Jornal A Verdade Nº 174

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Brasil, julho de 2015 - Ano 15 - Nº 174

Plano Levy aumenta inflação e desemprego na economia Ludmila Outtes

Com Levy no comando da economia, mais de 250 mil trabalhadores já foram demitidos Ao assumir o Ministério da Fazenda, Joaquim Levy, ex-diretor do Bradesco, foi saudado pelos donos dos bancos e pelos grandes empresários como o homem capaz de resolver os problemas na economia brasileira. Mas a verdade é que a situação do país só piorou. Levy disse que, aumentando os juros, a inflação cairia, mas a taxa Selic já atingiu 13,75%, uma das maiores do mundo, e os preços continuam crescendo: o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), em janeiro, era de 6,56% e agora está em 8,76%.

Paulo Pontes, o homem que amava o teatro O paraibano Paulo Pontes dedicou sua vida ao teatro popular e à luta pela liberdade de expressão no Brasil. Junto com Vianinha, Armando Costa e Ferreira Gullar, escreveu a peça Opinião e, com Chico Buarque, Gota D'água. Amava o teatro, o povo e a vida, mas, infelizmente, morreu cedo, com apenas 36 anos de idade. Página 12

Quem paga a conta são os trabalhadores! Apenas no mês de maio, 116 mil vagas de trabalho com carteira assinada foram fechadas. Em 2015, um total de 244 mil trabalhadores perderam seus empregos. Enquanto isso, os donos dos bancos riem à toa, cobram 360% ao ano de juros no Cartão de Crédito e 242% no cheque especial e ainda vão receber quase R$ 400 bilhões do governo federal pelos títulos que possuem da dívida pública. Página 3

Criminalização de jovens é derrotada jovens é derrotada Página 4

Com aluguéis caros e despejos, famílias fazem ocupações Página 8

A luta contra o individualismo na sociedade Página 11

Gerardo: “Era preciso resistir dia a dia” Granma

Condenado a duas prisões perpétuas, o cubano Gerardo Hernández ficou preso 16 anos nos Estados Unidos. “O crime”: defender seu país de atentados terroristas. Inocente, voltou a Havana e aos braços do seu povo e da sua família. Em entrevista exclusiva a A Verdade, ele fala da luta de Cuba contra Gerardo com esposa e filha em Havana o bloqueio econômico e de sua vida em liberdade. Página 9


2 Julho de 2015

SOCIEDADE

FRASE DO MÊS “O capitalismo alia à igualdade puramente formal a desigualdade econômica e, portanto, social. Essa é uma de suas características fundamentais, hipocritamente dissimulada pelos defensores da burguesia, pelos liberais e não compreendida pelos democratas pequeno-burgueses. Dessa característica do capitalismo decorre, entre outras coisas, a necessidade, na luta decidida pela igualdade econômica, de reconhecer abertamente a desigualdade capitalista e, mesmo, em certas condições, de colocar esse reconhecimento explícito da desigualdade na base do Estado proletário (Constituição Soviética). Mas, mesmo no que se refere à igualdade formal (igualdade diante da lei, a “igualdade” entre o bem nutrido e o esfomeado, entre o possuidor e o espoliado), o capitalismo não pode dar prova de coerência. E uma das manifestações mais eloquentes de sua incoerência é a desigualdade entre o homem e a mulher.” V.I. Lênin, Dia Internacional da Mulher, 7 de março de 1920

Presidente da Câmara dos Deputados declara guerra ao SUS Ludmila Outtes, Recife

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esde que assumiu a presidência da Câmara dos Deputados, em fevereiro deste ano, Eduardo Cunha (PMBD-RJ) tem cumprido com excelência o papel de defensor da privatização da saúde: tentou passar a MP 627/2013, que anistiava uma dívida de R$ 2 bilhões em multas dos planos de saúde, barrou a criação da CPI dos planos de saúde, propôs a PEC 541/2014, que obriga os empregadores a pagarem planos de saúde para os empregados, e conseguiu promulgar a Emenda Constitucional 86/2015, que reduz substancialmente o financiamento da União para o SUS. Eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro com a ajuda do Bradesco Saúde, plano privado que doou R$ 250 mil para sua campanha, em 2014, Eduardo Cunha tem feito o possível para defender seus financiadores. Apesar de liderarem o ranking de reclamações no Procon, sendo 80% das denúncias referentes ao não cumprimento contratual, e apresentarem a exorbitante quantia de R$ 111 bilhões em lucro no mesmo ano, os planos de saúde não serão investigados pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) graças a Cunha. Segundo ele, a proposta, apresentada pelo também deputado federal Ivan Valente (PSOLSP), era “inconsistente e sem foco”, apesar de contar com a assinatura de 201 deputados (30 a mais do que o mínimo necessário previsto pelo regimento interno da Câmara) e de ter parecer favorável da assessoria da Casa. Segundo o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), as operadoras de planos de saúde devem mais de R$ 742 milhões ao SUS, se-

gundo dados da Agência Nacional de Saúde (ANS). Essa dívida se deve ao cumprimento do artigo 32 da Lei de Planos de Saúde (Lei nº 9.656/1998), que estabelece que as operadoras devem ressarcir os serviços prestados aos seus clientes por instituições integrantes do Sistema Único de Saúde. Porém, ao invés de cobrar dos planos o ressarcimento pelo atendimento prestado, Cunha quis aprovar uma Medida Provisória (MP 627/2013) para perdoar a dívida e reduzir as multas aplicadas aos planos pelo não cumprimento dos contratos com os clientes. A presidenta Dilma Rousseff vetou a MP em maio deste ano, porém a cobrança das multas ainda é falha: para se ter uma ideia, as operadoras pagaram apenas 20% das multas aplicadas em 2013. Os retrocessos na saúde pública Hoje, 50 milhões de brasileiros (aproximadamente um quarto da população) são contratantes de planos de saúde. Porém, esse número pode aumentar consideravelmente se a PEC 451/2014, de autoria de Cunha, for aprovada. A PEC determina que todo empregador ofereça plano de assistência à saúde ao seu empregado em decorrência do vínculo empregatício. Com isso, Eduardo Cunha retira do Estado sua obrigação constitucional de garantir assistência médica à população, resultando em redução do investimento no SUS e, provavelmente, aumento dos benefícios e isenção fiscal e tributária às operadoras de saúde. Dessa forma, o presidente da Câmara pretende retroceder à época do Inamps, órgão anterior ao SUS e que restringia a assistência médica aos trabalhadores com carteira assinada, deixando à mar-

gem a população informal e os desemcer, haverá um SUS definitivamente pregados, que não tinham direito ao de baixa qualidade para os que não poserviço de saúde gratuito. dem pagar pela saúde – os pobres, desempregados, aposentados, viúvas, órOutro retrocesso promovido pelo fãos (...) Garantia de desigualdade de deputado Eduardo Cunha diz respeito atendimento permitido pela própria ao financiamento do SUS. A Emenda Constituição, ferindo o princípio da Constitucional 86, sancionada em marigualdade do SUS”, diz o manifesto do ço deste ano, estabelece que o financiCentro Brasileiro de Estudos de Saúde amento da União para o SUS será cal(Cebes) contra as propostas de Eduarculado com base “na receita corrente lído Cunha. quida do exercício financeiro, não poFP dendo ser inferior a 15%”, porém de forma progressiva: 13,2% no primeiro ano, chegando aos 15% após o 5º ano da promulgação da Emenda. Atualmente, o cálculo é feito a partir do valor empenhado no exercício anterior acrescido de, no mínimo, o percentual correspondente à variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB). Traduzindo: com essa mudança trazida pela EC 86, o SUS terá uma perda estimada de R$ 11 bilhões no ano de 2016, po- Dep. Eduardo Cunha: contra os direitos do povo dendo chegar a R$ 15 bi, dependenA luta em defesa do da crise financeira e econômica no País. Um estudo realizado pelo econoda saúde pública mista e mestre em economia política A proteção dos planos privados pela PUC-SP Francisco Funcia, revela de saúde por Eduardo Cunha e outros que os ganhos para o financiamento do parlamentares é óbvia: nas eleições de SUS só deverão acontecer a partir de 2014, as operadoras de saúde “inves2018. Até lá, os estados e municípios te- tiram” R$ 52 milhões em 131 candirão que arcar com as consequências da daturas de 23 partidos. redução do repasse federal para garanEsse fato e suas consequências só tir a continuidade dos serviços. reforçam a luta pelo fim do financia“O que fica cada vez mais claro é mento privado das campanhas eleitoque está em curso uma subversão do rais. Também reafirma a luta pelo fim projeto constitucional para a saúde. (...) da mercantilização da saúde, colocanComo as Propostas de Emenda Constido sob o Estado a total responsabilitucional têm que ser assinadas por um dade pela saúde da população e retiterço da Câmara dos Deputados, está firando a complementaridade de emcando evidente que entre os parlamenpresas privadas, que na prática assutares há muita gente interessada no desmem, a um preço altíssimo, a assismonte do SUS. Se tal medida prevaletência médica da população.

Venezuela recebe prêmio por redução da fome Da Redação No dia 08 de junho, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) realizou um ato solene para entrega de prêmios para 29 países que alcançaram a meta de redução da fome, entre eles a Venezuela. A premiação ocorreu durante a 39ª Conferência da FAO, realizada em Roma, entre os dias 06 e 13 de junho. Durante a Conferência, a embaixadora da Venezuela na FAO, Gladys Urbaneja, lembrou que, em 2000, foi aprovado por 189 países os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio a fim

O papel de A Verdade frente ao racismo Prezados, O capitalismo foi estruturado a partir da acumulação proporcionada pela escravização de negros e negras. Um dos sustentáculos do capitalismo hoje é a divisão racial do trabalho possibilitada pelo racismo, parte do aparato ideológico burguês. No Brasil, tivemos o racismo científico, depois o “mito da democracia racial” e hoje temos o racismo velado, que coloca em desvantagem o negro ou afrodescendente de acordo com a tonalidade da sua pele, o chamado racismo de marca (em oposição ao de origem), que é o que temos aqui no Brasil. Um dos entraves para o combate ao racismo é o mito da democracia racial que, ao negar sua existência, nega também a necessidade de sua denúncia e de políticas

de melhorar as condições econômicas e sociais da população. Entre esses objetivos, dois foram alcançados pela Venezuela: reduzir pela metade a proporção de pessoas pobres e reduzir em números absolutos a população com fome. “Eu acredito que o presidente Hugo Chávez é exemplo de um homem que entendeu que a primeira coisa é o homem e seus direitos, por isso, todas as missões sociais foram direcionadas para que a Venezuela e seus habitantes alcançassem todos estes direitos, que foram estabelecidos na Constituição de 1999”, salientou.

Jorge Arreaza, vice-presidente da Venezuela, recebeu o prêmio das mãos do diretor-geral da FAO, o brasileiro José Graziano da Silva. Arreaza destacou que esta luta faz parte do projeto da revolução de Bolívar, seguida por Chávez e continuada no governo de Maduro. “Nada nem ninguém fará com que nos afastemos do projeto histórico, socialista e democrático de igualdade e justiça social que deixou claramente definido Hugo Chávez”, declarou. Ao sair do evento, Arreaza completou que este prêmio é a “prova do gran-

públicas para combatê-lo. Um jornal que luta pela defesa dos trabalhadores não pode deixar de denunciar o cunho racial de políticas públicas que tem alvos preferenciais. O controle e o extermínio (através dos autos de resistência, por exemplo) de jovens negros, agravados caso seja aprovada a redução da maioridade penal, são um exemplo deste tipo de denúncia. A matéria intitulada Enfrentar a redução da maioridade penal, uma luta das mulheres, na edição 172 (junho), não menciona que os maiores atingidos pela redução da maioridade penal são, em sua maioria, negros. Fazer uma reflexão sobre o tráfico de drogas, como na matéria A quem serve o tráfico de drogas? (idem) sem atentar para quem morre violentamente por conta da guerra ao tráfico, quem está sendo consumido pelo vício do crack, quem são as mães que estão visitando seus filhos, quem é majoritariamente a população carcerária,

de esforço que tem feito a revolução bolivariana para reduzir os índices de pobreza extrema, pobreza geral e pessoas em situação de desnutrição”. Esta é a segunda vez que a Venezuela recebe o prêmio. O primeiro, entregue em 2013, foi o reconhecimento pela redução dos índices de população com fome de 13,5% para 5%. No ano seguinte, a Venezuela teve novo destaque mundial pela implantação do programa Missão Alimentação, uma iniciativa que impulsiona os programas sociais implementados pelo governo nacional com jornadas de distribuição de alimentos a preços justos para o povo.

