as roupas, a mãe garante que se trata do seu querido filho. “As mãos estavam amarradas e tinha um saco na cabeça. Tenho certeza de que é o meu filho. Por que fizeram isso com o meu menino? Lutei tanto para criá-lo, não poderiam ter feito isso”, desabafa dona Maria José. Como não foi possível colher as digitais do corpo encontrado nem fazer a comparação da arcada dentária, foi realizado o exame de DNA, que deve ter o seu resultado divulgado em 30 dias. Para toda a família de Davi, serão dias de ansiedade e sofrimento, especialmente para dona Maria José, que passou a apresentar depressão depois do sumiço do filho. “Passa dias sem dormir e se alimenta muito mal, praticamente ela só chora”, declarou Carla Silva, irmã de Davi. O Caso Davi é a expressão da prática de criminalização da juventude pobre e negra das grandes cidades. Trata-se de mais um Amarildo, DG, Cláudia, que também foram assassinados brutalmente pela Polícia Militar. A grande repercussão do caso transformou Davi em um símbolo na luta pela justiça social e contra o extermínio dos jovens das periferias. O julgamento e a punição dos responsáveis pelo desaparecimento é uma etapa desta luta. (Magno Francisco é professor da UFAL e militante do PCR)

Família Silva: após muita luta, a vitória

Iniciado por Naura Borges da Silva e Alípio Marques dos Santos, há cerca de 70 anos, o Quilombo da Família Silva é uma das cinco organizações quilombolas em meio urbano na cidade de Porto Alegre-RS e o primeiro quilombo urbano do Brasil. Assim como o que caracteriza os demais Quilombos ou Comunidades Quilombolas, por sua formação a partir de grupos étnicos predominantemente formados pela população negra em área rural ou urbana, e que constituem laços a partir das relações com a terra, o parentesco, o território, a ancestralidade e práticas culturais próprias, desde seu princípio, a organização da Família Silva é uma forma de luta e resistência étnica, social e cultural. O Quilombo, que se formou a partir da ocupação e da perpetuação de seus modos de viver e de organização social, é referência de luta na cidade. Porém, o que se vê é descaso e desrespeito com essas comunidades por parte do Estado, que pouco ou nada lhes dá de atenção, e, muito menos, elabora políticas públicas e sociais que contemplem as diversas demandas dessa população.

A comunidade quilombola está situada entre duas das avenidas mais luxuosas da cidade (Av. Nilo Peçanha e Av. Carlos Gomes) e, por isso, vem sendo espremida pelos condomínios de casas e apartamentos de luxo, fazendo com que, pelo fato de o quilombo ficar assentado no final da rua, ele seja mais visível aos que passam nos arredores. Isso causa também insegurança aos moradores, que se sentem constantemente desprotegidos pelo fato de o local não não ter nenhum tipo de segurança. A relação com a vizinhança também não é boa, pois alguns argumentam que a presença de negros pobres desvaloriza o valor da área para o mercado imobiliário. Como resultado de toda essa resistência, em 2006, com o apoio dos outros quilombos urbanos da cidade e movimentos sociais, eles conseguiram o direito de serem reconhecidos como remanescentes da Família Silva. É preciso ousar dizer que essa injustiça racial, social, cultural e étnica só vai ser superada com nossas próprias mãos, com a união dos povos, das tantas famílias negras, pobres, quilombolas e periféricas do nosso País, que sofrem todo dia com essa realidade que o sistema capitalista nos condiciona a viver e que é sustentada diariamente pelos governos que nada fazem pelo povo! Que sejamos mais que isso, e que sigamos o exemplo dos/das Silva de luta e resistência na construção de uma sociedade digna e honesta com todas e todos!

“Todos os meus amigos estavam no tráfico, só faltava eu” Todos têm sua história, e eu vou contar um pouco da minha. Me chamo Jorge, nasci em um bairro de periferia localizado na Região Metropolitana de Porto Alegre. O que sou hoje devo a minha mãe, chamada Luci. Ela está presente em grande parte da minha trajetória. Minha mãe tinha apenas 15 anos quando me teve, me criou com muita dificuldade, trabalhava para não faltar comida e leite em casa. Minha avó era quem cuidava de mim enquanto minha mãe trabalhava. Não teve ajuda de seu marido (meu pai). Foi difícil, mas foi guerreira e conseguiu. Criado numa vila com becos e vielas, hoje, aos 23 anos, depois de muitas batalhas, vejo que aquele lugar era muito desumano, que o estado em que vivíamos era muito humilhante, com aquele esgoto a céu aberto e as autoridades nada faziam, a não ser aparecer lá em época de eleição com promessas que mais tarde não iriam cumprir. A minha infância foi árdua. Meu padrasto incomodava muito a mim e a minha mãe. Era tanto incômodo que confesso que fiquei com muito ódio, a ponto de querer matá-lo. Vontade não faltava, mas não o fiz. Fome não passei, mas tinha muita gente ali que não tinha o que comer. Morei em lugares precários e muito perigosos, onde ninguém deve morar e que são verdadeiros infernos, mas neste último foi o maior inferno de todos, neste lugar todo cuidado era pouco. Quando criança, eu era leigo de toda aquela situação que vivíamos, eu queria ter uma vida melhor, mas não conseguia encontrar os culpados pelo que a gente não tinha (moradia digna). A minha maior diversão e dos meus parceiros era fazer barquinhos. A gen-

te pegava garrafas pet e tábuas para fazer os barquinhos e andávamos pelos arroios. Essa era a nossa maior diversão. Aí o tempo foi passando, fui crescendo e havia os malandros mais velhos. Eu admirava o que eles representavam: dinheiro fácil. Eu gostava do poder, queria ter domínio de tudo. Mas seria um mundo sem volta, eu estava ciente disso. Todos os meus amigos de infância já estavam no tráfico, só faltava eu. Mas foi aí que pesou a decisão: vi meus parceiros de infância morrendo e outros sendo presos. Decidi não entrar. Pensei muito na minha mãe, também, eu não queria magoá-la. Muitos já diziam que eu ia ser um criminoso, porque eu só queria saber de rua e não queria estudar. Muitos diziam que eu não iria longe, mas eu não dei esse gosto para eles. Nem o inevitável foi capaz de me deter. Por isso, estou de pé, e sei que a vitória há de vir. Hoje, aos 23 anos, sei o que sou e devo muito a minha mãe e a minha avó. Quando houver equilíbrio mútuo entre todos, tudo vai dar certo. Eu já tive medo. O medo até pode ser constante em algumas etapas da vida. Isso é aceitável, deixa a gente mais forte. Mas é preciso criar coragem diante de tudo isso. Crio coragem, tudo acaba por si só, e o medo se dispersa. Todos têm sua razão, eu já estive errado muitas vezes e paguei por isso, mas agora estou no caminho certo e o mais nobre de todos. E eu sou apenas um de muitos que devem construir mais e mais células, dando respeito e honra uns aos outros e indo em busca da vitória. Carta enviada a Redação por Jorge Alencar, Porto Alegre-RS


