Jornal A Verdade N° 167

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ELES DERAM SUAS VIDAS PELA LIBERDADE NO BRASIL

MANOEL LISBOA

MANOEL ALEIXO

AMARO LUIZ

AMARO FÉLIX

ELES MERECEM JUSTIÇA! PELO DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE

EMMANUEL BEZERRA

Um jornal dos trabalhadores na luta pelo socialismo

Partido Comunista Revolucionário

Brasil, novembro de 2014 - Ano 14 - Nº 167

www.averdade.org.br

R$ 2,00

Racismo favorece patrão e prejudica trabalhador ATS

20 de novembro é o Dia da Consciência Negra. Dia para homenagear Zumbi dos Palmares e lembrar que os negros eram filhos do deserto, onde viviam em campo aberto. Simples, fortes, bravos. Elas nasceram crianças lindas, viveram moças gentis. Eles e elas foram aprisionados, acorrentados, trazidos em navios infectos, presos na mesma corrente, nas roscas da escravidão. Aqui construíram toda a riqueza que foi levada para fortalecer a burguesia europeia e seus associados em nosso país – os capitalistas, os latifundiários. Abolida a escravidão, foram jogados ao léu nos mangues, nos morros, nos mocambos e nas favelas. Ainda hoje são discriminados, humilhados, desprezados. É infâmia demais, e covardia! Mas não é uma simples questão de cor, e sim, uma questão de classe. Porém, engana-se quem pensa que somente os trabalhadores negros são prejudicados com o racismo. Quanto mais baixos forem os salários dos trabalhadores negros, mais baixo será também o salário do trabalhador branco ou amarelo. Por isso, dia 20 é dia de todos os trabalhadores se unirem para lutar contra os que promovem o racismo e exploram a classe operária. Página 3 Greve dos Garis: trabalhadores negros e brancos unidos contra os patrões

Taiguara Vive! Kuarup

Capa novo CD de Taiguara

A Verdade entrevistou Janes Rocha, escritora e jornalista carioca, autora do livro “Os Outubros de Taiguara”, livroreportagem sobre a vida de Taiguara, um dos mais importantes cantores e compositores do Brasil, autor dos versos “Fiz Capital, te explorando/Fiz o mal, nos separando/ E hoje aqui estou derrotado/Um ladrão desalmado/Que acabou chorando” (Mais-Valias). Página 11

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Golpe de 1964 impediu as Reformas de Base Para impedir as reformas de base, a grande burguesia nacional e os latifundiários, apoiados pela CIA e pelos EUA, promoveram o mais violento golpe militar fascista da história do Brasil. Reforma Agrária, Urbana, Educacional e Fiscal eram os principais projetos. Este último pretendia taxar as grandes fortunas, controlar as remessas de lucros das multinacionais para o exterior e impedir a sangria de nossas riquezas para os países imperialistas. Página 12

O Massacre dos estudantes mexicanos 43 estudantes da província de Ayotzinapa estão desparecidos. Prefeito e governador ligados ao narcotráfico são apontados como responsáveis. Página 9

O que fazer depois das eleições? Assédio moral e falta de condições mínimas de trabalho são uma marca na Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (Cagepa). Página 2

Artigo de Lula Falcão analisa as eleições de 2014 e as tarefas dos comunistas revolucionários. Páginas 4 e 5


2 Novembro de 2014

BRASIL

FRASE DO MÊS “Quem andou em Fortaleza no dia das eleições viu nas ruas mais de um milhão de camisas amarelas (cor do candidato Camilo Santana) sendo distribuídas com dinheiro dentro, algo em torno de R$ 70.” Senador Eunício Oliveira (PMDB), candidato derrotado ao governo do Ceará por Camilo Santana (PT), apoiado pelo atual governador Cid Gomes (Pros)

Trabalhadores da Cagepa sofrem com assédio moral Rafael Freire, João Pessoa

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Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (Cagepa) é a empresa pública responsável pelo abastecimento d'água e pelo saneamento básico em 198 dos 223 municípios do Estado. Justamente por se tratar de uma empresa estratégica, por se tratar de um órgão que arrecada milhões anualmente (em 2013, o lucro bruto da Companhia foi de R$ 215,5 milhões; 19% a mais que em 2012) por meio do pagamento das contas e taxas dos milhões de consumidores (residenciais, comerciais, industriais, etc.), é que este patrimônio público é alvo permanente da sede do capital, que busca das mais variadas formas a sua privatização. Há anos, a Cagepa é fruto de um processo de desmonte e sucateamento. Existe um plano para desmoralizar a empresa, construindo uma imagem pública de que ela é ineficiente, custosa, deficitária, com o claro propósito de justificar sua entrega à iniciativa privada, a algum grande grupo capitalista com atuação no setor. Faltam as condições básicas para o trabalho Com o sucateamento da Cagepa, a maioria dos trabalhadores é obrigada a exercer suas atividades de forma precária e, por vezes, em condições degradantes. Em visita à cidade de Paulista, no Sertão paraibano, o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas do Estado da Paraíba (Stiupb) verificou os seguintes problemas: manuseio de máquinas de alta tensão sem nenhum equipamento de segurança e sem direito ao adicional de periculosidade por ficarem expostos a grandes voltagens e ao barulho das bombas; inexistência de funcionário responsável para fazer a limpeza do local, tendo os próprios operadores que limpar a estação; equipamentos e bombas muitos antigos e enferrujados, o que compromete o funcionamento da estação, potencializando o risco de acidentes; plantões de mais de 24 horas sem pagamento de horas extras; etc. Foi relatada ainda a falta de treinamento para desempenhar as atividades. Segundo os próprios operadores, há mais de 10 anos, não ocorre nenhum tipo de treinamento para manusear os equipamentos. O difícil acesso ao local é outro problema enfrentado pelos funcionários. Quando chove, é necessário atravessar o Rio Piranhas de canoa para chegar ao local de trabalho. Na cidade de Teixeira, também no Sertão, os trabalhadores utilizam motos antigas e sem manutenção, carregando alavancas, tubos de PVC e caixas de ferramentas no bagageiro das motocicletas, o que, além de se caracterizar como infração de trânsito, coloca em risco o condutor e o passageiro (que vai na garupa), além dos pedestres e demais motoristas. Sem qualquer manutenção das motocicletas, muitas delas não têm buzina, retrovisores, faróis, e faltam até os freios! Em todas as regionais da Companhia, é comum encontrar trabalhadores que lidam diretamente com produtos químicos para o tratamento da água, no conserto de vazamentos com tubulações velhas, enferrujadas, e até mesmo no setor de captação e destinação de esgotos, sem qualquer tipo de equipamento de proteção individual (EPI). Faltam luvas, botas, calças, máscaras, óculos, chapéus, etc. De acordo com um trabalhador

que não quis se identificar, “cerca de 70 funcionários da Regional Borborema trabalharam sem botas por 30 dias, colocando em risco sua saúde. Foi necessária uma paralisação e a intervenção do Sindicato para que novas botas fossem entregues”. Stiupb

Greve dos trabalhadores da Cagepa

O Sindicato da categoria também tem cobrado a regulamentação das funções de agente de manutenção e atendente comercial. “Queremos que seja regulamentada a função dos agentes de manutenção, porque estes profissionais exercem todo tipo de atividade dentro da empresa, configurando-se em vários casos o desvio de função.”, afirmou Wilton Maia, presidente do Stiupb, que é agente de manutenção. Já os atendentes comerciais querem ser enquadrados na jornada prevista no regimento da empresa, que é de seis horas diárias, pois eles vêm trabalhando acima disso e sem receber horas extras. Em Campina Grande, sede da segunda maior regional da Cagepa, a Borborema, muitos leituristas (responsáveis pela medição do consumo d'água e pela entrega das faturas), atuam sem o fardamento fornecido pela empresa, sendo obrigados a comprar suas próprias fardas para não perderem o dia de serviço, descumprindo flagrantemente o que determina o Acordo Coletivo de Trabalho. Em fevereiro deste ano, o Stiupb e a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa) realizaram uma assembleia com cerca de 70 leituristas, que paralisaram suas atividades em protesto contra os precários equipamentos de leitura que possuem visores e teclados quebrados. Assédio moral é prática comum na Cagepa Há cerca de um ano, os funcionários da Cagepa em Pombal, na Regional Alto Piranhas, juntamente com o Sindicato, paralisaram suas atividades por dois dias contra o assédio moral. Eles cruzaram os braços denunciando a prática abusiva por parte do coordenador local da empresa e exigindo respeito da gerência regional do órgão. A principal vítima do assédio era a funcionária Geania Mere (recémeleita para a Diretoria Executiva do Stiupb), que, após liderar a greve da categoria na Regional, foi transferida para trabalhar em campo, sem justificativa plausível e de forma incompatível com as normas da empresa. Já na cidade de São Mamede, Regional Espinharas, os funcionários da Estação de Tratamento eram obrigados a capinar o terreno e limpar todo o local de trabalho para terem direito a assistir à televisão durante o horário de descanso e para utilizar a geladeira. Outro problema encontrado foi a falta de iluminação nos postes, comprometendo o serviço e deixando os trabalhadores mais expostos à violência. Por falar em violência, há dois anos, servidores do atendimento co-

mercial ao público, em Campina Grande, foram agredidos por consumidores revoltados com a cobrança de dívidas. Um funcionário foi atingido por uma cadeira e outra funcionária, por um vazo. Todos os anos, são registradas cerca de 50 agressões contra trabalhadores, desde xingamentos, passando por violência física, e até assaltos a mão armada. No mesmo setor, em outra oportunidade, quando os funcionários cobravam a atualização dos computadores, a instalação de ares-condicionados e persianas e a troca de impressoras para melhorar a agilidade do atendimento aos clientes, o gerente local, ao chegar à empresa e constatar que os trabalhadores faziam uma paralisação, tentou expulsar os funcionários de dentro da empresa, mas, como não teve êxito, chamou a Polícia. “Fomos humilhados. Ele nos xingou e disse que lugar de grevista é fora da empresa. Disse que ele era quem mandava ali. Nós dissemos que iríamos continuar porque estávamos exercendo um direito constitucional, que é o direito de greve”, afirmou um funcionário, que preferiu não se identificar. Descaso total com a saúde da população e os recursos naturais Os problemas da Cagepa, claro, não atingem exclusivamente os funcionários da empresa. A população também é diretamente prejudicada. Em Monteiro, no Cariri paraibano, por exemplo, foi constatado que o filtro da

estação de tratamento de água está coberto pelo lodo. Ou seja, a falta de limpeza permanente deste equipamento prejudica a eficácia do processo de purificação da água utilizada para consumo humano, podendo gerar graves danos à saúde pública. Também em Monteiro, a patrulha sindical do Stiupb constatou, neste último mês de outubro, mais um grave caso de negligência da Direção da Cagepa. Há mais de quatro meses, um vazamento na casa de bomba da Barragem São José provoca um desperdício de oito mil litros de água por hora, 24 horas por dia. A água desperdiçada poderia abastecer cerca de 200 residências diariamente. O vazamento provoca também o alagamento da casa de bomba, que é local de trabalho dos funcionários. “Esta situação de sucateamento se repete em todos os reservatórios do Estado e em todos os demais setores da Cagepa. Identificamos claramente uma deliberada falta de gestão na empresa, motivada por interesses escusos, privatistas. Por isso, realizamos, nos meses de junho e julho deste ano, uma greve geral que durou 52 dias.”, afirma Henrique Almeida, tesoureiro do Stiupb. A Cagepa é um importante patrimônio do povo paraibano e deve ser reerguida para o bem da população e dos trabalhadores que a constroem com seu suor diariamente. (Rafael Freire é presidente do Sindicato dos Jornalistas da PB)

Comemore os 15 anos de A Verdade! Anuncie no jornal! Em dezembro, O jornal A Verdade completará 15 anos de existência. Durante todo esse período, A Verdade se consolidou como instrumento de denúncia e de formação política para muitos militantes do movimento operário e popular, principalmente entre a juventude e os trabalhadores. Também atuamos na internet. Desenvolvemos nossa página, com mais publicações diárias e coberturas atualizadas. Nosso sítio eletrônico (www.averdade.org.br) conta com uma média de 1.500 acessos por dia, e cerca de 15.000 pessoas já curtiram a página do Facebook, contando com um alto nível de leitores ativos, que compartilham as postagens. No momento, vivemos no Brasil uma ofensiva midiática da extrema-direita, que utiliza os canais de TV, dezenas de colunistas contratados nos jornais e centenas de

www.averdade.org.br Redação End.: Rua Carneiro Vilela, nº 138/1º andar, Espinheiro, Recife, Pernambuco, Brasil, CEP: 52.050-030 Telefones: (81) 3427-9367 e 3031-6445 E-mail: redacao@averdade.org.br Jornalista: Rafael Freire (MTE-PB: 2.570) Diretor de Redação: Luiz A. Falcão Projeto gráfico: Guita Kozmhinsky São Paulo: (11) 98956-0317 e 98671-3990 Rio de Janeiro: (21) 98083-4999 e 99162-7167

agências de publicidade para propagar um discurso de ódio às mobilizações dos trabalhadores, às lutas sociais e às forças políticas de esquerda. Ao mesmo tempo, vemos as lutas da classe trabalhadora e da juventude se ampliarem, travando um combate direto contra as injustiças do sistema capitalista. Mais do que nunca, a bandeira do socialismo deve ser erguida e apoiada para apontar o rumo certo para estas reivindicações. Daí a importância que assume A Verdade. Contribua com o fortalecimento da imprensa independente, publicando em nossas páginas sua mensagem ou denúncia. Divulgue suas ações e ajude A Verdade a completar mais um ano de vida. Contamos com você! Tabela de preços: 12,9 x 12 cm – R$ 1.500,00 12,9 x 6,2 cm – R$ 600,00 7,2 x 6,2 cm – R$ 400,0

Minas Gerais: (31) 9331-4477 e 9133-0983 Espírito Santo: (27) 9993-6692 Bahia: (71) 9194-1800 e (75) 9198-2901 Alagoas: (82) 8852-8688 e 8875-0330 Paraíba:(83) 8736-0001 e 8772-8249 Rio Grande do Norte: (84) 9688-4375 e 9679-1174 Ceará: (85) 8549-9667 e 9759-2295 Piauí: (86) 9835-0285 Pará: (91) 8154-0530 e 8822-5586 Amazonas: (92) 8222-3265 Santa Catarina: (49) 9940-3958 Rio Grande do Sul: (51) 8131-4693 e 8172-4826 Paraná: (41) 9233-3111 Goiás: (62) 8257-3427 Brasília: (61) 8262-9047