é negar, por omissão, a necessidade do combate ao racismo. Resumindo: o racismo deve ser denunciado em todas as suas formas por ser, assim como o machismo, uma ferramenta ideológica eficaz dentro do sistema capitalista. É através de seu combate e das condições proporcionadas na luta pelo seu fim que a maioria da população brasileira, que é negra, terá possibilidade de construir seu processo revolucionário. Uma parcela específica se encontra aprisionada nos piores índices de desenvolvimento e isso deve ser denunciado. Matérias sobre terceirização, saúde da mulher, moradia, tráfico de drogas, violência policial (e as várias formas de racismo institucional), reparação das torturas na ditadura, mercado de trabalho, creches, trabalho informal, devem ser racializadas. Grata, Jessica Raul, Rio de Janeiro

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EDITORIAL

3 Julho de 2015

Economia brasileira piora com Plano Levy

A

economia capitalista é caracterizada pela posse dos meios de produção por uma pequena minoria de pessoas, mais precisamente por uma classe, a burguesia; pela anarquia da produção e por constantes crises econômicas. Essas crises sempre trazem maiores consequências para os trabalhadores, para os pobres, e mais ainda quando os governos adotam os chamados planos de austeridade ou ajuste fiscal, isto é, o corte dos investimentos públicos e de gastos sociais visando a assegurar o pagamento de juros aos credores das dívidas públicas. É o que está ocorrendo na economia brasileira desde que Joaquim Levy, ex-membro do FMI e exdiretor do Bradesco, foi nomeado ministro da Fazenda pela presidenta Dilma Rousseff. O objetivo do Plano Levy, segundo sua própria definição, é “reordenar a economia em bases mais atraentes ao mercado”. Como nada é mais atraente para o mercado que o aumento das taxas de juros, a equipe econômica do governo comandada por Levy eleva sem freio a Selic, a taxa básica de juros fixada pelo Banco Central do Brasil, que, no último mês, chegou a 13,75%, uma das maiores do mundo¹. O pretexto para a elevação dos juros é a necessidade de baixar a inflação. Mas a inflação, como se vê, não tem diminuído, tem crescido e muito. Em janeiro, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), a inflação oficial, era de 6,56% e agora está em 8,76%. Pior, o próprio Banco Central prevê que a inflação chegará, no final do ano, a 9%, sinal de que a política de aumento dos juros não está dando certo e deveria, portanto, ser mudada. Mas, não é isso que ocorrerá. O último boletim do Banco Central informa que o ciclo de elevação dos juros continuará. As consequências da elevação dos juros são terríveis para as massas trabalhadoras, pois, como é gran-

ATF

de o endividamento da população, o aumento dos juros vai acarretar o crescimento da dívida e um gasto maior com juros. Para se ter uma ideia, a taxa média de juros do cartão de crédito chegou a 360% ao ano e a taxa média do cheque especial a 242%. Não bastasse, os trabalhadores sofrem com o crescimento do desemprego. Apenas no mês de maio, 116 mil vagas de trabalho com carteira assinada foram fechadas. Em 2015, um total de 244 mil empregos formais foram eliminados. Tem mais: segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) e do Ministério do Trabalho, 452,8 mil trabalhadores perderam seus empregos nos últimos 12 meses. Além do desemprego, da inflação em alta, do crédito mais caro, a renda do trabalhador caiu no último ano 5%, de acordo com a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) de maio, do IBGE. E a situação tende a se agravar: a previsão do Produto Interno Bruto (PIB), índice que mede a produção das riquezas no ano, a previsão é queda de 1,4%. Isto é, crescimento negativo, tipo rabo de cavalo, para baixo. Lembremos que também faz parte do Plano Levy o corte de R$ 69 bilhões do Orçamento da União, o que significa a redução das verbas da Educação, da Habitação e da Saúde. Mas enquanto a população pobre perde com o aumento dos juros, os bancos e as famílias ricas, que são donas dos títulos da chamada dívida pública, faturam bilhões e crescem suas riquezas. De fato, devido às constantes elevações da taxa de juros, a classe capitalista, a classe que é dona do capital, prefere investir seu dinheiro no chamado mercado financeiro, ou seja, na compra desses títulos da dívida. Resultado, os investimentos na produção diminuem, a recessão aumenta, e o desemprego cresce. Muitos grupos econômicos estão vendendo empresas para investir em títulos, pois os ganhos são extraordinários e sem nenhum risco.

Joaquim Levy segue orientação do FMI de Christine Lagarde

Para esconder o real motivo pelo qual não investem na economia, isto é, a aplicação do capital em títulos públicos, os empresários em coro dizem que “não há investimento privado porque não tem confiança na situação do país”. Conversa fiada! Em 2014, por exemplo, o país gastou com o pagamento de juros nada menos que R$ 397 bilhões. Caso o governo não gastasse tanto dinheiro com o pagamento de juros, não teria a menor necessidade de cortar verbas ou investimentos, pois teria um enorme superávit; sobraria exatamente o que gasta com juros: R$ 397 bilhões. Portanto, não é o número excessivo de ministérios ou o salário dos servidores públicos e dos aposentados que causam o déficit público, mas os rios de dinheiro destinados pelo governo para pagar juros a uma meia dúzia de bancos. Aliás, segundo a CPI da Dívida Pública, somente 12 instituições financeiras, entre elas Citibank, Itaú, Bradesco, HSBC, estão credenciadas para comprar títulos da dívida vendidos nos leilões do Banco Central. Por isso, mesmo o ministro Joaquim Levy praticando uma política econômica desastrosa, que provoca recessão e aumento da inflação, ele é saudado pelos economistas burgueses e pelos grandes empresários como um “grande general e a única coisa boa do governo Dilma Rousseff”, embora esteja promovendo uma ainda maior “financeirização” e desnacionalização da economia brasileira, jogando milhares de trabalhadores no desemprego e colocando em risco os tímidos avanços sociais que o país obteve nos últimos

dez anos. O pior é que mesmo pagando essas fortunas de juros todos os anos, privatizando estatais como a Vale do Rio Doce, a Embraer, as empresas de energia e de telefonia, ações e poços da Petrobras, aeroportos e rodovias, etc., a dívida pública não para de crescer e já supera R$ 3 trilhões e 300 bilhões. Há ainda outra razão para os capitalistas diminuírem os investimentos e aumentarem as demissões; sabem que com um desemprego maior, haverá queda no salário dos trabalhadores. Poderão, assim, contratar com salários mais baixos, e, de quebra, aumentar a chantagem para o Senado aprovar o famigerado projeto de terceirização, o agora PLC 30, que permite às empresas reduzir salários e aumentar a jornada de trabalho e que foi aprovado na Câmara dos Deputados como PL 4.330. Mas, como já ficou claro nas manifestações de ruas contra o projeto de terceirização e nas greves realizadas neste ano por aumento dos salários, o proletariado, a classe dos trabalhadores, não assistirá passivamente à retirada de seus direitos e às manobras dos patrões para aprofundar a exploração e aumentar a taxa de lucro. Usará essas lutas para avançar sua consciência de classe, vencer as ilusões no capitalismo, identificar a burguesia, a classe dos capitalistas, como seu verdadeiro inimigo e unir suas forças em direção à luta pelo socialismo. ¹ De abril de 2013 a abril de 2014, o Banco Central aumentou a taxa Selic em 6,5 pontos.

Julho: mês de ampliar a coleta para a UP A Verdade

Meta da UP é recolher 50 mil apoiamentos em julho

Em meio a um momento político de reanimação das lutas e dos movimentos populares em nosso país, a Unidade Popular pelo Socialismo (UP) realizará, em julho, um mês especial para impulsionar a coleta de assinaturas em todos os estados pela legalização da UP. A proposta é ir além da importante experiência dos dois dias nacionais de coleta de assinaturas. Precisamos ousar ainda mais, não ter

medo ou defensiva de crescer. Ao invés de apenas dois finais de semana por mês, precisamos que a nossa militância promova atividades diárias durante todo o mês de julho. Para o êxito dessa tarefa de extrema importância faz-se mais que necessário o planejamento das atividades de coleta, o cumprimento das metas nacionais, já debatidas pela Comissão Nacional Provisória e pelas co-

missões estaduais, além de muita ousadia e disposição. Nesse trabalho, necessitamos ser mais ágeis. Podemos e devemos utilizar a coleta de assinaturas para pegar novos contatos, recrutar novos militantes, multiplicar nosso exército! Para tanto, temos que combinar a arte da agitação e propaganda, realizar as denúncias políticas, tocar os corações e mentes da classe trabalhadora, propagandear as ideias novas do socialismo e da organização popular para vencer todas as dificuldades enfrentadas pelo povo. Os novos contatos devem ser chamados para participar das reuniões plenárias que devem debater a conjuntura e organizar novas metas de coleta de assinaturas, propor aos novos filiados que levem a UP para seus bairros, organizar novos e novos comitês locais de luta e coleta de assinaturas. Companheiros e companheiras: a falência dos partidos burgueses e pequeno-burgueses abre uma verdadeira avenida para os revolucionários, para os lutadores populares, para os ati-

vistas, para aqueles que têm verdadeiro compromisso com o programa histórico de transformações do País a favor da classe trabalhadora construírem uma organização que leve até o fim a luta pelo socialismo. Somente com grande organização, grande capacidade de mobilização é que poderemos fazer frente a essa ofensiva e virar o jogo. A questão do poder popular, da participação direta da classe trabalhadora nas decisões políticas, portanto, começa a ganhar mais força e estará, em pouco tempo, na ordem do dia para um setor considerável dos trabalhadores e do povo. Precisamos efetivar a criação da UP para que a classe trabalhadora tenha um instrumento político legal que auxilie a sua libertação. A UP é uma tarefa urgente! Façamos um exitoso mês de coleta de assinaturas da UP! Vamos à luta! Leonardo Pericles, presidente da Comissão Nacional Provisória da UP


4 Julho de 2015

BRASIL

Jovens se mobilizam contra a redução da maioridade

O

Lula Marques

mês de junho foi de grande enfrentamento no Congresso Nacional contra a redução da maioridade penal expressa na Proposta de Emenda à Constituição Nº 171, que pretendia reduzir a maioridade penal de 18 para 16 anos. Durante todo o primeiro semestre, centenas de atividades contra a redução da maioridade penal foram construídas, reunindo estudantes, militantes dos direitos humanos, Igreja Católica, artistas e personalidades, contrastando com as pesquisas dos grandes meios de comunicação, que afirmavam a quase unanimidade da população favorável à redução. No dia da votação do relatório da Comissão Especial que tratou o tema, muita repressão, violência e gás

de pimenta contra os estudantes que tentavam acompanhar a sessão. Militantes da UJR, Marcus Vinícius (UEP), Davi Lira (Uespe) e Emmanuele Rodrigues (Fenet) foram agredidos, num tratamento bem diferente ao dado aos ilustres e “especialistas” Datena e Rachel Sheherazade, que destilam ódio e reacionarismo contra a juventude diariamente em seus programas de televisão. Diante dessa situação, no último dia 30 de junho, cente- Mobilização impediu aprovação da maioridade penal nas de jovens vindos de diversos esta(PMDB-RJ) não foram suficientes dos ocuparam a Esplanada dos Mipara impedir a presença dos manifesnistérios e iniciaram uma vigília contantes, que nas galerias e nos corretra a redução da maioridade penal. dores do Congresso fizeram valer a As manobras orquestradas pelo Preforça da juventude contra a redução. sidente da Câmara Eduardo Cunha

Zumbi renasce em Diadema O aumento das demissões e a falta de perspectiva de encontrar um emprego vêm afetando de maneira direta a população de Diadema, cidade da região do ABC paulista. O desemprego é acompanhado pelo crescimento do preço do aluguel e da especulação imobiliária, características de uma região com grande densidade populacional e alvo do interesse de diferentes grupos financeiros que manipulam as leis de propriedade fundiária. Por tudo isso, cerca de 400 famílias ameaçadas pelo perigo iminente de despejo e atormentadas com os valores abusivos dos aluguéis decidiram construir, na madrugada do dia 28 de junho, a Ocupação Zumbi dos Palmares, em um terreno desabitado há mais de 20 anos, de propriedade da Prefeitura Municipal de Diadema Grande parte dessas famílias participa, desde de 2008, do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas

conseguiram da Prefeitura o compromisso de convocar uma audiência pública para discutir modificações no Plano Diretor da cidade. A Guarda Civil Municipal (GCM) tem atuado sob as ordens de Lauro Michels para intimidar as famílias e atacar o direito de ir e vir da população. Mesmo frente as temperaturas mínimas de 12ºC, a

A PEC não foi aprovada por apenas cinco votos. Dos 308 votos necessários, obteve 303, enquanto 184 deputados votaram contra. Presente no plenário quando da votação da PEC, Bia Martins, coordenadora-geral da Fenet, falou sobre a proposta: “A juventude, que é a maior vítima da violência no país, não pode novamente ser penalizada. Já somos com a falta de recursos para a educação, a falta de empregos e salários dignos, e essa proposta vai na contramão do que precisamos para barrar a violência. Foi uma importante vitória, mas sabemos que os defensores da redução farão de tudo para aprová-la”. Da Redação Guarda impede a entrada de cobertores e lonas na ocupação, fazendo com crianças e idosos sofram intenso frio, além de dificultar a entrada de remédios, alimentos e água. Cristina Damásio, uma das coordenadoras do MLB, disse “que é uma atitude desumana. Morar com dignidade é um direito humano e as pessoIvanildo Silva as que aqui estão lutam para não viver na rua e criar seus filhos com dignidade”. O endereço da ocupação é Rua Nossa Senhora dos Navegantes, ao lado do Estádio Municipal, no bairro do Eldorado. Os moradores já organizaram várias atividades culturais e de formação contra a redução da maioridade penal e em defesa da reforma urbana e receberam a visita de movimentos e ativistas sociais que foram demonstrar sua solidariedade. Da Redação

(MLB) e negocia com a Prefeitura um projeto de construção de casas populares na cidade. Ano após ano, o poder público vem protelando a concretização deste projeto, interpondo barreiras burocráticas, dilatando prazos jurídicos, inviabilizando, na prática, a construção de um projeto social que resolva o problema das famílias. Nos últimos três anos, o prefeito Lauro Michels (PV) e seu secretariado foi quem cumpriu este triste papel de impedir a realização da construção dessas casas populares. Para Márcio Alves, um dos coordenadores do MLB, “não sobra outra alternativa senão ocupar e estabelecer a moradia, fortalecendo a solidariedade e ajudando as pessoas que precisam na comunidade”. Já no primeiro dia de realização da ocupação, as famílias Em Diadema 400 famílias se uniram e resolveram lutar por um teto