SOCIEDADE

9 Setembro de 2015

Chacinas já mataram 56 pessoas em São Paulo Sandino Patriota, São Paulo

U

ma nova chacina realizada nas cidades de Osasco e Barueri (Região Metropolitana de São Paulo), na noite do dia 13 de agosto, assassinou 18 pessoas e revelou mais uma vez a gravidade da violência policial e da ação dos grupos paramilitares de extermínio em todo o País. Muitos são os indícios da participação de policiais militares na chacina de Osasco: a hora do início da chacina – 20h30 – sem nenhum patrulhamento na região; a separação das vítimas entre as que tinham ou não registro de ocorrência policial; e a forma de manejo das armas, o que indica treinamento militar. Um PM da Rota, que não teve seu nome revelado, encontra-se em prisão administrativa, reconhecido por uma vítima por sua participação na chacina. Todos os números demonstram que a Polícia Militar de São Paulo é, na verdade, uma grande máquina de matar. Apenas neste ano, foram 494 assassinatos provocados por policiais militares em todo o Estado, mais de duas pessoas a cada dia, quase sempre jovens negros em bairros de periferia. Mas a ação de grupos paramilitares de extermínio não se restringe ao Estado de São Paulo. No final de semana dos dias 18 e 19 de julho, 37 pessoas foram assassinadas a tiros em bairros pobres da Região Metropolitana de Manaus como resposta à morte de um policial militar.

Na noite do dia 5 de fevereiro, ou- dos movimentos que convocou a martra chacina ocorreu no bairro da Cabucha é o “Reaja, ou será morto”, que dela, em Salvador. Doze jovens negros fende que o racismo e a militarização da polícia são duas das principais cauforam assassinados. Os policiais indisas da violência policial sistemática no ciados pela Promotoria foram absolBrasil. vidos em rito sumário pela Justiça. O racismo fica evidente na definiTodo este sangue, desgraçadação que cada policial é levado a fazer mente, não gera comoção nem recebe sobre quem é o “suspeito” ou o “bana devida atenção da grande mídia e do dido”. Via de regra, é sempre o negro a poder público. É tratado como fatalireceber o enquadramento mais violendade de bairros pobres, e os mortos to e a pecha de suspeito em potencial são vistos com desconfiança e potenpara o caso de a polícia ter que apreciais “envolvidos com criminosos”. sentar um responsável por um crime. Enquanto isso, cresce a corrupção na Já a estrutura militar das PMs favocorporação policial, fortalecida por rece o conceito de que vivemos uma sua estrutura hierárquica e antidemoguerra dentro de nossas fronteiras, crática. que a população está separada entre Até quando o Brasil homens de bem e os outros, tornando será o país da chacina? o assassinato e a tortura atividades jusEnquanto o assassinato de jovens tificáveis. negros e moradores da periferia for uma coisa banal, o Brasil jamais será um país democrático. Portanto, investigar e combater as causas de tanta violência policial e desmontar os grupos de extermínio há anos em atividade são tarefas democráticas que devem ser enfrentadas de maneira imediata. No dia 24 de agosto, milhares de pessoas participaram em Salvador da Marcha Internacional contra o genocídio do povo negro. Um Manifestação contra chacinas da PM em São Paulo

Ao se relacionar com a estrutura corporativa do crime organizado, a corporação policial estabelece a tradicional relação do 'toma lá, dá cá', quando a intensidade do serviço do policial está diretamente ligada à quantidade de propina que os policiais recebem. Nestes termos, realizar, de tempos em tempos, matanças que choquem uma determinada comunidade, modificando o funcionamento da corporação criminosa daquela região, é um meio óbvio para aumentar a quantidade de comissões recebidas de maneira ilegal. Tudo isso se soma à total falta de transparência da atividade policial e da prática comum de esconder provas, modificar cenas do crime e realizar os chamados “autos de resistência”, verdadeiros assassinatos que joATS gam sobre a vítima a suspeita de envolvimento com o crime por meio de provas forjadas. Essa dramática situação de genocídio da população negra jamais sensibilizou os governos a colocarem a desmilitarização da Polícia na ordem do dia. Cabe aos movimentos sociais levantarem esta bandeira, combatendo o racismo e organizando a resistência que impeça as chacinas e a violência policial nas periferias.

Meio ambiente e grilagem de terras na Amazônia É preciso que a gente conte e reconte os fatos que levam à corrupção e à violência na Amazônia, talvez um dia se afaste o poder que os cria e mantém Em 1967, a ditadura militar criou a Lei dos Incentivos Fiscais. Como consequência, formaram-se grupos de pessoas especializadas em grilagem de terras da Região Amazônica. Sobrevoavam vastas regiões, geralmente terras indígenas, e as “demarcavam” em lotes de três mil hectares. Era o máximo que uma firma ou indivíduo podia se reservar, por lei, para aplicar os impostos que devia ao povo brasileiro. Foi assim que surgiu a chamada “grilagem paulista”, porque em boa parte os beneficiários eram industriais ou comerciantes sulistas, em sua maioria paulistas, interessados em sonegar os impostos. De fato, mais de 90% sequer chegou a visitar o seu lote. Só no Município de Presidente Figueiredo, onde resido, o Governo do Estado registrou, em 1971, 266 lotes de três mil hectares para “paulistas”. Sobre um destes lotes formou-se, em 1999, uma comunidade denominada Terra Santa, na altura do km 152 da BR-174 (Manaus – Boa Vista), sem imaginar que aquelas terras já tinham “dono”. Todos e todas eram agricultores pobres, unid@s na fé e unid@s no trabalho. Em 2005, veio se juntar à comunidade um “irmão” que participava dos cultos e das reuniões da comunidade, como consta nas atas. Mas, em 2008, passou de “irmão” comunitário a grileiro implacável, ostentando um registro cuja cadeia dominial se fundamenta sobre a “grilagem paulista”, dizendo-se “dono” das terras ocupadas pela comunidade. Como a comunidade resistia, con-

