Jornal A Verdade N° 177

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Um jornal dos trabalhadores na luta pelo socialismo R$ 2,00

Brasil, outubro de 2015 - Ano 15 - Nº 177

Lucro dos bancos cresceu 850% em doze anos ATF

Apesar de os grandes meios de comunicação afirmarem que a causa do déficit do governo são os programas sociais, a verdade é que, se o governo não gastasse a fortuna que desembolsa com os juros da dívida, teria um enorme superávit. Com efeito, de janeiro a agosto deste ano, o Governo Federal gastou com juros R$ 338,3 bilhões, valor muito superior ao que investiu no Bolsa Família em 12 anos. Os maiores beneficiários dessa política econômica, que privilegia a dívida pública, são os banqueiros e especuladores. Prova disso é que nesses mesmos 12 anos, os quatro maiores bancos do país aumentaram seus lucros em 850%. Não bastasse, após dois meses de negociações, a Febraban, que é a federação dos donos de bancos, ofereceu aos bancários um reajuste salarial de 5,5%, mesmo com a inflação em 9,88%. Página 3

Enquanto aumenta a fila do seguro-desemprego, bancos obtêm lucros bilionários

Che e a luta dos povos na África

Em defesa dos direitos das mulheres

A Verdade

AFP

Depois de participar da Revolução Cubana, Che Guevara foi para a África, onde participou da luta pela independência do Congo. Na foto, cidadão congolês lendo o diário da guerrilha. Página 11

A ilusão dos Planos de Saúde

Para obter lucros, planos de saúde negam procedimentos e cirurgias. Página 4

Mais de 500 lideranças femininas, de 13 países, participaram do 1° Encontro de Mulheres Caribenho e Latino-americano, em Santo Domingo, República Dominicana, e aprovaram jornada de lutas em defesa dos seus direitos e do socialismo. Página 10

Defensor dos direitos humanos é ameaçado de morte em Alagoas Página 5


2 Outubro de 2015

SOCIEDADE

FRASE DO MÊS ‘‘Somos desses que nascem para viver como formigas. Mas formigas que um dia descobriram que os nossos deveres nos davam também direitos, e levantamos a voz: permitam-nos viver melhor.” Bartolomeo Vanzetti (11 de junho de 1888 - 23 de agosto de 1927). Imigrante revolucionário italiano condenado injustamente à morte nos Estados Unidos na década de 1920.

Seminário debate crimes da Operação Condor SDH

Cajá e Magno Francisco no Seminário sobre a Operação Condor

R

ealizaram-se, em Brasília, no dia 24 de setembro, o I Seminário Internacional do Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do Mercosul (IPPDH) e a II Consulta Pública do Fórum de Participação Social, sob a coordenação do secretário-executivo do IPPDH, Paulo Abrão. Ambas as atividades foram apoiadas pela Unidade de Apoio à Participação Social (UPS) – Mercosul. Eram três os objetivos principais: debater os 40 anos da Operação Condor, gerar um espaço de reflexão e debate regional sobre memória, verdade, reparação e justiça, e receber propostas de ações que contribuam para a articulação da sociedade civil e o Mercosul para avançar no intercâmbio

de documentação sobre graves violações de direitos humanos e ampliar o acesso aos arquivos sobre esta temática. Os eventos ocorreram no auditório Tancredo Neves, do Palácio da Justiça, e contou com a participação de cerca de 150 pessoas e 40 organizações que lidam com o tema de direitos humanos no Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela. Representando o Brasil, estiveram o Centro Cultural Manoel Lisboa (CCML), por intermédio de seu presidente, Edival Cajá, que também é coordenador do Comitê Memória, Verdade e Justiça de Pernambuco; o Movimento Justiça e Direitos Humanos, representado por Jair Lima (RS); o Coletivo Catarinense de Memória, Verdade e Justiça, representado por Maria Lúcia Haygert; e o Movimento Tor-

tura Nunca Mais, representado por Pedro Roberto Pontual de Carvalho Júnior. Além dessas organizações, participaram como convidados o vereador de Olinda (PE) Marcelo Santa Cruz (irmão do desaparecido político Fernando Santa Cruz) e Amparo Araújo, militante, viúva de José Luís da Cunha e irmã de Luiz Almeida Araújo, assassinados pela ditadura (ambos coordenadores do Comitê Memória, Verdade e Justiça de Pernambuco), Carlos Marighella Filho, Luís Carlos Prestes Filho, João Vicente Goulart, Ivan Seixas, Rose Nogueira, Gilney Viana, Derlei Catarina de Luca, Adriano Diogo, Betinho Duarte, entre outros(as) ex-presos políticos, familiares de desaparecidos políticos, exilados, promotores do Ministério Público Federal e vários conselheiros(as) da Comissão Nacional da Anistia. Um dos principais temas debatidos foi a famigerada Operação Condor, criada em conjunto pelos países do Cone Sul que se encontravam sob o tacão de ditaduras militares fascistas (Brasil, Uruguai, Paraguai, Argentina, Venezuela e Bolívia). Foi uma articulação entre os regimes nazifascistas do Cone Sul para troca de informações, captura e entrega clandestina, tortura, assassinato e ocultação dos cadáveres de destacados militantes de oposição daqueles

governos. Apesar de a convocação se referir aos 40 anos da Operação Condor, a conclusão do encontro foi que as ações surgiram antes do que registra a ata de fundação, em 1975, no Chile. Há várias denúncias que comprovam este fato. Como a denúncia, feita por Cajá no plenário do evento, sobre o caso de Emmanuel Bezerra dos Santos, dirigente do Partido Comunista Revolucionário (PCR), sequestrado no final de julho de 1973, na fronteira da Argentina com o Brasil, quando voltava do Chile e Argentina, onde realizara articulações no sentido da formação de uma organização de solidariedade revolucionária internacionalista. Emmanuel foi de imediato entregue ao DOI-Codi do II Exército, em São Paulo. Lá o assassinaram sob brutais torturas, e os jornais divulgaram sua morte no dia 4 de setembro de 1973, “como resultado de um tiroteio com Manoel Lisboa”, que, na verdade, já havia sido assassinado em iguais condições pelo DOI-Codi do IV Exército (PE) e levado morto para a capital paulista pelo delegado Sérgio Fleury. O seminário representou uma importante resposta por parte dos familiares e organizações da luta pela Memória, Verdade e Justiça: a cooperação e o intercâmbio em defesa da construção da memória

histórica, verdade e justiça como condição para garantir e aprofundar a democracia nos países desta região do nosso continente. Sua realização está dentro das metas do IPPDH, instância regional do Mercosul, cujo objetivo é contribuir para desenvolver e implementar políticas públicas de direitos humanos como eixo fundamental de desenvolvimento e integração dos países membros. A ideia é que os mesmos países que criaram a criminosa Operação Condor para eliminar os dirigentes políticos que se opunham às ditaduras e ao imperialismo ianque, como Manoel Lisboa, Jango Goulart, Orlando Letelier, David Capistrano e tantos heróis, apoiem a criação de uma organização no sentido oposto para apurar a responsabilidade daqueles governantes fascistas e as circunstâncias dos desaparecimentos políticos nesses países, punir os torturadores por seus crimes imprescritíveis, assegurar a localização e devolução aos familiares dos restos mortais desses heróis para uma honrosa sepultura junto aos seus familiares e para implantação da justiça de transição, sepultando o que resta da ditadura na política, na educação, no Judiciário, na Polícia Militar e no ensino das academias militares da PM e das Forças Armadas. Da Redação

PCR realiza Conferência Nacional de Quadros Entre os dias 11 e 13 de setembro, realizou-se, em São Paulo, a 2ª Conferência Nacional de Quadros do Partido Comunista Revolucionário (PCR), que reuniu os principais militantes e dirigentes do partido para debater as tarefas dos comunistas revolucionários ante a conjuntura de crise da economia capitalista e de crescimento da luta de classes no Brasil e no mundo. Durante os três dias, os participantes debateram o documento A situação internacional e as nossas tarefas, da Conferência Internacional de Partidos e Organizações Marxista-Leninistas (CIPOML), e os informes do Comitê Central sobre a conjuntura nacional e a organização do PCR. Importante momento da história do partido, que, em 2016, completa 50 anos de sua fundação, a 2ª Conferência Nacional de Quadros reafirmou os princípios de organização e democracia interna do partido e uniu sua militância para os embates presentes e futuros da luta pela revolução. A seguir, trechos da resolução política da conferência.

Momento extraordinário Oito anos depois do início da mais grave e longa crise de superprodução depois da Segunda Guerra Mundial, o processo de recuperação da produção capitalista é ainda lento e parcial, com contínuas recaídas. A economia mundial se encontra em uma fase de debilidade, que pode levar à estagnação crônica ou a uma nova recessão em muitos países. Ou seja, a próxima crise terá consequências ainda mais profundas que a anterior, já que não ocorrerá depois de um período de prosperidade, mas após um período de estagnação e modesta recuperação econômica. Neste quadro, vemos com preocupação o crescimento extraordinário dos gastos militares das potências imperialistas, como demonstram o aumento das exportações de armas, a fabricação de novos armamentos, a mudança na Constituição do Japão para permitir que seu exército atue em outros países, o expansionismo do imperialismo alemão, bem como a continuidade das guerras imperialistas no

Mali, Iraque, Afeganistão, Síria, Ucrânia e Líbia. Essa criminosa ofensiva dos capitalistas contra a classe operária e os povos deixa claro que a derrubada do poder da burguesia, a liquidação do capitalismo e o estabelecimento do poder proletário e do socialismo não são apenas a única solução para salvar a humanidade, como também uma ação inevitável e urgente dos tempos atuais. Em nosso país, a situação não é diferente, pelo contrário. A crise econômica, política e social se agrava a cada dia. Somente nos primeiros meses deste ano, mais de 500 mil trabalhadores e trabalhadoras foram demitidos. Milhões de famílias já não conseguem pagar suas dívidas e são despejadas de onde moram. Crescem enormemente o número de moradores de rua, o empobrecimento de nossos camponeses, a criminalidade e o tráfico de drogas. E o patrimônio nacional, como portos, aeroportos, rodovias e empresas como a BR e a Transpetro são entregues ao grande capital. Ao mesmo tempo, a desmoraliza-

ção dos partidos burgueses e socialdemocratas, dos governos e seus políticos, chega a níveis nunca antes vistos na história desse país. Em resumo, vivemos um período extraordinariamente favorável ao crescimento do Partido Comunista Revolucionário, o que exige de nós maior dedicação ao trabalho revolucionário, maior empenho para conscientizar as massas, desenvolver sua organização revolucionária e, em particular, crescer o número de militantes e de células do PCR. Para isso, é preciso que cada membro do PCR trabalhe diariamente para aprofundar os vínculos do partido com as massas, torná-los estreitos,

End.: Rua Carneiro Vilela, nº 138, 1º andar, Espinheiro, Recife, Pernambuco, Brasil, CEP: 52.050-030 Telefones: (81) 3427-9367 e 3031-6445 E-mail: redacao@averdade.org.br Jornalista: Rafael Freire (MTE-PB: 2.570) Diretor de Redação: Luiz A. Falcão Projeto gráfico: Guita Kozmhinsky São Paulo: (11) 98123-3427 Rio de Janeiro: (21) 98083-4999 Minas Gerais: (31) 9331-4477 e 9133-0983

unha e carne, e, principalmente, impulsionar, desenvolver e estar presente em todas as greves e lutas populares e operárias em todos os estados e cidades. Nesse sentido, adquire uma importância estratégica fundamental a construção e legalização da Unidade Popular pelo Socialismo (UP). Os últimos meses, em particular o mês de julho, quando conquistamos mais de 23 mil apoiamentos, mostraram-nos que, com luta e organização, conquistaremos as 500 mil assinaturas exigidas por lei. Tornar a UP uma realidade depende, principalmente, da ousadia, determinação, coesão e disciplina dos militantes do PCR. Da Redação Espírito Santo: (27) 99993-6692 Bahia: (71) 9194-1800 e (75) 9198-2901 Alagoas: (82) 98852-8688 e 98875-0330 Paraíba:(83) 98736-0001 e 98772-8249 Rio Grande do Norte: (84) 99688-4375 Ceará: (85) 98549-9667 e 99759-2295 Piauí: (86) 98887-5120 e 99827-5425 Pará: (91) 98822-5586 Amazonas: (92) 98222-3265 Rio Grande do Sul: (51) 8172-4826

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BRASIL

3 Outubro de 2015

Causa do déficit é o gasto com juros A Luiz Falcão

o divulgar os fatos que ocorrem na sociedade, o objetivo principal da mídia burguesa (jornais, revistas, rádios e TVs que estão sob controle da classe capitalista) é, além de expor o ponto de vista da classe dominante, esconder a verdadeira causa desses acontecimentos visando a enganar os trabalhadores. Um claro exemplo disso é a cobertura da imprensa burguesa sobre o orçamento de 2016 enviado pelo Governo Federal ao Congresso Nacional. Como se sabe, o orçamento tem um déficit de R$ 36 bilhões, ou seja, após a soma de toda a arrecadação, ficará faltando ao governo este valor para pagar suas despesas. O que fizeram então TVs, rádios e jornais em infindáveis notícias e entrevistas sobre este fato? O ex-golpista de 1964 Delfim Netto, ministro de vários governos da ditadura militar, com a autoridade de ser responsável pela criação da dívida pública do país, declarou, no dia 19 de setembro, em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo: “Ela (Dilma) é simplesmente uma trapalhona” e “O envio do orçamento ao Congresso foi a maior barbeiragem política e econômica da história recente do Brasil”. Além de afirmar que foi um absurdo enviar ao Congresso um orçamento com déficit, a imprensa burguesa culpou o excesso de ministérios, os salários dos servidores e os gastos com os programas sociais como as causas do déficit do governo. Nenhuma linha, entretanto, sobre a fortuna que o governo gasta mensalmente com a dívida pública. Parece até que este gasto não existe no orçamento ou que se trata de uma despesa insignificante. Qual é a verdade? Por que faltam R$ 36 bilhões no orçamento da União? O que leva o governo a ter déficit em vez de superávit nas suas contas? Somente este ano, de janeiro a agosto, o Governo Federal desembolsou R$ 338,3 bilhões com juros da dívida, um valor muito superior ao gasto em 13 anos com o Bolsa Família. Apenas no mês de agosto, as despesas com juros somaram R$ 49,7 bilhões, bem mais que o déficit de um ano inteiro. Qual é então a causa do déficit: os juros ou os programas sociais? Também não é verdade que o governo invista muito em Educação e Saúde. Muito pelo contrário. O orçamento da Educação em 2015 é de apenas R$ 38,2 bilhões, e o da Saúde, R$ 87,7 bilhões. Portanto, três meses de gastos com juros são o que o Estado investe em Educação e Saúde por ano. Por isso, a saúde pública está sucateada, postos de saúde são fechados e universidades e escolas públicas cortam despesas com assistência estudantil e atrasam salários dos trabalhadores. Pior, segundo a Auditoria Cidadã da Dívida, as despesas com juros são muito maiores do que os números oficiais indicam. Em 2014, o Governo