Pela desmilitarização da Polícia

As recentes cenas de violência promovidas pela polícia durante a manifestação dos professores do Paraná e os assassinatos nas favelas do Rio de Janeiro reacenderam o debate sobre a desmilitarização da Polícia Militar, debate que estava um pouco esquecido pela grande mídia, pouco interessada nessa questão. Com armas de choque, balas de borracha, cassetetes, spray de pimenta, gás lacrimogêneo e jatos d'água, mais uma vez a PM espancou, reprimiu, bateu e machucou simples professores com bandeiras, cartazes e faixas. O mesmo voltou a acontecer no dia 30 de junho quando da votação do projeto de redução da maioridade na Câmara dos Deputados em Brasília, dessa vez foram os estudantes as vítimas. Em 2012, em relatório de seu Conselho de Direitos Humanos, a ONU classificou a Polícia Militar brasileira como uma das principais violações dos direitos humanos no País. Já a Anistia Internacional definiu que o abuso e a violência policial é um problema nacional crônico. Polícia para quem? Criada para reprimir e auxiliar a repressão durante a ditadura militar nas torturas, sequestros e desaparecimento de corpos de presos políticos, a PM carrega esta herança maldita daquele vergonhoso regime e hoje se encontra cada vez mais em descrédito diante da sociedade, sobretudo com o acesso maior das redes sociais, que ajudam na divulgação e na denúncia,

sem precisar passar pelo aval das grandes redes de TV ou jornais. Caso emblemático foi o do carioca Amarildo, quando diversos sindicatos, organizações de bairro, entidades estudantis e intelectuais progressistas fizeram a campanha “Cadê o Amarildo?”, forçando o esclarecimento desse crime bárbaro. A questão é que não dá mais, em pleno século 21, tolerar a existência de uma organização cujos princípios são: conservadorismo; tortura como método de trabalho (como mostrou o filme Tropa de Elite); proibição de seus membros expressarem suas opiniões; péssimas condições de trabalho; negação de representação sindical. Mas a pergunta que ainda se faz é a mesma da banda Titãs em duas de suas músicas: Desordem e Polícia: qual ordem é essa, afinal, que eles querem manter, e a quem serve a Polícia? A única ordem a ser mantida é a do capital, a ordem da exploração dos trabalhadores e da repressão política. A herança da ditadura militar se faz presente até hoje, especialmente quando se vê que não houve mudança legal alguma sobre o tema e que a chamada “Constituição Cidadã” não alterou uma vírgula sobre essa questão. Por outro lado, os chamados “autos de resistência”, lavrados quando uma pessoa abordada resiste à prisão e é morta ou ferida, por exemplo, continuam ocorrendo diariamente. Esse foi mais um argumento criado pela ditadura para justificar e esconder os cri-

mes de tortura durante o regime. Há também a manutenção de batalhões da morte como a Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) e o Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), ambos criados durante o regime. Pesquisas como a promovida pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostraram que a desmilitarização da polícia é algo defendido pela população, apesar do falso argumento lançado de que, ao acabar com a Polícia Militar, estaríamos dando vez aos bandidos e pondo em xeque a segurança da população, coisa que não se mostra nos dados: 73,7% dos policiais apoiam a desmilitarização. Entre os PMS, 76,1% pensam do mesmo modo. E qual a alternativa? Desmilitarizar a polícia não significa abrir caminho para a criminalidade. A prática mostra que essa organização, criada para matar, torturar e perseguir, não combina com uma sociedade que defende a democracia. E mais: países que desmilitarizaram suas polícias, formaram novos policiais com outra forma de servir à sociedade e repararam os crimes cometidos por ditaduras – como Paraguai e Chile –, reduziram enormemente seus índices de violência e corrupção. Isso foi possível graças a mudanças em seus sistemas judiciais, à criação das Comissões da Verdade e à reforma de todo o sistema penitenciário, sem precisar privatizá-lo. No Brasil a Comissão Nacional da Verdade pediu, além da desmilitariza-

ção da polícia, uma reformulação da Lei da Anistia, criada pelos militares para pôr uma pedra sobre os crimes cometidos durante os 21 anos de repressão. Além disso, três Propostas de Emenda à Constituição (PEC) tramitam em nosso país: as PECs 430/2009, 102/2011 e 51/2013, visando à desmilitarização, bem como à junção das Polícias Civil e Militar, distintas em relação ao campo de atuação (investigativo e ostensivo, respectivamente). Outra proposta que parece interessante é a regulamentação das Guardas Municipais, aprovada pela presidente Dilma Rousseff por meio da PLC 39/2014, que cria o Estatuto Geral dos Guardas Municipais. De formação preventiva, voltadas para atuar diretamente com a comunidade, protegendo o patrimônio público e a vida, ao contrário da postura ostensiva das PMs, as Guardas Municipais poderiam ser colocadas de maneira mais efetiva para intervir em nosso país. Claro que não podemos ter ilusão referente a tal mudança e reivindicação. O fato de as PECs pela desmilitarização estarem tramitando todo esse tempo no Senado e encontrarem grande resistência para serem votadas, debatidas e aprovadas deixa claro o caráter classista que possuem nossas leis e quais são os interessados em manter a repressão sobre os trabalhadores e lutadores sociais de nosso país. Cloves Silva, estudante de Letras da UFRPE


BRASIL

5 Julho de 2015

Um livreiro a serviço da cultura A Verdade foi novamente às ruas para registrar em suas páginas pessoas simples do povo, que no seu cotidiano contribuem para a edificação cultural, política, econômica e social de outros brasileiros. Denise Maia, Rio de Janeiro A banca de livros usados do Olivar, na Rua da Carioca, Centro do Rio de Janeiro, vende, em média, 500 livros por dia, ao preço de R$ 2,00. Dez mil livros por mês. Uma clientela diversificada dedilha as folhas dos exemplares em diferentes línguas e gêneros literários. O livreiro Francisco Olivar de Sousa, nasceu em Camocim, interior do Ceará e desde pequeno, gostava de ler revistas em quadrinhos. Em 1975, com 16 anos, foi morar no Rio de Janeiro para terminar os estudos. Concluído o ensino médio, estudou ciências médicas na Faculdade Gama Filho. Diante da impossibilidade de continuar pagando as mensalidades, começou a trabalhar na livraria Entrelivros,

Francisco Olivar: “Sempre há tempo para ler”

no Largo do Machado, que, na década de 1980, era considerada a mais importante do Rio de Janeiro. Lá conheceu importantes escritores nacionais e estrangeiros, intelectuais e artistas que frequentavam esse universo. Encantado com o livre acesso à leitura de matizes diferentes largou os estudos para ser gerente da livraria. Após anos nessa rota de trabalho, resolveu participar da Feira do Livro, que circulava nos bairros cariocas. Essa atividade se expandiu para o interior de São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo, em regiões que não possuíam livrarias. Percebendo as dificuldades econômicas dos moradores que apreciavam uma boa leitura e não Vanor Correia tinham como obtê-la, passou a vender livros a preços populares. Por mais de 20 anos, vendeu a R$ 1,00 os mais diversos títulos. Em 1998, Olivar lançou o livro Risadinha, o menino que não ganhava presente. O sucesso foi tão grande que o texto foi adaptado para o teatro. “Essa história de que brasileiro não gosta de ler é lorota. São esses pseudointelectuais que propagam essa mentira. Re-

alizei diversas feiras no interior do Brasil, em que o relógio batia 23h, e as pessoas permaneciam em cima dos livros”, afirma o livreiro. Essa dedicação permanente à leitura foi reconhecida com os merecidos assentos na Academia Brasileira de Literatura de Cordel, na Academia Cearense de Letras e na Academia de Artes do Rio de Janeiro. “Meu patrimônio são os meus clientes” Estudioso e colecionador da obra de Monteiro Lobato, Olivar mantém uma relação genuína com seus clientes. “Às vezes, acontece de a pessoa não ter o dinheiro, ser humilde ou eu não conhecer, mas leva e paga quando puder. Depois elas passam, pagam e nem lembro qual foi o livro vendido. Também acontece de levar dias para encontrar um livro solicitado, mas faço pela pura satisfação da entrega. Gosto muito de quem gosta de livro. O meu patrimônio não são os livros, são meus clientes”, conta. Clientes privilegiados? Olivar explica que com ele não há tratamento diferenciado: “O tratamento é igual, do porteiro ao presidente do BNDES. O importante é gostar de ler”. Nesse momento, se emociona e consente com a cabeça que um transeunte leve um livro para pagar depois, sem anotar o nome do comprador, nem o livro vendido. Para manter a qualidade e a quantidade que a banca exige é necessário um esforço diário do nosso livreiro para percorrer prédios e casas na procura

e na seleção desse material. A ajuda de outro livreiro, Almir Alves da Silva, há 50 anos no ramo, é fundamental. Sobre o preço pelo qual vende seus livros, Olivar explica os motivos de vender tão barato: “Vender livros a R$ 2,00 populariza o livro e incentiva a leitura. A banca fica sempre cheia de jovens, adultos, dia e noite comprando, apreciando os livros que normalmente custariam R$ 50 ou mais em outros lugares”. “Você pode modificar sua vida com o livro” Apesar do amor aos livros, Olivar fala com tristeza da extinção de boas livrarias no Brasil. “Livreiro que conheça o autor, que saiba indicar um livro com uma boa história está acabando porque as livrarias, na sua maioria, viraram butiques”. Após a entrevista, Francisco Olivar, que havia lido um exemplar de A Verdade antes do nosso encontro, quis saber mais sobre o jornal. Gostou tanto que pediu que deixássemos 30 jornais na sua banca, para vender. Nessa conversa observamos o carinho e a dedicação que Olivar tem com os clientes. Sempre atento para oferecer uma boa leitura ou um autor do interesse do comprador. Sua crença na literatura mantém a chama que se alimenta diariamente em sua alma na certeza do papel transformador que o livro propicia na vida das pessoas. “Sempre há tempo para ler, não tem idade. Você pode modificar sua vida com o livro”.

A luta das mulheres pela liberdade na Colômbia A Verdade

Catalina Revollo é uma jovem psicóloga colombiana que cursou mestrado e doutorado em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Seu estudo é sobre mulheres colombianas vítimas do “desplazamiento” (“deslocamento”, termo que designa os camponeses que migraram forçadamente de suas terras devido à guerra civil) e está sendo publicada na íntegra em espanhol na Revista da UFRJ. Fátima Magalhães, Porto Alegre A Verdade – Fale um pouco sobre sua trajetória de vida. Catalina Revollo – Ao entrar na faculdade de Psicologia, em 1998, me inquietava a situação da chegada massiva de camponeses desplazados às cidades, a criação da legislação especial para sua atenção e as tomadas dos espaços públicos e privados feitas por alguns grupos de vítimas que tinham tombado espaços urbanos (como o campus da Universidade Nacional e o prédio da Cruz Vermelha Internacional). Este fato me levou a fazer minha primeira prática de pesquisa com a população vítima do desplazamiento. Depois de trâmites burocráticos na faculdade, exigidos para este tipo de prática pelo risco que representava, consegui ir morar e trabalhar no Caribe colombiano. Um povoado simples onde implementei, em 2002, junto com outros 60 companheiros em todo o país, o Programa Computadores para Educar, do Ministério da Educação e do Ministério das Comunicações. A experiência nesse local me mostrou bem de perto a realidade dos camponeses colombianos e o dia a dia deles em meio ao conflito social, político, econômico e armado. Estava conhecendo outra região do meu país, outro lado e outro tempo do conflito. Esta experiência marcou minha trajetória. A situação do meu país sempre esteve presente nas minhas pesquisas e militância política, mesmo depois da graduação. Em março de 2009, ingressei no mestrado de Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social. O projeto que defendi na qualificação tinha como

título Análise dos testemunhos de mulheres deslocadas vítimas da migração forçada na Colômbia. Em 2011, ingressei no doutorado, concluindo a tese chamada: Traduzindo testemunhos de mulheres vítimas do desplazamiento na Colômbia”, aprofundando a temática desenvolvida no mestrado. Quais os motivos da escolha deste tema para sua tese de doutorado? O desplazamiento na Colômbia é um fenômeno de migração interna forçada extremadamente complexo, com múltiplas causas e várias modalidades, e representa uma situação crítica para a região, tendo a taxa mais alta de migração forçada do Ocidente e uma das mais elevadas do mundo. O fenômeno afeta a todos os setores da população colombiana, predominantemente o setor rural e áreas populares das grandes cidades, mas os efeitos são mais severos sobre alguns grupos vulneráveis, afetando de maneira diferenciada as mulheres, crianças, comunidades indígenas e afrocolombianas. As mulheres são mais da metade da população vítima do desplazamiento na Colômbia; muitas delas assumem a manutenção total do lar, partindo para a economia informal e construindo redes de apoio entre a população vitimada, articulando uma luta política para reivindicar seus direitos. São as mulheres que se tornaram militantes do Movimento de Vítimas do Desplazamiento que inspiram o desenvolvimento do meu trabalho. A militância que essas mulheres têm empreendido pelo reconhecimento, a reparação, o retorno e o melhora-

Cristina Revollo, sua filha e Fátima Magalhães

mento do nível de vida em seu cotidiano está ligada à construção da memória do conflito político, social, econômico e armado: narram o que lhes tem acontecido no país. Sou uma mulher migrante colombiana comprometida em divulgar a situação do meu país, porque, como bem sabemos, a internacionalização da luta ajuda as nossas companheiras e companheiros na Colômbia; ajuda a proteger suas vidas. Movimentos como o Primeiro Foro Internacional pela Paz da Colômbia, na cidade de Porto Alegre, em 2013, e o segundo, na cidade de Montevidéu, em 2015, são muito importantes. Somos muitos os estudantes colombianos de pós-graduação desenvolvendo mestrados e doutorados em solo brasileiro, em diversas áreas do conhecimento. Também há estudantes brasileiros trabalhando com a situação colombiana nas universidades brasileiras. Sendo assim, evoco as palavras do ex-presidente uruguaio Pepe Mujica no fechamento do último Foro Internacional pela Paz da Colômbia, feito em Montevidéu: “A paz na Colômbia é uma causa de todos os latino-americanos”. Você esteve no Encontro Nacional do Movimento Olga Benario, em Recife, apresentando um pouco de sua tese de mestrado. Quais os desafios e os avanços para chegar ao doutorado?

A experiência no Encontro Nacional do Movimento Olga Benario foi única. Estar em meio a mulheres guerreiras que viajaram de todo o Brasil para o encontro, procurando a reivindicação da luta popular para toda a sociedade brasileira e latino-americana. Nossa luta anticapitalista, feminina e popular é nutrida pela troca das experiências das lutas nos diferentes Estados brasileiros e na luta das mulheres da América Latina. Compartilhar o trabalho da pesquisa nesse encontro me levou a desenvolver importantes questões no andamento da pesquisa para a tese do doutorado, tais como a problemática da tradução dos fatos acontecidos na Colômbia para o contexto brasileiro. Deixe aqui uma mensagem para as aguerridas mulheres da América Latina, exemplos de coragem e luta. Acho pertinente deixar a mensagem literal que uma mulher de 18 anos, vítima do desplazamiento, deixou durante a elaboração da pesquisa, precisamente o último parágrafo que fecha todo o texto da tese: “Gostaria de dizer uma coisa, fazer um chamado a todas as mulheres, não somente as colombianas, mas as do Brasil, Chile, Venezuela... todo o mundo sabe o que está acontecendo, então é importante fazer um chamado, que toda essa gente que ainda está metida nesse círculo do capitalismo, que não abriu sua mente, fazer um chamado à leitura e ao estudo da nossa história para que não se repita”. Agradeço profundamente o convide para compartilhar com A Verdade a trajetória do meu trabalho. É uma honra pela contundência política que esta publicação representa. Admiro e respeito muito sua trajetória e trabalho. Também agradeço ao Movimento Olga Benario. Vocês são exemplo de luta numa sociedade machista e capitalista que precisa ser constantemente questionada e transformada.