seguiu, em abril de 2011, uma liminar de despejo do juiz da comarca vizinha, Rio Preto da Eva. No dia 2 de junho de 2011, o mesmo juiz tentou executar intempestivamente a liminar, expulsando a comunidade e destruindo suas casas. Numa inversão de valores, defendeu a tese de que os agricultores são invasores da terra e criminosos destruidores da natureza. Mas a comunidade apelou à Ouvidoria Agrária Nacional, que interveio pedindo a suspensão da liminar e convocou uma reunião para a sede municipal, onde o ouvidor tentou uma solução com base em documentos que comprovam a quem, por direito, pertencia a terra. Inútil. O juiz manteve a liminar e, em março do ano seguinte, voltou a ordenar o despejo. Mais uma vez, foi impedido. Agora pela ação de um grupo, à frente o vereador Miguel Leopoldo (PT). Neste meio tempo, a Universidade Federal do Amazonas fez um estudo sobre a cadeia dominial das terras do Município de Presidente Figueiredo, com foco especial naquela comunidade Terra Santa. Constatou pelo menos cinco razões que fundamentam a nulidade dos registros da “grilagem paulista”: 1) Foram concedidos sobre terras indígenas, tendo-lhes sido, por isso, negada a “certidão negativa” pelo então presidente da Funai, Gal. Oscar G. Bandeira de Mello, em 24 de fevereiro de 1971; 2) O Decreto nº 1.127, de 22/04/1968, do mesmo governador que concedeu os títulos aos “paulistas”, proibindo qualquer forma de uti-

lização das terras devolutas situadas ao longo das BRs 319 e 174, em uma profundidade de 30 quilômetros. A Terra Santa fica a 6 quilômetros da BR-174. 3) A família paulista Vergueiro, dona do lote em questão, foi beneficiada com pelo menos seis títulos de três mil hectares formados de duas áreas contínuas. No entanto, a Constituição de 1967, Art.164, proibia a alienação de terras públicas com área superior a três mil hectares; 4) Não foi feita demarcação física dos lotes em questão; 5) Além de tudo isso, a Lei de Terras do Estado do Amazonas (Lei Nº 89, de 31/12/1959) estabelecia que devem ser consideradas terras devolutas as que, após alienadas do patrimônio do Estado, não tenham seus proprietários cumprido qualquer uma das cláusulas pelas quais se obrigam no ato da compra. Ora, entre a expulsão ou assassinato dos índios Waimiri-Atroari e a chegada dos agricultores que criaram a comunidade Terra Santa, em 1999, não ocorreu nenhuma atividade agrícola ou pecuária naquela área. Mesmo assim, o juiz não retirou a sua liminar e, vingativamente, mandou destruir apenas as casas das principais lideranças da comunidade, incluindo a de seu presidente, Valdomiro Machado. No mesmo período, um grupo de funcionários do Instituto do Patrimônio Ambiental do Amazonas (Ipaam) fez uma vistoria na fazenda e constatou, com fotos, crimes ambientais e agressões aos comunitários por parte do fazendeiro, desde a construção de

portão para controle da comunidade em plena via pública, queimadas de grande extensão sem autorização, até a apreensão, na carreta do fazendeiro, de uma anta abatida. Apesar da denúncia, nenhuma providência foi tomada pela direção do Ipaam, do Ibama e da Semma para coibir os abusos de quem pedia a remoção da comunidade por “crime ambiental”. Ao contrário, o diretor do Ipaam concedeu ao grileiro, no dia 16 de dezembro de 2013, autorização para exploração florestal “com um volume de 6.907,0404 metros cúbicos”. Este diretor do Ipaam, que assim promove a destruição da floresta e agride uma comunidade que apenas abriu um espaço para garantir sua subsistência, deveria estar na prisão. Entretanto – pasmem! – ele foi promovido a secretário do Meio Ambiente do Estado do Amazonas, em uma clara agressão à razão humana. Como diz o Papa Francisco: “É a forma como o ser humano se organiza para alimentar todos os vícios autodestrutivos: tenta não vê-los, luta para não reconhecê-los, adia as decisões importantes, age como se nada tivesse acontecido”. (L.S. 59) E parafraseando as palavras de Cristo: “Ai de vós, escribas e fariseus, que assim perseguis os pobres e fingis cuidar do meio ambiente e da natureza que criei para o bem-estar da humanidade”. Ai de vós, escribas e fariseus, que fingis fazer a reforma agrária neste País e colocais uma latifundiária para fazê-la. Egydio Schwade, Presidente Figueiredo, Amazona


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MULHER

Setembro de 2015

“Minerva Mirabal representa a rebeldia da mulher dominicana” La Lucha

De 25 a 27 de setembro, será realizado na cidade de Santo Domingo, República Dominica, o 1º Encontro de Mulheres Caribenho e Latino-Americano. O objetivo do Encontro é debater os principais problemas enfrentados pelas mulheres no continente e a necessidade de uma maior mobilização e luta por seus direitos e por uma nova sociedade. Para compreender melhor a importância deste evento, A Verdade entrevistou Luz Eneida Mejia, presidente do Movimento de Mulheres Trabalhadoras da República Dominicana. Luz Eneida é enfermeira, com três décadas de exercício, graduada em Serviço Social e com atuação no movimento social comunitário e na organização dos trabalhadores. Foi também deputada no Congresso Nacional. Leumam Razalaz, Santo Domingo A Verdade - Em novembro de 2014, as mulheres dominicanas fundaram o Movimento de Mulheres Trabalhadoras da República Dominicana. Quais são os principais objetivos do Movimento? Luz Eneida Mejia - Reivindicar os direitos e interesses das mulheres trabalhadoras da República Dominicana e contribuir com o esforço de nosso povo para completar o processo de libertação nacional inconcluso, seguindo o exemplo de Juan Pablo Duarte e María Trinidad Sánchez, que conseguiram a separação do Haiti; de Gregorio Luperon, que encabeçou o movimento restaurador, expulsando os espanhóis do território nacional; da Raça Imortal, movimento encabeçado pelos jovens que enfrentaram com armas a tirania de Rafael Leónidas Trujillo. Este movimento se organizou no estrangeiro e chegou ao país em 1959, por Constanza, Maimón e Estero Hondo. Militarmente fracassou, mas foi o início da queda do regime totalitário e o nascimento da esperança da liberdade do povo dominicano. Finalmente o ditador Trujillo foi justiçado em 30 de maio de 1961. Entretanto, essas forças obscuras e antidemocráticas impedem a inclusão da mulher