SBC

Após o ajuste fiscal, 600 mil trabalhadores foram demitidos Federal gastou R$ 978 bilhões com juros e amortizações da dívida – 45% do orçamento –, enquanto que com a Saúde foram apenas 3,98% e com a Assistência Social, 3,08%. Já o orçamento federal de 2015 reservou R$ 1,356 trilhão para os gastos com a dívida pública. Esta situação se repete nos governos estaduais e nas prefeituras. Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Pernambuco, São Paulo, Alagoas, Goiás, entre outros estados, devido aos enormes encargos com a dívida, estão cortando investimentos sociais, e alguns governos chegaram a fatiar o salário dos trabalhadores públicos. Quem manda no governo E por que o governo gasta tanto com juros? Primeiro, porque o Estado é sempre o Estado da classe mais poderosa economicamente e, na última fase do capitalismo, como ensina Lênin, a classe econômica mais forte é a oligarquia financeira. Segundo, porque a dívida pública é um excelente meio para a classe capitalista se apropriar dos recursos do Estado. Trata-se de um negócio sem risco. Os bancos compram títulos públicos, revendem-os para uma minoria de ricos e ficam recebendo juros sobre juros todos os meses, vendo crescer mais e mais a dívida do governo com eles. Te r c e i r o , p o r q u e o s ministros e os presidentes do Banco Central são nomeados após indicação ou autorização da oligarquia financeira. O atual ministro da Fazenda, Joaquim Levy, é, como se sabe, uma indicação do dono do Bradesco. O presidente do Banco Central nos dois governos Lula foi Henrique Meirelles, ex-presidente do Bank of Boston. No governo de FHC, o presidente do Banco Central foi Armínio Fraga, ex-diretor da Soros Fund Management LLC, do magnata George Soros, e integrante do Conselho Internacional do banco JP Morgan, e, em sua gestão à frente do BC, chegou a fixar a taxa de juros em 45%. Fraga foi anunciado como futuro ministro da Fazenda em caso de vitória de Aécio Neves. São essas autoridades econômicas, na realidade serviçais dos donos dos bancos e de fundos de investimentos, que decidem qual a taxa de juros do país e onde vai ser aplicado o dinheiro arrecadado pelo governo com os impostos

pagos em sua maioria pelos trabalhadores. Resultado: nos últimos 12 anos, o lucro dos quatro maiores bancos do Brasil aumentou 850%, saindo de US$ 2,1 bilhões para US$ 20 bilhões. Por outro lado, a mídia burguesa faz um estardalhaço tão grande que até parece que o Brasil é único país do mundo com déficit no orçamento. Ledo engano. Os EUA terão, em 2016, um déficit de US$ 429 bilhões (2,3% do PIB), 47 vezes maior que o déficit do Brasil (R$ 36 bilhões, 0,5% do PIB). Mas os EUA têm esse gigantesco déficit, e o sr. Delfim Netto nem ousa pensar que Barack Obama seja um trapalhão, quanto mais falar isso numa entrevista! A sonegação patronal Há ainda outra importante causa para o déficit público sobre a qual a imprensa burguesa nada diz: o não pagamento de impostos pela classe rica, a sonegação fiscal de grandes empresas e bancos. Levantamento da revista Carta Capital publicado em 9 de setembro deste ano revelou que a grande indústria deve ao Estado brasileiro R$ 236,5 bilhões; o comércio, R$ 163,5 bilhões; e o sistema financeiro (bancos), R$ 89,3 bilhões. Portanto, esses sonegadores de impostos devem ao país um total de R$ 489,3 bilhões, o que cobriria 13 anos de déficit. Lembremos que, de acordo com o mestre em Finanças Públicas e ex-secretário de Finanças na gestão da prefeita Luíza Erundina em São Paulo, Amir Khair, a taxação do patrimônio da classe rica poderia render aproximadamente R$ 100 bilhões por ano, dinheiro também suficiente para cobrir duas vezes o déficit da União. Mas quem ouviu em alguma rádio, viu numa TV ou leu em um jornal burguês que o governo precisava cobrar os impostos devidos pelos ricos sonegadores ou taxar as grandes fortunas para acabar com o déficit público? Não ouviu nem ouvirá, porque o governo fez a opção de jogar a conta da crise nos ombros dos pobres e não dos mais ricos. Preferiu seguir governando segundo os interesses de uma minoria privilegiada que enriquece com a exploração da classe operária e com o saque dos recursos públicos via dívida pública, privatização do nosso patrimônio, sonegação e com os secu-

lares subsídios do governo. Com efeito, para garantir que não ocorra nenhum atraso nos pagamentos de juros, a oligarquia financeira exigiu, e o governo, por duas vezes este ano, cortou verbas da Educação e de outros setores, cancelou o reajuste salarial dos servidores públicos, reduziu o seguro-desemprego e anunciou novas privatizações. Servidão à burguesia Mas o que levou o governo do PT a tão profunda submissão ao capital financeiro? Mesmo antes de assumir a Presidência da República, Lula e o PT se aliaram com a grande burguesia nacional, colocando um rico industrial como vicepresidente. Na campanha eleitoral, em junho de 2002, lançaram a famosa Carta aos Brasileiros, em que afirmavam: “Vamos preservar o superávit primário o quanto for necessário para impedir que a dívida interna aumente e destrua a confiança na capacidade do governo de honrar os seus compromissos”. Ao assumir o governo, o PT manteve a política econômica de prioridade à exportação de commodities (minérios e produtos como soja, carne etc.), privilégios para os bancos (nos primeiros meses do governo Lula, o BC chegou a fixar a taxa básica de juros, a Selic, em 26%) e subsídios para os grandes monopólios nacionais e estrangeiros. Em resumo, reforçou o controle da burguesia sobre os setoreschave da economia ao manter todas as corruptas privatizações realizadas pelo governo de FHC em vez de realizar transformações estruturais na economia brasileira. Tal política, em que pesem alguns avanços sociais, aumentou a concentração do capital nas mãos da classe capitalista. Prova disso é que uma elite de 71 mil pessoas detém 23% da riqueza do país. Sempre apoiado pelo PCdoB, o PT sepultou a teoria marxista da luta de classes, fez piada com a tese marxista de que as crises econômicas são inevitáveis no capitalismo e que somente abolindo este sistema é possível acabar com o desemprego e a pobreza, e propagou a teoria da governabilidade com afirmações do tipo: “A governabilidade do país tem de reunir todas as forças” e “O país é muito grande e complexo para ser governado por um único partido”. Tal governabilidade levou o PT a abandonar a reforma agrária, desistir de taxar as grandes fortunas e de fazer a auditoria da dívida pública, promover leilões do nosso petróleo, de aeroportos e rodovias e permitir o ingresso do capital estrangeiro no Banco do Brasil. Para manter suas alianças com partidos assumidamente de direita como PP, PMDB, PTB, PSD, entre outros, passou a coletar milhões e milhões da burguesia para financiar milionárias campanhas eleitorais. O fato é que o processo de direiti-

zação do PT se aprofundou, e o partido se transformou naquilo que dizia ser o seu contrário. Em outras palavras, a teoria da governabilidade levou exatamente à atual situação de ingovernabilidade, pois, ao trair os interesses fundamentais da classe operária e se afastar dos movimentos populares, o PT se tornou facilmente manobrável pela classe dominante. Não é um fenômeno novo na história, tampouco um caso único nos últimos anos, mas uma consequência natural de um partido que é hegemonizado pela ideologia pequenoburguesa. Mirem-se, por exemplo, em Atenas, na recente traição do Syriza, partido que, eleito pelo povo grego contra a política de austeridade da União Europeia, passou a implementá-la sem nenhuma resistência e sem nenhum pudor. Por tudo isso, o caminho que o governo escolheu para eliminar o déficit do orçamento é cortar investimentos sociais, realizar mais privatizações, reduzir o seguro-desemprego, cancelar concursos públicos, manter subsídios às montadoras e ao agronegócio e elevar os juros e os gastos com a dívida. A teoria da governabilidade exige agora um novo ajuste fiscal. O primeiro já provocou a maior recessão dos últimos 15 anos, 600 mil trabalhadores demitidos, reduziu salários, aumentou a precarização no mercado de trabalho, cortou verbas dos programas sociais e colocou à venda a BR e a Transpetro. Construir um novo caminho É natural, portanto, que outra vez nos perguntemos: para que serve uma governabilidade que impõe o imobilismo a sindicatos e movimentos sociais e se curva aos interesses da oligarquia financeira e de partidos de direita e corruptos? Há tempo que A Verdade vem advertindo que esse caminho não colherá bons frutos. É preciso, pois, olhar para frente e não para trás. Os trabalhadores, os camponeses, a juventude rebelde e combativa, o movimento popular independente têm que construir seu próprio caminho, vencer o imobilismo e derrotar na prática a política de conciliação de classes, desenvolvendo a luta em todos os setores. Organizar greves contra demissões, preparar grandes ocupações pelo direito à moradia, organizar passeatas contra o corte de verbas, exigir de prefeituras e dos estados uma saúde pública digna, lutar contra o atraso ou parcelamento dos salários, ocupar a sede dos governos que preferem desviar o dinheiro público para os banqueiros em vez de pagar o salário dos trabalhadores e construir uma unidade popular que seja alternativa política para os que querem lutar pela revolução e pelo socialismo em nosso país.

(Lula Falcão é diretor de Redação de A Verdade e membro do Comitê Central do PCR)


4 Outubro de 2015

BRASIL

A ilusão dos planos de saúde FP

Ludmila Outtes, Recife

A

criação do Sistema Único de Saúde (SUS), pela Constituição Federal de 1988, com cobertura universal e integral para toda a população, não se mostrou suficiente para garantir o direito de acesso à saúde. Com o sucateamento crescente do SUS, os planos e seguros privados ampliaram substancialmente o número de clientes, que buscam uma alternativa à deficiência do Estado. Ao invés de satisfazerem às necessidades dos contratantes, porém, estes planos e seguros de saúde se tornaram mais um motivo de preocupação: práticas como a limitação de internações e consultas, negativa de procedimentos e reajuste abusivo das mensalidades são reclamações comuns no Procon e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em 2013, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) registrou 72 mil queixas de clientes que não conseguiram autorização para realizar procedimentos médicos, uma média de oito casos por hora. O número representa um aumento de 440% quando comparado a 2010. “Não se pode negar que as operadoras estão tentando diminuir o acesso aos tratamentos para reduzir custos”, disse Carlos Thadeu de Oliveira, gerente técnico do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), em entrevista ao jornal gaúcho

Hospital de Plano Saúde superlotado em São Paulo Zero Hora (03/11/14). O tema também foi alvo da CPI dos Convênios Médicos na Câmara Municipal de São Paulo, no início deste ano. Em depoimento, no dia 14 de abril, o presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp), Eder Gatti Fernandes, declarou que a recusa dos planos é comum para não gerar custos. “Se o plano considera o procedimento desnecessário, ele não paga”, afirmou. Segundo estudo de Lígia Bahia, publicado na revista Ciência e Saúde Coletiva, em 2004, “evidenciam-se duas alternativas para equacionar o impacto das doenças crônicas sobre os gastos assistenciais. A primeira busca enfrentar o problema por meio do desenvolvimento de metodologias para o cálculo do valor dos recursos financeiros necessári-

os ao atendimento de populações/grupos populacionais (...). A segunda é a negação de coberturas aos portadores de problemas de saúde considerados dispendiosos”. Ou seja, o plano ou seguro de saúde faz um cálculo aproximado de quanto a população “custa” para ele em atendimentos e procedimentos e, a partir daí, calcula quanto será a mensalidade (por isso os valores variam conforme a idade do segurado). Quando esse “gasto” supera a estimativa, a negativa dos procedimentos vem para evitar que o plano não perca o seu lucro com a venda das coberturas. Vários casos de denúncias contra negativas dos planos de saúde foram divulgados em jornais e sites nos últimos anos. Normalmente, a negativa ocorre em casos de cirurgias ou

tratamentos onerosos aos planos. Em 2009, o engenheiro ambiental Luiz Fernando de Castro Dolabela, de 29 anos, teve uma cirurgia de emergência (apendicite) recusada por uma operadora de saúde de Belo Horizonte. “Nós gastamos cerca de R$ 5 mil e, como demoraram a me atender por causa dessa questão do convênio, a cirurgia foi mais séria e tiveram que retirar uma parte do meu intestino. Fiquei cinco dias internado, e o convênio só restituiu o dinheiro equivalente aos exames, aproximadamente R$ 1.200”, comentou ao portal Terra (09/07/12). Em 2010, Enoilza Almeida, engenheira química e consultora de empresas, precisou entrar na Justiça para ter a cirurgia de seu pai, de 83 anos, liberada pelo plano. “Meu pai era professor e pagou durante 35 anos um valor equivalente a 40% do salário para ter o melhor plano de saúde oferecido pelo Estado. No único momento em que precisou do benefício, tivemos de entrar na Justiça. Ele teve um infarto, e o médico indicou colocar dois stents no coração. A cirurgia estava marcada, mas o plano de saúde se negou a pagar os stents importados indicados pelo médico. Alegou que não havia justificativa, que só pagaria pelos equivalentes nacionais. O médico explicou que o importado era melhor, por questões técnicas. Quando soube que o stent importado custava cerca de R$ 15 mil, e o nacional, de R$ 3 mil a R$ 4 mil, entendi que o problema não era de saúde, mas econô-

mico”, relatou Enoilza. A cirurgia foi realizada após liminar da Justiça obrigar o plano de saúde a pagar pelos stents importados. “A sensação que fica é de desamparo. A gente paga um plano de saúde e, quando precisa, dizem 'não pode'. E aí temos que esperar que a Justiça seja ágil para resolver”, finalizou em entrevista ao jornal Extra Classe (dezembro de 2010). Em entrevista ao Jornal da Band, que foi ao ar dia 1º de outubro deste ano, Ana Maria revelou que, apesar de pagar o plano de saúde há 10 anos, teve que esperar seis meses para realizar uma mamografia após descobrir um nódulo no seio. Uma pesquisa divulgada pela Associação Paulista de Medicina, no início de outubro, revelou que 84% das pessoas entrevistadas informaram que tinham pelo menos um problema com o Plano de Saúde, e 20% delas tiveram que recorrer ao SUS. Esses e outros casos cotidianos demonstram a ineficiência do atendimento dos planos de saúde. Com o objetivo final do lucro, para as operadoras de saúde não importa o bem-estar do segurado, mas sim o dinheiro que está entrando nos cofres da empresa. Por isso, negativas de procedimentos e cirurgias são cada vez mais frequentes. A saída para isso continua sendo a luta por uma saúde pública de qualidade e gratuita que garanta atendimento rápido e eficiente para toda a população. Ludmila Outtes é enfermeira