6 Julho de 2015

TRABALHADOR UNIDO

Trabalhadora morre no emprego em Aracaju

Thiago Santos, presidente do Sintelmarketing-PE ATF partir de fiscalizações realidos. Foi chamada uma equizadas nas centrais de atendipe do Samu, que fez os primento de telemarketing no meiros atendimentos, mas Brasil, o Ministério do Trativeram que aguardar uma balho identificou que os principais proambulância mais avançada. blemas do setor se referem ao ambienQuando essa ambulância te de trabalho, mobiliário e equipachegou, ela já estava morta. mentos, organização do trabalho e gesTudo isso ocorreu porque tão da saúde do trabalhador. No quesinão tinha médico e ela foi to organização do trabalho, o MTE atendida por uma operadoaponta o controle absoluto sobre os trara que é auxiliar de enferbalhadores, com regras rígidas de commagem”, declarou uma coportamento e desempenho, o nível de lega de trabalho. A empresa Trabalhadora da Almaviva morreu sem assistência da empresa cobrança alto e constante, ameaças, tratou o fato como uma fataprego. Apesar de indignada com o asséaplicação de penalidades por motivos lidade, limitando-se a emitir nota ofidio, Bárbara explicou que se assim o fibanais e exigência de metas impossícial eximindo-se de qualquer responzesse não teria como sustentar sua fiveis. sabilidade. lha. Foram exatamente os problemas A AlmaViva obteve R$ 459,4 miO estresse levou Bárbara a sofrer relacionados à “organização do trabalhões de lucro, em 2013, registrando um mal-estar súbito após a discussão, lho” que levaram a funcionária da um crescimento de 54,7% com relação ainda dentro da empresa. Como não há AlmaViva Bárbara Monique, de 26 ao ano anterior; já em 2014, alcançou equipe capacitada no ambulatório e anos, a discutir com seu supervisor, no uma receita líquida de R$ 605 milhões, houve demora na chegada do Samu, dia 24 de junho, na unidade da empreo que representa um crescimento de Bárbara não resistiu e faleceu. “Na hosa localizada no Bairro Industrial, em 47% em relação ao faturamento de ra em que ela passou mal, todo mundo Aracaju. Na ocasião, o supervisor con2013. Cada operador representa para a tentou ajudar, mas na empresa não tem cluiu que, caso a operadora não estiAlmaViva R$ 27.666,06 no seu faturamédico nos finais de semana e feriavesse satisfeita, abandonasse o emmento; e, pelo visto, nada mais além

A

disso. Todo o setor obteve um faturamento de R$ 11,3 bilhões, em 2013, o que representa um crescimento real de 14,6% desde 2010, segundo dados da consultoria International Data Corporation (IDC). O caso de Bárbara Monique revela que para os patrões, no capitalismo, a vida de cada trabalhador e o destino de nossas famílias não representam nada. Para eles não passamos de uma parcela do seu faturamento e a possibilidade de aumentarem seus lucros, na mesma medida em que aumentam a exploração a que estamos submetidos. Não queremos que casos como o de Bárbara se repitam. Por isso, não há outro caminho para os operadores de telemarketing que não seja a organização, para lutarmos contra o projeto de lei da terceirização, em defesa de um piso salarial nacional decente para os operadores de telemarketing, pelo reconhecimento da nossa categoria como categoria diferenciada e por condições dignas de trabalho.

Servidores Federais dizem não à redução dos salários Manifestações populares em todo o Brasil marcaram o último dia 25 de junho. Os motivos que levaram às ruas milhares de trabalhadores foram muitos: a luta contra a aprovação da PEC que reduz a maioridade penal; a campanha do MTST, do MLB e demais entidades por mais moradias dignas para a população sem-teto; a luta contra o ajuste fiscal, o PL da Terceirização e a retirada de direitos dos trabalhadores, além da campanha salarial dos servidores públicos federais por melhores salários e por mais investimentos em serviços gratuitos e de qualidade. Essas foram as bandeiras que o movimento popular empunhou, demonstrando que a classe trabalhadora e o povo pobre brasileiro não aceitam a política dos patrões e dos governos capitalistas, que insistem em colocar nas costas daqueles que constroem todas as riquezas dos países o fardo da sua crise. Com a radicalização da luta de classes em todo o mundo, os trabalhadores brasileiros se mobilizam para enfrentar a sanha de lucro dos banqueiros e dos grandes monopólios privados. Por isso, esse Dia Nacional de Luta convocado pelas centrais sindicais e demais entidades do movimento popular foi avaliado como um grande sucesso, que aponta qual é o caminho que a classe trabalhadora tomará para

defender seus direitos e avançar em seu objetivo maior de construir uma sociedade justa e igualitária. A palavra de ordem de Greve Geral deu o tom nas manifestações do dia 25 de junho, e algumas categorias já começam a construir esse movimento. É o caso dos servidores públicos federais. Governo apresenta proposta indecente para os servidores Com o intuito de desmobilizar o Dia Nacional de Luta e retirar os servidores federais das manifestações, o Ministério do Planejamento convocou o Fórum Nacional de Entidades Nacionais em cima da hora para apresentar a contraproposta do governo na Mesa de Negociação. Em resposta à pauta dos servidores que reivindicam aumento linear de 27,3%, data-base em 1º de maio, direito de negociação coletiva (regulamen-

tação da Convenção 151 da OIT), isonomia dos valores dos benefícios entre os poderes e uma política salarial permanente para correção das distorções existentes entre as várias tabelas salariais, o governo federal propôs um reajuste salarial de 21,3% dividido em quatro anos: 5,5%, em 2016; 5%, em 2017; 4,8%, em 2018; e 4%, em 2019. Esses índices estão sujeitos à mudança de acordo com o ajuste fiscal. Perguntado sobre o restante das propostas dos servidores, o secretário de Recursos Humanos do Ministério, Sérgio Mendonça, afirmou que a apresentação das outras respostas sobre a pauta está condicionada à resposta sobre o índice do governo. Depois da insistência indignada das entidades do Fórum, outra mesa de negociação foi marcada para dia 7 de julho. A proposta do governo recebeu a repulsa de todas as 31 entidades do Fórum, que deverão realizar suas plenárias para debater e deliberar sobre os desdobramentos da campanha salarial. Os técnico-administrativos das universidades federais (Fasubra) e os professores (Andes) já se encontram em greve. A Condsef também aprovou a greve de suas bases para a 1ª quinzena de julho, e as demais entidades devem seguir o mesmo caminho de construção

da greve geral dos servidores públicos federais. Para o diretor do Sintrasef-RJ e militante do Movimento Luta de Classes (MLC), Joaquim Adérito, “a proposta do governo traz redução salarial para os servidores, é desrespeitosa e tem que receber o mais amplo repúdio dos trabalhadores”. O governo afirma que “o reajuste foi proposto com base na inflação estimada para os próximos quatro anos, mantendo o poder de compra do trabalhador e o gasto da folha em percentual do PIB estável durante o período”. Além de outras inverdades sobre as projeções dos índices da economia, o governo também classifica o reajuste em quatro anos como “um aprimoramento das negociações salariais”. Diante dessa proposta, que além de não responder às reivindicações do conjunto dos servidores federais, praticamente congela as negociações por quatro anos, as entidades do Fórum deverão rejeitá-la, exigir a resposta sobre os outros pontos da Pauta de Reivindicações, reafirmar a proposta de reposição salarial de 27,3% e preparar a greve geral da categoria. Essa foi a posição pelo MLC em reunião de sua base nos servidores e que defenderá nas plenárias do movimento. Victor Madeira, diretor da Condsef e militante do MLC

O que é a terceirização NÃO AO plC 30

No Brasil, a partir da década de 1980, iniciou-se um movimento de flexibilização e subcontratação de mão de obra em larga escala, especialmente em algumas empresas multinacionais. Na década de 1990, a terceirização ganhou relevância, difundindo-se por vários setores, inclusive na esfera pública, nas atividades-meio. Segundo o PLC 30, que tramita no Senado Federal, a terceirização agora pode avançar para as atividades-fim. As consequências são graves para os trabalhadores: Redução dos salários – um trabalhador terceirizado, ganha, em média, 24,7% a menos do que um trabalhador direto. Aumento da jornada de trabalho – apesar de ganhar menos, trabalha, em média, 3 horas a mais.

Rotatividade nos postos de trabalho – o vínculo empregatício é mais frágil, muitos sequer possuem a carteira assinada, provocando periodicamente ondas de demissões. É comum ver terceirizados entrando e saindo de empregos num curto espaço de tempo, o que se agrava com as novas barreiras para acesso ao FGTS. Aumento nos acidentes de trabalho – dados do Ministério Público do Trabalho mostram que, em todas as áreas, os profissionais contratados por empresas terceiras sofrem mais acidentes de trabalho e desenvolvem mais doenças ocupacionais. Também o número de mortes decorrentes de acidentes é maior entre os terceirizados. Enfraquecimento dos sindicatos – além disso tudo, os terceirizados passam a ser representados por diferentes

RISCO SEU EMPREGO ESTÁ EM

sindicatos, vinculados às empresas e não às categorias, como hoje acontece. Com isso, ocorre o enfraquecimento de sua organização de classe e, consequentemente, seus salários tendem a diminuir e direitos a serem sonegados, o que, em efeito cascata, repercute para o conjunto dos trabalhadores. Da Redação

Um jornal dos trabalhadores na luta pelo socialismo


JUVENTUDE

Rebele-se defende luta contra cortes na Educação

E

m meio a uma turbulenta crise econômica e política que vive o país, ocorreu o 54º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) em Goiânia, Goiás, de 3 a 7 de junho. Mais de oito mil estudantes participaram do evento, que teve como tema central dos debates o ajuste fiscal do governo federal, os cortes na educação e a organização do movimento estudantil. Esse foi o primeiro congresso após as Jornadas de Junho de 2013, que levou milhões de jovens às ruas em defesa de mais direitos, derrubando os preços das tarifas em mais de 100 cidades e mostrando a juventude que é possível lutar e mudar os rumos da história e de suas vidas. Para completar, o início do ano de 2015 não tem sido fácil para a educação, apesar do discurso oficial de que o Brasil é a Pátria Educadora. Acontece que o governo federal impôs dois cortes de verbas no setor que, juntos, somam R$ 16,4 bilhões. A falta desse dinheiro é intensamente sentida pelos universitários brasileiros, principalmente pelo atraso de suas bolsas e o fechamento de restaurantes universitários, afetando a assistência estudantil, que é precariamente oferecida nas universidades, sem falar com os cortes vividos no Fies, programa de financiamento para os estudantes de faculdades privadas. Quer dizer, muitas eram as questões a serem tratadas e debatidas no Congresso da UNE, merecendo destaque ainda a proposta de redução da maioridade penal em votação no Congresso Nacional, a democracia inter-

na nas instituições de ensino, a criminalização dos movimentos sociais, entre tantos outros. Contra o ajuste fiscal No debate sobre os efeitos da crise econômica foi destacada pelos palestrantes a situação imposta para o Brasil, os objetivos do ajuste fiscal e como os trabalhadores e a juventude têm sofrido com essas medidas. Algumas falas tentaram amenizar os efeitos do ajuste e negar a possibilidade de enfrentamento ao ajuste fiscal, buscando “blindar” o governo federal. Já o representante da Unidade Popular para o Socialismo (UP), Wanderson Pinheiro, enfatizou o sentimento e a disposição de luta do povo brasileiro na conquistar de seus direitos ao longo de nossa história, e que as mobilizações de março e abril mostraram o caminho para enfrentar o ajuste fiscal. Um dos temas unitários abordados no Congresso foi a pauta da redução da maioridade penal, com a realização de um debate, como espaço de Conferência Livre da Juventude, em que os debatedores apresentaram dados e leituras sobre os efeitos da redução e a necessidade da atuação da juventude para barrar esta medida. A luta grevista de professores e servidores da educação em todo o país foi lembrada com um concorrido debate com a presença do sindicato nacional dos professores universitários (Andes-SN) e dos professores da rede estadual de São Paulo (Apeoesp), demonstrando o apoio dos estudantes e da UNE aos movimentos grevistas. A Verdade Rebele-se na UNE Com uma bancada organizada em 15 estados, reunindo estudantes de instituições públicas e privadas, diretores de CAs e DCEs, a tese Rebele-se chegou ao Congresso da UNE com muita disposição para transformar a União Nacional dos Estudantes. Ao todo, mais de 500 lideranças ocuparam Bancada da Rebele-se reuniu 500 estudantes brasileiros