em condições de igualdade na vida política, social e econômica do país. O que representa para as mulheres dominicanas a luta das irmãs Mirabal? É um exemplo, em especial Minerva Mirabal, fundadora do Movimento 14 de Junho, que assumiu o programa dos revolucionários que enfrentaram com armas a tirania encabeçada por Trujillo e que a assassinaram junto com suas irmãs em 25 de novembro de 1960. Minerva representa a rebeldia da mulher dominicana frente ao status quo, sua luta pela liberdade de todo o povo. Qual é a situação da mulher dominicana, seus principais problemas e lutas? É a mesma do povo, agravada pela desigualdade de gênero. Nosso país tem um Estado baseado na desigualdade social, péssimos serviços públicos, negação de direitos trabalhistas aos trabalhadores e trabalhadoras, desigualdade de acesso ao emprego por razões de gênero, desigualdades salariais entre homens e mulheres, ademais, uma crescente insegurança civil, muitíssima corrupção e impunidade e uma justiça que não castiga os funcionários do governo do Partido da Libertação Dominicana.

As lutas das mulheres são as mesmas que as do povo: aumento salarial, mais emprego, maior investimento em saúde, transparência, mais segurança civil, diminuição da dívida externa, fim da impunidade e dos feminicídios, que se converteram numa das maiores causas de mortes de mulheres no país. Nestes momentos, nós, mulheres dominicanas, demandamos o direito à educação sexual nas escolas e serviços de saúde reprodutivos, gratuitos e de qualidade, e o direito a abortar em caso de violação, incesto, má formação congênita ou que a vida da mãe corra perigo. Este tema está no centro da opinião pública e ao seu redor se agrupam as distintas correntes do movimento de mulheres, assim como as distintas denominações religiosas coincidem na oposição ao exercício deste direito e a que se consigne no marco jurídico do país. De 25 a 27 de setembro, será realizado, em Santo Domingo, o 1º Encontro Caribenho e Latino-Americano de Mulheres. Por que este encontro foi convocado e quais são seus objetivos? Fortalecer a organização e a unidade das mulheres da América Latina e do Caribe para alcançar mudanças na situação atual dos direitos das mulheres e de nossos povos, além de estabelecer coordenações e vínculos entre as mulheres organizadas da América Latina e do Caribe e trocar experiências entre as mulheres sobre sua situação nos países participantes, mediante exposições, discussões e debates, o que permitirá uma declaração conjunta de acordos sobre como se coordenarão as organizações de mulheres de América Latina e do Caribe para alcançar nossas metas.

Luz Eneida Mejia Que relação existe entre este Encontro e a Conferência Internacional de Mulheres realizada em Caracas, em 2011? O encontro de Caracas serviu de plataforma que decidiu pela convocatória deste 1º Encontro, ante a necessidade de coordenar nossas ações para alcançar melhores resultados para a conquista de uma sociedade justa e igualitária para todas e todos, decidiu-se realizar na República Dominicana, em setembro de 2015, e aqui as esperamos de braços abertos. Que países estão confirmados? A expectativa é reunir quantas mulheres? México, Haiti, Porto Rico, Colômbia, Bolívia, Uruguai, Brasil, Equador, Venezuela, El Salvador, Martinica, Guatemala, Chile, Argentina e República Dominicana e ainda esperamos confirmação de Curaçao. Serão cerca de 400 mulheres trabalhadoras.

Mulheres são agredidas e assassinadas todos os dias Mais de 70 mulheres foram assassinadas na Região Metropolitana de Porto Alegre durante o mês de agosto – 63,8% a mais do que no mesmo período do ano passado (47), de acordo com o levantamento do Diário Gaúcho. Das 77 vítimas deste ano, pelo menos 17 teriam sido mortas por “motivos passionais”. Só no ano de 2014, foram registradas 70.391 ocorrências (ameaças, lesão corporal, estupros, feminicídios consumados e tentados) no Estado do Rio Grande do Sul. Um dos casos que mais comoveu o estado e o país foi o da jovem Gisele Santos, 22 anos. No dia 2 de agosto, Gisele viveu momentos de terror e violência, que partiram de seu próprio companheiro. Ela foi agredida com golpes de facão pelo então namorado, Élton Jones Luz de Freitas, na casa onde viviam, em São Leopoldo, no Vale dos Sinos. Os ataques a deixaram sem as duas mãos e um pé, além de cortes na cabeça e no abdômen. O terror começou quando Gisele decidiu romper o ciclo de violência a que estava submetida. Em entrevista para os jornais locais a jovem relata que as brigas entre o casal eram constantes, havendo além de agressões verbais também agressão física. Já estavam juntos há sete anos e quando então ela resolve romper com esse relacionamento abusivo, Elton não aceitou e decidiu acabar com a vida da jovem. Seu intuito era matá-la. No momento em que acreditou que a jovem fosse morrer, Elton chega a dizer à vítima: vou dar um beijo em minha mãe e me despedir porque sei que irei preso. Momentos depois ele se entregou à polícia.