É preciso acelerar a construção da UP UP

Campanha da UP está nas ruas

Estamos diante de uma crise econômica mundial com profundas consequências no nosso país. Além da grave crise econômica, assistimos também a uma crise política geral. O Governo Federal afirma que as contas não fecham e que os gastos são maiores que a arrecadação, que está na casa de R$ 30,5 bilhões. Para equilibrar o orçamento, estão em curso medidas que retiram direitos dos trabalhadores e eliminam deveres sociais do Estado: restrições no acesso ao segurodesemprego, seguro-defeso e ao abono salarial; cortes na Saúde (R$ 11,77 bilhões) e Educação (R$ 9,42 bilhões); e aumento dos impostos, prejudicando os mais pobres. A verdade é que a corda está arrebentando do lado mais fraco. Quem corroeu o orçamento do país não foram os usuários das escolas e universidades públicas, dos postos de saúde, do seguro-desemprego, do abono salarial e dos programas sociais. Senão, vejamos: em 2011, os empresários foram agraciados com a isenção de impostos federais (chamada de renúncia fiscal) na casa de R$ 3,36 bilhões; em 2012, de R$ 44,8 bilhões; em 2013, foram mais R$ 73,7 bilhões; e, em 2014, R$ 100,6

bilhões. Quanto à crise política, o partido do governo dá demonstrações de enfraquecimento, perdendo apoio no Congresso e na sociedade. Na Câmara e no Senado, os representantes da burguesia mais atrasada procuram se valer das fragilidades do governo para jogar ainda mais profundamente nas costas dos trabalhadores o peso da crise, ao passo que procuram ampliar sua capacidade de interferir nos rumos do país. Na sociedade, os trabalhadores e o povo pobre estão indignados por assistirem o governo jogar na lata do lixo as medidas que prometeu implantar durante a campanha eleitoral – e passando a atuar em favor dos banqueiros e capitalistas em geral. O Ministério da Fazenda foi entregue ao homem de confiança do Banco Bradesco; no Ministério da Agricultura, colocou-se uma latifundiária; no Ministério das Cidades, um direitista de carreira; e no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, um usineiro de pai e mãe. Assim funciona a falsa democracia em que vivemos: a pressão econômica exercida pelas classes possuidoras do capital (que foram derrotadas nas eleições) se impõe contra o desejo do povo manifestado nas urnas. Só radicalizando a democracia e entregando todo o controle dos órgãos públicos e da economia à maioria da população, ou seja, aos trabalhadores, poderemos implantar um modelo econômico e um governo voltados para os interesses sociais, e não para o lucro dos capitalistas, banqueiros e grandes empresas que formam a classe minoritária. Ou seja, uma democracia socialista. Mas essa democracia só será alcançada com uma

revolução popular, que vai nos livrar da exploração capitalista. Dos 594 parlamentares, 273 são empresários, e 160 são latifundiários, fazendeiros e usineiros; somente 91 são representantes dos sindicatos (havendo ainda, entre esses, traidores como o presidente da Força Sindical); apenas 55 são mulheres e só 47 são negros. As classes contrárias aos trabalhadores estão utilizando as instituições representativas contra nós há muito tempo e de maneira eficiente para os seus interesses (haja vista a aprovação do Projeto de Lei da terceirização, a redução da maioridade penal e a lei chamada de “antiterrorismo”, que criminaliza as greves e lutas sociais). É óbvia a necessidade de uma profunda transformação nas estruturas do poder político e esse é nosso objetivo final. Por isso, precisamos de um partido político da nossa classe, da classe trabalhadora, para atuar em defesa dela sem concessões aos partidos burgueses. Sem perder de vista o objetivo final e sem abandonar as demais formas de luta e suas organizações correspondentes, precisamos realizar o trabalho político dentro das instituições representativas e da administração pública, utilizando-as para promover a conscientização política e colocandoas a serviço dos interesses da classe trabalhadora, sem ilusões e alianças com os partidos dos empresários, banqueiros e latifundiários, mas justamente em oposição a eles e denunciando seus crimes e arbitrariedades. Somente com um partido político legal, devidamente registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), poderemos apresentar e pôr em prática essas propostas, participando das eleições e

ocupando os espaços institucionais no Executivo e no Legislativo. Para tanto, temos que desenvolver, neste momento, um trabalho modesto e cotidiano: coletar entre os trabalhadores e moradores dos bairros pobres, entre a juventude e entre as mulheres vítimas da violência e de todas as formas de machismo, as assinaturas de apoio para registrar no TSE a Unidade Popular pelo Socialismo (UP). Com esse partido funcionando, criaremos toda uma rede de núcleos zonais, diretórios e fundações que, além de reunir forças, será um instrumento a serviço das greves dos trabalhadores, das mais diversas manifestações populares dos sem-teto, dos semterra, das mulheres, da juventude, dos negros e de todos os demais explorados e oprimidos pelo capitalismo para levar suas reivindicações até a esfera da luta política. Trabalhar com firmeza para onseguir as assinaturas É urgente a tarefa de organizar equipes de coleta de assinaturas de apoio à legalização da UP. Para esse partido existir, temos que recolher 500 mil assinaturas de apoio ao seu registro. Já atenderam ao nosso chamado 65 mil pessoas. No último dia 20 de setembro (mais um dia nacional dedicado à coleta de assinaturas) foram recolhidas quase cinco mil assinaturas! Isso demonstra que é absolutamente possível construir esse partido e que, se trabalharmos com dedicação, vamos conseguir formá-lo. Leonardo Péricles e Thiago Santos, da UP


BRASIL

5 Outubro de 2015

Primo de jovem assassinado pela PM é ameaçado de morte em Alagoas Em 25 de agosto de 2014, o desaparecimento do jovem Davi da Silva, em Alagoas, provocou uma grande mobilização da sociedade em busca de respostas: ao sair para trabalhar às 07h, Davi foi abordado por policiais da Rádio Patrulha, que o colocaram dentro de uma viatura. Depois disso, não foi mais visto. Magno Francisco da Silva, 29 anos, primo de Davi, que é professor universitário, membro do Comitê Memória, Verdade e Justiça de Alagoas, coordenador do Movimento Luta de Classes e militante da Unidade Popular pelo Socialismo, foi um dos líderes da campanha por justiça no caso Davi e contra o extermínio da juventude alagoana. No final de setembro, Magno recebeu uma denúncia de que estariam preparando a sua execução. Em entrevista a A Verdade, ele contou quem está por trás dessa ameaça de morte e qual a motivação. Da Redação Vídeo de Magno disponível no YouTube

A Verdade – Você foi um dos que denunciaram o bárbaro crime cometido contra o seu primo, Davi da Silva, e agora você é ameaçado de morte. Quem está ameaçando você? Magno Francisco da Silva – Depois da ampla repercussão das denúncias que fizemos – que teve a adesão e o apoio da sociedade, ampla divulgação nos meios de comunicação e a importante solidariedade da Comissão de Direitos Humanos da OAB –, tivemos a informação, de uma fonte, de que o grupo de extermínio da Polícia Militar, como uma forma de acabar com as denúncias do Caso Davi e encerrar essa repercussão na sociedade, estava planejando a minha execução. Nossa luta, durante todo esse período, tem sido a luta pela justiça, para que não aconteça mais nenhum outro Davi em Alagoas, para que pare esse extermínio da juventude. Então, nós atribuímos essa denúncia à Polícia Militar e aos setores de segurança que estão ligados, direta ou indiretamente, ao desaparecimento de Davi. O levantamento do Mapa da Violência 2015, divulgado pela Unesco em maio deste ano, apontou Alagoas como o estado brasileiro com o maior número de pessoas mortas por arma de fogo. A que se deve isso, na sua opinião? Esse processo da violência é resultado de uma profunda desigualdade social existente: uma imensa maioria da população tem poucas condições de sobreviver e, muitas vezes, se tornam vítimas do tráfico ou de outros processos de violência. Mas, além disso, existe uma necessidade, por

parte das elites da sociedade, de manter o clima de terror, de conseguir dinheiro através do tráfico. E as principais vítimas são justamente os mais vulneráveis da sociedade, os que mais sofrem com a miséria, com as péssimas condições de vida. Então, hoje, ser negro, ser pobre e morar na periferia são os motivos que bastam para ser vítima da violência policial, que mantém esse clima de terror e se locupletam através das extorsões do tráfico. É uma violência institucionalizada, uma violência que é necessária para a manutenção da ordem. É preciso criar um clima de terror para que esse processo de repressão policial seja mais ostensivo e, consequentemente, as pessoas tenham medo de se organizar, de lutar e de defender os seus direitos. Em Alagoas, boa parte dessas mortes, inclusive, são mortes que envolvem não apenas o tráfico, a disputa em si, mas também a questão do próprio aparelho repressor do Estado. Muitos desses casos são de execuções, e essas execuções são desfeitas: simulação de troca de tiros quando as vítimas são baleadas pela Polícia. A gente fez esse levantamento: são mais de 50 casos apenas neste ano, um número que alarma. Essa situação de alto nível de violência justifica uma ação mais repressiva do aparelho repressor porque age para “coibir”, podemos dizer assim, essa violência. E, com isso, se tenta manter a ordem através do medo, da imposição aos mais pobres. Que providências o Estado tomou para a sua proteção? Nenhuma providência até agora. A gente tem feito uma articulação,

movimentações com a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, dialogado com parlamentares comprometidos com a causa dos Direitos Humanos, temos tentado fazer essa denúncia repercutir nos meios de comunicação, mas, até agora, o Estado efetivamente não tomou nenhuma providência para resolver. É importante dizer que, nesse caso de Davi, vários crimes foram cometidos. Tem o crime contra Davi, que foi o seu sequestro e, segundo o próprio relatório da Polícia Civil e do Ministério Público, a sua morte; logo em seguida, minha tia (mãe de Davi) sofreu um atentado. Um ex-presidiário, sob a justificativa de matar um morador de rua, atirou na nuca dela. Por sorte o tiro não atingiu o cérebro, mas até hoje a bala está alojada no rosto dela. Dias depois, uma PM (soldado Izabelle) que ameaçou denunciar o caso do desaparecimento de Davi, porque não concordava com isso, foi metralhada dentro uma viatura. A justificativa dos policiais que estavam com ela foi de que a metralhadora disparou sozinha, mas a própria perícia comprovou, posteriormente, que não era possível a metralhadora ter disparado só, que foi uma ação humana; e o pai da PM Izabelle tem denunciado amplamente que a morte dela foi resultado desse processo de denúncia que ela estava preparando sobre o Caso Davi. Agora surgiu essa ameaça a mim. Então, é um crime que vai levando a outro crime. Na verdade, a nossa luta é para que não apenas a justiça aconteça, mas para que também os crimes parem de acontecer. Você acha que isso é uma tentativa de

intimidar sua luta pelos direitos humanos e pelo socialismo? Com certeza. Infelizmente, esse tipo de situação não é nova na trajetória recente do nosso país. Se a gente for analisar, situações semelhantes acontecem em outros estados e, sem dúvida, é uma maneira de impedir que esse tipo de prática seja amplamente denunciada. Minha trajetória vem da militância no movimento secundarista, depois no movimento universitário, passando a atuar no movimento sindical e defendendo os direitos fundamentais da vida, que são os direitos humanos, e nossa luta pela transformação efetiva da sociedade, que é a superação do capitalismo. Então, essa ameaça está ligada à tentativa de impedir que a luta contra o extermínio da juventude pobre continue, mas também com que essa pauta deixe de ter ligação com a transformação profunda da sociedade, com a transformação revolucionária. Além disso, é uma maneira de intimidar todas as organizações, todos os lutadores sociais. Mas nós temos a convicção de que nossa luta é justa, que a luta por um processo de transformação da sociedade que leve ao socialismo é necessária e que não vai ser a morte de um companheiro que vai fazer com que essa causa deixe de ser justa e necessária. Haverá outros companheiros para dar continuidade à nossa luta. Nós não estamos intimidados e vamos continuar desempenhando nosso papel, o papel de um comunista revolucionário, que é lutar contra as injustiças, contra as desigualdades, e por uma verdadeira transformação social.

O apartheid carioca A menos de um ano para as Olimpíadas 2016, a Prefeitura do Rio de Janeiro e o Governo do Estado adotam medidas que retiram direitos democráticos da população. Primeiro, foram anunciadas a extinção e a redução de itinerários de 22 linhas de ônibus, a partir do dia 3 de outubro, que atendiam aos passageiros das Zonas Norte e Oeste da cidade. A mudança cortará o acesso direto às praias de moradores da Maré, Jacaré, Ramos, Olaria e Penha, regiões da periferia onde se encontram os principais complexos de favelas da cidade. Na mesma semana, a Polícia Militar começou uma operação para abordar os jovens presentes nos ônibus que saem destas regiões. Eles são retirados dos ônibus, revistados e depois impedidos de dar continuidade à viagem. Segundo o governo, a operação tem como objetivo “a prevenção contra futuros arrastões e crimes nas praias”. Na operação, realizada em parceria com a Guarda Municipal, 700 agentes e 17 equipes móveis são mobilizados. Conforme a própria PM, os jovens (em sua maioria negros, oriundos de favelas) que estiverem sem dinheiro serão impedidos de dar continuidade à viagem. Em

caso de resistência, serão detidos. O direito à cidade e o acesso ao lazer público (assim como o direito de ir e vir) sofrem grande agressão com essas medidas. Nas redes sociais, as manifestações de moradores das regiões mais pobres da cidade refletem indignação: para terem acesso à Zona Sul e à maioria das praias da cidade, os moradores das Zonas Norte e Oeste vão ter que fazer baldeações e pegar diversas linhas até chegar a seu destino. Caso façam uso de mais de duas linhas de ônibus, metrô ou trem, o valor das passagens se tornará ainda mais caro, afetando diretamente a população mais pobre, que tem nas praias a sua principal diversão nos fins de semana. Caso decidam fazer mesmo assim todas as baldeações, correm o risco de serem abordados pela Polícia, que arbitrariamente decide que eles “não têm o direito de dar continuidade à viagem”. As declarações dos moradores das regiões mais pobres desmascaram o interesse na limpeza étnica e social das zonas ricas da cidade. O Rio de Janeiro é a cidade com maior número de favelas do Brasil. Segundo dados do Censo de 2010, mais de 22% de sua população vive em favelas, o que representa mais

de um milhão e trezentas mil pessoas. Essa população sofre com o descaso do Estado, que não garante vários direitos básicos, como saneamento, água encanada, creches, escolas, hospitais, áreas de lazer, etc. Ao pobre é negada a própria cidade: primeiro, com tarifas de ônibus que custam R$ 3,40 e impedem o deslocamento da população; segundo, que a cada dia a cidade se torna mais cara para viver: aluguéis com preços vultosos, altíssimo preço da cesta básica, contas de luz e gás; e agora reduzem suas poucas opções de lazer. Junto da limpeza social vem a limpeza étnica. O critério de escolha para a abordagem policial nos ônibus oriundos da periferia e das favelas é o perfil: jovens negros e pobres. Sem nenhum flagrante, nenhuma evidência de crime, os jovens são escolhidos por sua fisionomia, pela cor da pele, retirados da condução e encaminhados à delegacia. Seguindo o exemplo da Polícia Militar de São Paulo, que lançou uma cartilha orientando que “jovens negros são, por si só, suspeitos de serem bandidos”, a PM do Rio pratica um racismo descarado, tendo como objetivo “afastar pretos favelados das zonas ricas da cidade”. Atacam diretamente a juventude negra

das favelas. A desigualdade social em nosso país está também baseada em critérios raciais como forma de segregação. Desde o nascimento do Brasil Colônia, o negro foi escolhido para ocupar as mais baixas camadas da estrutura social de exploração. O povo negro no Brasil passou quase 400 anos sendo escravizado. Após a abolição da escravatura, formou-se um mercado de trabalho racista, sendo os postos de trabalho ocupados pelo imigrante branco; ao negro que era escravizado restou ocupar as favelas, viver de bicos, pedir esmolas ou trabalhar em condições subumanas, análogas às da escravidão. Agora, todas as políticas de limpeza étnica e segregação racial que sempre existiram vêm à tona após o compromisso firmado pelo Governo do Estado e pela Prefeitura com as elites hoteleiras e imobiliárias da cidade, assim como com o Comitê Olímpico Internacional, que, para se beneficiarem, precisam vender a imagem de uma cidade menos negra, mais embranquecida, com menos pobres, mais elitizada. Eloá Santos, Coletivo Negro Perifa Zumbi. Rio de Janeiro