A cultura da violência dentro das universidades brasileiras Na sexta feita, dia 19 de junho, estudantes de diversos coletivos do movimento estudantil e centros e diretórios acadêmicos da Universidade Federal de Viçosa (UFV) se uniram em prol de uma pauta específica: o fim das opressões e violências que ocorrem dentro do campus diariamente. O estopim da indignação dos estudantes foi quando o professor Joaquim Lannes, do Departamento de Comunicação da UFV, publicou em seu perfil do Facebook, no dia 15 de junho, uma notícia falsa com o título: “Juiz solta ladrão e é assaltado por ele na saída do Fórum.”, seguido do seguinte comentário: “Bem feito. Tomara que futuramente este marginal entre na casa do juiz estupre a mulher dele, a filha e outras mulheres da família dele. Aí quem sabe ele possa ver quem merece ficar solto e quem merece ficar preso. Bem feito”. Mesmo diante de um apertado calendário acadêmico, o ato reuniu cerca de 70 estudantes dos diversos cursos da UFV, que mostraram sua indignação com a omissão da universi-

dade diante das denúncias de estupro, abuso, assédio e discriminação, que são frequentes na instituição. Infelizmente, casos como esse não são isolados. A naturalização da violência contra a mulher é cada dia mais presente na nossa sociedade. Mais de 50 mil mulheres são estupradas por ano e, a cada cinco minutos, uma mulher é agredida. As violências psicológicas, físicas e sexuais que ocorrem todos os dias estão diretamente ligadas à forma como a sociedade se organiza e como entende as relações de poder. Vivemos em uma sociedade machista e patriarcal, em que a mulher ocupa um lugar secundário e submisso ao homem. As mulheres são retratadas diariamente como objetos sexuais e de domínio masculino. As mulheres são culpabilizadas por toda a violência que sofrem e, em sua grande maioria, não recebem qualquer tipo de amparo. Posicionamentos como esse do professor reforçam a naturalização dessas ações. Ele, enquanto professor de uma universidade federal, influen-

os grupos de debate e deram o tom de uma delegação comprometida com a defesa de uma educação de qualidade e contra os ataques promovidos pelo governo com o ajuste fiscal. No plenário do Congresso, ao debater e deliberar sobre as resoluções políticas da UNE, lideranças da Rebele-se de Norte a Sul do país se intercalaram na tribuna homenageando estudantes vítimas da ditadura militar fascista e apresentando as bandeiras de luta para os estudantes dentro das propostas apresentadas pela chapa Oposição de Esquerda, formada com uma série de coletivos e juventudes de esquerda, comprometidas com esse programa. Eleição da nova diretoria Ao término do Congresso, a chapa da diretoria majoritária (UJSPCdoB/PT/PDT) alcançou a maioria dos delegados, 2.367, e elegeu dez diretores na executiva da entidade. A chapa do “campo democrático” (Levante/PT), com 730 votos, elegeu três diretores na executiva e a chapa do “Fora Dilma” (PPL/PSB), com 240, elegeu um representante. Por sua vez, a Oposição de Esquerda cresceu em 14% o número de delegados desde o último congresso, chegando a 704 votos, e saiu do 54° Congresso da UNE com três diretores na executiva. Infelizmente, o controle burocrático e o aparato financeiro nas mãos da diretoria majoritária dão amplas possibilidades de perpetuação à frente da direção da UNE. O processo de eleição de delegados não é o mais eficiente, e o controle que se tem dessas eleições dá margem há vários questionamentos. A União Nacional dos Estudantes precisa ser retomada para a luta em defesa dos estudantes, e esse é um momento de luta e enfrentamento em todo o país. Após o 54° Congresso da UNE é hora de fortalecermos a construção do movimento estudantil em cada universidade e faculdade, seja pública ou privada, para que possamos avançar nos direitos da juventude e na busca por uma educação de qualidade. Coordenação Nacional da UJR cia diretamente diversas pessoas dentro do ambiente universitário, e, ao colocar o estupro como uma medida punitiva, legitimar a posse do homem sobre a mulher e todas as violências que a mesma sofre, naturaliza todas essas agressões, reforçando esse entendimento entre as pessoas que o cercam. A universidade que queremos não pode servir como um mecanismo de reforço às violências, opressões e discriminações da nossa sociedade. Ela deve servir como um espaço de desconstrução de toda essa lógica. Quando a universidade e a comunidade acadêmica se omitem de se posicionar diante desses casos, consentem e compactuam como toda a violência existente no ambiente universitário. É preciso pôr fim à cultura da violência e do estupro dentro e fora das universidades brasileiras. É necessário que tenhamos mecanismos de denúncia que realmente funcionem e que tomem as medidas cabíveis e necessárias a esses casos. Chega de impunidade nos casos de opressão e violência no campus universitário! Machistas não passarão! Shara Narde, militante da UJR/MG

7 Julho de 2015

Movimentos se solidarizam com a Venezuela O Consulado Geral da República Bolivariana da Venezuela do Recife foi alvo de ofensas e tentativas de agressões no dia 20 de junho. Um grupo de pessoas compareceu ao local portando cartazes com acusações inverídicas e proferindo palavras de ódio. A ação, embora que restrita e sem apoio popular, foi inspirada pela recente visita de uma comitiva de senadores da direita brasileira ao país bolivariano. A comitiva direitista, sob o pretexto de defender os direitos humanos e a democracia, tinha o objetivo de visitar o criminoso venezuelano Leopoldo López, que está preso em Caracas. Condenado por sua participação no golpe militar contra o presidente Hugo Chávez, em 2002, por mau uso de recursos públicos quando foi prefeito, em 2008, e por incentivo à violência e depredação do patrimônio público, em 2014, Leopoldo López é um homem rico, de família proprietária de indústrias e ligada à produção de petróleo. A biografia impopular do criminoso venezuelano parece um pouco com a de seus defensores brasileiros, como por exemplo, Aécio Neves (PSDB-MG), membro da comitiva direitista, que trabalhou para instituições governamentais da ditadura militar brasileira e é acusado de utilizar recursos públicos para construir um aeroporto na fazenda de seu tio. Outro membro da comitiva “democrática” é Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), condenado por abuso de poder político e cassado quando era governador da Paraíba, além de ter rejeitada sua prestação de contas referente às eleições de 2006 e ser alvo de inquérito que apura crimes da Lei de Licitações pelo Superior Tribunal Federal. Também compunham a representação de senadores direitistas o José Agripino Maia (DEM-RN), prefeito biônico de Natal-RN na ditadura militar, Ronaldo Caiado (DEM-GO), de família envolvida com trabalho escravo e Aloysio Nunes (PSDB-SP), envolvido com o escândalo do metrô em São Paulo e agressor de blogueiro. A visita desses senhores representa uma ingerência nos assuntos internos do Governo venezuelano e uma provocação a todo o movimento de esquerda latinoamericano, com o objetivo de criar uma instabilidade na região. Querem, com isso, jogar uma nuvem de fumaça nas conquistas populares do Governo Bolivariano da Venezuela. Um país que erradicou o analfabetismo em 2005, que nacionalizou grande parte da produção do petróleo e incentivou o controle operário de várias empresas falidas e estratégicas para o desenvolvimento do país. Também se destaca o controle de preços em 23 mil pontos de venda estatais, onde os produtos custam 50% a menos que no mercado privado. Sem falar no estímulo à participação do povo nas decisões políticas, realizando, em 16 anos, 19 consultas populares, entre eleições, referendos e plebiscitos. Ou seja, a Venezuela é hoje o país que mais realiza eleições no mundo, sendo mais de uma por ano. Em resposta, no dia 22 de junho, dezenas de movimentos sociais, lideranças sindicais, estudantis e autoridades locais, realizaram um ato de solidariedade ao povo venezuelano e a sua representação diplomática em frente ao Consulado, ressaltando as conquistas populares do expresidente Hugo Chávez e do atual presidente Nicolás Maduro em seus esforços em favor da justiça, da democracia e da igualdade. A tentativa da direita brasileira e venezuelana de criar uma tensão no continente foi frustrada e inconsequente. Os países da América do Sul continuam vivendo em paz uns com os outros, e a bandeira da integração latino-americana vem se fortalecendo pela necessidade de se contrapor ao imperialismo dominante, que busca impor sua cultura e sua política sobre os povos do mundo. Bruno Melo, Recife


8 Julho de 2015

LUTA POPULAR

Ocupação Paulo Freire em BH consegue avanços

O

A Verdade

rganizada pelo Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), a Ocupação Paulo Freire, realizada no dia 31 de maio, conseguiu alcançar diversos avanços em pouco mais de um mês. Situada na região do Distrito Industrial do Vale do Jatobá, na região do Barreiro, a ocupação já conta com mais de 300 famílias. Seu nome é uma homenagem a um dos maiores educadores do Brasil. Desde o primeiro dia, foram organizadas uma cozinha comunitária, que garante refeições três vezes ao dia para todos os moradores, uma creche, que atende o conjunto das crianças da nova comunidade, além de banheiros comunitários e uma sede provisória para o MLB. Como é de prática nas ocupações organizadas pelo movimento, as decisões são tomadas pela coordenação da ocupação e referendadas nas assembleias, momento em que os moradores podem opinar na condução dos trabalhos, fortalecendo, assim, a união do grupo e o espírito coletivo. Tamanha organização permite, inclusive, que os próprios moradores possam se revezar na segurança da comunidade, instituindo uma portaria com funcionamento 24h por dia, uma vez que a presença da Polícia Militar vem acontecendo desde os primeiros dias, tentando despejar os moradores e monitorando diariamente o local, até com uso de helicóptero. Terras griladas e muitas ilegalidades Nos primeiros dias, um su-

Creche da Ocupação Paulo Freire

posto proprietário do terreno apareceu, mas não conseguiu apresentar documentos comprovando ser proprietário da área, situação muito comum na região, já que a grilagem de terras é uma prática recorrente. A maioria das áreas na localidade pertenciam anteriormente à Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemig), que, ao que tudo indica, repassou os terrenos para vários proprietários privados em troca da construção de empresas para compor o chamado Distrito Industrial do Vale do Jatobá. Porém, muitos desses supostos proprietários, apesar de terem a obrigação contratual de construir suas empresas no prazo máximo de dois anos, sob pena de perder o direito à propriedade, não construíram nada, deixando os terrenos sem função social, vendendo-os ilegalmente ou fazendo especulação imobiliária. O pior nisso tudo é que a Codemig quase nada fez para retomar essas áreas. Estimase que mais de um milhão e meio de metros quadrados de terras sofreram processo de grilagem nas redondezas. Mas o povo não ficou calado e

nem sem reagir a essas injustiças. “Muitas ocupações começaram a surgir e, em menos de 10 anos, foram organizadas as comunidades Eliana Silva, Camilo Torres, Irmã Dorothy, Nelson Mandela, Horta 2 e, mais recentemente, a Ocupação Paulo Freire. Este verdadeiro “vale das ocupações” conta com 1.700 famílias e uma população de 7 mil pessoas”, afirma Indianara, uma das coordenadoras do MLB. “Queremos erguer uma nova comunidade” A Ocupação Paulo Freire tem a organização e a luta popular como caminhos para a vitória. Apesar do recuo da PM, a situação é de ameaça permanente para os sem-teto. As coordenações da ocupação e do MLB se reuniram com a Companhia de Habitação do Estado de Minas Gerais (Cohab), buscando uma forma de negociação justa, mas a negativa foi imediata: “Não toleramos novas ocupações e não haverá nenhuma negociação ou conversa”, afirmou o presidente da companhia, Claudius Vinicius. “Queremos erguer uma nova comunidade nessa região. Se o Estado e a Prefeitura não querem negociar conosco, seguiremos o exemplo das comunidades próximas e faremos com as nossas próprias mãos. Como não há nada resolvido, vamos resistir e construir”, disse Onofre Maia, da Coordenação do MLB. Poliana Souza, Coordenação Nacional do MLB

Resiste Izidora! Uma ordem de despejo anunciada pelo Governo de Minas Gerais elevou a tensão das mais de oito mil famílias que residem há dois anos nas Ocupações Rosa Leão, Vitória e Esperança, na Mata da Izidora, região norte de Belo Horizonte. O local é palco de uma disputa que envolve um bilionário projeto de especulação imobiliária, tendo como principal interessada e maior beneficiária a Construtora Direcional. No dia 19 de junho, mais de dois mil trabalhadores semteto foram duramente reprimidos pela Polícia Militar enquanto marchavam em protesto pela MG 010 para impedir mais uma ação de despejo. Para dispersar os manifestantes, a PM utilizou um forte aparato repressivo, com bombas de gás lacrimogêneo, gás de pimenta, bombas de efeito moral e balas de borracha, que atingiram inclusive crianças e idosos. A repressão policial teve um saldo total de 34 prisões e mais de 80 feridos. Durante o protesto, um grupo se dirigiu ao gabinete do deputado Cristiano Silveira, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, para cobrar uma atitude que impedisse a violência policial. Houve tumulto no gabinete, e cinco pessoas foram

presas, entre elas Leonardo Péricles, da Coordenação Nacional do MLB e também presidente da Unidade Popular pelo Socialismo (UP), e Juliano Vitral, coordenador o DCE da UNA. Abaixo a repressão! A violência policial causou grande impacto em todos os movimentos sociais e populares de Minas Gerais, inclusive em vários setores do Partido dos Trabalhadores, que ficaram descontentes com a atitude do governador. Logo após a prisão dos manifestantes, dezenas de pessoas foram à porta da delegacia seccional do Barro Preto e do Centro Integrado de Apoio ao Adolescente Autor de Ato Infracional (Cia-BH) para prestar solidariedade e exigir a liberdade dos manifestantes. Campanhas e denúncias nas redes sociais se propagaram rapidamente, obrigando o governo a libertar todos os detidos. Uma reunião de emergência foi marcada no dia 22 de junho por deputados da base governista com os movimentos e as coordenações da Izidora, que contou ainda com a presença de representantes de entidades estudantis, de organizações de defesa dos direitos humanos e de mo-

vimentos sociais, sendo discutida a necessidade de reabertura urgente das negociações por parte do governo estadual. Paralelamente, os bispos Dom Mol, reitor da PUC-Minas, e Dom Walmor, Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, encontraram-se com Fernando Pimentel e sua equipe, cobrando para que se restabelecesse a negociação. Outras reuniões também aconteceram, como a da CUT-MG, que prestou solidariedade ao movimento, a do Movimento Mundo do Trabalho Contra a Precarização, assim como na plenária da rede de apoiadores das ocupações reunidas na Faculdade de Direito da UFMG. O resultado foi a suspensão momentânea da ação de despejo, mas o governo ainda está intransigente quanto aos encaminhamentos a serem dados na ocupação dos terrenos. Diante desses fatos absurdos, o MLB exige a imediata destituição do comando da PM-MG e do Secretário de Estado de Defesa Social, Bernardo Santa de Vasconcellos, para que não ocorram, num governo do PT, episódios de violência policial, como os praticados pelo governo de Beto Richa, do PSDB, no caso da greve dos professores do Paraná. Redação Minas Gerais

A questão urbana e os despejos compulsórios Se analisarmos a história do povo brasileiro, perceberemos que, desde os tempos do Brasil colonial, a propriedade e o acesso à terra são privilégios de classe, de quem tem dinheiro e, consequentemente, poder. Com o passar do tempo, isto não mudou. Se no campo os grandes latifundiários detêm as terras e os meios de produção, nas cidades este papel é exercido pelas empreiteiras, construtoras e incorporadoras que são proprietárias de grandes lotes de terra urbanizada e detentoras de poder de comando e decisão. Não podemos esquecer que grande parte das terras urbanizadas pertence ao poder público. São terras municipais, estaduais e federais que, muitas vezes, não tem nenhum tipo de uso, são as terras devolutas. A luta por terra no campo é antiga, mas com a grande migração que ocorreu do campo para as cidades na década de 1950, as cidades passam a ser o principal cenário de disputa de território. É nesta época que se formam diversas associações de moradores e movimentos populares, que lutavam contra a remoção dos mais pobres. Como exemplo, podemos citar as grandes remoções que ocorreram nas favelas cariocas, processo que foi drasticamente intensificado com o início da ditadura civil-militar que teve início em 1964. A produção das cidades brasileiras no século 21 A passagem da hegemonia do capital industrial para o capital financeiro muda drasticamente a organização do espaço urbano, marcado pelo crescimento da desigualdade econômica, e é nas cidades que o capital financeiro encontra lugar para sua reprodução, principalmente no mercado de compra e venda de terrenos, casas e apartamentos (mercado imobiliário). Podemos ver isto nas grandes capitais dos Estados brasileiros, cujas orlas são dominadas por grandes prédios comerciais, shoppings e estacionamentos, obras que geram grandes lucros para construtoras e empreiteiras. Até mesmo as políticas públicas de habitação fazem parte deste mercado imobiliário. Várias construtoras e empreiteiras (em especial Odebrecht, Camargo Correia, OAS, Andrade Gutiérrez e Queiroz Galvão) a partir de financiamentos que receberam da Caixa Econômica Federal e do BNDES, bancos públicos, ganharam um poder sem precedentes na história da urbanização brasileira. Ganharam tanto poder a ponto de decidirem onde e como ficarão os pobres e os ricos nas cidades brasileiras. As empreiteiras citadas investiram seus capitais em áreas estratégicas da economia: energia, telecomunicações, imóveis e terrenos urbanos. Vale lembrar que os diretores da Odebrecht e da Andrade Gutiérrez foram presos, neste último mês de junho, pelo crime de pagamento de propina para a obtenção de contratos públicos.