BRASIL

O racismo e a exploração capitalista Eloá dos Santos, Rio de Janeiro os últimos meses, os inúmeros casos de racismo ocorridos no futebol brasileiro e na sociedade como um todo mostram que somos sim um país racista. Senão vejamos: de acordo com dados do IBGE, a população brasileira conta atualmente com 202,7 milhões de pessoas, sendo que, deste total, 53% se declara negra ou parda. Apesar de serem a maioria da população, os trabalhadores negros ganham, Donos de Shopping de Salvador discriminaram negros em média, pouco mais da metade semprego da população de 16 anos ou (56%) do rendimento recebido pelos mais de idade, segundo sexo e cor da petrabalhadores brancos. Trocando em le, em 2009, era para os homens branmiúdos, os negros possuem uma mécos e negros de 5,3% e 6,6%, respectidia salarial de R$ 1.334,79, enquanto vamente. Já entre as mulheres brancas e que a média dos assalariados de cor negras era de 9,2% e 12,5%. branca é de R$ 2.396,74. Ou seja, tem Nem mesmo a maior escolaridarazão Elza Soares quando canta que “a de iguala os salários de homens e mucarne mais barata do mercado é a carne lheres, negros e brancos. Na comparanegra”. ção entre homens com ensino fundamental, os negros recebem em média Quando observamos sob o ponto 76% do salário dos brancos. Entre os de vista de gênero, as diferenças são que pos-suem ensino médio, os negros ainda maiores: enquanto as mulheres recebem 74% do que ganham os hobrancas recebem aproximadamente mens brancos. 70% daquilo que recebem homens Segundo estudo do Dieese, quanbrancos, as negras ganham pouco mais to maior o nível de escolaridade maior a de 40% daquilo que recebem os trabadiferença salarial entre brancos e nelhadores brancos do sexo masculino. gros. Por exemplo, na indústria de Os dados acima reforçam algo transformação a desigualdade de rendique já é sabido: a população negra bramento por hora dos negros em relação sileira se concentra nas camadas mais aos não negros é de 18,4% entre os que pobres da sociedade. possuem ensino fundamental incomSegundo pesquisa realizada pelo pleto, e de 40,1% para aqueles com ensiLaboratório de Análises Econômicas, no supe-rior completo. Históricas e Estatísticas das Relações Todos esses dados revelam o proRaciais (Laeser), a partir de dados da fundo racismo existente na sociedade PNAD 2006, entre as pessoas que trabrasileira e nas relações de trabalho. balham para outros exercendo funções Apenas quando são levadas em conta sem remuneração (ou seja, não recesomente as aptidões intelectuais dos trabem qualquer pagamento pelo trababalhadores, as desigualdades racistas e lho), somente 16,8% são homens branmachistas diminuem, como no caso do cos. Mulheres brancas e homens neserviço público, onde a maioria das adgros são 27%, e mulheres negras somissões é realizada por meio de conmam 29%. curso público, não importando a cor e Entre os trabalhadores remunera(ou) sexo da pessoa. Porém, é preciso redos, 58% das empregadas domésticas lativizar este fato e identificar o racissem carteira assinada são mulheres nemo e o machismo também aí, uma vez gras, enquanto 36% são brancas. Já enque a maioria dos postos de chefia no tre as que possuem carteira assinada, serviço público ainda é ocupada por ho41% são brancas e 48%, negras. mens brancos. Nos setores em que a remuneraO racismo no mercado de trabalho ção e a estabilidade profissional são Em 2013, a Associação Brasileimaiores, porém sem carteira assinada, ra de Recursos Humanos, de Santa Caos homens negros são maioria (40%). tarina, divulgou a existência de cerca Essa relação se inverte quando tratade sete mil postos de trabalho à dispomos de empregados com carteira assisição no Estado. De acordo com o anúnnada. Nesse caso, 34,3% são homens cio, o perfil procurado pelas empresas brancos e apenas 28% são negros. As é de homem branco, entre 25 e 35 anos mulheres brancas são 22% das trabade idade. À época, nem todas as vagas lhadoras com carteira assinada, enforam preenchidas, pois os candidatos quanto as negras são 13%. não tinham “as habilidades e compeAs diferenças persistem quando tências necessárias”, ou seja, não cortratamos dos trabalhadores autônorespondiam ao perfil exigido pelos pamos. Entre os que não possuem nível trões. superior, 31% são homens brancos e Apesar de tal fato ter passado im36% negros (as mulheres brancas e nepune, impor condições raciais para congras somam 16% cada). Para os que tratar funcionários, em qualquer que setêm formação universitária, as diferenja a empresa, é considerado pela Consças raciais aumentam, enquanto as de tituição ato racista, ou seja, é ilegal. O sexo diminuem: homens e mulheres que observamos todos os dias nas relabrancas são 43% e 37%, respectivações de trabalho no Brasil é um racismente, ao passo que homens e mulhemo velado, no qual palavras referentes res negras somam apenas 11% e 6,1%, à cor da pele na maioria das vezes não cada. são citadas, mas estão implícitas nas esApenas no funcionalismo públicolhas feitas na hora de contratar ou co, é que as diferenças de cor da pele e promover alguém. sexo são um pouco menores. Homens No encontro nacional do Movibrancos são 24,7%, mulheres brancas mento de Mulheres Olga Benario, rea33,1%, homens negros 19,5% e mulhelizado em maio deste ano, no Recife, váres negras 21,9%. rios relatos de racismo no trabalho foRacismo e desemprego ram apresentados. “Se uma jovem branca, de cabelos lisos, especialmente se O racismo e a desigualdade entre for loira e de olhos azuis, aparecer para homens e mulheres também estão preocupar uma vaga de emprego nos sentes entre os desempregados. De acordo com o Instituto de Pesquisa Eco- shoppings e estabelecimentos comerciais daqui, uma pessoa negra não tem a nômica Aplicada (Ipea), a taxa de de-

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ATS

menor chance de conseguir aquela vaga, independente das qualificações das candidatas”, disse uma das companheiras presentes. Esse tipo de discriminação acontece, na maioria das vezes, de forma inconsciente, pois o racismo e o machismo estão enraizados em nossa cultura e na ideologia dominante da sociedade de classes. Quem desconhece que os trabalhadores negros são direcionados para ocupar os cargos de menor remuneração? Ou que as promoções no emprego são preferencialmente para os homens brancos? Não faltam justificativas para tal discriminação: dizem que os clientes preferem ser atendidos por brancos, ou que os negros têm menor produtividade ou uma “educação diferenciada”, etc. A quem interessa o racismo? Na sociedade capitalista, em que a riqueza é resultado da exploração da força de trabalho dos operários e das operárias, os capitalistas têm todo o interesse em pagar os menores salários aos trabalhadores, pois, assim, seus lucros serão ainda maiores. A burguesia, por isso, tem todo o interesse em manter e desenvolver o racismo e o machismo nas relações de trabalho para justificar as diferenças salariais entre brancos e negros, e entre homens e mulheres. Logo, é evidente que o capitalismo, mesmo após a abolição legal da escravatura, aproveita- se do racismo e do machismo para aumentar a exploração sobre os trabalhadores, ainda mais no Brasil, país onde a escravidão da população negra existiu por quase 400 anos e mantém forte influência ainda hoje. Quando a escravidão foi “abolida” em nosso país, em 1888, a maioria dos postos de trabalho era ocupada por negros, ainda escravos ou já libertos. A

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nova burguesia nascente preferiu jogar essa massa de trabalhadores no desemprego e contratar em seu lugar imigrantes europeus, sob a justificativa de que o trabalhador branco era “superior” ao negro na cultura, na produtividade, etc., e que traria “civilidade” ao Brasil republicano. Os ricos foram além e passaram a dizer que a responsabilidade pela pobreza existente no Brasil era da grande quantidade de negros que aqui viviam. Assim, implementaram na Primeira República o chamado “Projeto Eugenista para o Brasil”, que visava a “embranquecer” a população. Enquanto os imigrantes europeus tinham emprego e moradia garantidos, os negros engrossaram o exército de reserva do capitalismo e, sem terem onde morar, passaram a formar as primeiras favelas do país. Além disso, os imigrantes não se identificavam com o trabalhador negro, pois eram tratados de forma diferenciada. Assim, a burguesia brasileira conseguiu, desde a formação do nosso mercado de trabalho, implementar dois dos principais objetivos dos capitalistas: reduzir o preço da mão de obra através do aumento do desemprego, e dividir a classe trabalhadora, enfraquecendo sua luta contra os patrões. Porém, engana-se quem pensa que somente os trabalhadores negros são prejudicados com o racismo. A flutuação dos salários, assim como o preço de qualquer mercadoria, gira em torno de um valor médio. Quanto mais baixos forem os salários, menor será a média salarial paga ao conjunto da classe trabalhadora. Por isso, os trabalhadores, brancos ou negros, homens ou mulheres, precisam estar conscientes de que seu inimigo principal não é seu companheiro de trabalho, mas o capitalista, e que qualquer “privilégio” racial ou de gênero dado pelos patrões não tem outro objetivo senão o de dividir a classe. É preciso desenvolver a consciência de que, quando um trabalhador se sente superior ao outro por ser branco ou por ser homem, está reproduzindo a ideologia da classe que o explora e se distancia dos outros trabalhadores.

Nossas crianças negras De acordo com a diretorapresidente do Instituto AMMA Psique e Negritude, Maria Lúcia da Silva, entre oito meses e três anos de idade, o ser humano já começa a notar as diferenças físicas entre ele e os outros. Assim também forma sua personalidade, buscando referências para se construir enquanto membro de uma sociedade. Para as crianças negras e afrodescendentes, essa é uma realidade muito difícil. A primeira referência que elas buscam são os pais, que, na maioria das vezes já vivem sobre influência de uma sociedade opressora, que não lhes permite carregar consigo as tradições, religiões e costumes afrodescendentes. Logo em seguida, vem a escola. Lá, a criança deveria desenvolver uma opinião crítica e libertadora de si, porém, as escolas não cumprem o papel de valorizar a diversidade cultural. Assim, a criança negra, em seu cotidiano, busca a ideia do belo que é transmitida por meio de um processo excludente e preconceituoso pelas instituições de ensino. Não é à toa que nos livros é contada apenas a história dos grandes líderes brancos e que tinham sempre o poder econômico nas mãos. Na TV, literatura, gibis e desenhos animados, até pouco tempo, não víamos os negros e as negras como heróis ou personagens principais. Ao contrário, aqueles que são afrodescendentes sempre aparecem na mídia, literatura e livros infantis como

o marginal, ladrão, pobre, empregado, feio ou feia, como se todos negros nascessem fadados a viver eternamente à margem da sociedade e como se fosse um absurdo reivindicar direitos iguais. Racismo, braço do capitalismo O racismo é um instrumento de opressão usado para oprimir e marginalizar uma parcela da população. Segundo Clóvis Moura, “o racismo se desenvolveu como arma justificadora da invasão e do domínio das áreas consideradas 'bárbaras', 'inferiores', 'selvagens'”. Assim, roubaram a cultura, crenças, costumes, línguas, parentescos, tudo o que construímos durante milênios. O racismo é esse instrumento do capitalismo que oprime a criança negra e pobre e lhe causa efeitos como baixaestima, negação da sua própria imagem, dificuldades de relacionamento e queda no rendimento escolar. Quantos líderes negros nossas crianças conhecem? Quantas vezes contamos a história de heróis que lutaram contra essa sociedade opressora: Zumbi dos Palmares, Malcolm-X, Manoel Aleixo, Panteras Negras e tantos outros? Nós mesmos, que estamos na luta, somos espelho para essas crianças? O que será que refletimos à medida que fazemos piadas, alisamos o cabelo e não assumimos o que realmente somos? Devemos ser um exemplo de resistência, lutando contra o racismo e o capitalismo nos explora e oprimi tão covardemente desde criança. Thainá Siudá, Coordenadora do MLB de Diadema


4 Novembro de 2014

BRASIL

Lições das eleições de 2014. E agora, o que fazer? Lula Falcão

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2º turno das eleições para presidente da República provocou uma das maiores mobilizações políticas já ocorridas em nosso país. Ao final, a candidata do PT Dilma Rousseff venceu o candidato do PSDB Aécio Neves com 51,64% dos votos válidos (54 milhões e 501 mil votos) contra 48,36% (51 milhões e 41 mil votos). A vitória de Dilma garantiu ao PT mais quatro anos na presidência, totalizando ao final do seu mandato 16 anos de hegemonia e impediu pela 4ª vez seguida, a volta da extrema-direita ao governo e de sua política neoliberal. Com efeito, uma vitória de Aécio Neves levaria o Brasil a voltar à política externa de “falar grosso com a Bolívia e fino com os EUA” (Chico Buarque), fim da valorização do salário mínimo, e se constituiria numa real ameaça a vários direitos conquistados pelos trabalhadores, como carteira assinada, FGTS, além da implantação da terceirização em toda a economia. Embora a diferença em favor de Dilma Rousseff tenha sido de somente 3,28% (3 milhões e 400 mil votos),em 2010, a diferença entre Dilma e Serra foi de 12,1% - foi uma vitória significativa se levarmos em conta que o candidato do PSDB contou com o apoio da maior parte dos grandes meios de comunicação do Brasil e do exterior e que o PT, após ter realizado privatizações de aeroportos, rodovias e leilões do petróleo brasileiro, não pôde denunciar as escandalosas privatizações realizadas pelo governo do PSDB, como fez em outras campanhas. O PT e parte de setores da esquerda que o gravitam, consideram que a diferença de apenas três milhões de votos se deveu unicamente à campanha de desconstrução do PT que a mídia vem realizando desde o “mensalão” ou da ação penal 470, julgada pelo Superior Tribunal Federal (STF), composto por ministros em sua ampla maioria indicados pelo presidente Lula e pela presidenta Dilma, e que levou para prisão dirigentes históricos do PT como José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares, além de Roberto Jefferson (PTB), Valdemar Costa Neto (PL), Pedro Corrêa (PP), e o publicitário Marcos Valério. Acreditam ainda que a operação Lava Jato e as denúncias de corrupção na Petrobras com a delação premiada do ex-diretor de abastecimento da empresa, Paulo Roberto Costa, confirmando que fraudou licitações e revelando nome de diretores de empreiteiras, funcionários e partidos que recebiam dinheiro, foi outro elemento utilizado pela mídia e que causou a redução da votação do PT nas regiões Sul, Sudeste e Centro Oeste. Não há dúvida de que essas denúncias e a utilização delas pelos grandes meios de comunicação têm causado grandes estragos ao PT. Mas não há dúvida também de que tais fatos ocorreram e que não são nenhuma fantasia. Prova disso é a confissão, após as eleições, do diretor da empresa ToyoSetal, Julio Camargo, confirmando que fez acordo com diretores da Petrobras para ganhar licitação e doar R$ 6,7 milhões a partidos políticos entre 2006 e 2014, tendo doado ao PT R$ 2,56 milhões. Como ninguém elegeu o PT para cobrar propina na Petrobras, mesmo que o dinheiro seja para financiar a campanha eleitoral, tal prática, entre outras, vai afastando eleitores e até filiados do partido. Há, porém, outras causas mais importantes, até porque em matéria de corrupção o PSDB