6 Outubro de 2015

TRABALHADOR UNIDO

Líder sindical é preso arbitrariamente em MG Fernando Alves, Minas Gerais

Jobert de Paula em mutirão da Ocupação Paulo Freire

N

o dia 25 de setembro, Jobert de Paula Fernando, diretor do Sindicato dos Eletricitários de Minas Gerais (Sindieletro-MG) e integrante do Movimento Luta de Classes (MLC), foi intimado a comparecer à delegacia de Nova Lima, cidade da Região Metropolitana de Belo Horizonte, para dar explicações sobre seu suposto envolvimento no incêndio ocorrido no pátio do Detran local. A acusação, por si só, já comprovava a armação contra Jobert, pois o incêndio teria sido motivado pela instalação de “gato” de energia em ocu-

pação localizada ao lado do imóvel público. Para sua surpresa, ao se apresentar à delegacia, Jobert recebeu sumariamente voz de prisão e foi encaminhado à cela. Alguns dias antes, cerca de 50 agentes da Polícia Civil cercaram e invadiram a ocupação localizada ao lado do Detran de Nova Lima, intimidando e coagindo as cerca de 60 famílias que vivem na comunidade para que confessassem a autoria do incêndio. Várias pessoas foram levadas sob escolta até a delegacia e lá forçadas, sob gritos e ameaças a suas vidas e de seus familiares, a “concordar” com as

versões apresentadas pela própria Polícia Civil incriminando Jobert. Foi com base nessas “provas” obtidas de forma ilegal que o delegado deu voz de prisão ao eletricitário. A razão principal para essa ação da Polícia Civil é que, nos últimos anos, Jobert de Paula tem colocado sua experiência de sindicalista para auxiliar o trabalho do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) na cidade. Nesse período, o MLB organizou várias ocupações e realizou manifestações cobrando uma política habitacional das prefeituras de Nova Lima e Rio Acima. A luta vem despertando a ira e o ódio dos políticos locais, que têm seus mandatos ligados aos interesses de empresas que atuam na região. Nova Lima é uma cidade dominada por empreiteiras e mineradoras. É nessa cidade que hoje se localizam os condomínios mais caros da burguesia em Minas Gerais. É uma espécie de Barra da Tijuca, de Alphaville. Mas, apesar da opulência e da riqueza de alguns, o povo de Nova Lima nada possui. Mesmo

Cresce mobilização da UP em Manaus

A Unidade Popular pelo Socialismo (UP) avança em Manaus, com visitas a diversos bairros, especialmente bairros populares, ricos de resistência, luta e companheirismo. Visitamos, entre outros lugares, a Feira do Produtor, no bairro Jorge Teixeira, Zona Leste de Manaus, e o bairro Novo Aleixo, lugares com muitos trabalhadores e trabalhadoras. O Novo Aleixo é um bairro que evidencia faces da desigualdade, miséria e injustiça que o sistema econômico paradoxalmente gera pra quem produz as riquezas do nosso país. Mesmo debaixo de um sol forte, explicamos com sorriso no rosto e convicção o sentido da construção desse novo partido. Construímos e reforçamos, com essa experiência, uma afirmação diária da convicção do socialismo: só com força e ousadia vamos conquistar nossos direitos e uma sociedade justa, democrática e liberta das privações e desigualdades que perpas-

Um lutador do povo Jobert é um típico mineiro, violeiro dos bons, sujeito pacato e simples. Mas, antes de tudo, é um lutador social, um revolucionário que coloca sua vida em defesa dos interesses dos trabalhadores e do povo pobre. Sua prisão, arbitrária e injusta, não pode ficar sem uma resposta de todos aqueles que lutam por uma verdadeira transformação social. Por isso, uma grande mobilização foi realizada, e a Polícia teve que soltá-lo. Mas ele ainda vai responder a um difícil processo judicial, com base em provas falsas. Muitas lutas ocorrerão nas próximas semanas. E não serão fáceis, como comprova a ação da Polícia Civil e da Polícia Militar durante o ato que exigia a liberdade de Jobert e que sofreu dura repressão, com tiros de balas de borracha, detenções e dezenas de feridos, com militares invadindo lojas e coagindo deliberadamente os trabalhadores. Esses acontecimentos já foram denunciados ao Ministério Público para que sejam investigados. Os lutadores populares e os movimentos organizados não se intimidarão e não se calarão.

Trabalhadores da MGS lutam por direitos MLC

Marcus Ribeiro

Coleta de apoio a UP em Manaus

com as poderosas empresas de mineração Vale e Anglo American mandando e desmandando na cidade, a população sofre com os péssimos serviços públicos. Também é grande o número de famílias que perdem suas terras para a especulação imobiliária ou são obrigadas a sair de suas casas por causa da ação predatória das mineradoras, principais fontes de riqueza local. Para o chamado “poder público”, não importa se a ação dessas empresas destrói as florestas nativas, as nascentes de rios, os córregos, nem se espalha a poluição ou vem depredando as belezas naturais na região. Não é difícil entender que a cidade seja dominada por políticos conservadores, empresários e coronéis. Toda a política da cidade, a Justiça, a Polícia – ou seja, os poderes constituídos – giram em torno dos interesses dessas empresas. Por isso, o surgimento de um forte movimento de lutas como o MLB, que enfrenta abertamente o conservadorismo e os pesados interesses econômicos, incomoda as velhas raposas e a burguesia que se instalaram em Nova Lima.

sam a sociedade brasileira. Nas idas e vindas em busca das assinaturas, conversamos com feirantes, autônomos, donas de casa, pequenos comerciantes e muitos moradores. De cada um escutamos vários relatos, experiências e indignações de como nossos governantes tratam o povo: é a água que falta no estado com maior reservatório de água; a luz que, além de ser cara, falta continuamente; o tratamento de esgoto, que não existe; os jovens sem escola e sem perspectiva de futuro. Os sofrimentos são diversos, mas as pessoas não abaixam a cabeça e continuam lutando, todos os dias, para sobreviver nessa sociedade fundamentada na dominação política e na expropriação econômica. Em cada conversa, percebemos o cansaço e a desconfiança das pessoas em relação aos políticos. Mas, ao mesmo tempo, sentimos a esperança e a firmeza de cada um em propostas populares de renovação. Mostraram que estão dispostos a mudar suas condições de existência, a lutar por melhorias sociais e fazer uma aposta em um partido que nasce de baixo, enraizado nos anseios, demandas e necessidades da ampla maioria da população. Alguns foram conclamados a serem protagonistas de suas lutas e da história; processos de diálogo, mobilização e organização foram iniciados. Esperamos retribuir o acolhimento, solidariedade e confiança, simbolizado em certa ocasião numa sacola cheia de tucumã oferecida a nós por uma feirante, com mais determinação e engajamento no processo de construção da Unidade Popular. Redação Manaus

Manifestação dos trabalhadores da MGS em Belo Horizonte Revoltados com essa situação, cerca de Trabalhadores e trabalhadoras da 500 trabalhadores e trabalhadoras empresa pública Minas Gerais Admiforam à porta da empresa manifestar nistração e Serviço (MGS), organizasua indignação contra o desrespeito dos pela Associação Sindical com que todos os funcionários estão ASSEPEMGS e pelo Movimento Luta sendo tratados. Num segundo ato, o de Classes (MLC), realizaram dois atos número de trabalhadores e trabalhadona porta da empresa para lutar contra a ras dobrou. Cerca de mil funcionários sucessão de cortes de direitos que a da MGS ocuparam as ruas de Belo empresa está promovendo desde o Horizonte com faixas pretas no braço início deste ano. O primeiro ataque foi representando o luto, reivindicando a no procedimento dos atestados médimanutenção deste direito e gritando cos, que obrigava trabalhadores de palavras de ordem como “Queremos todo o estado a viajar para Belo Horirespeito, adicional é direito” e “Trabazonte para entregar o documento, além lhador na rua, MGS a culpa é sua”, de deixar exposto o CID. Mas o absurserventes, porteiros, vigias, motoristas, do não parava por aí. Com a justificatiauxiliares administrativos, mecânicos, va de ter feito novos laudos, a MGS entre outros setores, exigiam que seus anunciou que cortará os adicionais de direitos não fossem cortados. periculosidade e insalubridade. Os valores do corte no salário dos trabaEsses foram apenas os primeiros lhadores podem chegar a R$ 400. atos. Outras ações, como uma campanha com a utilização de faixas pretas no Como se não bastasse tudo isso, a braço, em sinal de luto, e um abaixoMGS anunciou ainda que não cumprirá assinado contra os cortes, além de mais o compromisso de pagar os valores do atos de rua, serão realizados. Plano de Cargos, Salários e Carreira, que aumentava o salário em até 2,5%. Renato Campos, MLC – MG


JUVENTUDE

Voz Ativa

Ocupação na UFRGS conquista avanços na assistência estudantil

O

s estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), cansados do descaso com a falta de condições dignas de permanência, e após inúmeros diálogos frustrados, nos quais a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (Prae) não apresentou respostas concretas às demandas dos estudantes, decidiram ocupar a Reitoria no dia 11 de setembro. Não é de hoje que a permanência e a assistência estudantil não são priorizadas na universidade. A precarização das moradias estudantis é realidade diária: alagamentos em dias de chuva, infestação de ratos e baratas, ausência de Plano de Prevenção contra Incêndio (PPCI), fiação elétrica exposta, infiltração nas paredes e falta de segurança

dentro das casas. A indignação com a falta de condições dignas de moradia fornecida pela universidade levou à criação do Movimento de Casas dos Estudantes, para reivindicar resposta da administração da UFRGS diante de todos esses absurdos. O Movimento de Casas, junto com o Coletivo Voz Ativa e outros coletivos, ocupou a Prae por um dia, com a proposta de “Um dia sem ratos, baratas e risco de incêndio”. E, após mais um acordo descumprido, ocupou a Reitoria, exigindo infraestrutura das casas, bolsa permanência sem a contrapartida de trabalho, democracia na universidade, fim da Resolução 19 (que desliga o estudante de baixo desempenho), transparência nas contas da instituiUEDC

ção, auxílio financeiro para os estudantes ingressados no semestre 2015.2, e que não tiveram acesso ao edital. No dia 19 de setembro, o movimento recebeu, após oito dias de ocupação, o mandado de reintegração de posse, sem nenhuma tentativa de negociação prévia, demonstrando, assim, a falta de disposição da Reitoria em relação ao diálogo, ameaçando os estudantes com remoção truculenta da força policial em pleno final de semana e multa de R$ 50.000 por hora, se o movimento não desocupasse em 24h. Para tanto, indiciaram na Justiça 14 réus, sendo sete do Coletivo Voz Ativa e vários outros moradores de casas que se destacaram durante esse processo de luta. Mesmo com toda essa

Congresso: centenas de estudantes

UEDC marca 40 anos de história com congresso Cerca de 250 estudantes de mais de 30 escolas das redes municipal, estadual e federal participaram, no dia 25 de setembro, do congresso da União dos Estudantes de Duque de Caxias (UEDC), uma das entidades estudantis secundaristas mais importantes do Estado do Rio de Janeiro, com 40 anos de história. Com muita agitação e animação, a abertura do evento contou com a presença da Aerj, Sepe (Sindicato dos Profissionais de Educação) e dos DCEs da Unisuam e da UFRJ. Em seguida, aconteceu o debate sobre conjuntura e a luta da juventude no Brasil e na Baixada Fluminense, do qual participaram como palestrantes Gabryel Henrici, da Unidade Popular pelo Socialismo (UP), e o deputado estadual Flávio Serafini (PSOL). À tarde, os delegados foram divididos em grupos de debate sobre redução da maioridade penal, passelivre, luta na cidade, movimento estudantil, educação e direito à meia-entrada. Entre as propostas aprovadas, destaca-se a ocupação de um shopping da cidade em protesto contra a restrição da meiaentrada cultural nos cinemas e teatros. Por fim, foi eleita de maneira unitária a nova diretoria da UEDC, composta, em sua maioria, por militantes da Aerj e da UJR, que levaram ao congresso mais de 100 delegados dos quatro distritos de Caxias. Também compõem a diretoria estudantes ligados ao PSOL. O congresso da UEDC deu o tom do que serão as próximas lutas na cidade em defesa dos direitos da juventude e reforçou a caráter combativo da entidade máxima dos estudantes de Duque de Caxias. Redação Rio

Estudantes na Reitoria da UFRGS por assistência estudantil

pressão e desrespeito, decidimos resistir e levar nossa luta até o fim. Ainda no domingo conseguimos a suspensão da reintegração de posse e a obrigação do comparecimento da Reitoria a uma audiência de conciliação. Nessa audiência, conquistamos várias reivindicações, como manutenções urgentes na Casa de Estudan-