Gisele ficou internada na UTI do Hospital Centenário por quatro dias, além de outros dois em um quarto da instituição. Passou por cirurgias para reimplante dos pés, e ainda é preciso esperar para ver se não haverá rejeição. Nas mãos, isso não foi possível, vai ser preciso o uso de próteses, que custam em torno de R$ 26 mil. Uma ampla campanha de solidariedade está sendo promovida nas redes sociais, como doações de fraldas e lenços umedecidos, doações financeiras e a realização de um show para arrecadar fundos para a compra das próteses. Toda essa violência é fruto do sistema capitalista, machista, patriarcal, que submete as mulheres aos desejos dos homens, nos humilha, nos mutila e promove um verdadeiro genocídio para mantê-las caladas e submissas. Chamam esses crimes hediondos de crimes passionais, mas, na verdade, são feminicídios. O feminicídio é a violência contra a mulher que a leva à morte em um ato caracterizado pela misoginia¹ e pela desigualdade de poder com os homens na sociedade, o patriarcado. Em geral, tem requintes de crueldade que demonstram o desprezo pela condição da mulher na sociedade, como agressões físicas e psicológicas, tortura, mutilação dos seios e das genitálias, espancamento e estupro. Cerca de 40% dos assassinatos de mulheres, nos últimos anos, foram cometidos dentro da própria casa das vítimas, muitas vezes por companheiros ou ex-companheiros. Em março deste ano, foi aprovada a lei do feminicídio, uma grande conquista do movimento de mulheres por reconhecer que somos mortas simplesmente por sermos mulheres. A lei de número

13.104 altera o Código Penal para prever o feminicídio como um tipo de homicídio qualificado e inclui-lo no rol dos crimes hediondos. De acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), nos últimos anos, pelo menos 50 mil mulheres foram mortas no Brasil, sendo os assassinatos enquadrados como feminicídio. O estudo ainda aponta que 15 mulheres são assassinadas por dia no país, devido à violência por gênero. No Brasil, os serviços destinados à intervenção desse fenômeno estruturam-se em, basicamente, em três eixos: delegacias especializadas no atendimento à mulher, centros e núcleos de atendimento à mulher e casas de abrigo/passagem. Na cidade de Porto Alegre, mais especificamente, sabemos da insuficiência de políticas públicas que atendam às mulheres vítimas de violência doméstica. Quando estas mulheres decidem sair de um ambiente de agressão, estão se encaminhando para uma situação de violência institucional, na qual, muitas vezes, a própria agressão é questionada. A Secretaria de Políticas para Mulheres do Rio Grande do Sul foi extinta e englobada na Secretaria de Justiça e Direitos Humanos. A justificativa do governador para tal medida foi enxugar gastos. Desde o início do ano, vem sendo reduzido o número de funcionários do Centro Estadual de Proteção às Mulheres. As salas vazias do Centro Estadual de Referência da Mulher Vânia Araújo Machado, localizado na Travessa Tuyuty, em Porto Alegre, denunciam a falta de profissionais e a redução no atendimento às mulheres no local. Até mesmo conquistas importantes dos movi-

mentos de mulheres, ainda que saibamos que não mexam na estrutura da sociedade, vêm sendo destruídas, mostrando quais são as prioridades dos nossos governantes em relação a políticas públicas para mulheres. Infelizmente, sete dias depois, outra cena de horror. No dia 9 de agosto, três mulheres e uma criança foram vítimas de uma verdadeira chacina na Restinga, bairro periférico de Porto Alegre. As investigações – ainda não concluídas – indicam que o crime, outro “passional”, tenha sido motivado pelo término do relacionamento. Os vizinhos ouviram os gritos na madruga, mas só chamaram ajuda quando viram que a casa estava em chamas. Por uma nova sociedade São crimes bárbaros, crimes hediondos, que causam comoção e indignação de toda a sociedade. Mas não basta ficar comovido, é preciso lutar para que elas não mais aconteçam. E isso é responsabilidade de toda a sociedade. Queremos construir uma sociedade livre de toda a opressão, em que a vida das pessoas valha mais do que o dinheiro, em que as mulheres sejam tratadas como são: seres humanos. Precisamos minar todos os pilares que sustentam esse sistema e caminhar rumo a uma sociedade mais justa, a sociedade socialista. Priscila Voigt e Camila Souza, militantes do Movimento de Mulheres Olga Benario RS ¹Misoginia - ódio ou aversão às mulheres (Houaiss)


TEORIA MARXISTA

A diferença entre o capitalismo e o socialismo Elio Bolsanello, São Paulo

Não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social é que determina a sua consciência.” Nessa passagem do prefácio da Contribuição à Crítica da Economia Política, Marx coloca em evidência a divergência de princípios entre idealismo e materialismo filosóficos. Pois, não vivendo o homem senão em sociedade, necessariamente, para sua existência, ele entra em determinadas relações básicas, econômico-sociais; e, como reflexos de tais relações, produz suas ideias, princípios, categorias; resultando, assim, não serem mais do que produtos históricos e transitórios suas próprias ideias, princípios e categorias. Erguendo-se a superestrutura (Arte, Moral, Direito, Estado, Política... enfim, a Ideologia) sobre a base, esta determina aquela. Por isso, as relações superestruturais, ideológicas, têm raízes na forma concreta de propriedade, no conjunto de relações materiais, econômicas: “A forma concreta de propriedade revela o mais profundo segredo, a base oculta de todo o sistema social” (Marx – Engels, Manifesto do Partido Comunista); e Marx, em sua monumental obra O Capital, cita Linguet: “O espírito das leis é a propriedade.”

Em cada época, caracterizada por seu modo de produção e respectiva superestrutura, a sociedade se apresenta num determinado grau de desenvolvimento socioeconômico: comunismo primitivo, escravismo, feudalismo, capitalismo, socialismo (futuramente, comunismo científico); porquanto: “O moinho a braço dá a sociedade com o senhor feudal; o moinho a vapor, a sociedade com o capitalismo industrial” (Marx, Miséria da Filosofia). Não significando, porém, que a nova sociedade não seja gerada no seio da anterior, pois é exatamente o que se dá – uma saindo das entranhas, outra “infestada, segundo Marx, pelos estigmas da antiga sociedade de cujos flancos saiu”. É evidente que na apropriação e posse de bens se concretiza a propriedade; na apropriação e posse por poucos ou pela coletividade, principalmente dos meios de produção, reside a diferença entre capitalismo e socialismo. No sistema do “salve-se quem puder” é própria a acumulação, por poucos, de bens (capital); e é óbvio que, assim sendo, a grande maioria resta despossuída, causando espécie que certo economicismo exótico não seja capaz de perceber, em tão simples fato, a origem da maioria empobrecida, subjugada e explorada pela propriedade privada da minoria. “A propriedade pri-