é campeão disparado, como mostra a corrupção no Metrô de São Paulo, as privatizações no governo de FHC, o Proer, etc. “Dinheiro pra que dinheiro” Embora tenha tido cada vez mais recursos financeiros para suas campanhas eleitorais, o PT vem reduzindo sistematicamente sua bancada na Câmara dos Deputados: em 2002, elegeu 91 deputados federais; em 2006, 83; em 2010, 88 e em 2014, 70. Além disso, embora a Trabalhadores unidos e conscientes são invencíveis campanha de Dilma Rousseff tenha decialdemocrata, isto é, sua proposta clarado gastos oficiais de R$ 330 minão é acabar com o capitalismo e imlhões, maior gasto de um candidato plantar o socialismo, mas harmonizar desde 1989, perdeu em 15 capitais de os interesses dos capitalistas com os um total de 27, e em cidades como São da classe operária, é promover o cresBernardo do Campo, berço histórico cimento da economia mantendo intacdo PT. ta a propriedade privada dos meios de De onde vem esse dinheiro? Numa sociedade capitalista, a posse do ca- produção e a exploração da classe operária pela burguesia. Defende melhopital, do dinheiro, está nas mãos de rias parciais para os trabalhadores desgrandes empresas e bancos. Logo, são de que a riqueza (os meios de produos donos dessas empresas e bancos ção e o capital) continue nas mãos das que financiam as campanhas dos particlasses dominantes. dos que gastam milhões nas eleições. Tal política fica muito clara nas Levantamento realizado em setembro prioridades econômicas do governo, revelou que o financiamento das camcomo a de utilizar bilhões de recursos panhas eleitorais dos três principais públicos para financiar a formação de candidatos à presidência (Dilma, Aégrandes monopólios nacionais como cio e Marina) veio de apenas 19 emJBS Friboi, OI, Ambev, entre outras presas. Encabeçando a lista, estão banchamadas “multinacionais verdecos, construtoras e mineradoras, tais amarelas” ou na agricultura, ao prioricomo: JBS, Construtora OAS, Brazar o agronegócio em vez da reforma desco, Vale e Ambev. A JBS, dona das agrária. Mas não só. O capital finanmarcas Friboi, Seara e Vigor, por ceiro teve ampla liberdade de ação e exemplo, doou R$ 20 milhões para a (de especulação) nos últimos 12 anos, campanha de Dilma, R$ 6 milhões pacomo provam os lucros astronômicos ra a de Marina e R$ 5 milhões para a de dos bancos privados e as operações de Aécio. Mesmo em 2013, um ano que salvação do Pan-Americano e do Votonão teve eleições, o PT recebeu legalrantim. mente R$ 60 milhões de grandes empreiteiras como a Camargo Correa, Dívida pública, juros e a OAS, Queiroz Galvão, Odebrecht e aristocracia financeira Grupo Solvi. Ora, na moderna sociedade capiNão passa pela cabeça de nintalista, um dos principais meios de reguém que essas empresas financiem passar o patrimônio público e o dipartidos que após vitoriosos venham nheiro do Estado para a classe capitadefender a estatização ou não as favolista é a dívida pública. Os bancos e reçam em licitações. Muito pelo congrandes capitalistas compram os títutrário, tanto os bancos quanto as emlos públicos e o Estado remunera espresas que contribuem têm certeza de ses títulos com o pagamento religioso que serão muito bem recompensados. de juros altíssimos. É como uma bola Uma mão lava a outra, dizem. Por isde neve: quanto mais alto for a taxa de so, durante a campanha os candidatos juros maiores são os rendimentos dos prometem mudanças, mas após a vitódonos dos títulos e mais cresce tamria governam para os ricos que os fibém a dívida pública. Hoje, o Brasil nanciaram. Em síntese, falam uma coicompromete mais de 40% de seu Orçasa, mas fazem outra. Agora mesmo, almento com o pagamento dos juros e, guns dias depois da eleição, o governo mesmo assim, segundo a Auditoria CiDilma aumentou a taxa de juros e admidadã da Dívida a dívida pública já atintiu desistir da proposta de fazer um plegiu R$ 2 trilhões e 986 bilhões. É clabiscito para a reforma política. ro que o nosso povo viveria muito melhor se estes 40% do Orçamento gasOs partidos e as classes sociais tos com juros fossem investidos na Na verdade, os partidos são a exconstrução de casas populares, em Sapressão política de determinadas clasúde, Educação ou no Transporte púses sociais ou de frações de classes blico em vez de ir para os bolsos dos existentes na sociedade. Pois bem, que capitalistas. classes o PT representa? Pois bem, quem são os donos desses títulos da dívida pública que gaEmbora, tenha surgido se afirnham bilhões sem nada produzir? Primando como um partido das classes meiro os bancos, mas também grantrabalhadoras, o PT, ao longo de sua des empresas. Na realidade, bancos e história, foi se descomprometendo grandes empresas são, no essencial, a com os interesses fundamentais da mesma coisa, pois, todos os bancos classe operária e assumindo claramensão donos de empresas e todos os dote a defesa do sistema capitalista. O nos de grandes empresas aplicam parpróprio Lula afirmou que “O PT que te de seu capital na especulação financhegou ao poder comigo, em 2002, ceira, em particular, nos títulos da dívinão era mais o PT de 1980, de 1982”. da pública. Não há nenhum setor im(Estado de S. Paulo, 19/02/2010). portante da economia em que essa lei Que novo PT é esse? Hoje, o PT não se aplique. Por isso, os donos dos se constitui num verdadeiro partido so-

ATS

meios de comunicação pressionam tanto pelo aumento dos juros e comemoram quando ele ocorre. Também, os bancos ganham muito dinheiro quando a taxa de juros sobe, pois isso permite elevar mais ainda os juros que cobram dos clientes e dos que usam cartão de crédito ou cheque especial. Em setembro, os juros médios do cheque especial foram de 183,28% ao ano, maior percentual nos últimos 15 anos. Nesse sentido, embora os grandes meios de comunicação pertençam a algumas poucas famílias bilionárias; elas também possuem títulos, têm dívidas com os bancos ou os bancos possuem parte das ações dessas empresas. Em suma, não adianta culpar a mídia e esconder a verdadeira causa dela agir assim: os gigantescos meios de comunicação fazem a política da aristocracia financeira porque esta é também a sua política, este é o interesse da sua classe, a burguesia. O que é preciso mudar? Mas o que isso quer dizer, na prática? Que não é possível nenhuma efetiva transformação econômica e social no Brasil sem resolver em profundidade a questão da dívida pública e sem a estatização dos bancos. Por outro lado, também não é possível democratizar os meios de comunicação sem acabar com a propriedade privada dos meios de comunicação. A resolução de ambos os problemas passa pela adoção de medidas econômicas revolucionárias, o que só é possível com um governo revolucionário que tenha amplo apoio da população brasileira e credibilidade moral na sociedade. Não será um governo que prega a conciliação entre a burguesia e o proletariado, que defende o crescimento capitalista e se curva ao capital financeiro, que diz uma coisa e faz outra, que adotará essas medidas. Crê o PT que a regulação dos meios de comunicação e uma reforma política diminuiriam o peso dos capitalistas nas eleições e terminariam com a corrupção eleitoral. Bem, o PT já está há 12 anos no governo e até hoje não realizou nenhuma dessas duas reformas. Além do mais, o PT tinha outras reformas em seu programa, que eram compromissos históricos do Partido, como a Reforma Agrária e o fim das privatizações,- e também não as realizou. Terá, agora, mais quatro anos. Seu principal aliado é o PMDB, de Renan Calheiros, José Sarney e Michel Temer. Não custa nada ter fé! Porém, o mal feito está feito. De fato, em nenhum dos seus governos, o PT pressionou para taxar as grandes fortunas, reestatizar as estatais privatizadas, controlar a remessa de lucros das multinacionais, limitar a ação do capital financeiro, o acelerado processo de privatização do petróleo brasileiro, a privatização da saúde ou a mercantilização da educação. Nesses 12 anos, o que vimos foi a ampliação do domínio do capital estrangeiro, a desindustrialização e o retorno da economia nacional à condição de exportadora de matéria-prima e produtos agrícolas (primários), característica do período colonial, denominada hoje em economês, de reprimarização. (Continua na página 5)


BRASIL

As eleições de 2014. O que fazer? (Continuação) É fato também que passados três dias das eleições, o governo aumentou a taxa de juros para 11,25%, e achando pouco, o BC anunciou que é possível um novo aumento até o fim do ano. Por que esse aumento? A justificativa para a nova elevação da taxa Selic é impedir o crescimento da inflação. Ora, em abril de 2013, a taxa de juros era de 7,25%. Desde então, o BC vem aumentando a taxa de juros. Foi agora para 11,25%, mas a inflação, como todos veem, só faz subir em vez de diminuir. A bem da verdade, o aumento dos juros teve como verdadeiro objetivo beneficiar o capital financeiro ou em palavras menos ofensivas, sinalizar ao “mercado” que seus interesses continuarão sendo defendidos no novo governo e que nenhuma medida ameaçará as riquezas fictícias da aristocracia financeira (a não ser o próprio capitalismo e sua crise). Em outras palavras, embora defenda a conciliação entre o capital e o trabalho, é o capital, e não os trabalhadores, o filho privilegiado. Lembremos que durante a campanha eleitoral, a aristocracia financeira promoveu uma permanente especulação na bolsa e com o dólar contra a campanha de Dilma: toda vez que Dilma subia nas pesquisas, a bolsa caía e o dólar subia, um verdadeiro “terrorismo econômico” nas palavras do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho. Tal “terrorismo econômico” é possível porque no capitalismo imperialista, os grandes bancos se fundem com a bolsa, pois são donos também das empresas, o que facilita a venda e compra de ações num só dia. Entretanto, em vez de serem castigados por esse verdadeiro crime eleitoral, os banqueiros receberam um presente de Natal antecipado. A consequência dessa política de afirmar uma coisa e fazer outra leva cada vez mais setores de massas a perderem a ilusão no PT. Além disso, o PT se afastou das lutas de massas uma vez que estas lutas as colocam diretamente em confronto com o governo que não atende suas reivindicações ou com os patrões que financiam suas campanhas eleitorais. Tal situação ficou evidente nas jornadas de junho de 2013, das quais o PT esteve completamente ausente, bem como os chamados partidos da base aliada. Infelizmente, essas questões, em vez de serem apresentadas abertamente, são ocultadas por determinadas forças políticas de esquerda que preferem ser avestruzes a encarar a realidade tal como ela é. Resultado, parcelas da população, principalmente das camadas médias, mas não só, deixaram de votar no PT e se deslocaram para o voto nulo ou branco ou buscam outra alternativa. Constitui-se, assim, um grande equívoco acreditar que será o PT que tirará nosso país da crise em que se encontra ou mesmo que terá forças e coragem para evitar o retrocesso, dado seu alto grau de compromisso com a grande burguesia nacional. O caminho é desenvolver a luta dos trabalhadores Por outro lado, o enorme número de pessoas que votaram num dos dois candidatos, cerca de 105 milhões de eleitores, deixa claro o quanto é equivocada a política de se abster das eleições, de não ir às ruas

disputar as massas e trabalhar para a elevação de sua consciência política. Entretanto, vale ressaltar também que um contingente de 37 milhões de pessoas não se sentiu representado em nenhuma das duas candidaturas que disputaram o segundo turno: 30.137.479 eleitores se abstiveram (21,10%); 1.921.819 votaram em branco e 5.219787 milhões votaram nulo (4,63%). Levando em conta que a campanha de Dilma tinha como slogan Mais Mudanças, e que o candidato da direita afirmava que iria mudar o Brasil, as eleições de 2014 revelaram que o povo brasileiro não está satisfeito com a atual situação política e econômica e querem transformações. Essa realidade coloca perante os revolucionários a importância de crescer seu trabalho de agitação, propaganda e de organização em todas as regiões do país para dirigir esse profundo sentimento de mudança no caminho de uma revolução social e não de um retrocesso. Com certeza, apesar de algumas conquistas importantes, é fato que os trabalhadores brasileiros recebem baixos salários, têm péssimas condições de trabalho, sofrem constantes acidentes de trabalho e uma superexploração dos patrões, além de morarem mal, pagarem caro por um transporte público de péssima qualidade, praticamente não terem direito ao lazer e à saúde pública e vivem numa crise sem fim, enquanto que um pequeno grupo, 1% da população, abocanha todas as riquezas do nosso país. Desse modo, as eleições impõem a urgência dos revolucionários terem um instrumento político que possa efetivamente disputar esses milhões de eleitores e levar até eles uma mensagem revolucionária, de transformações, um partido que efetivamente não seja apenas eleitoral, mas que se apresente em todas as lutas dos trabalhadores e do povo, que seja reconhecido por eles e faça das eleições uma alavanca para a emancipação do proletariado, para a revolução, como defende a Unidade Popular pelo Socialismo. Por fim, as eleições mostraram o quanto ainda é pequena a influência da esquerda revolucionária sobre as massas e colocam para os comunistas revolucionários a necessidade de aumentar o ritmo de trabalho para alcançar o desenvolvimento político e a organização dos trabalhadores. E, como sabemos, tal tarefa só é possível com o avanço das lutas econômicas e políticas das massas populares e por um longo trabalho realizado com determinação e coragem junto à classe operária. Afinal, uma das condições para a vitória da revolução é o partido revolucionário ter a capacidade de “ligar-se, aproximar-se e até certo ponto, se quiserem, de fundir-se com as mais amplas massas trabalhadoras, antes de tudo com as massas proletárias, mas também com as massas trabalhadoras não proletárias”. (Lênin. O Esquerdismo, doença infantil do comunismo). Numa frase, fundir o movimento revolucionário com o movimento de massas. Esse é o único caminho para impedir o retrocesso e levar o Brasil ao socialismo. (Luiz Falcão é membro do Comitê Central do Partido Comunista Revolucionário – PCR)

5 Novembro de 2014

CPT denuncia violência contra os pobres no campo Hinamar Medeiros, Recife MST A Comissão Pastoral da Terra (CPT) denunciou a onda de violência no campo, que até meados de agosto deste ano causou 23 assassinatos no campo, mortes anunciadas, sem que se tomem as devidas providências para evitálas. No mesmo período de 2013, o número de assassinatos registrado foi de 21, assim ao que tudo indica o ano de 2014 será mais violento que o ano anterior. Esta violência ocorre devido a Reforma Agrária não ser pri- 23 camponeses foram assassinados até agosto oridade nos governos estaduais e tamtal, devido a participação das polícias cipouco do federal, além da não demarcavis e militares em atos de repressão e desção de terras indígenas e quilombolas, pejo em ocupações de terra. na prática não se toma providências efeNa realidade, a violência no campo é tivas contra a violência e a impunidade um processo histórico, persistente desde o só faz aumentar os assassinatos no camperíodo colonial que, com a ditadura milipo. tar, foi consolidando sua prática em defeO Estado brasileiro (Judiciário, Lesa do modelo agrícola da “modernização gislativo e Executivo), deveria criar agrícola” capitalista. Sob essa perspectiações efetivas para a diminuição da viova, as heranças do regime ditatorial impulência no campo, com apuração dos fane no Brasil estão contidas nas instâncias tos, condenação e prisão dos mandantes políticas, jurídicas, institucionais e é agrae executores dos crimes, mas é notório vado devido a reduzida participação popuque o Judiciário é subserviente com a vilar direta nas decisões políticas. olência causada pela elite brasileira, enEvidencia-se que o modelo agrícola quanto o Legislativo tenta fazer a todo e agrário hegemônico no Brasil, que foi momento flexibilizar a legislação a faimposto no nosso pais dentro das regras vor dos latifundiários. Já o Executivo do capitalismo, é retroalimentado pela não cria condições efetivas de manter a crescente concentração da terra, explorapopulação no campo com uma política ção de mão de obra e da renda, no qual proagrícola para os pequenos agricultores e voca o enfrentamento permanente entre o avançar na Reforma Agrária. Até hoje, modelo do agronegócio e outras formas o sangue das dezenas de trabalhadores, de agricultura mais sustentável na produquilombolas e dos indígenas que tombaram diante da ganância do capital, não fo- ção agrícola e extrativista. A contradição dos modelos agrícolas ou da visão de agriram suficientes para provocar uma reflecultura, quando atinge o impasse, geralxão e ação imediata de nossos governanmente é resolvida pelos capitalistas com a tes, que abandonaram a política da reeliminação física dos trabalhadores sem forma agrária e da regularização dos terterra, indígenas, quilombolas e sindicalisritórios tradicionais. tas, de modo a garantir a expansão do seu A violência no campo não é uma modelo na agricultura. pratica recente, mas secular, de caráter Um dos últimos casos de eliminação social, político e cultural, materializada de trabalhadores foi o que ocorreu no dia de diferentes formas, geralmente com al19 de setembro, quando foi assassinado to grau de letalidade contra as organizacom 20 tiros o coordenador do MST – PE, ções dos sem terra, trabalhadores rurais, Aldo Soares da Silva, que tinha 35 anos e comunidades indígenas e quilombolas. era mais conhecido como “Bode”. Este Os assassinos são geralmente ligados a crime ocorreu no acampamento Maria Pagrupos da elite histórica agrária, como faraíba, onde Aldo acompanhava no munizendeiros, usineiros, comerciantes locacípio de São Lourenço da Mata-PE, dezeis e empresas, mediante a contratação de nas de famílias que lutava pela Reforma “pistoleiros” e milícias organizadas com Agrária no Brasil. a presença do aparelho repressivo esta-