Ernesto Che Guevara: médico revolucionário e higienista social Dr. Gregorio Delgado García, Havana Os homens e mulheres amantes da liberdade em todos os continentes comemoram, em outubro, o aniversário da morte do doutor Ernesto Guevara de la Serna, verdadeiro símbolo como médico revolucionário, imortalizado nas páginas da história como o guerrilheiro heroico Ernesto “Che” Guevara. Sem dúvida, seu pensamento político, projetado principalmente nos campos da luta insurrecional da guerrilha, da economia política de Estado na construção do socialismo, da criadora assiduidade segundo a história, das características nacionais da teoria marxistaleninista e a correta interpretação dos mais graves problemas internacionais na sua época constituem um dos maiores aportes da Revolução Cubana ao pensamento revolucionário moderno. Nascido na cidade argentina de Rosário, em 14 de junho de 1928, em um meio familiar economicamente tranquilo, sofreu, desde o início de sua infância, uma condição asmática crônica que muito o ajudaria a forjar seu caráter e sua ânsia incessante de conhecer o homem em todas as suas dimensões e o levaram, aos 19 anos de idade, a matricular-se na Faculdade de Medicina da Universidade de Buenos Aires. Durante os estudos médicos, sentiu vontade de unir o trabalho àquilo que aprendia na faculdade. No primeiro ano, trabalhou como balconista na cidade de Buenos Aires e, no segundo, já no Instituto de Pesquisas Alérgicas, atuou sob a direção do eminente alergologista Salvador Pissani, e lá se manteve até o fim de sua carreira médica. Seu interesse em conhecer novos horizontes geográficos e sociais o induziu a trabalhar durante as férias como enfermeiro em navios da marinha mercante, em viagens por portos nacionais. Terminando o quarto ano de seus estudos universitários, comprometeu-se com seu amigo, o bioquímico argentino Alberto Granados, a fazer uma viagem de nove meses por Argentina, Bolívia, Chile, Peru (principalmente o Amazonas peruano), Colômbia e Venezuela. Nessa agitada viagem, o homem de laboratório que já se identificava com o drama social dos leprosários de São Pedro, Cerritos, Diamante e General Rodríguez, em plena selva amazônica, verificou que esse drama se estendia também aos arredores de Córdoba, Posa-

7 Outubro de 2015

das e Rapa Nui. Em seu regresso a Buenos Aires, em setembro de 1952, sentiu-se já um verdadeiro higienista social ansioso de começar seu trabalho o mais rapidamente possível. Para isso, matriculouse para o ensino livre nas 14 disciplinas que faltavam para terminar, o que conquistou com sucesso, obtendo o título de doutor em Medicina, em 1º de junho de 1953. Convencido de que a função social da Medicina fora prejudicada pelos regimes políticos burgueses predominantes na América Latina, participou da tentativa de experiência do governo socialista na Guatemala, onde trabalhou no Centro Médico de Professores. Já no México trabalhou no abrigo central do Hospital Central do Distrito Federal, no laboratório do Hospital Francês e no Centro de Pesquisas Alérgicas do Instituto de Cardiologia. Foi quando conheceu os revolucionários cubanos exilados na nação asteca e lhe apresentaram Fidel Castro, fato este que mudaria o curso de sua vida e lhe daria uma dimensão histórica inesperada. Mais tarde, escreveria: “Então me dei conta de uma coisa fundamental: para ser médico revolucionário ou para ser revolucionário, primeiro a gente precisa compreender a revolução”. E se dispôs a tê-lo junto a seus novos amigos cubanos. Sua atividade nos anos seguintes entrou nas páginas da história dos povos livres do mundo: desembarcou no Granma, opôs resistência viril nas mais difíceis condições, passou à ofensiva com métodos originais na guerra de guerrilhas e reeditou a grande façanha da invasão do século passado em Mambises, à altura das Guerras Mundiais. Participou da entrada vitoriosa em Havana, quando foi tomada a segunda fortaleza militar em importância da cidade, em 2 de janeiro de 1959. Apenas duas semanas depois da vitória, em 13 de janeiro, era recebido no Colégio Médico Nacional, declarado “médico cubano honorário”. Ocupou diversos cargos militares e civis, de decisiva importância. Primeiro o de presidente do Banco Nacional, no momento da nacionalização das grandes empresas do país, e depois o de ministro da Indústria, num tempo em que se construíam as bases de uma verdadeira indústria nacional, algo que não o impediu de expressar seu pensamento

te, prestação de contas semestral da Prae e compromissos importantes, principalmente com relação a prazos que devem ser cumpridos por parte do reitor perante a Justiça. Assim, após 15 dias de luta, decidimos desocupar a Reitoria. Géssica Sá e Érick Pimentel, militantes da UJR Alberto Korda

Che Guevara na Assembleia da OEA médico e social. Em uma conferência realizada em agosto de 1960, depois da qual foi intitulado “O médico revolucionário”, Che expôs as bases de sua concepção de uma Medicina de essência social e projeção humanista. Formado cientificamente ao longo de pesquisas de laboratório, ele nos dirá que sua impressão, “de que só ao entrar em estreito contato com a miséria, com a fome, com as doenças, com as incapacidades de curar um filho por falta de recursos básicos, com o embrutecimento provocado pela fome e o castigo para um pai de perder um filho, é que isso deixa de ser um acidente sem importância”. Para indicar como transformar uma Medicina individual e curativa em uma verdadeira prevenção e promoção da saúde na sociedade, declarou o seguinte: “O princípio que deve nortear o combate às doenças não é o de criar um corpo saudável a partir de um trabalho concentrado de um médico sobre um corpo debilitado, mas criar um corpo saudável com o trabalho coletivo de toda a comunidade sobre todos os membros da comunidade”. E mostrou, acertadamente, o papel do médico nessa Medicina: “O médico, o trabalhador médico, deve, então, ir ao centro de seu novo trabalho, o homem na coletividade, em contato com as massas”. A vontade de cumprir todas as tarefas, que o levou à luta guerrilheira de libertação da África e da Bolívia, até entregar heroicamente sua vida em 8 de outubro de 1967, impediu Che Guevara de concluir o seu pensamento médico social, que poderia ser aplicado em cada uma das etapas históricas de nossa saúde pública revolucionária. Mas os ensinamentos que deixou em suas palestras e escritos são hoje a parte mais importante do pensamento médico social cubano. (Discurso pronunciado na 21ª Jornada Científica de Estudantes da Faculdade de Medicina Geral Calixto García, Havana, Cuba.)


8 Outubro de 2015

LUTA POPULAR

Quilombo da Família Machado luta por seu território Priscila Voigt e Nanashara Sanches, Porto Alegre

Manifestação em Porto Alegre contra despejo de comunidade quilombola

A

s cidades industriais do mundo são, há muitos anos, o retrato da desigualdade socioeconômica do sistema capitalista. Com o planejamento urbano nas mãos das empresas construtoras e incorporadoras do setor imobiliário, vemos o aumento das contradições e das desigualdades que existem nas cidades. No Brasil, isto não é diferente, e percebemos como o poder do capital imobiliário é forte se contarmos o número de ordens de reintegração de posse que são emitidas por juízes e juízas todos os dias, nos diversos estados do País. A razão principal do pedido de reintegração de posse está baseada na propriedade privada de um terreno por parte de uma pessoa, instituição, empresa ou por parte do próprio poder público (prefeitura, estado e União). Na maioria das vezes, terrenos abandonados são requeridos dada a revalorização de um determinado bairro ou região. Esta revalorização pode ocorrer em função da construção de estradas, ruas, estádios e shoppings, entre outros. É com este panorama que trazemos o caso do Quilombo Família Machado, localizado dentro da Comu-

nidade 7 de Setembro, ao lado do supermercado BIG, da Avenida Sertório, Zona Norte de Porto Alegre. Quem passa pela avenida todos os dias percebe as mudanças que vêm ocorrendo na região. Em função da construção da Arena do Grêmio, a Zona Norte da cidade vem recebendo um grande aporte de projetos imobiliários, voltados para a construção de condomínios fechados para as classes alta e média, público-alvo para uma empresa que se volte à construção de shopping centers, como é o caso da Real Empreendimentos. Em 2013, a Real Empreendimentos entrou com pedido de reintegração de posse da área onde está localizado o Quilombo da Família Machado, território quilombola já certificado pela Fundação Palmares. Embora já certificado, o quilombo encontra entraves para a titulação de seu território junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) devido às centenas de pedidos que tramitam junto ao instituto. Onir de Araújo, da Frente Quilombola, aponta que, pelas características da comunidade que tem esse referencial de pertencimento negro, há

uma relação com o território que não é uma relação meramente de moradia, mas sim uma relação histórica com o espaço. O Quilombo da Família Machado e a Comunidade 7 de Setembro acabam se transformando num marco de luta e resistência, uma vez que existe todo um quadro, em nível nacional, de ataques aos direitos das comunidades tradicionais, como a PEC 215, em nível federal, e aqui no Estado do Rio Grande do Sul, com o Projeto de Lei nº 31/2015, que vão na contramão de todos os direitos que as comunidades quilombolas e o povo negro conquistaram. De certa forma, ela está servindo para tentar impedir um processo do avanço da especulação imobiliária e o processo de limpeza étnica, de embranquecimento da cidade, de destruição e desterritorialização histórica que os negros, os pobres e os indígenas vêm sofrendo em todas as cidades brasileiras. Importante lembrar, portanto, o marco de resistência e a importância histórica dos quilombos em nosso país, marco da luta do povo negro contra a escravidão e por uma vida livre. O Quilombo dos Palmares é um dos grandes exemplos. Nesta comunidade, não havia exploração. Todos trabalhavam para produzir, e o resultado da produção era dividido para todos. Palmares deu um grande golpe no governo dos colonizadores e mostrou que a organização e a luta poderiam acabar com as injustiças. Foram necessárias várias expedições para o governo brasileiro, que representava Portugal, massacrar Palmares com um verdadeiro genocídio depois de 100 anos de existência. Luiz Rogério Machado, Jamaica, morador da comunidade, conta um pouco sobre o processo de construção da comunidade: “Para nós, na periferia, se torna difícil, muitas vezes, por pouco estudo ou pela precariedade de trabalho que tem principalmente para pessoas pobres e negras de periferia, e temos que ter um local pra criar nossos filhos. Por isso, precisamos ocupar o espaço. Nós, como quilombolas, temos uma história muito grande naquele espaço e resolvemos retomar esse território. Por isso, em 2012, ocupamos aquele espaço. De lá para cá, as famílias se consolidaram e se ampliaram. Estamos com 219 famílias. Queremos montar nossa creche, já temos

biblioteca, aulas de capoeira que eu dou, temos nossas festas, festa junina, de dia das crianças, dentro daquele espaço onde moramos. É um local extremamente ótimo para morar”. ‘‘Nunca deixamos pisar em nós’’ Eliane Andrade, 46 anos, moradora há dois anos da Comunidade 7 de Setembro, diz: “Desde que entrei, não me arrependo de nada, de ter botado minha cara a tapa, de ter feito protesto, ter gritado, de ter corrido, não importa o dia, não importa a hora. A minha luta não é em vão. A gente é muito unido. A gente corre atrás, nunca deixamos ninguém pisar em nós. Jamais vamos sair dali, jamais! A gente está com reintegração de posse ali, mas a gente não vai desistir.” Apesar da reintegração de posse ajuizada, a comunidade está determinada a resistir em seu território. Vem realizando assembleias e pressionando o poder público para que a reintegração seja suspensa e que o relatório antropológico do quilombo seja produzido. Sobre as ações jurídicas, Onir de Araújo relata que estão tomando todas as medidas cabíveis para evitar a reintegração e transferir essa discussão para a Justiça Federal, mas tudo isso significa somente ganhar tempo, porque o fundamental é que as famílias permaneçam no território. A fala de Jamaica marca muito bem a decisão da comunidade em resistir: “Nós, enquanto Quilombo da Família Machado e Comunidade 7 de Setembro, queremos e vamos nos manter lá, vamos brigar pelo nosso espaço e pelos nossos direitos porque moradia é um direito, e todos os governantes passam por cima. Eles tapam o sol com a peneira, mas nós vamos resistir que seja até a morte, nós não vamos sair de lá. Então chamamos todos os órgãos públicos do Estado do Rio Grande do Sul, principalmente o Ministério Público Federal, a que se conscientizem: de lá não vamos sair. Nós não temos medo de polícia, polícia a gente vê todos os dias”. Com luta e organização, a comunidade conseguiu suspender, mais uma vez, a reintegração de posse. A luta segue e a mobilização e organização crescem. Priscila Voigt e Nanashara Sanches, Coordenação do MLB – RS

Latifundiários invadem terra dos índios em Mato Grosso do Sul Hinamar Medeiros, Recife No início de setembro, um novo confronto ocorreu entre povos indígenas e latifundiários no Estado de Mato Grosso do Sul (MS), resultado da indiferença do Judiciário e do Executivo, além da ameaça do Legislativo em piorar a atual legislação brasileira, que reconhece o direito à posse da terra aos povos originários. O MS é um estado entregue aos latifundiários, com a grilagem sistemática de terras indígenas. O principal obstáculo à expansão das fronteiras agrícolas é a resistência dos povos indígenas sobreviventes do massacre dos colonizadores. “Os índios estão esperando há anos por uma solução negociada com o Governo Federal, mas essa solução não chega, e as condições de vida se tornam mais e mais degradantes”, afirma Matias Benno, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) de Mato Grosso do Sul. Os últimos confrontos ocorreram no Município de Antônio João, a 402 km da capital, Campo Grande. A motivação foi a retomada de quatro fazendas de criação de gado pelos índios. As fazendas fazem parte da Terra Indíge-

na Ñande Ru Marangatu, homologada pelo Governo Federal em 2005, que está em processo de disputa judicial no Supremo Tribunal Federal (STF) há dez anos. Durante o conflito, diversos indígenas foram atingidos com balas de borracha e espancados pelos fazendeiros. O índio Semião Fernandes Vilhalva, de 24 anos, foi morto com um tiro no rosto enquanto tentava encontrar seu filho de quatro anos. No dia 3 de setembro, entre os municípios de Douradina e Itaporã, a cerca de 30 km de Dourados, a segunda maior cidade do MS, um grupo de índios retomou uma área invadida pelos fazendeiros na terra indígena Panambi-Lagoa Rica, cuja demarcação está sendo estudada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) desde 2008. Em resposta, fazendeiros armados contra-atacaram, incendiaram o acampamento e tentaram expulsar os índios a tiros. Houve registro de ataques na noite dos dias 3 e 4 e na tarde do dia 5 de setembro. Em todos os ataques, a Polícia Federal foi contatada, mas nada fez a favor dos indígenas. Após 390 assassinatos de indígenas nos últimos 12 anos, o Ministério Público Federal em MS determinou a

instauração de inquérito policial para apurar a “possível” prática de formação de milícia privada, devido a mensagem em rede social do presidente do Sindicato Rural de Rio Brilhante, Luís Otávio Britto Fernandes, convocando os fazendeiros que invadiram as terras a promover a expulsão dos indígenas que retornaram à área no distrito de Bocajá, a 30 km de Dourados. Todos estes casos foram agravados a partir de 1940, quando o Governo Federal começou a lotear e doar terras do Estado a agricultores dispostos a desbravar e produzir no Estado. Contudo, a divisão de terras não respeitava o direito dos povos indígenas, que só foi assegurado pela Constituição de 1988 e reafirmado pelo Brasil na Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Autóctones, em 2007. A pressa dos povos indígenas em assegurar o direito a suas terras se justifica devido à realidade política brasileira. Duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC) ganharam força em tramitação na Câmara dos Deputados Federais: a PEC 215/2000 e a 71/2011, que, na prática, inviabilizam a demarcação de novas terras. A PEC 215/2000 retira a exclusi-

vidade do Executivo em decidir sobre as demarcações sem a aprovação do Congresso Nacional. É bom lembrar que a Frente Parlamentar da Agropecuária é uma das maiores bancadas do Congresso, com 198 deputados, além da ministra da Agricultura, Kátia Abreu. Já a PEC 71/2011 altera a legislação atual que obriga o Governo Federal a indenizar “proprietários” de terras demarcadas apenas quando há a comprovação da titulação da posse da terra. Se aprovada, irá incentivar a grilagem de terras indígenas, pois os fazendeiros são donos dos cartórios. Ainda temos o agravante da omissão do governo Dilma Rousseff, que nos últimos 20 anos foi o que menos demarcou terras indígenas e não tem perspectivas de que isso mude. Recentemente diversos movimentos sociais populares, partidos e demais organizações comprometidas com a luta pelos direitos indígenas de viverem dignamente lançaram o documento Somos todos indígenas e estamos na luta pela CPI do Genocídio. A íntegra do documento pode ser acessada no site do Cimi. Hinamar Medeiros é agrônomo