Além de ganharem poder e lucros com contratos públicos, essas empreiteiras financiam campanhas políticas de diversos partidos, entre eles o PMDB, PSDB, PT, PV, e DEM. Ao financiar campanhas, cobram atitudes dos governantes perante a existência de comunidades em seus terrenos, por exemplo. Elas decidem em quais áreas serão construídos os estádios e os centros comerciais. Nessas áreas, que serão revalorizadas, os preços dos aluguéis vão subir. Elas também decidem onde ficarão os conjuntos habitacionais nas periferias e decidem isso com o auxílio do poder público. Ao poder público, fica a tarefa de remover, geralmente de forma violenta, as comunidades que habitam áreas interessantes ao mercado imobiliário. Além dos governos, essas empreiteiras contam com outro forte aliado: a mídia. É comum vermos matérias que criminalizam ocupações e trazem as remoções como solução para os problemas da cidade. E este discurso tem efeitos graves. Só neste mês de junho, houve remoções violentas nas cidades de Porto Alegre (300 famílias da comunidade Montepio), Rio de Janeiro (demolição da moradia de aproximadamente 600 famílias na Favela do Metrô, próxima ao Maracanã), Osasco-SP (2.500 famílias da Comunidade Nelson Mandela) e Piracicaba-SP (100 famílias removidas da Comunidade Santa Luzia). Sem terem para onde ir, as famílias despejadas sobram nas ruas, na casa de parentes e amigos (engrossando as estatísticas de déficit habitacional) e outras ocupações urbanas. Essa política de remoções compulsórias só prova que as remoções não resolvem o problema, ao contrário, agravam-no. O que podemos observar é que em muitas ocupações espontâneas, sem uma organização consolidada, os moradores deixam para trás suas casas, seus móveis e roupas ao primeiro sinal de despejo. É por isso que é dever de todos e todas que lutam por moradia digna mudar este pensamento. Precisamos consolidar uma sociedade sem remoções, sem grandes empreiteiras mandando na conformação da cidade. Precisamos de uma nova sociedade, uma sociedade igualitária, em que todos tenham direito ao que a cidade deve proporcionar: emprego, educação, habitação, saúde. Precisamos também de uma nova cidade, pensada e planejada a partir de seus cidadãos, de suas vidas e cotidianos. Ao lutar por moradia digna, fazemos aquilo que o Estado deveria fazer: proporcionamos àqueles que lutam uma chance, uma esperança de termos nossos direitos garantidos, uma esperança de que consigamos dizer bem alto para “os homens que mandam”: Enquanto morar for um privilégio, ocupar é um direito! Nanashara Sanches, mestranda em análise territorial e integrante do MLB – RS


INTERNACIONAL

9 Julho de 2015

“O bloqueio imperialista a Cuba segue intocado” A Verdade

No dia 6 de junho, durante a 22ª Convenção Nacional de Solidariedade a Cuba, em Recife, A Verdade entrevistou, com exclusividade, Gerardo Hernández Nordelo, um dos Cinco Heróis Cubanos. Após 16 anos de prisão nos EUA, ele e mais dois companheiros que ainda se encontravam presos desembarcaram em Cuba, no dia 17 de dezembro de 2014. Desde então, tem se dedicado a relatar sua experiência de luta e a exigir o fim do bloqueio contra seu povo. Gerardo foi enviado aos EUA, em 1995, para comandar a Rede Vespa, uma missão do Governo de Cuba para impedir ações terroristas da máfia de Miami contra seu país. Em 1998, ele e outros companheiros foram detidos, sendo acusados de conspiração por espionagem. Cinco deles permaneceram presos injustamente, tendo Gerardo recebido a pior condenação: duas prisões perpétuas mais 15 anos. Durante a Convenção, Gerardo recebeu cinco coleções do jornal A Verdade, que, durante anos, trouxe com destaque em sua capa uma campanha pela libertação dos Cinco Heróis. Ludmila Outtes e Rafael Freire

A Verdade – Depois de 16 anos de uma injusta prisão, como você se sentiu ao regressar a Cuba em liberdade? Gerardo Hernández – Foi uma emoção muito forte. Havia uma mistura muito grande de sentimentos. De um lado, existia a incerteza, pois sabíamos que estávamos em uma situação muito difícil. Eu tinha duas prisões perpétuas mais 15 anos, sem a certeza de que um dia se faria justiça. Mas, por outro lado, confiamos na resolução do nosso povo, do nosso comandante Fidel e do companheiro Raúl de que não se abandonaria nenhum dos Cinco. Também confiamos no espírito de luta do povo cubano e de tan-

quando o bloqueio for suspenso – e um dia terá que se desmantelar, por ser ilegal, imoral, criminoso – ainda quando isso ocorrer, nós estaremos enfrentando novos desafios. Não perdemos de vista que há pessoas e interesses poderosos que aspiram a conseguir por outra via o que não conseguiram pela pressão e tratando de asfixiar o povo cubano. Muitos veem o fim do bloqueio e o restabelecimento de relações como uma via para solapar a Revolução Cubana. A grande maioria do povo cubano está consciente disso, e estamos decididos a lutar para que isso jamais ocorra.

Gerardo discursa na 22ª Convenção de Solidariedade a Cuba, em Recife

tos companheiros e companheiras no mundo, que sabíamos que não deixariam de lutar até que estivéssemos livres. Portanto, quando isso finalmente se tornou realidade, foi uma mistura muito grande de emoções, mas eu diria que a principal foi uma alegria muito grande de retornar ao nosso povo. Em sua opinião, qual foi o papel do movimento internacional de solidariedade para a libertação dos Cinco? Foi muito importante, importantíssimo, eu diria que fundamental. Fala-se muito da importância da solidariedade em referência ao resultado, a nossa libertação, mas é preciso ver o que significou o movimento de solidariedade para nossa resistência diária. Foram 16 anos, e era preciso resistir dia a dia. Então nós tínhamos que nos segurar em algo, tínhamos que encontrar força em algo, e uma das coisas que nos serviu de inspiração para poder resistir todos os dias foi precisamente o exemplo que vocês nos davam, a inspiração que vocês nos davam, a força

que vocês nos davam, ao saber que os que estavam aqui fora estavam lutando pelos Cinco. Quais são os desafios do povo cubano após o reatamento das relações diplomáticas com os EUA? O bloqueio segue intacto, apesar de que se fala em restabelecimento de relações. Digamos que é um processo que nosso povo e nossos dirigentes assumem, com a certeza de que vai ser um processo longo. A história está mostrando, uma vez mais, que Cuba atuou sempre do lado da razão e que nossa revolução mantém os mesmos princípios que mantinha no primeiro dia. Estamos dispostos a conversar com nosso vizinho do Norte, desde que sobre as bases do respeito mútuo, do respeito a nossa soberania, a nossa independência. Não fomos nós que mudamos o discurso nem muito menos nossos princípios. Foram eles que reconheceram que, por mais de 50 anos, a política de isolamento de Cuba tinha sido um fracasso. Então, mesmo

Os leitores de A Verdade acompanharam todo o processo da prisão e o exemplo de resistência e fé socialista dos Cinco. Deixe-nos uma mensagem. Primeiramente os felicito pelo trabalho que realizam. Não é segredo para ninguém que este mundo, do ponto de vista informativo, está bastante dominado pelos grandes meios corporativos. Então, onde haja um meio alternativo como o de vocês, com o trabalho que realizam, temos que elogiar e prestar atenção. Desejamos muitos êxitos e que sigam levando a verdade a nosso povo, que tanto necessita. Continuem educando as massas, rompendo este bloqueio midiático, um bloqueio de estupidez que os grandes meios submetem às massas. Existe diariamente um bombardeio de amenidades e estupidez ao qual o povo está submetido, mas nos alenta saber que existem meios como o de vocês que educam o povo, as massas, guiando pelo caminho que nosso povo deve seguir. Os felicito pelo trabalho e aproveito para agradecer, em nome dos Cinco, pela solidariedade com que vocês nos apoiaram ao longo da luta.

Estado mexicano protege narcotráfico e prende revolucionários Marcos Villela, Rio de Janeiro Na tarde de 7 de junho, depois de participar na marcha de pés cansados, convocada na região dos Vales Centrais, em Oaxaca, pela Seção 22 do Sindicato Nacional de Trabalhadores da Educação (SNTE), 71 companheiros foram presos nas imediações da ponte que leva a San Jacinto Amilpas enquanto estavam indo para suas casas. A operação foi executada pela Polícia Estadual de Estradas e a Agência de Investigação de Estado, que, em seguida, Manifestação contra prisões arbitrárias de militantes no México os transferiu para a Procuradoria Geque lutam pelos direitos dos trabalharal da República, em San Bartolo Codores, por uma nova Constituinte, pela yotepec. Foram liberados 49 comparevolução e pelo socialismo – precedinheiros, entre crianças, mulheres e ido- das por dois artigos de jornal, acusansos. No entanto, por ordem do procudo-os de todos os tipos de crimes e ligarador-geral do Estado, Joaquín Carrillo ções com grupos armados, o que é toHector Ruiz, 22 pessoas continuaram talmente falso. detidas. A situação de fundo é a atitude da Os companheiros são acusados FPR e o total apoio à luta dos professode tomar os veículos de serviços judires em Oaxaca, em que procuram queciais, agressão a particulares e todo tibrar sua unidade com o movimento po de mentiras. Toda essa farsa está social, o que não será permitido, afirsendo operada pelo Ministério Públimam os integrantes da frente e do sinco do Fórum Comum, Fredy Martinez dicato. e sua assistente Claudia Romo. O governo federal e Gabino Cué e A denúncia ilegal feita pelo Estaseu governo serão responsabilizados do para manter os manifestantes prede qualquer agressão que possam sosos é produto de uma série de agresfrer os camaradas nas masmorras onde sões contra a Frente Popular Revolusão mantidos prisioneiros, declarou a cionária (FPR) – organização que conFPR. Ao mesmo tempo, é exigida a ligrega diversos segmentos populares bertação imediata dos presos, caso con-

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trário, os integrantes da FPR se reservam o direito de agir para assegurar sua libertação. Boicote às eleições Estas prisões ocorrem porque a FPR e diversas forças democráticas e revolucionárias do país decidiram boicotar as eleições de 7 de junho, impedindo a instalação de urnas, mediante o bloqueio de rodovias e a vigília permanente da população. Além disso, promoveram ações de incineração de material eleitoral e, onde não foi possível, chamaram a população a anular o voto no México. De acordo com Florentino López, presidente da FPR, em entrevista a A Verdade, “temos um sistema eleitoral totalmente antidemocrático e corrupto. Essa é a razão principal do boicote”. Florentino também denuncia que “o narcotráfico, como fruto do processo de decomposição da sociedade capitalista, como um novo e poderoso ramo da economia nacional, intervém como qualquer outra forma de capital. Os traficantes buscam a continuidade de seus negócios, o lucro máximo e o controle político, econômico e social do povo explorado e oprimido. Em várias regiões do país, o narcotráfico controla todos os partidos políticos, que, por sua vez, buscam o financiamento do narcotráfico para garantir suas campa-

nhas eleitorais e a compra de funcionários e consciências. Ambos mantêm uma relação de negócios e proteção mútuos. Os traficantes não controlam apenas os partidos, controlam áreas estratégicas do governo federal e dos governos locais, especialmente os altos funcionários encarregados do exército e das forças policiais”. A verdade é que o governo mexicano está cada dia mais enlameado com o crescente nível de denúncias de corrupção, de associação ao tráfico vinculada à chacina de 43 estudantes da Escola Normal Rural de Ayotzinapa, além de pretender privatizar a água e todo o sistema petrolífero, entre outras medidas neoliberais. Quanto mais a repressão e as medidas políticas e econômicas antipopulares aumentam, mais setores aderem à luta e isolam o governo, promovendo enfrentamentos diretos com o Estado em importantes ramos da indústria e do comércio. A tensão aumentou muito nos últimos meses, e os revolucionários da FPR e do Partido Comunista do México (marxista-leninista) seguem lutando juntos e organizando o povo para derrubar o governo de Peña Nieto, instalar um governo popular e revolucionário e convocar uma Constituinte Livre e Soberana para garantir uma vida digna aos trabalhadores e ao povo e o socialismo como sistema de organização da nova sociedade.


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MULHER

Julho de 2015

25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra

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esde 2014, o Brasil comemora oficialmente o dia 25 de julho como o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, e também o dia de Tereza de Benguela, principal líder do Quilombo do Quariterê, em Cuiabá. A inspiração vem do Dia da Mulher Afro-Latino-Americana e Caribenha, marco internacional da luta e da resistência da mulher negra, criado em 25 de julho de 1992, durante o 1º Encontro de Mulheres Afro-LatinoAmericanas e Afro-Caribenhas, na República Dominicana. A data é uma homenagem a Tereza de Benguela, negra nascida no século 18, que fugiu da escravidão e chefiou o Quilombo do Piolho ou Quariterê, no Estado de Mato Grosso. Tereza comandou a estrutura política, econômica e administrativa do quilombo. Sob seu comando, a comunidade cresceu militar e economicamente, incomodando o governo escravista. Após ataques das autoridades ao local, Benguela foi presa e se matou para não viver novamente como escrava. Exploração e racismo A exploração capitalista tem mecanismos raciais e de gênero para aumentar a exploração, reduzindo ainda mais os salários recebidos por trabalhadores negros e por mulheres. Mulheres brancas recebem aproximadamente 70% do que recebem homens brancos. Já os homens negros ganham 57% e as mulheres negras, pouco mais de 40% daquilo que recebem os trabalhadores brancos do sexo masculino. Tem mais: mulheres negras são a maioria dos trabalhadores que exercem função laboral sem remuneração para consumo próprio (43%) e 58% dos trabalhadores domésticos sem carteira assinada. No entanto, entre trabalhadores de empresas privadas com carteira assinada, as mulheres negras são minoria: somente 13%. Das famílias chefiadas por mulheres com renda familiar de até um salário mínimo, 60% têm a frente mulheres negras.