I Prêmio Poesia da Verdade, com o tema: Memória, Verdade e Justiça Em comemoração aos 15 anos de existência do jornal A Verdade, preenchidos por uma luta consequente em defesa dos trabalhadores, da juventude, da revolução e do socialismo, ocorrerão, no próximo mês de dezembro, diversas festas em todas as regiões do Estado de Pernambuco. A novidade é que os eventos deste ano serão palco do I Prêmio Poesia da Verdade, com o tema: Memória, Verdade e Justiça – 50 anos do golpe militar e a poesia como resistência. O prêmio será realizado pelo Centro Cultural Manoel Lisboa (CCML), em parceria com o jornal A Verdade, e tem como objetivo incentivar a produção de poesia no Estado, em especial de uma literatura contemporânea de cunho engajado. Poderão participar pernambucanos(as) residentes dentro ou fora do Estado e cada autor(a) poderá participar com até dois poemas. As inscrições deverão ser feitas no período de 01 de novembro a 03 de dezem-

bro de 2014, e poderão ser feitas na sede do Centro Cultural Manoel Lisboa, enviando os documentos necessários pelos Correios ou através do e-mail do concurso premiopoesiadaverdade@gmail.com, com todos os documentos devidamente digitalizados e anexados de acordo com o edital https://premiopoesiadaverdade. files.wordpress.com/2014/08/i-premiopoesia-da-verdade-edital1.pdf. A inscrição terá o custo simbólico de R$ 10,00 a ser depositado na conta do Centro Cultural Manoel Lisboa (CCML). O concurso fará a entrega de prêmios para os cinco primeiros colocados. Ao primeiro colocado, a premiação será de um notebook, um certificado de vencedor e uma assinatura do jornal A Verdade por um ano. Ao segundo colocado, a premiação será uma coleção de livros das Edições Manoel Lisboa e um certificado. Ao terceiro colocado, uma assinatura do jornal A Verdade por um ano e um certificado. O quarto e o quinto colocados receberão certificados de participação. Mais informações no blog: www.premiopoesiadaverdade.wordpress.com . Da Redação


6 Novembro de 2014

TRABALHADOR UNIDO Arquivo

35 anos do assassinato Crise no IBGE é fruto da precarização de Santo Dias

O sangue que o Santo derramou foi em favor da luta operária. Para todos os operários que não acham que é certo morrer assim, pense: só se consegue as coisas quando se luta. Eu sei que se ele não tivesse morrido, e tivesse ficado ferido, ele Santo Dias não ia ter medo, ia ter ficado lutando até a vitória final da classe operária”, Ana Dias, esposa de Santo Dias. No dia 30 de outubro deste ano, completam-se 35 anos do assassinato do operário Santo Dias da Silva. Natural de Terra Roxa, interior de São Paulo, Santo Dias nasceu em 1942. No ano de 1962, depois de sua família ser expulsa de onde morava, Santo vai para a capital do Estado em busca de uma vida melhor. Santo Dias e a Pastoral Operária Participante ativo da Igreja Católica e membro da Pastoral Operária, Santo Dias acreditava e lutava por um mundo do trabalho digno e justo. Dizia: “viver só tem sentido se for para transformar alguma coisa”. Santo representava os leigos na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Organizou grupos de base com seus companheiros de fábrica e fez parte da chapa da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo (OSM), em 1978, junto com Waldemar Rossi. No primeiro dia da paralisação dos metalúrgicos por melhores condições de trabalho, em 1979, as subssedes do Sindicato foram invadidas pela Polícia Militar, que prendeu mais de 130 pessoas. Sem o apoio do Sindicato e com a intensa repressão policial, alguns dos metalúrgicos passaram a se reunir na Capela do Socorro, na Zona Sul, região de atuação militante de Santo Dias. No dia 30 de outubro, o comando de greve se encontrou na Capela do Socorro e seguiu para o piquete do turno da tarde em frente a fábrica Sylvânia. Com a chegada da Polícia, a truculência foi terrível. Quando Santo tentou impedir que alguns policiais militares agredissem outro metalúrgico, foi, aos 37 anos, executado com um tiro à queima-roupa disparado pelo soldado Herculano Leonel. O corpo de Santo Dias poderia ter desaparecido, se não fosse a coragem de Ana Dias, sua esposa, que entrou e seguiu no carro que transportava o corpo do operário ao Instituto Médico Legal. O assassinato de Santo Dias não interrompeu a luta operária; pelo contrário, ampliou-a pela derrubada da Ditadura Militar. No dia seguinte à sua morte, foi realizada uma missa de corpo presente na Catedral da Sé, celebrada pelo então cardeal dom Paulo Evaristo Arns. A Catedral ficou pequena para as 40 mil pessoas que participaram da missa e saíram às ruas acompanhando o enterro e protestando contra a morte do líder operário, pelo livre direito de associação sindical e de greve e contra a Ditadura. O nome de Santo Dias consta no “Dossiê Ditadura: Mortos e Desaparecidos no Brasil (1964-1985)”, organizado pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos e é um dos casos da Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Todos os anos, parentes, amigos e companheiros de militância relembram a morte de Santo pitando palavras de ordem e a marca de seu corpo caído em frente à fábrica. Ana Rosa Carrara, MLC - São Paulo

Chapa 3 e MLC garantem eleição em Petrolina Em audiência realizada no Ministério Público do Trabalho de Petrolina (MPT), no dia 01 de outubro, o Movimento Luta de Classes (MLC) conseguiu garantir o direito de voto a todos os trabalhadores da construção civil do município, desde que paguem mensalmente ao Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil e Mobiliário de Petrolina (Sinticon). Esta é uma primeira vitória muito importante para garantir aos trabalhadores o direito de votar e mudar a direção do Sindicato. O MLC, há muito tempo, tem denunciado as irregularidades no Sinticon, como fraudes nas eleições e os arrumadinhos com os patrões. Em março do ano passado, a atual diretoria do Sindi-

cato realizou uma eleição por baixo dos panos e sem o voto da categoria. Após um abaixoassinado com mais de 400 assinaturas e audiências no MPT, foi firmado um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), convocando para o dia 2 de dezembro a eleição do Sinticon. Agora, o MLC está compondo a Chapa 3 e disputando a eleição do Sinticon para colocá-lo nas mãos de quem quer, de fato, fazer a luta. Vamos lutar para conquistar o café da manhã regional, o salário digno, a segurança nas obras e o fim dos abusos dos patrões. Após 29 anos de muita frustração, a categoria está unida para mudar o sindicato. Leonildo Santos, militante do MLC em Petrolina

Em setembro de 2014, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2013 (Pnad 2013) com erros considerados graves. Em linhas gerais, a expansão da amostra utilizada para a pesquisa não foi feita corretamente e isso distorceu cenários de desigualdade, emprego e renda no país. A direção do IBGE e o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão mostraram-se surpresos com o ocorrido, instaurando sindicâncias para apurar e atribuir responsabilidades e punições. No entanto, desde o início do ano, os trabalhadores do instituto já vêm denunciando o verdadeiro motivo das falhas nas pesquisas realizadas e divulgadas pelo IBGE: a precarização. Com a campanha “SOS IBGE”, os servidores têm alardeado vários problemas. O orçamento do instituto, por exemplo, tem sofrido cortes sucessivos. Para 2015, o Planejamento cortou 70% do orçamento, o que fez a direção do órgão cancelar a Contagem da População 2016 e o Censo Agropecuário 2015. Outros problemas evidentes são as péssimas instalações físicas das agências, a insuficiência de instrumentos necessários para o trabalho cotidiano e a falta de democracia no instituto, gerido por uma direção autoritária, que não dialoga com os trabalhadores. Uma grande preocupação dos funcionários é a crescente precarização do trabalho dentro do instituto, já que o pessoal do quadro efetivo está sendo substituído por pessoal temporário, com vencimentos um pouco maiores que um salário mínimo, cerca de 25% da remuneração auferida por um servidor efetivo que cumpre a mesma função. O número de agentes temporários já alcança 40% de todo o pessoal. Sem direito a FGTS, seguro-desemprego, auxílio-saúde e protetor solar no trabalho de campo, esses trabalhadores são submetidos a uma avaliação de desempenho mensal feita com base nas metas e nos prazos para a realização de coleta de dados e de entrevistas para as pesquisas, desprezando as precárias condições de trabalho desses servidores. Como se não bastasse a injustiça desses critérios, a avaliação condiciona a renovação dos contratos de trabalho, aditivado a cada um ou três meses, dependendo das notas de avaliação. Ou seja, em todo mês, o agente temporário do IBGE vê seu emprego ameaçado, já que seu contrato não garante que ele vai estar lá no seguinte. Tamanha instabilidade indica o intenso assédio moral sofrido por esses trabalhadores. O Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Fundações Públicas Federais de Geografia e Estatísti-

cas (ASSIBGE-SN) chegou a entregar um dossiê à Organização Internacional do Trabalho (OIT) para denunciar a situação dos temporários, solicitando a intervenção do órgão junto ao Governo brasileiro. A situação de precarização no IBGE se acelerou devido ao uso indevido da lei 8.745/93, que permite o contrato temporário para uma necessidade também temporária, de excepcional interesse público. A direção do IBGE, no entanto, aplica a lei para cumprir tarefas permanentes do instituto, caracterizando um flagrante desrespeito à Constituição, já que a lei deveria prezar pela exceção. Frente a esse cenário, os trabalhadores do IBGE passaram 80 dias em greve, cujo tom das reivindicações foi a defesa da qualidade deste histórico instituto nacional. O movimento sofreu um duro desgaste ao enfrentar corte de ponto, uma liminar que determinava o funcionamento das unidades com 70% do efetivo, sob pena de multa diária de R$ 100 mil, e a demissão de 186 agentes temporários grevistas. O fim da greve se deu com o acordo de realizar dois grupos de trabalho – sobre carreira no ciclo de gestão e sobre trabalho temporário. Não se pode dizer que a mobilização foi vitoriosa, pois os 186 agentes temporários demitidos não foram reintegrados. Além disso, a perseguição política continua depois da greve, tendo em vista que a direção do IBGE segue demitindo temporários que participaram da greve e dificultando a compensação dos dias de paralisação. No entanto, a categoria segue mobilizada em nome da readmissão dos 186 e está disposta a intensificar o debate sobre a precarização no IBGE. Com a desconfiança de que os grupos de trabalho poderão ser verdadeiros “grupos de enrolação”, cresce a consciência de que não há atalho para os trabalhadores conquistarem direitos e dignidade. O caminho é união e luta! Carolina Matos, servidora temporária do IBGE e que teve desconto no salário devido aos dias em que aderiu à paralisação, mesmo tendo feito a compensação de horas de trabalho ASSIBGE

Funcionários do IBGE se unem contra precarização

Trabalhadores reelegem Luta de Classes para Direção do Stiupb

Rafael Freire

A Chapa Luta de Classes venceu a eleição do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas do Estado da Paraíba (Stiupb) para o quadriênio 2015-2018, com 94,60% dos votos. Ao todo, 2.128 filiados estavam aptos para a votação, destes, 1.574 compareceram as urnas, o que representa 69.97% do eleitorado. A eleição aconteceu no último dia 22 de outubro, com votação em mais de 150 cidades do Estado. Diferentemente de todas as eleições anteriores, desta vez, foram priorizadas urnas volantes para garantir condições para que os trabalhadores filiados pudessem votar. Logo após o encerramento da votação, a apuração dos votos transcorreu nas cidades de Campina Grande e Patos. Para o presidente reeleito, Wilton Maia Velez, a recondução da atual gestão do sindicato representa o reconhecimento da categoria diante de um trabalho desenvolvido ao longo dos últimos quatro anos. “Mesmo com chapa única, o número de eleitores que votaram foi 20% maior do que na eleição de 2010. Esta expressiva votação significa que aumenta nossa responsabilidade diante das necessidades da classe trabalhadora, que hoje

Wilton Maia é reeleito presidente do Stiupb

mostrou confiança na linha política do Movimento Luta de Classes. Uma eleição desta dimensão não pode prescindir da solidariedade do movimento sindical e popular e, por isso, várias entidades se mobilizaram para garantir o pleito, tais como: MLC, CUT-PB, Sindicato dos Metalúrgicos de Campina Grande, Sindicato de Calçados de Carpina-PE, Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Caruaru-PE, Sindlimp Paraíba e Sindlimp Pernambuco, Sinttel-PB, Sintelmarketing-PE, Sindicato dos Jornalistas da Paraíba, Sindicato dos Servidores Públicos de Afogados da Ingazeira-PE, PCR, UJR, APES, DCE-UFCG, Fenatema, Movimento de Mulheres Olga Benario e Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB). Redação PB


JUVENTUDE

A

7 Novembro de 2014

Juventude rebelde e consciente realiza 4º Congresso da UJR

União da Juventude Rebelião (UJR) realizou seu 4º Congresso Nacional entre os dias 30 de outubro e 02 de novembro na cidade do Rio de Janeiro. Durante meses, os militantes da UJR se prepararam debatendo nos núcleos e congressos estaduais os textosbase recomendados e as teses preparadas pela Coordenação Nacional. As teses fizeram um balanço sobre os aspectos de conjuntura, organização, agitação e propaganda, construção material e trabalho de massas revolucionário desempenhado pela UJR. O Congresso se iniciou com uma mesa de abertura que contou com a presença de representantes do Movimento de Mulheres Olga Benário, do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), da Juventude Comunista Avançando (JCA), além do Movimento Luta de Classes (MLC) e da Unidade Popular pelo Socialismo (UP). O início foi marcado também pela saudação da representação internacional da organização irmã União da Juventude Revolucionária do México (UJRM) e também do Comitê Central do Partido Comunista Revolucionário (PCR). Todas as intervenções colocaram a importância da UJR na formação política dos jovens militantes e também de sua posição de vanguarda nas lutas da juventude brasileira. Apontaram também a necessidade de se avançar na unidade dos movimentos revolucionários de juventude no Brasil e também no fortalecimento do internacionalismo proletário, presente em todas as organizações revolucionárias do mundo. Após a mesa de abertura, todos entoaram o hino mundial dos trabalhadores, “A Internacional Comunista”. Na discussão de conjuntura, foi avaliado que no cenário internacional acontece um avanço das disputas interimperialistas por novos mercados, com o aumento das guerras e do inves-

timento na indústria bélica, mas também um acirramento da luta de classes em diversos países, e a elevação da consciência e da luta de diversos povos no mundo. Além disso, no plano nacional, os delegados identificaram a ascensão das greves em diversas categorias de trabalhadores e também da luta estudantil. Por fim, colocaram a necessidade de se intensificar a luta antifascista, tarefa ainda mais clara após a polarização das últimas eleições presidenciais. O aumento da presença da UJR nas lutas, greves e manifestações que têm acontecido no Brasil também foi registrado. Em seguida, o Congresso fez o balanço do trabalho de massas e de organização, apontando os avanços obtidos desde o 3º Congresso, e também as necessidades para o próximo período. O entendimento foi de aprofundar a formação política dos militantes e fortalecer os organismos da UJR para que avancemos na tarefa principal de sermos a vanguarda nas lutas da juventude brasileira, em especial nas lutas dos estudantes, apontando um caminho revolucionário rumo à sociedade socialista, única saída para os problemas dos povos do mundo. A contribuição dos militantes da UJR no movimento estudantil secundarista com a criação e a construção da Fenet significou um ponto de virada no cenário nacional, com a existência de uma entidade que, de fato, seja democrática e represente os interesses dos estudantes a partir dos grêmios em cada escola técnica, e desenvolva luta concretas em defesa de uma educação pública e de qualidade. Já no trabalho nas universidades, a avaliação foi que a participação da UJR em diversos DCEs, CAs e DAs tem sido fundamental para a continuidade de importantes lutas, como a defesa da autonomia universitária e por mais assistência estudantil, mas que ainda é preciso aprofundar nossa ação no sentido de reconquistar a UNE para

Juventude combatente...