INTERNACIONAL

9 Outubro de 2015

Governo do México protege traficantes e mata estudantes Florentino López Martínez, México FPR om profundo respeito e admiração, saúdo a incansável luta dos trabalhadores e do povo brasileiro que, em sua batalha diária, estão forjando um mundo sem opressão e exploração. Como internacionalista, é um dever expor ao mundo a situação do México, chamando a solidariedade para as lutas que estamos realizando. Com este objetivo, escrevo estas linhas que tentam expor a situação geral que ocorre em nosso país. O México avança acelePovo mexicano continua luta contra repressão política radamente para o precipício econômico. São vários os gramas sociais em 2016, sem co, em todos seus níveis, e o sinais que anunciam uma afetar os milionários salários alto grau de corrupção são nova crise: a desvalorização dos altos funcionários nos fatores, entre outros, que vêm do peso mexicano, que caiu diferentes níveis de governo, degradando todas instituiem 30% frente ao dólar, e, além do terrorismo fiscal para ções e provocam um grande como são muitos os produtos garantir, a todo custo, o paga- descrédito na população. O importados dos EUA, esta mento de impostos para a exército intervém abertamendesvalorização está provo- população em geral. Assim, te em execuções extrajudiciacando o aumento do preço os trabalhadores do setor is, e exemplo inequívoco dos produtos básicos; a priva- público sofrerão com as disto está na execução dos 22 tização da empresa de Petró- demissões, que já estão anun- jovens de Tlatlaya, Estado do leo Mexicana (Pemex), que ciadas, em particular, entre México, em junho de 2014; o está em marcha, e a queda dos petroleiros, enfermeiros, massacre das crianças na preços do petróleo em nível médicos, professores e outros incursão militar em Tanhuainternacional provocaram trabalhadores das instituições to, Michoacán, em 22 de uma diminuição drástica do do governo. Com isso, está maio de 2015; o desapareciingresso de capitais; o preço claro que a proposta do orça- mento forçado de 43 estudando óleo cru foi reduzido em mento público de 2016 terá tes normalistas do Estado de 25%, no último ano, e está como objetivo principal colo- Guerrero, no dia 26 de setemgerando um grande déficit no car todos os custos da crise bro de 2014; a fuga do chefe orçamento público. A dívida sobre a maioria da população do tráfico Guzmán, operada pública cresceu, nos últimos e beneficiar um reduzido desde o próprio sistema penidois anos, em 50%, e hoje grupo da oligarquia financei- tenciário; a revelação da menatinge metade do valor do ra formada por apenas 33 tira histórica que pretendeProduto Interno Bruto. O famílias mexicanas. ram montar sobre o desaparePIB, que estava previsto para A decomposição do cimento dos 43 estudantes, 4%, no início do ano, hoje se sistema político mexicano revelação realizada por um prevê em 2%. está em sua máxima expres- grupo independente de espeNeste cenário, a chama- são. A fusão das instituições cialistas, respaldados pela da política de austeridade, do Estado com o narcotráfi- CIDH, assim como a desasprevê grandes cortes nos pro-

C

trosa jornada eleitoral que organizou o Instituto Nacional Eleitoral; os escândalos de corrupção que foram evidenciados com a aquisição de luxuosas mansões por parte da família de Peña Nieto e de seu secretário da Fazenda, Luis Videgaray. Estas são apenas amostras de todo o grau de podridão em que se encontram as instituições do país. Para manter-se no poder, mesmo nestas condições, este setor da grande burguesia e seus partidos políticos vêm acelerando o endurecimento dos mecanismos de controle sobre o povo. Foram impostas reformas em diversas matérias, desde as relacionadas às telecomunicações, permitindo um duopólio televisivo, até a intervenção nas comunicações privadas. Nas leis penais reforçaram os castigos e os delitos de ordem política. Nos últimos anos reforçou-se o equipamento militar, o exército saiu dos quartéis e todo o território nacional está praticamente militarizado. Atualmente, 700 presos políticos são mantidos no país, entre eles 28 companheiros da Frente Popular Revolucionária (FPR), que são reféns do Estado. Há um franco processo de fascistização. Diante das medidas anticrise e a agressividade que cresce no Estado mexicano, os diversos setores inconformados saem às ruas a cada dia. As lutas mais representativas neste momento são várias, não seria possível mencio-

nar todas. A luta dos professores foi aguda nas últimas semanas. Em quase todos os estados do país, os professores saíram para enfrentar a reforma educativa (administrativo-laboral), transformando-se em uma barricada importante, encabeçada pela Coordenação Nacional dos Trabalhadores em Educação. A Assembleia Nacional Popular é outro importante polo de luta que, dirigida pelos pais dos 43 estudantes desaparecidos, mantiveram-se, nos últimos 11 meses, em uma mobilização permanente e tem influência em todo o país. Os temas fundamentais que estão na ordem do dia do movimento de massas mostram que é necessário romper com a dispersão e com as mobilizações espontâneas que são cotidianas, coordenar todas as formas de luta. Além disso, diante do crescimento da luta, todos veem que é urgente constituir um só movimento que aglutine toda a inconformidade e que trace um só plano de ação. Está sendo preparada ainda, para os dias 16, 17 e 18 de outubro, a 4ª Convenção Nacional Popular, a se realizar na Escola Normal Rural de Ayotzinapa, que terá a tarefa de traçar um só plano de ação para todo o país, para avançar na construção da Frente Única e da Greve Geral para os próximos meses. (Florentino López Martínez é presidente da Frente Popular Revolucionaria (FPR)

Os imigrantes e a crise do capitalismo O capitalismo, desde 2008, passa por uma das maiores crises de sua história. Aumento do desemprego no mundo, queda do nível de vida dos trabalhadores, inflação em taxas altas, diminuindo o acesso do povo a bens de consumo básicos, além da proliferação de guerras de rapina em várias partes do globo. Mas, nos últimos meses, um processo – natural em todas as crises do capitalismo – tem chocado o mundo como poucas vezes já aconteceu: a migração, em massa, de povos da África e do Oriente Médio para a Europa Ocidental. Hoje, o que vemos na Europa, e aqui no Brasil também, com os haitianos, chineses, africanos e bolivianos, é um processo que tem sua causa na crise do sistema capitalista-imperialista mundial. A guerra civil na Síria, que já matou mais de 300 mil pessoas, a intervenção imperialista nesse país, as ditaduras sanguinárias e intervenções militares apoiadas pelos países europeus na África são eventos que aprofundaram o problema, mas que, por si só, não justificam o processo migratório atual. Entender o porquê dessas guerras, ditaduras e crises políticas em cada um desses

países é fundamental. Não é à toa que os ideólogos burgueses vão atrás das mais diversas justificativas para explicar o quadro dramático que vemos no noticiário atual. A culpa ora é do ditador de plantão em determinado país, como nos querem fazer acreditar no caso da Síria, ora é da “incapacidade” desses povos de se autogovernarem, como fala abertamente a direita fascista europeia. Vemos o revezamento desses discursos a todo momento. No início do ano, com o crescimento ou a vitória eleitoral de vários partidos conservadores e de extremadireita na Europa Ocidental, o discurso era de que os imigrantes africanos ou do Oriente Médio eram incapazes de dirigir seus países e, por isso, procuravam ir para Europa para “roubar” o espaço no mercado de trabalho dos trabalhadores europeus. Após a divulgação na imprensa mundial da repressão aos imigrantes nas fronteiras dos países da União Europeia, em especial da foto da criança síria morta nas areias de uma praia na costa da Turquia, o discurso da burguesia mundial mudou completamente, e os canhões da mídia internacional viraram para os governos daque-

les mesmos países da onde vêm os refugiados. O caso mais emblemático é o sírio. Após a intensa repressão sofrida pelos imigrantes daquele país e as condições humilhantes que eles se submetiam para chegar à Europa, desencadeou-se em todo o mundo uma intensa campanha em defesa dos refugiados. Foram massivos atos políticos na França, Alemanha, Reino Unido, entre outros países. Em várias cidades os trabalhadores refugiados eram recebidos com festa e ajuda pelas populações locais, principalmente na Áustria e Alemanha. Tal situação forçou que governos conservadores da Europa, especialmente o da chanceler Angela Merkel, na Alemanha, recuassem em sua política de repressão e fechamento de fronteiras aos refugiados e adotassem uma política mais branda em relação aos imigrantes, permitindo sua entrada. De maneira oportunista, a mídia burguesa passou a colocar a culpa da crise humanitária que se gerou com o processo de migração no governo sírio. Tanto o presidente Bashar Al-Assad tem culpa no cartório, com sua política de repressão aos trabalhadores, como também os

“rebeldes”, principalmente o Estado Islâmico, com sua política fascista apoiada pelo imperialismo norte-americano e europeu, impondo ao povo sírio uma situação insustentável que, mesmo com a heroica resistência dos trabalhadores daquele país, representadas nas recentes vitórias militares do povo curdo sobre o Estado Islâmico, tem forçado cada vez mais pessoas a deixar o país e pedir asilo na Europa. Mas a guerra civil pela qual a Síria passa, assim como a Líbia e o Sudão, não surgiu do nada, de pura maldade dos governos desses países para com seu povo. Surgiu, sim, do interesse direto dos países imperialistas nos recursos humanos e naturais desses países, além da posição estratégica que ocupam na geopolítica mundial. A Síria, além de possuir extensas reservas de gás natural e uma posição estratégica, pois faz fronteira com Irã, Iraque e Israel, países importantes na política do Oriente Médio, representa também um dos principais aliados da Rússia na região. Para a União Europeia e os EUA, derrubar esse governo e colocar um governo aliado no lugar significa um duro golpe na política imperialista russa. Logo, a guerra na Síria é

apenas uma representação da disputa entre facções diferentes do imperialismo no mundo na busca da redistribuição dos mercados e de capitais como maneira de sair da crise em que se encontram. Não é à toa que os governos do Ocidente distribuem, aos montes, armas para os “rebeldes” sírios, e o governo russo mantém uma frota ao longo da costa daquele país, conselheiros militares e também um fornecimento de armas contínuo ao exército do governo de Bashar Al-Assad. Assim, a grande causa da crise humanitária em que se encontra a Europa, a maior em 70 anos, isto é, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, é consequência direta das guerras de rapina que o imperialismo vem impondo aos povos do mundo na disputa de territórios e mercados, principalmente após a crise econômica iniciada em 2008. Se quisermos, de fato, superar as crises que o capitalismo nos impõe, é fundamental fortalecer a organização revolucionária dos trabalhadores em cada país para lutar contra o nosso inimigo de classe, a burguesia e o imperialismo. Felipe Annunziata, UJR-RJ


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MULHER

Outubro de 2015

Mulheres das Américas se unem por direitos na República Dominicana Vivian Mendes e Raphaela Lopes

A Verdade

Mulheres de 13 países aprovaram jornada unitária de luta

D

e 25 a 27 de setembro, cerca de 500 mulheres, de 13 países, reuniramse no 1° Encontro de Mulheres Caribenho e Latino-americano. O evento aconteceu na República Dominicana, país onde viveram, lutaram e foram martirizadas as irmãs Mirabal. Uma delegação de 29 brasileiras, de nove estados, coordenadas pelo Movimento de Mulheres Olga Benario, participou do evento. Uma programação especial foi realizada antes mesmo do início do encontro, acolhendo as delegações que chegavam e fortalecendo a unidade de nossas lutas. No dia 23, as companheiras participaram do seminário Violência de gênero a partir da perspectiva dos meios de comunicação. A mesa de debates teve a participação de representantes da República Dominicana, Argentina, Colômbia, Chile, Turquia e Brasil. Todos os países relataram que nas coberturas midiáticas a vítima e sua voz são ignoradas; o destaque das matérias é para o violador, os fatos são apresentados a partir das visões masculinas, e os casos são tratados como crimes passionais, e não como uma violência de gênero e mesmo feminicídio. A forma sensacionalista como se apresenta a violência contra as mulheres nos veícu-

“São flores, são armas Mulheres em ação Unidas na luta pela revolução!”