Sobre o uso do Facebook

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Brasil conta com 306 milhões de dispositivos conectados à internet, a maioria smartphones, segundo um estudo divulgado, em abril deste ano, em São Paulo pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). O 26º Relatório Anual de Tecnologia da Informação calculou que o Brasil conta com três terminais (computadores, tablets ou telefones) para cada dois habitantes. Isso quer dizer que boa parte da população acessa a internet, na maior parte do tempo dos seus celulares. O maior tempo de acesso acontece em redes sociais como o Facebook e WhatsApp. Os revolucionários, portanto, podem utilizar essas ferramentas para a divulgação de suas ideias, tendo em vista as amplas possibilidades desses meios. Ao mesmo tempo, devem ser vigilantes com o tipo de informação veiculada, percebendo que o controle de todos os dados se encontra nas mãos de nosso inimigo de classe, a burguesia, e particularmente o imperialismo norteamericano. Por outro lado, o uso das redes sociais, como de toda e qualquer ferramenta, deve estar submetido aos princípios gerais da luta de classes, da nossa ideologia proletária, do acúmulo do marxismo-leninismo e da nossa construção partidária. Isso quer dizer que os comunistas não podem utilizar esses mecanismos da mesma forma que a pequenaburguesia, burguesia e seus partidos. E devem achar estranho se assim estiverem fazendo. Com efeito, se não estivermos concentrados em nosso objetivo maior, o de fazer a revolução mobilizando as mais amplas massas de trabalhadores para se libertarem do sistema capitalista, cairemos em várias armadilhas criadas pelos nossos inimigos e potencializadas pelas

redes sociais. Os “mexericos” (mais conhecidos como conversa de corredor) são uma destas armadilhas. O Facebook, em particular, está cheio disso. Alguém faz uma crítica solta no ar sem dizer a quem e o porquê, muito menos sem revelar os fatos concretos e materiais que levaram àquilo, e reproduz o disparate até a exaustão para milhares de pessoas que não estão envolvidas com a questão. Termina sendo muito mais uma provocação do que uma crítica e não precisamos falar dos efeitos nocivos e não educativos que têm as provocações. Além disso, depois da crítica subjetiva e sem endereço, fica também um convite generalizado para a fofoca in box (ferramenta para conversações particulares), afim de “esclarecer” o ocorrido. Como se não bastasse ainda existem os prints (fotos das discussões em particular) que são feitos visando a expor a pessoa que apresentou divergência a determinado pensamento, em público, e provar por A mais B, também em meios virtuais, que ela está errada. Transformando assim o movimento educativo e pedagógico de crítica e autocrítica apenas em uma luta entre vencedores e perdedores. O resultado é que pessoas da mesma classe social, ao invés de aprofundarem sua união contra o inimigo comum, criam laços de ódio entre si que dificilmente serão superados nos momentos de luta. Isso se transforma em um enorme favor para os capitalistas, que continuam a nos explorar sem maiores problemas. Por sua vez, o WhatsApp não foge muito dessa lógica. São criados grupos para discussão de determinados assuntos em vez de levar esses debates para as reuniões. Quem procede assim, sem dúvida, pensa que “o centralismo democrático deve servir aos outros, e não a

Karl Marx e F. Engels vada atual, a propriedade burguesa, é a última e mais perfeita expressão do modo de produção e de apropriação baseado no antagonismo de classe, na exploração de uns pelos outros” (Marx – Engels, Manifesto do Partido Comunista). Em 1789, a Revolução Francesa assestou o golpe decisivo do feudalismo, não só na França, mas em todo o mundo. Na luta contra os senhores feudais, ideais progressistas, ganhando foro, chegaram a ser proclamados formalmente em lei: soberania dos povos, direitos inalienáveis, liberdade de palavra, de consciência etc. A revolução de outubro Não obstante tão retumbantes declarações, em todo o mundo legalizouse o domínio do capital sobre o trabalho. Não dispondo o trabalhador de capital nem de instrumento de trabalho, viu-se forçado a trabalhar para o capitalista, aceitando suas condições; resultando, de um lado, amplas possibilidades de exploração, e do outro, privações para a maioria; concluindo-se não ser o capitalismo essencialmente dismim”, revelando sua própria incompreensão do marxismo e seu próprio individualismo. A presunção e o estilo de trabalho cotidiano Outro problema é a sensação falsa de dever cumprido ao declararmos nossa opinião sobre determinado assunto ou luta nas redes sociais. Assim que nossa postagem, ou mesmo uma foto que tiramos no momento de um protesto, é visualizada por milhares de pessoas e 'curtida' por centenas, temos a impressão que o nosso papel comunista foi cumprido. O mesmo ocorre quando preferimos “criar um evento” no Facebook, substituindo o panfleto da entidade/movimento e sua distribuição com nossa linha política, data, horário e local onde determinada atividade será realizada. Sem levar em conta o que podemos aprender com as massas, quais suas reivindicações e que formas de luta querem utilizar, a nossa presunção comunista diz: “o título do evento ficou ótimo, a arte também, já convidei mais de duas mil pessoas, todos vão aderir”. Mas isso não é verdade. Nada pode substituir o trabalho cotidiano de diálogo e contato com as pessoas em espaços privilegiados como as brigadas do jornal, panfletagem nos bairros e no centro da cidade, passagens em salas de aula ou locais de trabalho, confecção dos jornais das entidades, etc. Todo esse trabalho é que pode, ao fim e ao cabo, levantar as massas para lutar contra um determinado problema e desenvolver sua consciência política. “A presunção comunista — disse Lênin — significa que um indivíduo, que se acha no Partido Comunista e ainda não foi expulso, imagina poder cumprir todas as tarefas a golpes de decretos comunistas. Menos frases pomposas mais trabalho concreto, cotidiano... Menos estrépito político, maior atenção aos fatos mais simples, mais vivos... da edificação comunista...” (Lênin. Uma grande iniciativa).