Cloves Nascimento, UJR Recife

Juventude. Momento dos sonhos e, como sonhos não envelhecem, ganham o mundo. E é um mundo, vasto mundo, cheio de expectativas, contradições e esperanças por ele mesmo (futuro). Juventude. Sobre o sangue de Manoel Lisboa e um projeto desse mundo futuro, em 1995, brotou um organismo histórico, um novo rebento, nascido da mais pura necessidade dessa juventude carente, sonho plantado em 1966, regado com suor e lágrimas de muitos filhos e filhas de solo guerrilheiro, muitos que tombaram, mas não pereceram. Plantaram seus melhores sonhos e não morreram em vão. Juventude. Se a vida é nova e anda nua, vestida apenas com o nosso desejo, então, desejaremos a vida, e a desejaremos por inteiro, sem nenhum tipo de ilusão. Juventude combatente. As fagulhas da Comuna de Paris que se espalharam pelo mundo inteiro incendiaram mentes e corações. Ascenderam a fogueira da necessidade mais urgente, e sua chama ardente se espalhou pela Europa, África, Ásia, América Latina, Norte, Sul, foi do Litoral ao Sertão. Cuba, Coreia do Norte, Vietnã, Ocuppy Wall Street, Jornadas de Ju-

nho, Primavera Árabe... Multidão. Assim se pode definir a quantidade dessa chama, que a cada dia se levanta e toma novas direções. Tomados pela poderosa doutrina do MarxismoLeninismo, a urgência de uma revolução formou discípulos, e essa juventude otimista, vanguarda na luta, seja no campo ou na cidade, pôs seu nome na História libertando gerações. Se Cuba foi capaz de acabar com a fome e o analfabetismo, mesmo com o genocida bloqueio econômico, o que não faremos com um Brasil liberto, socialista e soberano? Juventude combatente, lutando. A UNE e a Ubes não seriam as mesmas sem a disposição dessa juventude herdeira de Manoel Lisboa, Selma Bandeira, Zumbi dos Palmares e Lampião. Acusam-nos de presunçosos. Presunção? Os recém-completados 25 anos da Uespe, as conquistas da Aerj, as mobilizações da Ames-BH e a criação da Fenet mostram que não. Juventude combatente lutando. As bandeiras vermelhas com aquelas três letras e o rosto do Che, que incomodaram a imprensa burguesa nas manifestações de junho por todo o país, deixaram claro que o gigante não dormiu nunca! Foi

A Verdade

ser protagonista nas lutas do Brasil. Além disso, os participantes também apontaram a necessidade de nossa juventude se inserir mais em outras frentes de luta, como o movimento sindical e popular, bem como a importância de atuarmos nas lutas contra qualquer tipo de opressão em todos os lugares, combatendo o machismo, o racismo e a homofobia, contribuindo para a defesa dos direitos das mulheres, negros, indígenas e da comunidade LGBTT no Brasil. Um momento de grande emoção foi a realização do ato em repúdio aos 50 anos do golpe fascista no Brasil. Foram apresentados vídeos lembrando os principais momentos da resistência à Ditadura Militar e em memória dos dirigentes do PCR assassinados no período. O ato contou com a presença especial de Edival Centenas de militantes da UJR participaram do Congresso Nunes Cajá, membro do Comitê Central do PCR, ex-preso polítiPor fim, na Plenária Final, os deleco, que, em sua intervenção, fez um gados e delegadas aprovaram as prinresgate histórico do período antes do cipais propostas acerca dos pontos disgolpe de 1964, além de relembrar a me- cutidos, reafirmou os princípios marmória dos militantes do PCR naquela xista-leninistas da UJR e o programa em defesa da Revolução Socialista Braépoca, emocionando todo o plenário. Ao som de muitas palavras de or- sileira, do Governo Revolucionário do Trabalhadores e elegeu uma nova Coordem, toda a militância presente dedenação Nacional. monstrou seu repúdio à Ditadura, que Todos os delegados e delegadas prendeu, torturou e assassinou centesaíram muito empolgados e confiantes nas de companheiros e companheiras da sua missão de militante, certos de que lutaram por um Brasil livre da exque o Congresso, enquanto instância ploração e da repressão política. máxima da UJR, celebrou o centralisNo último dia do evento, esteve mo democrático da organização, fortaem pauta o desafio na construção maleceu a convicção ideológica dos joterial da UJR, entendendo que este é vens comunistas e alimentou a espeum ponto fundamental para a sustenrança na luta pela sociedade socialista. tação do trabalho político dos militanFelipe Annunziata (RJ) e Alexandre tes em todo país, bem como para avanFerreira (PE), militantes da UJR çar na luta em defesa da revolução socialista no Brasil.

assim desde 1500 até nossos dias, com a luta pelo passe-livre, passeatas, greves, congressos, grêmios e entidades combativas, que continuam a erguer esse estandarte, convocando os jovens para lutarem por sua libertação. Juventude combatente lutando pelo futuro. E o futuro do Brasil não será definido se não for de baixo para cima, pois o futuro que nos foi exposto não condiz com aquilo que está aí: fome, crimes, violência, desemprego, drogas e alienação. O potencial de nossa juventude tem sido nublado por aqueles que tentam negar o caráter revolucionário de nossos jovens. E o futuro que imaginamos é sem mentiras, individualismos, cobiças e toda a podridão desta sociedade falida. Um futuro bonito, onde os livros de poesia não só ficarão na estante. Utopia? Então vamos construir essa utopia. Lutar pelo impossível. Ser realistas. O ser humano é capaz de construir tantas coisas. E se o presente é de lutas, iremos transpor aquilo que vemos. E se o presente é de lutas, cresceremos firmes, recrutaremos dezenas, formaremos milhares, alcançaremos milhões de vidas com esse novo projeto. Fábricas, vilas, favelas, ruas e becos. Homens e mulheres, jovens e crianças, unidos na luta inevitável de derrotar nossos

medos. Cumpriremos nosso dever na história. Faremos de nosso cotidiano um exemplo com zelo. Tornaremos esse país um verdadeiro país do futuro, concretizando aquilo que o poeta sonhou: o passado abrindo o presente para o futuro, que não dormiu e preparou o amanhecer. Juventude Combatente Lutando pelo Futuro no Presente!

Leia e divulgue 15 anos de luta 15 pela revolução e pelo socialismo!

www.averdade.org.br


8 Novembro de 2014

LUTA POPULAR

Povo se revolta contra a falta d’água em São Paulo Jorge Batista, São Paulo reserva do Sistema Cantareira de abastecimento de água, que atende à Região Metropolitana de São Paulo, deve acabar no mês de novembro, segundo relatou a presidente da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), Dilma Pena, em depoimento na CPI da água da Câmara Municipal de São Paulo. Anos de privatização camuflada da Sabesp e de decisões sobre o sistema hídrico que tiveram como norte as vontades do mercado levaram a essa tragédia anunciada. O fim da água no Cantareira afetará uma população de mais de 8 milhões de pessoas. Mas os efeitos da falta d´água já são sentidos em diversas cidades do Estado que vivem o racionamento e a total falta de informação sobre a disponibilidade de água nas torneiras. Outro sistema de abastecimento de água também vive grave situação. O Alto Tietê, que fica entre as cidades de Suzano e Salesópolis, atingiu apenas 8% da sua capacidade em outubro. Todos os indicadores dão conta de que uma grave e irreversível crise de abastecimento está prestes a se instalar no Estado de São Paulo, deixando milhões de pessoas sem água na torneira para cozinhar ou tomar banho, também afetando a produção industrial e o setor de serviços do estado com maior atividade econômica do Brasil. A Rebelião de Itu Itu é uma cidade do interior paulista localizada na região de Sorocaba, a 101 km da Capital. Com pouco mais de 150 mil habitantes, Itu tem sido uma das cidades mais afetadas com a falta d´água, e seus habitantes já chegaram a dez dias seguidos sem água, vivendo em racionamento desde o mês de fevereiro. Revoltas populares ocorreram nos bairros do Jardim Novo, Portal do Éden e Cidade Nova. O povo chegou a se manifestar em frente à Câmara Mu-

A

nicipal e apedrejar o prédio exigindo a decretação do estado de calamidade pública no município, o que obrigaria a Prefeitura a contratar caminhões-pipa para atender à população. A situação de Itu pode ser uma mostra do que pode acontecer em muitas cidades de São Paulo quando a água do Alto Tietê e do Cantareira acabar. Follow the Money Siga o dinheiro ou, em inglês, Follow the Money, foi o bordão usado no filme Todos os homens do presidente (1976), que contou a história do escândalo de corrupção de Watergate, nos EUA. Mas Follow the Money também serve para entender o motivo da crise da água em São Paulo. A Sabesp é, ou pelo menos era até este ano, uma empresa altamente lucrativa. Como empresa de mercado aberto desde 1994, com 49% de suas ações privatizadas, a Sabesp lucrou mais de R$ 1 bilhão por ano. De 2003 a 2013, a Sabesp lucrou R$ 13 bilhões com o negócio da venda de água e do tratamento de esgoto e distribuiu nessa mesma década a bagatela R$ 4,3 bilhões aos seus acionistas. Com tanto dinheiro dado aos capitalistas donos de suas ações, não sobrou dinheiro para fazer o investimento suficiente para fazer frente à crise da água, e o resultado pode ser visto na casa de cada paulista. Ao tratar a água, bem vital para vida humana, como um negócio, os governos do PSDB colocaram a qualidade de vida de milhões de pessoas e a economia do estado em sérios apuros. Uma vez donos das ações das empresas, os capitalistas passaram a exigir lucratividade e eficiência no negócio. Na linguagem corporativa, lucratividade é apelido para piora na qualidade dos serviços, e eficiência é a senha para aumento da exploração dos trabalhadores. A grande mídia não fala, mas a Sabesp reduziu de maneira drástica o número de seus funcionários desde que

Itúline

começou a ser privatizada. De 30 mil funcionários na década de 1990, a empresa tem hoje pouco mais de 15 mil. Em substituição aos funcionários afastados, foram terceirizados grande parte dos serviços de manutenção da rede de água e esgoto. A terceirização dos serviços impôs a lentidão das empreiteiras nas obras de construção de novos reservatórios. Atualmente, duas População organiza luta contra falta d'água climático agudo. E não se preparou por novas reservas estão contratadas para a um motivo muito simples: não é lucraconstrução via parcerias públicotivo se preparar para a seca. privadas (PPP), mas não foram entrePreparar-se para a seca significa gues à população. estabelecer um plano de contingenciaO grande número de terceirizamento e de aumento nos investimentos das, pequenas empreiteiras, também para a criação de novos reservatórios. tornou corriqueiros os casos de corrupIsso faria cair o valor das ações da ção no interior da empresa, quando os Sabesp na bolsa, gerando prejuízo aos diretores, superintendentes e gerentes acionistas. Entre defender os acionistas estabelecem relações promíscuas com e o povo paulista, o Governo escolheu essas empresas. Muitos desses execuo capital e assumiu o risco de secar o tivos consideraram mais lucrativo fiCantareira e o Alto Tietê. car do lado de lá do negócio, deixando a Sabesp e abrindo terceirizadas presO que vem pela frente tadoras de serviços. Em se realizando a previsão da presidente da Sabesp, uma luta de inteO resultado é o desperdício dos resses vai se instalar em São Paulo no recursos públicos alocados na empresa mês de novembro. De um lado, o e a falta de uma política permanente de Governo vai querer jogar a falta d´água economia e uso racional da água, não para cima do povo, selecionando os baapenas em período seca. Já que o lucro irros mais pobres para menor abastecimesmo está em vender a água, para mento, criminalizando o protesto socique economizar? al e garantindo água para os bairros riUma crise ambiental cos e hotéis de luxo. É preciso levar em conta que é, A população dos bairros da peride fato, grave a crise ambiental que viferia, por outro lado, viverá o desafio de ve a região Sudeste. Há indícios de atuar organizadamente, em unidade, e que uma das nascentes do Rio São apontando para o alvo certo na sua luta. Francisco possa ter secado no Parque Além de exigir o abastecimento e que da Serra da Canastra em Minas Gerais. os ricos paguem a conta da falta d´água O clima seco também tem feito crescer secando suas piscinas, é necessário lea quantidade de queimadas que destrovantar a bandeira da estatização de todo em as matas ciliares e contribuem para o serviço de abastecimento de água sob mais seca em um ciclo vicioso. controle da população. É fundamental Essa crise, no entanto, não aconresponsabilizar o Governo do PSDB, tece de surpresa. Há anos, vem sendo que está há mais de 20 anos no poder e é anunciada por diversos especialistas, incapaz de dar uma verdadeira solução mas o Governo do Estado simplespara os problemas. mente não se preparou para o evento

Do Esquadrão da Morte à Bancada da Bala O Esquadrão da Morte foi uma organização paramilitar que surgiu no final da década de 1960 em diferentes estados e capitais do Brasil e tinha por objetivo eliminar, em um primeiro momento, supostos criminosos comuns e, em um segundo, opositores políticos da Ditadura Militar. Tinha um discurso moralista fundado na defesa da sociedade contra elementos indesejáveis e para a manutenção da ordem pública e sempre esteve muito vinculado à corrupção, tráfico de drogas e associação com grupos criminosos organizados. Em São Paulo, havia um padrão de atuação: execuções de forma brutal e ritualizada feita por policiais civis, de forma sistemática, contra suspeitos e presos. Compunha a forma de operação o sequestro, tortura, muitas vezes, tiros pelas costas, corpos abandonados e expostos em locais ermos ou na periferia. Também fazia parte do ritual que a família da pessoa assassinada recebesse um telefonema anônimo de um elemento do esquadrão, denominado “Lírio Branco”, em São Paulo, e “Rosa Vermelha”, no Rio de Janeiro, informando a localização dos restos mortais. Essas pessoas também eram os responsáveis por informar a imprensa sobre as mortes. Em audiência pública realizada pela Comissão Estadual da Verdade de São Paulo sobre o esquadrão da morte, o jurista Dr. Hélio Bicudo, que foi o promotor de Justiça responsável pela denúncia de envolvidos nos assassinatos e torturas, relatou que, por volta de 1970, na cidade de São Paulo, começaram a