los de comunicação de massa foi apresentada como questão chave. As mídias cumprem o papel de vetor social da ideologia dominante, legitimando e reproduzindo a violência de gênero. No dia 24, as delegações internacionais conheceram Salcedo, capital da província Hermanas Mirabal. Iniciadas as atividades com um ato político em frente à prefeitura da cidade, as companheiras conheceram o museu que originalmente era a casa dessas mártires da luta pela libertação das mulheres e da classe trabalhadora. Emocionadas, as companheiras tiveram a oportunidade de conhecer a filha de Minerva, de mesmo nome, que falou sobre a importância e a continuidade da luta de seu pais. Denúncia da violência contra a mulher A programação do encontro começou no dia 25, com uma marcha em Santo Domingo, capital da República Dominicana. A concentração da marcha aconteceu na praça que homenageia María Trinidad Sánchez, lutadora pela independência do país, fuzilada em 1845 por se recusar a entregar qualquer informação sobre seus companheiros. A marcha se encerrou em frente ao Palácio do Governo, onde foi realizado um ato político denunci-

ando o descaso com as políticas públicas populares no país. O Olga Benario foi um dos movimentos escolhidos para apresentar uma intervenção nesse momento. Na tarde desse dia, o evento começou, oficialmente, com os informes dos países sobre a conjuntura e as situações de opressão e também de organização e luta das mulheres. Muitos foram os pontos comuns apresentados nos informes no que tange às violações de direitos das mulheres. A larga disparidade salarial entre homens e mulheres, a feminização da pobreza, barreiras para a participação política, acúmulo de jornadas de trabalho e escalada de todas as formas de violência são fenômenos presentes em todos os países. Os alarmantes números de mulheres violentamente assassinadas no México, onde morrem seis a cada dia, e no Brasil, onde são 15, são exemplos do reflexo mais claro da violência desferida contra as mulheres pelo sistema capitalista e sua estrutura patriarcal. É importante ressaltar o fato de que a privação da educação dificulta o acesso das mulheres à cultura e também à qualificação profissional, contribuindo para que sua inserção no mercado de trabalho se dê por postos mais precarizados e mal pagos, reforçando a fragilização e a manutenção das mulheres economicamente reféns de relações abusivas. No Haiti, por exemplo, a nação mais pobre das Américas, os dados sobre o acesso das mulheres à educação são impactantes. Com 90% de todo seu sistema educacional privado, o país tem 75% da população feminina analfabeta. Não por coincidência, a violência domiciliar está presente em mais de 60% das famílias, conformando-se como fenômeno cultural profundamente

enraizado naquele país. Na Colômbia, as mulheres têm vivenciado o que chamam de “sequestro express” por parte de grupos paramilitares e narcotraficantes. Tomadas de suas famílias, elas são violentadas e agredidas durante dias e depois devolvidas às suas comunidades, muitas vezes grávidas de seus agressores. No México o número de mulheres e jovens desaparecidos devido à guerra entre narcotraficantes, governo e grupos de extermínio tem crescido assustadoramente no último período. Estima-se que quase 30 mil mexicanos estejam desaparecidos sem vestígios, como o grupo de 43 estudantes secundaristas que desapareceram há cerca de um ano e jamais foram encontrados. Na Argentina, as mulheres empreendem dura luta contra as medidas de austeridade, que incidem diretamente nos direitos sociais das mulheres, que também ocupam a maior parte das vagas precarizadas, e ainda travam a luta pelos desaparecidos e desaparecidas no período da ditadura militar. No Equador, a situação não é diferente. A população conta com 52,2% de mulheres, sendo 11,4% destas analfabetas. No que se refere ao acesso ao mercado de trabalho, percebe-se naquele país profunda dificuldade e discriminação para o ingresso feminino que, bem como em outros países, ocupa a imensa maioria dos postos precarizados e são as que desempenham a função de empregadas domésticas. Outra grande luta encabeçada pelas mulheres é a da garantia do pleno exercício de seus direitos políticos, profundamente atacados no governo de Rafael Correa, que persegue e encarcera as lideranças populares e feministas classistas do país. A Turquia enviou para o

encontro uma observadora que também teve oportunidade de apresentar a situação em seu país. As mulheres turcas têm enfrentado uma luta pela garantia de direitos civis e políticos, luta encarniçada contra o governo pela garantia do direito ao aborto, hoje ilegal em qualquer circunstância no país. Após os informes e denúncias de todas as delegações presentes durante todo o evento, concluímos que são profundas e similares as formas de exploração, violação de direitos e violência contra as mulheres. Em todos os países, o sistema capitalista, com sua estrutura patriarcal, utiliza-se de todos os instrumentos necessários para oprimir, dividir e exterminar as mulheres trabalhadoras. O aparato estatal, a religião, a mídia, o mercado de trabalho, as guerras e conflitos sempre incidem de maneira desumana, sobretudo para as mulheres das classes oprimidas. Há uma ameaça constante sobre as negras, as indígenas, as mais pobres e as assalariadas. O encontro aprovou, por aclamação, uma resolução final em que se destaca a solidariedade à luta dos povos, o repúdio às guerras imperialistas, que criam cada dia mais imigrantes e refugiados e, consequentemente, miséria e mortes. A necessidade da unidade internacional e de lutas conjuntas no 8 de Março, 1º de Maio e 25 de Novembro e da luta anti-imperialista e socialista também constam da resolução. O encontro se encerrou com muita energia revolucionária e exaltando o exemplo de luta das irmãs Mirabal. Por fim, aprovou-se que o próximo encontro será realizado em 2018, no Equador.

Resolução do 1º Encontro de Mulheres Caribenho e Latino-americano (Santo Domingo) Na República Dominicana, berço das irmãs Mirabal, terra generosa por sua natureza maravilhosa e o calor de sua gente, mulheres da Argentina, Brasil, Colômbia, Chile, República Dominicana, Equador, El Salvador, Haiti, México, Paraguai, Peru, Porto Rico e Venezuela se reuniram motivadas pelo lema “As mulheres da América Latina e do Caribe presentes na luta pela nossa emancipação, junto a nossos povos pela libertação”. Com enorme entusiasmo, operárias, camponesas, estudantes, docentes, profissionais, intelectuais, artistas, desempregadas, empregadas domésticas, donas de casa, aposentadas, trabalhadoras autônomas, indígenas e negras, chegamos aqui financiadas por meio de distintas atividades desenvolvidas em cada país, evidenciando que as mulheres populares são capazes de realizar grandes coisas sem recorrer ao

financiamento de ONGs ou cooperações dos países imperialistas. As mulheres da América Latina e do Caribe, desde a luta pela independência do colonialismo, participam ativamente na construção histórica de nossos povos, e em todas as atividades desenvolvidas esteve mais claro que nunca os exemplos de Micaela Bastidas, Juana Azurduy, Manuela Sáenz, María Trindade Sánchez e das milhares de lutadoras anônimas a quem honramos com a convocatória. Continuamos os passos de mulheres revolucionárias como Clara Zetkin, Rosa Luxemburgo, as mártires da fábrica de algodão nos EUA, em cuja homenagem se estabeleceu o 8 de Março como Dia Mundial da Mulher. Também rendemos nossa homenagem e seguiremos o exemplo de mártires como Olga Benario, Lolita Lebrón, Azucena Villaflor,

Rosita Paredes. Nossos países estão irmanados por uma história em comum, com características sociais, econômicas e linguísticas similares, pela luta anticolonial e anti-imperialista e contra a opressão dos setores dominantes locais, na busca de um futuro de mudanças profundas que nos levem à emancipação e definitiva independência das mulheres junto a nossos povos. As mulheres são as mais afetadas por este sistema injusto e repressivo. Lutamos contra a dupla exploração e opressão, contra a violência de gênero, contra a discriminação étnico-cultural e etária; por educação sexual e reprodutiva para conhecer e decidir, anticoncepcionais para não engravidar e aborto legal para não morrer; para acabar com as redes transnacionais de tráfico que escravizam as mulheres, meninas e meninos na prostitui-

ção e no narcotráfico, redes que existem com a cumplicidade dos Estados capitalistas e patriarcais subordinados aos intuitos imperialistas; pelo direito ao trabalho, contra todo tipo de abusos no âmbito do trabalho, por salário igual para trabalho igual; pela segurança alimentar, por educação de qualidade e erradicação do analfabetismo feminino, saúde pública e de qualidade; contra todo tipo de discriminação, contra o racismo e a xenofobia, pelo reconhecimento das etnias e povos originários; pelo direito das mulheres e das trabalhadoras do campo a terra e a garantias para sua atividade produtiva. Em todo o Encontro, nas oficinas e plenárias, as mulheres expressaram seu repúdio a todas as formas de violência existentes em seus respectivos países e a troca de experiências constituiu o fator principal para estabelecer acordos e

resoluções que animarão a luta das mulheres pela conquista de sua emancipação e pela definitiva independência de nossos países. Rechaçamos firmemente as guerras de intervenção imperialista, que são a causa da migração, aumento maciço de refugiados e a constituição de um exército de seres humanos sem teto e sem trabalho, sendo a causa do sofrimento de milhões de mulheres e suas famílias. Ao finalizar este bemsucedido Encontro, comprometemo-nos a fortalecer os laços de unidade, amizade e solidariedade das mulheres trabalhadoras e dos distintos setores populares e a impulsionar jornadas continentais unitárias, além da solidariedade aos lutadoras e lutadores sociais que enfrentam julgamentos por fazer uso de seu legítimo direito à resistência.


MUNDO

11 Outubro de 2015

Che e a luta pela libertação dos povos da África Matheus Nascimento, Belém esde 2011, há uma “crise migratória” em nível mundial, na qual centenas de milhares de pessoas saem da África e Oriente Médio em direção à Europa Centro-Ocidental. Tal situação é proveniente, principalmente, das bárbaras guerras civis financiadas por agências de segurança das principais potências imperialistas (CIA, Mossad e DGSE), que têm organizado milícias fundamentalistas em vários países, em especial o Boko Haram, na Nigéria, e o AlNusra, na Síria. Essa realidade, porém, é a continuação de um longo processo histórico de exploração e opressão dos povos afroasiáticos pelo imperialismo europeu, que, em 1885, com uma régua e um mapa, dividiu o território africano em fronteiras artificiais, separando povos que habitavam há milênios as várias regiões do continente, com o intuito de roubar ao máximo as riquezas e explorar os povos. Nesse contexto, durante décadas, o imperialismo impôs seus interesses, mesmo recebendo forte resistência de vários povos que não aceitaram dobrar seus joelhos diante do invasor. Um dos focos de resistência pela libertação da África se deu no Congo (excolônia belga) durante a década de 1960 e teve a participação de Ernesto Che Guevara, que, junto a outros companheiros cubanos, levou aos congoleses a experiência da triunfante Revolução Cubana, cumprindo um papel que os

D

A Verdade

comunistas revolucionários devem ter enquanto internacionalistas proletários. A ida de Che ao Congo data de 24 de abril de 1965, deixando seu cargo de ministro de Estado em Cuba. Os cubanos que o seguiram tinham entre 21 e 23 anos, e, chegando lá, sentiram de cara a exploração e o sofrimento por que passavam os trabalhadores congoleses. Sua independência havia sido declarada, a ferro e fogo, em 1960, depois de quase 20 anos de resistência popular liderada por Patrice Lumumba, que se tornou primeiro-ministro do país. Em 1961, Lumumba é assassinado a mando das corporações inglesas e belgas que continuavam a explorar as riquezas minerais do país, em especial ouro, cobre, cobalto e diamante. O medo dos imperialistas se dava pelas investidas do primeiroministro em tornar o Congo realmente independente, nacionalizando suas riquezas naturais. Nesse cenário, Londres e Bruxelas armam um exército de mercenários e impõem o terror no enorme país centroafricano. Che Guevara se incorpora à resistência popular e vai às selvas equatoriais do Congo lutar contra o sanguinário ditador Joseph Désiré Mobutu, patrocinado pelos EUA e França, que, em 1965, assume o comando do Congo promovendo um verdadeiro genocídio contra milhares de partidários de Lumumba. Chegando lá, Che Gue-

vara fica sob o comando dos guerrilheiros congoleses, porém tenta contribuir ao máximo com a unificação das várias tribos que lutavam contra a ditadura. Essa não era uma tarefa fácil, haja vista as separações, deportações e extermínios de várias tribos promovidas pela elite colonial belga, além da diferença de línguas e passado histórico. Che, porém, permanece no Congo durante o ano de 1965, junto aos cubanos, e trava grandes batalhas contra mercenários belgas contratados pelas mineradoras e responsáveis por vários massacres. Enquanto Che estava no Congo, a CIA não tinha noção de sua localização, fruto de uma profunda disciplina partidária, na qual as comunicações eram estreitamente filtradas para evitar sua interceptação pelo inimigo, além do espírito rebelde e combativo que fez com que nenhum membro da coluna desertasse e traísse seus companheiros. Em 1966, as investidas de Mobutu contra as tribos opositoras continuaram cruéis, e seu anticomunismo o faz permanecer no poder, mesmo com as denúncias feitas na Organização das Nações Unidas (ONU), por conta do apoio de EUA e França. Diante desse cenário de intensa repressão, e pelas dificuldades subjetivas de organizar as massas para o enfrentamento contra o regime ditatorial, Che deixa o Congo junto a seus camaradas, porém não abandona a luta, pois, algum tempo depois, a coluna de

Comandante Che Guevara no Congo, em 1965

guerrilheiros reaparece na Bolívia para a continuidade da libertação dos povos da exploração imperialista. Passados 50 anos da ida de Che ao Congo, a realidade do povo não mudou muito. Tivesse o movimento guerrilheiro e as ideias de Lumumba triunfado, hoje o Congo não se encontraria num cenário de catástrofe humanitária, com mais de um milhão de mortos durante a ditadura de Mobutu, que durou até 1997, tal qual várias ex-colônias europeias. Mudaram-se governantes, mas o sistema capitalista permaneceu, junto a todas as suas consequências malditas, como a fome e as guerras. Este é o retrato de uma África na qual os povos não têm voz. As migrações em massa de populações de países como Senegal, Nigéria, Somália, Costa do Marfim, Burkina Faso, Mali, entre outros, mostram o fracasso do sistema capitalis-

ta, que tenta enganar o povo pedindo alimentos, por meio de empresas, para serem levados à África, como se mais da metade da produção alimentícia mundial não fosse descartada propositalmente para manter os preços elevados. A situação demonstra o total fracasso do capitalismo, e, tal qual Che fez no Congo, a única saída é a luta do povo para expulsar de uma vez por todas os poderosos que se apropriam de suas riquezas e defender o internacionalismo proletário como a mais poderosa arma de solidariedade dos povos do mundo, pois, como nos disse o guerrilheiro heroico, “em todos os países onde a opressão chega a níveis insustentáveis, deve-se erguer a bandeira da rebelião”. (Matheus Nascimento, estudante de Psicologia da UFPA e militante do PCR)

Povo impede golpe militar em Burkina Faso Nos últimos dias, Burkina Faso (Alto Volta), país situado no oeste africano, tem sido protagonista de grandes lutas dos povos pela sua libertação do jugo do imperialismo capitalista. Burkina Faso vive um período revolucionário desde outubro de 2014, quando os movimentos populares depuseram Blaise Compaoré, ex-ditador que assumiu o país por 27 anos. As eleições já estavam marcadas para o dia 11 de outubro, organizadas pelo Conselho Nacional de Transição (CNT), estabelecido pósqueda do ex-ditador e que não foi respeitada por uma fração do exército fascista e neocolonial, que, no dia 17 de setembro deste ano, sequestrou o presidente provisório, Michel

CULTURA

Kafando, e seu primeiroministro, Isaac Zida. O líder que dirigiu este golpe, Gilbert Diendéré, foi chefe do Estado Maior da Guarda Presidencial de Compaoré, acusado de assassinar o revolucionário Thomas Sankara em 1987, e atualmente faz parte do Regimento de Segurança Presidencial (RSP), uma espécie de guarda pretoriana de Compaoré, exilado na Costa do Marfim. Com o golpe, Diendéré criou o Conselho Nacional da Democracia (CND) e indicou seus membros. Estrategicamente, o RSP organiza redes militares e econômicas na Costa do Marfim, utilizadas como uma base de retaguarda para desestabilizar a transição conduzida pelo CNT.