Tais dados nos explicam as dificuldades de admissão da mulher negra, especialmente jovem, no mercado de trabalho: pelo caráter machista e racista deste mercado, a mulher negra dificilmente “atende ao perfil” das poucas vagas disponíveis, ou não se enquadram nos padrões estéticos da sociedade, baseados no padrão da beleza europeia e na moda imperialista. Ao final, não conseguindo o posto de trabalho que almejavam, a maioria dessas mulheres (algumas inclusive com nível superior) precisam se submeter a empregos menos remunerados: serviços gerais, operadoras de call-center, empregadas domésticas, etc., dando continuidade à histórica função das mucamas, vivida pelas mulheres negras na época da escravidão. As relações de trabalho nesses setores também reproduzem, muitas vezes, o racismo e o machismo da sociedade de classes. Patrões e patroas se sentem no direito de submeter as trabalhadoras a comentários discriminatórios, preconceituosos e ofensivos. Tal fato ocorre porque todo sistema de exploração é sustentado por uma ideologia. Sendo o sistema capitalista racista e machista nas suas diversas formas de exploração econômica, também se manifesta ideologicamente nas relações humanas e sociais entre aqueles que vivem nesse sistema. A inferiorização da mulher e do negro os afeta na sua autoestima. A prática das mulheres negras de “alisar” os cabelos crespos ou cacheados, chamados de “cabelo ruim”, é reflexo da cultura de tratar o negro como inferior, e o tratamento da mulher negra como objeto sexual é herança do nosso passado colonial, no qual as jovens escravas serviam sexualmente aos seus senhores. Hoje a mídia reforça a imagem da “mulata globeleza”, oferecida como carreira a ser seguida por diversas meninas negras e pobres, reforçando a ideia de que a melhor forma de uma mulher negra ascender socialmente é através da “venda do corpo”.

A opressão da mulher negra Nos diversos espaços e fóruns de debate onde mulheres negras descrevem as opressões que sofrem, um dos temas mais abordados é o da solidão

da mulher negra. A maioria das jovens diz que os homens, sejam brancos ou negros, não se relacionam com mulheres negras, e quando o fazem é somente para ter relações sexuais. Muitas relatam que os homens as preferem como amantes, em relações às escondidas, e que eles assumem em público um relacionamento com mulheres que obedecem ao padrão estético dominante na sociedade, o da beleza europeia. Tais depoimentos deixam claro o caráter de classe existente no machismo e no racismo. Numa sociedade que impõe a necessidade da propriedade privada sobre a riqueza, as relações pessoais também são permeadas por essa ideologia: as pessoas passam a ser tratadas como bens e querem ter propriedade umas sobre as outras. Sendo a sociedade machista, para a maioria dos homens ter uma mulher é como ter um bem, ter propriedade sobre elas. Se pelo caráter racista do sistema a mulher negra é considerada “menos bonita”, é também “um bem de menor valor”, tornando-se preterida diante das outras e servindo apenas para prazer sexual, principalmente se for pobre. Essa é uma ideologia elitista nas

relações pessoais. Porém, de forma dialética, há nisso tudo uma lição positiva: o caráter de luta das mulheres negras. Durante mais de quatro séculos, acreditamos que as mulheres não trabalhavam, em nosso país: tal fato não se aplica às mulheres negras. Primeiro foram escravizadas: foram as primeiras mulheres trabalhadoras da nossa história, num tempo em que as mulheres brancas não podiam trabalhar. Depois, as escravas, como não eram cidadãs, não tinham direito ao casamento. Portanto, aquelas que conquistavam a liberdade, pela fuga ou pela alforria, eram solteiras, obrigadas a trabalhar. Tornavam-se quituteiras, lavadeiras, feirantes... A maioria tinha filhos, fruto dos abusos sexuais que sofriam. Foram as primeiras mulheres chefes de família e mães solteiras do nosso país. Herdeiras da cultura africana, uma cultura de mulheres guerreiras, que eram combatentes nos exércitos, assim como os homens, as mulheres negras no Brasil foram pioneiras do que depois se tornaria a luta de todas as mulheres trabalhadoras: a luta por liberdade. E não foram poucas: Dandara dos Palmares, Maria Felipa de Oliveira, Tereza de Benguela, Luíza Mahin, Tia Simoa... Essas mulheres jamais se conformaram ou se dobraram diante da escravidão, do racismo e do machismo. Ousaram ocupar o papel de liderança na luta contra a escravidão, num período em que até mesmo as mulheres brancas deveriam se submeter aos seus maridos perante a lei. Por isso, a justa homenagem no Dia 25 de Julho: dia em que as mulheres negras devem lembrar sua importância na luta pelos direitos do povo explorado e seu papel de vanguarda histórica na luta da mulher trabalhadora! Eloá Santos, Grupo de Estudos e Luta contra Desigualdades Étnico-Raciais, Rio de Janeiro

Estatuto da Família: a instituição ‘‘Não seria maravilhoso o mundo se as bibliotecas fossem mais Naná Mendes, advogda. RJ da homofobia Em tempos nos quais discutimos a liberdade de orientação sexual e as novas formas de constituição da família, eis que surge um absurdo jurídico chamado “Estatuto da Família”. Seu relator é o deputado federal por Pernambuco, Anderson Ferreira Rodrigues (PR), parlamentar de linha ultraconservadora e participante da chamada “bancada evangélica” (nenhum preconceito aqui quanto aos que acreditam nessa ou naquela religião). Analisando o PL 6.583/2013 podemos verificar uma inconstitucionalidade. A Constituição Federal (CF) não menciona a necessidade de criação de tal estatuto, até porque toda matéria relativa à família está exaustivamente tratada tanto na própria Constituição, como no Código Civil. Dos artigos 2º ao 9º do PL, o deputado só faz repetir dispositivos da CF e do Código Civil. Portanto, nada traz de novo para a sociedade. No artigo 10 fala da inclusão da disciplina “Educação para família” no currículo escolar. Tenta inovar desobedecendo à teoria do não retrocesso, desconsiderando por completo a diversidade da vivência familiar de cada aluno, fomentando a discriminação. Ainda é infeliz na redação, pois designa os alunos como “clientela”. O artigo 13, que tenta criar o “Dia da Famí-

lia”, é tão sem sentido que o próprio relator do PL sugeriu sua supressão. Ao sugerir a criação dos Conselhos de Família nos demais artigos, o legislador se supera e demonstra claramente o intuito da norma, a dizer “padronizar” as famílias. Podemos então concluir que a lei é homofóbica, discriminatória e, principalmente, inútil. Serve apenas para que os eleitores repensem ao votar, para que parlamentares desse quilate não voltem a ter o poder nas mãos. O PL vai na contramão da história, pois já há decisão do Supremo, proferida pelo ministro Luiz Fux, cujo texto da ementa aqui reproduzo: “A união homoafetiva se enquadra no conceito constitucionalmente adequado de família”. Ou seja, já há um reconhecimento da Suprema Corte de que são famílias legítimas aquelas que não se enquadram no “padrão” daquela proposta pelo deputado. O tema merece reflexão porque o resultado da enquete publicada no site da Câmara dos Deputados mostra que 50,29% das pessoas são favoráveis ao Estatuto da Família, o que equivale a 3.860.947 de votos, 49,40% a rejeitam (3.792.497 votos), e 0,32% não tem opinião formada (24.333 votos). Aqueles que lutam pelos direitos e garantias individuais neste país têm uma dura batalha pela frente.

importantes que os bancos?”

Quem diria que as reclamações, observações e opiniões de uma menininha se transformariam na voz de milhões de pessoas. Isso jamais passou pela cabeça de Quino, famoso chargista argentino, quando começou a desenhar as tirinhas da pequena MAFALDA. Joaquim Salvador Lavada nasceu em 1932. Aos 3 anos, descobriu sua vocação para o desenho com um tio, também pintor e desenhista. Na década de 1940, perdeu seus pais, terminou o ensino primário e ingressou na escola de belas artes de Mendoza, desistindo para desenhar quadrinhos de humor. Poderia ter sido mais um entre tantos, já que passou por muitas dificuldades no início de sua vida profissional se não fosse a personagem Mafalda, criada para um Cartoon do diário Clarín, em 1962, que nunca chegou a ser publicado porque o contrato foi cancelado. Sua primeira aparição se deu dois anos depois, em setembro de 1964, no Primeira Plana. Uma semana depois, as tiras de Mafalda se tornariam diárias. Mas como poderia uma pequena garotinha se transformar em um símbolo de várias gerações? Simples, Mafalda era um desenho de criança feito e pensado para os problemas e dilemas dos adultos. Com sua posição crítica, firme e questionadora opina sobre diversos as-

suntos fundamentais de sua época. Sua vida em tira não foi muito longa, de 1964 a 1973, e perdura em período distinto em diversas campanhas internacionais até os dias atuais. A vida de Mafalda foi muito agitada. Passo pelo início da ditadura militar no Brasil, pela Revolução Cubana, os assassinatos de Martim Luther King e Che Guevara, a guerra do Vietnã, o Festival de Woodstock e o fim dos Beatles. Ela, claro, opinou sobre tudo isso. Hoje aos 51 anos de idade, Mafalda ainda é símbolo de luta, resistência, questionamento e independência ideológica para diversos movimentos organizados, particularmente os de mulheres e juventude em todas as partes. Sua vida em tiras é estudada em diversas universidades, e seus livros têm edições reeditadas. Quino sempre deixou claro que o nascimento de Mafalda, como a conhecemos, não foi um ato planejado, ela se tornou o que é por ela mesma. Na verdade, a transformamos no que ela é, uma voz sem restrições de nossas opiniões. Elisabeth Araújo, Movimento de Mulheres Olga Benario


TEORIA MARXISTA

11 Julho de 2015

Ainda sobre o individualismo

Luiz Falcão o ser preso pela segunda vez, em 16 de agosto de 1955, Manoel Lisboa, então com 21 anos, declarou-se marxistaleninista e escreveu: “O despertar da consciência humana para os problemas sociais, para o problema de milhões de explorados, é um sentimento que desencadeia em cada pessoa uma série de transformações para melhor e uma acertada conduta da vida pessoal”¹. Diferente do que repetem os intelectuais pequeno-burgueses, ser marxista-leninista não é um chavão, é assumir uma nova ideologia, uma ideologia que se caracteriza por defender uma nova sociedade, na qual não exista a exploração do homem pelo homem; é despertar sua consciência para os problemas sociais, identificar as verdadeiras causas da pobreza, da fome, do desemprego, compreender que a luta de classes é a alavanca da transformação social; é lutar para pôr fim a essas injustiças e, principalmente, dedicar sua vida a essa luta, à revolução. Assim, cada militante que ingressa no Partido Comunista Revolucionário, que se torna marxista-leninista, aprofunda seu compromisso com os milhões de explorados existentes em nosso país e no mundo, mas também inicia um processo de transformação na sua vida, abandona velhas concepções e ideias e adquire uma nova consciência, um novo modo de ver o mundo, o que não pode deixar de acarretar uma nova conduta na sua vida. A luta entre o velho e o novo Porém, por vezes, esbarramos nesse processo de profunda transformação pessoal manifestando vaidade e arrogância nas relações com os camaradas ou em reuniões de nossos coletivos. Debates que poderiam ser conduzidos de uma maneira mais tranquila, tornam-se, de repente, uma discussão em que ninguém ouve ou presta atenção no que o outro fala, mas apenas no que a própria pessoa fala. Muitas vezes, chega-se a um impasse e, o que é pior, alguns guardam rancor dessas discussões em vez de fazer autocrítica do comportamento que tiveram. O coletivo, com muitos novos militantes, assiste a esses embates em silêncio, perguntando-se se há realmente motivo para toda essa discussão e por que tanta exaltação e hostilidade se estamos entre camaradas. Outros militantes se preocupam em demasia com seu reconhecimento e se comportam como se acreditassem que as coisas seriam melhores se eles mesmos estivessem no comando. Não há dúvida de que esses comportamentos são manifestações das velhas concepções individualistas; são sobrevivências de hábitos egoístas do tipo “o que importa é o êxito individual, e não o coletivo”. É evidente que essa vaidade nada tem a ver com o novo homem ou com a nova mulher; tampouco, trata-se de uma virtude; pelo contrário, o leninista é, antes de tudo, uma pessoa simples, altruísta e comprometida muito mais com os milhões de oprimidos existentes no mundo do que consigo próprio. Embora defenda sempre o debate e a discussão, luta para que ele seja fraterno, para que cada discussão resulte no desenvolvimento de uma nova consciência no Partido, e não numa situação de derrotados e vencedores. Lênin: simples como a verdade Com efeito, no livro Breve história de Lênin, de Elio Bolsanello, encontramos a seguinte passagem: “Perguntado sobre a característica mais saliente de Lênin, Dimitri Pavlov, operá-