CVRP SP

Audiência da Comissão da Verdade Rubens Paiva

aparecer vários cadáveres. Segundo ele, a Polícia estava muito desacreditada pela população e precisava “mostrar serviço”. Assim, retiravam presos do Presídio Tiradentes ou sequestravam “suspeitos”, o que, muitas vezes, era, na verdade, uma forma de “justiçamento”, limpeza social ou eliminação de concorrentes na relação da polícia com o crime organizado e a corrupção. Bicudo relembrou a conjuntura do momento da criação do Esquadrão da Morte e do seu chefe, o delegado Sérgio Paranhos Fleury. Afirmou que se tratava de um órgão de Estado, apoiado pelo governador da época, Abreu Sodré. Essa institucionalização do Esquadrão é também demonstrada pelo fato de que os policiais que participavam das ações eram promovidos e honrados pela corporação. O jurista é autor do livro “Meu depoimento sobre o Esquadrão da Morte”. Bicudo defendeu o papel investigativo do Ministério Público, pois, segundo ele, “se ficar na mão da Polícia, o caso desaparece” e elogiou a atuação, na época, de dom Paulo Evaristo Arns. Ainda na referida audiência, Alessandra Teixeira, jurista e socióloga, apre-

sentou sua pesquisa sobre os esquadrões da morte e relatou que a atuação paulista foi principalmente entre os anos de 1968 e 1971, com o lema “para cada policial morto, dez bandidos irão morrer”. Alessandra esclareceu, ainda, que foi durante a existência do Esquadrão da Morte que surgiram as Polícias Militares para atuação na repressão política e segurança pública e que estas herdaram os métodos violentos e corruptos da polícia civil. Inclusive, deu destaque às Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) e às pesquisas do jornalista Caco Barcellos, que ligaram a Rota ao Esquadrão da Morte. Esta ligação se dá pela análise das circunstâncias dos assassinatos. Entre os anos de 1970 e 1981, foram cerca de oito mil homicídios documentados com práticas semelhantes às do Esquadrão da Morte, que incluem a destruição de provas para dificultar a perícia. Ela reforçou este número não contempla os casos de “resistência seguida de morte” e de mortos durante o socorro, manobras usadas para mascarar execuções até os dias de hoje. Foi neste contexto que Débora Maria da Silva, fundadora do Movimento Mães de Maio, lembrou o histórico de execuções por parte de policiais na Baixada Santista. Ligando os extermínios pelo Estado no passado e no presente, Débora falou sobre os assassinatos, ao longo dos anos, de seu irmão, seu marido e um de seus filhos. Ela denuncia veementemente a impunidade e conta sua luta desde maio de 2006, quando 600 jo-

vens foram mortos em uma única semana no estado, entre eles seu filho. “O Brasil não passou a limpo o que foi a Ditadura, daí essa situação selando a impunidade do passado e do presente”, disse ela. O que todas essas vítimas têm em comum? O fato de serem negras, jovens, com pouca escolarização e moradoras das periferias. O fato de existir ligação entre a Rota e o Esquadrão da Morte, sendo a Rota praticamente uma continuidade do Esquadrão, muito preocupa quanto à potencialização de seu poder, inclusive no âmbito do Legislativo, com a eleição da chamada Bancada da Bala. Nesta última eleição, ingressaram na Assembleia Legislativa de São Paulo grandes defensores da Rota, como o Coronel Telhada (PSDB), ex-comandante da corporação, Coronel Camilo (PSD), Delgado Olim (PP), Coronel Edson Ferrarini (PTB), Major Olímpio (PDT), Capitão Augusto (PR). Na Câmara Federal são 21 os deputados desta tendência, ditos defensores da “segurança”, ligados à Polícia Militar, Civil ou Exército. Com isso, pautas da direita, como a redução da maioridade penal, têm muito mais chances de serem aprovadas, mesmo que não sirvam para resolver o problema da segurança, e sim para, cada vez mais, encarcerar a população jovem, pobre e negra do país. Torna-se necessário que a sociedade fique em alerta e se mobilize para impedir que este setor reacionário se consolide e cresça ainda mais em nosso país. (Vivian Mendes e Raquel Brito, assessoras da Comissão da Verdade Rubens Paiva)


INTERNACIONAL

9 Novembro de 2014

O massacre dos estudantes de Ayotzinapa Florentino López Martinez*, México

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urante as primeiras horas da noite do dia 26 e da madrugada do dia 27 de setembro passado, na Comunidade de Iguala, Estado de Guerrero, ocorreu um massacre contra os estudantes da Escola Normal Rural “Raúl Isidro Burgos”, resultando em três estudantes assassinados e outros 43 que até o momento se encontram desaparecidos. Foi uma ação cometida pela polícia municipal em coordenação com o cartel do narcotráfico que opera na região, conhecido pelo nome de “Guerreiros Unidos”. Esta escola, que acolhe estudantes aspirantes a professores, é mais conhecida como Escola Normal de “Ayotzinapa” e se encontra no município de Tixtla, Estado de Guerrero, entre o Distrito Federal e o Pacífico Mexicano, a uma distância de 125 quilômetros ao sul da Comunidade de Iguala. No dia do massacre, os estudantes que haviam ingressado na escola realizavam uma atividade conhecida no México como boteo (pedir contribuições voluntárias para a população). Esta é uma atividade corriqueira e se destina a reunir recursos para diversas atividades educativas, culturais e políticas. No fim da tarde, preparavam-se para pegar os ônibus para regressar à escola onde fica o dormitório e o refeitório estudantil e onde vivem em espécie de internato. Os estudantes já tinham em sua posse um ônibus que fazia o traslado de uma equipe de futebol de adolescentes e se dirigiam à saída da comunidade de Iguala, quando um comboio de policiais militares os interceptou e deteve o ônibus. Uma comissão de estudantes desceu para dialogar com os policiais e recebeu a primeira rajada de disparos, que fez cair morto o primeiro estudante e fez também dezenas de feridos, incluindo adolescentes do time de futebol que viajavam no ônibus. Em meio à confusão, os estudantes se dispersaram aterrorizados, iniciando-se assim a tragédia que comoveu o México e o mundo. A perseguição foi brutal nas horas seguintes em todo o povoado (o segundo estudante caído foi atingindo dentro de uma oficina mecânica). Não só interveio a polícia municipal, mas também milicianos do “Guerreiros Unidos”. A omissão do Exército mexicano que tem uma zona militar no povoado, e também de corpos policiais estaduais e federais, que também contam com destacamentos na localidade, é parte de todo modus operandi fascista que ficou evidenciando durante os dias seguintes. O massacre dos estudantes de Ayotozinapa se converteu em um catalizador de toda uma série de inconformidades acumuladas do povo guerrerense. A comunidade estudantil e todo o povo do México, que, durante quase um mês que dura a luta pela apresentação com vida dos 43 de Ayotzinapa, deu mostras de que pode fazer o país transitar para um novo estágio. Iguala, capital do fascismo à mexicana No dia seguinte, 27 de setembro, teve início a revelação da podridão e do atual grau de decomposição do regime mexicano. Foi localizado um terceiro estudante assassinado, ao lado de uma estrada, muito próximo de onde ocorreu a primeira agressão. O corpo mostrava sinais de tortura inimagináveis, seu rosto estava totalmente desfigurado e lhe arrancaram os olhos. Pouco a pouco, foi fluindo a notícia, as imagens percorreram o mundo. Não se tratava apenas de uma repressão qualquer o que aconteceu em Iguala,

Vanguardia

nem era apenas um fato isolado e, tampouco, tratava-se de uma intervenção de narcotraficantes separados do aparelho estatal. Foi um ato perfeitamente coordenado com a polícia estatal, com a intervenção ativa ou, pelo menos, a tolerância dos governos estaduais e federais. A esta altura, já está confirmado que foi um massacre de Estado. Mexicanos vão às ruas exigir o aparecimento de 43 estudantes A artimanha fascista começou a parecidos só se iniciou muitas horas ser desvendada quando um grupo de depois. Além de não encontrarem até policiais municipais que receberam agora os desaparecidos, ficou claro ordens do prefeito José Luís Abarca que, em Iguala, o massacre em massa é (narcoempresário muito conhecido na parte da vida comum do município, região), cuja esposa é irmã de um expois foram encontradas fossas clandescolaborador de um famoso narcotrafitinas, até agora mais de 29, convertencante, Arturo Beltrán Leyva. Este fato do esse povoado em um horroroso é, inclusive, conhecido por todas as cemitério. Há evidências de que muitos estruturas militares, de inteligência e dos restos mortais das fossas foram políticas do Estado mexicano. Após a queimados vivos. A quem correspondetenção dos policiais municipais, o car- dem esses corpos carbonizados, se não tel dos “Guerreiros Unidos” colocou são dos estudantes? Serão de outros mensagens em vários pontos da localiopositores políticos? São perguntas dade exigindo a libertação dos policiais que, até agora, não têm respostas. sob a ameaça de revelar toda a cumpliOs acontecimentos de Iguala não cidade do Governo com o narcotráfico, são isolados nem únicos no país. deixando clara a ligação dos policiais Durante os últimos 10 anos, com os municipais detidos. governos do PAN (Partido Ação NaciO Governo Federal de Enrique onal), o PRI e, em muitos estados do Peña Nieto, do Partido Revolucionário país onde governa, o PRD também, há Institucional (PRI) e o Governo Estamais de 300 mil desparecidos sob o predual de Ángel Heladio Aguirre Rivero, texto da guerra ao narcotráfico. Agora filiado ao Partido da Revolução Demoestá mais do que claro que é um pretexcrática (PRD), frente à revelação desta to. Onde estão os cemitérios clandestiponta do iceberg, da atual composição nos de todos estes desaparecidos? do narcogoverno, apressaram-se em Foram queimados também? Será posevitar que se continue revelando o versível que a esta altura do desenvolvidadeiro caráter do regime mexicano. mento tecnológico de espionagem, de Ao ver que não podiam conter o inteligência militar, que tudo isso aconmovimento, puseram a cabeça do preteça no país sem que ninguém se dê confeito sobre a mesa, não antes sem deixáta? lo fugir (agora é um foragido da JustiTudo leva a crer que Iguala é, de ça), juntamente com seu diretor de polífato, a ponta do Iceberg. Em Iguala se cia, colocando na Prefeitura Municipal pode entender a fisionomia de um regitoda a culpa. me totalmente apodrecido. Mas revelações não param por Não há dúvidas de que Iguala é a aqui. José Luís Abarca tinha como seu capital do fascismo à mexicana, que se principal protetor e padrinho Lázaro distingue de outras épocas fascistas Mazón, que, há alguns dias, era secretápela fusão com as estruturas do narcorio de Saúde do Governo do Estado de tráfico. É a capital do fascismo que Guerrero (agora foi despedido e reslogrou sintetizar o terror de todas as ponde a inquérito). São incontáveis os épocas anteriores, em um modelo apervínculos entre este narcogoverno do feiçoado para destruir massivamente as município de Iguala e o governador do forças produtivas e exercer a ditadura Estado. Inclusive nas redes sociais, burguesa. Abarca publicou várias fotos com o próO avanço da luta de massas prio Enrique Peña Nieto. Ademais, a Desde a noite do dia 26 de setemProcuradoria Geral da República bro, iniciou-se a etapa de mobilizações (PGR), os órgãos da inteligência do para repudiar a agressão aos estudantes país e o sistema judiciário estadual code Ayotzinapa e exigir a apresentação nheciam em detalhes a fisionomia polícom vida dos desaparecidos. Com o tica e criminosa do presidente municipassar dos dias, a indignação se transpal de Iguala. Mais ainda, durante váformou em luta de rua. A opressão acurios meses, foram feitas denúncias formulada nos últimos anos sobre a classe mais e públicas contra diversos atores operária, a imposição de reformas neopolíticos do município, do estado e do liberais ditadas pelo Banco Mundial, o país, sobre o caráter criminoso deste FMI e a OCDE, as fraudes eleitorais, narcopresidente, mas nada foi feito. encontraram neste momento político Por quê? um espaço para mobilização nas ruas e Onde estão os 43 estudantes? praças do país, convertendo Ayotzinapa na alavanca que faz girar a roda HisIsto explica porque não intervieram os corpos policiais estaduais e fede- tória em favor da luta da classe trabarais nem o Exército mexicano. Os dislhadora e das massas populares. paros de arma de fogo de alto calibre O primeiro movimento foi o de foram detonados em distintos pontos revitalizar todas as forças do sofrido do povoado desde as primeiras horas da povo de Guerrero, para sair à rua pela noite do dia 26 de setembro até a exigência de justiça e pelo repúdio ao madrugada do dia seguinte. Isto explica Governo deste estado, retomando a reipor que o prefeito do município não foi vindicação de apresentação com vida, imediatamente preso nem o chefe da de renúncia do governador e da luta hispolícia. Tampouco se iniciaram as dilitórica pela instauração de um Governo gências imediatamente para encontrar Popular e Democrático, assim como a os estudantes desaparecidos, deixando convocação de uma Nova Constituinte. passar uma eternidade com o objetivo Foi lançada a reivindicação de fortalede apagar perfeitamente as evidências cer a polícia comunitária (uma espécie deste crime de lesa-humanidade. de milícia popular) e de ocupação das prefeituras de Guerrero, como forma A busca dos 43 estudantes desa-

de avançar para construção de um poder popular. O movimento estudantil também impulsionou essa luta. A Escola Normal de Ayotzinapa faz parte da Federação dos Estudantes Camponeses Socialistas do México (FECSUM), que aglutina cerca de 15 escolas deste tipo, localizadas em diversas partes do país. A tragédia de Ayotzinapa ainda coincidiu com a greve do Instituto Politécnico Nacional (IPN), que foi desatada contra os efeitos da reforma educativa e que, nos dias passados, chegaram a mobilizar até 50 mil estudantes na Capital do país. As universidades mexicanas viveram dias de luta de classes, demostrando sua força em duas ocasiões (2 de outubro, e a greve de 48 horas entre 14 e 16 de outubro). Durante a greve estudantil, mais de 30 centros educativos importantes se somaram. Agora, está convocada uma segunda greve nacional para o dia 23 de outubro, que promete superar, em muito, a greve passada. O movimento de professores também se somou à luta, com vínculos muito sólidos com os estudantes normalistas. Agora está em curso o que os professores chamam de Plano Estratégico da CNTE (Coordenação Nacional dos Trabalhadores em Educação). Até a greve geral, que deve ter início no próximo ano, há um processo de mobilização crescente. Finalmente, todas as forças democráticas, progressistas e revolucionárias saíram às ruas. Muitos em solidariedade, mas a maioria com suas próprias demandas e aspirações, para unir-se à luta pela apresentação com vida, mas, sobretudo, contra o regime mexicano. Uma mostra clara deste ascenso na luta de massas foi a jornada de mobilizações em 22 de outubro Uma luz por Ayotzinapa, pela apresentação com vida dos 43. Povo exige apresentação com vida dos desaparecidos A História nos ensinou que, muitas vezes, toda a experiência da luta de classes se resume em semanas ou dias. A perspectiva de unidade de todas as forças antifascistas, anti-imperialistas, democráticas e progressistas que vem sendo construída ao longo dos últimos 14 anos não havia encontrado conjuntura tão favorável como agora. Tudo indica que a construção de uma grande Assembleia Nacional do Proletariado e dos Povos do México está cada vez mais próxima. A multiplicação das greves estudantis, a soma das greves de alguns sindicatos que ocorreram recentemente, as jornadas de mobilização do dia 2, 8 e 22 de outubro, vão somando forças para a convocatória de uma paralisação nacional no próximo dia 1 de dezembro. Ao mesmo tempo, a agitação da Greve Política Geral vai de vento em popa. Em todos os espaços e assembleias, entre todas as organizações mais ou menos progressistas e democráticas, a Greve Geral é um debate. Assim, a luta de classes vai sendo escrita no México. *Presidente da Frente Popular Revolucionária


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ECONOMIA

Novembro de 2014

O desastre da Ditadura Militar no Brasil

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uando ouvimos falar em Ditadura Militar no Brasil, a primeira associação que geralmente nos ocorre diz respeito à repressão política: as perseguições, o fechamento de entidades sindicais, estudantis e populares, a cassação de direitos políticos, a censura, o exílio, torturas, mortes, etc. Mas, além de toda essa barbárie, além de todas essas atrocidades que compõem este lúgubre quadro de horror, houve ainda um outro tipo de violência, também brutal, porém mais sutil, que vitimou milhões de brasileiros: foram os crimes econômicos da Ditadura. Num momento da conjuntura em que setores radicais da extrema-direita tentam insuflar camadas politicamente mais atrasadas com seu discurso de ódio e anunciam aos quatro ventos, sem a menor modéstia, decoro ou pudor, suas pretensões ditatoriais, faz-se necessário resgatar este aspecto de nossa história e relembrar que a Ditadura vitimou não apenas aqueles que se engajaram diretamente na luta para derrubá-la, mas também toda a classe trabalhadora brasileira.