Divulgação

O Comitê Central do Partido Comunista Revolucionário Voltaico (PCRV) proclamou: “As pessoas devem denunciar e combater o golpismo e todos os instigadores reacionários da guerra civil dentro e fora e se opor a qualquer intervenção militar estrangeira em nosso país”, e ainda conclamou as “Forças de Defesa e Segurança, especialmente os oficiais, sargentos e praças, patriotas, democratas e revolucionários a não usarem as armas do povo contra ele”. Em nota divulgada em 19 de setembro, a Unidade de Ação Sindical, coalizão de diversos sindicatos e movimentos de Burkina Faso, repudiou o golpe militar e convocou os trabalhadores para uma

greve geral nos dias 30 e 31 de outubro, além de exigir a libertação do presidente provisório e do primeiro-ministro. Outro grande protagonista destas lutas foi a combativa União Geral Estudantil de Burkina Fasso (Ugeb), que deu direção e organizou os estudantes em todos os cantos do país, em auxílio à classe trabalhadora burquinense. Em inúmeras cidades do país e na capital Ugadugu, o povo foi às ruas, organizou barricadas e se preparou para um enfrentamento aberto com as forças da repressão. Não durou muito tempo. O povo, mais uma vez, mostrou que, com sua organização, derrotará qualquer besta fascista que se intrometer no

caminho de suas vidas. Gilbert Diendéré e a Guarda de Elite do Exército saíram humilhados. Renderam-se no dia 29 de setembro. Tiveram de entregar a base de Naaba Koom II e “ceder os postos de segurança”, além de entregar as armas. Um exemplo vivo da determinação dos burquinenses são as inúmeras barricadas feitas em todos os cantos, becos, vielas, na cidade e no campo, que ainda persistem. Não bastou a liberação dos presos políticos e a devolução do cargo de presidente em transição a Michel Kafando: os movimentos sociais seguem organizados no país e em luta. Matheus Portela, UJR-RS

Sacco e Vanzetti começa temporada no Rio

Com direção de Luiz Fernando Lobo e cenário de J.C. Serroni, o espetáculo Sacco e Vanzetti voltou aos palcos do Rio de Janeiro para sua terceira temporada (de 03/10 a 15/11, no Armazém da Utopia). A peça narra a história de dois trabalhadores italianos que saíram da sua terra natal, nos anos 1920, em busca de Peça Sacco e Vanzetti, da Ensaio Aberto, oportunidades e conforto, mas acabam em cartaz no Armazém Utopia sendo condenados injustamente à morte

nos Estados Unidos, no episódio que ficou conhecido como “O julgamento do século” e que é lembrado até hoje como símbolo da luta por direitos humanos e trabalhistas. Entre os vários temas abordados na montagem, está o da criminalização da luta contra a exploração capitalista. Sacco e Vanzetti eram anarquistas e, por isso, foram condenados. O espetáculo estreou em 2014 e é o vigésimo primeiro da Companhia Ensaio

Aberto. Foi indicado ao prêmio Shell de Melhor Trilha e ao prêmio Questão de Crítica pela cenografia. Em 2015, representou o Brasil no maior evento dedicado à arte da cenografia do mundo, a Quadrienal de Praga. A Companhia Ensaio Aberto, segundo o diretor Luiz Fernando Lobo, tem um trabalho “assumidamente marxista” e se referencia no teatro proletário de Bertolt Brecht. Redação Rio


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HISTÓRIA DO POVO BRASILEIRO

Outubro de 2015

Antonio Augusto de Almeida

Fatos e efeitos da Ditadura no Estado da Paraíba José Levino

F

alar da Ditadura Militar que se abateu sobre o Brasil, de 1964 a 1985, é sempre importante. Como disse dom Paulo Evaristo Arns, ao lançar a obra Tortura – Nunca Mais, para que não se esqueça, para que não mais aconteça. Especialmente nesta conjuntura, porque, ante a crise econômica e política instalada no país, setores das classes dominantes voltam a levantar a bandeira da ditadura como saída para os problemas, quando a história prova e comprova que, ao contrário, esse famigerado regime apenas os agrava, deixando rastros de sangue e dor pela eternidade. Todo o povo brasileiro foi atingido pela opressão ditatorial. Neste artigo, mostrarei seus efeitos no Estado da Paraíba, motivado pela leitura da obra de Gilvan de Brito, jornalista, advogado e dramaturgo pessoense, lançada em 2014, com o título A Ditadura na Paraíba (Editora Patmos, 2014). Acrescentarei também um ou outro fato não relatado pelo autor. A esquerda também tinha grandes oradores Carlos Lacerda era o grande agitador da direita no Brasil. Com grande poder oratório, deu importante contribuição para levantar a chamada opinião pública contra os governos de Getúlio Vargas e de João Goulart. Foi governador do Rio de Janeiro e aspirava à Presidência da República. Com a implantação das Reformas de Base, jamais conseguiria. Muito provavelmente, Jango seria sucedido por Leonel Brizola, liderança popular, organizador do Movimento em Defesa da Legalidade, quando houve a tentativa de golpe para impedir a posse de João Goulart, vice do presidente renunciante, Jânio Quadros. Brizola era também um excelente orador, mas foi outro portador do dom da palavra que ocupou os microfones da rádio Mayrink Veiga para exortar o povo brasileiro a resistir ao golpe que se desenhava nos últimos dias de março de 1964: o paraibano Abelardo de Araújo Jurema (1914-1999), natural de Itabaiana (PB), advogado, jornalista, escritor e político. Licenciou-se do seu mandato de deputado federal para assumir o cargo de ministro da Justiça de Jango. Tomou medidas importantes, sendo a principal delas a criação do Comissariado de Defesa da Economia Popular, responsável pelo controle dos preços e fiscalização do congelamento dos aluguéis. Com a queda do governo, Abelardo retornou ao parlamento. Teve o mandato cassado, partiu para o exílio e só retornou ao país com a Anistia, em 1979.

A vacilação de Pedro Acossado pela repressão romano-judaica, o apóstolo Pedro, escolhido por Jesus de Nazaré para seu sucessor na Missão de transformar a sociedade, negou por três vezes que conhecia o Mestre. Mas não recuou da tarefa recebida e, por seu exercício, acabou sendo crucificado na sede do Império, onde fora levar a mensagem de construção de um reino contrário ao dos opressores. Governava a Paraíba por ocasião do golpe o senhor Pedro Moreno Gondim (1914-2005), aliado de Jango. Defensor do Movimento pelas Reformas de Base, dialogava com as Ligas Camponesas. Diferente de Miguel Arraes, em Pernambuco, que se manteve firme na condenação ao golpe, sendo preso e deportado, Pedro Gondim derrapou. Logo após a fuga de Jango e a declaração de vacância do cargo de presidente, o então governador da Paraíba divulgou nota lida na Rádio Tabajara, na qual anunciava sua mudança de posição, dizendo que “...O Movimento que eclodiu nestas últimas horas em Minas Gerais é uma tentativa de recolocar o país no suporte de sua estrutura legal, propiciando clima de tranquilidade – indispensável ao processo desenvolvimentista que vivemos. O pensamento político de Minas Gerais, hoje, como em 1930, identifica-se com a vocação histórica do povo paraibano que deseja, neste episódio, sobretudo, o cumprimento das liberdades públicas, consubstanciadas na defesa intransigente do regime democrático”. Entidades patronais, lideranças empresariais e políticas publicaram notas de apoio ao governador no jornal oficial do Estado – A União. Apesar da virada de casaca, inclusive usando o nome do povo em vão, foi mantido no cargo, mas teve os direitos políticos cassados em 1966. Os poderes do Estado da Paraíba eram exercidos, na época, por Pedro Gondim (Executivo), Clóvis Bezerra (Presidência da Assembleia) e Francisco Espínola (Judiciário). Todos capitularam. Não foi só a nota. Pedro Gondim procurou mostrar serviço aos golpistas, constituindo comissão para apurar responsabilidades de servidores públicos estaduais e municipais que “tenham atentado contra a segurança do país e ao regime democrático” (Decreto-Lei 3.540/64). Foi uma verdadeira caça às bruxas. Prisões, torturas, assassinatos Imediatamente, começaram as prisões na Paraíba, como em todo o território nacional. Na primeira semana após o golpe, já se contabilizava a prisão de 172 agricul-

tores ligados às Ligas Camponesas, incluída toda a liderança das Ligas (Assis Lemos, Elizabeth Teixeira e demais). Foram detidos no 15º Regimento de Infantaria e 1º Grupamento de Engenharia, onde eram submetidos a tortura física e mental. No dia 7 de setembro de 1964, os destacados líderes camponeses Pedro Inácio de Araújo (Pedro Fazendeiro) e João Alfredo Dias (Nego Fuba) foram soltos para, em seguida, serem assinados. Seus corpos nunca foram encontrados. São os primeiros desaparecidos políticos do regime militar. Eles pertenciam à Liga Camponesa de Sapé, que já tivera seu grande líder e fundador, João Pedro Teixeira, assassinado em 2 abril de 1962 a mando dos latifundiários da região. Centenas de vítimas A Paraíba esteve presente na resistência à ditadura, tanto nas artes (Geraldo Vandré, Paulo Pontes, Gilvan de Brito e tantos outros), como na luta política, tendo vários filhos presos, torturados, exilados, mortos. A título de exemplo, podemos citar o geólogo Ezequias Bezerra da Rocha (PCBR), assassinado nos porões do DOI-Codi (PE), em 1972, cujo corpo foi lançado nos canaviais de Escada e encontrado por acaso. A morte sob tortura foi confirmada por laudo do IML. Outro caso emblemático é o do estudante João Roberto Borges de Souza, natural de Cabedelo (PB). Ele presidiu o Diretório Acadêmico de Medicina da UFPB e foi vicepresidente da União Estadual dos Estudantes da Paraíba. Militava na Ação Popular (AP), quando de sua primeira prisão, em 1968, no Congresso da UNE, em Ibiúna (SP), e, posteriormente, ligou-se ao PCB. Na terceira prisão, em Recife, permaneceu no Dops por três meses, no primeiro semestre de 1969, sendo torturado, mas foi liberado. Voltando para sua cidade natal, foi preso novamente ao sair de casa por integrantes do CCC e do Cenimar, às vistas de familiares e vizinhos. Três dias depois, em 10 de outubro de 1969, foi noticiada a sua morte, segundo a versão oficial, “em consequência de afogamento no açude Olho D'Agua”, no Município de Catolé do Rocha, Sertão da Paraíba. Seu rosto estava desfigurado por inúmeros ferimentos – hematomas, queimaduras por cigarros e unhas perfuradas. Hoje, João Roberto dá nome ao Centro de Atenção à Saúde do Estudante, na UFPB, ao auditório da Reitora da UFCG (antigo campus II da UFPB) e a uma escola pública no maior bairro da capital paraibana. Entre os 70 revolucioná-

Passeata das Ligas Camponesas de Sapé, na Paraíba

rios libertados com o sequestro do embaixador suíço Giovani Enrico Bucher, estava um paraibano, Pedro Alves Filho (MR-8), natural de Campina Grande. E o caso internacionalmente conhecido de Edival Nunes da Silva Cajá (dirigente do PCR), sequestrado já na fase da chamada “abertura” (1979) pela Polícia Federal, em que foi torturado física e psicologicamente, mas salvo pela mobilização internacional da Igreja Católica, por iniciativa de dom Helder Câmara, e pelas manifestações de rua e greves estudantis em Pernambuco. Cajá é natural de Bonito de Santa Fé (PB) e fora seminarista em Cajazeiras, depois aluno do Colégio Estadual, até mudar-se para o Recife, em 1972. Na sua obra, Gilvan de Brito relaciona centenas de vítimas da ditadura militar na Paraíba, bem como de dezenas de torturadores. A Linha Dura e a abertura lenta No final dos anos 1970, a Ditadura Militar não tinha mais sustentação. A fase de crescimento, o chamado “milagre econômico”, que embasava seu apoio ou aceitação pelo povo, terminava. Anunciava-se nova crise do capitalismo internacional e começaria a cobrança da dívida externa, que levaria o Brasil ao FMI no início dos anos 1980. Para livrar-se do julgamento e punição por seus crimes, os estrategistas do regime, à frente o general Golbery do Couto e Silva, traçaram uma estratégia de “abertura lenta, gradual e segura”, que se concretizaria com a dúbia lei de anistia, que dá margem à interpretação de que os dois lados foram perdoados. Mas este processo não foi consenso e deu trabalho para o Alto Comando controlar os setores subordinados, comandados pelo general Sílvio Frota. Logo que o general Geisel anunciou este processo, estes setores se lançaram a cometer atentados terroristas para atribuí-los à esquerda e impedir a “democratização” anunciada. A bomba do Apolo XI Dom Zacarias Rolim de Moura era um bispo da ala conservadora da Igreja Católica, mas era bastante diplomático. Amava o cinema. Como era também um excelente administrador, ligou o

útil ao agradável, instalando dois cinemas em Cajazeiras: o Apolo XI, que ficava no mesmo prédio da Rádio Alto Piranhas, também da Diocese, e o Pax, que se situava na Praça do Espinho. Deslocavase, ele próprio, ao Recife para locar os filmes que exibiria. Tinha uma cadeira cativa no Apolo XI, onde sempre assistia à estreia dos filmes. No dia 2 de julho de 1975, dom Zacarias, por acaso, não foi para a sessão de um faroeste, o qual não agradou muito a plateia, que saiu antes do seu término. Exatamente na cadeira em que costumava ficar o bispo, os funcionários viram uma bolsa, que imaginaram ter sido esquecida por algum frequentador. Apanharam e abriram para ver se identificavam o dono, quando a cidade é sacudida por uma forte explosão. O resultado, que poderia ter sido mais trágico, se os espectadores ainda estivessem presentes, foi a morte de dois funcionários e ferimentos em outros dois, além dos estragos materiais. O caso ficou inconcluso. É claro que não interessava aos órgãos de segurança identificar seus verdadeiros autores. Não conseguiram incriminar ninguém de esquerda, que certamente era o objetivo, especialmente se tivesse atingido dom Zacarias, bispo da ala conservadora, que nunca fizera a menor crítica à ditadura. É tanto que os documentos do processo instaurado desapareceram. A imprensa tentou localizá-los em várias ocasiões. Nunca conseguiu. A Comissão Estadual da Verdade da Paraíba encontrou relatório referente ao assunto no Arquivo Nacional em Brasília. Seu conteúdo ainda não veio a público. A luta continua A linha dura perdeu a batalha. Veio a redemocratização, mas o sistema em nada mudou. Em crise, setores das classes dominantes voltam a falar em ditadura, em alguns casos chegando a ir às ruas, e seus elementos mais assanhados promovem agressões contra militantes de esquerda. Mas a história não para, e, como diz Gonzaguinha: Apesar de tudo estamos vivos Pro que der e vier prosseguir Com a alma cheia de esperanças Enfrentando a herança que taí

(José Levino é historiador)


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