A

rio de Somovo, respondeu a Máximo Gorki: “A simplicidade. Ele é simples como a verdade”. O mesmo declarou John Reed, autor do livro Dez dias que abalaram o mundo: “Lênin é tão simples, tão humano e, ao mesmo tempo, tão sagaz e firme”². Também Nadezhda Krupskaia, em seu artigo Lênin, propagandista e agitador, afirma que “Lênin não suportava as pessoas que olhavam para as massas de cima para baixo. Sempre falava com as pessoas humildes com respeito e se interessava pelo que faziam e pensavam sinceramente. Ouvia e não apenas falava, procurando aprender e não somente ensinar”. Mas, além da presunção comunista, temos outra manifestação de individualismo não menos prejudicial à conquista de nossa profunda unidade ideológica: a resistência à autoridade no interior do Partido, em particular, às decisões com as quais não se concorda. Quando se tem concordância com uma decisão tomada, tudo vai bem; mas se a orientação aprovada não é aquela que se defendeu, ficase em silêncio ou torce contra a decisão que o coletivo tomou para provar que “ele estava certo, e o coletivo errado”. Alguns chegam mesmo a utilizar de conversas individuais para questionar a justeza da decisão adotada pelo coletivo. Por mais que se considere a sua posição como a mais correta, espalhar a desconfiança no seio do Partido equivale a cultivar o ceticismo na revolução, pois o Partido é o principal instrumento de que dispõe a classe operária para pôr fim à escravidão e à exploração impostas pelo Estado burguês e, como a história já demonstrou inúmeras vezes, sem uma profunda coesão e unidade de ação no partido revolucionário, não é possível derrotar a classe dos capitalistas nem construir a nova sociedade. Sem dúvida, como afirmou Stálin, “Nenhum exército em guerra pode prescindir de um Estado-Maior experimentado, se não quer condenar-se a derrota”. Até mesmo uma greve ou ocupação para ser vitoriosa necessita de grande unidade entre seus participantes e de um comando firme e coeso. O que devemos assegurar é a existência de permanentes debates nos coletivos e evitar tomar decisões sem essa discussão. Também o Partido precisa atuar na sociedade, não pode ficar olhando a banda passar, e fará isso melhor se todos estivermos conscientes da importância da nossa união. Por isso, após a contenda, a peleja, todos devemos nos unir e trabalhar para conquistar nossos objetivos: desenvolver a consciência e a organização das massas e crescer o Partido. Na realidade, enfraquecer a autoridade no interior do Partido é desprezar o papel de uma organização de revolucionários, é aderir ao velho espontaneísmo. Ademais, como disse Engels, não se pode, de maneira nenhuma, defender uma revolução e ser contra a autoridade, pois “Uma revolução é certamente a coisa mais autoritária que se pode imaginar”. (Engels, Sobre a autoridade) Entretanto, quando avaliamos esses acontecimentos e fazemos essas observações todos concordam, reconhecem não ter agido corretamente e prometem que isso não se repetirá. Outros são mais sinceros e dizem que sabem que é errado, mas que não conseguem mudar. Ora, não é possível derrotar o velho com atitudes superficiais e promessas vãs; é preciso uma

luta titânica, ter perseverança e não desistir. Até porque, “Quando o novo acaba de nascer, tanto na natureza como na vida social, o velho permanece sempre mais forte do que ele durante um certo tempo”. (Lênin, Uma grande iniciativa) O indivíduo e o coletivo Mas por que companheiros e companheiras que declaradamente são marxista-leninistas têm ainda essas atitudes? Como explica Marx, “As ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes na sociedade”. Numa sociedade capitalista, como a que vivemos, as ideias que dominam são naturalmente as da burguesia. E quais são elas? “Explorar outro ser humano em proveito próprio é justo e digno”; “Para vencer na vida é preciso ser a todo momento competitivo, superar seus rivais no mercado”; “As coisas são o que são e é impossível mudar o mundo”. Essa ideologia é reproduzida diariamente milhares de vezes em cada filme, em cada jornal, em cada programa de TV ou de rádio, na internet e por todas as instituições burguesas existentes na sociedade capitalista. Exercem, portanto, uma influência gigantesca nas pessoas sem mesmo elas perceberem. Em outras palavras, a oposição entre o indivíduo e o coletivo não é fruto do acaso; é filha de uma ideia dominante em nossa sociedade: a de que o indivíduo é mais importante que tudo; que uma pessoa, para se afirmar, não pode abrir mão de sua ideia e deve sempre impor seus interesses e sua vontade ao outro custe o que custar e cause o mal que causar. Logo, a vaidade e a arrogância não brotam do nada; elas são filhas da moral burguesa e têm por base a propriedade privada dos meios de produção. Falando para a juventude comunista soviética, Lênin descreveu assim essa mentalidade burguesa: “Se eu tenho meu empreguinho de médico, de engenheiro, de professor ou de funcionário, que me interessam os outros? Se eu me arrasto ante os poderosos, é possível que conserve meu lugar e talvez possa fazer carreira e chegar a burguês”³. Nosso êxito é a revolução Todas essas ideias determinam um comportamento de disputa e de competição entre as pessoas, de que-

A ESPERANÇA DO MUNDO Bertold Brecht: 1913-1956 Poeta, dramaturgo e comunista alemão Seria a opressão tão antiga quanto o musgo dos lagos? Não se pode evitar o musgo dos lagos. Seria tudo o que vejo natural, e estaria eu doente, ao desejar remover o irremovível? Li canções dos egípcios, dos homens que construíram as pirâmides. Queixavam-se do seu fardo e perguntavam quando terminaria a opressão. Isto há quatro mil anos. A opressão é talvez como o musgo, inevitável. Se uma criança surge diante de um carro puxam-na para a calçada. Não o homem bom, a quem erguem monumentos, faz isso. Qualquer um retira a criança da frente do carro. Mas aqui muitos estão sob o carro, e

Manoel Lisboa (1944-1973)

rer ser melhor que o outro e de tudo fazer pelo seu sucesso pessoal. O comunista, o marxista-leninista, tem outra mentalidade; seu objetivo não é o êxito pessoal, mas a libertação da classe operária, o fim do sofrimento dos trabalhadores, é a conquista de uma nova sociedade, de um mundo melhor e da fraternidade entre os povos em vez das guerras. Na realidade, não é possível a vitória da revolução sem derrotar o velho na sociedade e afirmar o novo tanto no país quanto no indivíduo. O verdadeiro comunista precisa ficar atento a essas atitudes, ter consciência de que elas constituem a continuidade em nós do que é velho e atrasado e são extremamente prejudiciais à luta revolucionária. Não basta, pois, estudar o marxismo-leninismo; é preciso praticar a camaradagem no seu cotidiano, desenvolver uma solidariedade efetiva com todas as pessoas oprimidas, ter em mente como viveram e como procederam em sua vida Marx, Engels, Lênin, Stálin, Che Guevara e outros grandes revolucionários, cultivar a simplicidade e não a vaidade na sua vida pessoal. (Lula Falcão é membro do Comitê Central do PCR e diretor de A Verdade) ¹A primeira prisão de Manoel Lisboa ocorreu em 1964, quando ficou preso por 15 dias. A Vida e a luta do comunista Manoel Lisboa. Edições Manoel Lisboa. ² Breve história ilustrada de Lênin. Elio Bolsanello. Edições Manoel Lisboa ³ As tarefas dos jovens comunistas. Edições Manoel Lisboa muitos passam e nada fazem. Seria porque são tantos os que sofrem? Não se deve mais ajudá-los, por serem tantos? Ajudam-nos menos. Também os bons passam, e continuam sendo tão bons como eram antes de passarem. Quanto mais numerosos os que sofrem, mais naturais parecem seus sofrimentos, portanto. Quem deseja impedir que se molhem os peixes do mar? E os sofredores mesmos partilham dessa dureza contra si e deixam que lhes falte bondade entre si. É terrível que o homem se resigne tão facilmente com o existente, não só com as dores alheias, mas também com as suas próprias. Todos os que meditaram sobre o mau estado das coisas recusam-se a apelar à compaixão de uns por outros. Mas a compaixão dos oprimidos pelos oprimidos é indispensável. Ela é a esperança do mundo.


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ARTISTA DO POVO

Julho de 2015

Paulo Pontes m artista que U amava o povo José Levino

N

um certo dia do ano de 1956, um grupo de jovens havia saído do Cine Brasil, em João Pessoa, capital da Paraíba, e se protegia da chuva em frente ao Teatro Santa Roza, quando um deles, míope, magricela, pisa no pé de uma garota que se dirige ao teatro. Ele pede desculpas, ela sorri e convida todo mundo a assistir ao ensaio da peça. Era a atriz Gil Santos. Paulo Pontes, o desastrado, ficou fascinado: pela moça e pelo teatro. Na época, ainda não era Paulo, e sim Vicente de Paula Holanda Pontes, filho do soldado João Paulo Barbosa e da enfermeira Laís de Carvalho Holanda. Nasceu em Campina Grande, no dia 8 de novembro de 1940. No ano seguinte, a família mudou-se para Mamanguape, depois para João Pessoa. Segundo seu pai, “era uma criança triste, introvertida, um tanto desligada do mundo”, mas na adolescência se tornou comunicativo, extrovertido. Lia muito, estava sempre em bibliotecas. Depois do encontro ocasional, jamais se afastou do teatro; ficava rondando os grupos e conseguiu indicação do Teatro do Estudante da Paraíba (TEP) para fazer a apresentação da peça A Beata Maria do Egipto, de Rachel de Queiroz, quando foi ovacionado pela plateia. Em 1959, assume seu primeiro trabalho, como locutor da Rádio Tabajara, apresentando o programa Rodízio, de grande audiência, com textos de humor no qual personagens falavam dos problemas do dia a dia. Colaborava também com o jornal A União. Engajou-se politicamente, atuando na Campanha de Educação Popular (Ceplar), movimento que seguia a linha do Movimento de Cultura Popular (MCP) de Pernambuco, apoiado pelo governador Miguel Arraes. Foi este movimento que abriu espaço para Paulo Freire fazer a primeira experiência com seu método de alfabetização na periferia do Recife. Em 1961, este engajamento levou Paulo Pontes a subir num banco na praça pública de Mari e fazer um discurso emocionado em favor dos camponeses, na ocasião em que foi fazer cobertura jornalística do protesto contra a morte de trabalhadores rurais nos conflitos com latifundiários da região. A arte no CPC e no Opinião No ano de 1962, Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha (leia A Verdade nº 157) vai a João Pessoa no grupo de arte UNE Volante, conhece Paulo Pontes e o convida para trabalharem juntos no Centro Popular de Cultura da UNE. Paulo fica pensando na ideia; segue para o Rio, a fim de par-

ticipar de reunião do CPC, no final de março de 1964, e quase chega junto com o golpe militar (1º de abril), decidindo não retornar à Paraíba, onde seria perseguido pela repressão. Prédio da UNE ocupado, CPC incendiado, os intelectuais de esquerda não se acomodam. Em dezembro de 1964, estreia o show Opinião, cujo roteiro fora escrito por oito mãos – Paulo Pontes, Vianinha, Armando Costa e Ferreira Gullar – e representava a união de forças dos setores do povo contra o autoritarismo, tendo como intérpretes João do Vale (camponês), Zé Kéti (proletariado urbano, do morro) e Nara Leão, substituída por Maria Betânia (setores médios). “A música popular não pode ver o povo como simples consumidor; ele é fonte e razão da música”, afirma o texto de apresentação do show Opinião. Não existe teatro sem a massa O grupo Opinião racha em 1967. As divergências políticas e os problemas financeiros motivados pela marcação cerrada da censura motivam a divisão. Falando sobre as polêmicas da época, Paulo Pontes se posiciona: “Não é possível continuarmos neste dilema: o teatro meramente comercial ou o teatro bem-intencionado, combativo, mas esteticista, formalista, transplantando para cá, erroneamente, o vanguardismo americano ou europeu. A vanguarda de um país subdesenvolvido tem que sair da consulta às necessidades mais profundas de sua sociedade. [...] O Teatro não é a arte da perplexidade. O Teatro é a arte das coisas sabidas”. Paulo retorna então à Paraíba, retoma o programa de rádio na Tabajara, escreve e produz o espetáculo Paraí-bê-á-bá. No ano de 1968, é convidado pela TV Tupi para escrever e produzir programas de humor; aceitando, retorna ao Rio e convida Vianinha e Armando Costa para comporem sua equipe. Paulo Pontes entendia que “a televisão é, por natureza, um veículo que interessa a milhões de pessoas”. De forma bem-humorada, os programas feitos para a Tupi falam dos problemas e da vida do povo que habita as periferias urbanas. Trabalha também para a Rede Globo, assumindo a função de redator principal do programa A Grande Família, após a morte de Vianinha, em 1974, até a suspensão do seriado no ano seguinte. Sem esquecer o teatro Enquanto produz para a televisão, Paulo Pontes segue escrevendo para o teatro peças que foram sucesso de público, principalmente Um Espetáculo Chamado 200 (1971) e Gota d´água (1975), esta em parceria com Chico Buarque. Merece menção, ainda, Brasileiro, Profissão Esperança, dirigido por Bibi Ferreira, com quem se casou em 1969.

Na apresentação do texto de Gota d'água, Pontes faz uma análise lúcida e desassombrada da realidade brasileira em plena ditadura: “A brutal concentração da riqueza elevou, ao paroxismo, a capacidade de consumo de bens duráveis de uma parte da população, enquanto a maioria ficou no ora-veja. Forçar a acumulação de capital através da drenagem de renda das classes subalternas não é novidade nenhuma. [...] No futuro, quando se puder medir o nível de desgaste a que foram submetidas as classes subalternas, nós vamos descobrir que a revolução industrial inglesa foi um movimento filantrópico, comparado com o que se fez para acumular o capital do milagre”. Amava o teatro... amava o povo Paulo Pontes nunca teve boa saúde. Em 27 de dezembro de 1976, falece aos 36 anos, vítima de câncer no estômago. No sepultamento, dia 28, foi lida uma carta coletiva feita por artistas que conviveram com ele, na qual se afirma: “Paulinho amava o teatro e amava o povo. Lutou por liberdade de expressão, por uma cultura nacional e popular, pela regulamentação

de nossa profissão e foi incansável em todas essas atividades”. Chico Buarque: “O mais importante que aprendi com ele foi exatamente lutar. E uma luta difícil contra o comodismo”. Fernando Peixoto, ator e diretor teatral: “Intelectual consciente de suas responsabilidades, fiel a seus compromissos, combativo e corajoso, coerente e lúcido, generoso e inflexível”. Em João Pessoa, o Teatro Paulo Pontes, localizado no Espaço Cultural José Lins do Rego, lembra o inesquecível artista do povo há 33 anos. Mas não é suficiente. A verdadeira homenagem a Paulo Pontes consiste em retomar o teatro revolucionário, a arte verdadeira, o teatro do povo. (José Levino é historiador) Fontes: Paulo Pontes: A Arte das Coisas Sabidas, tese apresentada por Paulo Vieira à Escola de Comunicações e Artes da USP para obtenção do título de mestrado. Jornal A União – João Pessoa, especial sobre Paulo Pontes.

Estude e lute!

Edições Manoel Lisboa fone 081- 30822874

Leia e divulgue A Verdade!

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