mento da produção industrial que não refletiu um aumento real da economia. Isto é, o que se chamou “milagre econômico” foi um fenômeno que, segundo alguns analistas, favoreceu cerca de apenas 7,2% dos assalariados, camada que ganhava até dez salários mínimos. Segundo o historiador Júlio José Chiavenato, autor de O golpe de 64 e a ditadura militar, o tal “milagre” só foi possível porque “o empobrecimento do povo não significou necessariamente uma estagnação econômica na soma da renda nacional: ela apenas foi desproporcionalmente distribuída”. Assim, nunca houve “prosperidade” para a classe trabalhadora durante o tal “milagre econômico”, mas miséria, muita miséria para a ampla maioria do povo brasileiro. Desnacionalização da economia A hipocrisia do discurso “nacionalista” dos militares é desmascarada da maneira mais gritante quando analisada a relação e a subserviência destes com o capital estrangeiro. A Ditadura, ao privilegiar os investimentos externos, comprometeu o futuro do país a médio e lonArquivo go prazo. A Constituição promulgada em 1967, em seu Artigo 161, literalmente “entregava” o subsolo brasileiro à exploração das empresas estrangeiras interessadas nos minérios estratégicos. E um dos principais desdobramentos dessa subserviência, com consequências catastróficas para as décadas seguintes, foi o aumento exorbitante da dívida externa. Em apenas 15 anos, os militares elevaram a Política econômica da Ditadura favoreceu multinacionais dívida externa brasileira em 15 vezes. Passou de 3 bilhões de Concentração de renda dólares para 45 bilhões, um recorde e achatamento salarial mundial. O governo Geisel, geralmente Durante o período da Ditadura Miconsiderado “austero” – talvez uma inslitar (1964-1985), houve um substancipiração para um tal “choque de gestão” al aumento da concentração de renda no contemporâneo – elevou a dívida exterBrasil, alargando o abismo entre ricos e na, que era de 9,8 bilhões de dólares, pobres e agravando as desigualdades so- em 1974, para 35,1 bilhões, em 1978. E ciais. Essa concentração se deu, princiisso tinha uma razão de ser: não desacepalmente, às custas do achatamento dos lerar a economia, considerando que, se salários dos trabalhadores das camadas reduzisse os empréstimos externos, mais baixas, aumentando os salários de comprometeria a produção que dava fauma pequena “elite” consumidora de su- bulosos lucros às multinacionais. pérfluos para sustentar, assim, o falso E por falar em multinacionais, es“milagre econômico” brasileiro. tas não encontravam nenhuma barreira Alguns dados ilustram isso muito para explorar os trabalhadores e os rebem. Em 1960, isto é, quatro anos antes cursos brasileiros e remeter fantásticos do golpe militar, os 20% mais pobres no lucros para suas matrizes no exterior. A Brasil detinham 3,9% da renda nacional. fabricante de cigarros Souza Cruz, por Em 1970, este percentual caiu para 3,4% exemplo, de 1966 a 1976, investiu 2,5 e, em 1980, para 2,8%. Fazendo um oumilhões de dólares no Brasil e remeteu tro recorte, considerando agora os 50% ao exterior, sob a forma de lucros, vulmais pobres, estes detinham, em 1960, tuosos 82,3 milhões. A Firestone, por 17,4% da renda nacional. Sua participasua vez, investiu tímidos 4,1 milhões, ção na riqueza nacional caiu para 14,9%, conforme dados de uma CPI da Câmara em 1970, e para 12,6%, em 1980. Ao dos Deputados, realizada em 1976, e remesmo tempo, os 10% mais ricos subimeteu ao exterior a gorda fatia de 50,2 ram de 39,5%, em 1960, para 46,7%, em milhões de dólares. 1970, e para 50,9%, em 1980. Os 5% Para garantir a satisfação de seus mais ricos viram suas fortunas aumentar patrões, a Ditadura se encarregava de de 28,3%, em 1960, para 34,1%, em sufocar os trabalhadores brasileiros 1970, até chegar aos 37,9%, em 1980. E, com seus baixos salários, concedia ampor fim, os 1% muito ricos saltaram de pla liberdade de remessa de lucros ao 11,9%, em 1960, para 14,7%, em 1970, exterior e generosos incentivos fiscais. até os 16,9%, em 1980. Vale destacar que uma das primeiras Pesquisas do Instituto Brasileiro medidas da Ditadura Militar foi revode Geografia e Estatística (IBGE) mosgar a Lei de Remessa de Lucros, aprotram que, em plena época do “milagre vada em 1962 e promulgada em janeiro econômico”, 12,5% dos trabalhadores de 1964, no fim do governo de João ganhavam até meio salário mínimo; Goulart. 20,8% recebiam até um salário míniAté mesmo empresários brasileimo; 31,1% até dois salários mínimos; ros, insuspeitos de qualquer “subver23,6% entre dois e cinco salários mínisão”, também denunciavam a desnacimos; 7,25% entre cinco e dez salários onalização da economia brasileira immínimos; 3,2% entre dez e vinte saláriposta pelos militares. Dados mostram os mínimos; e 1,6% recebiam mais que que, em 1977, após 13 anos de governo vinte salários mínimos. Ou seja, enmilitar, 72% da indústria de aparelhos quanto o suposto “milagre econômico” elétricos era dominada pelos estrangeiestava a todo vapor, 64,4% da popularos, ocorrendo o mesmo com 99% do seção recebia, no máximo, dois salários tor de fumo, 69% dos materiais de mínimos. transporte, 60% da mecânica e 100% O falso “milagre econômico”, é das máquinas para escritório. Como se importante ressaltar, apresentou um aunão bastasse, 52% do comércio externo

anos. Em 1966, o Ministério da Saúde recebia 4,29% do orçamento federal. Esta porcentagem foi caindo progressivamente, até atingir o percentual de 0,99% do orçamento, em 1974. Ditadura nunca mais! Estes poucos dados já são suficientes para revelar a essência do que foi a Ditadura Militar no plano econômico: um governo títere, subserviente aos interesses estrangeiros e que, longe de criar uma “base” para industrializar o Brasil, desnacionalizou a economia e submeteu o povo a condições de vida desumanas. É claro que, sob um regime democrático, o povo teria reagido abertamente a tais condições de vida através de seus sindicatos, greves e manifestações. Não é difícil compreender, portanto, por qual razão a burguesia precisou se aliar aos militares e instaurar uma ditadura no Brasil: só assim poderia garantir a superexploração dos trabalhadores brasileiros e a realização de fabulosos lucros. Ressalta-se também, nesta perspectiva econômica, que a luta de todos aqueles que tombaram em combate não era uma reação apenas a uma falta de liberdade política, mas também uma busca pela emancipação do povo brasileiro de tais condições de vida humilhantes, desumanas, degradantes. E assim como o fantasma do rei que no Hamlet, de Shakespeare, não podia descansar enquanto sua morte não fosse vingada, podemos ouvir também, ao lado de todos os heróis mortos, o insistente clamor por justiça de milhares de crianças que foram mortas por fome e desnutrição devido aos crimes econômicos do regime. Os responsáveis devem ser punidos. Glauber Ataide, diretor do Sindados MG

brasileiro estava nas mãos das multinacionais. A miséria brasileira A entidade internacional World Population apurou que, em 1979, morriam 52 crianças por hora no Brasil. A desnutrição foi responsável, neste mesmo ano, por 52,4% dos óbitos entre crianças de até cinco anos de idade. O IBGE registrou, em 1981, que 70% da população não comia o necessário, e reconhecia de forma oficial a existência de 71 milhões de subnutridos no Brasil. Tudo isso em pleno período de “milagre econômico”. Ou seja, enquanto o “milagre econômico” registrava um aumento no PIB de 11,4%, em 1973, 13 milhões de crianças e 28 milhões de adultos passavam fome no Brasil. Este ano também registrou a maior baixa salarial da história do Brasil, escancarando a contradição entre crescimento econômico e crescimento da miséria. Saúde Em 1979, um documento do Banco Mundial apontou que a saúde do brasileiro piorava a cada ano. No Nordeste, 30% dos menores de 18 anos se alimentavam com 400 calorias diárias, enquanto a cota mínima seria de 3 mil, e que cerca de 80% dos nortistas e nordestinos tinham uma expectativa de vida 14 anos menor que a das elites. Segundo dados do IBGE, entre 1960 e 1968, a mortalidade infantil subiu de 62,9 para 83,8 (por mil habitantes) em São Paulo. Em Belo Horizonte, de 1960 a 1972, o índice pulou de 74,2 para 105,3. Mesmo diante deste quadro, os investimentos da Ditadura Militar na área da saúde diminuíram com o passar dos

Aos companheiros do jornal A Verdade nadas dos distintos gru“Em dezembro, complepos sociais e a essência tam-se 15 anos da existência de cada um. Define todas do jornal A Verdade, órgão sur- Brasil tem men gido como expressão das me- delegacias da oms udlhe e500 as categorias que imper ram nas forças dominanlhores ideias contemporânetes e seus projetos polítias, paradigma de um intenso cos. O que acontece ou esforço por conformar um pevem acontecendo na socieriódico veraz, patriótico, dedade é abordado com precimocrático e antifascista, disão transparente, incluindo vulgador da história do Braa persistência estrangeira sil, da América Latina e do em apropriar-se das extraormundo. dinárias riquezas que possui Durante 15 anos, seu o grande Brasil. pequeno coletivo se empenhou Um periódico pedagógico, que em construir um jornal a serviço das se dedica a ensinar os processos e expecausas justas. Que estas linhas sirvam riências dos movimentos sociais, hispara expressar-lhes nossa admiração tóricos e as ideias mais avançadas da e felicitar-lhes pelo trabalho realizasociedade contemporânea. Um periódo, a seu coletivo e aos diversos coladico cujo maior compromisso é com o boradores. povo do Brasil. Mês após mês, A Verdade reflete Menção aparte, desejamos exos acontecimentos de maior interesse pressar ao coletivo de A Verdade nosso para a vida do povo brasileiro: como mais profundo agradecimento pelo vive o povo dentro da economia; sua apoio e solidariedade que, durante escultura: músicos, artistas, intelectuais tes 15 anos, tem-se oferecido ao povo e escritores; as ideias sociais: a políticubano em sua tenaz resistência ao crica dos governantes e as aspirações do minoso bloqueio dos Estados Unidos. povo. Um bloqueio que, apesar do rechaço inUm jornal dirigido por homens e ternacional, mostra-se cada vez mais mulheres muito sábios, cujo objetivo impiedoso porque se trata de um proessencial é buscar a unidade de todas jeto confesso do imperialismo norteas forças democráticas e progressistas americano de render e aniquilar os cudo Brasil, no concerto das nações latibanos pela fome e as enfermidades. no-americanas. Recebam também nossa gratidão Não se produz um acontecimenpela coragem com que defendem a cauto que afete as classes populares que sa de nossos cinco heróis antiterrorisnão seja objeto de um olhar em suas tas, três dos quais ainda permanecem páginas. encarcerados em prisões norteA Verdade proclama o direito americanas. dos povos em eleger seu próprio desParabéns pelos 15 anos de lutas e tino; exige o cuidado ao meio ambienvitórias! te, projeta-se numa luta tenaz contra o Recebam uma saudação fraterflagelo das drogas e tem a juventude na de seus companheiros e amigos, como seu mais precioso legado. Merceditas Sánchez Dotres Jornal que educa de maneira ob(historiadora) e Enrique Cirules jetiva porque esclarece com meridiana determinação quais são as coorde(escritor), Havana, Cuba ELES DERAM PELA LIBERD SUAS VIDAS ADE NO BRASIL

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CULTURA

Os Outubros de Taiguara O jornal A Verdade entrevistou Janes Rocha, escritora e jornalista carioca, autora do livro “Os Outubros de Taiguara”, livro-reportagem lançado pela gravadora Kuarup. Na entrevista Janes Rocha conta como surgiu a ideia do livro e revela que Taiguara foi um dos artistas mais perseguidos pela Ditadura, principalmente por seu apoio a Luiz Carlos Prestes e sua defesa firme do comunismo. Cloves Silva, Recife A Verdade – Além de resgatar a obra deste que é um dos maiores compositores da MPB, o que te levou a escolher a história de Taiguara para ser publicada em livro? Janes Rocha – Este trabalho foi feito por mim a pedido da Kuarup Produções, empresa que detém um contrato de curadoria da obra de Taiguara junto à família dele. Em princípio, eu iria apenas levantar os documentos no Arquivo Nacional. Até então, sabíamos que ele havia sido um dos mais perseguidos da Ditadura, mas não sabíamos quanto. Ficamos impressionados com os números, então decidimos fazer um livro que não é bem uma biografia, na verdade, é um livro-reportagem. Centramos o trabalho na questão da censura e de seu ativismo político muito mais do que em questões pessoais. Como livro biográfico é o primeiro, porém encontrei duas teses de mestrado e doutorado sobre ele realizadas por pesquisadoras da Universidade de Brasília, muito boas também, e que estão incluídas na bibliografia de Os Outubros de Taiguara. Você encontrou alguma barreira na preparação do livro? Não, ao contrário. O Arquivo Nacional dá amplo acesso aos documentos. A família dele foi muito bacana, apoiou e ajudou no que pôde, todos, mas especialmente Moína Lima, Marcelo Borghi e Eliane Potiguara. Algumas pessoas que eu pretendia entrevistar, amigos, músicos e políticos, não quiseram falar, ou colocaram dificuldades. Mas creio que mais por questões pessoais que eu

Janes Rocha

respeito, pois ninguém é obrigado a dar entrevista. A tecnologia foi importante para a recuperação das músicas. Taiguara deixou inúmeras canções em fitas cassete que nunca haviam sido gravadas em vinil ou CD. A Kuarup, com o trabalho de uma equipe de especialistas, artesãos da música, liderados por Pedro Baldanza, conseguiu recuperar e remixar muitas delas. Se você entrar no site www.taiguara.art.br, vai poder acessar o disco Ele Vive, que está sendo lançado junto com o livro. Taiguara foi um dos compositores que despertou ódio por parte do Regime Militar. O que causou todo esse ódio, já que ele chegou a ser um dos cantores mais famosos do Brasil na época dos festivais? Ninguém apresentou uma resposta pronta a essa questão. Muitos acham que ele foi perseguido por sua aproximação com Prestes. Isso só é verdade a partir de 1980, quando o conhece e dá início à sua atividade política mais aguerrida. Porém, ele já vinha sendo perseguido muito antes disso, aliás, os documentos das músicas censuradas vão do período 1970-1974, ou seja, antes de seu contato com Prestes. E o motivo para a perseguição inicial da censura é, na verdade, pura implicância com algumas letras mais sensuais. A primeira música dele censurada não tinha nada a ver com política, foi “Corpos nus”, de 1971, que ele pretendia apresentar no VI Festival Internacional da Canção promovido pela Rede Globo.