11 Setembro de 2015

tinto do escravismo ou do feudalismo, porquanto se baseia na propriedade privada dos meios de produção. Em 1917, se não mudada a base, Lênin não teria inaugurado o Socialismo em seu vasto país. No dia seguinte à Revolução de Outubro (26/10/1817, de acordo com o calendário Juliano então vigente), foi decretado na Rússia: “A propriedade latifundiária da terra é abolida imediatamente sem qualquer indenização. É abolido para sempre o direito da propriedade privada sobre a terra. Toda a terra converte-se em patrimônio de todo o povo”. Em síntese, esse foi o dispositivo inicial com o qual Vladimir Ilich Ulianov mudou o curso da História do século XX, sem o qual nenhuma mudança teria ocorrido em seu país e no mundo. No que diz respeito à nossa pátria mãe gentil, frustradas as esperanças de milhões de brasileiros de que a Constituição de 1988, ora vigente, pusesse fim ao descalabro no tocante à terra; muito pelo contrário, não fazendo senão a nova Carta institucionalizar privilégios em nome de um direito de propriedade anacrônico, recrudesce a justa luta dos sem-terra, os quais, todavia, são conscientes de que para a conquista da abolição da propriedade privada exploradora, não há outra arma senão a organização, conforme ensinou o genial Lênin. (Elio Bolsanello é autor, pela Ed. Manoel Lisboa, de Breve História Ilustrada de Lênin. p/ aquisição: (11) 98671-3990 As redes sociais são muito propícias para os que muito falam e pouco fazem. De modo que temos que estar vigilantes para que nossa militância não se assemelhe a dos partidos da pequenaburguesia, que mais querem ter reconhecimento do que dedicar a energia de seus militantes à luta cotidiana de nosso povo. Divulgar nossas ideias O acesso ao site do nosso jornal, por exemplo, pode aumentar e muito se todos escreverem mais matérias sobre tudo o que acontece em suas localidades e utilizarem essas ferramentas para divulgar mais a nossa página e nossa política. Por outro lado, se conseguirmos que vários de nós deixem de passar horas na frente de um computador julgando a vida das pessoas e passem a ter mais atenção com os problemas do seu bairro, da sua escola ou do seu trabalho, ou seja, que estejam atentos aos mais próximos e aos seus problemas. Ainda podemos fortalecer nossas entidades/movimentos usando as redes de forma auxiliar e nunca substituindo o corpo a corpo da luta de massas. Sendo pessoas mais simples e verdadeiras, e não olhando de cima para baixo para o povo, conseguiremos conquistar de vez o coração daqueles que estão a nossa volta. Quanto à nossa organização, tudo o que nos interessa deve ser discutido em nossas instâncias. As ferramentas podem apenas nos ajudar a colocar em prática aquilo que definirmos nas reuniões presenciais de nosso coletivo. Deste modo, garantiremos nossa unidade de vontade e de ação, bem como uma ligação privilegiada e concreta com a juventude e o povo trabalhador, estando, assim, bem mais perto de realizar a revolução e construir o socialismo em nosso país. Queops Damasceno, militante do PCR


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LUTA DOS TRABALHADORES

Setembro de 2015

A PRIMEIRA INTERNACIONAL Proletários de todos os países, uni-vos! José Levino

“Trabalhadores, despertai!”, quadro do pintor russo V. Serov

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a década de 1850, o capitalismo já era o sistema econômico dominante em escala mundial e já se globalizara, invadindo, massacrando, escravizando, exterminando os povos nativos. Embora alguns países, como o Brasil, houvessem declarado sua independência nacional, continuavam, de fato, como semicolônias, com suas economias dependentes e associadas ao grande capital internacional, que tinha como principal potência, nessa época, a Inglaterra. Marx e Engels descrevem no Manifesto Comunista, publicado em 1848: “...A indústria moderna estabeleceu o mercado mundial, para o qual a descoberta da América havia aberto o caminho. [...] A burguesia desenvolveu-se, aumentou seu capital e empurrou para trás todas as classes advindas da Idade Média”. Criou uma nova classe, seu contrário, sem a qual o sistema não subsiste e ao mesmo tempo será sua coveira. Isto é, ao concentrar a propriedade, a riqueza, “a burguesia forjou as armas que trazem a morte para si própria, como também criou os homens que irão empunhar estas armas: a classe trabalhadora moderna, o proletariado”. “Sem ver o sol”, mas forjando sua organização No seu estudo sobre a situação da classe operária inglesa no século 19, Engels informa que, além da superexploração do trabalho em vista do aumento dos seus lucros, das péssimas condições de trabalho e vida, os trabalhadores têm uma característica imposta pelo capitalismo: não veem o sol, pois saem de casa de madrugada e retornam altas horas da noite. Mas essas condições chamam a necessidade de lutar contra elas e levarão aos movimentos operários, que vão da quebra das máquinas, à realização de grandes greves e às primeiras conquistas parciais, que, por si só, não resolvem a situação da classe, mas são importantes, não só pelas melhorias imediatas que proporcionam, mas como acúmulo para o confronto final que porá fim à escravidão assalariada. Tendências do movimento operário Não há consenso em torno de métodos e do objetivo final da luta de classes que se trava entre o proletariado e a

burguesia. Naquele momento, conformam-se várias tendências, sendo as principais delas: ANARQUISMO – Defende a passagem direta do capitalismo para a sociedade autogestionária, sem Estado, com a paz resultante da igualdade de todos, dispensando órgãos de coerção como polícia e forças armadas. Como estratégia para alcançar esse objetivo, dividem-se em duas tendências: o anarco-sindicalismo, liderado pelo russo Bakunin, que participa das lutas parciais apenas para propagar a Greve Geral que derrubará a burguesia do poder, e o cooperativismo (liderado por Proudhon, Owen, Fourier, Saint-Simon), que não acredita na luta e sim na construção da nova sociedade dentro do capitalismo, por meio das cooperativas e associações. Foram denominados por Marx de socialistas utópicos. REFORMISMO – Predominante no sindicalismo inglês, a tendência reformista não acreditava na ruptura com o capitalismo e na viabilidade da proposta anarquista ou comunista, tendo como estratégia a conquista de posições para a classe operária dentro do sistema capitalista para proporcionar melhores condições de vida, tendo como instrumentos as greves e a participação no parlamento burguês. Para isso, criaram o Partido Cartista. COMUNISMO – A contradição do capitalismo só será resolvida com a coletivização dos meios de produção, que permitirá a verdadeira justiça social e que cada um contribua para a sociedade de acordo com suas capacidades e recebe de acordo com suas necessidades. Eliminadas as classes sociais e os de sua ideologia no comportamento das pessoas, não será necessário o Estado e a sociedade será autogestionada. A diferença do anarquismo é que os comunistas compreendem que é impossível a passagem direta do capitalismo para o comunismo. Será necessário um período de transição, uma primeira fase da sociedade comunista (chamada socialismo), em que a classe operária assumiria o poder do Estado (a ditadura do proletariado substitui a ditadura da burguesia), colocando-o como instrumento de construção do comunismo, com a mudança das relações, tanto na base (in-

fraestrutura) como nas instituições (superestrutura). Para isso, todos os meios devem ser utilizados: as greves e outras formas de luta por conquistas parciais (jornada de trabalho, salário, etc.), a participação nos parlamentos e outras instituições da sociedade burguesa e o próprio sistema cooperativo, desde que não como um fim em si, mas para acumular forças até ter condições de “tomar os céus de assalto”. Independentemente da posição, a necessidade de união da classe operária para alcançar os fins propostos era comum a todos. Desse modo, comunistas, anarquistas e reformistas se uniram para criar a Associação Internacional de Trabalhadores (AIT), posteriormente conhecida como Primeira Internacional, fundada em Londres no dia 28 de setembro de 1864. Respeitado por todos pela firmeza de posições, acúmulo teórico e capacidade de formulação, Karl Marx foi encarregado de redigir a Declaração, o Programa e os Estatutos da AIT, nos quais fez questão de sublinhar “que a emancipação das classes operárias tem de ser conquistada pelas próprias classes operárias”. Lutas e conquistas A união de correntes políticas tão divergentes foi possível porque não havia centralismo na AIT. O Comitê Geral encaminhava para as seções nacionais as resoluções, mensagens, orientações, etc., mas estas não tinham caráter obrigatório. Eram referências. As organizações aplicavam aquilo que estava em consonância com sua própria estratégia. E havia os pontos comuns como as greves pela redução da jornada e outros direitos. Mas foi muito importante pela troca de experiências, debates e ânimo que proporcionava a existência de uma organização de caráter mundial, que chegou a ter 150 mil membros da Europa e dos Estados Unidos. Muitas conquistas foram sendo obtidas, em níveis diferentes de um país para outro. Em 1870, ocorre a guerra entre França e Alemanha, na disputa de domínio da Europa. A AIT se posiciona por meio da Mensagem do Conselho Geral aos operários franceses e alemães, redigida por Marx, que era membro do Conselho. Na mensagem, a Primeira Internacional recomenda que os operários franceses não se lancem contra a Alemanha, mas derrubem Luís Bonaparte e o império instaurado pela burguesia francesa, e aos operários alemães que contribuam para a derrota de Bonaparte, mas não ataquem o povo francês. E conclama a todos pela instauração da nova sociedade. A derrota do exército

francês permite aos operários organizados em Paris a tomada do poder em 1871, na experiência que ficou conhecida como Comuna de Paris (leia A Verdade, nº 52). O proletariado permaneceu no poder por 72 dias e tomou medidas características de uma sociedade comunista. Teve limitações, entretanto, por isso foi derrotado por uma aliança entre os exércitos francês e alemão. Ainda chorando a derrota, a burguesia francesa aceitou o apoio do inimigo alemão, provando que acima dos interesses do indivíduo e da nação, está o seu interesse de classe. A principal limitação, analisa Marx, foi a ausência de um partido comunista revolucionário que tivesse programa, objetivos e estratégia claramente definidos e uma direção democrática, mas centralizada. Os acontecimentos reforçam as posições marxistas na AIT; o congresso de Haia, de 1872, aprova a centralização com maiores poderes ao Conselho Geral, inclusive para expulsar seções que não seguissem as orientações dos congressos e as resoluções do Conselho, bem como a perspectiva de sua transformação em Partido Operário Revolucionário Internacional. As decisões resultam na expulsão dos partidários de Bakunin, seguida da retirada de outros setores anarquistas e reformistas. Se, por um lado, essa saída significa uma

depuração na AIT e a abertura do caminho para sua transformação em organização revolucionária, por outro lado, tem como consequência o enfraquecimento da AIT como organização de massas e sérios problemas financeiros, pois o anarquismo ainda predominava no movimento operário. Fim da AIT A cisão, aliada à repressão sanguinária desencadeada em toda a Europa, leva ao fim da experiência. Numa tentativa de distanciar-se do olho do furacão, a sede foi transferida para os Estados Unidos, mas não houve como seguir em frente. Finalmente, o Congresso da Filadélfia (EUA) se pronunciou pela dissolução. Apesar de sua dissolução, após 12 anos de existência, a AIT teve papel importante no desenvolvimento da organização e da consciência de classe dos operários em todo o mundo e comprovou a necessidade da organização global, pois os interesses de classe do proletariado independem da sua nação, especialmente nos dias de hoje, quando a evolução dos meios de comunicação e a hegemonia do capital financeiro aprofundaram a globalização do capitalismo já constatada e brilhantemente analisada pelos teóricos da classe operária Karl Marx e Friedrich Engels. Vieram novas internacionais. Outras internacionais virão. (José Levino é historiador)

A Internacional De pé, ó vitimas da fome! De pé, famélicos da terra! Da ideia a chama já consome A crosta bruta que a soterra. Cortai o mal bem pelo fundo! De pé, de pé, não mais senhores! Se nada somos em tal mundo, Sejamos tudo, oh, produtores! Refrão: Bem unido façamos, Nesta luta final, Uma terra sem amos A Internacional Senhores, patrões, chefes supremos, Nada esperamos de nenhum!

Sejamos nós que conquistemos A terra mãe livre e comum! Para não ter protestos vãos, Para sair desse antro estreito, Façamos nós por nossas mãos Tudo o que a nós diz respeito! O crime de rico a lei cobre, O Estado esmaga o oprimido. Não há direitos para o pobre, Ao rico tudo é permitido. À opressão não mais sujeitos! Somos iguais todos os seres. Não mais deveres sem direitos, Não mais direitos sem deveres! Versos de Eugène Pottier e música de Pierre De Geyter


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