11 Novembro de 2014

O homem e seu tempo e as marcas da Ditadura Livro Os Outubros de Taiguara

Eu acredito, por tudo que pesquisei e pelas informações dos meus entrevistados, que ele se expôs mais que os outros artistas, daí ter atraído a atenção dos censores. Ele radicalizou suas posições, principalmente na sua volta nos anos 80, quando se alia ao Luiz Carlos Prestes. Nesse momento, ele não só entrou na mira do SNI, mas também começou a perder mídia por seu discurso ácido em defesa do comunismo. Qual a mensagem que você acha que ficou mais forte da obra de Taiguara? Acho que Taiguara deixou como legado um exemplo de luta e sacrifício com seu ativismo político em defesa da democracia. Porém, a grande mensagem de Taiguara está em suas canções. Quase todos se lembram dele mais por suas letras românticas dos anos 60 que, de fato, são belíssimas. Mas acredito que a mensagem que ele queria transmitir está nas músicas que fez a partir do álbum “Imyra, Tayra, Ipy Taiguara” (de 1976, inteiramente censurado e recolhido das lojas). Neste álbum, ele começa a fazer uma fusão de ritmos contemporâneos (bossa nova, jazz, pop) com o regional (chamamé, guarânia), que vai aperfeiçoando daí para frente nos discos seguintes, o "Canções de Amor e Liberdade" (1984) e "Brasil Afri" (1994). Além de lindas canções do ponto de vista artístico, são também uma mensagem de integração latino-americana, de integração dos povos e raças que formam o nosso Brasil. (Cloves Silva é estudante de Letras da UFRPE e militante da UJR)

O romance do jovem escritor Yuri Pires intitulado O homem e seu tempo será lançado pela editora lusobrasileira Chiado, no mês de dezembro. Em seu primeiro livro, Yuri abordou as relações humanas de uma família marcada pela perseguição do regime militar e os caminhos percorridos para encontrar a memória e a verdade sobre esse período. O livro se passa entre Portugal e Brasil e procura estabelecer a relação entre a ditadura militar brasileira e a ditadura de Salazar, na forma como esses regimes de exceção marcaram as pessoas. Conta a história de Eduardo, um filho e neto de militantes políticos que nasceu numa prisão e ainda criança foi exilado com seu avô para Portugal. É uma história de como as relações afetivas e culturais influenciam nossas escolhas de vida e como a privação da memória coletiva é capaz de castrar uma parte importante da individualidade. Em outras palavras, o livro fala das marcas profundas que a ditadura deixou na alma das famílias que por ela foram atingidas. O romance, que se passa em grande parte nos dias atuais, procura estabelecer conexão com a atual luta pela memória, verdade e justiça que se desenvolve no Brasil. Ajuda aos que querem entender melhor a importância de punir os torturadores e assassinos da ditadura, não apenas pelos motivos políticos, mas também pelos motivos humanos. Poeta e escritor, Yuri Pires foi coordenador-geral do DCE da UFRPE e vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE). Redação São Paulo

A retomada do CPC em Campos dos Goytacazes Os Centros Populares de Cultura foram organizados na década de 1960, numa época de efervescência social no Brasil. O povo brasileiro tocava um vigoroso processo de lutas naquele período em nosso país. O Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) realizava greves, as Ligas Camponesas mobilizavam o campo, e a União Nacional dos Estudantes, contando com o apoio do CPC, colocava-se em movimento pela reforma universitária. O governo progressista de Jango, ao propor as chamadas reformas de base, entrava em conflito com os interesses dos setores empresariais e latifundiários, apoiados pelo imperialismo norte-americano. Estes arquitetam o golpe que colocaria o Brasil no rumo do injusto desenvolvimento capitalista, ampliando as desigualdades sociais, o endividamento público, além da já conhecida política de tortura e assassinatos dos militantes e intelectuais que pediam por democracia. Antes e durante a Ditadura, os movimentos culturais da juventude cumpriram também um papel de resistência, seja no teatro de Arena, de São Paulo, ou nos CPCs espalhados pelo Brasil, ou mesmo após o golpe, com o Show Opinião. Os artistas e intelectuais faziam da cultura crítica uma trincheira de luta que buscava resgatar o “sentimento de pertencimento”, de uma vontade coletiva, entre os brasi-

leiros. Fruto desse movimento, destacam-se as produções teatrais que dramatizavam questões como a dominação imperialista, a elitização do ensino superior e o subdesenvolvimento. O renascer do CPC em Campos dos Goytacazes O grupo socialista CPC Pedreiro Amarildo, fundado em Campos dos Goytacazes, no Norte fluminense, propõe resgatar a tradição da arte engajada, tão necessária nos dias de hoje. É uma entidade cultural de agitação política, que está em turnê com a peça teatral Escravos Modernos, que trata de forma simples a condição de exploração do povo trabalhador. Já em sua primeira apresentação na UFF, a peça foi recebida com entusiasmo pelos estudantes. Entretanto, não nos limitaremos ao âmbito do movimento estudantil, e estamos caminhando em direção aos assentamentos de trabalhadores rurais e nos colocando à disposição dos sindicatos de luta dos trabalhadores.

Entendemos que ajudar a contar a história dos trabalhadores e trabalhadoras que construíram tudo que aí está é uma das tarefas mais importantes que temos com a arte. No Município de Campos, os índios Goytacá, primeiros habitantes destas terras, foram expulsos pelos colonizadores. Guerreiros, sua história continua na periferia do conhecimento. Aos negros escravizados que construíram o canal Campos-Macaé sobraram os guetos e as “casas populares”, novas favelas com superfaturados cimentos coloridos. Com os camponeses não é muito diferente. Cortaram cana de sol a sol para os usineiros como escravos, e infelizmente continuam nos dias de hoje na luta pela terra, sem obter grandes conquistas na região. A cultura das elites se impõe. Os fazendeiros são homenageados com seus nomes em ruas da cidade, enquanto lideranças dos trabalhadores continuam completamente desconhecidas. É preciso valorizar a cultura popular, trazendo as consciências das pessoas para a luta. A trincheira cultural Em um cenário de crise do capitalismo mundial, não devemos nos iludir de que o sistema está em crise de hegemonia, ou seja, a ideologia das elites permanece predominante, ditando a tônica das artes, fortalecendo o comportamento individualista, cumprindo seu papel de confundir as pessoas. O

discurso da intolerância contra as chamadas minorias, por exemplo, está em alta. É uma verdadeira ascensão dos setores fundamentalistas no Brasil, utilizando o discurso de ódio e preconceito, comprovando para nós o caráter fascista da extrema-direita raivosa. É necessário despertar mais e mais as pessoas à medida que a crise se agrave e a insatisfação se acentue no seio da sociedade. Por isso, dizemos que é fundamental fortalecer as mídias independentes. Jornais como o A Verdade, sites, canais no YouTube, revistas, as redes sociais, as rádios comunitá-rias, etc., são poderosos espaços de resistência. É preciso também utilizar os mais diversos campos da arte para motivar e organizar a nossa juventude. Seja pela música, pelo teatro, pela literatura, pela produção audiovisual, enfim, seja lá como for, a juventude está convocada a criar revolucionariamente, como criava os CPCs da UNE, agora, no entanto, com maior diversidade de mídias. Hoje temos a internet, diferente do que tinham os CPCs, em 1961. Temos que ocupar os espaços e criar novos espaços da classe para a classe, resgatando a tradição dos Centros Populares de Cultura no país e fortalecendo o ideário revolucionário, movendo para frente a luta antifascista e anticapitalista. Bruna Machel, secretária de Movimento Social do CPC Pedreiro Amarildo


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LUTAS DO POVO BRASILEIRO

Novembro de 2014

As Reformas de Base, o Golpe de 1964 e o Anticomunismo José Levino

Desejo que esta Mensagem ao Poder Legislativo seja, por igual, uma conclamação a todos os brasileiros lúcidos e progressistas para que, cada vez mais unidos e determinados, nos coloquemos à altura do privilégio que a história nos reservou de realizar a nobre tarefa da transformação de uma sociedade arcaica em uma nação moderna, verdadeiramente democrática e livre”. O problema é que os brasileiros lúcidos e progressistas eram minoria no Congresso Nacional. Assim, o anteprojeto de lei enviado ao Congresso pelo presidente João Goulart na abertura da sessão legislativa de 1964 foi rechaçado impiedosamente, taxado de subversivo, orquestrado e a serviço do comunismo internacional. Só então, o Governo resolve apelar para a mobilização popular. O povo até respondeu positivamente, indo às ruas, especialmente no dia 13 de março, na estação ferroviária Central do Brasil, no Rio de Janeiro. 150 mil pessoas. Neste ato, Goulart fez coro com o Movimento Popular e Sindical e com os partidos de esquerda, quanto à urgência das reformas, especialmente da reforma agrária, e que para isso seria preciso alterar a Constituição Federal, que exigia indenização em dinheiro para as desapropriações. A indenização teria de ser mediante a emissão de títulos públicos. Além de mostrar disposição de avanço, Goulart dá provas concretas, com o decreto já assinado em que “Declara de interesse social para fins de desapropriação as áreas rurais que ladeiam os eixos rodoviários federais, os leitos das ferrovias nacionais, e as terras beneficiadas ou recuperadas por investimentos exclusivos da União em obras de irrigação, drenagem e açudagem, atualmente inexploradas ou exploradas contrariamente à função social da propriedade”. Era tarde. Até então, não apenas o Governo não colocara a mobilização popular como fundamental para as reformas, como a esquerda, em sua maioria, mantinha ilusão no caminho institucional, apelando para a participação das massas como forma de apoio, mas não como centro de uma estratégia de criação de um poder popular. Ao contrário, Luiz Carlos Prestes, o lendário dirigente da Coluna Prestes, imortalizado por Jorge Amado como o Cavaleiro da Esperança, naquele mesmo comício de 13 de março, proclamou: “estamos no poder”. Vã ilusão. As forças progressistas apenas estavam no Governo Federal e em alguns estados, como Pernambuco. Mas o poder continuava nas mãos das classes dominantes, a burguesia nacional e internacional e os latifundiários, tendo ao seu lado, como ficou devidamente comprovado, as Forças Armadas. A ofensiva das forças retrógradas Apesar de deter o poder econômico, o poder militar e, parcialmente, o poder político, pois o Congresso estava em suas mãos, estas classes vinham se preocupando há tempos em contar também com o apoio dos oprimidos. Para isso, nada melhor que apelar para o sentimento da religião e da

família, bastando acenar com a ameaça do “comunismo ateu e desagregador”. A ideia, inclusive, surgiu nos Estados Unidos. É bom lembrar que o capitalismo brasileiro nasceu e se consolidou mediante um poderoso tripé, unindo capital externo, capital interno dependente e associado, e o latifúndio. Impossível, pois, contar com a burguesia nacional como motor de uma revolução nacional anti-imperialista, como sonhava o PCB, não dando crédito à tese contrária defendida por um dos seus mais lúcidos aliados, Caio Prado Júnior (leia A Verdade, nº 86, agosto 2007). Logo após o comício da Central do Brasil, é desencadeada a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que mobilizou milhões de pessoas em todo o país contra o Governo Goulart e as Reformas de Base. A origem das marchas foi a Cruzada do Rosário, que, sob o pretexto de homenagear a Virgem Maria e rezar o terço em família, tratava-se de propaganda ideológica convencendo o povo de que os que defendiam a reforma eram comunistas e ateus, que queriam destruir a religião e a família. O idealizador da Cruzada foi um empresário estadunidense, multimilionário, Peter Grace, interessado em investir na América “espanhola”. Ele conseguiu financiamento da CIA para o trabalho a ser desenvolvido pelo padre irlandês Patrick Peyton, chamado padre de Hollywood, por sua capacidade midiática (compare hoje com um padre Marcelo Rossi). A campanha envolveu milhões no Chile, Venezuela, Colômbia, e terminaria em Bogotá, quando, em 1962, o Departamento de Estado dos EUA, com o aval direto do presidente John Kennedy, imprime mudança de rota com sua vinda para o Brasil, onde deveria priorizar Rio de Janeiro e Recife. Assim se fez, sem desprezar Minas Gerais, São Paulo, aliás, todos os grandes centros urbanos. Além das concentrações populares, foram produzidos 600 programas de rádio e televisão. A participação intensiva dos EUA no golpe que derrubou o Governo constitucional de Jango e implantou a Ditadura Militar é comprovada por documentos do próprio Departamento de Estado, mostrados no documentário O Dia que durou 21 Anos, de Camilo Tavares, filho de Flávio Tavares, jornalista preso e torturado pelo Regime. Entre os documentos, está a gravação de uma audiência concedida pelo presidente John Kennedy ao embaixador dos EUA no Brasil, Lincoln Gordon, na Casa Branca. Gordon sugere a intervenção americana no Brasil e sugere a nomeação do coronel Vernon Walters para a função de adido militar na embaixada dos Estados Unidos. Kennedy concorda. A indicação de Walters se deve ao fato de ele ter servido na Itália durante a Segunda Guerra Mundial, onde conheceu vários militares brasileiros, entre os quais Humberto de Alencar Castello Branco. Desse modo, a intervenção se dá por meio de um articulador político, o embaixador Lincoln Gordon, um conselheiro militar, o coronel Walters, a ofensiva ideológica com a Cruzada do Rosário e a Marcha da Família e ainda

a distribuição de alimentos de terceira categoria para os pobres, mediante uma campanha intitulada Aliança para o Progresso. Tinham as reformas de base algo de comunismo? Nada. Eram reformas perfeitamente possíveis e até exigidas pelo desenvolvimento capitalista, desde que de caráter nacional, soberano, como já acontecera nos países centrais, chamados, na época, de “Primeiro Mundo”. Era apenas o progra- Capa do jornal Última H ma de governo do PTB, danora, març o de 1964 do sequência à linha varguista de consolidação de um capitalismo menos Te deixo consternado dependente dos países dominantes. no primeiro de abril Suas principais bandeiras eram a ReDia 1º de abril, dia da mentira, forma Agrária, a Reforma Urbana, sintomático, pois o golpe adota o noEducacional e Fiscal. Na sua essênme de Revolução, Jango está deposto. cia, tratava-se de: Até o general de sua confiança, Assis Brasil, não moveu uma palha para dea) Reforma Agrária – Desaprofender o Governo. Ele confessou que o priação do Latifúndio, mediante indetal dispositivo militar em que Jango e nização com títulos da dívida pública, as forças da esquerda reformista tanto com distribuição para os camponeses acreditavam, nunca existiu. Foi mais sem terra ou com pouca terra (miniuma mentira. fúndios). Brizola garantiu o levante do b) Reforma Bancária – Para II Exército, mas Jango se opôs. Não concessão de crédito aos pequenos queria derramamento de sangue. Preprodutores rurais e urbanos, visando feriu renunciar. A proposta de greve geao seu crescimento econômico. O eiral feita pelo Comando Geral dos Traxo seriam os bancos estatais. balhadores (CGT) não teve êxito. Houc) Reforma Urbana – Regulave apenas paralisações isoladas, como mentação do uso e da posse do solo ur- a da Mina de Morro Velho (leia A Verbano, para desenvolvimento organidade, nº 18, junho de 2001). zado das cidades, garantindo moradia A noite de agonia se instalaria digna para todas as famílias. por 21 anos e seus efeitos permanecem d) Reforma Educacional – Vaaté hoje. O que aconteceu depois é do lorização do Ensino Público e Gratuinosso conhecimento. Totalmente, nunto, do Magistério, abolição da cátedra ca será. Antes do fim, os órgãos de sevitalícia nas universidades. Combate gurança queimaram documentos. Os ao analfabetismo, utilizando-se o méresponsáveis ou executores da represtodo Paulo Freire. são que se abateu sobre o povo brasileiro se recusam a falar à Comissão Nae) Reforma Fiscal – Promoção cional da Verdade, aliás, criada 26 da justiça fiscal, com tributação proanos após a redemocratização, com togressiva e taxação das grandes fortudos os generais-presidentes (ou ditanas. dores de plantão) já falecidos. Os poucos que assumem a condição de terem O projeto previa ainda universatorturado e assassinado presos polítilização do voto, incluindo analfabetos cos afirmam que fariam tudo novae soldados de baixa patente e, no cammente, pelo bem do Brasil. po da economia, o controle das multiSe as esquerdas e os movimentos nacionais e regulamentação da remessociais e populares não tirarem as lisa de lucros para o exterior. A remesções, não aprenderem com a História, sa, por sinal, foi regulamentada por não fizerem autocrítica e redefinirem Goulart, via decreto. Determinava suas estratégias, poderá mesmo acontambém a nacionalização de setores tecer tudo de novo. Como tragédia ou estratégicos da economia, em vista do como farsa, o que, de nenhuma forma desenvolvimento nacional soberano, interessa ao povo brasileiro. a exemplo do elétrico, refino do petróleo, indústria químico-farmacêutica. (José Levino é historiador)

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